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ANÁLISE TÉRMICA DE

VEÍCULOS ESPACIAIS

HUMBERTO ARAUJO MACHADO

JANEIRO, 2019

1
PREFÁCIO

Esta obra foi concebida como material de apoio para a disciplina de mesmo nome
ministrada por mim no curso de pós-graduação strictu sensu de Ciência e Tecnologia
Aeroespaciais nos níveis de mestrado e doutorado, oferecido pelo ITA em parceria com
dois outros institutos do DCTA, o IEAv e o IAE, onde desenvolvo minhas atividades
profissionais.
Nesta obra foram compilados a teoria usada e os resultados obtidos nos trabalhos
relativos à análise térmica dos veículos espaciais e suborbitais desenvolvidos ou em
desenvolvimento pelo IAE, pela qual sou responsável no momento. O objetivo foi
preservar e difundir o conhecimento acumulado em anos de trabalho, baseado na
formação técnica e experiência e corroborado por resultados obtidos em voos reais dos
veículos.
A intenção é que seja atualizada e revisada constantemente, incluindo
contribuições dos colegas, parceiros, alunos da disciplina e orientados do autor, de
modo a se manter como referência nas aplicações espaciais desenvolvidas no IAE.
Deve-se frisar que, embora se trate de uma obra relativa ao campo de
transferência de calor, conhecimentos básicos e genéricos e técnicas de solução
analíticas e/ou numéricas dessa disciplina não serão abordados, visto que podem ser
encontrados em livros texto consagrados específicos sobre o assunto. Assim, considera-
se que os leitores e usuários deste trabalho tenham uma base consistente nessa área, de
forma a poder entender e aplicar o conteúdo apresentado.
Aproveito para agradecer a todos os citados nas referências de minha autoria ou
coautoria, que direta ou indiretamente contribuíram para a confecção deste trabalho.

São José dos Campos, 10 de Janeiro de 2019.

Humberto Araujo Machado


Doutor em Ciências da Engenharia Mecânica (UFRJ, 1998)

Pesquisador Titular
Divisão de Aerodinâmica, Controle e Estruturas – ACE
Instituto de Aeronáutica e Espaço – IAE
Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespaciais – DCTA

Professor Adjunto
Departamento de Mecânica e Energia – DME
Faculdade de Tecnologia de Resende – FAT
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

2
ÍNDICE

PREFÁCIO....................................................................................................................................... 2
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 5
2. AMBIENTE EXTERNO ................................................................................................................. 9
2.1. Voo hipersônico ................................................................................................................. 9
2.2. Características do voo hipersônico .................................................................................. 11
2.2.1. Camadas de choque finas.......................................................................................... 11
2.2.2. Camada de entropia .................................................................................................. 11
2.2.3. Interação viscosa ....................................................................................................... 12
2.2.4. Escoamento à alta temperatura ............................................................................... 13
2.2.5. Escoamento à baixa densidade ................................................................................. 15
2.2.6. Sumário ..................................................................................................................... 16
3. AQUECIMENTO AERODINÂMICO ............................................................................................ 18
3.1. Introdução ........................................................................................................................ 18
3.2. Determinação do fluxo de calor ....................................................................................... 19
3.3. O Método de Zoby ........................................................................................................... 21
3.3.1. Determinação das condições após a onda de choque e de estagnação ................... 22
3.3.2. Distribuição de pressão ao longo do corpo ............................................................... 23
3.3.3. Estimativa do fluxo de calor local.............................................................................. 24
3.3.4. Cálculo da espessura de momento laminar .............................................................. 25
3.3.5. Cálculo da espessura de momento turbulenta .......................................................... 26
3.3.6. Cálculo do fluxo de calor transicional........................................................................ 26
3.3.7. Cálculo das propriedades na fronteira da camada limite ......................................... 27
3.3.8. Correção para os efeitos de compressibilidade ......................................................... 27
3.3.9. Equilíbrio químico ...................................................................................................... 28
3.3.10. Exemplo: Plataforma SARA Sub-orbital................................................................... 31
3.4. Cavidades e Protuberâncias ............................................................................................. 33
3.4.1. Cavidades .................................................................................................................. 33
3.4.2. Protuberâncias .......................................................................................................... 35
3.5. Outros Casos .................................................................................................................... 38
3.5.1. Veículo com ângulo de ataque diferente de zero ...................................................... 38
3.5.2. Regiões com descolamento e formação de esteira turbulenta ................................. 42
4. PROTEÇÃO TÉRMICA ............................................................................................................... 45
4.1. Introdução ........................................................................................................................ 45

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4.2. Tipos de sistemas de Proteção Térmica ........................................................................... 45
4.2.1. Poços de calor............................................................................................................ 46
4.2.2. Sistemas radiativos.................................................................................................... 46
4.2.3. Transpiração e filme refrigerante.............................................................................. 46
4.2.4. Sistemas ablativos ..................................................................................................... 49
4.3. Ablação ............................................................................................................................. 49
4.3.1. Histórico .................................................................................................................... 49
4.3.2. Materiais ablativos .................................................................................................... 53
4.3.3. Compósitos ................................................................................................................ 54
4.3.4. Processos para fabricação de compósitos ablativos ................................................. 55
4.3.5. Processo de polimerização ........................................................................................ 62
4.3.6. Modelagem física da ablação em compósitos .......................................................... 63
4.3.7. Simulação do processo ablativo ................................................................................ 67
4.4. Proteção térmica integrada à estrutura ........................................................................... 79
5. AMBIENTE INTERNO ................................................................................................................ 85
5.1. Introdução ........................................................................................................................ 85
5.2. Modelagem da transferência de calor ............................................................................. 85
5.2.1. Transferência de calor por radiação ........................................................................ 87
5.2.2. Transferência de calor por condução ....................................................................... 87
5.2.3. Transferência de calor por convecção ...................................................................... 88
5.2.4. Fatores externos ........................................................................................................ 88
5.2.5. Potência dissipada pelo elemento ............................................................................. 88
5.3. Sistemas de arrefecimento .............................................................................................. 89
5.3.1. Sistemas de refrigeração passivos ............................................................................ 89
5.3.2. Sistemas de refrigeração ativos ................................................................................ 90
5.4. Dispersão do calor ............................................................................................................ 91
6. PROPULSÃO ............................................................................................................................. 95
6.1. Introdução ........................................................................................................................ 95
6.2. Transferência de calor em motores foguete .................................................................... 95
6.3. Aquecimento na tubeira .................................................................................................. 97
6.4. Efeitos do escoamento bifásico ....................................................................................... 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................. 108

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1. INTRODUÇÃO
O Instituto de Aeronáutica e Espaço - IAE, do Departamento de Ciência e
Tecnologia Espaciais – DCTA (São José dos Campos, SP), tem sido responsável pelo
projeto, construção e lançamento de centenas de foguetes de sondagem ao longo dos
últimos 40 anos, alguns do quais atendendo a requisitos de agências espaciais de outros
países, e pelo desenvolvimento do veículo Lançador de Satélite (VLS), além de outros
projetos relativos ao Programa Nacional de Atividades Espaciais – PNAE (VLM,
SARA, etc..) (IAE, 2019; AEB, 2019).
O projeto e desenvolvimento de veículos espaciais e sub-orbitais envolve a
escolha dos diversos subsistemas, seus materiais e componentes e o cálculo e
dimensionamento dos mesmos. Para tanto, são estimadas as cargas a que o veículo é
submetido durante a missão. Neste trabalho, o estudo estará limitado às chamadas
cargas térmicas, onde estão envolvidos os diversos processos de transferência de calor.
O cálculo dessas cargas visa assegurar que os limites de temperatura não serão
ultrapassados durante a missão.
As cargas térmicas mais estudadas na área espacial são aquelas envolvidas em
satélites e espaçonaves, que são substancialmente diferentes das cargas a que estão
submetidos os veículos lançadores com voo em ambiente atmosférico. Em geral, nos
primeiros, os limites são de temperaturas superiores e inferiores, já que no espaço os
sistemas estarão submetidos a esses dois extremos de temperatura. No caso de
lançadores, praticamente a única preocupação é manter as temperaturas abaixo de
limites de aquecimento. Também o ciclo de operação é bem diferente. Os satélites e
naves espaciais estão sujeitos a ciclos térmicos de longa e média duração. Já os veículos
lançadores estão submetidos a processos de aquecimento transitórios que em geral
nunca passam de algumas dezenas de minutos, se tanto, atingindo um pico durante a
ascensão e outro na reentrada, no caso de veículos recuperáveis (Palmério, 2016).
Se para os satélites e naves espaciais existe toda uma gama de metodologias e até
mesmo softwares dedicados a esse cálculo, no caso dos lançadores cada problema é
tratado de forma independente, somente sendo possível o acoplamento entre eles em
certos casos específicos. Os softwares são genéricos, empregados para casos
específicos, como programas de CFD (Computational Fluid Dynamics) ou análise
estrutural.
No IAE em particular nem sempre esses recursos estiveram disponíveis ou são
aplicáveis devido ao alto custo computacional. Nesses casos, modelos aproximados de
engenharia também são usados e tem demonstrado precisão satisfatória na previsão das
condições de operação, desempenho e temperaturas alcançadas pelos sistemas.
Assim sendo, neste curso será dada ênfase aos processos físicos e modelos de
engenharia usados no cálculo e dimensionamento dos lançadores. Porém, simulações
completas poderão se usadas sempre que possível, para demonstrar a viabilidade e
precisão desses modelos.

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Durante a operação de veículos espaciais e suborbitais, ocorrem diversos
processos de transferência de calor, simultâneos ou não, nas fases de solo e de voo. Na
Fig.1.1 estão mostrados esquematicamente no VLS (Veículo Lançador de Satélite),
outrora em desenvolvimento no IAE/DCTA, os principais processos de aquecimento
sofridos pelo veículo.

Aquecimento por radiação


solar durante o período de
preparação no launchpad
Ablação do TPS

Controle de temperatura dos


sistemas eletrônicos embarcados e
da carga útil

Aquecimento aerodinâmico

Isolamento térmico do propelente

Tubeira: aquecimento e ablação na


Aquecimento da base
garganta
por radiação da pluma

Figura 1.1. Vista esquemática do VLS e de diversos processos de transferência de calor


que ocorrem durante uma missão completa.

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Aquecimento aerodinâmico: devido às grandes velocidades alcançadas dentro da
atmosfera, especialmente em veículos orbitais, ocorre o processo de aquecimento
aerodinâmico da superfície do veículo. Diversos tipos de TPS (Thermal Protection
System) são empregados para proteção do veículo e da carga útil. Para o correto
dimensionamento o TPS, é necessário o conhecimento prévio da carga térmica incidente
em cada região do veículo durante a missão. Essa carga é calculada através de modelos
de engenharia, que necessitam de estimativas prévias da vários parâmetros, tais como
coeficiente de película do ar durante o voo, propriedades do material usado na estrutura
do veículo, etc.

Ablação do TPS: nos pontos de estagnação e regiões próximos, onde o aquecimento


aerodinâmico atinge o pico, são usados TPS ablativos, fabricados com compósitos. O
correto dimensionamento desses escudos ablativos depende não só do conhecimento da
carga térmica e das propriedades termofísicas do material, mas também das
propriedades ablativas. Em geral, essas propriedades são estimadas em ensaios de
laboratórios que tentam reproduzir as condições de voo.

Controle de temperatura dos sistemas eletrônico embarcados e da carga útils: durante


as fases em solo e em voo da missão, é necessário garantir que os sistemas eletrônicos e
a carga útil não ultrapassem as temperaturas limite de operação. Em geral, são
adicionados dispositivos de resfriamento passivos (como massas de inércia térmica, por
exemplo) e eventualmente cabos umbilicais com insuflamento de ar frio para
refrigeração. Nesse caso, é importante determinar com precisão a eficiência desses
sistemas, através do conhecimento das propriedades de condução de calor e resistência
de contato entre os diversos componentes e elementos estruturais ligados a eles. Quando
possível, ensaios em laboratório desses sistemas são montados antes da missão, para
avaliação da variação da temperatura.

Isolamento térmico do propelente, ablação na garganta e aquecimento da tubeira:


esses processos são estudados em ensaios prévios dos motores (“tiro em banco”).
Apesar de diversas medidas de temperatura serem tomadas, entre outros parâmetros,
nem sempre a estimativa de todas as características desses processos são obtidas com
precisão, como os parâmetros térmicos no interior da câmara de combustão e da tubeira,
por exemplo.

Aquecimento da base por radiação da pluma: o fluxo de calor por radiação da pluma do
propelente sobre a base do foguete deve ser estimado de modo a garantir que a proteção
térmica dessa região assegure que a temperatura se manterá dentro dos limites
prescritos. Existem modelos de engenharia e cálculo através de métodos numéricos que
permitem estimar o fluxo de calor radiante sobre a base do veículo. No entanto, esses
modelos demandam o conhecimento prévio de diversos parâmetros e propriedades, dos
quais somente uma parte pode ser obtida a partir dos resultados do tiro em banco do
motor.

Aquecimento por radiação solar durante o período de preparação no launchpad: o


período de espera do veículo na plataforma de lançamento (Launchpad) pode durar
várias horas, o que implica exposição direta à radiação solar. Tal efeito deve ser
contabilizado em todo veículo, de modo que as temperaturas internas se mantenham
dentro dos limites de operação.

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Como foi mencionado, o principal limitante no projeto de foguetes relativo à
transferência de calor são os limites de temperatura. No caso do aço, esse limite em
geral está próximo de 700 K (427º C), embora temperaturas maiores sejam aceitáveis de
acordo com o tipo de aço. O alumínio e compósitos (como Kevlar, por exemplo)
perdem rapidamente suas propriedades mecânicas a partir e 395 K (122º C). No caso
dos aços, apesar do limite de 700 K ser aceitável, deve-se considerar o contato com
materiais menos resistentes à temperatura, como adesivos e compósitos. Um adesivo
típico perde suas propriedades em torno de 400 K.
Um fator a ser levado em conta na análise é o caráter transiente do processo de
aquecimento. Uma vez que o ciclo de operação do foguete compreende um curto
intervalo de tempo, em diversas partes do veículo as temperaturas máximas serão
alcançadas somente após o voo, devido ao processo difusivo de condução de calor.
Esse fato impacta diretamente o projeto de diversos sistemas internos.
Normalmente se considera a temperatura máxima aceitável para a superfície interna da
estrutura da carga útil como 60º C. Dependendo do material de isolamento e do sistema
de arrefecimento interno, essa temperatura pode ser superada após a missão, desde que
seja mantida abaixo do limite durante o voo.
Além do objetivo primário de manter a integridade estrutural do veículo, há
diversas limitações no projeto que precisam ser estabelecidas e resolvidas antes da
própria análise térmica. Algumas limitações são requisitos de projeto. Outras devem ser
analisadas em conjunto com outros requisitos durante a fase preliminar o projeto.
O projeto térmico de um veículo deve levar em conta cada uma ou as
combinações das limitantes do sistema de proteção térmica:
 Peso mínimo da seção transversal do isolamento
 Espessura mínima (permite maior carga de propelente no motor)
 Respeito às margens específicas de segurança na erosão do isolamento ou de
resistência mecânica
 Custo mínimo (incluído matérias-primas, fabricação e isolamento)
 Pirólise do isolamento contribuindo com mínimos efeitos sobre a queima ou
degradação da superfície
 Disponibilidade, reprodutibilidade e ciclo de vida do isolamento
 Compatibilidade química e de adesão com a formulação do propelente, por exemplo
migração do plastificador.
 Limitações no processamento e instalação

A relação entre essas limitações depende fortemente dos requerimentos da missão.


Neste curso, pretende-se analisar os veículos em produção e desenvolvimento no
IAE/DCTA sob a ótica do que foi exposto neste capítulo, de modo a permitir uma visão
prática das aplicações da teoria apresentada.

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2. AMBIENTE EXTERNO

2.1. Voo hipersônico

O voo hipersônico tem características próprias e é fundamentalmente diferente


dos voos subsônico e supersônico. Os limites formalmente aceitos para cada tipo de voo
são (Anderson, 2006):

 Subsônico: M<1
 Transônico: M=1
 Supersônico: M>1
 Hipersônico: M>5

onde M é o número de Mach, igual à razão entre a velocidade de voo e a velocidade


local do som:

M = V/C (1.1)

onde C é a velocidade local do som. Considerando o ar atmosférico com o


comportamento de um gás ideal, a velocidade do som será dependente unicamente da
temperatura absoluta:

𝐶 = √𝛾𝑅𝑇 (1.2)

onde  é a razão entre o calor específico a pressão constante e o calor específico a


volume constante:

 = Cp/Cv = 1,4 (para o ar) (1.3)

R é a constante do ar quando considerado um gás ideal: R = 287 J/kg.K.


T é a temperatura absoluta, necessariamente expressa na escala termodinâmica de
temperaturas, em Kelvin (K).
Para demonstrar a diferença de tratamentos teórico e prático entre os voos
supersônico e hipersônico, são apresentadas na Figura 2.1 as fotos do caça americano F-
104, o primeiro a superar Mach 2 em voo sustentado, e o Space Shuttle (Ônibus
Espacial), que atinge Mach 20 durante a reentrada na atmosfera. É possível observar as
diferenças de filosofia nos desenhos. Enquanto no F-104 o perfil das asas é fino com
baixa razão de aspecto e a frente possui uma ponta proeminente com grande inclinação,
no Shuttle o perfil das asas é suave, com bordo de ataque abaulado e a razão de aspecto
é consideravelmente maior. Também a frente é arredondada com formas suaves. Essas
diferenças se justificam devido às diferentes características de cada tipo de voo.
Em relação ao design para voo atmosférico, no caso de veículos supersônicos e
subsônicos, em geral a sustentação, a propulsão e o volume ocupado são partições
independentes e tratadas individualmente durante o projeto. No caso de veículos
hipersônicos, essas partições são integradas e devem ser tratadas de modo acoplado,
como mostra o exemplo da Figura 2.2.

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(a) Veículo supersônico: caça Lockheed F-104 (década de 1950), capaz de manter
uma velocidade de Mach 2.

(b) Veículo hipersônico: Space Shuttle (década de 1980), que superava Mach 20
durante a reentrada.

Figura 2.1. Comparação entre as formas de veículo supersônico (a) e hipersônico (b).

Figura 2.2. Acoplamento entre as partições de sustentação, propulsão e volume em


veículo hipersônico para voo atmosférico.

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2.2. Características do voo hipersônico

Apesar de o regime hipersônico ter sido definido como aquele que ocorre acima
de Mach 5, não existe um fenômeno pontual a essa velocidade que demarque esse
limite, ao contrário do voo supersônico, quando a onda de choque é formada em Mach
1. Nesse caso, mesmo que a velocidade não atinja Mach 5 é possível identificar um voo
hipersônico através de uma série de fenômenos físicos que se tornam importantes ou
dominantes nessa faixa de velocidade, embora possam acontecer em velocidades
menores, na faixa de Mach 3:

2.2.1. Camadas de choque finas

Após a onda de choque, ocorre um aumento da densidade do gás, que é mais


intenso conforme o número de Mach. Para um determinado ângulo de deflexão, a
camada pós-choque se torna progressivamente mais espessa, conforme a Figura 2.3. No
caso de escoamentos hipersônicos, essa espessura se torna fina e a camada pós-choque é
chamada de camada de choque (shock layer). No caso de escoamentos a baixos números
de Reynolds, a análise pode se tornar complicada quando a camada de choque tem
dimensões semelhantes às da camada limite viscosa. Em altos números de Reynolds
porém em geral a camada de choque é mais espessa que a camada viscosa, facilitando
aproximações teóricas usadas no cálculo.
camada de choque
(shock layer)

camada de choque fina no escoamento


hipersônico.

Figura 2.3. Exemplo de camada de choque de baixa espessura em torno de um corpo.

2.2.2. Camada de entropia

O gás sofre um aumento de entropia após cruzar a frente de choque. Quanto mais
intenso o choque maior o incremento de entropia. No caso de corpos rombudos, como
na Figura 2.4, na região do nariz a frente de choque será extremamente curva. Uma
streamline (linha de corrente) passando pelo centro produzirá um aumento de entropia
maior do que na vizinhança onde a superfície é plana. Nesse caso, um gradiente de
entropia aparece, formando uma camada de entropia onde ocorre um acúmulo de
vorticidade, que interage com a camada limite viscosa. Em consequência, o cálculo
usando a aproximação clássica de camada limite apresenta imprecisões, pois não é
possível determinar sua espessura com precisão.

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Figura 2.4. Camada de entropia ao redor de um corpo rombudo.

2.2.3. Interação viscosa

Um escoamento hipersônico contém uma grande quantidade de energia cinética.


Quando o escoamento é desacelerado devido aos efeitos viscosos, uma parte dessa
energia é transformada em energia interna do gás, gerando um aumento local de
temperatura, como mostrado na Figura 2.5.

Figura 2.5. Perfil de temperatura em camada limite hipersônica.

As características da camada limite hipersônica são dominadas por esse aumento


de temperatura. Por exemplo, o coeficiente de viscosidade aumenta com a temperatura e
isso provoca um aumento da espessura da camada limite. Além disso, como a pressão é
constante na direção normal à superfície dentro da camada limite, de acordo com a lei
dos gases perfeitos,  = P/RT, um aumento da temperatura provoca uma diminuição da
densidade, o que também contribui para o aumento da espessura da camada limite.

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A combinação desses e outros efeitos resulta numa relação aproximada:
2
𝑀∞
𝛿= (2.4)
√𝑅𝑒𝑥

onde  é a espessura da camada limite. Como esse parâmetro é proporcional ao


quadrado do Mach, em um escoamento hipersônico a camada limite pode atingir
grandes extensões ao redor do corpo, o que afeta o escoamento não viscoso fora dela.
Dessa forma, a modificação desse escoamento também afeta a camada limite. Esse
processo é chamado interação viscosa, que pode afetar fortemente a sustentação, o
arrasto e a estabilidade do veículo.
A fricção e a transferência de calor na superfície também são afetadas pela
iteração viscosa, como é mostrado na Figura 2.6. Eventualmente a camada limite pode
crescer a ponto de se misturar com a camada de choque e nesse caso a camada de
choque deve ser tratada como uma camada inteiramente viscosa, impedindo o emprego
da aproximação de camada limite.

Figura 2.6. Efeito da interação viscosa: pressão induzida em um cone a Mach 11 e Re =


1,88 x 105/ft.

2.2.4. Escoamento à alta temperatura

Devido às altas velocidades a dissipação viscosa produz aumentos consideráveis


na temperatura após a onda de choque. A partir de certos níveis, esse aumento provoca a
dissociação e mesmo a ionização das moléculas do ar. Além disso, no caso de escudos
ablativos, onde o material sofre transformações químicas, diversos gases e voláteis são
liberados pela superfície e também reagem com o escoamento. Nesse caso diz-se que a
camada limite reage quimicamente (chemically reacting boundary layer).
A camada limite não é a única região de alta temperatura ao redor do veículo. Na
região do nariz, mostrada na Figura 2.7, ocorre a maior intensidade da onda de choque.
Na Figura 2.8 são mostradas as curvas de temperatura após uma onda de choque em
função da velocidade do escoamento para um veículo voando à altitude de 52 km.

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Figura 2.7. Camada de choque em alta temperatura.

Figura 2.8. Temperatura após uma onda de choque normal como função da velocidade
do escoamento a uma altitude de 52 km.

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Na Figura 2.8, a curva superior assume um valor constante para , o que
equivale a assumir o ar como um gás caloricamente perfeito. Essa hipótese resulta em
temperaturas superestimadas. A curva seguinte apresenta a temperatura para um
escoamento considerando equilíbrio químico, que é próxima da situação real. Assim:
 A temperatura na região do nariz pode atingir valores extremamente altos, por
exemplo, 11000 K a Mach 36 (reentrada da cápsula Apollo), o que é quase duas
vezes a temperatura da superfície do Sol.
 A inclusão dos efeitos de reações químicas é vital para a previsão acurada da
temperatura.

Para escoamento hipersônico, não só a camada limite é afetada pelas reações


químicas, mas toda a camada de choque. No caso do ar, a variação dos calores
específicos, portanto de  se torna importante a partir de 800 K. Para um gás em
equilíbrio químico,  é função tanto da temperatura como da pressão. Para ar a 1 atm a
dissociação do O2 começa a aproximadamente 2000 K e termina a 4000 K. Nessa última
temperatura, o N2 começa a dissociar e termina por volta de 9000 K. Acima de 9000 K,
o gás dissociado se torna parcialmente plasma ionizado.
Se as reações ocorrem muito rápido em comparação com o deslocamento das
moléculas ao longo do campo de escoamento, este é considerado em equilíbrio químico.
Caso contrário, o escoamento é considerado em não-equilíbrio (nonequilibrium flow), o
qual é consideravelmente mais difícil de analisar. Escoamentos quimicamente reativos a
altas temperaturas produzem efeitos importantes na sustentação, arrasto e momentos em
veículos hipersônicos. Porém, os efeitos mais importantes são sobre a transferência de
calor na superfície. De acordo com o aumento de temperatura a transferência de calor
por radiação se torna o meio dominante, em lugar da convecção.

2.2.5. Escoamento à baixa densidade

O parâmetro usado para definir a separação entre os regimes de meio contínuo e


rarefeito é o número de Knudsen:

Kn = /L (2.5)

onde L é o comprimento característico do escoamento (no caso, do veículo)  é o


caminho médio livre percorrido pelas moléculas do gás. Esse parâmetro pode variar de
0,66 x 10-7 m no nível do mar até 30 cm a 100 km de altitude. A Figura 2.9 mostra a
variação dos regimes e o tratamento analítico dado ao escoamento de acordo com Kn.
Não só as equações são afetadas pelo regime. No caso das condições de contorno,
a condição de não-escorregamento (no-slip condition), normalmente aplicada na
superfície e que considera velocidade zero e temperatura do fluido igual à da parede, é
substituída pelas condições de escorregamento para a velocidade e temperatura, onde a
primeira atinge um valor finito e a segunda tem valor diferente do da superfície.
A condição de baixa-densidade não constituí por si uma característica dos
escoamentos hipersônicos, mas foi incluída em virtude desses veículos atingirem
altitudes onde esse regime é encontrado.

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Figura 2.9. Regime de aplicabilidade para várias equações em escoamentos a baixa
densidade.

2.2.6. Sumário

A Figura 2.10 sumariza os efeitos considerados no tratamento de escoamentos


hipersônicos ao redor de veículos em voo através da atmosfera.

Figura 2.10. Efeitos físicos característicos do escoamento hipersônico.

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O estudo e análise de escoamentos hipersônicos envolve a contabilização
simultânea dos diversos fenômenos discutidos nessa seção. Uma organização desse
estudo é apresentada na Figura 2.11. Aqui somente modelos de engenharia aplicados à
estimativa do fluxo de calor serão abordados. Os demais tópicos fogem ao escopo deste
trabalho.

Figura 2.11. Proposta para análise de escoamentos hipersônicos (Anderson, 2006).

17
3. AQUECIMENTO AERODINÂMICO

3.1. Introdução

É comum ouvir de um leigo que o aquecimento aerodinâmico que ocorre em


corpos trafegando à altíssima velocidade na atmosfera é devido ao “atrito” (fricção) com
o ar. Esse fenômeno (fricção) realmente ocorre, já que o ar é um fluido real que possui
viscosidade, sendo assim capaz de gerar tensões de cisalhamento na superfície desses
corpos. Essas tensões resultam em forças que se opõem ao movimento e seu trabalho é
dissipado na forma de calor.
Essa causa do aquecimento é mais intensa no caso das aeronaves supersônicas que
superam Mach 3, quando a temperatura do ar pode superar 300º C e são necessários
recursos especiais de projeto para proteção térmica. O caça de alto desempenho
soviético MIG-25 (Figura 3.1.a) tinha grande parte de sua estrutura confeccionada em
aço, já que a temperatura superava o limite de aplicabilidade do alumínio. O
reconhecedor americano Lockheed SR-71 Blackbird (Figura 3.1.b) empregava uma liga
de titânio e tinha as asas e parte do corpo da fuselagem feito de chapas corrugadas, que
se tornavam planas devido à dilatação térmica. Quando em temperatura ambiente no
solo, chegava a vazar combustível.

(a) Caça Soviético MIG-25 (b) Reconhecedor americano SR-71

Figura 3.1. Aeronaves supersônicas de alto desempenho.

No caso de veículos hipersônicos, as condições são ainda mais severas, como foi
visto no capítulo anterior. Porém nesse caso, a principal causa de aquecimento é a
convecção entre o ar aquecido após o a onda de choque e a superfície do veículo. Essa
condição é crítica no ponto de estagnação do veículo, onde o aquecimento atinge o pico.
Nessa situação, o aquecimento por fricção chega no máximo a 5% da carga térmica,
sendo 95% devido à convecção e eventualmente à radiação (Anderson, 2006).
Ao ser iniciada a indução de reentrada atmosférica, um veículo hipotético estaria a
300 km de altitude. Na fase entre 120 e 30 km, quando o veículo entra com alta
velocidade em uma atmosfera mais densa, esta velocidade é reduzida de 7,6 km/s a 2
km/s. É nessa fase que a maior parte da energia cinética do veículo deverá ser dissipada

18
pela frenagem na atmosfera. Os cursos possíveis de trajetória se encontram em uma
pequena faixa, denominada corredor de reentrada, cujo limite superior é estabelecido
pela carga térmica e o limite inferior é dado por requisitos estruturais (devido à grande
desaceleração) e por um fluxo de calor limite. Os pré-requisitos de fluxo de calor e
carga térmica mínimos do veículo são antagônicos: a trajetória descrita no corredor de
reentrada como sendo o limite inferior permite uma reentrada rápida, ocasionando um
fluxo térmico alto e uma forte desaceleração em altitudes baixas, embora a carga
térmica seja menor devido ao menor tempo de aquecimento. A trajetória do limite
superior proporciona uma reentrada mais lenta, com um fluxo térmico menor, mas com
uma maior carga térmica. No primeiro caso o fluxo de calor mais alto irá exigir o uso de
materiais capazes de suportar altas temperaturas e com um a inércia térmica maior,
enquanto o segundo caso exigirá materiais que sejam bons isolantes térmicos. Um
exemplo da diferença citada para uma reentrada da cápsula americana Apolo resultaria
num fluxo térmico de 12,5 MW/m2 e carga térmica de 4.050 J para o primeiro caso e 4,2
MW/m2 de fluxo e 8.185 J de carga para o segundo caso. Na Figura 3.2 são
apresentadas as curvas (mapas velocidade x altitude) esperadas para diversos tipos de
reentrada.

Figura 3.2. Trajetórias otimizadas para diversos tipos de reentrada (Da Costa, 2000).

3.2. Determinação do fluxo de calor

A estimativa do aquecimento aerodinâmico em voo hipersônico implica na análise


do escoamento viscoso ao redor do veículo. Essa análise pode ser feita em diversos
níveis, com maior ou menor precisão e, em consequência, custos equivalentes. Uma
sequência de complexidade crescente é apresentada na Figura 3.2. Na escala de máxima
complexidade e custo está a simulação computacional através de métodos numéricos
discretos (Elementos Finitos, Diferenças Finitas, Volumes Finitos, etc.). Esse tipo de
análise já é bem estabelecido e pode ser feito com softwares comerciais disponíveis no
mercado. No entanto, sua utilização implica em altos custos envolvidos: disponibilidade
de máquinas de alto desempenho e dos softwares, ambos de alto custo financeiro. Além
disso, deve ser contabilizado o alto custo computacional. A simulação completa do voo
de um veículo pode levar dias ou semanas. O estudo desses métodos e sua aplicação
estão descritos em diversas obras e fogem do escopo desse trabalho. A utilização dos

19
softwares implica em estudos próprios e prática na sua aplicação. Por isso, esses
métodos não serão abordados aqui. Este estudo será limitado ao método de engenharia
atualmente empregado no IAE para estimativa do fluxo de calor. No caso deste
trabalho, será empregado um método de temperatura de referência, (Reference
Temperature Method, na figura 3.2), a ser descrito em detalhe a seguir.

Figura 3.2. Sequência para análise do escoamento viscoso com complexidade crescente
para estimativa do fluxo de calor em escoamentos hipersônicos.

20
3.3. O Método de Zoby

Partindo da estimativa do fluxo de calor no ponto de estagnação de uma esfera em


escoamento laminar, tem-se a equação apresentada por Van Driest (Van Driest,1956):

𝑑𝑢
𝑞𝑤 = 0,763𝑃𝑟 −0,6 (𝜌𝑒 𝜇𝑒 )1/2 √ 𝑑𝑥𝑒 (ℎ𝑎𝑤 − ℎ𝑤 ) (3.1)

onde o subscrito e é referente à fronteira da camada limite, haw é a entalpia do ar na


temperatura adiabática da parede e hw é a entalpia do ar na temperatura da parede. A
partir dessa equação, é possível obter o seguinte resultado:
1
𝑞𝑤 ∝ (3.2)
√𝑅

onde R é o raio de curvatura da superfície no ponto de estagnação. Assim, conclui-se


que o fluxo de calor no ponto de estagnação é inversamente proporcional à raiz
quadrada do raio de curvatura do nariz do veículo. Esse resultado justifica o design
normalmente empregado em veículos hipersônicos. A explicação física é apresentada na
Figura 3.3. Embora um cone com ângulo agudo produza menores temperatura após a
onda de choque, a forma rombuda distribui a carga térmica em uma superfície muito
maior, resultado em um menor fluxo de calor incidente sobre a superfície do veículo.

Figura 3.3. Comparação do aquecimento aerodinâmico entre um cone agudo e uma


geometria rombuda.

A extensão da estimativa do fluxo de calor para a superfície de um corpo


axisimétrico a partir do ponto de estagnação será feita através do método proposto por
Zoby et al (1981) e que vem sendo usada com sucesso no IAE. Para tanto, serão
consideradas as seguintes hipóteses:
 Ângulo de ataque zero e ausência de rotação.
 As propriedades físicas são consideradas constantes com a temperatura.
 O ar atmosférico é considerado um gás calórica e termicamente perfeito e o processo
ocorre na ausência de reações químicas.
 Camada limite fina.
 Escoamento não-viscoso na região da camada de coque externa à camada limite.
 Escoamento isentrópico numa mesma linha de corrente.
 As linhas de corrente próximas à superfície do corpo são normais à onda de choque.

21
3.3.1. Determinação das condições após a onda de choque e de estagnação

Assume-se que as condições da corrente livre são dadas por v, T, p e M,
respectivamente a velocidade, temperatura, pressão e Mach. As condições atmosféricas
(propriedades do ar com a altitude) são obtidas a partir da U. S Standart Atmosphere
(NOA, 1976), de onde se extraem a pressão e temperatura ambientes, velocidade do
som e demais propriedades físicas do ar. As variações de pressão, densidade,
temperatura e velocidade do som do ar de acordo com essa fonte são apresentadas na
Figura 3.3. Estas são as propriedades do escoamento antes da onda de choque. Os
valores após a onda de choque dependem do modelo de gás adotado. No caso de um gás
caloricamente perfeito são usadas as equações básicas das ondas de choque normais:

2 2𝛾
𝑃𝐴 = 𝑃∞ [1 + 𝛾+1 (𝑀∞ − 1)] (3.3)

(𝛾+1)𝑀2

𝜌𝐴 = 𝜌∞ 2+(𝛾−1)𝑀 2 (3.4)

2𝛾 2+(𝛾−1)𝑀∞2
2
𝑇𝐴 = 𝑇∞ {[1 + 𝛾+1 (𝑀∞ − 1)] [ 2
(𝛾+1)𝑀∞
]} (3.5)

(𝛾−1) 2
1+[ ]𝑀∞
𝑀𝐴 = √ 2
2 −(𝛾−1)
(3.6)
𝛾𝑀∞
2

Na hipótese de gás perfeito,  é considerado constante e igual a 1,4. A velocidade após o


choque pode ser calculada através da definição do número de Mach:

𝑉𝐴 = 𝑀𝐴 √𝛾𝑅𝑇𝐴 (3.7)

onde a constante do ar é dada por R = 287,1387 J/kg.K. A entalpia após o choque é


obtida através da definição (para um gás perfeito):

ℎ𝐴 = 𝐶𝑝 𝑇𝐴 (3.8)

O calor específico do ar à pressão constante é dado por Cp = 1004,9855 J/kg.K.


As propriedades de estagnação do gás são calculadas através das relações para gás
perfeito:

𝑉𝐴2
ℎ𝑆 = ℎ𝐴 + (3.9)
2

𝛾
ℎ 𝛾−1
𝑃𝑆 = 𝑃𝐴 (ℎ 𝑠 ) (3.10)
𝐴

𝛾
ℎ 𝛾−1
𝜌𝑆 = 𝜌𝐴 (ℎ 𝑠 ) (3.11)
𝐴

22
120000 1.6

1.2

80000

Densidade (kg/m3)
Pressão (Pa)

0.8

40000

0.4

0 0
0 40 80 120 0 40 80 120
Altitude (km) Altitude (km)

360 400

320
360
Velocidade do som (m/s)
Temperatura (K)

280

320

240

280
200

160 240
0 40 80 120 0 40 80 120
Altitude (km) Altitude (km)

Figura 3.3. Propriedades da atmosfera padrão ao longo da altitude.

3.3.2. Distribuição de pressão ao longo do corpo

Para o cálculo da pressão na superfície da parede é empregado o método de


Newton modificado. A pressão é calculada por:

pi  p  2 p
 1   cos i   (3.12)
ps  ps  ps

onde Ps é a pressão no ponto de estagnação, Pi é a pressão em um ponto qualquer na


superfície e i é o ângulo formado pela normal à superfície no ponto i e o eixo de
simetria do veículo, Figura 3.4. Apesar de ser um método aproximado, o Método de
Newton Modificado apresenta boa precisão para o regime de voo hipersônico, onde se
dá o aquecimento mais intenso (Anderson, 2006). Deve-se ressaltar que esse método só
é aplicável enquanto o ângulo  estiver entre 0o e 90º. No caso de uma contração da
superfície, a recirculação gerada impede sua aplicação.

23
r
y
i
R

y=0 z

Figura 3.4. Sistema de coordenadas usado.

3.3.3. Estimativa do fluxo de calor local

Para o cálculo do fluxo de calor incidente na superfície externa da parede, foi


empregado o método de Zoby (Zoby et al, 1981), que relaciona o coeficiente de película
da troca convectiva com o coeficiente de atrito na parede, através de uma forma
modificada da analogia de Reynolds. A partir da equação de troca de calor por
convecção, tem-se:

q  H(Taw  Tw ) (3.13)

onde q é o fluxo de calor, Tw é a temperatura da parede e Taw é a temperatura da parede


adiabática, também chamada temperatura de recuperação, dada por:

Ve2
Taw  Te  FR (3.14)
2C p

onde Cp é o calor específico do ar, Te e Ve são respectivamente a temperatura e


velocidade na fronteira da camada limite e FR é o fator de recuperação, igual a Prw no
regime laminar e 3 Prw para regime turbulento, sendo Prw o número de Prandtl à
temperatura da parede.
O coeficiente de película H é dado por:

H  0.5e Cp Ve Prwa CF (3.15)


onde a é igual a 0.6 e 0.4 nos regimes laminar e turbulento, respectivamente. CF é o
coeficiente de atrito modificado para computar os efeitos da compressibilidade:

K3
 *e  *e 
C F  K1 Re     
K2
(3.16)
 e   e 

onde Reé o número de Reynolds baseado na espessura da camada limite (



 V
Re   e e (3.17)
e

24
O sobescrito “*” refere-se à propriedades avaliadas à temperatura de referência de
Eckert (Te*).
A variação da viscosidade com a temperatura é obtida a partir da formula de
Sutherland.

𝑇 1,5 398
𝜇𝑒 = 1,789𝑥10−5 (288
𝑒
) (110+𝑇 ) (3.18)
𝑒

As constantes presentes na eq.(3.16) são avaliadas de acordo com o regime de


escoamento: em regime laminar, K1= 0.44, K2 = -1 e K3 = 1. Em regime turbulento, K2
= K3 = -m, sendo:

2N
m
 1  N 1  N 
K1  2    (3.19.a)
 C5   N  1N  2

2
m (3.19.b)
N 1

C5  2.2433  0.93N (3.19.c)

N  12.76  6.5 log10 Re   1.21log10 Re 


2
(3.19.d)

De acordo com as equações 3.13, 3.15 e 3.16, os fluxos de calor laminar qL e turbulento
qT são dados por:

𝜌∗ 𝜇∗ 𝑚
𝑞𝐿 = 0,22 (𝑅𝑒𝜃 )−1 (𝜌𝑒) (𝜇𝑒 ) 𝜌𝑒 𝑉𝑒 𝑃𝑟𝑊−0,6 𝐶𝑝 (𝑇𝑎𝑤 − 𝑇𝑤 ) (3.20.a)
𝑒 𝑒

𝜌∗ 𝜇∗ 𝑚
𝑞𝑇 = 0,5𝐾1 (𝑅𝑒𝜃 )−𝑚 (𝜌𝑒) (𝜇𝑒 ) 𝜌𝑒 𝑉𝑒 𝑃𝑟𝑊−0,4 𝐶𝑝 (𝑇𝑎𝑤 − 𝑇𝑤 ) (3.20.b)
𝑒 𝑒

Assim, o cálculo do fluxo de calor depende de Re, cujo cálculo depende da


natureza do escoamento na camada limite (laminar ou turbulento).

3.3.4. Cálculo da espessura de momento laminar

Para a determinação do número de Reynolds, é necessário estimar a espessura da


camada limite laminar. Partindo da solução de Blasius para uma placa plana em
escoamento laminar incompressível e incluindo os efeitos de compressibilidade e da
geometria, obtém-se:

0.664  *e*e Ve R 2 dy 
S 2

L   0  (3.21)
e Ve R

25
onde R é o raio de curvatura loca da superfície, conforme mostrado na Figura 3.4. No
ponto de estagnação R = 0 e a eq. (3.21) se torna indeterminada. Nesse caso, quando y <
0.1 RN (raio da região esférica), foi empregado o limite da eq. (3.21) quando R  0 :

 
1
0.332 *e*e 2
L  (3.22)
1
1  2p s  p   2
e
R N  s 

A integral da Equação 3.21 é estimada numericamente após a definição da malha de


pontos ao longo da superfície do veículo, através da regra dos trapézios. Sendo j o
último ponto em que L é calculado pela Equação 3.22, a integral da Equação 3.21 de I,
temos:

Ij+1 = Ij + 0,5 [(*e,j *e,j Ve,j rj2 + *e,j+1 *e,j+1 Ve,j+1 rj+12)(yj+1 – yj)] (3.23)

onde:
𝜃𝐿,𝑗 𝜌𝑒,𝑗 𝑉𝑒,𝑗 𝑅𝑗 2
𝐼𝑗 = ( ) (3.24)
0,664

Com o valor de Ij+1 calculado, j+1 é obtido através da equação 3.24. A espessura de
momento nos pontos subsequentes é obtida de modo similar.

3.3.5. Cálculo da espessura de momento turbulenta

O cálculo da espessura da camada limite turbulenta se inicia no primeiro ponto em


que o escoamento deixa de ser laminar, através da equação:

De Ve R ee 
 0.5C Fe Ve R (3.25)
Dy

Supondo que entre dois pontos consecutivos da malha o produto (eVeRee) varia
linearmente com S, temos:
1
𝜃𝑇,𝑖+1 = 𝜌 [𝜌𝑒,𝑖 𝑉𝑒,𝑖 𝑅𝑖 𝜃𝑇,𝑖 + 0,5𝐶𝐹,𝑖 𝜌𝑒,𝑖 𝑉𝑒,𝑖 𝑅𝑖 (𝑦𝑖+1 − 𝑦𝑖 )] (3.26)
𝑒,𝑖+1 𝑉𝑒,𝑖+1 𝑅𝑖+1

De acordo com a equação anterior, para se calcular o valor de T em um dado ponto, é


necessário que se saiba seu valor no ponto anterior. Este problema é contornado
considerando que T = L no último ponto em que o escoamento é totalmente laminar.

3.3.6. Cálculo do fluxo de calor transicional

No caso de transição, o fluxo de calor é avaliado como uma combinação linear


dos fluxos laminar e turbulento:

q Tr  q L  F( y)(q T  q L ) (3.27)

onde o fator de transição F(y) é dado por:


26
  4.74y  y L  
F( y)  1  exp  0.412  (3.28)
  y T  y L   

onde yL é o limite do escoamento laminar( quando se inicia a transição) e yT é o início


do escoamento turbulento. Admite-se que a transição se inicia quando Re = 163 e
termina quando Re = 275(Miranda e Mayal, 2001).

3.3.7. Cálculo das propriedades na fronteira da camada limite

As propriedades do ar na fronteira da camada limite, sobre um ponto i qualquer da


superfície, são dadas por:

1
p  
e,i  s  e,i  (3.29.a)
 ps 

 1
p  
h e ,i  h s  e,i  (3.29.b)
 ps 

Ve,i  2h s  h e,i  (3.29.c)

h e ,i
Te,i  (3.29.d)
Cp

3.3.8. Correção para os efeitos de compressibilidade

Para a correção dos efeitos da compressibilidade no escoamento, é empregada a


temperatura de referência de Eckert [0]:

Te*,i T 
 1  0.032M e2,i  0.58 W  1 (3.30)
Te,i  Te,i 

Esse resultado é aplicado na determinação da densidade na fronteira da camada limite


(e*) e da viscosidade segundo a Equação (3.18).
Em relação à malha gerada na superfície, ao longo da coordenada tangente y, os
pontos i não estarão igualmente espaçados. Na sua geração é usado um fator de
expansão que concentra a maioria dos pontos na região do ponto de estagnação:

(yi+1 – yi) = f (yi – yi-1) (3.31)

O procedimento para solução pode ser sumarizados como segue:


i. Para uma dada trajetória, a atmosfera padrão (NOA, 1976) é usada para obter as
propriedades da corrente livre do ar, incluindo as propriedades de estagnação.
ii. As relações para choque normal são usadas para obter as propriedades do ar após
o choque.
27
iii. Através do método de Newton, a distribuição de pressão é obtida ao longo da
superfície do veículo (desde que não haja reduções de diâmetro).
iv. Equação (3.29) prove a as propriedades locais na fronteira da camada limite.
v. Se y< 0.1 RN, Eq. (3.22) provê a espessura da camada limite laminar, permitindo
estimar Re, CF e H, obtidos a partir das Eqs. (3.17), (3.16) e (3.15),
respectivamente.
vi. Se y> 0.1 RN e Re < 163, Eq. (3.21) e integrada numericamente até a posição
onde a espessura de momento é estimada.
vii. Se y> 0.1 RN e Re > 275, Eq. (3.25) é integrada numericamente para obter-se a
espessura da camada limite turbulenta.
viii. Se y> 0.1 RN se 163 < Re < 275, Eqs. (3.27) e (3.28) são usadas para estimar H.

Deve-se observar que esse procedimento é realizado ao longo da superfície do veículo


(seguindo a coordenada y), para cada instante da trajetória. Assim, H=H(y,t).

3.3.9. Equilíbrio químico

O modelo foi estendido por Zoby and Moss (1982) para o caso do ar em equilíbrio
químico e cobre o intervalo de 1800-8000 km/s e 2-1000 Pa. O modelo é baseado nas
equações para entalpia e temperatura:

Pm
h  Ch (3.32)
n

Pz
T  CT (3.33)
k

os expoentes m, n, z e k são iguais a 0.97, 0.98. 0,7 e 0,68, respectivamente. Os


parâmetros adimensionais são:

h T P  
h ; T ; P ;   (3.34)
h0 T0 P0 0 0

onde as propriedades de referência T0, P0, 0 e 0 são assumidas à 273 K, 1 atm, 1.292
kg/m3 1.715 x 10-5 kg/m.s, respectivamente. Para a entalpia de referência, h0 = RT0,
onde R = 287.1387 J/kg.K.
As constantes Ch e CT são estimadas considerando uma linha de corrente cruzando
a frente de choque em direção normal a esta. São obtidas a partir de:

C h  C *h (3.35)

C *T
CT  (3.36)
e CP.BP

10
C *h   a i U ih1 (3.37)
i 1

28
11
C *T   b i U iT1 (3.38)
i 1

onde:

0.05
 U  20   U T  12  
2

CP   T     (3.39)
 18   12  

 2x10 7 
ln 

 P 
BP  (3.40)
50

1
 2x10 5  15  U   2.4384 
U h    
  (3.41)
 P   2.4384 

U
UT  (3.42)
0.3048

Nas equações prévias, os valores de 𝑃∞ e   devem ser expressos em atm e km/s,


respectivamente. Os coeficientes das Eqs. (3.37, 3.38) são dados pela Tabela 3.1. As
propriedades após o choque são estimadas através das leis de conservação:

  V   A VA (3.43)

P    V2  PA   A VA2 (3.44)

V2 VA2
h   hA  (3.45)
2 2

das Eqs.( 3.43, 3.44):

PA  P  V2  VVA (3.46)

das Eqs.(3.32, 3.33):

1
 C h PAm  n
A  0   (3.47)
 h A 

A sequência para estimar as propriedades após o choque é:


i. Assuma VA = 0;
ii. Obtenha PA da Eq.(3.46);

29
iii. Obtenha hA da Eq.(3.45);
iv. Obtenha A da Eq.(3.47 );
v. Estime um novo valor para VA através da Eq.(3.43);
vi. Repita os passos 2-6 até que a precisão desejada seja atingida.

Depois que VA é estimado, TA é obtido da Eq.(3.33). As propriedades de


estagnação são obtidas de:

V2 VA2
hs  h   hA  (3.48)
2 2
n
 n 1 1  n  1 
 n m   n m    n 1
    
h  h An  1   P  n 
P
 n   (3.49)

A
 Ch n  n m   


n
 n m 1  n  m  
 n 1   n 1    n  m
 n 
  

P  PA  C h 
n
 hs  n 
 h A n    (3.50)
  n  1   


Uma vez que hs e Ps são conhecidos, Ts e s são estimados a partir das Eqs. (3.32, 3.33).
O método de Newton e a Eq.(3.49) permitem obter a pressão e entalpia em qualquer
ponto da superfície do corpo. As demais propriedades são calculadas empregando as
equações prévias para ar em equilíbrio químico.

Tabela 3.1. Coeficientes para Equações (3.37, 3.38).

i ai bi
1 4.529228633899 12.297991101529
2 4.446970720900 -8.238094255731
3 1.386555275431 2.419592541157
4 -13.142746144615 -0.33538942364
5 6.997767376225 0.02067595608575
6 21.914473834036 0.1046732310838 x 10-3
7 -34.236435659858 -0.1014180246941 x 10-3
8 20.407510958029 0.6888281850264 x 10-5
9 -5.658335244460 -0.2245678457584 x 10-6
10 0.611030863675 0.3725350878072 x 10-8
11 - -0.2518960222376 x 10-10

30
3.3.10. Exemplo: Plataforma SARA Sub-orbital

A plataforma SARA sub-orbital, mostrada na Figura 3.5, foi planejada como uma
plataforma recuperável para experimentos em ambiente de microgravidade e é um dos
projetos em desenvolvimento no IAE. Tem um peso total de 250 kg e uma carga útil
prevista de 25 kg. A versão orbital deverá ser capaz de se manter em uma órbita de 300
km durante 10 dias (Moraes, 1998). As características da trajetória do SARA são
mostradas na Figura 3.6.

Figura 3.5. SARA e seus subsistemas.


500 3000 10

2500
400 8

2000
Velocity (m/s)
Altitude (km)

300 6
Mach

1500

200 4
1000

100 2
500

0 0 0
0 100 200 300 400 500 600 700 800 0 100 200 300 400 500 600 700 800 0 100 200 300 400 500 600 700 800
Time (s) Time (s) Time (s)

Figura 3.6. Trajetória do SARA sub-orbital.

Na Figura 3.7 são mostradas as variações da temperatura após o choque e do


coeficiente de troca de calor por convecção no ponto de estagnação, considerando as
hipóteses de gás perfeito e a correção para equilíbrio químico acima de 800 K. Na
Figura 3.8 é mostrada a convergência do coeficiente H ao longo da coordenada y, para
vários instantes, em função do coeficiente de dilatação F usado na geração dos pontos
em y (Machado, 2007).
É possível observar que, embora ocorra uma redução da temperatura de
recuperação nos pontos críticos onde este parâmetro atinge os picos dos períodos
ascendente e de reentrada, o coeficiente de transferência de calor por convecção não é
afetado. O fluxo de calor para uma parede isotérmica seria menor considerando o
equilíbrio químico. No entanto, para uma avaliação precisa desse parâmetro seria
necessário considerar o problema conjugado de condução na parede, que será visto nos
capítulos posteriores.

31
4000 300
Perfect gas Perfect gas
Chemical Equilibrium Chemical Equilibrium

Convection heat transfer coefficient, W/m2K


3000

200
Temperature, K

2000

100

1000

0 0
0 200 400 600 800 0 200 400 600 800
time, s time, s

Frame 001  25 Jan 2007  CAMPOS | CAMPOS | CAMPOS

Figura 3.7. Parâmetros de transferência de calor no ponto de estagnação (y=0).

700
F = 1.01
F = 1.02
600 F = 1.03

500
h (W/m2)

400

t = 634 s
300 t = 724 s
t=4s
t = 24 s
200

100
t = 44 s t = 39 s

0
0 0.5 1 1.5
Y (m)

Figura 3.8. Convergência do coeficiente de película em função do fator de dilatação F


para a geração de pontos ao longo da coordenada y.

32
3.4. Cavidades e Protuberâncias

No tópico anterior o aquecimento aerodinâmico foi estimado através de uma


metodologia aproximada que supõe que, além de axisimétrico, o veículo tenha uma
superfície lisa. Nos veículos reais, esta hipótese pode ser usada para a estimativa do
fluxo térmico na maior parte da área exposta. Porém, diversos pontos do veículo
concentram irregularidades na superfície, tais como carenagens, cintas de separação,
antenas, sistemas de fixação, etc.
Essas descontinuidades devem ser tratadas de forma diferente, porém integrada,
ao cálculo do fluxo térmico para as regiões lisas da superfície. Para efeito de tratamento,
são classificadas como cavidades (quando se trata de rebaixos em relação à superfície
externa) ou protuberâncias.
A forma mais precisa para uma estimativa do aquecimento nesses elementos seria
o uso de CFD. Porém, como já foi mencionado, esse tipo de cálculo possui um custo
elevado. No caso do IAE, além do custo eventualmente as ferramentas necessárias
(software e CPU compatível) não se encontram disponíveis. Assim, nesse capítulo serão
vistas alternativas aproximadas para a estimativa do aquecimento em descontinuidades
na superfície, baseadas em resultados empíricos e extraídas da literatura, e que têm sido
usadas nos veículos do IAE.

3.4.1. Cavidades

Diversos autores tem pesquisado o efeito do aquecimento aerodinâmico em


cavidades no escoamento hipersônico. As principais referências são os trabalhos de
Everhart et al (2006, 2009, 2010, 2011). Nesses trabalhos, os autores empregaram
diversos resultados experimentais e de simulações constantes na literatura e de própria
autoria para a construção de correlações aproximadas para a estimativa do coeficiente
de transferência de calor em cavidades. A motivação para esses estudos foi o acidente
com o ônibus espacial Columbia em 2003 e posteriormente um dano provocado em um
dos componentes da proteção térmica do Atlantis em 2006, Figura 3.9. Um estudo em
CFD, mostrado na Figura 3.10, foi feito para verificar se o dano poderia causar a perda
do veículo, como havia acontecido antes. Esses dois casos suscitaram o interesse pela
descrição física e estimativa do aquecimento aerodinâmico nessas situações.

(a) Pós voo (b) No espaço

Figura 3.9. Dano localizado no escudo térmico do Atlantis.

33
(a) Mapeamento da profundidade (b) Fator de amplificação

Figura 3.10. Mapeamento e simulação em CFD da região do dano.

Os tipos de cavidade e os fluxos internos envolvidos são apresentados na Figura


3.11, onde os parâmetros L e H também são identificados. Três tipos de regime são
distintos para cavidades horizontais: cavidade aberta (open cavity), cavidade
transicional (transitional cavity) e cavidade fechada (closed cavity). Cada regime
caracteriza o comportamento das recirculações e da transferência de calor na superfície
interna da cavidade.

Figura 3.11. Regimes de fluxo em cavidades.

De acordo com Everhart e Greene (2010) é possível estimar o incremento no


fluxo de calor por convecção na região da cavidade através da seguinte correlação:

  b
H  L a    L 
   1   BF  e  M e Re   (3.51)
   H    

34
onde:
 – espessura local da camada limite
Me - número de Mach local na fronteira da camada limite
Re – número de Reynolds local (baseado na espessura local da camada limite).
BF - (Bump Factor) é o fator de amplificação do coeficiente de transferência de calor
por convecção, dado por:

BF = hl/h0 (3.52)

hl – coeficiente de troca térmica por convecção local


h0 – coeficiente de troca térmica na superfície lisa

Na Eq. 3.51, a, b, , ,  e  são coeficientes constantes. Os autores recomendam os


valores apresentados na Tabela 3.2, para estimativa do valor máximo de BF.

Tabela 3.2. Coeficientes usados na Eq.1 (Everhart e Greene, 2010).

Coeficiente a b    
1
Regime Laminar (Re < 163) -0,6305 3,8695 3,30 3,70 0,20 0,05
Regime Turbulento (Re > -2,3741 2,6034 3,30 2,70 0,00 0,10
1,2
275)
(1) Para 163 < Re < 275, o regime é considerado transicional, e a média ponderada empregada na
Equação 3.27 é usada na obtenção dos parâmetros.
(2) Devido à ausência de dados experimentais, não foram encontrados coeficientes para o caso de
cavidade aberta (open cavity). Por isso, foram empregados os coeficientes obtidos para o caso de
cavidade fechada (closed cavity).

Segundo os autores do estudo, a correlação apresentada na Eq. 3.51 tem uma faixa de
aplicabilidade de 1,8 < Mach < 9 e 4.409 < Re < 32.288. No caso de defletores, um
incremento considerável na troca de calor por convecção é produzido nesse elemento,
conforme mostrado por Hozumi et al (2001).

3.4.2. Protuberâncias

Os primeiros estudos sobre descontinuidades em superfícies abarcavam tanto


cavidades quanto protuberâncias. Uma prospecção abrangente foi realizada por Nestler
(1985), um dos principais investigadores do tema, em que diversas correlações são
apresentadas para os dois casos, incluindo comparação com resultados experimentais
prévios extraídos de diversas fontes.
Surber (1965) propôs uma correlação simples para estimar h, em escoamentos
próximos a uma protuberância cilíndrica, usada para caracterizar sondas na superfície de
veículos em escoamento supersônico. Nesse caso ocorre uma recirculação à frente da
protuberância, Fig. 3.12.a, o que implica em um aumento considerável no valor de h,
Fig. 3.12.b. No entanto o uso da correlação exige o conhecimento prévio de h em outra
região da sonda, o que inviabiliza seu uso sem medidas prévias em pelo menos um
ponto naquela região.

35
(a) (b)

Figura 3.12. Comportamento do escoamento próximo a uma protuberância cilíndrica


(a) e seu efeito sobre h (b) (Surber, 1965).

Kafka e Anderson (1962) realizaram ensaios em protuberâncias e cavidades, mostrando


que para as primeiras ocorre um aumento considerável de h na região imediatamente
anterior, com uma gradativa redução após a região mais elevada, Fig. 3.13.a, após a qual
os valores tendem àqueles para superfícies lisas em regime turbulento. Para cavidades
de pequenas dimensões, observou-se um comportamento inverso, com a redução de h
seguida do seu aumento e posterior estabilização nos valores previstos para superfícies
lisas, Fig. 3.13.b.

(a) Protuberância (b) Cavidade


Figura 3.13. Resultados experimentais de Kafka e Anderson (1962).

36
Tal comportamento é coerente com os resultados experimentais obtidos por Berry e
Hovarth (2007), que induziram a transição do escoamento através de uma protuberância
de pequenas dimensões, mostrando que h tendia para o valor previsto em uma superfície
lisa sob escoamento turbulento logo após a perturbação, Fig. 3.14.

Figura 3.14. Comparação entre valores experimentais e previsões teóricas em


escoamentos laminar e turbulento para h, em um cone reto com zero ângulo de ataque e
número de Reynolds unitário de 4,3 x 106/ft (Berry e Hovarth, 2007).

Para estimar h nos pontos de interesse, Toro (1994) empregou um fator de correção
sobre o valor obtido a partir da superfície lisa, extraído de Wilson (1966). Nas
estimativas realizadas no IAE, tem sido empregada a correlação apresentada por Cline
(1969) para valores médios de h em função dos Números de Reynolds e Mach locais:

h 22 M e
 (3.53)
h0 Re e0.15

onde:
h – coeficiente de troca de calor por convecção na protuberância/cavidade.
ho - coeficiente de troca de calor por convecção no ponto de estagnação do veículo.
Me – Número de Mach local na fronteira da camada limite.
Ree – Número de Reynolds local (baseado na extensão da coordenada y).

Esta correlação apresenta limitações em sua aplicação. Os dados para sua construção
foram obtidos até o limite de Mach 4,44, com uma dispersão de aproximadamente
20 %. O valor obtido corresponde ao valor máximo atingido por h no entorno da
protuberância, o que, como foi visto, ocorre em pontos específicos da mesma. Em geral,
as médias devem tender para valores bem abaixo dos obtidos. Esses fatores devem ser
levados em conta na análise dos resultados.

37
3.5. Outros Casos

Neste tópico serão tratados alguns casos especiais, estudados para situações
específicas, não previstas nos tópicos anteriores. Como mencionado, em todos os casos
foram empregados métodos de engenharia para estimativas aproximadas a baixo custo.

3.5.1. Veículo com ângulo de ataque diferente de zero

O método de Zoby pode ser estendido para corpos com ângulo de ataque não nulo
a partir de aproximações para alguns parâmetros. Utilizando a teoria de escoamento
Newtoniana, pode-se deduzir uma relação entre a pressão na superfície de um corpo
esférico e a corrente levando em consideração a inclinação (Figura 3.31.)

Figura 3.31. Parâmetros geométricos de um corpo me relação ao escoamento.

Rasmussen (1973) desenvolveu uma expressão para a correção Do coeficiente


de arrasto utilizando a teoria Newtoniana do escoamento:

𝛼 𝛼 𝛼
𝐶𝐷 = 𝐶𝐷,0 + 12(1 − 𝐶𝐷,0 )𝑠𝑒𝑛2 ( ) − 6(6 − 5𝐶𝐷,0 )𝑠𝑒𝑛4 ( ) + 4(6 − 5𝐶𝐷,0 )𝑠𝑒𝑛6 ( )
2 2 2
(3.55)

A partir dessa correção, a equação para estimativa do coeficiente de convecção se torna:

H = 0,5.e.Cp.Ve.Prw-a.CD (3.56)

Para escoamento laminar, a = 0,6. Oliveira (2008) empregou essa equação no


SARA Sub-orbital para vários ângulos de ataque, Considerando Prw = 0,71, Rn = 0,127
m,  = 25º, Tw = 300 K, M∞ = 7,77, P∞ = 140,77 Pa, ∞ = 0,00090372kg/m3 e T∞ = 54,6
K. Resultados foram obtidos para um cone rombudo com ângulos de ataque de 5º e 15º.
Os resultados ficaram um pouco abaixo daqueles obtidos por Oliveira (1996), com uma
metodologia analítica bem mais complexa. As Equações 3.55-56 foram usadas por Silva
(2017) para comparação com resultados obtidos por CFD, através do software comercial
ANSYS FLUENT®. A comparação dos resultados é mostrada nas Figuras 3.32-3.34.
Como se pode observar o modelo analítico apresenta boa concordância com o numérico
em relação ao valor máximo do fluxo de calor. Comparando ângulos de ataque distintos
para uma mesma condição de Mach e altitude, observa-se um deslocamento do pico do
fluxo de calor que ocorre devido à mudança do ponto de estagnação. De maneira geral,
o modelo analítico apresenta um comportamento qualitativo similar ao modelo
numérico e pode ser usado para estimativas aproximadas, nas fases iniciais do projeto
do veículo.
38
Figura 3.32. Fluxo de calor ao longo da coordenada z para ângulo de ataque 0o.

39
Figura 3.33. Fluxo de calor ao longo da coordenada z para ângulo de ataque 5o.

40
c

Figura 3.34. Fluxo de calor ao longo da coordenada z para ângulo de ataque 10o.

41
3.5.2. Regiões com descolamento e formação de esteira turbulenta

No caso da reentrada, existe troca de calor por convecção entre a esteira e a base
do veículo, que deve ser estimada. Não foram encontradas análises prévias desse
fenômeno em trabalho realizados no IAE. Uma análise qualitativa será apresentada, e
será feita uma estimativa grosseira do aquecimento naquela região.
Na Figura 3.35, São mostradas as duas situações limite de formação da esteira,
usando como exemplo a plataforma SARA Sub-orbtial. No caso de ângulo de ataque
zero, existe axisimetria ao longo do SARA. Com o ângulo de ataque máximo de 60o,
ocorre o deslocamento do ponto de estagnação e a esteira se forma em pontos diferentes
da superfície do SARA. Nesse caso é possível considerar o ponto inicial de formação da
esteira como o ponto mais adiante onde o ângulo entre a normal à superfície e o
escoamento é de 90o. A partir daí, para a determinação do aquecimento aerodinâmico, é
preciso avaliar o campo de pressões. Neste trabalho, será feita uma análise qualitativa
do caso em que o ângulo de ataque é nulo, e os resultados serão extrapolados para um
ângulo de ataque de 60o.

Voo

Ângulo de ataque 2
Ponto de de 60
o
1
Estagnação

Ponto de
Estagnação
3

Figura 3.35. Formação da esteira no escoamento ao redor do SARA, de acordo com o


ângulo de ataque.

Não existem relações precisas para a estimativa do coeficiente de troca de calor


por convecção e temperatura média da esteira. No entanto, evidências experimentais
com embasamento teórico (Schlichting,1968) apontam para uma relação entre a
temperatura e velocidade do tipo:

1
T  V 2
   (3.57)
Tmáx  Vmáx 

Observando a Figura 3.35, podemos admitir que os valores máximos para a velocidade
e a temperatura serão respectivamente a velocidade do escoamento (V∞) e a temperatura
de recuperação (Tr) no último ponto calculado sobre a superfície (no caso de ângulo de
ataque nulo, o ponto 1). Esses valores serão assumidos de forma a manter uma
abordagem conservadora dos resultados.
A Figura 3.36 mostra a variação de h com a coordenada y, tangente à superfície do
SARA na direção axial. Observa-se que na região final, de forma cilíndrica, h tende a
assumir um valor aproximadamente constante.

42
Frame 001  30 May 2007  CAMPOS

700

600

500
H (W/m2 K)

400
634 s

300

674 s
200 724 s

100

629 s
0
0 0.5 1 1.5 2
Y (m)
Figura 3.36. Variação do coeficiente de troca de calor por convecção ao longo de y
para vários instantes da trajetória descendente.

As hipóteses usadas para a estimativa do valor do coeficiente de convecção na


esteira foram corroboradas por um estudo numérico (Ameloti, 2016). A plataforma
ANSYS-CFX® foi usada para criar um modelo numérico e foi considerado o ângulo de
ataque 15⁰ com relação à direção de entrada de fluxo para o instante t = 629 segundos,
com uma velocidade normal de 1215 m/s. Na Figura 3.37 é apresentada a distribuição e
os valores do coeficiente de transferência de calor em função das coordenadas X e Y na
linha de intersecção entre o corpo e o plano de simetria.
A análise da variação do coeficiente de troca térmica ao longo do plano de
simetria mostrou, Figuras 3.37-38 que os valores de h na região da base são ainda mais
baixos que no último ponto obtido através do modelo de engenharia, que corresponde à
extremidade da saia cilíndrica. Isso significa que a aproximação usualmente empregada
para o cálculo da troca de calor nessa região é conservadora, já que emprega valores
mais altos que aqueles que efetivamente devem ocorrer. Tal fato implica na eventual
redução na necessidade de proteção térmica daquela região em cálculos de
dimensionamento feitos para situações semelhantes.

43
Figura 3.37. Coeficiente de transferência de calor em função da coordenada Y.

Figura 3.38. Coeficiente de transferência de calor em função da coordenada X.

44
4. PROTEÇÃO TÉRMICA

4.1. Introdução

Como visto no capítulo anterior, o aquecimento aerodinâmico em voos


hipersônicos é um fator crítico de projeto relacionado ao desempenho e a própria
sobrevivência do veículo e sucesso da missão. A superfície da aeronave precisa ser
projetada para suportar o fluxo de calor mantendo sua integridade e ainda prevenir
danos à estrutura e manter a temperatura da carga útil dentro do limite de operação.
Uma vez que o fluxo de calor incidente é proporcional ao cubo da velocidade e o
arrasto é proporcional ao quadrado da velocidade, o aquecimento se torna o aspecto
dominante no projeto de veículos hipersônicos. Assim sendo, a seleção, projeto e
dimensionamento de proteções térmicas, doravante chamadas TPS (Thermal Protection
System) se constituí em uma fase crítica no desenvolvimento de veículos hipersônicos.
O primeiro passo para o projeto de um TPS é a determinação dos dados de entrada
– inputs: geometria e dimensões do veículo, trajetória e requisitos de temperatura. A
partir daí torna-se necessário levantar as seguintes informações: taxa de transferência de
calor, duração do pulso térmico, carga térmica total, pressão local e tensões
aerodinâmicas induzidas pelo cisalhamento na superfície.
Ente as possíveis causas de falha em TPS, podem ser citadas:
 Falha durante reentrada prematura devido a gradientes de temperatura no TPS;
 Falha devido à incompatibilidade térmica entre a estrutura e o TPS;
 Falha do TPS devido a altas tensões ou deformações na subestrutura causadas por
cargas concentradas;
 Falhas de aderência entre a estrutura e o TPS devido à incompatibilidade entre
ambos;
 Falhas no TPS ou na estrutura devido à cargas termo estruturais combinadas.

Outros fatores a considerar no projeto do TPS são os limites de temperatura, a


retenção da geometria, a possibilidade de reuso ou reprocessamento, a facilidade de
manufatura, a necessidade de esterilização, a capacidade de operação no ambiente
espacial, o aquecimento durante o período de ascensão e o pré-lançamento,
armazenamento e envelhecimento.
Em vista do que foi exposto, são usados diversos tipos de proteção térmica, em
função de sua aplicação e da localização no veículo, como exemplificado pelo Figura
4.1, onde são mostrados os diversos tipos de proteção térmica usados no Space Shuttle.
No tópico a seguir, serão vistos os principais tipos e seu princípio de funcionamento.

4.2. Tipos de sistemas de Proteção Térmica

Como foi visto, durante o voo hipersônico em atmosfera o calor resultante é


transferido basicamente através de dois modos: convecção e radiação. Os diversos tipos
de TPS foram desenvolvidos em função do balanço entre esses modos. Os principais
tipos de TPS são: poços de calor, sistemas radiativos, sistemas por transpiração e filme
refrigerante e sistemas ablativos. Na Figura 4.2 são mostrados os princípios de
funcionamento de cada sistema e na Figura 4.3 as respectivas aplicações.

45
Figura 4.1. Proteção térmica do Space Shuttle.

4.2.1. Poços de calor

O sistema de proteção por poço de calor (heat sink) é o mais simples e foi usado nas
primeiras gerações de veículos espaciais e mísseis balísticos. Consiste em uma massa
que absorve e distribui o calor por condução. O limite de aplicação é restrito e as
temperaturas atingidas são baixas demais para tornar a troca radiante significativa. Foi
abandonado nas aplicações mais críticas e tem utilização restrita nas áreas onde a
estabilidade geométrica da superfície deve ser mantida.

4.2.2. Sistemas radiativos

Esses sistemas são conceitualmente simples e oferecem proteção em um faixa estrita de


temperaturas. Consistem de painéis emissivos que emitem o calor por radiação, e são
separados da estrutura por uma camada de isolante. Sua eficiência pode ser aumentada
adicionando um sistema de resfriamento ativo qualquer na face interna. São usados nas
regiões de baixo fluxo térmico de quase todos os veículos tripulados.

4.2.3. Transpiração e filme refrigerante

O termo “transpiração” inclui todas as formas de injeção ativa de líquido ou gases na


camada limite externa, através de uma matriz porosa ou de uma série de válvulas ou
aberturas. O fluido injetado pode ou não ser inerte na presença dos gases da camada
limite. Um exemplo é mostrado na Figura 4.4. Tem maior complexidade, mas pode ser
aplicado em veículos reutilizáveis. Um exemplo é o sistema usado no nariz do Shuttle e
em tubeiras de motores a propelentes líquidos.
46
Figura 4.2. Princípios de funcionamento dos sistemas de proteção térmica.

47
Figura 4.3. Aplicação dos sistemas de proteção térmica.

48
Figura 4.4. Típico sistema de resfriamento por transpiração.

4.2.4. Sistemas ablativos

A ablação pode ser definida como “um processo auto-regulado de troca de calor e
massa no qual a energia térmica incidente é absorvida e eliminada pelo sacrifício de
material”. Atualmente o sistema mais usado como TPS, tem sido objeto de vastas
pesquisas, tanto em termos de modelagem e simulação quanto no desenvolvimento de
novos materiais. É o sistema de aplicação corrente nos veículos em operação e
desenvolvimento no IAE. Sendo assim, será o objeto principal deste capítulo.

4.3. Ablação

4.3.1. Histórico

Apesar dos vários estudos sobre voo espacial desde os anos de 1940, incluindo
Werner von Braun e outros especialistas, ninguém havia pensado como um veículo
poderia voltar do espaço até os anos de 1950. Os poucos que o fizeram, como von
Braun, concluíram que provavelmente o melhor caminho era construir um veículo de
grandes dimensões e circular um fluido sob sua superfície de modo a dispersar o calor.
Claramente o problema de reentrada atmosférica na Terra se tornava um desafio
significativo para os primeiros pesquisadores espaciais à medida que estudavam como
suplantar o calor gerado pela fricção. Entretanto, nem todos os veículos que
experimentavam a reentrada eram espaçonaves; como por exemplo as ogivas nucleares
provenientes de mísseis balísticos. Elas deveriam voar em um arco similar a uma bala
de canhão, em grande parte sobre a atmosfera, e então reentrar a aproximadamente 20
vezes a velocidade do som, sofrendo um tremendo aquecimento aerodinâmico.
Como foi visto, a pesquisa inicial em reentrada de veículos hipersônicos,
especialmente mísseis, foi focada em perfis longos em forma de agulha. Quando eram
testados em túneis aqueciam tanto que simplesmente queimavam ou derretiam. O
cientista H. Julian Allen, do Laboratório Aeronáutico Ames, fez uma descoberta contra
intuitiva em 1952: aumentando o arrasto do veículo ele reduzia o calor gerado. Grande
parte do calor gerado era defletido para longe do veículo. Assim, as melhores
geometrias apontadas por Allen e outro cientista, Alfred J. Egers, foram chamadas
blunt-bodies (corpos rombudos). Ao contrário do formato de agulha os corpos
rombudos formam uma fina camada de choque a frente do veículo que deflete o calor e
reduz sua velocidade mais rapidamente, representando um menor aquecimento e uma
maior proteção térmica.
49
Baseados nessa pesquisa, em 1955 os engenheiros da General Electric (GE)
começaram a trabalhar no veículo de reentrada Mark 2 (Figura 4.5) para as missões
Thor, Júpiter a Atlas. O Mark 2 era um corpo rombudo que defletia muito o calor
gerado, porém uma grande parte ainda atingia a superfície a partir do ar superaquecido
formado na frente do veículo e isso era um sério problema para o projeto. A GE decidiu
usar o conceito de heat sink (poço de calor), onde o calor da reentrada era conduzido da
superfície para uma massa de material que poderia dissipa-lo rapidamente. O segredo
era conduzir o calor para longe da superfície tão rapidamente que o material da
superfície não fundisse ou sublimasse. Os engenheiros da GE testaram diversos
materiais como poço de calor, incluindo berílio, ferro fundido e aço, mas o cobre
mostrou-se a melhor opção. Colocar uma grande massa de cobre logo abaixo da
superfície externa do veículo era capaz de prevenir sua incineração. A Figura 4.6 mostra
poço de calor de cobre de um míssil balístico intercontinental. Uma concha de 1000
libras de cobre e aço inox foi manufaturada através de eletrousinagem, com uma
cobertura de níquel e uma superfície externa reflexiva de platina. O desenho foi o
precursor dos módulos Mercury tripulados com poços de calor de berílio e dos módulos
Gemini e Apollo, que usavam escudos térmicos em lugar dos poços de calor, mas com
as mesmas geometrias.

Figura 4.5. Protótipo do veículo de reentrada Mark 2 (RV Mark 2).

O veículo Mark 2 tinha uma geometria de cone achatado, que resultava em um


baixo coeficiente balístico (). O coeficiente balístico é calculado baseado no peso,
arrasto e seção transversal. Veículos com alto , normalmente esbeltos e de perfil suave
com baixo arrasto, viajam através da atmosfera superior sem desacelerar muito e grande
parte de sua desaceleração ocorre na atmosfera inferior, mais densa. Esse tipo de
veículo demora mais para desacelerar e gera menos calor, mas o período de
aquecimento é mais longo. Devido ao baixo  o Mark 2 da GE despendia um longo

50
período na atmosfera superior, arrastando uma corrente de gás ionizado bastante visível
no radar. Tal comportamento era inadequado para uma ogiva, já que para mísseis
balísticos o comportamento desejado era que viajassem o mais rapidamente através da
atmosfera sem serem detectados, o que tornava um alto  desejável. Os engenheiros da
GE duvidavam que a tecnologia de poço de calor pudesse funcionar nesse caso. Além
disso, o conceito implicava em um considerável peso adicional resultante da massa de
cobre, que era sacrificado da carga útil.

Figura 4.6. Poço de calor de cobre de um míssil balístico intercontinental (ICBM).

As desvantagens do poço de calor se tornam mais aparentes no caso de veículos


espaciais. Nesse caso, a velocidade de reentrada e o aquecimento resultante são ainda
maiores que para um míssil balístico, o que requer mais cobre e talvez meios adicionais
de extração de calor da superfície, o que tornaria seu peso proibitivo. O peso adicional
teria um efeito cascata: mais combustível seria necessário para atingir e deixar a orbita.
A temperatura atingida pela massa do poço de calor seria suportável para uma ogiva,
mas impeditiva para uma nave tripulada. Devido as grandes velocidades, na reentrada
de uma missão lunar o sistema em uso queimaria como um meteoro. A reposta obtida
pelos aerodinamicistas a partir de experimentos com canhões de gás e cálculos teóricos
foi o conceito de ablação por vaporização de um material de proteção funcionando
como barreira térmica. Essa foi a mudança de conceito de poço de calor para escudo
térmico ablativo.
Pela metade dos anos 50 os engenheiros da GE estavam desenhando veículos de
reentrada de baixo peso e médio  para ogivas de mísseis balísticos e avaliaram
diferentes conceitos como filme de transpiração, onde um líquido evaporava retirando o
calor e a re-radiação e o calor era extraído pela emissão de radiação. Outra proposta foi
o resfriamento por metal líquido, como mercúrio, que circulava através do escudo
térmico e conduzia o calor para fora de maneira bastante eficiente. Porém, a proposta
mais promissora era a ablação. Em 1956 alguns pesquisadores notaram que plásticos
reforçados se tornavam mais resistentes ao calor que a maioria dos materiais. Eles
propuseram o emprego desses plásticos nas entradas de ar de mísseis de cruzeiro
supersônicos e perceberam que poderiam usar a mesma técnica na reentrada, cobrindo o
veículo com um material que absorvesse o calor, carbonizasse e fundisse ou sublimasse,
retirando o calor absorvido.

51
O princípio da proteção ablativa funciona para veículos espaciais e mísseis
balísticos, para  alto ou baixo e permite que um veículo com perfil de corpo rombudo
com baixo  mantenha a temperatura relativamente baixa durante a reentrada. No caso
da reentrada de ogivas de mísseis balísticos o aquecimento é ainda mais intenso, embora
por períodos mais curtos. Nesse caso o emprego de materiais ablativos também permite
a redução das temperaturas atingidas, reduzindo a possibilidade de detecção. A chave
para a aplicação de proteções ablativas é a escolha correta do material. Um dos
materiais mais comumente empregados é a resina fenólica. Nos primeiros mísseis
nucleares foi empregado um tecido de nylon impregnado com resina fenólica e moldado
na forma desejada.
A primeira nave Mercury usou uma forma rombuda e um poço de calor, mas as
versões posteriores usaram superfícies ablativas, Figura 4.7. A GE construiu um veículo
de reentrada semi-rombudo para a Força Aérea Americana e a CIA, a
Discoverer/CORONA, que deveria retornar com filmes de satélites espiões, Figura 4.8.
Outras empresas, como a AVCO, também desenvolveram escudos ablativos para
mísseis. O formato rombudo e materiais ablativos aperfeiçoados também foram usados
nas naves Gemini e Apollo, avançando rapidamente durante os anos 60. No fim daquela
década, outras tecnologias e técnicas para a sobrevivência ao tremendo aquecimento
aerodinâmico na reentrada atmosférica foram desenvolvidos.

Figura 4.7. Escudo ablative da nave Mercury pós voo.

Figura 4.8. Escudo ablativo carbonizado da primeira missão KH-4 Corona.

52
4.3.2. Materiais ablativos

Existem diversos tipos de matérias ablativos utilizados em sistemas de proteção


térmica no setor aeroespacial. Cada material apresenta certas vantagens e desvantagens
em função de suas propriedades (massa específica, resistência mecânica, temperatura de
ablação), das condições ambientais a que são submetidos (fluxo térmico, temperatura,
esforço mecânico), e dos requisitos para execução do projeto (domínio de tecnologia,
disponibilidade de obtenção, compatibilidade eletromagnética). O desempenho de uma
estrutura em material ablativo é alcançado de forma diferente dos materiais resistentes
ao calor. Os materiais ablativos dependem da ocorrência de várias reações endotérmicas
que dissipam e bloqueiam grande quantidade de calor. Em suma, estes materiais devem
degradar-se. Já os materiais isolantes convencionais devem permanecer inalterados
fisicamente quando expostos a altas temperaturas. A eficiência de sistemas está
particularmente associada ao desempenho dos materiais utilizados. Existem quatro
classes principais de materiais utilizados em sistemas de proteção térmica:
 Refratários e cerâmicos;
 Óxidos refratários;
 Termoplásticos;
 Materiais compósitos.

Na classe dos refratários e cerâmicos, o material mais significativo é carbono na


forma de grafite comercial (ou pirolítico). Esses materiais sofrem ablação devido aos
processos de oxidação e de sublimação e são afetados pela transferência de massa e por
reações químicas que ocorrem na superfície. Os materiais ablativos cerâmicos possuem
alta eficiência térmica, mas há dificuldades para se atingir este limite devido à
suscetibilidade à falha por tensões térmicas. Os materiais cerâmicos porosos têm suas
propriedades melhoradas se forem impregnados com polímeros (resinas). Neste caso,
ocorre um aumento da resistência mecânica e da resistência ao choque térmico e
diminuição da condutividade térmica, que permite maiores temperaturas externas sem
exceder a temperatura de fusão ou decomposição da cerâmica. As cerâmicas mais
utilizadas são: sílica, zircônia, alumina, magnésia, tória, carbeto de silício, dentre outras.
Na classe dos óxidos refratários, tem-se o quartzo na forma transparente ou opaca.
Durante a ablação, o quartzo funde-se na superfície e escoa devido ao arrasto
aerodinâmico e, posteriormente, vaporiza-se de acordo com as condições de pressão e
temperatura do gás e temperatura da camada de quartzo fundido.
Os termoplásticos constituem importante categoria, dentre os polímeros em geral,
tais como: o Teflon®, nylon, celulose, etc., que são monômeros químicos que não
formam resíduo carbônico sólido em sua degradação térmica. O desempenho ablativo
destes materiais é função principalmente do peso molecular dos produtos gasosos
resultantes da decomposição (efeito da injeção de massa) e da energia de decomposição
e/ou sublimação. A temperatura de mudança de fase é normalmente inferior a 850 K de
tal forma que estes materiais são denominados de materiais ablativos de “baixa
temperatura”. A temperatura do material durante a ablação também é uma função da
taxa de ablação. A energia do escoamento é absorvida pelo processo de mudança de
fase e pela redução do fluxo de calor imposto pela injeção de massa na camada limite.
Proteções térmicas ablativas com teflon foram utilizadas em vários mísseis balísticos de
reentrada. Devido às altas taxas de consumo da superfície, as proteções térmicas com
Teflon® têm suas formas externas muito alteradas em aplicações com fluxos de calor de
longa duração.

53
Na classe dos compósitos, encontram-se os sistemas de proteção térmica de maior
interesse, que são os materiais compósitos que sofrem carbonização. Estes podem ser
fabricados com resinas por termopolimerização tais como: fenólicas, epóxi e silicones.
Estas resinas podem ser utilizadas puras ou com reforços internos de fibras orgânicas ou
refratárias como: vidro, asbesto, grafite ou nylon.
Os seguintes materiais são usados atualmente pelo IAE como proteção térmica:
 Compósito quartzo-fenólico prensado
 Compósito carbono-fenólico bobinado e prensado
 Compósito carbono-epóxi bobinado
 Compósito Kevlar-epóxi
 Compósito vidro-epóxi
 Compósito Ambatex-Celeron 1016 concêntrico e com fibra paralela
 Compósito carbono-carbono 3D
 Compósito C-C-Si
 Cortiça Copa 6A
 Grafite
 EPDM
 Borracha nitrílica

Como pode ser observado a partir da lista, atualmente os materiais mais


comumente usados como proteção ablativa, especialmente no IAE, são compósitos
poliméricos. Assim, a análise do processo ablativos será centrada nesses materiais.

4.3.3. Compósitos

Há cerca de quatro décadas surgiram os compósitos estruturais, visando atender à


demanda por materiais de alto desempenho, criada pelo desenvolvimento acentuado das
indústrias aeronáutica e espacial. Material composto ou compósito é aquele que é
resultado da combinação de dois ou mais materiais distintos no que diz respeito suas
propriedades físicas. O objetivo desse tipo de combinação heterogênea é a obtenção das
características de seus componentes, para que apresente melhor desempenho estrutural
em condições específicas de uso. Estes materiais são geralmente formados pela
combinação de polímeros ou metais e filamentos não metálicos de reforço.
Nos materiais compósitos, os polímeros ou metais formam os componentes
isotrópicos, que habitualmente denominamos de “matriz”, no interior da qual atuam os
filamentos devidamente arranjados. Os filamentos ou fibras, como são comumente
chamados, são depositados de forma coerente com os esforços resultantes das
solicitações externas, constituindo-se na parte responsável pelo atendimento ao maior
componente de resistência estrutural, sendo denominados de “reforço” da estrutura. A
matriz tem, neste caso, a função principal de fixar o reforço e distribuir os esforços
internos de forma homogênea além de protegê-lo contra a deterioração ambiental.
Os materiais compósitos, de uma forma geral, apresentam como vantagem a alta
resistência específica, decorrente da baixa massa específica dos componentes
usualmente empregados na sua constituição e das amplas possibilidades de
aproveitamento racional de suas propriedades não isotrópicas.
As fibras utilizadas como reforço nas estruturas conjugadas apresentam, quando
analisadas isoladamente, excelentes propriedades mecânicas em tração tais como tensão
de ruptura e módulo de elasticidade, quando comparadas às dos materiais convencionais
na forma não filamentar. Isto ocorre devido às dimensões reduzidas dos filamentos
(diâmetro da ordem de mícrons), o que propicia baixa incidência de defeitos nos
54
arranjos atômicos, notadamente discordâncias para o caso de filamentos metálicos; que
são responsáveis pela diminuição drástica da resistência encontrada na prática, em nível
macroscópico, nos materiais convencionais quando comparada com a resistência teórica
calculada pelas técnicas da Metalurgia Física.
As propriedades finais de uma estrutura conjugada são, no entanto, bem inferiores
às propriedades das fibras puras. Isto se deve ao fato de que, por melhor que seja o
processo de fabricação utilizado, sempre haverá deterioração, pela quebra mecânica, de
parte dos filamentos constituintes do reforço. Além disto, é necessário que se tenha na
estrutura certa quantidade mínima de resina (matriz) que garanta posicionamento e boa
distribuição dos esforços para as fibras. Na prática, essa quantidade varia em torno de
30 a 40% em volume de polímero, podendo chegar a valores mais elevados, atingindo
de 50 a 60%, dependendo do processo e técnica de fabricação utilizada.
A partir da década de 60, os materiais compósitos de alto desempenho foram
introduzidos de maneira definitiva na indústria aeroespacial. O desenvolvimento de
fibras de carbono, boro, quartzo ofereceram ao projetista a oportunidade de flexibilizar
os projetos estruturais, atendendo as necessidades de desempenho em voo de aeronaves
e veículos de reentrada. Em paralelo, os compósitos carbono/carbono (compósitos de
Carbono Reforçados com Fibras de Carbono- CRFC) e tecidos de fibras de carbono
foram desenvolvidos e submetidos a severas condições térmicas e de erosão, em cones
dianteiros de foguetes, em partes externas de veículos submetidos à reentrada na
atmosfera terrestre e em aviões supersônicos. Os avanços dos compósitos criaram novas
oportunidades para estruturas de alto desempenho e com baixo peso, favorecendo o
desenvolvimento de sistemas estratégicos, como na área de mísseis, foguetes e
aeronaves de geometrias complexas.
Várias são as técnicas de fabricação utilizadas, atualmente, para a confecção de
estruturas em materiais compósitos à base de reforços orgânicos e/ou inorgânicos em
matriz de resina termorrígida. Estas técnicas vão desde a laminação manual simples, até
a utilização de moldes complexos, obtidos a partir de usinagem por Máquina de
Comando Numérico, sobre os quais são cuidadosamente alinhadas as diversas camadas
de reforço pré-impregnado. A opção por uma ou outra técnica de fabricação depende,
dentre outros, dos requisitos de qualidade e de desempenho final da estrutura concebida,
da quantidade de unidades pretendida e das disponibilidades de equipamentos e
matérias-primas.
As principais técnicas de fabricação de compósitos são: moldagem manual (hand
lay-up), moldagem a vácuo (vacuum molding), moldagem em molde fechado (resin
transfer molding), bobinagem de filamentos (Filament Winding), bobinagem de fita
(tape wrapping) [8]. Qualquer que seja a técnica selecionada, no entanto, pode-se dizer
que o material passará por algumas etapas fundamentais de fabricação comuns a todas
elas, a saber: impregnação, laminação, polimerização e desmoldagem.

4.3.4. Processos para fabricação de compósitos ablativos

Para que os requisitos de desempenho das estruturas em materiais compósitos


ablativos possam ser obtidos, como o alto calor de ablação e a baixa condutividade
térmica, alguns itens de processamento devem ser considerados. A matéria-prima
escolhida como reforço da estrutura deverá ter, além de um alto ponto e calor latente de
fusão, uma condutividade térmica tão baixa quanto possível. Isto faz com que os
materiais inorgânicos com altos teores de dióxido de silício em sua composição, tais
como o vidro (56% de SiO2), o amianto (65% de SiO2), fibras com alto teor de silício –

55
“hi-silica fibers” (95% de SiO2) e o quartzo (99,99% da SiO2), tipicamente maus
condutores de calor, sejam indicados.
Outro material que ganhou importância no desenvolvimento de compósitos
ablativos foi a fibra de carbono. Embora o carbono apresente uma condutividade
térmica maior que a dos filamentos inorgânicos à base de dióxido de silício, ele
apresenta alta estabilidade física a temperaturas elevadas, reduzindo o desgaste ablativo
durante a operação, ou seja, mantendo, neste aspecto, melhores desempenhos devido à
boa preservação da geometria dos divergentes e tubeiras, por exemplo.
Por outro lado, a matéria-prima selecionada como matriz (resina) da estrutura
deverá apresentar, tanto quanto possível, um alto teor de carbono fixo ou carbono
pirolítico, associado à boa resistência à temperatura. Isto faz das resinas fenólicas puras
ou fenólicas modificadas, através de aditivos químicos ou mesmo cargas sólidas, a
categoria de materiais que apresenta um dos mais altos potenciais de utilização na
construção de componentes ablativos.
Entretanto, ao lado da escolha das matérias-primas mais indicadas em cada caso,
as propriedades finais da estrutura são fortemente influenciadas pelo processo de
fabricação utilizado. Estes processos visam, de forma geral, conseguir materiais com um
alto grau de compactação e um teor de resina na estrutura final controlado dentro de
certos limites. Os processos de fabricação de materiais compósitos ablativos mais
utilizados encontram-se descritos a seguir:

Processo de fabricação por prensagem: Consiste, basicamente, na colocação do


reforço impregnado com resina fenólica num molde que é levado a uma prensa para
compactação final e fechamento. Posteriormente, numa estufa procede-se ao ciclo de
polimerização (cura) da resina. A principal desvantagem desse processo de fabricação é
a falta de controle da pressão efetivamente exercida sobre o material durante o ciclo de
cura, uma vez que, após o travamento dos moldes, não existe liberdade para
deslocamento relativo entre as partes não havendo assim compensação da dilatação
térmica oriunda do gradiente de temperatura. Eventuais contrações volumétricas do
material em processo de polimerização também não podem ser compensadas neste
método.
Uma forma de se contornar este problema é utilizar prensas dotadas de sistema de
aquecimento, possibilitando a execução simultânea dos ciclos de pressão e temperatura
exigidos. Desta forma, procura-se manter um controle da pressão que está sendo
aplicada sobre a peça durante o ciclo de polimerização.
Uma das vantagens desta técnica é a produção em série de peças. A maior
desvantagem é que, devido às altas pressões exercidas durante a polimerização, o porte
destas prensas torna-se demasiadamente grande quando se quer produzir peças maiores.
Desta forma, a utilização da prensagem como método de fabricação de estruturas em
material compósito ablativo fica muito limitado a peças de pequeno porte e geometria
simples (por exemplo, placas planas).
O tipo e forma da matéria-prima a ser colocada nos moldes para prensagem
variam com os requisitos de operação de cada peça. Assim sendo, algumas proteções
térmicas internas e mesmo pequenos divergentes podem ser confeccionados por esta
técnica, partindo-se, por exemplo, de uma massa constituída de fibras picadas de vidro,
quartzo ou carbono pré-impregnadas com resina fenólica. As estruturas obtidas através
da prensagem de reforço picado apresentam qualidade estrutural e desempenho em
ablação deficiente quando comparadas às estruturas ablativas obtidas com a utilização
de reforço contínuo. Mesmo assim, os componentes obtidos encontram aplicações

56
específicas onde as propriedades quase isotrópicas do material prensado são de alguma
utilidade prática.
A qualidade estrutural e o desempenho ablativo, podem ser fortemente
melhorados pela utilização de reforços contínuos, na forma de tecidos à base de fibras
de vidro, quartzo e carbono. Neste caso, as várias camadas de reforço pré-impregnado
com resina fenólica podem ser arranjados de forma tal que proporcione melhoria de
desempenho estrutural e ablativo da peça. Algumas peças de aplicação aeroespacial
como Proteções Térmicas Rígidas internas para motores de foguete a propelente sólido
e pontas de ogivas para foguetes de médio porte são, frequentemente, fabricadas pelo
método de prensagem de reforço contínuo.

Processo de fabricação por bobinagem de fitas: Este é o processo mais adequado


dentre os adotados para a fabricação de componentes para tubeiras e divergentes de alta
qualidade estrutural e desempenho ablativo. Por este processo são fabricados, por
exemplo, partes de mísseis táticos como: Pershing, Crusie, Delta, Atlas, Pegasus, dentre
outros, e de lançadores, como o norte-americano Scout. Tendo em vista o caráter
estratégico dos materiais compósitos ablativos, notadamente pelas suas aplicações
militares, informações detalhadas referentes às técnicas, processos de fabricação e
equipamentos aplicáveis não são amplamente divulgadas pelos países que detêm esta
tecnologia. Sendo assim, ao descrever o processo de bobinagem de fitas nesta seção, já
se estará esboçando aquilo que se pretende propor para o desenvolvimento de processos
a fim de viabilizar a fabricação no Brasil de divergentes e componentes de tubeiras para
veículos lançadores de satélites do porte do VLS. O processo de bobinagem com fita
tecida (“Tape Wrapping”) consiste basicamente no seu enrolamento sobre um mandril
de aço. Estas fitas são obtidas através do corte de tecidos à base de fibras de vidro,
quartzo ou carbono, pré-impregnados com resina fenólica.
Os equipamentos para bobinagem são dotados de um rolete compactador, com
atuação pneumática, que comprime a fita pré-impregnada na medida em que esta vai
sendo depositada sobre o mandril. Imediatamente antes de atingir o ponto de contato
mandril/rolete, onde se dá a compressão, a fita é aquecida à temperatura de 80°C para
que a resina se torne mais fluida e o “prepreg” mais maleável. Logo após a
compactação, já como parte integrante da peça que está sendo bobinada, a fita é
resfriada rapidamente através de um jato de ar frio ou nitrogênio líquido. Este
procedimento é feito para minimizar o efeito de “spring-back” do material comprimido,
através da retirada de calor da peça e, consequentemente, redução da fluidez da resina.
O resfriamento rápido torna mais eficiente a ação do rolete compressor favorecendo a
densificação da peça. A ilustração da Figura 4.9 mostra uma vista geral de um
equipamento de “Tape Wrapping” do DCTA-IAE. A Figura 4.10 mostra, em linhas
gerais, o esquema operacional deste tipo de equipamento com os respectivos eixos
comandados.
A força exercida pelo rolete compressor deverá gerar uma pressão de contato
elevada (entre 8,0 MPa e 10,0 MPa), o que faz com que estes esforços tornem-se altos
(entre 5.000 N e 10.000 N), dependendo da largura das fitas utilizadas como mostra a
Figura 4.11. Isto faz dos equipamentos para bobinagem de fitas, máquinas
inerentemente robustas do ponto de vista construtivo. Quanto à direção de deposição
das fitas sobre o mandril, esta técnica de bobinagem pode ser dividida em: bobinagem
paralela e bobinagem inclinada.

57
Figura 4.9. Equipamento de bobinagem de fitas (“TAPE WRAPPING”) do IAE.

Figura 4.10. Esquema operacional de um equipamento de bobinagem de fitas.

Figura 4.11. Equipamento de bobinagem de fitas (“TAPE WRAPPING”), detalhe do


dispositivo de deposição da fita.

58
Bobinagem Paralela (Parallel Wrapping): Consiste na deposição das fitas na direção
paralela ao eixo principal do mandril de bobinagem. Nesta técnica, as fitas utilizadas
possuem normalmente as fibras orientadas a 0º e 90º, de forma balanceada, isto é, com
igual quantidade de filamentos por unidade de comprimento nas direções do urdume
(direção longitudinal do tecido) e da trama (direção transversal do tecido), em relação às
direções principais da mesma. Não existe um padrão de tecelagem preferencial para as
fitas a serem bobinadas de forma paralela. As Figuras 4.12-13 apresentam uma vista em
planta do sistema de deposição por bobinagem paralela, mostrando o movimento dos
principais eixos do equipamento em operação respectivamente sobre um mandril em
forma de tronco de cone reto e parabólico (bell-shapped).

Figura 4.12. Bobinagem paralela sobre mandril cônico.

Figura 4.13. Bobinagem paralela sobre mandril “BELL SHAPPED”.

Bobinagem Inclinada (Biased Wrapping): Consiste na deposição das fitas numa


direção inclinada de um ângulo () em relação ao eixo principal do mandril de
bobinagem como mostrado nas Figuras 4.14-15. Comparativamente à bobinagem
paralela, esta técnica apresenta maiores dificuldades durante o processamento. A
maioria dos problemas tecnológicos deste tipo de processo advém do fato de uma única
fita, num dado ponto, ter que percorrer perímetros diferentes ao longo da largura,
conforme fica evidenciado na Figura 4.14.

59
Para que isto seja possível, as fitas a serem utilizadas deverão permitir certo
deslocamento relativo entre as diversas fibras que a constituem. Diz-se que a fita tem
capacidade de “trabalhar” quando solicitada em cisalhamento no plano 1-2, de modo a
acomodar-se sobre uma superfície curva. As fibras, neste caso, deverão ser orientadas a
45º em relação às direções principais da mesma e, como no caso anterior, estas fibras
deverão ser distribuídas de forma balanceada nas direções da trama (direção 2) e
urdume (direção 1).

Figura 4.14. Bobinagem inclinada sobre mandril cônico.

Figura 4.15. Bobinagem inclinada sobre mandril “BELL SHAPPED”.

A capacidade das fitas se deformarem, necessária à bobinagem inclinada, exige


que estas sejam tecidas segundo um padrão específico conhecido nos meios técnicos e
comerciais da área como padrão tipo nHS (Harness Satin). O termo equivalente
encontrado em português para este padrão de tecelagem é sarja. A Figura 4.16(b) ilustra
este padrão de tecelagem em contraposição a outro padrão (não nHS) da Figura 4.17(a).
Como se pode notar, a diferença básica está na sequencia de enlaçamentos. Como
resultado final, os tecidos que utilizam o padrão nHS apresentam maior trabalhabilidade
(menor rigidez), isto é, deformam-se mais facilmente quando solicitados em
cisalhamento, no plano 1-2 , que é o que se deseja na prática.

60
a) Tecelagem segundo padrão 0/90º - “Plain”

b) Tecelagem segundo padrão nHS

Figura 4.16. Padrões de tecelagem mais usuais dos tecidos utilizados na confecção de
divergentes.

Mesmo atendendo aos requisitos apresentados, as fitas não podem deformar-se


indefinidamente, existindo um limite. Este limite apresenta-se como função do ângulo
de inclinação () pretendido, da largura da fita e, consequentemente, da relação entre os
diâmetros interno e externo a serem envoltos com a mesma. Este limite é apresentado na
forma da seguinte relação empírica (referência 8 tese Sônia):

D1 1
CWC  sen . 5 (4.1)
D2 sen

onde CWC (Critical Warpnes Condition) define-se como o limite acima do qual a
bobinagem inclinada (Biased Wrapping) torna-se impraticável independente do padrão
de tecelagem da fita utilizada, sendo D1 e D2 , respectivamente, os diâmetros da parte
interna e externa da fita inclinada e β o ângulo entre o plano da fita e o eixo do mandril.
Tanto a bobinagem com fita tipo paralela, quanto à inclinada, apresentam
vantagens e desvantagens. As vantagens da bobinagem paralela sobre a inclinada, no
que se refere ao processo de fabricação em si, ficam evidentes nos parágrafos anteriores.
As vantagens da bobinagem inclinada estão relacionadas ao desempenho em ablação da
estrutura assim construída.
Ambas as técnicas são passíveis de utilização, desde que o equipamento assim o
permita, em processos de bobinagem sobre superfícies retas (troncos de cone) ou curvas
(divergentes do tipo “Bell Shape”).
Desta forma, mesmo os divergentes com perfis internos especiais podem ser
produzidos diretamente sobre mandris cujos contornos externos correspondem
fielmente aos internos dos componentes projetados, sem que haja necessidade de
usinagem posterior do perfil interno, o que é altamente desaconselhável.

61
4.3.5. Processo de polimerização

Na seção anterior, descreveu-se a técnica de produção de divergentes e proteções


térmicas ablativas através da bobinagem de fitas como sendo a mais indicada para o
desenvolvimento destas estruturas. Todavia, para que níveis ótimos de qualidade e
desempenho ablativo sejam atingidos é necessário que a polimerização dos
componentes seja realizada sob alta pressão. Os equipamentos normalmente utilizados
para a polimerização de materiais compósitos estruturais são autoclaves industriais, que
consistem de uma câmara com temperatura e pressão controladas. os equipamentos
modernos utilizados na indústria aeronáutica o meio pressurizante é normalmente um
gás inerte como o nitrogênio, podendo ser utilizado ar no caso de sistemas mais antigos,
ou mesmo o vapor d’água superaquecido, utilizado nas autoclaves das indústrias de
borracha e para fins hospitalares (esterilização). O aquecimento é feito através de
caldeiras e trocadores de calor tubulares ou através de sistema elétrico por resistências.
As autoclaves operam entre 25ºC e 200ºC e numa faixa de pressão relativa entre 0,1 e
1,5 MPa. Para a polimerização de compósitos ablativos de alto desempenhopara a
estrutura dos divergentes e componentes de tubeiras, é recomendável que sejam
utilizados equipamentos mais especializados, denominados hidroclaves.

ENTRADA DE ÁGUA SOB PRESSÃO

Figura 4.17. Esquema básico de operação de uma hidroclave.

As hidroclaves são funcionalmente semelhantes às autoclaves, porém utilizam


como meio pressurizante a água no seu estado líquido. A utilização de água como meio
pressurizante é feita por razões de segurança e pelo fato da alta compressibilidade dos
fluidos gasosos produzirem uma queda no rendimento de compressão quando se
pretende elevar grandes volumes a altas pressões. O aquecimento é feito de forma
similar às autoclaves. A diferença fundamental entre as autoclaves e hidroclaves estáno

62
fato destas últimas possuírem uma pressão máxima de operação bem mais elevada. A
faixa de operação situa-se entre 0,1 e 10,0 MPa e 25ºC e 200ºC. As hidroclaves
utilizadas para produção de estruturas ablativas são dotadas de sistema de aplicação de
vácuo para drenagem dos gases gerados durante a polimerização das resinas e permitir a
saída do excesso desta. Recentemente, alguns processos especiais ligados à área dos
materiais compósitos, como materiais Carbono-Carbono, exigiram o desenvolvimento
de câmaras de processamento que operem a altíssimas pressões. Tais equipamentos têm
sido chamados de hiperclaves, oferecem pressões da ordem de 100,0 MPa e utilizam
como meio pressurizante a própria água ou nitrogênio, porém com volumes úteis da
câmara bem menores quando comparados aos das hidroclaves.

4.3.6. Modelagem física da ablação em compósitos

O fenômeno de ablação pode ser definido como um mecanismo de proteção ao


calor baseado no princípio de absorção de energia térmica a partir de fenômenos
endotérmicos, tais como: fusão, sublimação e carbonização, resultando no isolamento
térmico, que é a característica desejada, mas também no consumo do material, que
ocorre de forma progressiva com a combinação do fluxo de calor e forças de
cisalhamento resultantes do escoamento turbulento dos gases sobre a superfície do
material, vibrações acústicas e ondas de choque. Para materiais proteção térmica, pode-
se definir ablação como um processo de transferência simultânea de calor e massa,
balanceado pelo fluxo de calor incidente e o desgaste do material.
A ablação por fusão resulta na mudança de fase do material ablativo. Forma-se
uma camada de líquido que escoa devido ao arrasto da atmosfera aonde o material se
encontra, ocorrendo um transporte convectivo de energia, o líquido absorve o calor
devido a sua vaporização e injeção dos gases na camada limite.
A ablação por sublimação culmina no consumo progressivo do material quando a
sua superfície atinge a temperatura de sublimação. A mudança de fase do material
ablativo e a injeção de gases na camada limite resulta na proteção térmica da superfície,
o que aumenta a espessura da camada limite, e, consequentemente, a variação de
temperatura entre o escoamento e a superfície de proteção térmica, bloqueando do fluxo
de calor. O teflon sofre este tipo de ablação.
Outro processo, a ablação por carbonização ocorre em compósitos de resina
fenólica reforçados com fibra de carbono, por exemplo. O material é submetido ao fluxo
de calor gerado pelo aquecimento aerodinâmico, que aumenta sua temperatura até sua
decomposição. Isto causa a pirólise da resina formando uma camada carbonizada
(mantida aglutinada pelas fibras), que aumenta progressivamente para o interior da
proteção. A pirólise gera voláteis que contém vapor d’água, e materiais orgânicos
residuais ou oligômeros de baixa massa molecular, como apresentado na Tabela 4.1.
Estes gases atravessam a camada carbonizada, que se torna cada vez mais porosa,
absorvendo energia por calor sensível, sendo finalmente injetados na camada limite,
provocando o bloqueio do fluxo de calor proveniente do aquecimento aerodinâmico,
aumentando a espessura da camada limite. A camada carbonizada é composta por
materiais carbonáceos que possuem propriedades termofísicas diferentes do material
original, suportando altas temperaturas e atuando como uma barreira térmica, pois
rejeitam grande quantidade de calor por radiação. Esta camada se torna cada vez mais
porosa devido às contrações durante a emissão dos voláteis, que geram tensões internas
e consequentemente, microtrincas, conforme ilustrado na Figura 4.18.

63
Figura 4.18. Ablação por carbonização.

Tabela 4.1. Produtos voláteis gerados da pirólise da resina fenólica (Pesci, 2018).

% em peso do material / Temperatura


Voláteis gerados na pirólise 500 °C 800 °C 1200 °C
Acetileno - - 1,9
Acetona 17,6 - -
Benzeno 2,5 0,7 9,0
Butano - 6,8 -
Ciclopentadieno - - 0,9
Dióxido de carbono 0,6 0,6 1,2
Etileno - 1,8 1,6
Hidrogênio - 5,2 2,8
Metano 4,3 11,8 4,9
Monóxido de carbono 3,5 9,4 2,2
Propanol 11,1 - -
Propileno - 0,8 0,8
Tolueno 4,7 1,2 1,5
Outros componentes de alta massa 49,9 59,9 72,8
molecular
Massa molecular de todos os componentes 76,0 24,0 41,0
voláteis

64
A ablação de compósitos é um fenômeno complexo, que envolve diversos
processos físicos em diferentes escalas, como mostrado na Figura 4.19 (Duffa, 2013):
 No nível atômico em processos reativos homogêneos e heterogêneos;
 No nível de escoamento, incluindo escalas muito pequenas (até 10 m) na
turbulência;
 No nível das fibras e vizinhança (microrugosidade);
 No nível da superfície (macrorugosidade);
 No nível do veículo.

Figura 4.19. Escalas do problema e suas iterações.

Alguns processos e iterações são listados a seguir:


 Interação material-fluxo;
 Reações na superfície heterogênea (combinação dos gases resultantes com a
atmosfera local);
 Rugosidade em várias escalas;
 Reações heterogêneas no meio poroso;
 Radiação;
 Erosão e efeitos termomecânicos.
A figura 4.20 mostra os diversos fenômenos físicos, sua localização na camada de
compósito e a escala em que ocorrem.

65
Figura 4.20. Fenômenos físicos da ablação em compósitos agrupados em função da
escala (Martin et al, 2014).

66
4.3.7. Simulação do processo ablativo

Como foi observado, um modelo físico completo de um processo ablativo por


pirólise e carbonização em um compósito é extremamente complexo, e envolve a
solução de diversas equações simultaneamente, considerando as diversas condições de
contorno, com vários níveis de complexidade, como mostra a Figura 4.21. De acordo
com a Figura, quanto maior a complexidade, maior o número de parâmetros usados no
modelo e maior a necessidade de testes para validação e obtenção daqueles parâmetros.

Figura 4.20. Complexidade dos modelos da ablação por carbonização (Upadhyay,


2009).

Diversos códigos computacionais estão em uso atualmente para a simulação do


processo ablativo. Os quadros mostrados nas Tabelas 4.2-4.4 (Martin et al, 2014).
apresentam as características dos principais códigos. No quadro atual do IAE, a
simulação completa do processo ablativo seria inviável, pois a maioria dos parâmetros
necessários para os modelos mais complexos não poderia ser obtida para os materiais
específicos usados no Instituto. Assim, tem sido empregado um modelo mais simples,
que utiliza parâmetros agregados (lumped model), em que vários processos físicos são
representados por um único termo na equação.
O modelo em questão tem sido usado por Machado (2009, 2014) e Machado e
Orlande (2016.a,b) para a simulação do processo ablativo em resina quartzo-fenólica e
carbono-fenólica, com resultados numéricos apresentando boa concordância com dados
experimentais. A principal característica desse modelo é considerar a presença de duas
regiões: a de material virgem e a de material carbonizado (char), separados pela frente
de pirólise. O modelo é detalhado a seguir.

67
Tabela 4.2. Principais códigos em uso para simulação do processo ablativo.

68
Tabela 4.3. Métodos numéricos usados nos principais códigos em uso para simulação
do processo ablativo.

69
Tabela 4.4. Capacidades dos principais códigos em uso para simulação de ablação.

Hipóteses usadas na construção do modelo matemático

Considerando as características desejáveis do modelo, as informações disponíveis


na literatura e o desconhecimento de diversos fatores presentes no processo físico, serão
admitidas as seguintes hipóteses na construção do modelo matemático:
 Os materiais sólidos são considerados isotrópicos, com propriedades constantes.
 A zona de pirólise é considerada uma frente com espessura desprezível. A
temperatura e entalpia de pirólise são consideradas constantes.
 A recessão da camada carbonizada se dá por oxidação ou sublimação a temperatura
constante. A retirada da camada por efeitos aerodinâmicos é desprezada.
 Ausência de camada fundida.
 Reação completa dos gases e mistura perfeita com o ar na camada limite, com
influência desprezível sobre as propriedades físicas deste último.

70
O sistema de equações usado para representar o problema físico é escrito de forma
conveniente para aplicação no método de captura de interface a ser usado na simulação
computacional. A estrutura e o ar ambiente são representados como partes de um
domínio contínuo. A equação da conservação da energia é representada por:

(  .C p .T )
 .KT  Q (4.2)
t

onde K é a condutividade térmica e Q é um termo fonte que leva em conta a troca de


calor líquida na interface:

Q   q ( x  xF )dA (4.3)
A

onde x é a posição no sistema de coordenadas, q é o termo fonte de energia por unidade


de área na interface, e deve se adaptar ao modelo físico proposto para cada interface. De
acordo com as hipóteses, na superfície externa da camada ablativa, tem-se:


q  LV  H ( t , y )TF ( t , x F )  Taw     TF4 ( t , x F )  T4  (4.4.a)

onde V é a velocidade da interface e L é o calor de ablação da camada carbonizada. Na


frente de pirólise, ela é simplificada, uma vez que não há convecção para ou do
escoamento externo, e a transferência de calor por radiação não é contabilizada entre as
camadas, uma vez que não há transmissão:

q  L pV (4.4.b)

Nesse caso, Lp é o calor de pirólise. Também o fluxo de massa dos gases de injeção é
desprezado (devido à baixa massa específica, quando comparada ao material sólido).
Observe-se que a massa específica que aparece na Eq.(4.4.b) é a da interface, cujo
cálculo será detalhado no próximo capítulo.
Apesar do fluxo de ar externo estar incluído no domínio, seu efeito está implícito
no coeficiente de película H. Assim sendo, essa região é considerada adiabática, com
capacidade térmica e condutividade térmica nulas. Uma vez que a temperatura de
ablação é atingida. A condição na interface se torna:

TF  T A  0 (4.5)

Uma condição de salto semelhante aparece na frente de pirólise (Tp no Lugar de TA).

Método de solução

O problema de fronteira móvel, gerado pelo processo de ablação, foi resolvido


pelo Método de Captura de Interface, introduzido por Unverdi e Tryggvason (1992) e
empregado por Juric (1996) na solução de problemas de mudança de fase, e que vem
sendo desenvolvido para outras aplicações (Prosperetti e Tryggvason, 2007). Nesse
método, uma malha Euleriana fixa e regular é gerada sobre todo o domínio. A interface
age como um referencial Lagrangeano, onde uma malha móvel é construída. A
localização instantânea da interface ocorre através de seu constante deslocamento e

71
reconstrução. Cada região do domínio (sólido ou ar) é caracterizada através da Função
Indicadora.
Esse método permite a representação da qualquer geometria usada no TPS e a
discretização de cada camada da parede (estrutura mais TPS) separadamente. Qualquer
alteração desses parâmetros pode ser feita sem grande esforço computacional, e como
uma malha regular é usada no domínio, não é necessário nenhum tipo de pré-
processamento (geração de malha não-estruturada ou transformação de coordenadas).
Nesse trabalho o método foi empregado para estimar a performance do TPS ablativo,
considerando um problema bidimensional na condução de calor e no problema de
fronteira móvel.
A interface é representada por uma curva paramétrica , R(u), de onde os vetores
normal e tangente e a curvatura são extraídos. Os pontos da interface são interpolados
por um polinômio de Lagrange, que permite obter aquelas informações e reconstruir a
curva, mantendo a distância d entre eles dentro do intervalo 0.9 < d/h < 1.1, onde h é a
distância entre os pontos fixos da malha Euleriana, como mostrado na Fig. 4.21.

Lagrangean point
I,J k at interface

d
X

Figura 4.21. Malhas Euleriana e Lagrangeana.

A Função Indicadora varia de 1 (para o ar) a zero (sólido) e é numericamente


construída usando a interface para determinar o termo G(x). O salto através da interface
é distribuído sobre os pontos da malha fixa, gerando um campo gradiente na malha:

G(x)  I   n ( x  x f )dA (4.6)


A

que deve ser zero exceto sobre a interface, como representado pelo Delta de Dirac, .
Entretanto essa representação não é conveniente para um número discreto de pontos. A
Função Distribuição é usada para representar esse salto. Essa função é similar a uma
distribuição Gaussiana e seu valor depende da distância |xij - xk| entre os pontos
Lagrangeanos e Eulerianos:

f [( xk  xi ) / h ]. f [( y k  y j ) / h ]
Dij ( xk )  (4.7)
h2

onde Dij é a Função Distribuição para um ponto k na malha Lagrangeana com respeito a
um ponto i,j qualquer da malha Euleriana. Deve-se notar que um aumento no valor de h

72
torna a interface mais espessa. A função f é a Função Distribuição Probabilística, Fig.
4.22, relacionada com a distância h por:

 f1( x ) if x  1

f ( x )  1 / 2  f 1 ( 2  x ) if 1  x  2 (4.8.a)

0 if x  2

3  2. x  1  4. x  4 x 2
f1( x )  (4.8.b)
8
1.6

1.4

1.2

1.0
f(x)

0.8

0.6

0.4

0.2

0.0
0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0
x
Figura 4.22. Função Distribuição Probabilística.

O divergente do campo gradiente é encontrado através da solução da equação de


Poisson:

 2 I  .G (4.9)

Embora sendo consideradas constantes em cada fase, as propriedades dentro do domínio


devem ser tratadas como variáveis na formulação. Uma propriedade genérica
(Cp ou K) é expressa como:

x) = l + (v - l) I(x,t) (4.10)

O acoplamento entre as malhas móvel e fixa é feito em cada instante através da Função
Distribuição, que representa o termo fonte nas equações de balanço e interpola a
descontinuidade infinitesimal como uma região de espessura finita sobre a interface.
A forma inicial da interface, R(u), é especificada e o campo da Função Indicadora
é construído. A partir das condições iniciais os campos das propriedades e da
temperatura são determinados. Fora do período ablativo, a temperatura da interface se
mantém abaixo da temperatura de ablação e a equação da energia é solucionada com o
um problema de condução de calor, através do método dos Volumes Finitos,
empregando um método explícito marchante no tempo.
Assim que a temperatura da interface atinge a temperatura de ablação em um dado
ponto, um processo iterativo é iniciado, de modo a determinar a velocidade da interface

73
em cada passo de tempo, a qual deve satisfazer a condição de salto (Eq. 4.5) no ponto
Lagrangeano. Os passos a serem seguidos são:
1. Com o valor corrente de V, os pontos da Lagrangeanos são transportados para a
nova posição da interface, calculada explicitamente através da equação Vn= (dxf
/dt).n;
2. A densidade e o calor específico são calculados para a nova posição da interface;
3. Vn+1 é estimada através de iterações de Newton, usando um sistema de relaxação
numérica.
4. O fluxo de calor q cruzando a interface é calculado através da Eq. (4.4) e distribuído
na malha fixa;
5. De acordo com as condições de contorno, a equação da energia, Eq. (4.2), é usada
para obter o campo de temperatura no passo de tempo n+1;
6. A temperatura é interpolada para achar TF na interface;
7. A condição de salto é testada e se o resíduo é menor que a tolerância, os campos de
viscosidade e condutividade são atualizados para a nova posição, avançando um
passo no tempo. Caso contrário, uma nova estimativa para Vn+1 é calculada e o
processo retorna ao passo 3.

O critério de convergência usado no passo 7 é o resíduo na Eq. (4.5). Uma vez


que a tolerância desejada tenha sido atingida, assume-se que o processo convergiu. De
outro modo, a velocidade é corrigida via Iterações de Newton:

V n 1  V n   .R( T ) (4.12)

onde  é uma constante e R(T) é o resíduo para a condição de salto da temperatura na


interface. As iterações são repetidas até que R(T) em todos os pontos seja menor que a
tolerância prescrita. O valor ótimo para  é encontrado por tentativa, no início do
cálculo.
No caso em questão, são identificadas quatro interfaces: a superfície externa (ar-
char), a zona de pirólise (char-material virgem), a interface entre o TPS e a estrutura
(material virgem-back up) e eventualmente entre a estrutura e o ambiente interno (back
up - ar interno), que resultam em cinco regiões distintas.
Nesse caso, algumas modificações no método de solução são empregadas. Para o
cálculo das propriedades é necessária a caracterização de cada região entre as interfaces
individualmente. Assim, em uma região i qualquer, uma propriedade genérica será dada
por:

NFC
  Ig
i 1
i i (4.13)

onde NFC é o número de regiões. Igi é a Função Indicadora Global de uma determinada
região, obtida a partir do cálculo da função indicadora para cada interface (conforme
descrito no item anterior):

Ig i  I i 1  I i (4.14.a)

I0 = 1 ; INFC = 0 4.14.b)

74
O termo fonte Q, da Eq. (4.2) é distribuído conforme descrito no item anterior. Porém, o
termo q da Eq.(4.4) passa a ser definido para cada interface i, tornando-se qi. Com isso,
a Eq. (4.4) se torna:

NFC 1
Q 
i 1
Ai
qi  i ( x  x Fi )dAi (4.15)

O critério de convergência e a correção da velocidade de cada interface móvel são feitos


da maneira descrita no item anterior.

Comparação com dados experimentais

O modelo proposto foi usado para comparação com resultados experimentais,


obtidos a partir de ensaios. A descrição detalhada dos ensaios e demais aspectos
experimentais pode ser encontrada em Pesci (2017), de onde foram extraídas as
informações apresentadas a seguir. Para os ensaios de ablação, foi utilizado o túnel de
plasma do Laboratório de Plasma e Processos (LPP) do Departamento de Física do
Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Figura 4.23. O sistema é composto de
sistema de controle, sistema de vácuo, câmara de testes, fonte de potência, sistema de
injeção de gases, sistema de refrigeração, gerador de plasma (tocha), e o conjunto de
porta-amostras, Figura 4.24..

Figura 4.23. Túnel de plasma do LPP/ITA.

Figura 4.24. (a) Conjunto com porta-amostras antes da montagem na câmara; (b)
Desenho 3D de porta amostra montado.
75
Primeiramente a tocha é ligada e posteriormente posiciona-se o porta-amostra em
frente à tocha, como representado na Figura 4.25. O corpo de prova é mostrado na
Figuras 4.26. A taxa de perda de massa específica (𝑚̇) das amostras submetidas ao jato
de plasma é obtida por meio da expressão 4.16, onde se divide o valor de perda de
massa no ensaio pela área projetada e pelo tempo de exposição ao jato de plasma.

(∆𝑚/𝜋𝑟²)
𝑚̇ = (4.16)
𝑡𝑒𝑗

Figura 4.25. (a) Interação entre tocha e porta-amostra e (b) esquema de posicionamento
de porta amostra e tocha.

Figura 4.26. Corpos de prova de carbono/fenólica sem e com isolamento térmico para
montagem no porta-amostra e dimensões.

76
A Figura 4.27 mostra as curvas de taxa específica de perda de massa obtidas por
simulação computacional. Na Figura 4.27.a, o resultado experimental de 50 s está muito
acima da curva da simulação, devido a um problema de centragem, enquanto nos outros
pontos as barras de erro cruzam a curva de simulação. Nas Figuras 4.27.b,c, os
resultados de simulação foram próximos aos resultados obtidos experimentalmente de
maneira que as barras de erro cruzassem a curva da simulação. Na Figura 4.27.d, o
resultado experimental de 30s está muito abaixo da curva da simulação, devido a o
desalinhamento do porta-amostra o que causou a contaminação pela presença de
material estranho aos da fibra de carbono e da resina fenólica. Este material é a sílica,
proveniente dos anéis de quartzo/fenólica utilizados como proteção térmica nos ensaios.
Na Figura 4.28 são mostradas a evolução das interfaces onde em azul está
delineada a frente de pirólise e em vermelho a frente de ablação do char. Figura 4.29
algumas comparações entre a os perfis reais e obtidos a partir da simulação
computacional, É possível observar que, mesmo com o uso de um modelo bastante
simples, a concordância entre as geometrias finais é próxima.
0.16 0.2

0.16
Taxa de perda de massa, kg/m2 oC
Taxa de perda de massa, kg/m2 oC

0.12

0.12

0.08

0.08

0.04
0.04

0 0
0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 100
tempo de exposição, s tempo de exposição, s
(a) 0,626 MW/m² (b) 0,903 MW/m²
0.2 0.25

0.16 0.2
Taxa de perda de massa, kg/m2 oC

Taxa de perda de massa, kg/m2 oC

0.12 0.15

0.08 0.1

0.04 0.05

0 0
0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 100
tempo de exposição, s tempo de exposição, s
(c) 1,379 MW/m² (d) 1,725 MW/m²
Figura 4.27. Curvas da simulação computacional da taxa de perda de massa específica.

77
Frame 001  10 Oct 2017  CAMPOS | CAMPOS Frame 001  10 Oct 2017  CAMPOS | CAMPOS
Frame 001  10 Oct 2017  CAMPOS | CAMPOS Frame 001  10 Oct 2017  CAMPOS | CAMPOS

0.015 0.015 0.015 0.015


0,626 MW/m² 0,903 MW/m² 1,379MW/m² 1,725 MW/m²
0.014 0.014 0.014 0.014
0.013 0.013 0.013 0.013
0.012 0.012 0.012 0.012
0.011 0.011 0.011 0.011
0.01 0.01 0.01 0.01
0.009 0.009 0.009 0.009
0.008 0.008

y, m
y, m

0.008 0.008

y, m
y, m
0.007 0.007 0.007 0.007
0.006 0.006 0.006 0.006
0.005 0.005 0.005 0.005
0.004 0.004 0.004 0.004
0.003 0.003 0.003 0.003
0.002 0.002 0.002 0.002
0.001 0.001 0.001 0.001
0 0 0 0
0 0.002 0.004 0 0.002 0.004 0 0.002 0.004 0 0.002 0.004
x, m x, m x, m x, m

Figura 4.28. Evolução das interfaces para 0 s, 30 s, 50 s, 70 s e 90 s de exposição.

Figura 4.29. Comparação de evolução das interfaces.

78
4.4. Proteção térmica integrada à estrutura

Entre os sistemas de proteção térmica usados atualmente, estão os revestimentos


multicamadas, que alternam materiais isolantes com camadas reflexivas (Pessoa Filho
& Genaro, 2006). Também são usados blocos cerâmicos fibrosos com bases de material
flexível (no caso do ônibus espacial, por exemplo). Para a próxima geração de veículos
recuperáveis, tem sido considerado o uso de proteções térmicas metálicas, consistindo
de um painel metálico envolvente construído a partir de uma liga de alta temperatura e
preso à estrutura do veículo. O painel é preenchido com material leve fibroso (Poteet et
al., 2002). Esse tipo de proteção oferece perspectivas promissoras de aplicação, uma vez
que oferece excelente isolamento térmico (devido à camada de material fibroso) e
contribui para a resistência estrutural do veículo, pois os painéis são envolvidos por
treliças metálicas (Fig, . 4.30). Suas principais vantagens são:
 Alta eficiência como isolante térmico
 Baixa necessidade de manutenção
 Robustez da estrutura externa
 Integração térmica e estrutural com o corpo do veículo

Figura 4.30. Vista esquemática e lateral do sistema de proteção térmica integrado à


estrutura.

No entanto, para o correto projeto e dimensionamento desses sistemas, é necessário


superar algumas questões de ordem prática:
 Tensões térmicas induzidas devido à combinação de vários materiais na construção
do TPS
 Correto balanceamento entre os desempenhos térmico e estrutural
 Seleção do material mais apropriado (considerando a limitação em opções de
materiais utilizáveis)
 Fabricação e adaptação à estrutura do veículo
Assim, um dos pontos de partida para a otimização do projeto de um TPS estrutural é o
conhecimento do comportamento termoestrutural do conjunto (estrutura + isolante
fibroso).
Varias formulações para a transferência de calor em isolamento fibroso têm sido
investigadas (Raed e Gross, 2007). Diversos estudos tem têm sido feitos no sentido de
modelar e otimizar o projeto estrutural de proteções térmicas ativas (Tamma &
Thronton, 1987; Rakow & Wass, 2005).
Uma vez conhecido o coeficiente de película e a temperatura do ar externo ao
longo da trajetória, as temperaturas na parede são determinadas através da solução da
equação da energia aplicada ao processo de condução de calor através do sistema
TISSC. Nesse caso, é necessário o conhecimento prévio das propriedades termofísicas

79
das diversas camadas do sistema. No caso do isolamento fibroso que recheia a estrutura
treliçada, isso envolve a combinação dos diversos processos de transmissão de calor
para a obtenção de um valor aplicável como condutividade térmica: condução através
das fibras, condução pelo gás retido entre as fibras, troca radiante em um meio
participante (fibras e gás) e possivelmente alguma convecção natural.
O isolamento fibroso é submetido a pressões ambientes que variam de 1.33 x 10–5
– 101.32 kPa e temperaturas entre 300 e 1300 K. Varias formulações para a
transferência de calor em isolamentos fibrosos têm sido investigadas, mas a maioria dos
modelos foi validada através de resultados experimentais em intervalos limitados de
pressão e temperatura (Daryabeigi, 2003). A transferência de calor radiante foi
modelada de forma satisfatória (Yuen & Cunnington, 2005; Daryabeigi et al, 2006;
Pessoa Filho & Genaro, 2006; Daryabeigi et al., 2007). A maior fonte de incerteza é a
determinação da condutividade térmica efetiva do material fibroso. A determinação
dessa propriedade depende do modelo de condução de calor aplicado ao gás retido entre
as fibras, e que pode representar 90% da condutividade térmica efetiva total do meio
fibroso.
Os modelos de condução nesses gases são baseados no efeito Knudsen, que
descreve vários regimes de transferência de calor: moléculas livres, transição, salto de
temperatura e meio contínuo. Cada regime apresenta características específicas para a
modelagem do processo de troca térmica. Os parâmetros fundamentais para
caracterização e modelagem física da condução são o comprimento característico de
condução no gás e o caminho livre médio das moléculas (Raed & Gross, 2007). Apesar
de diversos modelos para a estimativa do comprimento característico terem sido
desenvolvidos, a maioria apresenta limitações em relação ao intervalo de pressões onde
são aplicáveis, especialmente as pressões ambientes na atmosfera superior. Não há um
modelo considerado satisfatório para este intervalo. O modelo de Knudsen também
implica na estimativa do caminho livre médio das moléculas do gás. Apesar de esse
parâmetro estar bem definido para um gás puro, em um meio poroso ele depende
também da porosidade e da geometria dos poros, e deve ser estimado de forma
muitoprecisa. Finalmente, a condutividade térmica efetiva do gás em um meio poroso
depende fortemente da combinação daqueles dois parâmetros e da modelagem e
combinação dos modos de transferência de calor envolvidos.
O modelo matemático é descrito em detalhe por Daryabeigi (2000-2007). O
modelo considera a transferência de calor entre duas placas, combinando os modos de
radiação e condução. O isolamento fibroso entre as placas é considerado um meio
participante. A principal equação resultante dessas hipóteses é a equação da
conservação da energia na forma unidimensional, com o inclusão de um termo fonte
para a troca radiante.


T

"
T q
c 
k 
  . r
(4.17)

t 
c
y y y

Para um meio oticamente espesso, a aproximação difusiva pode ser usada, resultando
em um fluxo de calor radiante dado por:
T
q"r kr . (4.18)
y

Usando essa aproximação, a equação da energia se reduz a:

80
T   

c  k

T
eq 
, (4.19)

t 
y 
y

onde k (condutividade térmica aparente ou efetiva) é obtida por superposição das


condutividades térmicas devidas à condução no sólido, no gás e à radiação:

k = kr + ks + kg . (4.20)

A condutividade térmica radiante para o isolamento fibroso, kr, é dada por:

n*2T3
16
kr  , (4.21)
3e

onde e é o coeficiente de extinção específico, estimado a partir de dados experimentais


usando uma técnica de estimativa de parâmetros baseada em um algoritmo genético e
n* é o índice de refração efetivo. Uma curva interpolada para a variação deste último
parâmetro com a fração em volume de fibra foi empregada no cálculo. A espessura
ótica é dada por τ = ρ.e.L. O isolamento pode ser considerado oticamente espesso se τ >
> 1, oque é valido para as amostras usadas no estudo, onde a espessura ótica é maior do
que 20. O termo de condução no sólido, ks, é extraído de um modelo empírico baseado
na densidade e na condutividade k do material das fibras:

k
s(T)F
sf
b*
vks(T), 1 b  3, (4.22)

onde Fs é um fator relacionado aos efeitos geométricos na microescala da matriz de fibra


e às dimensões globais do isolamento. É obtido a partir de medidas em regime
estacionário no vácuo e em temperaturas criogênicas (condições de teste com radiação
reduzida e condução no gás desprezível).
A condução de calor é suposta ocorrer no meio poroso, como uma combinação
dos processos de condução no sólido e no gás. A condução no sólido ocorre através das
fibras e a dependência de sua condutividade térmica com a temperatura é considerada
ser bem estabelecida. De acordo com a termodinâmica estatística, a condutividade
térmica do gás é suposta depender somente da temperatura e ser independente da
pressão. Entretanto, em um meio poroso foi verificado que a pressão desempenha um
importante papel a partir de certo nível. O modelo corrente emprega uma aproximação
clássica para estimar a condutividade térmica no interior das fibras, baseada na hipótese
de Knudsen. A função padrão da temperatura usada para estimar a condutividade
térmica do gás, kg0(T), é corrigida através da seguinte equação:

kgo(T)
kg 

2 Kn
Pr , (4.23.a)
 = 1,  = 0 para Kn < 0.01 (meio contínuo),
 = 1,  = 1 para 0.01 < Kn < 10 (transição),
 = 0,  = 1 para Kn > 10 (moléculas livres),

81
22

  
 
 
 
1, (4.23.b)

 é o coeficiente de acomodação térmica e  é a razão de calores específicos do gás, Pr


é o número de Prandtl e Kn é o número de Knudsen:

Kn = /LC, (4.24)

 é o caminho médio das moléculas do gás e LC é o comprimento característico do
isolamento fibroso.
O modelo de condutividade térmica equivalente para o meio poroso foi validado
através da comparação com os resultados experimentais de Daryabeigi (2003),
utilizando o modelo corrente, já descrito neste trabalho, e uma versão modificada,
incluindo um termo de convecção natural em micro escala, proposto por Machado
(2013), para os casos listados na Tab. 4.4, utilizando o Saffil® como meio poroso. A
concordância entre os resultados teóricos e experimentais foi aprimorada com o modelo
modificado, como é possível observar na Fig. 4.31 e na Tab. 4.5.

Tabela 4.4. rms na comparação do modelo com experimento (Daryabeigi, 2003)

 (kg/m3) Espessura do rms (%)


meio poroso Todas as P < 0.1 Torr 0.1 < P < 100 Torr P > 100 Torr
(mm) pressões
24.2 13.3 6.61 4.00 6.34 10.50
26.6 6.49 7.21 5.81 10.42
39.9 4.90 2.23 4.87 9.28
48.6 13.3 5.38 4.17 4.12 12.02
48.0 26.6 6.51 6.42 5.82 10.06
72.0 26.6 8.79 8.82 9.35 6.71
39.9 5.47 6.42 4.65 8.55
Todos os 6.60 5.84 6.28 9.00
casos -

Tabela 4.5. Resultados de erro rms geral (todos os casos) para os dois modelos.

rms (%)
Pressão Modelo Modelo
corrente Modificado
P < 0.1 Torr 5.84 5.24
0.1 < P < 100 6.28 3.39
Torr
P > 100 Torr 9.00 3.18
Todas as 6.60 3.82
pressões

82

(a) = 24.2 kg/m3 and L = 13.3 mm (b) = 24.2 kg/m3 and L = 26.6 mm

(c) = 24.2 kg/m3 and L = 39.9 mm (d) = 48.6 kg/m3 and L = 13.3 mm

(e) = 48 kg/m3 and L = 26.6 mm (f) = 72 kg/m3 and L = 26.6 mm

83
0.12
Measurement
Current model 1240 K
Modified model

1020 K
0.08

860 K

K, W/m K 0.04

0
0.001 0.01 0.1 1 10 100 1000
P, Torr

(g) = 72 kg/m3 and L = 39.9 mm.

Figura 4.31. Condutividade térmica efetiva como função da pressão para várias
diferenças de temperatura entre as superfícies externa e interna do meio
poroso.

84
5. AMBIENTE INTERNO

5.1. Introdução

Nesse ponto já foram estudados o comportamento térmico do escoamento


hipersônico, o aquecimento resultante na superfície do veículo e os sistemas de proteção
térmica. Todos esses fatores são externos ao veículo. Deve-se lembrar, porém, que no
interior do veículo estão alojados diversos sistemas eletrônicos e mecânicos e
eventualmente a carga útil também é composta desses elementos, sejam experimentos
ou equipamentos a serem postos em órbita. Em ambos os casos, é preciso garantir que a
temperatura dos componentes mecânicos, elétricos e eletrônicos embarcados permaneça
dentro das faixas requeridas para os mesmos.
Assim, no projeto completo de uma missão ou veículo é necessário estimar as
cargas térmicas internas e as externas que incidem sobre esses sistemas e eventualmente
selecionar e dimensionar sistemas de refrigeração ativos ou passivos. Não existe uma
metodologia específica para esse cálculo. A análise envolve a identificação das fontes
de calor internas e externas e a modelagem dos processos de transmissão entre elas. A
metodologia mais precisa consiste na simulação numérica através de métodos discretos,
que padece das mesmas dificuldades de aplicação descritas no cálculo do ambiente
externo. Na análise dos veículos do IAE tem sido empregada uma metodologia
semelhante ao método dos nós, usado para a análise térmica de satélites (Gilmore,
1994). No entanto, os processos térmicos que ocorrem nesses sistemas e nos veículos
são diferentes. Os primeiros possuem uma vida útil longa (de vários anos ou até
décadas) e passam por ciclos térmicos de aquecimento e resfriamento. Os segundos tem
uma vida útil curta que raramente atinge uma hora no caso dos veículos do IAE e
sofrem processos de troca de calor transientes onde normalmente ocorrem picos de
aquecimento. Nos veículos espaciais normalmente o principal interesse é o resfriamento
dos componentes, pois raramente ocorrem processos naturais de resfriamento relevantes
durante a missão.
Nesse capítulo, serão analisadas as fontes de calor e processos térmicos, sua
modelagem e simulação, algumas opções para a redução de temperatura de
componentes e exemplos de aplicação.

5.2. Modelagem da transferência de calor

O interior e a carga útil de veículos espaciais contêm diversos sistemas e


subsistemas ligados à missão. Esses sistemas normalmente são agrupados em
compartimentos ou plataformas específicos. Durante a missão as iterações entre os
componentes do sistema, a plataforma e o restante do veículo devem ser contabilizadas,
assim como os diversos modos de transmissão de calor. No caso de veículos espaciais,
os três modos estão envolvidos:
 Condução de calor entre os componentes, a plataforma e o veículo;
 Convecção através do ar interno armazenado;
 Radiação entre os elementos do sistema.

85
As fontes de calor que compõe a carga térmica sobre cada elemento devem ser
contabilizadas individualmente. Podem ser listadas:
 Fontes externas: o calor proveniente do aquecimento aerodinâmico, da radiação da
pluma do motor ou da exposição solar que atravessa a parede do veículo.
 Fontes internas: a dissipação térmica dos componentes eletrônicos ou elétricos e
experimentos embarcados e qualquer outra fonte pontual proveniente do interior do
veículo.
Uma observação a ser feita é que raramente o calor proveniente da queima de
propelente é relevante neste cálculo, já que durante a fase de projeto do motor já estão
previstos a proteção térmica e isolamento em relação à estrutura do veículo, conforme
será visto no próximo capítulo.
As hipóteses consideradas na construção do modelo físico foram:
 Todos os elementos têm temperatura uniforme e constituição homogênea (mesmo
material).
 Todos os elementos se comportam como corpos cinzentos (emissividade igual à
absorvidade em todo o espectro)

Num sistema qualquer com n componentes, aplica-se em um componente i


qualquer a equação da conservação da energia na forma integral transiente:

𝑑𝑇𝑖
𝑚𝑖 𝐶𝑝𝑖 =𝑄𝑖 (5.1)
dt

onde m é a massa do elemento, Cp é o calor específico e Qi é a taxa líquida de troca de


calor, que incluí o calor absorvido ou rejeitado de outros elementos e a potência
dissipada em cada elemento, Qs,i.
O calor trocado por radiação entre um elemento i e os demais elementos j será:

𝑄𝑟𝑎𝑑,𝑖 = ∑𝑛𝑗=1 𝐹𝑖,𝑗 𝐴𝑖 𝜎𝜀𝑖 (𝑇𝑖4 − 𝑇𝑗4 ) (5.2)

onde Fi,j é o fator de forma entre os elementos i e j.


O calor trocado por condução entre um elemento i e os demais elementos j (desde
que estejam em contato):

𝑄𝑐𝑜𝑛𝑑,𝑖 = ∑𝑛𝑗=1 𝑈𝑖,𝑗 (𝑇𝑖 − 𝑇𝑗 ) (5.3)

onde Ui,j é o coeficiente de transferência de calor entre dois elementos adjacentes (i, j) ,
igual ao inverso da resistência térmica.
O calor trocado por convecção entre um elemento i e o ar interno:

𝑄𝑐𝑜𝑛𝑣,𝑖 = ℎ𝐴𝑖 (𝑇𝑖 − 𝑇𝑎𝑟 ) (5.4)

onde h é o coeficiente de transferência de calor por convecção e A é a área de troca.


O fluxo de calor líquido total em um elemento será dado por:

Qi = Qrad,i + Q,condi + Qconv,i + Qs,i (5.5)

86
O resultado é um sistema de equações diferenciais ordinárias com n equações e n
incógnitas (temperatura de cada elemento). Caso os termos não lineares dependentes do
tempo não permitam uma solução analítica (caso mais comum), essa equação pode ser
resolvida por um método explícito marchante no tempo de implementação simples:

Tik = Tik-1 + Qikdt/miCpi (5.6)

onde o índice k refere-se ao instante de solução e dt é o passo de tempo. Embora de fácil


implementação, esse método pode sofrer instabilidades e exigir passos de tempo muito
pequenos. Nesse caso, métodos mais estáveis como Runge-Kutta podem ser usados na
solução.
A aplicação da metodologia será mostrada em exemplos no final deste capítulo. A
seguir será detalhado o tratamento dado a cada modo de transmissão de calor.

5.2.1. Transferência de calor por radiação

Esse modo de transmissão em geral é pouco relevante em temperaturas próximas


à temperatura ambiente. No caso de veículos espaciais normalmente este termo é
desprezado. Sua inclusão, quando possível, permite aumentar a precisão do cálculo.
Um fator complicador é a estimativa dos fatores de forma Fi,j (view factor) entre
dois elementos i e j. O cálculo exato envolve a integração multidimensional dos ângulos
sólidos ente os elementos, o que é um cálculo bastante custoso. Podem ser usadas
relações aproximadas e a aritmética dos fatores de forma encontrados em qualquer texto
básico sobre transferência de calor.

5.2.2. Transferência de calor por condução

Para a estimativa das resistências térmicas entre os elementos adjacentes, é


considerada a soma das resistências térmicas de cada elemento mais a resistência de
contato. A resistência térmica é obtida através de:

R = L/(K.A) (5.7)

Onde L é a extensão média entre os elementos percorridos pelo calor (depende da


geometria dos elementos e da direção do fluxo de calor) e K é a condutividade térmica
de cada material. A área A usada é a menor área de transferência na direção do fluxo. Os
parâmetros de cálculo são mostrados na Figura 5.1

Li Lj

Ai Aj

Ri RC Rj

Figura 5.1. Determinação da resistência térmica total entre os elementos i e j.

87
A resistência térmica total entre dois elementos adjacentes será:

Ri,j = Ri + Rc + Rj (5.8)

A resistência térmica de contato depende de diversos fatores, principalmente da


rugosidade das superfícies em contato, da pressão entre elas, dos materiais da cada
superfície e da presença de ar ou pasta térmica preenchendo a interface entre elas. Em
alguns casos dispõe-se de valores experimentais e em outros deve ser estimada a partir
de estudos prévios ou extraída da literatura (Gilmore, 1994).

5.2.3. Transferência de calor por convecção

O coeficiente de troca por convecção h, também chamado coeficiente de película,


pode ser obtido a partir de valores tabelados ou de correlações. Em ambientes internos
em que não há circulação forçada, pode ser usado o valor padrão mínimo para
convecção natural: h = 6 W/m2ºC. Na presença de ventilação ou algum tipo de
circulação de ar, as correlações apropriadas devem ser usadas. A seleção da correlação
adequada depende do regime de escoamento. Assim, o primeiro passo é obter o número
de Reynolds a partir do diâmetro hidráulico da região de circulação.
Uma observação que deve ser feita é que em ambientes estanques o ar deve ser
tratado como mais um elemento do sistema. A massa total de ar pode ser estimada a
partir do volume da região e da pressão e temperatura ambientes, através da equação
dos gases ideais: PV = mRT, onde R = 287 J/kgK. O calor específico do ar pode ser
considerado como o valor padrão, Cp = 1004 J/kgK.

5.2.4. Fatores externos

Para contabilizar o aquecimento proveniente do ambiente externo, inicialmente


deve-se estimar o fluxo incidente sobre a superfície externa e a fração que chega à
superfície interna. O fluxo externo pode ser resultante da insolação durante a fase de
pré-lançamento no launchpad ou do aquecimento aerodinâmico durante o voo, por
exemplo. Uma vez obtido o fluxo local, a seção da estrutura em contato com os sistemas
em análise é tratada como mais um elemento do conjunto e deve ser contabilizada em
equação própria. Essa é uma aproximação, já que o calor externo absorvido pela
estrutura se propaga em diversas direções. Durante a análise devem ser feitas hipóteses
que permitem isolar, ainda que de forma aproximada, a fração que efetivamente atinge
os sistemas do conjunto em análise.

5.2.5. Potência dissipada pelo elemento

Todos os elementos que dissipam potência devem contabilizados. Em muitos


casos, a potência dissipada na forma de calor por equipamentos eletrônicos pode ser
obtida a partir das especificações fornecidas pelo fabricante (no datasheet, onde também
podem ser encontradas as temperaturas limite de utilização). Caso a dissipação não seja
especificada diretamente, deve-se multiplicar a potência total por (1 - ), onde é a
eficiência do equipamento. Em alguns casos, é recomendável a realização de ensaios
para a aferição da potência dissipada.

88
5.3. Sistemas de arrefecimento

A análise descrita anteriormente permite estimar a variação individual de


temperatura de cada elemento. Caso o limite de operação seja ultrapassado em algum
elemento, é necessária a utilização de algum sistema de arrefecimento para limitar o
aumento de temperatura. Quando se fala de sistema de arrefecimento, não se trata
necessariamente de refrigeradores, que são projetados para manter a temperatura
constante. Uma vez que o ciclo de operação dos veículos é um processo transiente de
alguns minutos de duração, a necessidade de refrigeração corresponde à um valor finito
de carga térmica, que deve ser retirado para evitar o superaquecimento do elemento. Os
sistemas usados podem ser ativos ou passivos.

5.3.1. Sistemas de refrigeração passivos

Esses sistemas são dimensionados para absorver uma carga térmica fixa
proveniente do sistema que se quer refrigerar. A carga térmica é estimada integrando a
potência dissipada pelo equipamento ao longo do tempo durante o período da missão.
Caso o equipamento não opere em um ciclo ou função variável com o tempo e a
potência dissipada seja constante, o valor é obtido simplesmente multiplicando a
potência dissipada pelo intervalo de tempo.
Uma vez obtida a carga térmica, pode ser empregado o sistema mais simples, o
poço de calor (heat sink), onde uma massa de metal ou outro material absorvedor é
colocado em contato com o equipamento, funcionando como inércia térmica e
absorvendo o calor gerado. No IAE têm sido usados blocos de alumínio nessa função.
Esse sistema é limitado pelo peso do bloco e dependendo do valor da carga térmica
pode se tornar inviável.
Uma opção é o uso de capacitores térmicos, Figura 5.2, onde a massa do poço de
calor é substituída por um material que muda de fase a partir de certa temperatura
armazenado dentro de um recipiente que fica em contanto com o equipamento. Nesse
caso a capacidade de absorção de calor é bastante amplificada para uma mesma massa,
em comparação com o poço de calor, já que a absorção ocorre por calor latente no lugar
de calor sensível. Apresentam um custo bem superior aos poços de calor e são
desenvolvidos de forma personalizada. Esse sistema é de emprego comum em satélites
(Vlasov, 2003) e ainda não tem sido usado nos veículos do IAE.

Figura 5.2. Exemplo de capacitor térmico de 1100 ml.

89
5.3.2. Sistemas de refrigeração ativos

A utilização de ciclos completos de refrigeração a vapor ou por absorção nos


veículos sofre limitações devido ao espaço, peso e fonte de potência. No entanto,
existem sistemas não convencionais compactos capazes de fornecer refrigeração
localizada. São os sistemas termoelétricos – TEC (ThermoElectric Cooler), baseados no
efeito Peltier: quando a corrente elétrica passa através do contato de dois diferentes
condutores, uma diferença de temperatura se forma entre eles. Na Figura 5.3 são
mostrados os arranjos construtivos e na Figura 5.4 alguns exemplos.

Figura 5.3. TEC – Arranjos construtivos.

Figura 5.4. TEC – Exemplos de modelos comerciais.

90
São sistemas de construção simples e apresentam como vantagens:
 Não tem partes móveis.
 Vida útil de mais de 100,000 horas de operação (>11 anos).
 Não tem líquido.
 Permite controle com alta precisão ( de +-0.05o C).
 Reversível (aquecimento-resfriamento).

Como desvantagens, têm:


 Baixa efetividade (COP~ <1) – Uso do TEC é razoável só para fluxos de calor
baixos.
 Baixa eficiência em temperaturas baixas.
 ΔT ótimo ~ 80-120o C.
 Umidade pode causar corrosão eletrolítica e então degradação e danificação do TEC.
 Solda nas junções impõe restrições na temperatura (~<120o C).

Esses sistemas são de uso corrente em satélites e nas indústrias aeroespacial e de


defesa, eletrônica, médica, etc. Ainda não foram usados em veículos do IAE, embora
sejam considerados uma opção para futuras aplicações.

5.4. Dispersão do calor

Finalmente, é preciso destacar que mesmo com a existência de sistemas de


refrigeração, ativos ou passivos, é necessário que o calor gerado em um equipamento
possa fluir para a região em que será absorvido ou armazenado. Diversos métodos de
retirada de calor podem ser usados:

Thermal straps: são acessórios usados para conduzir o calor. Consistem em extensões
flexíveis com alta condutividade, que também possibilitam o isolamento de vibrações.
Podem ser de diversas formas, com o mostrado na Figura 5.5, e utilizam diversos
materiais, como cobre, alumínio ou compósitos de carbono.

Figura 5.5. Exemplos de thermal straps.

91
Figura 5.6. Comparação entre as condutividades de diversos materiais usados em
thermal straps.

Tubos de calor: é um supercondutor artificial que consiste em um tubo pressurizado


com uma parte do seu interior preenchido com um material poroso ou capilar e um
fluido na condição de saturação. Ao impor um fluxo de calor em uma das extremidades
um ciclo de transferência se inicia em seu interior, como mostrado na Figura 5.7.

Figura 5.7. Princípio de funcionamento de um tubo de calor.

As vantagens são:
• Altíssima condutividade: ~100 vezes maior do que um tubo sólido de mesmo
tamanho.
• Possibilidade de implementação com condutividade variável (“self-conrol”).
Desvantagens:
• Limites operacionais
• Sensitividade à gravidade
• Precisa de tecnologia especial para fabricação

Na Figura 5.8 são mostrados exemplos de tubos de calor. Na Figura 5.9 são comparadas
as capacidade de transporte para diversos fluidos de trabalho.
92
Figura 5.8. Exemplos de tubos de calor.

Figura 5.9. Capacidade de transporte de diversos fluidos de trabalho.

Spreaders: são empregados para distribuir o calor em duas dimensões, eliminando os


pontos quentes (hot spots) ao mesmo tempo em que reduzem a temperatura superficial
na terceira dimensão. Essa solução pode ser combinada com plásticos, metais ou
elastômeros nos componentes assim como outros materiais usados para preencher
interfaces, reduzindo a resistência de contanto. Seu princípio de funcionamento e alguns
exemplos são mostrados na Figuta 5.10. Na Figura 5.11 são comparados os
desempenhos para diversos materiais empregados.

93
Figura 5.10. Funcionamento e exemplo de spreaders.

Figura 5.11. Desempenho de materiais usados em spreaders.

Aletas e ventiladores: como a troca de calor por radiação e convecção depende da área
superficial do elemento, um aumento dessa área resulta em um maior coeficiente global
de troca U. Como foi visto, esses modos de transmissão de calor têm efeito limitado em
veículos espaciais durante o voo, uma vez que, devido à alta velocidade e eventual falta
de pressurização, a pressão interna e a presença de ar diminuem rapidamente (no caso
de troca por convecção) e as temperaturas são relativamente baixas (no caso de troca
por radiação). Porém, seu uso em conjunção com ventiladores no período de espera para
o lançamento no launchpad pode contribuir para manter a temperatura interna dentro do
limite. Uma vez que se conheça a velocidade do escoamento induzido pelo ventilador e
as dimensões das aletas, o coeficiente de troca pode ser estimado através de correlações
convenientes, obtidas de acordo com o regime de escoamento interno (para isso é
preciso estimar o número de Reynolds correspondente).

94
6. PROPULSÃO

6.1. Introdução

A propulsão de motores foguete é um assunto vasto e complexo, que merece ser


tratado em obras específicas, como é o caso de diversas publicações já existentes. Este
tópico será limitado ao tratamento dos processos de transferência de calor em sistemas
propulsivos, com foco nos casos encontrados nos veículos do IAE. Os problemas
térmicos já tratados em capítulos anteriores, como o aquecimento aerodinâmico e a
ablação, que também afetam o sistema propulsivo não serão abordados neste capítulo.
Os dois principais tipos de propulsão de foguetes são os motores a combustível
sólido e líquido. A maioria dos problemas térmicos é compartilhada entre os dois tipos.
Atualmente, embora motores a propelente líquido se encontrem em desenvolvimento no
IAE, somente veículos a propelente sólido se encontram em estágio operacional. Dessa
forma, a teoria abordada tratará basicamente destes últimos. No final deste capítulo, um
exemplo específico para propelente líquido será discutido. Em todos os exemplos, a
maior parte dos métodos e modelos empregados já foi discutida previamente.

6.2. Transferência de calor em motores foguete

A Figura 6.1 mostra o esquema básico de um motor foguete a propelente sólido.


Os motores a propelente sólido sofrem diversos processos de aquecimento, alguns
simultâneos durante o voo, que devem ser tratados para o dimensionamento dos
sistemas específicos de proteção térmica:
1. Aquecimento no interior da câmara de combustão (nas extremidades e na seção
cilíndrica).
2. Aquecimento do ignitor.
3. Aquecimento da tubeira.
4. Aquecimento externo (aerodinâmico).
5. Efeitos do aquecimento da pluma (radiação e recirculação na região da base).
6. Efeitos termo-estruturais.
7. Efeitos da temperatura no ciclo de armazenamento, transporte e integração do motor.
8. Magnitude das perdas de calor do motor incidindo em sistemas adjacentes.

Figura 6.1. Vista esquemática de um motor foguete a propelente sólido

95
Como já foi mencionado, diversos processos citados e seu tratamento já foram
apresentados. Nas fases avançadas do projeto, o ideal é que sejam realizadas simulações
completas via CFD dos processos internos do motor. Nas fases iniciais de projeto,
modelos simplificados podem ser usados para a obtenção de resultados preliminares
com precisão aceitável. Alguns desses modelos já foram apresentados, como o
aquecimento aerodinâmico, ablação e condução na parede. Outros modelos serão vistos
para os problemas específicos da propulsão sólida.
Na Figura 6.2 é apresentado o processo de transferência de calor no interior da
câmara de combustão durante a queima do propelente. Uma vez que este se comporta
como um excelente isolante térmico, enquanto não for totalmente consumido não ocorre
um aquecimento relevante na parede. Após esse período a troca de calor local deve ser
analisada. Nas regiões descobertas, uma proteção deve ser adicionada. Normalmente do
tipo ablativo, o processo é semelhante ao apresentado no capítulo 4. No entanto, nesse
caso a radiação tem papel relevante devido à presença de partículas sólidas, como será
visto adiante. A distribuição do calor ao longo do comprimento do motor é mostrada na
Figura 6.3. É possível observar que o fluxo de calor na parede se amplia à medida que a
velocidade do escoamento aumenta. Assim, as maiores taxas ocorrem na tubeira, que
merece uma análise específica.

Figura 6.2. Camadas da parede antes e depois de o propelente ter sido consumido.

96
Figura 6.3. Ambiente térmico interno do motor.

6.3. Aquecimento na tubeira

O perfil do fluxo de calor na parede interna da tubeira é mostrado na Figura 6.4. O


pico da taxa de transferência ocorre na garganta, a partir da qual se inicia a expansão do
gás proveniente da câmara de combustão. É importante ressaltar que a velocidade
supersônica é sempre atingida na seção da garganta (ou próxima, devido à presença das
partículas sólidas, como será visto). Nesse caso, a geometria interna tem um papel
importante. É necessário assegurar que essa geometria não sofra variação devido à
ablação durante a queima. Por isso normalmente é feita com um material específico para
uso nessa região.
A transferência de calor entre o escoamento e a parede interna da tubeira se dá
principalmente por convecção. A radiação em geral representa de 5% a 15% do fluxo de
calor total. A estimativa do fluxo de calor na parede interna é feita pela lei de Newton
para o resfriamento por convecção:

q(x) = h [Tg(x) – Tw(x)] (6.1)

onde:
q – fluxo de calor (W/m2)
h – coeficiente local de troca térmica por convecção ((W/m2K)
Tg – Temperatura média do escoamento na seção transversal (K ou ºC)
Tw – Temperatura da parede na seção transversal (K ou ºC)

97
Figura 6.4. Variação do fluxo de calor interno ao longo do eixo da tubeira.

O coeficiente de transferência de calor por convecção – h pode ser estimado para


uma posição longitudinal x qualquer dentro da tubeira através da equação de Bartz
(1957), desde que as temperaturas não ultrapassem 3500º C:
0,8 0,1 0,9
0,026 𝐶𝑝 𝜇 0,2 𝑃𝑔 𝐷 𝐴
ℎ=[ ( 𝑃𝑟 0,6 ) ( 𝑐𝑐∗ ) ( 𝑟 𝑡) ] ( 𝐴𝑡 ) 𝜎 (6.2)
𝐷𝑡0,2 0 𝑐

onde:
A – área da seção transversal (in2)
At – área da garganta (in2)
Dt – diâmetro da garganta (in)
g – aceleração gravitacional (ft/s2)

98
Pc – pressão de estagnação no interior da câmara de combustão (lb/in2)
c* - velocidade característica (ft/s)
rc – raio de curvatura na seção da garganta (in)
Cp – calor específico à pressão constante (Btu/lboF)
 - viscosidade absoluta (lb/in.s)
Pr – número de Prandtl
Subescrito 0 – referente à condições de estagnação
 - fator de correção que leva em conta as variações de  e  ao longo da camada limite:

1 𝑇𝑤 𝛾−1 1 0,8−(𝑤/5) 𝛾−1 (𝑤/5) −1


2 2
𝜎 = {[2 𝑇 (1 + 𝑀 ) + 2] [1 + 𝑀 ] } (6.3)
0 2 2

onde:
Tw – Temperatura local da parede
T0 – Temperatura de estagnação
M – Número de Mach local
 - constante isentrópica do gás (Cp/Cv)
w – expoente da temperatura na equação da viscosidade

As velocidades, pressões e temperaturas locais em cada seção transversal da


tubeira podem ser obtidas a partir do uso das equações para escoamento compressível
unidimensional de um gás ideal.
Deve-se atentar para as unidades usadas na Equação (6.2), todas relativas ao
Sistema Inglês, o que foi mantido para evitar erros na transcrição da equação
diretamente da referência original. O h resultante será expresso em Btu/in2soF e deverá
ser convertido para unidades do Sistema internacional (W/m2oC) para uso na Eq.(6.1).
Detalhes da dedução e aplicação da equação podem ser encontrados na referência
original ou trabalhos específicos, como Costa (2003).

6.4. Efeitos do escoamento bifásico

Nos motores a propelente sólido, são adicionadas partículas de alumínio para


melhorar as propriedades de queima. Após a combustão, essas partículas se
transformam em diversas formas de óxido de alumínio, especialmente alumina (Al2O3),
que escoa junto com o gás da combustão, resultando em um escoamento bifásico gás-
partícula. A fração de massa sólida do escoamento pode ultrapassar 20%.
A presença das partículas causa importantes efeitos no escoamento. O ponto
sônico é deslocado da região da garganta para um ponto posterior. Um atraso (lag)
Ocorre entre as velocidades e temperaturas das partículas devido às inércias térmica e
dinâmica das últimas. Esses efeitos são determinados de forma aproximada com
precisão razoável através da modificação do modelo unidimensional de escoamento
compressível em gases ideais. O modelo matemático e o equacionamento da solução
podem ser encontrados no trabalho de Machado (1990), que o aplicou na simulação do
escoamento nas tubeiras dos dois primeiros estágios do VLS. A metodologia será
descrita de forma resumida a seguir. Os detalhes e referências completos podem ser
encontrados naquele trabalho.
As pressões e temperaturas da câmara são consideradas como condição de
estagnação (isto é, velocidade nula) estando ambas as fases, partícula e gás,
aproximadamente nessas condições na entrada do bocal. A pressão de saída é a pressão
atmosférica local.

99
Para a modelagem do problema, foram consideradas as seguintes hipóteses:
 Fluxo unidimensional e em regime permanente;
 Não há perdas de massa ou energia no sistema (bocal adiabático com paredes
impermeáveis);
 Não há troca de massas entre as fases;
 O volume ocupado pelas partículas é desprezível;
 As partículas não interagem entre si;
 O movimento térmico (Browniano) das partículas é desprezível;
 O gás é considerado não-viscoso, exceto para interações com as partículas (arrasto
dinâmico);
 O gás é considerado perfeito e de composição constante;
 A distribuição do tamanho das partículas pode ser aproximada para grupos de
diferentes tamanhos de esferas;
 A temperatura interna das partículas é considerada uniforme;
 A troca de energia térmica entre o gás e as partículas ocorre somente por convecção;
 As capacidades térmicas de gás e partículas são constantes.

Consideram-se as hipóteses anteriores e um tamanho único de partícula para


formular as equações que regem o problema. O volume de controle estudado é o
mostrado na figura a seguir.

Figura 6.5. Volume de Controle (Elemento Diferencial).

As condições em 1 são: P, u, up, T, Tp, A

As condições em 2 são: P + dP, u + du, up + dup, T + dT, Tp + dTp, A + dA

onde A é a área da seção transversal, u é a velocidade e o subscrito p refere-se à


partícula.

Equação da Continuidade

Para o gás:   u  A  (1   )   (6.4.a)

Para a partícula: s  u p  A    (6.4.b)


onde  é a fração em massa das partículas sólidas e  é o fluxo de massa em kg/s.

100
Equação do Momentum

A  dP      du p  (1   )    du  0 (6.5)

Equação da Energia

1       C  T  T0   1  u 2       C p  T p  T0   1  u 2p   0 (6.6)
2 2

onde C é o calor específico e o subscrito 0 refere-se às condições de estagnação.

Equação de Estado

P    R T (6.7)

Equação do Movimento da Partícula

du p 9   F (Re)  u  u p 
    (6.8.a)
dx 2  p  a 2  uupu 

C d  Re
 F (Re) (6.8.b)
24

onde a é o raio da partícula, Cd representa o coeficiente de arrasto e o número de


Reynolds pode ser expresso como:

2a 
Re   u  up (6.9)

Apesar das altas velocidades envolvidas o raio das partículas é muito pequeno,
tornando o Número de Reynolds baixo, em torno de 10. De acordo com Machado
(1990), pode-se considerar F(Re) = 1 sem incorrer em um erro relevante.

Equação da Energia da Partícula

dT p  3  h  T p  T 
  (6.10)
dx  p  C p  a  u p 

2ha
Nu Re   (6.11)
K

dT p  3  K  Nu (Re)  T p  T 
  (6.12)
dx 2  a 2   p  C p  u p 

Em regime de Stokes, o Número de Nusselt para uma esfera é aproximadamente 2, que


será assumido para a partícula.

101
Substituindo ρ da Eq. (6.7) na Eq. (6.4.a) e diferenciando o resultado da equação em x,
obtemos após algumas manipulações:

1 dP 1 du 1 dA 1 dT
       (6.13)
P dx u dx A dx T dx

Dividindo a Eq. (6.5) por dx e evidenciando du/dx e substituindo os termos λω e (1- λ)ω
de acordo com a equação da continuidade temos:

du R  T 1 dP  du p
     (6.14)
dx u P dx 1   dx

Diferenciando a Eq. (6.6) em relação à x, evidenciando dT/dx, substituindo na Eq.


(6.13) e substituindo o resultado na Eq. (6.14) encontramos:

R  T dA   du p C p dT p u p du p 
   u   R   R  
du u A dx 1    dx C dx C dx 
 

(6.15)
dx R  T M 2  1

c    R T (6.16)

u
M (6.17)
  R T

A equação anterior possui uma singularidade no ponto em que M = 1, isto é, o


denominador vai a zero neste ponto, o que impede a resolução de forma contínua. Para
sanar esse problema, diversos métodos foram desenvolvidos. Kliegel (1960) obteve uma
solução particularmente simples, assumindo que a razão entre as velocidades do gás e
das partículas possa ser representada por uma constante, e a razão de temperaturas por
outra. Essa solução obriga a modificação do perfil do bocal para atender a essa solução.
Entretanto, esse tipo de solução só é utilizável em bocais de perfil parabólico, o que
restringe sua aplicabilidade. Glauz (1962) e posteriormente Soo (1967), melhoraram o
procedimento através de transformações de variáveis, resolvendo assim o problema.

Z
1
2

 M 2  1
2
(6.18)

u2
 M 2   R (6.19)
T

Diferenciando as Eqs. (6.18) e (6.19), obtemos:

dZ
dx

 2  M 2  1  M 
dM
dx
(6.20)

102
u du u 2 dT dM
2   2  2  R  M  (6.21)
T dx T dx dx

dM
Isolando M  da Eq. (6.20), diferenciando a equação da energia (6.6) e isolando
dx
dT
e substituindo esses termos na Eq. (6.21), obtemos:
dx

2
dZ M 2 u2 

  
2 
dx
 T RC  T 
 T dA  R du p C p dT p du p 
 R     up   R  u  
 A dx 1    C dx C dx dx 
  du p 

1 

 M 2  1 
M2
C T
  C p 
dT p
 up   (6.22)
 dx dx 

A Eq. (6.22), junto com as Eqs. (6.8.a) e (6.12) constituem um sistema de equações
diferenciais não lineares a qual pode ser resolvida com a equação abaixo:

M 2  1 2  Z (6.23)

Na equação anterior, o sinal será negativo até o ponto exato em que Z = 0, isto é, o
número de Mach for igual a 1 (onde ocorre a singularidade em du/dx). A partir daí, o
sinal passa ser positivo. Com os valores de M, up e Tp e com a equação (6.19), aplicada
na equação da energia do sistema, obtém-se:
:
   
 C p   T p  T0    u 2p 
1
C  T0 
1    2 
T (6;24)
 M 2   R 
C  

 2 

Assim, está possibilitada a integração das equações diferenciais e a resolução do sistema


para um único tamanho de partículas.
Glauz (1962) mostra o resultado de uma escolha errada das condições iniciais. Se
a variável Z torna-se negativa, então o Z inicial adotado na entrada do bocal foi muito
pequeno, isto é, M ou u foram muito grandes. Se Z mantém-se positivo sem chegar à
zero, então o escoamento é subsônico e, assim sendo, o Z inicial foi muito grande. Para
o correto valor inicial de Z, este se tornará zero em algum ponto após a garganta,
mudando-se então o sinal da raiz da equação (6.23), e passando-se para o escoamento
supersônico.
A técnica empregada para o cálculo das condições iniciais foi apresentada por Soo
e Hultberg (1965) que consiste numa aproximação linear de u como função de x, ou
seja:

u  x para x  0 (6.25)

103
onde α é um coeficiente a ser determinado. Aplicando a Eq. (6.25) na Eq. (6.8.a):

du p 9   x 
      1 (6.26)
dx 2 p C2  u 
 p 

Integrando a Eq. (6.26):


up    x (6.27)

onde β é uma constante, dada por:

c12  4  c1    c1
 (6.28)
2

onde:

9 
c1   (6.29)
2  p  a2

Isolando T na equação da energia Eq. (6.6) e substituindo na Eq. (6.10), obtém-se:

dT p c 2  T0   Cp  1
  1     
dx   1  C  x
c   Cp  T p c2    2 
 2 1        2  x (6.30)
  1  C  x 2 C  1    

3 K
c2  (6.31)
 p  a2 Cp

Tem-se então uma equação diferencial linear de 1ª ordem, resolvida pelo método do
fator integrante, dando como resultado:

 
c2   2 
   2   x 2
T p  T0 
2C 1    (6.32)
C2   Cp 
 1   2
  1   C 

Ce é o calor específico “aparente” da mistura. A razão C/Ce é dada por:

104
c2   Cp  
 1     2 
Ce   1  C  
 (6.33)
C    2   c2 
1   
 1     2      2   
  

Substituindo as Eqs.(6.25), (6.27) e (6.32) na Eq.(6.6) isolada em T:

2 C 2
T  T0   x (6.34)
2  C Ce

Para a solução do problema e determinação dos perfis de temperatura e velocidade


é necessária a integração numérica das equações diferenciais. Empregou-se o método
Runge-Kutta de 4ª ordem para resolução do sistema de equações diferenciais ordinárias,
também utilizado na maioria dos estudos anteriores.
A principal precaução no emprego deste método é a localização a mais exata
possível do ponto onde Z torna-se zero (ponto sônico). Soo e Hultberg (1965) advertem
que a mudança de sinal efetuada durante a integração pode comprometer o cálculo. É
recomendada então a redução sucessiva do passo de integração, até a localização precisa
do ponto sônico.
A única dificuldade restante é saber quando o valor de α, inicialmente arbitrado,
alcançará o valor exato das condições iniciais. A falta de um critério de convergência
dificulta imensamente a aplicação do método aqui descrito, pois será despendido um
enorme tempo computacional apenas na localização do ponto mínimo exato de Z.
A ausência de um critério de convergência no caso bifásico ocorre devido ao fato
do ponto sônico ocorrer após a garganta. Assim, não é possível calcular o ponto sônico
nem a velocidade do som na mistura, pois não se dispõe explicitamente do valor de .
Uma solução possível é empregar a seguinte aproximação: como no início da
tubeira as partículas e o gás estão aproximadamente à mesma velocidade, é possível
obter um equivalente para a mistura (e) que pode ser aplicado na integração ou usado
diretamente nas equações isentrópicas para o caso monofásico. Manipulando as
equações iniciais, obtém-se:

𝜆 𝐶𝑝
1+( )( )
1−𝜆 𝐶
𝛾𝑒 = 𝛾 [ ]
𝜆 𝐶𝑝
1+𝛾( )( )
1−𝜆 𝐶
(6.35)

O passo seguinte é calcular a velocidade do gás a distâncias cada vez mais próximas da
entrada. O ponto zero não pode ser usado como valor inicial, pois resulta em uma
singularidade. Com essa velocidade, obtida pela formulação unifásica encontra-se o 
correspondente. Esse processo é repetido até que as velocidades do gás e partículas
obtidas com o  real e no processo bifásico atendam a uma tolerância prescrita.
O modelo pode ser detalhado a ponto de considerar diversos tamanhos de
partículas. A solução completa do escoamento bifásico revela que as partículas menores
possuem menores lags, o que era esperado, e se concentram na periferia do escoamento.
Quando possível essa informação deve ser levada em conta em análises mais precisas.
Os resultados para o 1º e 2º estágios do VLS são apresentados nas Figuras 6.6-6.8.
105
(a) 1º Estágio (b) 2º Estágio

Figura 6.6. Número de Mach (M) ao longo do eixo da tubeira (coordenada x).

(a) 1º Estágio (b) 2º Estágio

Figura 6.7. Variável Z ao longo do eixo da tubeira (coordenada x).

(a) 1º Estágio (b) 2º Estágio

Figura 6.8. Velocidades (m/s) e temperaturas (º C) ao longo do eixo da tubeira


(coordenada x).

106
A importância desse cálculo reside no efeito da presença das partículas na saída da
tubeira. Em geral, a emissividade do gás de combustão é baixa, por isso o aquecimento
por radiação térmica na vizinhança da pluma a partir das partículas é muito mais
importante. Essa radiação impacta diretamente as superfícies da base do veículo, como
mostra a Figura 6.9. O fluxo de calor por radiação da pluma naquela região pode ser
estimado pela equação:

𝑞 = 𝐹𝜎𝜀(𝑇𝑝4 − 𝑇𝑤4 ) (6.4)

Essa equação já foi empregada anteriormente e seus termos já são conhecidos. Nesse
caso específico, Tp é a temperatura das partículas na saída da tubeira, obtida pela
metodologia descrita no tópico anterior e Tw é a temperatura na superfície da base. F é o
fator de forma (view factor) entre a pluma e a superfície da base, que pode ser estimado
de forma aproximada usando as regras de cálculo desse fator, disponíveis em diversos
textos sobre transferência de calor por radiação. O valor de F é influenciado pela forma
da pluma, que por sua vez depende da pressão atmosférica externa, como mostrado na
Figura 6.10. Essa variação é importante em voo atmosférico e deve ser levada em conta.

Aquecimento aerodinâmico
Recirculação
Pluma de
exaustão
Aquecimento
convectivo
Partículas de
Alumina

Radiative
heating

Figura 6.9. Fontes de aquecimento na região de base do veículo com motor a


propelente sólido.

Figura 6.10. Variação da geometria da pluma de acordo com a pressão externa.

107
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