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A TEORIA DA POLÍTICA

CAPÍTULO

MONETÁRIA NO MODELO
KEYNESIANO 8

I NTRODUÇÃO
Foi visto no capítulo anterior que, segundo John Maynard Keynes, a política mo-
netária é um importante instrumento capaz de auxiliar na redução do desemprego.
Contudo, como já foi dito, os seguidores das teorias de Keynes não formam um
grupo completamente homogêneo. A corrente denominada velho-keynesiana (ou
síntese neoclássica) não acredita que a política monetária seja potente para alterar
variáveis reais da economia. São expoentes dessa corrente, entre outros, os Prê-
mios Nobel, Paul Samuelson e Lawrence Klein. A teoria da política monetária
dessa corrente keynesianaa é apresentada neste capítulo.
Inicialmente, a visão dos velhos-keynesianos sobre a (im)potência da po-
lítica monetária para alterar variáveis reais é apresentada conjuntamente com
o modelo IS-LM. Esse modelo é apresentado passo a passo com o objetivo de
descrever a ideia velho-keynesiana de que reduções da taxa de juros podem
não influenciar de forma considerável o aumento do investimento e, em con-
sequência, a redução do desemprego. Por último, mostra-se que os velhos-
keynesianos optam por utilizar a política fiscal como instrumento estabiliza-
dor da economia.
É importante esclarecer que a apresentação do modelo IS-LM, apesar de ser
feita com muitos detalhes, não objetiva discutir todas as questões referentes a
esse instrumental. Por exemplo, o multiplicador dos gastos públicos não é trata-
do, entre outros tópicos importantes. Tais elementos são essenciais, mas devem
ser tratados com maior atenção nos cursos e livros-texto de macroeconomia. O
desenvolvimento do modelo IS-LM no capítulo objetiva tão-somente apresen-
tar a teoria da política monetária da corrente velho-keynesiana.

8.1. A TEORIA DA POLÍTICA MONETÁRIA


DOS VELHOS-KEYNESIANOS
O receituário de política monetária de Keynes é radicalmente diferente do rece-
ituário sugerido pelos velhos-keynesianos, que formam a corrente que se tornou
102 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER

i
Função Investimento B

Função Investimento A

GRÁFICO 8.1
A Função Investimento Keynesiana

conhecida como síntese neoclássica. Embora reconheçam que teoricamente existem mecanismos capa-
zes de explicar a influência de variações no volume de moeda sobre o produto, consideram que a política
monetária possui uma potência reduzida, pelo menos quando comparada com a política fiscal. O receituá-
rio proposto pelo velho-keynesianismo advém da constatação empírica de que a função demanda por bens
de capital exibe uma baixa elasticidade-juros. O Gráfico 8.1 representa esta relação, onde o eixo horizon-
tal mostra o volume de investimentos (I) e o eixo vertical denota a taxa de juros (i). A função investimento
B tem a forma semelhante à função que foi estatisticamente constatada pelos velhos-keynesianos. Portan-
to, uma grande redução da taxa de juros provocaria tão-somente uma reduzida ampliação do investimen-
to. A função A foi aceita apenas teoricamente. A esse respeito, as palavras de Lawrence Klein, em seu
livro La Revolucion Keynesiana, publicado na Espanha em 1952, são ilustrativas:

“Keynes foi muito favorável à manipulação da taxa de juros com a finalidade de estimular o desejo
de investir. Tais medidas estão baseadas na suposição e na crença de que o investimento é sensível
às mudanças na taxa de juros; porém,... todos os sinais indicam ... que a curva estática do investi-
mento é inelástica aos juros hoje em dia. Observamos uma grande queda da taxa de juros de longo
termo de 1932 a 1941 e, não obstante, não observamos um alto nível de investimento.”
Dessa forma, o velho-keynesianismo relegou a moeda e a política monetária a um papel secundário
em relação à política fiscal de gastos governamentais. Para essa corrente keynesiana, uma política mo-
netária expansionista que reduza a taxa de juros drasticamente teria um impacto desprezível sobre as
decisões empresariais de investimento e, portanto, um reduzido efeito sobre o nível de emprego e renda.
Como uma política de gastos públicos, por exemplo, causa impacto diretamente sobre essas variáveis, a
política fiscal é sempre preferida à política monetária que requer um grande esforço (de redução da taxa
de juros) para obter resultados desprezíveis sobre o produto. Daí advém o caráter fiscalista do keynesia-
nismo americano de L. Klein, W. Heller, G. Ackley, O. Eckstein, P. Samuelson, entre outros. Uma ex-
ceção que merece destaque entre os velhos-keynesianos é o Prêmio Nobel James Tobin, que sempre de-
fendeu que a política monetária é potente para alterar variáveis reais. Suas ideias são resumidamente
apresentadas no Box 8.1.
A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 103

JAMES TOBIN E A EFICÁCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA

BOX 8.1 É através do coeficiente que ficou conhecido como q de Tobin que se pode explicar como
a política monetária pode afetar as variáveis reais da economia. O q de Tobin é definido
como o valor de mercado das ações de uma firma, dividido pelo custo contábil do seu
capital, tal como a seguir:

VF
q=
em que CR

VF = valor de mercado de uma firma e


CR = custo do seu capital.

Esta razão permite mensurar o hiato entre o valor real da empresa (avaliada pelo
mercado de ações) e o preço dos bens de capital possuídos pela firma (segundo o
mercado de bens de capital), constituindo-se um bom mecanismo para avaliar o re-
torno de um novo investimento. Quando q é maior que 1 (preço de mercado da firma
é maior que o custo do seu capital), isto significa que adquirir novos bens de capital é
recompensador se comparado com o valor de mercado da firma.
O q de Tobin possui uma lógica bastante convincente. O significado de um q superi-
or à unidade é que o mercado reconhece que, nas mãos de uma firma determinada,
aquele conjunto de equipamentos é capaz de gerar um excedente sobre seu próprio
valor. Este excedente, VF, é o valor capitalizado dos lucros esperados no horizonte re-
levante. Um valor superior a 1 para q agregado significa que a avaliação feita pelos
investidores de que o conjunto de firmas desta economia é esperado ser capaz de
gerar excedentes. As empresas são estimuladas a investir, neste caso, não apenas
porque têm expectativas de lucro, mas também porque a colocação de papéis junto
ao público, para financiar estes investimentos, se torna mais barata.

Expansão Aumento dos Elevação do


monetária preços das ações q de Tobin

Crescimento Aumento do
do produto investimento

A conexão entre a política monetária e o preço das ações pode ser compreendida
com o auxílio do esquema a seguir. Com um aumento na oferta de moeda, os agen-
tes possuem mais recursos, o que leva a um aumento do dispêndio. Uma das possibi-
lidades para a alocação dos recursos adicionais é o mercado de ações. Segundo a lei
da oferta e procura, uma maior demanda por ações culmina com o aumento dos pre-
ços das ações. Sendo assim, há um aumento no q, o que por sua vez leva a um maior
investimento e consequente expansão no produto. E, em decorrência, as firmas com
uma emissão pequena de ações podem obter recursos suficientes para adquirir uma
grande quantidade de novos bens de investimento.

Elaborado com a colaboração de Helder Ferreira de Mendonça


104 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER

8.2. O RECEITUÁRIO VELHO-KEYNESIANO E O MODELO IS-LM


John Hicks, em seu artigo “Mr. Keynes and the Classics: A Suggested Interpretation”, publicado na re-
vista Econometrica em 1937, elaborou o modelo que ficou conhecido como IS-LM. Alvin Hansen, nas
décadas de 1940 e 1950, desenvolveu essas ideias. Os velhos-keynesianos consideram que esse mode-
lo, posteriormente batizado de Hicks-Hansen, é o instrumental básico, que, embora simples, descreve
os fenômenos essenciais da macroeconomia. Inicialmente, será descrita a curva IS. Posteriormente,
será construída a curva LM e discutido o receituário de política econômica do velho-keynesianismo,
tendo como base as duas curvas.

8.2.1. A CURVA IS
A curva IS é o conjunto de pontos de equilíbrio no mercado de bens (demanda igual ao produto oferta-
do) representado no plano renda (Y) e taxa de juros (i). A curva IS é o conjunto de pares (Y, i) que man-
têm a condição de equilíbrio, a qual é formalmente deduzida em seguida. A equação 1 afirma que a
renda (o lado da oferta) é igual à soma do consumo (C) com os gastos com investimento (I), mais os
gastos (G) governamentais (o lado da demanda). O investimento privado aparece na equação 1 como
função da taxa de juros, tal como o indicado no Gráfico 8.1, então:

Y = C + I(i) + G (1)

O consumo é apenas parte da renda (Y), o restante da renda é a poupança e a arrecadação tributária
do governo, que é uma função crescente da renda. Assim, a renda menos a poupança (S) e a arrecadação
(T) é igual ao consumo, tal como indicado na equação 2:

C = Y – S – T(Y) (2)

Então, substituindo-se 1 em 2, pode-se escrever a equação 3:

Y = Y – S – T(Y) + G + I(i) (3)

Da equação 3, pode-se deduzir a condição de equilíbrio em termos de I, S, G e T:

S + T(Y) = I(i) + G (4)

Portanto, pode-se dizer que a oferta de bens e serviços é igual à sua demanda quando a poupança
(mais a arrecadação tributária) é igual ao investimento (mais os gastos governamentais).
Todas as relações até aqui apresentadas, que são passos para a dedução da curva IS, são representa-
das no Gráfico 8.2 de quatro quadrantes. A numeração dos quadrantes obedece ao sentido anti-horário.
No quarto quadrante, são representadas as relações da equação 2, em que parte da renda é poupada. No
segundo quadrante, está representado o investimento privado como função decrescente da taxa de juros
e os gastos públicos que dependem de decisões governamentais são, portanto, representados por uma
reta vertical. Neste quadrante, os valores de I e G são somados (horizontalmente), obtendo-se a curva
I + G como função de i. O terceiro quadrante estabelece a condição de equilíbrio. Traça-se uma reta
com 45° de inclinação que permite igualar a poupança (mais a arrecadação tributária) ao investimento
(mais os gastos governamentais).
A partir das relações apresentadas nesses três quadrantes (2o, 3o e 4o), pode-se deduzir a curva do
primeiro quadrante, que é a curva IS que representa pares (Y, i) sob a condição de equilíbrio do mercado
A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 105

G i
2º 1º
a’ A
Curva IS
G+I
b’ B

a b
I+G Y
45°

3º 4º
S+T
GRÁFICO 8.2
A Curva IS

de bens e serviços. Escolhe-se um determinado nível de renda a e percorre-se os três quadrantes (na se-
guinte ordem, 4o, 3o e 2o), encontra-se, então, a taxa de juros a’ que corresponde ao nível a de renda.
Esse par obedece à condição de equilíbrio estabelecida do terceiro quadrante. Então, o ponto A (a, a’)
do primeiro quadrante é um ponto da curva IS. Um segundo ponto é necessário para que a curva IS pos-
sa ser traçada. Realiza-se o mesmo procedimento a partir do nível b de renda e encontra-se o ponto B (b,
b’). Com dois pontos, traça-se a curva IS negativamente inclinada no plano (Y, i).

8.2.2. A CURVA LM
A curva LM é o conjunto de pontos de equilíbrio no mercado monetário (demanda por moeda igual à
oferta) representado no plano renda (Y) e taxa de juros (i). A curva LM é o conjunto de pares (Y, i) que
sustenta a condição de equilíbrio, a qual é formalmente apresentada em seguida. A equação 5 indica
que a oferta real de moeda (M/P, em que M é a oferta nominal de moeda e P é um dado nível de preços) é
igual à sua demanda, que, por sua vez, é composta pela demanda pelo motivo-transação (dt) que é fun-
ção crescente da renda (Y) e pela demanda motivo-especulação (ds) que é função decrescente da taxa de
juros (i) (veja os Capítulos 4 e 5):

M
= dt (Y) + ds (i) (5)
P
Estas relações monetárias, que são passos para a dedução da curva LM, são representadas no Gráfi-
co 8.3 de quatro quadrantes. A numeração dos quadrantes obedece ao sentido anti-horário. No quarto
quadrante, está representada a demanda por moeda motivo-transação como função crescente da renda.
No segundo quadrante, está representada a demanda motivo-especulação como função decrescente da
taxa de juros. No terceiro quadrante, traça-se uma reta com 45° de inclinação que permite estabelecer a
condição de equilíbrio, oferta real de moeda igual à demanda total. M/P é a oferta real de moeda no ter-
ceiro quadrante, então, se a demanda motivo-transação é igual a c, a demanda especulativa é igual a
M/P menos c. As propriedades geométricas do triângulo-retângulo garantem que a condição de equilí-
brio sempre será satisfeita. Qualquer ponto sobre a reta de 45° indica uma demanda por transação e uma
demanda especulativa que adicionadas serão sempre iguais à oferta real de moeda.
A partir das relações apresentadas nesses três quadrantes (2o, 3o e 4o), pode-se deduzir a curva do
primeiro quadrante que é a curva LM que representa pares (Y, i) sob a condição de equilíbrio do merca-
do monetário. Escolhe-se um determinado nível de renda a e percorre-se os três quadrantes (na seguinte
106 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER

i
2º 1º
Curva LM
b’ B

a’ A

ds a b
45° Y

M/P

3º M/P

dt
GRÁFICO 8.3
A Curva LM

ordem: 4o, 3o e 2o) e encontra-se, então, a taxa de juros a’ que corresponde ao nível a de renda. Esse par
obedece à condição de equilíbrio estabelecida do terceiro quadrante. Então, o ponto A (a, a’) do primei-
ro quadrante é um ponto da curva LM. Um segundo ponto é necessário para que a curva LM possa ser
traçada. Realiza-se o mesmo procedimento a partir do nível b de renda e encontra-se o ponto B (b, b’).
Com dois pontos, traça-se a curva LM positivamente inclinada no plano (Y, i).

8.3. A IMPOTÊNCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA E O FISCALISMO


Traçando-se a curva IS que representa as inúmeras situações de equilíbrio do mercado de bens e a curva
LM que representa as situações de equilíbrio no mercado monetário, obtém-se o Gráfico 8.4 a seguir. A
interseção das duas curvas é o ponto E0, em que a economia está em equilíbrio no mercado monetário e
no mercado de bens.
Com o instrumental IS-LM, pode-se facilmente verificar os efeitos das políticas monetária e fiscal
sobre a renda e a taxa de juros. Contudo, alguns passos devem ainda ser dados. Iniciemos assumindo
que as relações descritas na equação 5 são lineares, então:

i
LM

E0

IS

Y
GRÁFICO 8.4
Equilíbrio nos Mercados de Bens e Monetário
A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 107

M
= kY – hi , k>0; h>0 (5a)
P
em que k é o parâmetro que reflete a sensibilidade-renda da demanda por moeda e h é o parâmetro que
mede a sensibilidade-juros da demanda por moeda. A demanda por moeda motivo transação depende
do nível da renda, porque os agentes necessitam de recursos para pagar as suas despesas correntes. A
demanda por moeda depende também da taxa de juros. O custo de se reter moeda é o quanto se deixa de
ganhar se a opção fosse a aquisição de títulos que rendem juros. Assim, quanto mais alta é a taxa de ju-
ros, menor é o estímulo para se reter moeda e maior o estímulo para se reter títulos. Logo, a retenção de
moeda pelo motivo especulação é inversamente proporcional à taxa de juros. Isto justifica o sinal nega-
tivo à frente do parâmetro h na equação 5a. E, resolvendo-se essa equação em função de i, tem-se que:

kY M
i= - (5b)
h hP
Esta é a equação de LM. Percebe-se, então, que a oferta real de moeda é parte do coeficiente linear da
equação. Portanto, um aumento do estoque nominal de moeda (M), ceteris paribus, aumentará esse coefi-
ciente e deslocará a curva LM paralelamente para a direita, tal como mostrado no Gráfico 8.5. A economia
se deslocará do ponto E0 para o novo ponto de equilíbrio E1. Essa política pode ter sido executada, por
exemplo, por intermédio de uma compra de títulos públicos por parte do Banco Central no open-market.
Tal operação reduziu a taxa de juros e, consequentemente, aumentou o investimento e a renda.
Como pode ser observado no Gráfico 8.5, a potência de uma política monetária expansionista de-
pende também da inclinação da curva IS. Quanto mais inclinada a curva IS, menos potente será a políti-
ca monetária que visa a uma ampliação da renda. Mas que variáveis influenciam a inclinação da curva
IS? Para responder esta pergunta é necessário deduzir a equação da reta IS e verificar a composição do
seu coeficiente angular. Esta tarefa é agora realizada. Como fizemos no caso da LM, vamos simplificar
um pouco o problema, assumindo que todas as funções tratadas são lineares.
A variável consumo que aparece na equação 1 pode ser descrita pela seguinte função:

C = C + c[Y – T(Y)] (6)

Há uma parte do consumo que independe da renda, que é C, chamado, portanto, de consumo autô-
nomo. A outra parte, c[Y–T(Y)], depende não diretamente da renda, mas sim da renda disponível, que é

i
LM

E0 LM’
i

i’ E1

IS

Y Y’ Y
GRÁFICO 8.5
Uma Política Monetária Expansionista
108 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER

a renda líquida, depois de pagos os impostos. A arrecadação tributária é definida pela seguinte função:

T = tY (7)

A variável investimento (I) que aparece também na equação 1 pode ser representada por:

I = – bi + j (8)

em que b é o parâmetro que mede a sensibilidade do investimento aos juros e j é uma constante positiva.
Agora, substituindo-se 6, 7 e 8 na equação 1, obtém-se:

Y = C + c(1 – t) Y – bi + j + G (1a)

E, resolvendo-se essa equação em função de i, obtém-se:

Y æC G j ö
i =- +ç + + ÷ (1b)
ab è b b b ø
em que = 1/[1 – c(1 – t)]. A equação 1b é representativa da curva IS. Após ter sido deduzida essa fun-
ção, pode-se identificar quais os parâmetros que explicam a sua inclinação. São eles: e b. O segundo
parâmetro mede a sensibilidade-juros do investimento que, segundo os velhos-keynesianos, é muito
baixa. Então, a curva IS é, para eles, basicamente vertical, como mostra o Gráfico 8.6. Logo, a política
monetária torna-se quase que impotente para alterar a renda. Em verdade, não é recompensador fazer
uma expansão monetária, que provavelmente será custosa, já que precisa reduzir drasticamente a taxa
de juros para obter apenas reduzidos aumentos da variável renda. No Gráfico 8.6, a redução da taxa de
juros de i para i' obtém como resultado um pequeno aumento da renda de Y para Y'.
Resta, então, aos adeptos da síntese neoclássica, como instrumento de intervenção macroeconômi-
ca, a política fiscal – que pode ser exercida através da variação dos gastos governamentais (no Box 8.2,
mostra-se que tal política pode também ser exercida pela redução da alíquota dos impostos). Um au-
mento dos gastos públicos desloca paralelamente a curva IS para a direita, já que a variável G é parte do
coeficiente linear da equação 1b. Um aumento dos gastos governamentais, como mostra o Gráfico 8.7,
eleva a taxa de juros (de i para i’) e a renda (de Y para Y’). O aumento da renda provoca um aumento da

i E0

LM

i’ E1

LM’

IS

Y Y' Y
GRÁFICO 8.6
A Impotência da Política Monetária
A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 109

O FIS CA L IS MO A MER ICA NO DO S A NO S 60: A U MENTO

BOX 8.2
DE GASTOS OU REDUÇÃO DE IMPOSTOS?

Walter Heller, um keynesiano, foi quem nedy não havia um consenso em relação à
assumiu o cargo de chefe do Conselho de proposição. John Kenneth Galbraith, em-
Consultores Econômicos (Council of Eco- baixador na Índia à época, propunha al-
nomics Advisers) do Governo de John Ken- ternativamente um aumento dos gastos
nedy, no início da década de 1960. Fize- governamentais para satisfazer carências
ram parte ainda do Conselho ou partici- sociais não atendidas pelo serviço público,
param de uma consultoria informal ao por exemplo, a construção de hospitais e
Governo: James Tobin, Otto Eckstein, escolas. Mas a preferência da equipe che-
Gardner Ackley, Paul Samuelson, Arthur fiada por Heller era sem dúvida pela redu-
Okun, entre muitos outros conhecidos ção do que chamou sucção fiscal. Em seu
keynesianos. livro Novas Dimensões da Economia Políti-
Eles reconheciam que o maior proble- ca, publicado no Brasil em 1969, ele dis-
ma da economia capitalista era que exis- se: “Nossa maior confiança estava na re-
tiam flutuações de curto prazo na de- dução de impostos.” E, esse foi o caminho
manda agregada que poderiam se agra- adotado.
var e levar a economia para situações de Em verdade, os velhos-keynesianos
depressão e desemprego agudo. O re- americanos estavam divididos em dois
médio era promover uma sintonia fina, grupos: os progressistas e os conserva-
basicamente através do uso de instru- dores. Os primeiros propunham políticas
mentos de política fiscal. A sintonia de- fiscais através de gastos do governo que
veria seguir a fórmula sugerida, por provessem bens públicos aos segmentos
exemplo, por Otto Eckstein, em seu livro de baixa renda. Os conservadores pro-
Foundations of Modern Economics, pu- punham a redução de impostos como
blicado em 1964 nos Estados Unidos: forma de fomentar a demanda agrega-
“Quando o produto nacional bruto esti- da. Os conservadores argumentavam
ver abaixo do nível de pleno emprego, a que a redução da carga tributária vitali-
política fiscal deve ser expansionista. zava a livre iniciativa, tornando-a mais
Isso se pode fazer reduzindo as taxas dos ousada, porque os fundos internos que
impostos ou aumentando os gastos; deveriam ser acumulados para a realiza-
qualquer dessas medidas aumentará a ção de novos investimentos seriam mais
demanda agregada. Quando a deman- facilmente retidos. Ademais, tal medida
da estiver demasiadamente elevada ... estimulava o consumo. Os progressistas
provocando inflação; a política fiscal argumentavam que a poupança acumu-
deve ser restritiva, aumentando impos- lada poderia não se transformar em gas-
tos ou reduzindo o programa de gastos.” tos. Alternativamente, uma política de
A proposta inicial feita ao Presidente gastos atingiria diretamente e imediata-
Kennedy foi a redução de impostos visan- mente o produto e o emprego. Além do
do ao estímulo do investimento privado e que, promoveria uma distribuição indi-
do consumo. Contudo, entre os keynesia- reta de renda se escolas e hospitais fos-
nos que apoiavam a administração Ken- sem construídos.

taxa de juros. Isto ocorre porque a demanda transacional por moeda aumenta. Dado que a oferta de
moeda é fixa, a taxa de juros precisa aumentar para reduzir a demanda especulativa, liberando moeda
para as transações.
Uma versão especial do receituário velho-keynesiano de política econômica emerge quando além
da função demanda por bens de investimento com baixa elasticidade-juros (isto é, o parâmetro b com
valor muito baixo), assume-se uma função demanda por moeda com elevadíssima elasticidade-juros
(ou seja, o parâmetro h com valor muito alto). Dessa forma, a IS seria basicamente vertical e a LM, qua-
se horizontal. Essa versão especial do modelo é caracterizada pelo pessimismo das elasticidades. Esse
termo foi utilizado por Axel Leijonhufvud em seu artigo Keynes and the Keynesians: a suggested inter-
pretation publicado na American Economic Review em 1967. O pessimismo das elasticidades caracte-
110 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER

LM
E1
i

E0
i’

IS IS'

Y Y’ Y
GRÁFICO 8.7
A Eficácia da Política Fiscal

riza a situação conhecida como armadilha da liquidez, em que uma política monetária expansionista
produziria efeitos desprezíveis sobre a renda. Na armadilha da liquidez, o público transforma todo au-
mento de oferta monetária em encaixes inativos (fundos especulativos) e não em recursos ativos (fun-
dos transacionais). Sob esta condição, somente uma política fiscal expansionista pode afetar considera-
velmente a renda, tal como é mostrado no Gráfico 8.8.

LM
E0 E1

IS IS’

Y Y’ Y
GRÁFICO 8.8
A Armadilha da Liquidez

RESUMO

1. O receituário de política monetária de Keynes é bastante diferente do receituário sugerido pelos ve-
lhos-keynesianos. Embora reconheçam que teoricamente existem mecanismos capazes de explicar a influên-
cia de variações no volume de moeda sobre o produto, consideram que a política monetária possui uma
potência reduzida, pelo menos quando comparada com a política fiscal. O receituário proposto pelo velho-
keynesianismo advém da constatação empírica de que a função demanda por bens de capital possui uma baixa
elasticidade-juros.
A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 111

2. O velho-keynesianismo relegou a moeda e a política monetária a um papel secundário em relação à política


fiscal de gastos governamentais. Uma política monetária expansionista que reduza a taxa de juros drastica-
mente teria um impacto desprezível sobre as decisões empresariais de investimento e, portanto, um reduzido
efeito sobre o nível de emprego e renda. Como uma política de gastos públicos, por exemplo, impacta direta-
mente essas variáveis, a política fiscal é sempre preferida à política monetária, que requer um grande esforço
(de redução da taxa de juros) para obter resultados desprezíveis sobre o produto.
3. Os velhos-keynesianos consideram que o modelo IS-LM é o instrumental capaz de descrever os fenômenos
essenciais da economia. A curva IS é o conjunto de pontos de equilíbrio no mercado de bens (demanda igual
ao produto) representado no plano renda (Y) e taxa de juros (i). A curva LM é o conjunto de pontos de equilí-
brio no mercado monetário (demanda por moeda igual à oferta) representado no mesmo plano. A interseção
das duas curvas é o ponto em que a economia está em equilíbrio no mercado monetário e no mercado de bens.
4. A curva IS é, para os velhos-keynesianos, basicamente vertical. Logo, a política monetária torna-se quase que
impotente para alterar a renda. Em verdade, não é recompensador fazer uma expansão monetária, que prova-
velmente será custosa, já que precisa reduzir drasticamente a taxa de juros para obter apenas reduzidos au-
mentos da variável renda. Resta, então, aos adeptos da síntese neoclássica, como instrumento de intervenção
macroeconômica, a política fiscal.
5. Uma versão especial do receituário velho-keynesiano de política econômica emerge quando associada à fun-
ção demanda por bens de investimento com baixa elasticidade-juros vislumbrando-se uma função demanda
por moeda com elevadíssima elasticidade-juros. Dessa forma, a IS seria basicamente vertical e a LM, quase
horizontal. Essa versão especial tornou-se conhecida como a armadilha da liquidez. Nessa situação, o público
transforma todo o aumento de oferta monetária em encaixes inativos. Assim, somente uma política fiscal ex-
pansionista poderia afetar consideravelmente a renda. Uma política monetária expansionista produziria efei-
tos nulos sobre as variáveis reais.

TERMOS-CHAVE

I Elasticidade-juros I Elasticidade-renda I Curva IS


I Curva LM I Demanda Transacional I Demanda Especulativa
I Equilíbrio dos Mercados I Fiscalismo I Armadilha da Liquidez

BIBLIOGRAFIA COMENTADA

Branson, W. (1986). Macroeconomia, Teoria e Política. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.


Nos capítulos 4 e 5 do seu Macroeconomia, Teoria e Política, Branson faz uma detalhada apresentação do mo-
delo IS-LM. Tal apresentação é comum em diversos livros de macroeconomia. Entretanto, o autor merece desta-
que porque a cada passo de sua apresentação oferece um explicação matemática, gráfica (geométrica) e
econômica. Dessa forma, torna o funcionamento do modelo de fácil entendimento, assim como o seu significado
econômico.
Heller, W. (1969). As Novas Dimensões da Economia Política. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Walter Heller foi presidente do Conselho de Consultores Econômicos dos governos Kennedy e Johnson. No li-
vro, a experiência da equipe econômica velho-keynesiana é relatada. São descritas, com detalhes, as dificuldades
dos economistas acadêmicos keynesianos para enfrentar os problemas da realidade. É feita uma narração, inclusi-
ve, de alguns diálogos e problemas econômicos que eram discutidos com o Presidente.
Hicks, J. (1937). “Mr. Keynes and the classics: a suggested interpretation”. Econometrica, abril, p.147-59. Re-
publicado em português em Clássicos de Literatura Econômica. Rio de Janeiro: Ipea-Inpes, 1988.
Klein, L. (1952). La Revolucion Keynesiana. Madri: Editorial de Revista de Derecho Privado.
Tobin, J. (1987). Policies for Prosperity. Brighton: Wheatsheaf Books.
112 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER

A PÊNDICE
A TEORIA DA POLÍTICA MONETÁRIA
KEYNESIANA HORIZONTALISTA

A impotência da política monetária não foi sugerida apenas pela síntese neoclássica. Com argumentos
totalmente diversos do velho-keynesianismo, Nicholas Kaldor, em seu livro The Scourge of Moneta-
rism, defendeu também tal proposição. Kaldor concluiu que as autoridades monetárias devem tão-
somente fixar uma taxa de juros (compatível, por exemplo, com uma taxa de crescimento econômico) e
conceder livremente liquidez ao sistema monetário para atender às demandas por reservas dos bancos.
Nesse caso, a quantidade de moeda da economia seria determinada pela demanda por reservas dos ban-
cos junto ao Banco Central, que resulta da demanda por crédito de consumidores e investidores junto
aos bancos. Assim, a função oferta de moeda da economia seria perfeitamente juros-elástica, tal como
indicado no Gráfico 8.9, em que M s representa a oferta de moeda e Dm a demanda por moeda.

S
M

m
D

M
GRÁFICO 8.9
A Oferta Monetária no Modelo Horizontalista

Como essa função horizontal sintetiza as linhas gerais do modelo representativo de uma das corren-
tes keynesianas, Basil Moore, em seu livro Horizontalists and Verticalists, batizou tal corrente de hori-
zontalista.
Segundo o horizontalismo, qualquer tentativa do Banco Central de modificar a taxa de juros e/ou a
quantidade de moeda da economia (que é estabelecida pela demanda por moeda de investidores e con-
sumidores) poderia: (a) criar excesso de reservas bancárias ou (b) afetar a solvência das instituições que
concedem crédito. Para essa corrente, uma política monetária expansionista poderia criar somente um
excesso de reservas bancárias, porque não seria capaz de despertar os espíritos empreendedores dos
empresários. São motivos espontâneos (isto é, não monetários) – espírito inovador, por exemplo – que
estimulam os empresários a tomar decisões de investimento. Inversamente, uma política monetária
contracionista poderia ser prejudicial porque poderia afetar a solvência dos bancos.
Em suma, para os horizontalistas, a melhor política monetária que o Banco Central pode (e deve)
praticar é aquela que mantém a taxa de juros constante e, ao mesmo tempo, concede reservas aos bancos
de acordo com as suas necessidades. Para o horizontalismo, o instrumento de política econômica eficaz
seria tão-somente a política fiscal. Portanto, o horizontalismo é também uma corrente essencialmente
fiscalista, tal como a síntese neoclássica.

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