Você está na página 1de 57

1

1
INTRODUÇÃO

Neste terceiro e-book, do curso “Intro-


dução à Escola Austríaca de Economia”, nós nos
debruçaremos sobre a Teoria do Capital associada
aos mercados, para compreender como esta teoria
explica, em conjunto com os estudos monetários
da escola austríaca e o sistema bancário, o atual
funcionamento do sistema econômico nacional.
Buscaremos, igualmente, compreender como
as ações humanas de escolher comprar, vender,
demandar e ofertar processam-se nos mercados
e os afetam para, posteriormente, entender como
as políticas de governo afetam os mercados e,
consequentemente, como o Estado afeta nossas
vidas.
A interpretação austríaca do que ocorre é o
início da gênese da Teoria Austríaca dos Ciclos
Econômicos, que objetiva elucidar quais são os
processos cíclicos na economia, o que funciona
2
(dá certo) e o que não funciona (dá errado), quais
INTRODUÇÃO

são os mecanismos de incentivo que nos ajudam a


prosperar e quais são aqueles que nos atrapalham
no desenvolvimento da sociedade. Distinguir, por-
tanto, quais mecanismos de incentivo são per- 1

versos e quais são benéficos.


O estudo dos ciclos econômicos nos fornece
uma compreensão mais acurada da realidade e nos
auxilia a fazer a predição econômica, pois facilita
a percepção de quando uma crise se aproxima.
Justamente por isso, permite que os indivíduos
se posicionem melhor perante um período de
recessão. Além disso, aprimora nossa capaci-
tação em identificar oportunidades de negócios e
demandas profissionais específicas.
Neste e-book, estaremos centrados nessa
teoria para que, no próximo, possamos nos focar
em estudos de caso.
1
Os mecanismos de incentivo também são utilizados pela Escola
Institucionalista.

3
2
POR QUE KEYNES ESTÁ ERRADO?

À luz da verdade, Keynes, realmente, foi mal


interpretado em algum momento, pois governos
passaram a realizar políticas intervencionistas -
keynesianas - em circunstâncias incompatíveis com
as descritas por ele para a aplicação de políticas
anticíclicas. Mas, o que leva as pessoas a acharem que
Keynes também funciona quando não há necessidade
de fazer políticas anticíclicas? E, mais importante, o
que é fazer políticas anticíclicas?

CONSUMO CAI Sinalizaç


ão
ru
im

INTERVENÇÃO INVESTIDORES TRANCAM


DO ESTADO INVESTIMENTO
Política anticíclica
NÃO HÁ AUMENTO
de salários, da produção
e da renda

No primeiro e-book, vimos como funciona o


ciclo econômico: o consumo cai e isso sinaliza algo
ruim para os investidores que, diante desse cenário,
decidem trancar o investimento. Com o investimento
4
trancado, não há aumento dos salários, da produção
P O R Q U E K AY N E S E S TÁ E R R A D O ?

e da renda. No tempo 2, como consequência, o


consumo volta a cair e há mais uma sinalização
negativa para os investidores, fazendo com que
esse ciclo econômico comece a ficar perverso. Para
Keynes, nesses momentos, é preciso empregar uma
força externa para compelir o aumento da demanda
agregada (consumo) que, prosperando novamente,
emite boas sinalizações para os empresários e
investidores, que voltam a investir, acarretando a
retomada do crescimento econômico. Conclusão:
o governo teria o papel de retomar o crescimento
econômico.
A pergunta é: por que, para os austríacos,
mesmo quando as políticas anticíclicas são aplicadas
conforme proposto por Keynes, essa teoria está
errada? Esta é uma questão fundamental, pois,
enquanto para os austríacos a política monetária e a
política fiscal sequer deveriam existir, há um consenso
entre as demais linhas de pensamento econômico, de
5
que o governo precisa realizá-las em determinados
P O R Q U E K AY N E S E S TÁ E R R A D O ?

momentos de tempo do ciclo econômico.


Dito de outro modo: por que os austríacos
defendem a não-intervenção estatal, em contraste
com as demais linhas de pensamento econômico?
A defesa da não-intervenção estatal é uma defesa
do livre mercado.

Na perspectiva austríaca, o livre mercado


apresenta um ajuste mais correto do que o
ajuste promovido pelo governo.

É importante dar ênfase ao mais correto, porque,


quando os austríacos afirmam que é preciso deixar
o mercado fluir e se autocorrigir, não significa que
um país conseguirá superar uma crise econômica
do dia para a noite.

Os austríacos estão apontando que as


formas de correção de crises econômicas
pró-mercado tendem a ser mais eficientes
que as formas de correção de crises
econômicas pró-governo, ou seja,
por intervenção do governo.
6
Para corroborar esse posicionamento,
P O R Q U E K AY N E S E S TÁ E R R A D O ?

A escola austríaca desenvolve


o estudo do Estado e de seus
mecanismos, inexistente nas outras
escolas de pensamento econômico.

O livro “O que o governo fez com o nosso


dinheiro”, de Murray Rothbard, por exemplo, é
um estudo de como o Estado afeta as variáveis
econômicas, pois, para entender economia e o que
está acontecendo no mundo, não basta saber o
que é demanda, oferta, juros, poupança, produção.
É imprescindível entender o que é esse player
chamado Estado, quais são seus mecanismos de
incentivo, quais são as limitações do Estado. A
discussão dos limites do Estado não é feita pelas
demais escolas de pensamento econômico, nas
quais o Estado é tratado como um ente com uma
capacidade impressionante de ajeitar as variáveis
ao seu bel prazer. Isso precisa ser questionado,
porque os Estados são feitos de pessoas. Se são as
7
pessoas que colocam a nação em crise econômica
P O R Q U E K AY N E S E S TÁ E R R A D O ?

por meio do livre mercado, por que essas mesmas


pessoas não errariam quando estão no governo?
Porque, quando se afirma que o livre mercado não
funciona, na verdade, se está dizendo que, quando
as pessoas podem fazer escolhas livremente, elas
erram. Por isso, o mercado apresenta falhas. Mas,
por que essas mesmas pessoas, quando assumem
políticas de governo, parariam de errar?
Devemos nos fazer essa pergunta e estudar
os Estados. É um pouco do que faremos na aula
de hoje.

8
3
RETROSPECTIVA DA ESCOLA AUSTRÍACA

A Escola Austríaca surge no século XIX, com


Carl Menger, que escreve princípios de economia
política e trata da teoria do valor subjetivo. De acordo
com Menger, valoramos os bens de forma subje-
tiva, temos utilidades distintas e a utilidade que
damos para um bem tende a diminuir à medida
que o consumimos em determinado período de
tempo.

CARL MENGER EUGEN VON BÖHM-BAWERK LUDWIG VON MISES FRIEDRICH HAYEK MURRAY ROTHBARD

Teoria do Valor Teoria do Capital Praxiologia Teoria do conhecimento


Subjetivo

A partir de Menger, surge a linha do tempo da


escola austríaca. Depois de Menger, temos Eugen
von Böhm-Bawerk, que trabalha com a teoria do
capital e é o primeiro a entender a economia de
sua perspectiva produtiva, da qual descende, em
parte, a ótica da produção da escola austríaca.
Eugen von Böhm-Bawerk é sucedido por Mises.
9
Após Mises há Hayek e, depois dele, Rothbard.
R E T R O S P E C T I VA D A E S C O L A A U S T R í A C A

Esse é o chamado “quinteto austríaco”, a linha de


pensadores da escola austríaca. Há outros estu-
diosos que realizam derivações das teorias com
as quais o quinteto contribuiu.
Os cincos trabalharam com quatro nuances:
1) Individualismo metodológico: a escola aus-
tríaca opta por estudar o indivíduo e não os agre-
gados (PIB, desemprego geral, índice de preços),
pois estes não pensam e pouco significam. Por-
tanto, o método de análise é individual (e não de
análise de agregados). Nesse método, entende-se
o ser humano, a sua ação, sendo o indivíduo perce-
bido como responsável pela explicação dos ciclos
econômicos.
2) Subjetivismo metodológico: cada indivíduo
tem nuances, diferentes uns dos outros.
3) Método lógico-dedutivo: primeiro o axioma
é elaborado e, a partir dele, deduções são feitas
para forjar uma teoria. Mostraremos um exemplo
10
disso nesse e-book, quando utilizarmos a dedução
R E T R O S P E C T I VA D A E S C O L A A U S T R í A C A

lógica para explicar o ciclo econômico.


4) Complexidade e análise dinâmica de pro-
cesso: os fenômenos são complexos e precis-
amos tentar entender essa complexidade fenome-
nológica. Por exemplo: caso eu queira compreender
a crise da economia brasileira, preciso escolher um
período para iniciar minha análise. Mas qual seria
esse período? 2012? 2013? A resposta é que o
tempo de análise depende de uma série de fatores,
o que impede a aplicação de uma norma indistinta
para todos. No início desse exemplo, fica demon-
strado o nível de complexidade, pois a escolha do
período para fazer a análise do processo do ciclo
econômico, já é um problema.

11
4
A TRÍADE BÁSICA
A economia se processa no que os austríacos
chamam de Tríade Básica:
1) Ação Humana
2) No tempo Dinâmico (tempo real)
3) Limitação do Conhecimento (nós temos
uma limitação intrínseca do conhecimento, que foi
trabalhada por Hayek).
Isso se propaga pela utilidade marginal decre-
scente , pelo subjetivismo dos agentes e pela for-
2

mação de “ordens espontâneas”.

O que é economia, para os austríacos? Uma


soma de ações, num tempo real, que traz
conhecimento, que nunca é completo e que
forma as ordens espontâneas.

Termo cunhado por Hayek, as ordens


espontâneas podem ser percebidas na impressão

2
Ou seja: somos um instrumento associado a uma utilidade marginal que é
decrescente, na margem, de unidade em unidade; tendemos a diminuir o valor
que damos para os bens, à medida que consumimos mais daquele mesmo bem,
em determinado período de tempo.

12
do todo: pessoas que acordam pensando em
A TRÍADE BÁSICA

benefício próprio formam as ordens espontâneas


3

trabalhando, produzindo, vivendo. Essas ordens


espontâneas têm algum nível de regularidade.
Para entender melhor essa questão das ordens
espontâneas, eu sugiro o artigo de Tucker, sobre 4

São Paulo. Milhões e milhões de pessoas tra-


balhando numa cidade que, ao mesmo tempo em
que é caótica, mal ou bem, funciona.
Hayek deu ênfase a uma questão: apenas por
mecanismos de incentivo, sem a força da lei, temos
a capacidade de influenciar as ordens espontâneas
e levá-las para onde queremos?
Por exemplo: quando o governo baixa a taxa
de juros, para que as pessoas invistam e consumam,
ele consegue coordená-las para um lugar? Mais do
que isso: quando o governo baixa a taxa de juros
achando que consegue dar uma direção precisa
para as ordens espontâneas, tem certeza de que
3
Essa noção já estava presente em Smith.
4
Disponível em https://mises.org.br/Article.aspx?id=1329
13
essa escolha, por influenciar as pessoas a tal ponto,
A TRÍADE BÁSICA

é a mais correta? Para Hayek, a intervenção no


ciclo econômico, ou seja, nas ordens espontâneas,
é inexoravelmente arrogante, porque está se afir-
mando que o governante tem a capacidade de se
descolar das pessoas, olhar por cima delas e saber
o que cada uma tem que fazer para prosperar. Por
isso, o último livro de Hayek, que aborda esse tema,
se chama “Arrogância Fatal”. Como tem a caneta
na mão, o governante, esse indivíduo, impõe ou
busca colocar em vigor mecanismos de incentivo
que levam a população a determinado lugar. Às
vezes, sua decisão apresenta um impacto positivo,
mas ninguém garante que sempre será assim.

Geralmente, as políticas intervencionistas


obtêm resultados de curto prazo, mas, no
longo prazo, acarretam vários problemas,
porque há nuances impossíveis de controlar.

14
Assim, instala-se a lógica intervencionista
A TRÍADE BÁSICA

de Mises: uma intervenção gera efeitos impre-


vistos. Faz-se uma nova intervenção para
sanar os efeitos não-previstos. Essas inter-
venções mais recentes também geram novos
efeitos imprevistos, faz-se uma nova inter-
venção... E essa espiral intervencionista, do
Estado tentando resolver problemas que ele
mesmo causa, não tem fim. O estudo austríaco
apresenta uma visão bem real do Estado, que não
pode ser entendido como um ente à parte das pes-
soas, uma vez que é formado por elas.

15
5
A PROPAGAÇÃO DA ESCOLA AUSTRÍACA

A propagação da Escola Austríaca na filosofia


política:
1) Nas críticas aos sistemas mistos, em que o
Estado tem participação na economia.
2) Pela evolução das ciências sociais, uma vez
que a escola austríaca acredita que o conhecimento
traz evolução e, não à toa, a sociedade atingiu o
atual nível de bem-estar. A sociedade evolui porque
temos uma capacidade intrínseca de aprender com
o erro e, assim, corrigi-lo.
3) Na democracia e na divisão dos poderes:
neste ponto está a importância do Estado, para a
escola austríaca. Há uma ala que absorve as teorias
austríacas para formar o anarco-capitalismo, mas,
na média, para os austríacos, o Estado tem a função
de regulação jurídica, de estabelecer as regras do
jogo, a ordem institucional, dando regularidade e
isonomia para os processos, sendo a democracia
um meio para isso e não um fim.
4) Na contenção descentralizada dos poderes
16
por meio da crítica ao construtivismo: para os aus-
A P R O PA G A Ç Ã O D A E S C O L A A U S T R Í A C A

tríacos, os mecanismos de pesos e contrapesos


(check and balances) constituem uma opção acer-
tada para o desenvolvimento da sociedade, ainda que
não funcionem plenamente. A crítica ao construtiv-
ismo, por sua vez, diz respeito a uma contraposição
à ideia de que é possível um indivíduo saber para
onde a sociedade tem que ir. Para os austríacos, as
ordens espontâneas nos guiam para um caminho
mais correto do que as ideias construtivistas.
A propagação da Escola Austríaca epistemo-
logicamente:
1) No radical individualismo metodológico.
2) Modelos vs. fatos, nas ciências sociais: os
fatos, em ciências sociais, são sempre relativizados,
pois, para os austríacos, a teoria ganha do modelo,
ou seja, quando se tem uma teoria muito bem funda-
mentada, com um axioma bem construído, o prob-
lema está no exemplo selecionado para contrapor
a ideia. A teoria tem que estar certa se o axioma foi
bem construído.
3) Características das Ciências Sociais (dualismo
17
metodológico e rejeição ao positivismo e ao histor-
A P R O PA G A Ç Ã O D A E S C O L A A U S T R Í A C A

icismo): o dualismo metodológico ocorre porque,


ao mesmo tempo que a escola austríaca trabalha
com a metodologia dedutiva, nas ciências naturais
(matemática, física, química) lida-se com outro tipo
de método. Há um dualismo metodológico na hora de
fazer análise de predição econômica, principalmente,
quando há diálogo com outras ciências. O positiv-
ismo, por sua vez, busca tirar da teoria empírica, da
prática, algum tipo de teoria ampla. Isso é um prob-
lema para os austríacos como um todo.
4) Previsão em Ciências Sociais: os austríacos
alertam que, se o conhecimento que temos dis-
ponível já não nos permite interpretar com facilidade
o passado, tampouco pode ser utilizado para fazer
previsões sobre o futuro. Há certo receio e uma
recomendação cautelosa sobre previsão econômica
para o futuro.
Por último, propaga-se economicamente:
1) Pelo processo de mercado: a principal con-
tribuição vem de Mises. Há uma discussão, na
escola austríaca, entre duas linhas de pensamento
18
econômico, que tentam entender o processo de mer-
A P R O PA G A Ç Ã O D A E S C O L A A U S T R Í A C A

cado. Isso foi abordado no final do segundo e-book.


Uma entende o processo de mercado como um
elemento que ruma para um equilíbrio que nunca
será alcançado, porque os seres humanos erram
ao longo do caminho; a outra entende que sequer
há tendência, no livre mercado, para o equilíbrio.
Equilíbrio, em economia, significa que, em
determinado período de tempo, há um encontro per-
feito entre a demanda e a oferta: tudo que é produzido
é consumido. Nada é desperdiçado. O equilíbrio em
economia não pode ser encontrado. Em determi-
nado período de tempo, isso nunca ocorreu. Então,
para os austríacos, isso é uma verdade inexorável:
o ser humano erra, alguém está errando e dese-
quilibrando os processos de mercado, seja na hora
em que consome, seja na hora em que produz.
A discussão austríaca está no seguinte ponto:
há mais equilíbrio, ou seja, mais acerto nas escolhas,
ou há mais erro? Aqui entra o papel das expecta-
tivas. Para alguns austríacos, que adotam a linha de
Lachmann, no curto prazo, é possível obter um alto
19
ou bom grau de acerto nas escolhas, mas, em longo
A P R O PA G A Ç Ã O D A E S C O L A A U S T R Í A C A

prazo, isso se torna muito mais difícil.


O governo tem capacidade de nos auxiliar na
determinação das expectativas, na diminuição do
erro, na composição da incerteza? Para os aus-
tríacos, a intervenção de mercado apenas aumenta
essas divergências e mais desequilibram as regras
do jogo do que equilibram. Não se recomendam
ações de governo para corrigir distorções, porque as
ações de governo geram novas distorções. Veremos
isso com maior profundidade no ciclo econômico.
2) Pela função empresarial: o empresário lida
com expectativas e tem uma função coordenadora. A
função coordenadora é: baseado no que as pessoas
querem, colocar pessoas para trabalhar, empreender
recursos para entender o que o consumidor quer.
Se o empreendedor acertar, ele equilibra o mer-
cado. Se ele errar, desequilibra o mercado. Dese-
quilibrar significa degradar a máquina, depreciar o
equipamento, fazer as pessoas perderem tempo
trabalhando em atividades pouco produtivas. Enfim,
tempo é dinheiro, tempo tem valor. O empresário
20
ajuda a coordenar consumo e oferta, vontades e
A P R O PA G A Ç Ã O D A E S C O L A A U S T R Í A C A

desejos. Ele dá nuances de mercado para o futuro.


Essa função é fundamental e tem de ser estimulada.
3) Pelo “cálculo econômico racional”: a
importância da propriedade privada. Essa é a origem
da crítica de Mises ao socialismo. Há quatro críticas
austríacas ao socialismo: de Mises, de Hayek, de
Menger e de Böhm-Bawerk. Elas se complementam.

Para Böhm-Bawerk, Marx não compreendeu


que o tempo tem valor na produção.

Como tem valor, há um risco incorporado no


processo, que precisa ser incorporado no preço e é
por isso que a última hora de trabalho não é paga.
Por exemplo: para construir um edifício, é preciso
contratar um mestre de obras, um arquiteto, um
engenheiro, cerca de 30 pedreiros. Esse edifício
vai demorar dois anos para se realizar como valor,
segundo a terminologia de Marx, ou seja, depois de
dois anos, quando as pessoas compram os aparta-
mentos, o edifício se realizou como valor. Se Marx
21
estivesse certo, você deveria acordar com os empre-
A P R O PA G A Ç Ã O D A E S C O L A A U S T R Í A C A

gados que o pagamento dos salários seria feito após


o prédio se realizar como valor. Mas, para levantar o
prédio, o empreendedor paga 24 meses de salário,
sem saber se, depois de dois anos, a mercadoria
vai, realmente, se realizar como valor.
Se não for possível tirar uma diferença pelo
risco inerente de antecipar o valor dos funcionários
- porque salário é antecipação de valor -, já que o
trabalho deles ainda não agregou valor completa-
mente, não há quem assuma o risco. Böhm-Bawerk
afirma que há um tempo no processo de produção
que influencia na decisão de correr, ou não, o risco.

Para Hayek, o socialismo não tem como dar


certo, porque há um problema inexorável de
conhecimento associado à produção.

As pessoas não têm conhecimento pleno, então


não é possível planejar tudo de cima para baixo.

Para Menger, o problema está na


teoria do valor, pois a concepção
de valor do trabalho está errada.
22
Mises teceu a crítica mais profícua e
A P R O PA G A Ç Ã O D A E S C O L A A U S T R Í A C A

apontou que o problema do socialismo é a


impossibilidade de calcular os bens.

Não vivemos em abundância, não há fatores


de produção para todos; portanto, é preciso alocar.
Mas, como não há propriedade privada, não há
preço e, sem o preço, não há como fazer uma
alocação correta, pois as pessoas não conhecem
suficientemente, porque não têm a informação
completa, ou a melhor.
Essa crítica do cálculo econômico racional é
sensacional e foi uma argumentação que rebateu
a falsa justificação de que o problema não estava
no socialismo em si, em seu modelo (que fun-
ciona), mas sim nas pessoas que o executaram,
que eram exageradamente egoístas.
Na economia, esse cálculo deve ser estim-
ulado e isso é feito ao deixar os preços serem
livres. Quando os preços oscilam a bel prazer do
mercado, você estimula empreendedores e con-
sumidores a calcular. E esse cálculo nos ajuda a
23
entender a economia.
A P R O PA G A Ç Ã O D A E S C O L A A U S T R Í A C A

4) Pela Teoria do Capital: será vista mais pro-


fundamente mais para frente, neste e-book.
5) Pela Teoria Monetária: há várias divagações
em cima disso.

24
6
O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA
ECONÔMICO NACIONAL

O funcionamento do Brasil é similar ao


dos demais países capitalistas com governos
democráticos. O sistema econômico nacional está
representado no esquema abaixo.

*FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ECONÔMICO NACIONAL

LADO FISCAL LADO MONETÁRIO

Gasto do governo Controla a quantidade


de dinheiro que circula
na economia
Tributos RECEITA Dívida
pública
indiretos diretos Como?
Emissão de
Depósitos
da

títulos do governo
en

e v Compulsórios
p r a
Comprados pelos co m
agentes econômicos AFETAM JUROS
E CÂMBIO

Há dois lados na economia. O lado fiscal


corresponde às políticas de gasto do governo
e o lado monetário corresponde às políticas de
moeda do governo. Em tese, o lado fiscal e o mon-
etário deveriam estar apartados, mas, na prática, os
dois estão muito próximos, pois o governo indica
25
tanto o Ministro da Fazenda quanto o presidente
O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ECONÔMICO NACIONAL

do Banco Central, responsável por comandar o


lado monetário juntamente com o Conselho Mon-
etário Nacional, que é um órgão normativo.
Do lado fiscal, constam os gastos do governo
e, para isso, o governo precisa de uma receita, que
advém das chamadas três espécies básicas: trib-
utos (impostos), taxas e contribuições.

Os impostos podem ser diretos


(progressivos) ou indiretos (regressivos).

O imposto direto é aquele que deve ser pago


diretamente, pelo indivíduo: IPVA, IPTU, IR. O
imposto indireto é aquele em que os indivíduos são
contribuintes de fato, mas não de direito. O Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
é recolhido pelo empresário, mas, na maioria das
vezes, quem paga são os consumidores, porque o
custo do imposto está incutido no preço do bem.
Não há um consenso econômico sobre qual é a
26
melhor categoria. Para os que depositam no Estado
O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ECONÔMICO NACIONAL

uma função social, os impostos diretos são mel-


hores, porque conseguem mensurar a capacidade
contributiva de cada um, uma vez que a alíquota,
como do IR e do IPVA, leva em conta o rendimento
individual. Quem acredita que o Estado deve fazer
distribuição de renda, retirando dos mais ricos para
dar aos mais pobres, argumenta que esse modelo
é mais equitativo.

No imposto indireto, por outro lado,


todos pagam exatamente o mesmo
valor, em termos de tributos.

A tributação direta pode trazer problemas por


tributar a poupança e, também, por onerar exag-
eradamente a produção e o consumo. Há uma ver-
tente econômica que se opõe às tributações. Para
os austríacos, uma tributação não deve ser apli-
cada, pois suga demasiadamente a produtividade
das pessoas do setor privado, no qual a riqueza,
27
realmente, é gerada.
O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ECONÔMICO NACIONAL

Sobre a proposta de aumentar a tributação dos


mais ricos: no Brasil, quem ganha mais de R$5 mil
faz parte dos 10% mais ricos da população. Quem
ganha de R$7 mil para cima compõe os 3% mais
ricos. Quem ganha mais de R$10 mil, está no 1%
mais rico. No entanto, na realidade, embora quem
ganhe R$10 mil possa ter uma vida confortável,
não tem uma vida de rico. Por isso, é importante
refletir sobre a tributação das grandes fortunas.
Quem será tributado? 0,00001% da população?
Isso não terá efeitos extensivos. Por outro lado, se a
tributação for aplicada a 1% da população, impac-
tará justamente aqueles que conseguem poupar
no país, já que quem ganha abaixo de R$5 mil tem
dificuldades para poupar (porque 45% desse valor
são corroídos por impostos e sobram apenas 55%
para sobreviver). Deste modo, estaremos taxando
os poucos, na economia brasileira, que conseguem
poupar e a poupança é responsável por propiciar o
28
investimento.
O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ECONÔMICO NACIONAL

Todos os anos, o governo arrecada, em média,

R$2.2 trilhões em tributos. E, sob a alegação de que

esse dinheiro não é suficiente para realizar todas

as obras e políticas necessárias, o governo emite

títulos da dívida pública - emissão de títulos do gov-

erno ou títulos do tesouro nacional - para comple-

mentar sua renda. Esses títulos formam o composto

chamado dívida pública brasileira, que, em 2018,

alcançou o patamar de R$5 trilhões, ultrapassando

70% do PIB na dívida bruta; um valor bastante alto

para um país de renda média - cuja renda média

está caindo - como o Brasil.

29
7
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA
ECONOMIA?

O governo apresenta dois instrumentos


principais para injetar dinheiro na economia.

O primeiro é o que chamamos de operação


com títulos públicos (operação do mercado aberto
ou open market), em que o Banco Central (BC)
entra comprando ou vendendo títulos públicos que
estão em posse dos agentes econômicos. Embora
pessoas possam comprar os títulos públicos, major-
itariamente, os bancos são os agentes econômicos
que os compram em larga escala. Por isso, em sua
maioria, os títulos públicos estão em posse dos
bancos. O Banco Central (BC), autorizado pelo Con-
selho Monetário Nacional, é a instituição responsável
pelo processo de injetar ou retirar dinheiro dos
bancos. Quando quer injetar dinheiro nos bancos, o
BC faz uma oferta de compra e retira títulos públicos
que estão em posse dos bancos, por meio dessa
compra. Com mais dinheiro disponível, os bancos
30
tendem a emprestar para mais pessoas, com uma
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

taxa de juros menor. Assim, quanto mais dinheiro


se injeta nos bancos, maior a tendência dos juros
caírem.
Caso o BC queira retirar dinheiro dos bancos,
realizando a chamada política monetária regres-
siva ou contracionista, a instituição vende títulos
públicos comprados anteriormente, ou seja, não
emite novos títulos. Os bancos compram esses
títulos, porque apresentam alto grau de confiabil-
idade e são muito utilizados para negociações no
mercado interbancário (entre os bancos). Como,
nesse caso, os bancos ficam com menos dinheiro
disponível, tendem a conceder menos empréstimos
e empregar uma taxa de juros mais elevada.
Esse mecanismo de compra e venda de títulos
públicos é o principal mecanismo de transmissão
de dinheiro na economia, ainda mais porque o gov-
erno tem dois bancos estatais: o Banco do Brasil
e a Caixa Econômica Federal, que respondem por
55% do crédito.

31
Outro instrumento disponível é o depósito
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

compulsório, que é uma taxa que o BC obriga


os bancos a guardarem dos seus recursos
junto à instituição.

Isso significa que os bancos podem utilizar


os recursos das contas correntes que estão sob
sua tutela para conceder empréstimos. Deste
modo, além de cobrar pela custódia do recurso, os
bancos ainda o rentabilizam de graça, ao emprestá-lo
para outras pessoas. É como você deixar o carro
em um estacionamento, pagar por esse serviço e
descobrir que, durante o período que você deixou
o carro estacionado, ele foi alugado pelo dono da
garagem. Isso é problemático, pois dá aos bancos
a capacidade de criar dinheiro do nada. Quando
usado sem parcimônia, aumenta ostensivamente
os ativos bancários e concede uma capacidade
de consumir e investir de forma desequilibrada,
por inexistir uma poupança vinculada.
Toda vez que o Banco Central quer afetar juros
e câmbio, o depósito compulsório e a compra e
32
venda de títulos públicos são os principais instru-
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

mentos utilizados. Em anos eleitorais, o BC diminui


a taxa de depósito compulsório, para que haja din-
heiro na economia para investir e consumir. É assim
que o BC faz política monetária e o governo federal
faz política fiscal.
Os keynesianos acreditam que esse sistema
gera prosperidade. Os austríacos afirmam que
esse sistema é inexoravelmente fraudulento em
boa parte do tempo e que gera ciclos econômicos
(e não o contrário), porque não há correspondência
com a realidade, com a política das famílias, com o
setor privado.
Por exemplo: toda vez que o BC compra títulos
públicos, injeta dinheiro nos bancos. Com mais din-
heiro na economia, as taxas de juros caem. Porém,
se isso não apresenta uma correspondência com
a taxa de poupança, eu estou criando uma ilusão,
na sociedade, de que há poupança sendo feita,
quando não há. Isso produz uma descoordenação
nas escolhas dos agentes econômicos, dos inves-
tidores e dos consumidores.
33
Esse processo gera o que chamamos de
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

reservas fracionárias do Banco Central, que é o


mecanismo de usar parte das reservas das pes-
soas, que estão postas nos bancos, fracionando-as
para as demais. Isso cria dinheiro e fomenta a
economia em consumismo e investimento.
Veremos um exemplo que não é um repre-
sentativo perfeito da realidade, mas que nos ajuda
a compreender o porquê disso ser problemático.
Neste exemplo, a taxa de depósito compulsório é
de 50% e o dinheiro de todos permanecerá no
mesmo banco A.
Nesse exemplo, o Felipe depositou R$1000,00
no Banco A. Como a taxa de depósito compulsório
é de 50%, o banco deve guardar R$500,00 do
dinheiro do Felipe e pode emprestar os outros
R$500,00. O banco decide emprestar os R$500,00
para o João. Como a taxa de depósito compulsório
é de 50%, dos R$500,00 emprestados para o
João, o banco precisa guardar R$250,00 e pode
emprestar R$250,00. A Maria faz um emprés-
timo desses R$250,00 do João. A Maria pensa ter
34
R$250,00 que, na verdade, são do João, que pensa
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

ter R$500,00 que, na verdade, são do Felipe. Cada


uma dessas pessoas, em três operações simples,
pode consumir, investir e fazer o que quiser com esse
recurso. O Banco Central, com a taxa de depósito
compulsório de 50%, obriga que metade do din-
heiro da Maria seja guardado, ou seja, R$125,00,
enquanto os R$125,00 restantes são emprestados
para o Pedro. Novamente, o Pedro pensa que esses
R$125,00 são dele, mas, na verdade, são da Maria.
A Maria está na mesma situação em relação ao
João. O João está, também, na mesmíssima situ-
ação em relação ao recurso que, na verdade, é todo
do Felipe. O Banco Central obriga a guardar metade
do recurso do Pedro e utilizar, caso queira o banco,
os demais R$62,50, que são emprestados para o
Jesus.
Isso é criação de dinheiro do nada. Esse pro-
cesso inicia um ciclo econômico. Se somarmos todo
o dinheiro presente, agora, na economia (1.000 +
500 + 250 + 125 + 62,50 = 1987,50), veremos
que a quantia praticamente dobrou com essa sim-
35
ples operação. Digamos que todas essas pessoas
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

usem o dinheiro para consumir cerveja. Automati-


camente, os preços vão subir, já que a produção é
sempre mais lenta que o consumo.
Nosso atual sistema bancário é ainda mais
inflacionário do que o nosso exemplo, porque a
taxa de depósito compulsório no Brasil não é de
50%, mas sim de 24% da conta corrente; ou seja:
os bancos podem emprestar um percentual maior
do que o previsto em nosso exemplo. O sistema de
reservas fracionárias em um sistema supercon-
centrado como o nosso é inexoravelmente infla-
cionário e acaba corroendo o poder de compra
da moeda, à medida que é permitido aos bancos
emprestar recursos dessa maneira.
É importante observar que, no Brasil, a taxa de
alavancagem - termo técnico para explicar o alto grau
de re-empréstimo do recurso dos outros -, ocorre
porque há muita concentração bancária. A Suíça é
um país pequeno, com um sistema bancário alta-
mente desconcentrado, com mais de 2 mil bancos.
Nos EUA, há mais de 4 mil bancos comerciais
36
trabalhando com conta corrente. Esses sistemas
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

bancários desconcentrados evitam, por mecanismos


de mercado, que os bancos saiam re-emprestando
o dinheiro, porque, com tantos bancos disponíveis, é
provável que o tomador de empréstimo retire o din-
heiro do banco e é pouco provável que novas contas
surjam na mesma proporção. Deste modo, é preciso
manter mais dinheiro em conta, para permanecer
financeiramente saudável. No Brasil, o risco com-
pensa porque a concentração bancária faz com que
o dinheiro volte para o mesmo banco com relativa
facilidade. Em um país com muitos bancos, quando
um indivíduo retira do banco 1 e deposita no banco
88, qual a probabilidade de um indivíduo com conta
no banco 1903 escolher o banco 1 novamente?
Baixíssima. Por isso, em certa medida, o mercado
acaba se autorregulando.
Ressalta-se que a taxa de depósito compulsório
no Brasil (superior a 20%, e que chegou a alcançar
40%), é elevada, pois poucos países têm taxa supe-
rior a 5%. Na Suíça, por exemplo, a taxa de depósito
compulsório chegou a ser 1% em alguns momentos,
37
ou seja, os bancos podiam emprestar praticamente
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

todo o recurso sob sua tutela. Mas, ao verificar a


taxa de alavancagem dos bancos suíços, perce-
be-se que o re-empréstimo acontece em menor
volume do que no Brasil. No nosso país, baixar as
taxas permitiria que o sistema bancário emprestasse
ainda mais acentuadamente. No entanto, há um bom
nível de alavancagem em quase todos os sistemas
bancários, porque os bancos centrais estimulam-no
para fomentar o crédito.
Há uma discussão na teoria austríaca mon-
etária, se isso geralmente gera ciclo econômico. Os
mecanismos de mercado tendem a romper com
essa dicotomia problemática: se é fraudulento ou
não pegar os recursos dos outros para emprestar.
Hoje,

o sistema bancário financia o gasto


governamental por meio da compra dos
títulos públicos,

o que estabelece uma elevada intimidade entre


bancos e governo. E os bancos, evidentemente,
38
querem permanecer com pouca concorrência, bem
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

concentrados, porque podem emprestar o dinheiro


das contas correntes com maior velocidade e menor
parcimônia. Inexoravelmente, são os cidadãos que
pagam a conta, seja pela geração de ciclo econômico,
seja por geração de inflação, seja pelos dois. No
Brasil, esse processo inflacionário decorre da car-
telização do sistema bancário e dos empréstimos
exagerados feitos pelos bancos com os recursos
das contas correntes. Os austríacos afirmam que
é preciso descartelizar o mercado bancário e, para
diversos austríacos, como Mises e Huerta de Soto
(economista espanhol referência em escola austríaca
no mundo), os bancos têm que guardar coeficiente
de caixa de 100%, ou seja: a taxa de depósito com-
pulsório precisa ser de 100% para os depósitos à
vista. Os recursos, nesse caso, ficariam completa-
mente retidos no banco, inteiramente guardados.
Outro problema é que esse dinheiro criado pelo
sistema bancário gera inflação de preços, mas nem
sempre é utilizado para o consumo, sendo direcio-
nado também para investimentos. Os recursos serem
39
usados para investimentos significa que, quando feita
COMO O GOVERNO INTERVÉM NA ECONOMIA?

em larga escala, a reserva fracionária, necessaria-


mente, cria uma sensação de poupança forçada na
economia, como se houvessem recursos poupados,
devido às taxas de juros baixas. Com mais dinheiro
na economia, os bancos baixam os juros justamente
para encontrar pessoas dispostas a pegar emprés-
timos. Isso é inflacionário.
Se este processo causa ou não ciclo econômico
é uma discussão maior, que abrange a estrutura
produtiva por trás da teoria do capital.

40
8
A ESTRUTURA PRODUTIVA - A TEORIA DO
CAPITAL DA ESCOLA AUSTRÍACA

A ESTRUTURA PRODUTIVA

bens em elaboração bem de consumo final


valor
início da
produção do bem

tempo - nº ordem 4ª ordem 3ª ordem 2ª ordem 1ª ordem

Na imagem, esta estrutura com colunas é


o “triângulo de Hayek”, que concedeu a ele o
prêmio Nobel; são as etapas produtivas do sistema
econômico ou da estrutura produtiva de um país.
As etapas iniciais correspondem ao início da fabri-
cação/construção de um bem. Por exemplo, a con-
strução de um automóvel. O automóvel começa a
ser construído nas etapas iniciais, com borracha, aço
etc.. À medida que esses componentes vão sendo
acrescentados, cada coluna vai agregando valor.

A altura da coluna corresponde


ao valor agregado.
41
Uma coluna precedente nunca é mais alta do
A E S T R U T U R A P R O D U T I VA - A T E O R I A D O C A P I TA L D A E S C O L A A U S T R Í A C A

que a sucedente, porque não faz o menor sentido


uma etapa produtiva posterior diminuir o valor do
bem.

As etapas produtivas sempre


devem agregar valor.

A largura das colunas expressa o tempo de pro-


dução de cada etapa. Na coluna final, há o bem de
consumo final, pronto. Em nosso caso, o automóvel.
Isso significa que, nos países em que essas colunas
são mais alargadas, há mais empregos, há mais
etapa produtiva, há mais valor agregado.
A fabricação de um pão é feita em apenas três
etapas produtivas: ele passa pela fazenda, pelo
moinho e pelo padeiro. Como quase não há etapas
na composição da estrutura produtiva para fazer o
pão, este apresenta um baixíssimo preço. Bens de
alto valor agregado, como computadores e aviões,
são representados por um triângulo com muitas col-
unas. Em cada uma delas, o valor agregado aumenta,
mais empregos são gerados e a economia tende a
42
ficar mais desenvolvida, inovadora e produtiva.
A E S T R U T U R A P R O D U T I VA - A T E O R I A D O C A P I TA L D A E S C O L A A U S T R Í A C A

Os austríacos apontam que países ricos têm


esse triângulo bastante alargado, enquanto os
países pobres o têm bastante encurtado e com
emprego concentrado no setor primário (minério
de ferro, petróleo, grãos, agronegócio etc.). É o
caso do Brasil, que apresenta um triângulo encur-
tado e que há apenas 20 anos entrou no para-
digma metal-mecânico de produzir. O paradigma
metal-mecânico é o paradigma da técnica, que
entrou em vigor em 1930 e foi incorporado pelos
países durante as décadas de 1940 a 1970. Nos
anos 1980, incorporou-se o paradigma da micro-
eletrônica e, atualmente, o paradigma em vigência é o
da nanotecnologia e da biotecnologia. O Brasil quase
não tem indústria de microeletrônica e o cenário
é mais desolador ainda quando se analisa a nano
e a biotecnologia. A estrutura do capital brasileira
é muito encurtada, é pouco produtiva e de baixa/
média tecnologia. Isso explica nossa incapacidade
de gerar empregos - e bons empregos. Há uma
incapacidade no ser humano de ser bastante pro-
43
dutivo, porque não há muito valor técnico a asso-
A E S T R U T U R A P R O D U T I VA - A T E O R I A D O C A P I TA L D A E S C O L A A U S T R Í A C A

ciar ao trabalho, além de uma péssima educação;


nossos profissionais não conseguem acompanhar
o nível tecnológico de conhecimento, de criação e
inovação dos demais países mundo afora. Muitos
brasileiros sequer completam uma boa formação, a
ponto de possibilitar uma boa adição entre máquina
e homem, no processo de produzir.
Esse processo é o que chamamos de teoria do
capital da escola austríaca. Essa teoria é fundamental
para demonstrar por que é necessário que enten-
damos o capital heterogeneamente. No exemplo de
estrutura produtiva demonstrado acima, o triângulo
apresenta colunas de altura e tamanho distintos,
porque cada etapa produtiva agrega valor de forma
diferente na estrutura de produção; e há peculiari-
dades únicas em cada um desses processos. Sig-
nifica que o capital não pode ser realocado com
facilidade e que não podemos ficar errando na sinal-
ização para os empreendedores, porque o capital
para construir uma estrutura produtiva errada será
inteiramente desperdiçado. Desperdiçar capital em
44
um país pouco produtivo, onde não há acúmulo de
A E S T R U T U R A P R O D U T I VA - A T E O R I A D O C A P I TA L D A E S C O L A A U S T R Í A C A

capital, gera ainda mais pobreza.


A crise econômica não é severa somente por
gerar desemprego, mas também por apontar que
as pessoas desempregadas produziram mal durante
muito tempo. E todos os recursos empreendidos vão,
literalmente, para o lixo. Os prédios inacabados, por
exemplo, são um exemplo de riqueza sendo jogada
no lixo. A formação bruta de capital fixo é um indi-
cador que mede o capital na economia. O indicador
brasileiro, calculado pelo IBGE, é baixo. Para piorar,
nosso capital foi depredado nos últimos anos, o que
aponta que teremos que trabalhar muito para conse-
guir reestruturar a economia brasileira. Influenciam
negativamente em nossa economia o mecanismo
produtivo ruim e baixo associado a um mercado
monetário bagunçado.

45
9
O PROBLEMA DAS RESERVAS FRA-
CIONÁRIAS E DA TAXA DE JUROS

O que é a teoria do capital? A teoria monetária


da escola austríaca afirma que o dinheiro tem que
ter uma estabilidade sobre o poder de compra.
Quando o uso das reservas fracionárias é prati-
cado em larga escala ou se injeta muito dinheiro
na economia, mais do que inflação, gera-se uma
falsa sensação de poupança. Os investidores, pro-
dutores ou empreendedores têm a impressão de
que há mais poupança do que realmente há.
Retomemos o exemplo do primeiro e-book:
todo mundo está poupando para comprar uma casa.
Essa poupança é emprestada ao empreendedor,
que constrói o edifício. Ao final da construção, as
pessoas resgatam o recurso poupado com juros e
compram os apartamentos.
Mas, quando o empreendedor faz um emprés-
timo para construir um edifício, por meio da criação
de dinheiro, há uma falsa sinalização de que as pes-
soas pouparam para comprar o edifício. Além de
46
não pouparem, as pessoas consumiram, estimu-
O P R O B L E M A D A S R E S E R VA S F R A C I O N Á R I A S E D A TA X A D E J U R O S

ladas pelos empréstimos de reserva fracionária. Essa


situação de consumo e investimento sem poupança
produz um cabo de guerra entre consumidores e
investidores. No final, o edifício está pronto e não há
demanda efetiva, pois não há pessoas com capaci-
dade de consumir os apartamentos, já que não houve
poupança.
A ilusão vem da baixa taxa de juros, oriunda
da injeção de dinheiro na economia. Os juros baixos
sinalizam que há poupança na economia quando,
de fato, não há. Essa é a gênese da teoria austríaca
dos ciclos econômicos, que será aprofundada no
próximo e-book.
O governo faz as políticas fiscal e monetária.
De um lado, o governo se endivida com gastos,
fazendo obras como PAC, investindo em estradas,
empregando pessoas que vão consumir. Do outro, o
governo injeta dinheiro na economia, estimulando a
queda da taxa de juros e a desvalorização do câmbio.
Empreendedores, exportadores etc., aumentam seus
investimentos. Consumidores, com crédito farto e
47
barato, aumentam seu nível de consumo. Por um
O P R O B L E M A D A S R E S E R VA S F R A C I O N Á R I A S E D A TA X A D E J U R O S

determinado período de tempo, todos consomem


na economia e alguns investem, acreditando que
o consumo aquecido significa que haverá compra-
dores no futuro. Poupa-se pouco nessa sociedade.
Posteriormente, o resultado será a existência de uma
parcela da sociedade que investiu no longo prazo,
achando que a sociedade não estava endividada, e
outra parcela que consumiu demais e está endivi-
dada. Os consumidores não têm como comprar o
que o empreendedor investiu e produziu. Neste con-
texto, o empreendedor começa a demitir pessoas
e para sua produção. O desemprego aparece no
lado do consumidor e o ciclo econômico de quebra
recomeça. Grosseiramente, foi o que aconteceu na
economia brasileira.
Por quê? Porque ninguém entende perfeita-
mente como funciona a estrutura produtiva. As pes-
soas não conseguem compreender que

a taxa de juros tem que representar


a taxa de poupança,
48
em uma economia. Quando a taxa de juros não
O P R O B L E M A D A S R E S E R VA S F R A C I O N Á R I A S E D A TA X A D E J U R O S

representa a taxa de poupança, há uma descoorde-


nação entre os planos presentes e os planos futuros,
perante a capacidade de consumir das famílias.
Essa descoordenação gera o ciclo econômico.

49
10
A QUESTÃO DO CONSUMO

Vem daqui a pergunta que fiz no primeiro e-book,


sobre ciclos econômicos: “Qual o problema, de
acordo com a ótica keynesiana?”. A queda do con-
sumo. Não se pode deixar a demanda efetiva ou
agregada. Qual a pergunta dos austríacos? “Por que
o consumo caiu?”. O problema da ótica keynes-
iana, que é a ótica do consumo, é não explicar por
que o consumo caiu e entendê-lo como a variável
causal que gera todo o ciclo econômico. Os aus-
tríacos afirmam que o consumo é uma variável de
efeito, pois é o efeito de erros cometidos no pas-
sado. Um dos principais erros é a manipulação
dos juros por parte do Banco Central. Essa é a
gênese do problema. Um dos principais preços da
economia está nos juros, sendo importante demais
para poder ser manipulado por governantes. Os
austríacos sofrem deboche das demais escolas de
pensamento econômico toda vez que apontam a
50
necessidade de repensar a política de juros. Pre-
A Q U E S TÃ O D O C O N S U M O

cisamos repensar o papel dos bancos centrais na


formação dos ciclos econômicos. Há um debate na
Academia, trazido por André Lara Resende, em que
ele questiona se os juros são o instrumental correto
para se fazer política monetária. Quase todos os
governantes utilizam esse instrumental, que con-
tinua gerando crises de 10 em 10 anos, em países
esparsos.
A crise de 2008 da bolha imobiliária americana
e do subprime é associada a uma crise de mercado,
mas, quando analisamos as taxas de juros, perce-
be-se que todas foram manipuladas pelo governo
americano, pelo banco central americano, o FED
(Federal Reserv Bank). A crise atual do Brasil também
é caracterizada por uma manipulação das taxas de
juros associada à política monetária e à política fiscal.
A crise de 1929 apresenta a mesma situação. Na
crise de 1920, por sua vez, os mecanismos de mer-
cado funcionaram perfeitamente para a correção
51
dessas questões.
A Q U E S TÃ O D O C O N S U M O

Avançaremos mais, na próxima aula, na teoria


do capital, quando fizermos as análises de caso.

52
11
PERGUNTAS

1- Há uma restrição para o número de vezes


que os bancos podem emprestar?
A única restrição são os níveis de alavancagem
associados aos acordos de Basileia: basileia 1,
basileia 2 e o atual, o basileia 3, que não funcio-
naram. Os acordos de basileia são acordos mundiais
entre os países pertencentes à OCDE, que se com-
prometeram a controlar seu sistema financeiro, para
que o nível de alavancagem dos bancos não suba
além de um nível minimamente aceitável. Foi o que
aconteceu com os Estados Unidos. O Brasil, nesse
sentido, é seguro. O banco menos parcimonioso, em
que o recurso é muito utilizado para alavancar, é a
Caixa Econômica Federal, porque, enquanto banco
estatal, é utilizado para fazer política de governo,
como a concessão de crédito subsidiado e o cum-
primento de função social, que apresenta uma série
de prerrogativas.
53
2- Entrada de capital estrangeiro é inflacionário?
P E R G U N TA S

Qual a visão da escola austríaca sobre capital


estrangeiro?
O capital estrangeiro é muito bem-vindo, tanto
o físico quanto o monetário. O Brasil utilizou muito
capital estrangeiro durante o segundo governo Lula
e durante a transição do primeiro para o segundo
mandato do governo do Fernando Henrique. O uso
de poupança externa para financiar nossa baixa
poupança interna é uma estratégia. Há um paper de
1995, do Gustavo Franco, no qual ele claramente
especifica que essa foi a estratégia utilizada pelo
banco central e pelo governo federal, em 1995. O
governo Lula fez isso com o boom das commodi-
ties. Quando não há investimento estrangeiro direto
(IED), é possível se financiar por exportação.
A esquerda protesta contra a internalização do
capital, afirmando que as multinacionais vêm roubar
as riquezas brasileiras. Na verdade, essas empresas
instalam capital e empregam pessoas. Pessoas que

54
vão produzir e consumir aqui. A maior parte dos
P E R G U N TA S

recursos permanece no Brasil. O que eles podem


levar para fora são os lucros e dividendos, pois, se
não for permitido fazer isso, as empresas não vêm.
Para um país se desenvolver é preciso acúmulo
de capital (estrangeiro ou nacional, ou os dois), uma
moeda forte, regras institucionais e um respeito
radical à propriedade privada. O Brasil nunca teve
uma moeda que compra, perante o mundo. Prova
disso, é que ninguém poupa em real. Se o mundo
não poupa em real, é porque a nossa moeda não
compra. Basta verificar as taxas de câmbio mundo
afora. O Brasil também nunca apresentou uma farta
acumulação de capital. O BNDES foi criado para
financiar investimento de longo prazo, justamente
porque nunca se conseguiu acumular capital sufi-
ciente para isso. Nossas instituições, agora, estão
rumando para um caminho de proteção maior.

55
2- Se houvesse mais bancos no Brasil, o caráter
P E R G U N TA S

inflacionário desse processo seria menor?


Sim. O próprio mercado tem uma solução para
descartelizar e para regulamentar o nível de alavan-
cagem dos bancos e, assim, não inflacionar demais
o dinheiro: fomentar a competição. Assim como
nos demais mercados, quanto mais competição no
sistema bancário, melhor. Mas a competição, por si
só, não adianta. O Brasil tem mais de cem bancos
comerciais. O problema é que 90% dos recursos
estão concentrados em cinco bancos: Itaú, Brad-
esco, Santander, Caixa Econômica Federal e Banco
do Brasil. Como concentram os recursos, esses
bancos alavancam demais, gerando muito dinheiro
eletrônico, que é, ele mesmo, inflacionário.

56
INDICAÇÕES DE LEITURA

KIRZNER, Israel. Competição e atividade empresarial.

ROTHBARD, Murray. O que o governo fez como nosso


dinheiro?

TUCKER, Jeffrey. Entendendo a genial constatação de


Hayek em São Paulo. Disponível em <https://mises.
org.br/Article.aspx?id=1329> Acesso em julho de
2019.

57

Você também pode gostar