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1. Política e Poder
O conceito fundamental da Ciência Política é o conceito de poder. Segundo a
definição do sociólogo alemão Max Weber (ver Perfil no Capítulo 6), o centro da
atividade política é a busca pelo poder. Para Weber, a política é a luta por partici-
par do poder ou influenciar sua repartição. Mas o que, afinal, é o poder? Você já
deve ter alguma ideia do que significa poder. Tem poder quem manda, quem é
capaz de impor sua vontade sobre a dos outros. Essa é a definição clássica de
poder: a possibilidade de impor sua própria vontade, mesmo que contra a vonta-
de dos outros.
Se um assaltante o ameaça com uma
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Política, Poder e eStado
Para entender o que seria a crença na lei, basta pensar no que consideramos,
lÉXico
na sociedade moderna, um bom funcionário público. Um bom funcionário pú-
funcionário público: blico deve ter conseguido seu emprego por competência técnica (demonstra-
funcionário do Estado. da em concurso público); deve sempre seguir o que diz a lei; e deve aplicá-la
Os funcionários igualmente a todos os cidadãos, sejam eles brancos, sejam negros, ricos ou
públicos não podem pobres, da mesma igreja do funcionário ou não, do mesmo partido político do
ser indicados por funcionário ou não. Esse funcionário público corresponde ao ideal da domina-
alguém para os ção racional-legal.
cargos que ocupam
(exceto nos chamados • Dominação carismática: é a dominação que se baseia na crença de que o lí-
der político possui qualidades excepcionais, dons extraordinários. Os lidera-
cargos de confiança).
dos podem acreditar que o líder é inspirado por Deus, ou que é excepcional-
Eles precisam ser
mente capaz de compreender o verdadeiro destino da nação. Os liderados
aprovados em um
podem estar enganados, ou seja, o líder pode não ter nenhuma dessas quali-
concurso público, no
dades. Mas ele vai exercer poder sobre eles enquanto os convencer de que
qual os candidatos
tem essas qualidades, muitas vezes inspirando-os a fazer coisas que geral-
são avaliados
mente não fariam.
anonimamente. O
objetivo disso é garantir
Library of Congress/
Everett Collection/Latinstock
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Unidade 3 | caPítUlo 11
2. o eStado
Boa parte dos trabalhos de Ciência Política estuda o Estado. A definição de
Estado mais utilizada pelos especialistas também foi formulada por Max Weber,
e diz o seguinte: o Estado é o detentor do monopólio da violência legítima em um
determinado território. Em outras palavras: o Estado tenta ser a única instituição
à qual a população reconhece o direito de, em determinadas ocasiões, praticar a
violência. A população aceita essa situação por diferentes motivos, que variam
de sociedade para sociedade. Vamos discutir em separado cada parte da defini-
ção de Estado.
Monopólio é uma palavra emprestada da economia e descreve uma empresa
que consegue se estabelecer como única vendedora de certo produto. Quando
afirmou que o Estado tenta exercer um monopólio da violência legítima em de-
terminado território, Weber quis dizer que o Estado tenta se tornar a única insti-
tuição capaz de praticar a violência legítima naquele território.
Mas o que seria a violência “legítima”? Para compreender pense na seguinte
situação: você está vendo, na TV, imagens de um conflito entre policiais e crimi-
nosos. Os dois lados estão praticando violência, um está atirando no outro. Mas,
para você, o que cada um está fazendo não é a mesma coisa. Você provavelmen-
te acha que a polícia tem mais direito de atirar nos criminosos do que os crimino-
sos têm de atirar na polícia. Você pode achar que, em circunstâncias como aque-
la, a polícia tem o direito de praticar a violência; os criminosos, não. Em outras
palavras, você provavelmente considera que a violência praticada pela polícia no
cumprimento da lei é legítima.
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Política, Poder e eStado
Por que costumamos achar que a violência da polícia contra os criminosos é le-
gítima? Porque, em geral, ela é praticada para fazer cumprir a lei. O valor que da-
mos à lei se deve ao fato de que, nas sociedades modernas (como a nossa), predo-
mina a forma de dominação racional-legal, que explicamos no item anterior: para
nós, o que vale é a lei. Quando vemos policiais cometerem violência sem cumprir a
lei (por exemplo, matando um inocente), nos revoltamos contra eles. A violência da
polícia só é considerada legítima quando praticada conforme a lei.
Mas é preciso ter em mente uma coisa muito importante: os Estados modernos
(brasileiro, estadunidense, francês, etc.) não se formaram porque seus fundadores
desejavam proporcionar bem-estar à população, respeitar a tradição, garantir o
respeito à lei, ou porque desejavam ser “modernos”. Vamos ver como esse pro-
cesso está relacionado com nossa discussão sobre o monopólio da violência e a
necessidade dos dominadores de serem aceitos pelos dominados.
Luiz Souza/Corbis/Fotoarena
Manifestação realizada em 2015 no bairro de Madureira, Rio de Janeiro (RJ), em protesto contra a
execução de cinco jovens pela polícia. Embora a polícia tenha legitimidade para usar a violência nos
casos previstos na lei, a população repudia atos de violência policial arbitrários.
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UNIDADE 3 | CAPÍTULO 11
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Política, Poder e eStado
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nicolaU maQUiaVel
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pa Como diplomata, Nico- O príncipe se propunha a orientar líderes po-
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lau Maquiavel (1469-1527)
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líticos. Um líder deveria, por exemplo, ter seu
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representou sua cidade na-
to
ck próprio exército, em vez de confiar em merce-
tal, Florença, em reinos im- nários, que sempre fogem depois de receber
portantes da Europa. Ven- seu pagamento. Ele deveria, também, se infor-
do sua cidade de fora, mar sobre os costumes dos povos que habitam
Maquiavel percebeu que os territórios conquistados (apesar de seu terri-
Estátua de Maquiavel na ela estava em uma situa- tório pouco extenso, a Itália até hoje é marcada
Galleria degli Uffizi, em ção muito difícil. por grande diversidade cultural). O príncipe
Florença, Itália. Foto de 2010.
Naquela época, Esta- precisaria tomar todo cuidado com os nobres e
dos modernos já haviam se formado em lugares como poderosos que pudessem vir a se tornar seus ri-
França e Espanha, mas não na região que hoje corres- vais. E não deveria vacilar quando fosse neces-
ponde à Itália. Cidades como Florença eram autôno- sário cometer violências e crueldades contra
mas, e a Itália só se unificaria no século XIX. Diante seus inimigos.
dos poderosos exércitos espanhóis e franceses, essas Hoje não aceitaríamos muitas das orientações
cidades pareciam frágeis, o que se provou na derru- que Maquiavel deu em O príncipe, como sua de-
bada do governo de Florença após um conflito com a fesa do uso da crueldade em várias situações.
Espanha. O novo governo prendeu, torturou e exilou Mesmo assim, podemos aprender algo com elas:
Maquiavel. No exílio, ele escreveu O príncipe, sua obra o caráter violento da formação dos Estados na-
mais famosa. cionais modernos.
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autônomo: que se 3. oS contratUaliStaS: o QUe o eStado
governa por conta Pode FaZer?
própria. Uma cidade
autônoma, portanto, A origem do Estado, como vimos, está na guerra e na conquista. Maquiavel foi
não é comandada por o grande pensador da fundação dos Estados. Mas o Estado é uma forma de do-
outra cidade ou país. Ao minação, e, como vimos, a dominação precisa ser legítima, precisa convencer
mesmo tempo, no caso quem obedece de que é certo obedecer. Por isso, quando o Estado moderno foi
de Florença, ela apenas formado, vários pensadores tentaram resolver o seguinte problema: quando o Es-
governa a si mesma. tado é legítimo?
mercenário: soldado Durante esses debates, muitos dos conceitos atuais sobre liberdade, igual-
que serve a quem lhe dade e democracia foram formados. Vamos explorar agora três autores que
pagar, não importando a fundamentaram a existência e as atribuições do Estado e embasaram boa par-
nacionalidade ou causa. te das ideias políticas que vigoram atualmente. Eles são conhecidos como
contratualistas, pois viam o Estado como resultado de um contrato entre os
cidadãos que concordavam em obedecer a uma estrutura de poder com re-
gras próprias.
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