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Introdução
A gravidade dos problemas socioambientais presentes na contemporaneidade e seus
impactos cada vez mais perceptíveis, a exemplo de derramamentos de óleo no mar,
têm feito com que a formação de cidadãs(ãos) capazes de analisar criticamente e agir
no meio em que vivem se torne cada vez mais relevante e necessária. Essa necessi-
dade tem sido exaustivamente sustentada na literatura há décadas, especialmente no
que se refere ao ensino sobre as ciências. (CONRADO; EL-HANI, 2010; EL-HANI;
NUNES-NETO; ROCHA, 2020; TOMAS; RITCHIE; TONES, 2011)
Pensar no ensino sobre as ciências em uma perspectiva de formação crítica e
atuante diz respeito ao desenvolvimento de competências para a responsabilidade
social, que permitem distinguir a validade dos argumentos, tomar posições diante das
realidades sociais vivenciadas e ter um papel ativo nas decisões culturais e científicas.
(TORRES; SOLBES, 2018) Nesse sentido, é preciso pensar em um ensino que assuma
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Objetivos de aprendizagem
Nesta seção, por entendermos a educação como formação integral das(os) estudantes,
apresentamos os objetivos de aprendizagem considerando as dimensões conceitual,
procedimental e atitudinal dos conteúdos. Isto é, ao refletirmos sobre o que as(os)
estudantes deveriam aprender, levamos em consideração o que deveriam saber (con-
ceitos), o que deveriam saber fazer (procedimentos) e como deveriam ser (atitudes).
Derramamento de óleo e biomonitoramento em área costeira 131
Objetivos conceituais
• Entender os efeitos do óleo derramado no mar sobre ecossistemas costei-
ros e as possíveis consequências para a saúde humana, bem como outros
impactos na sociedade;
• Analisar a legislação ambiental brasileira para entender como o país está
posicionado em relação aos derramamentos de óleo;
• Compreender o processo de biomonitoramento e sua adequação (ou não)
para a avaliação do derramamento de óleo em áreas costeiras;
• Conhecer medidas utilizadas para a remediação do óleo derramado em
ambientes aquáticos;
• Entender as implicações éticas da pesquisa biológica e as relações entre
ciência, tecnologia, sociedade e ambiente;
• Reconhecer que a ciência e a tecnologia estão, por diversas vezes, voltadas
à busca de interesses particulares, e são justificadas por valores particulares;
• Analisar direitos, deveres e valores de atores sociais – estado, moradoras(es)
locais, pesquisadoras(es), sociedade etc. – envolvidos em uma problemática
de desastre ambiental, como o derramamento de óleo em áreas costeiras.
Objetivos procedimentais
• Elaborar hipóteses para as questões norteadoras do caso em análise;
• Realizar pesquisas para a compreensão das questões norteadoras de aná-
lise do caso proposto;
• Utilizar critérios para avaliar a confiabilidade das fontes de informação
utilizadas;
• Desenvolver e adotar estratégias para a resolução de questões controversas;
• Construir argumentos válidos para sustentar seu ponto de vista sobre o
caso estudado;
• Utilizar critérios para avaliar os argumentos construídos por colegas;
• Planejar e organizar a apresentação de conclusões para as(os) colegas e
a(o) professor(a);
• Escrever textos colaborativos para apresentar um posicionamento
apoiado em argumentos;
• Construir narrativa reflexiva sobre a experiência vivenciada na prática em
grupo para a análise da QSC.
Objetivos atitudinais
• Comportar-se de acordo com valores éticos e socioambientalmente res-
ponsáveis, respeitando saberes populares e o meio ambiente em que todos
os seres vivem;
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Outras(os) moradoras(es) da região também não demonstraram preocupação com uma possível intoxicação,
inclusive uma moradora disse que vai continuar comendo frutos do mar. Para ela, o maior problema é para
tomar banho de mar, pois sempre gruda um pedaço de óleo no corpo.
Na reunião, um representante da Secretaria da Saúde do Estado afirmou que não havia registros de casos de
atendimento nas unidades de saúde devido ao contato com a substância. Mesmo assim, alertou que o manuseio
sem luvas não era recomendado.
Nesse momento, um pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA) pediu a palavra e explicou:
—“A bioacumulação é um grande problema, especialmente em ambientes aquáticos. Quem se alimentar de
peixes e mariscos que ingeriram o óleo, corre sério risco de contaminação, desde uma reação alérgica até algo
mais grave, como envenenamento. O melhor é não pegar no óleo nem se alimentar de peixes e mariscos que
tiveram contato com a substância”.
O gerente de um dos hotéis de Conde, então, esbravejou:
—“Por conta das manchas de óleo muitas pessoas cancelaram suas reservas! O turismo da cidade já registra
prejuízo! No inverno quase não temos turistas, se não aproveitarmos o verão, o que será do setor? Espero que o
óleo seja retirado das praias o quanto antes!”
Mas o pesquisador da UFBA voltou a explicar:
—“Não basta somente retirar o óleo das praias, precisaremos fazer um biomonitoramento para avaliar a saúde
dos ecossistemas aquáticos locais e, consequentemente, examinar a qualidade de suas águas”.
No entanto, Carla, uma marisqueira de Siribinha, não gosta do que ouve e grita:
—“Quem é você? O que você entende do nosso sofrimento? Somos nós que estamos todos os dias lá na praia,
o dia todo tentando limpar o óleo!”
O pesquisador responde:
—“Sou pesquisador cadastrado no SisGen. Minha intenção é utilizar conhecimentos da ciência para ajudar a
pensar em como resolver o problema do derramamento de óleo”.
Mas Carla, muito irritada, contrapõe-se:
—“Eu não confio mais em vocês, nem nessa ciência! Toda hora vem um aí se dizendo pesquisador disso e
daquilo, levam os bichos, matam os bichos e, no final, nada muda pra gente. A gente já tem pouco peixe e
marisco, e vocês ainda levam para essa tal de pesquisa. De que isso serve para nós aqui da região?”
João pede a palavra:
—“Concordo com tudo que Carla disse. Tá certo matar bicho para esse tal de biomonitoramento? Bicho é pra
gente comer!”.
Fonte: elaborado pelas(os) autoras(es).
Questões norteadoras
Levando em consideração os objetivos de aprendizagem propostos, foram pen-
sadas questões norteadoras que possam dirigir as(os) estudantes para a natureza do
problema apresentado no caso, ajudando-as(os) na reflexão da QSC retratada e no
desenvolvimento do pensamento crítico e de ações sociopolíticas (CONRADO;
NUNES-NETO, 2018; HODSON, 2011):
Avaliação da aprendizagem
Avaliação é entendida, neste capítulo, como um processo de acompanhamento e
reflexão sobre o ensino e a aprendizagem, a fim de julgar se as ações propostas possibi-
litam ou possibilitaram o cumprimento dos objetivos planejados, orientando a tomada
de decisões para o aprimoramento das intenções educacionais.
A proposta de avaliação da aprendizagem aqui apresentada ancora-se na perspec-
tiva de formação integral, cujo objetivo é o desenvolvimento de todas as capacidades
do indivíduo, e não apenas as cognitivas. Por isso, as dimensões conceituais, procedi-
mentais e atitudinais do conteúdo serão igualmente consideradas.
Nesse sentido, as(os) estudantes podem ser avaliadas(os) de forma processual e
contínua, levando em consideração a participação nas atividades propostas, a disponi-
bilidade para trabalhar em grupos, as contribuições oferecidas para enriquecer as dis-
cussões – ideias, material de apoio, relato de experiências –, o compromisso e empenho
com a própria formação e outros critérios avaliativos, além do que compreendem con-
ceitualmente do trabalho realizado.
Atentando para a singularidade de cada estudante, que apresenta conhecimen-
tos construídos nas diversas experiências vivenciadas no ambiente sociocultural e
familiar, e que também é fruto de suas características pessoais, sugerimos, como pri-
meira fase avaliativa, que seja realizada uma avaliação inicial ou diagnóstica (COLL;
MARTÍN; ONRUBIA, 2004; ZABALA, 1998), realizada a partir do levantamento do
conhecimento prévio proposto como etapa do trabalho com a QSC.
Para isso, a(o) professor(a) precisa estar atenta(o) ao que as(os) estudantes sabem e
o que precisam saber sobre a temática apresentada, objetivando propor e mediar ativi-
dades de modo a ajudá-las(los) a aprender. Ademais, essa avaliação inicial constitui-se
como uma atividade de reflexão, com caráter metacognitivo, capaz de auxiliar as(os)
estudantes na tomada de consciência acerca de seus conhecimentos, valores e práticas.
Em adição ao momento inicial de levantamento do conhecimento prévio das(os)
estudantes, essa atenção à diversidade de saberes precisa ocorrer a cada início do tra-
balho com os blocos de questões norteadoras, quando elas(es) estão levantando hipó-
teses e definindo o que precisam estudar. Para isto, a(o) professor(a) pode circular
pelos grupos, ouvi-las(os) ou pedir que a(o) redator(a) relate as hipóteses que foram
levantadas e o que foi pensado para o estudo delas(es).
A avaliação requer o conhecimento, pelo(a) professor(a), de como as(os) estudan-
tes aprendem ao longo dos processos de ensino e aprendizagem, por isso, elas(es) pre-
cisam ser acompanhadas(os) e também precisam receber retorno sobre as atividades
realizadas, sugerindo-se que sejam refeitas, com novas ajudas da(o) professor(a), para
atender aos objetivos de aprendizagem propostos.
Para esta avaliação formativa, reguladora ou contínua (COLL; MARTÍN;
ONRUBIA, 2004; ZABALA, 1998), o(a) professor(a) pode acompanhar as dis-
cussões que estão sendo realizadas nos grupos para a análise do caso, observar
Derramamento de óleo e biomonitoramento em área costeira 139
Considerações finais
Neste capítulo, apresentamos uma proposta de ensino e aprendizagem baseada em
uma questão sociocientífica. Por meio dela é possível trabalhar diferentes dimensões
do conteúdo, em que o estudante possa construir conhecimentos acerca dos temas
abordados e desenvolver sua capacidade argumentativa.
O caso apresentado possui uma temática atual, relevante e conectada a proble-
máticas contemporâneas. Desta forma, o trabalho com esta QSC possibilita o estudo
de conceitos como coletividade, autonomia, direitos, deveres e ética, colocando as(os)
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