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Introdução
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Essa revolução estaria acontecendo principalmente nas sociedades urbanas capitalistas do pós-Segunda
Guerra e teria três dimensões: uma dimensão de gênero com a emancipação progressiva das mulheres, os
choques geracionais entre certa juventude urbana “rebelde” e os idosos que estariam cada vez mais ativos
em várias áreas da vida social e os problemas sociais (alcoolismo e até suicídio) do crescente ócio
produzido pela automação industrial.
problemáticas são ainda maiores, dizendo respeito as metodologias da história
intelectual, caracterizando suas abordagens, dita “contextualista”, ou “internalista”.
À vista disso, o Homem Moderno estaria imerso num mundo dominado pela
técnica que se convertera numa dimensão tão volátil, em uma revolução permanente em
suas inovações e avanços que, a sensibilidade moderna relevaria o hiato temporal entre
a vida (com ritmos mais lentos) e a ciência aplicada ao campo da economia capitalista
(com ritmos mais acelerados). No moderno, a dimensão da racionalidade técnica é mais
veloz que a capacidade de filtragem e compreensão por parte do homem. Como Freyre
sugeriu na citação supracitada, a condição humana não é de todo racional, havendo o
irracional e suas manifestações na vida humana socialmente compreendida e, portanto
historicamente localizada.
Foi em Além do apenas moderno que Gilberto Freyre lançou, talvez de forma
pioneira no Brasil, algumas questões em torno desse tempo histórico além do apenas
moderno ou “já” pós-moderno. Este mundo de “tempos pós-modernos”, segundo
Freyre, abriria espaço para estudos prospectivos de futurologia. Uma sociologia do
tempo a partir de um novo conceito de tempo: o tempo tríbio (FREYRE, 1973, p. xxi e
xxii). O tempo pós-moderno seria uma forma de tempo tríbio, em que passado, presente
e futuro formam um só tempo que envolve a vida social. Pois “O homem nunca está
apenas no presente, sem deixar de ser homem pleno ou integral. Se apenas se liga ao
passado, torna-se arcaico. Se apenas procura viver o futuro, torna-se utópico”
(FREYRE, 1973, p. xxvii). O homem é passado, presente e futuro em suas diferentes
formas de interconexão.
O século XX e suas duas grandes guerras mundiais, as movimentações culturais
e políticas que ocorreram a partir da década de 1960, as transformações no interior da
economia capitalista, sobretudo, a automação da produção industrial e as mudanças em
curso nas relações entre as gerações (jovens e idosos) e de gênero (homem e mulher),
teriam produzido abalos na modernidade. “O moderno apenas moderno é efêmero e mal
se define como moderno e já está sendo superado por um tempo mais-que-moderno”
(FREYRE, 1973, p. 20). O efêmero moderno seria um tempo atravessado pela
racionalidade, pela busca da otimização da produção de riqueza, por certo
“empreendedorismo de si” na forma de uma espécie de “taylorização da vida humana”
presente nos grandes centros urbanos.
O moderno foi definido por Freyre como tendo duas dimensões que lhe seriam
próprias e o dotariam de especificidade: haveria o tempo-dinheiro (capitalista) e o
tempo-trabalho (comunista):
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Seria um homem que em vez de condicionar o futuro, seria o condicionado por ele, numa inversão
curiosa, retirada de um futurólogo Roderick Seidenberg no livro Post-historic Man: Inquiry (University
od North Carolina Press, 1950). Entretanto, Freyre alertou que: “O Homem absolutamente pós-histórico
da concepção de Seidenberg talvez seja válido como como ficção científica; não se apresenta válido como
futurologia sociológica que alcance o futuro do Homem em termos de história humana” (FREYRE, 1973,
p. 6).
tradicionalistas, referindo-se, entre outras coisas, a um repúdio do moderno e nostalgia
pelo pré-moderno [...] (BURKE; PALLARES-BURKE, 2009, p. 273). As duas
modalidades de tempo, uma “mecânica” que seria moderna, e a outra “ibérica”, que já
seria pós-moderna estariam em contraste. O “pós” do tempo ibérico seria mais flexível e
mais natural, entretanto, mais tradicionalista e conservador diante das transformações
sociais que o moderno produziu.
O “tempo tríbio”
Para Gilberto Freyre “[...] não há arte sem vivência; não há futuro sem presente;
não há presente sem passado. O tempo que o homem vive é, afinal, um só, sendo assim
tríbio, [...]” (FREYRE, 1973, p. 19). Essa reflexão se opõe diretamente a divisão entre
as temporalidades que é um ponto fundamental não só para o trabalho do historiador,
bem como para a maior parte das sociedades ocidentais – em que pesem as
comunidades em África e Ásia, por exemplo, para quem passado e presente não estão
rigidamente separados, assim como o mundo dos mortos e dos ancestrais não está longe
do mundo dos vivos – que é a ideia do passado como algo que já foi, o presente como
algo que está sendo e o futuro como algo que será, em que a historiografia seria o relato
do que já foi, do passado.
Essa divisão entre passado, presente e futuro, nessa ordem, parece ser um dado
quase natural. Apesar de certo consenso entre os historiadores, de que o passado
sobrevive no presente, que restos (resíduos, um termo bastante utilizado na Química) de
passado permanecem no presente, ainda assim, o passado está fora do presente. O
futuro, nem mesmo suas imagens e narrativas que no passado foram elaboradas, nem de
longe costuma aparecer muito na historiografia (BARROS, 2014). O conceito de tempo
tríbio anularia essa clássica divisão. As temporalidades se cruzariam permanentemente,
formando uma só, um tempo tríbio que envolve o homem:
Considerações finais
Referências
BARROS, José D´Assunção. O tempo dos historiadores. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
BURKE, Peter; PALLARES-BURKE, Maria Lúcia. Repensando os Trópicos: um
retrato intelectual de Gilberto Freyre. São Paulo: Editora da UNESP, 2009.
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do homem, em geral, e do homem brasileiro, em particular. Rio de Janeiro: Livraria
José Olympio Editora, 1973.
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Tradução de Andréa S. de Menezes, Bruna Beffart, Camila R. Moraes, Maria Cristina
de A. Silva e Maria Helena Martins. Belo horizonte: Autêntica, 2014.
JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São
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KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos
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LYOTARD, Jean-François. La condition post-moderne. Paris: Minuit, 1979.
NICOLAZZI, Fernando. Um estilo de história: a viagem, a memória, o ensaio. Sobre
Casa-grande & senzala e a representação do passado. 2008. Tese (Doutorado em
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Companhia das Letras, 2004.