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CANTO 1
Maṅgalācāraṇa
oṁ ajñāna-timirāndhasya
jñānāñjana-śalākayā
cakṣur unmīlitaṁ yena
tasmai śrī-gurave namaḥ
Nasci na mais escura ignorância, e meu mestre espiritual abriu meus olhos
com o archote do conhecimento. Ofereço-lhe minhas respeitosas reverências.
nārāyaṇaṁ namaskṛtya
naraṁ caiva narottamam
devīṁ sarasvatīṁ vyāsaṁ
tato jayam udīrayet
naṣṭa-prāyeṣv abhadreṣu
nityaṁ bhāgavata-sevayā
bhagavaty uttama-śloke
bhaktir bhavati naiṣṭhikī
Śrī Vyāsadeva disse: Tudo o que disseste sobre mim está perfeitamente
correto. Apesar de tudo, não estou tranquilo. Pergunto-te, portanto, sobre a
causa fundamental de minha insatisfação, visto que és homem de
conhecimento ilimitado, já que foste gerado daquele (Brahmā) que é autógeno
(sem pai nem mãe mundanos). Meu senhor! Todos os mistérios te são
conhecidos, por que adoras o criador e destruidor do mundo material e o
mantenedor do mundo espiritual, a original Personalidade de Deus, que é
transcendental aos três modos da natureza material.
Assim como o sol, Vossa Excelência pode viajar por todas as partes dos
três mundos, e, assim como o ar, podes penetrar no interior de todos. Desse
modo, és como a Superalma onipenetrante. Por favor, descobre, portanto, a
deficiência que há em mim, apesar de eu estar absorto na transcendência sob
votos e regulações disciplinares.
Śrī Nārada disse: Ó Muni, no milênio passado nasci como o filho de certa
criada que se dedicara ao serviço de brāhmaṇas que seguiam os princípios do
Vedānta. Quando viviam juntos, durante os quatro meses da estação das
chuvas, ocupei-me em seu serviço pessoal. Embora fossem imparciais por
natureza, aqueles seguidores do Vedānta abençoaram-me com sua
misericórdia sem causa. Quanto a mim, eu era autocontrolado e não tinha
apego a brincadeiras, muito embora fosse um menino. Além disso, eu não era
travesso e não falava mais que o necessário.
O Veneno e o Remédio
A Aflição de Arjuna
Sūta Gosvāmī disse: Arjuna, o célebre amigo do Senhor Kṛṣṇa, estava
ferido de pesar por causa de seu forte sentimento de separação de Kṛṣṇa, além
de todas as perguntas especulativas de Mahārāja Yudhiṣṭhira. Devido ao
pesar, a boca de Arjuna e seu coração semelhante ao lótus secaram. Portanto,
seu corpo perdeu todo o brilho. Agora, relembrando o Senhor Supremo, ele mal
podia proferir uma palavra em resposta. Relembrando o Senhor Kṛṣṇa e Seus
bons votos, benefícios, relações familiares íntimas e Seu dirigir de quadriga,
Arjuna, constrangido e respirando pesadamente, começou a falar.
Arjuna disse: Ó rei! A Suprema Personalidade de Deus, Hari, que me
tratou exatamente como um amigo íntimo, deixou-me sozinho. Desse modo,
meu poder surpreendente, que pasmava até mesmo os semideuses, já não
está comigo. Eu acabo de perdê-lO, cuja separação por um momento faria
todos os universos desfavoráveis e vazios, como corpos sem vida.
Unicamente por Sua força misericordiosa fui capaz de derrotar todos os
príncipes luxuriosos reunidos no palácio do rei Drupada para a escolha do
noivo. Com meu arco e flecha pude trespassar o peixe que servia como alvo, e
desse modo obter a mão de Draupadī. Porque Ele estava perto de mim, foi-me
possível conquistar, com grande habilidade, o poderoso rei do céu, Indradeva,
juntamente com seus associados semideuses, e desse modo capacitar o deus
do fogo a devastar a Floresta Khāṇḍava. E Somente por Sua graça o demônio
chamado Maya foi salvo do incêndio da Floresta Khāṇḍava, e assim pudemos
construir nossa casa de assembleia de maravilhosa manufatura arquitetural,
onde todos os príncipes se reuniram durante a execução do Rājasūya-yajña e
pagaram-te tributos.
Teu respeitável irmão mais novo, que possui a força de dez mil elefantes,
matou, por Sua graça, Jarāsandha, cujos pés eram adorados por muitos reis.
Esses reis tinham sido trazidos para sacrifício no Mahābhairava-yajña de
Jarāsandha, mas então foram libertados. Mais tarde eles pagaram tributo a
Vossa Majestade.
Foi unicamente Ele quem soltou o cabelo de todas as esposas dos
canalhas que ousaram soltar o cacho de cabelo de tua rainha, que tinha sido
belamente adornado e santificado para a grande cerimônia do sacrifício
Rājasūya. Naquele momento ela caiu aos pés do Senhor Kṛṣṇa, com lágrimas
nos olhos.
As lembranças e os sentimentos de separação de Arjuna
Durante nosso exílio, Durvāsā Muni, que come com seus dez mil
discípulos, fez uma intriga junto a nossos inimigos para colocar-nos em
perigoso apuro. Naquele momento, Ele, o Senhor Kṛṣṇa, salvou-nos
simplesmente por aceitar as sobras de comida. Por Ele ter aceitado comida
desta maneira, a assembleia de munis, enquanto se banhava no rio, sentiu-se
suntuosamente alimentada. E todos os três mundos também ficaram
satisfeitos.
Foi unicamente devido à Sua influência que, numa luta, fui capaz de
deixar atônito o Senhor Śiva e sua esposa, a filha do Monte Himalaia. Então ele
(Senhor Śiva) ficou satisfeito comigo e concedeu-me sua própria arma. Outros
semideuses também me entregaram suas respectivas armas, e, além disso, fui
capaz de alcançar os planetas celestiais neste corpo atual e recebi um assento
semi-elevado.
Quando permaneci por alguns dias como hóspede nos planetas celestiais,
todos os semideuses celestiais, inclusive o rei Indradeva, refugiaram-se em
meus braços, que estavam marcados com o arco Gāṇḍīva, para matar o
demônio chamado Nivātakavaca. Ó rei, descendente de Ajamidha, no presente
momento estou privado da Suprema Personalidade de Deus, por cuja
influência eu era tão poderoso.
Foi unicamente Ele quem retirou a duração de vida de todos e que, no
campo de batalha, retirou o poder especulativo e a força de entusiasmo da
grande falange militar feita pelos Kauravas, encabeçados por Bhīṣma, Karṇa,
Droṇa, Śalya, etc. O arranjo deles era hábil e mais que adequado, mas Ele (o
Senhor Śrī Kṛṣṇa) desfez tudo isso enquanto avançava.
Grandes generais como Bhīṣma, Droṇa, Karṇa, Bhūriśravā, Suśarmā,
Śalya, Jayadratha e Bāhlika, todos apontaram suas armas invencíveis contra
mim. Mas por Sua (do Senhor Kṛṣṇa) graça eles nem mesmo puderam tocar
um fio de meu cabelo. De modo semelhante, Prahlāda Mahārāja, o devoto
supremo do Senhor Nṛsiṁhadeva, não foi afetado pelas armas que os
demônios usaram contra ele.
Foi unicamente por Sua misericórdia que meus inimigos descuidaram-se
de matar-me quando desci de minha quadriga a fim de conseguir água para
meus cavalos sedentos. E foi apenas devido à minha falta de estima por meu
Senhor que ousei ocupá-lO como meu quadrigário, pois os melhores homens O
adoram e O servem para alcançarem a salvação.
Arjuna continuou: Ó rei! As brincadeiras e conversas francas dEle eram
agradáveis e belamente decoradas com sorrisos. Sua maneira de tratar-me
como “ó filho de Pṛthā, ó amigo, ó filho da dinastia Kuru”, e todas essas
cordialidades agora me vêm à lembrança, e desse modo estou oprimido.
Geralmente nós dois costumávamos viver juntos e dormir, sentar e caminhar
juntos. E no momento de se dar a conhecer pelos atos de cavalheirismo, às
vezes, se havia alguma irregularidade, eu costumava censurá-lO, dizendo:
“Meu amigo, Tu és muito veraz”. Mesmo nessas horas em que Seu valor era
minimizado, Ele, sendo a Alma Suprema, costumava tolerar todos aqueles
meus pronunciamentos, perdoando-me exatamente como um verdadeiro amigo
perdoa a seu verdadeiro amigo, ou um pai perdoa a seu filho.
Ó imperador, agora estou separado de meu amigo e mais querido
benquerente, a Suprema Personalidade de Deus, e por isso meu coração
parece estar vazio de tudo. Em Sua ausência fui derrotado por um grupo de
vaqueiros infiéis, enquanto protegia os corpos de todas as esposas de Kṛṣṇa.
Tenho o mesmo arco Gāṇḍīva, as mesmas flechas, a mesma quadriga puxada
pelos mesmos cavalos, e os uso sendo eu o mesmo Arjuna a quem todos os
reis ofereciam seus devidos respeitos. Porém, na ausência do Senhor Kṛṣṇa,
todos eles, de um momento para o outro, tornaram-se inúteis e vazios. Isso é
exatamente como oferecer manteiga clarificada sobre cinzas, acumular
dinheiro com uma varinha mágica ou plantar sementes em terra árida.
Ó rei, uma vez que me perguntaste sobre nossos amigos e parentes na
cidade de Dvārakā, devo informar-te que todos eles foram amaldiçoados pelos
brāhmaṇas, e como resultado todos eles se embriagaram com vinho feito de
arroz fermentado e lutaram entre si com varas, nem mesmo se reconhecendo
uns aos outros. Agora, com exceção de quatro ou cinco, todos estão mortos e
ausentes deste mundo. De fato, tudo isso se deve à vontade suprema do
Senhor, a Personalidade de Deus. Algumas vezes as pessoas matam-se umas
às outras, e outras vezes elas protegem-se umas às outras.
Ó rei, assim como no oceano os seres aquáticos maiores e mais fortes
engolem os menores e mais fracos, do mesmo modo a Suprema Personalidade
de Deus, para tornar mais leve a carga da Terra, também ocupou o Yadu mais
forte em matar o mais fraco, e o Yadu maior em matar o menor. Sinto-me
atraído agora por aquelas instruções transmitidas a mim pela Personalidade de
Deus (Govinda) porque elas estão impregnadas com instruções para aliviar o
coração ardente em todas as circunstâncias de tempo e espaço.
A Mente de Arjuna se Apazigua
Sūta Gosvāmī disse: Estando assim profundamente absorta em pensar
nas instruções do Senhor, que foram transmitidas na grande intimidade da
amizade, e em pensar em Seus pés de lótus, a mente de Arjuna apaziguou-se
e livrou-se de toda a contaminação material.
A lembrança constante dos pés de lótus do Senhor Śrī Kṛṣṇa por parte de
Arjuna rapidamente aumentou sua devoção, e como resultado toda a escória
em seus pensamentos amainou-se. Por causa dos passatempos e atividades
do Senhor e devido a Sua ausência, parecia que Arjuna esquecera as
instruções deixadas pela Personalidade de Deus. Mas, de fato, esse não era o
caso, e novamente ele tornou-se senhor de seus sentidos.
Porque ele possuía cabedal espiritual, as dúvidas da dualidade foram
completamente cortadas. Assim, ele se livrou dos três modos da natureza
material e situou-se em transcendência. Não havia mais nenhuma possibilidade
de ele se enredar em nascimentos e mortes, pois estava livre da forma
material.
Mahārāja Yudhiṣṭhira se Aparta dos Assuntos Materiais
Sūta Gosvāmī continuou: Ao ouvir sobre o regresso do Senhor Kṛṣṇa a
Sua morada, e ao entender que se findara a manifestação terrestre da dinastia
Yadu, Mahārāja Yudhiṣṭhira decidiu voltar ao lar, voltar ao Supremo. Kuntī,
após ouvir exaustivamente Arjuna falando do fim da dinastia Yadu e do
desaparecimento do Senhor Kṛṣṇa, ocupou-se no serviço devocional à
transcendental Personalidade de Deus com plena atenção e assim libertou-se
do curso da existência material.
O supremo não-nascido, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, fez com que os membros da
dinastia Yadu abandonassem seus corpos, e assim Ele aliviou a carga do
mundo. Essa ação foi como retirar um espinho com outro espinho, embora
ambos sejam a mesma coisa para o controlador. O Senhor Supremo
abandonou o corpo que manifestara para diminuir a carga da Terra. Assim
como um mágico, Ele abandona um corpo para aceitar outros diferentes, tais
como a encarnação como peixe e outras.
Quando a Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa, deixou este planeta
Terra com Sua própria forma, desde aquele mesmo dia, Kali, que já havia
aparecido parcialmente, manifestou-se plenamente para criar condições
inauspiciosas para aqueles que são dotados de pobre fundo de conhecimento.
Mahārāja Yudhiṣṭhira foi inteligente o bastante para entender a influência
da era de Kali, caracterizada pelo aumento da avareza, falsidade, fraude e
violência em toda a capital, no estado, no lar e entre indivíduos. Assim,
sabidamente, ele preparou-se para deixar o lar e vestiu-se de acordo. Depois
disso, na capital de Hastināpura, ele entronou seu neto, que era treinado e
igualmente qualificado, como o imperador e senhor de toda a terra cercada
pelos mares. Então ele empossou Vajra, o filho de Aniruddha (neto do Senhor
Kṛṣṇa), em Mathurā, como o rei de Śūrasena. Depois disso Mahārāja
Yudhiṣṭhira executou um sacrifício Prājāpatya e colocou o fogo em si mesmo
para abandonar a vida familiar.
Mahārāja Yudhiṣṭhira abandonou de imediato todas suas roupas, cinturão
e ornamentos da ordem real e tornou-se completamente desinteressado e
desapegado de tudo. Então ele amalgamou todos os órgãos dos sentidos com
a mente, depois a mente com a vida, a vida com a respiração, sua existência
total com a corporificação dos cinco elementos e seu corpo com a morte.
Então, como eu puro, libertou-se da concepção material da vida.
A renúncia de Mahārāja Yudhiṣṭhira
Assim, aniquilando o corpo grosseiro de cinco elementos com os três
qualitativos da natureza material, ele fundiu-os em uma só nescidade e então
amalgamou essa nescidade no eu, o Brahman, que é inesgotável em todas as
circunstâncias. Depois disso, Mahārāja Yudhiṣṭhira vestiu-se de farrapos,
deixou de comer qualquer alimento sólido, tornou-se voluntariamente mudo e
deixou seu cabelo solto. A combinação disso tudo fê-lo semelhante a um
maltrapilho ou louco sem nenhuma ocupação. Ele não dependia de seus
irmãos para nada. E, assim como um homem surdo, ele não ouvia nada. Então
ele partiu em direção ao norte, trilhando o caminho aceito por seus
antepassados e grandes homens, para dedicar-se completamente a pensar na
Suprema Personalidade de Deus. E ele vivia assim para onde quer que fosse.
Os Filhos de Pāṇḍu e Suas Esposas Alcançam a Meta Última
Sūta Gosvāmī disse: Os irmãos mais novos de Mahārāja Yudhiṣṭhira
observaram que a era de Kali já havia chagado em todo o mundo e que os
cidadãos do reino já estavam afetados pela prática irreligiosa. Portanto, eles
decidiram seguir os passos de seu irmão mais velho.
Assim, através da consciência pura, devida à constante lembrança
devocional, eles alcançaram o céu espiritual, que é governado pelo Nārāyaṇa
Supremo, o Senhor Kṛṣṇa. Isso alcançam somente aqueles que meditam no
único Senhor Supremo, sem desvios. Essa morada do Senhor Śrī Kṛṣṇa,
conhecida como Goloka Vṛndāvana, não pode ser atingida pelas pessoas que
estão absortas na concepção material da vida. Mas os Pāṇḍavas, estando
completamente limpos de toda a contaminação material, alcançaram aquela
morada em seus mesmíssimos corpos.
Enquanto peregrinava, Vidura abandonou seu corpo em Prabhāsa.
Porque estava absorto em pensar no Senhor Kṛṣṇa, ele foi recebido pelos
cidadãos do planeta Pitṛloka, onde retornou a seu posto original.
Draupadī também viu que seus esposos, sem ligar para ela, estavam
deixando o lar. Ela conhecia bem o Senhor Vāsudeva, Kṛṣṇa, a Personalidade
de Deus. Tanto ela quanto Subhadrā absorveram-se em pensar em Kṛṣṇa e
alcançaram os mesmos resultados que seus esposos.
O assunto da partida dos filhos de Pāṇḍu para a meta última da vida, de
volta ao Supremo, é completamente auspicioso e perfeitamente puro. Portanto,
qualquer pessoa que ouça essa narração com fé devocional obtém certamente
o serviço devocional ao Senhor, a perfeição máxima da vida.
Capítulo 16
Como Parīkṣit Recebeu a Era de Kali