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Os Principais Versos do

CANTO 1
Maṅgalācāraṇa

oṁ ajñāna-timirāndhasya
jñānāñjana-śalākayā
cakṣur unmīlitaṁ yena
tasmai śrī-gurave namaḥ

Nasci na mais escura ignorância, e meu mestre espiritual abriu meus olhos
com o archote do conhecimento. Ofereço-lhe minhas respeitosas reverências.

nama oṁ viṣṇu-pādāya gaura-preṣṭhāya bhū-tale


śrīmate bhaktivedānta-purī gosvāmin iti nāmine

Ofereço minhas respeitosas reverências a Śrīla Bhaktivedānta Purī Gosvāmi


Mahārāja, que é muito querido pelo Senhor Gauranga, pois tem tomado refúgio
em Seus divinos pés de lótus.

nārāyaṇaṁ namaskṛtya
naraṁ caiva narottamam
devīṁ sarasvatīṁ vyāsaṁ
tato jayam udīrayet

Antes de recitar o Śrīmad Bhāgavatam, que é o verdadeiro meio de conquista,


deve-se oferecer respeitosas reverências a Nārāyaṇa, a Personalidade de
Deus; a Nara-Nārāyaṇa Ṛṣi, o ser humano supremo; a mãe Sarasvatī, a deusa
sabedoria; e a Śrīla Vyāsadeva, o autor. (SB 1.2.4)

naṣṭa-prāyeṣv abhadreṣu
nityaṁ bhāgavata-sevayā
bhagavaty uttama-śloke
bhaktir bhavati naiṣṭhikī

Assistindo regularmente as aulas sobre o Śrīmad Bhāgavatam e prestando


serviço ao devoto puro, tudo o que é molesto ao coração é quase que
completamente destruído, e o serviço amoroso à Suprema Personalidade de
Deus, ao qual se louva com canções transcendentais, se estabelece como um
fato irrevogável. (SB 1.2.18)

oṁ namo bhagavate vāsudevāya


oṁ namo bhagavate vāsudevāya
oṁ namo bhagavate vāsudevāya
Capítulo 1
Perguntas dos Sábios
Mantra Gāyatrī
Ó meu Senhor! Śrī Kṛṣṇa, filho de Vasudeva! Ó onipenetrante
Personalidade de Deus! Ofereço-Vos minhas respeitosas reverências. Medito
no Senhor Śrī Kṛṣṇa porque Ele é a Verdade Absoluta e a causa primordial de
todas as causas da criação, sustentação e destruição dos universos
manifestados. Ele é direta e indiretamente consciente de todas as
manifestações e é independente, porque não há outra causa além dEle. Foi Ele
apenas que primeiramente transmitiu o conhecimento védico ao coração de
Brahmājī, o ser vivo original. Mesmo grandes sábios e semideuses são por Ele
colocados em ilusão, assim como uma pessoa é confundida pelas
representações ilusórias da água vista no fogo, ou da terra vista na água. Por
Sua causa apenas os universos materiais, temporariamente manifestados
através das reações dos três modos da natureza, parecem reais, embora
sejam irreais. Portanto medito nEle, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, que é eternamente
existente na morada transcendental, a qual é sempre livre das representações
ilusórias do mundo material. Eu medito nEle, pois ele é a Verdade Absoluta.
O Fruto Maduro da Árvore dos Desejos
Rejeitando completamente todas atividades religiosas materialmente
motivadas, este Bhāgavata Purāṇa propõe a verdade mais elevada, que é
compreensível para aqueles devotos que são totalmente puros de coração. A
verdade mais elevada é a realidade que se distingue da ilusão, para o bem-
estar de todos. Tal verdade desarraiga as três espécies de misérias. Este belo
Bhāgavatam, compilado pelo grande sábio Vyāsadeva (em sua maturidade), é
por si só suficiente para a compreensão de Deus. Qual a necessidade de
qualquer outra escritura? Tão logo alguém ouça atenta e submissamente a
mensagem do Bhāgavatam, mediante tal cultivo de conhecimento o Senhor
Supremo Se estabelece dentro de seu coração.
Ó homens hábeis e pensativos, saboreai o Śrīmad-Bhāgavatam, o fruto
maduro da árvore dos desejos da literatura védica. Ele emanou dos lábios de
Śrī Śukadeva Gosvāmī. Portanto, este fruto tornou-se ainda mais saboroso,
embora seu sumo nectáreo já fosse saboreável por todos, inclusive as almas
liberadas.
A Assembleia dos Sábios em Naimiṣāraṇya
Certa vez, em um local sagrado na floresta de Naimiṣāraṇya, grandes
sábios, encabeçados pelo sábio Śaunaka, reuniram-se para executar um
grande sacrifício de mil anos para a satisfação do Senhor e Seus devotos. Um
dia, após terminar seus deveres matinais, acendendo um fogo sacrificial e
oferecendo um assento de honra a Śrīla Sūta Gosvāmī, os grandes sábios,
com grande respeito, fizeram perguntas sobre os seguintes assuntos.
As Indagações a Sūta Gosvāmī
Os sábios disseram: Respeitável Sūta Gosvāmī, tu és completamente
livre de vícios. És bem versado em todas as escrituras famosas, como
mantenedoras da vida religiosa, e nos Purāṇas e nas histórias também, pois as
examinaste sob orientação apropriada, e também as explicaste. Por seres o
mais velho dos eruditos vedāntistas, ó Sūta Gosvāmī, estás familiarizado com o
conhecimento de Vyāsadeva, que é a encarnação de Deus, e também
conheces outros sábios que são totalmente versados em todos os tipos de
conhecimento físico e metafísico. E porque és submisso, teus mestres
espirituais dotaram-te de todos os favores concedidos a um discípulo manso.
Portanto, podes nos dizer tudo o que aprendeste cientificamente com
eles. Logo, como te abençoaram com muitos anos de vida, explica-nos, por
favor, de maneira facilmente compreensível, o que verificaste ser o bem último
e absoluto para as pessoas em geral. Ó sábio, nesta férrea era de Kali os
homens têm vida curta. Eles são briguentos, preguiçosos, desorientados,
azarentos e, acima de tudo, sempre perturbados.
Há muitas variedades de escrituras, e em todas elas há muitos deveres
prescritos, que podem ser aprendidos somente após muitos anos de estudo de
suas várias divisões. Portanto, ó sábio, seleciona, por favor, a essência de
todas estas escrituras e explica-as para o bem de todos os seres vivos, para
que, através de tais instruções, seus corações se satisfaçam plenamente.
Ó Sūta Gosvāmī, estamos ávidos por aprender sobre a Personalidade de
Deus e Suas encarnações. Por favor, explica-nos os ensinamentos
transmitidos pelos mestres (ācāryas) anteriores, pois nos elevamos tanto por
falá-los quanto por ouvi-los. Os seres vivos, emaranhados nas complicadas
redes de nascimento e morte, podem libertar-se de imediato, cantando, mesmo
inconscientemente, o santo nome de Kṛṣṇa, que é temido pelo medo
personificado.
Ó Sūta, os grandes sábios que se abrigaram completamente aos pés de
lótus do Senhor podem de imediato santificar aqueles que entram em contato
com eles, ao passo que as águas do Ganges só podem santificar após uso
prolongado.
Nunca nos cansamos de ouvir os passatempos transcendentais da
Personalidade de Deus, que é glorificado por hinos e orações. Aqueles que
desenvolveram um gosto pelas relações transcendentais com Ele gostam de
ouvir a cada momento sobre Seus passatempos. O Senhor Śrī Kṛṣṇa, a
Personalidade de Deus, e Balarāma atuaram como seres humanos, e, assim
disfarçados, executaram muitos atos sobre-humanos.
Sabendo que a era de Kali já começou, estamos aqui reunidos neste local
sagrado para ouvir longamente a mensagem transcendental do Supremo e
dessa maneira executar sacrifícios. Uma vez que Śrī Kṛṣṇa, a Verdade
Absoluta, o Senhor de todos os poderes místicos, partiu para Sua própria
morada, dize-nos, por favor, quem ficou encarregado de zelar pelos princípios
religiosos.
Capítulo 2
Divindade e Serviço Divino
Sūta Gosvāmī Oferece Reverências
Ugraśravā (Sūta Gosvāmī), o filho de Romaharṣaṇa, estando totalmente
satisfeito com as perguntas perfeitas dos brāhmaṇas, agradeceu-lhes e então
tentou responder.
Śrīla Sūta Gosvāmī disse: Deixai-me oferecer minhas respeitosas
reverências ao grande sábio (Śukadeva Gosvāmī) que pode penetrar os
corações de todos. Quando ele partiu para dedicar-se à ordem de vida
renunciada (sannyāsa), deixando o lar sem se submeter à reforma pelo cordão
sagrado, ou as cerimônias observadas pelas castas superiores, seu pai,
Vyāsadeva, assustado com a separação dele, exclamou: “Ó meu filho!”. Na
verdade, apenas as árvores, que estavam absortas nos mesmos sentimentos
de separação, ecoaram em resposta ao pai aflito.
Antes de recitar este Śrīmad-Bhāgavatam, que é o verdadeiro meio de
conquista, deve-se oferecer respeitosas reverências à Personalidade de Deus,
Nārāyaṇa, a Nara-nārāyaṇa Ṛṣi – o ser humano supremo – à Mãe Sarasvatī –
a deusa da sabedoria – e a Śrīla Vyāsadeva, o autor.
O Dharma Supremo
Sūta Gosvāmī continuou: A suprema ocupação (dharma) para toda
humanidade é aquela pela qual os homens possam atingir o serviço devocional
amoroso ao Senhor transcendental. Este serviço devocional tem que ser
desinteressado e ininterrupto para satisfazer o eu completamente. Aquele que
presta serviço devocional à Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, imediatamente
adquire conhecimento sem causa e desapego do mundo. As atividades
ocupacionais executadas por um homem de acordo com sua própria posição
não passam de esforços inúteis se não provocam atração pela mensagem da
Personalidade de Deus.
Todos os deveres ocupacionais destinam-se certamente à liberação
última. Nunca devem ser executados em troca de ganho material. Além disso,
segundo os sábios, alguém que esteja engajado no serviço ocupacional último
não deve de forma alguma usar o ganho material para cultivar gozo dos
sentidos. Os desejos da vida nunca devem estar voltados para o gozo dos
sentidos. Deve-se desejar somente uma vida saudável, ou auto-preservação,
uma vez que o objetivo do ser humano é indagar acerca da Verdade Absoluta.
Nenhuma outra coisa deve ser a meta de nossos trabalhos.
Transcendentalistas eruditos que conhecem a Verdade Absoluta chamam
esta substância não-dual de Brahman, Paramātmā ou Bhagavān. O estudante
ou sábio seriamente inquisitivo, bem equipado de conhecimento e desapego,
compreende esta Verdade Absoluta prestando serviço devocional, de acordo
com o que ouviu do Vedānta-śruti.
Ó melhor entre os duas-vezes-nascidos! Conclui-se, portanto, que a
máxima perfeição que se pode alcançar através do cumprimento dos deveres
prescritos para nossa própria ocupação, de acordo com as divisões de castas e
ordens de vida, é satisfazer a Personalidade de Deus. Logo, com incansável
atenção, deve-se constantemente ouvir sobre a Personalidade de Deus,
glorificá-lO, lembrar-se dEle e adorá-lO, sendo Ele o protetor dos devotos.
Empunhando suas espadas, os homens inteligentes cortam os nós
apertados do trabalho reacionário (karma), lembrando-se da Personalidade de
Deus. Quem, portanto, não dará ouvidos à Sua mensagem?
Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, que é o Paramātmā (Superalma) no
coração de todos e o benfeitor do devoto veraz, purifica do desejo de gozo
material o coração do devoto que desenvolve o desejo ardente de ouvir Suas
mensagens, que são por si mesmas virtuosas quando adequadamente ouvidas
e cantadas. Assistindo regularmente às aulas sobre o Bhāgavatam e prestando
serviço ao devoto puro, tudo que é molesto ao coração é quase que
completamente destruído, e o serviço amoroso à Personalidade de Deus, ao
qual se louva com canções transcendentais, se estabelece como um fato
irrevogável.
Tão logo o irrevogável serviço amoroso seja estabelecido no coração, os
efeitos dos modos naturais de paixão e ignorância, tais como luxúria, desejo e
ânsia, desaparecem do coração. Então o devoto se estabelece na bondade e
torna-se completamente feliz. Assim estabelecido no modo da bondade pura, o
homem cuja mente tem sido vivificada pelo contato com o serviço devocional
ao Senhor obtém conhecimento científico e positivo da Personalidade de Deus,
no estágio em que se liberta de todo contato com a matéria. Assim, rompe-se o
nó do coração, e todas as apreensões são cortadas em pedaços. A corrente de
ações fruitivas termina quando se vê a predominância do eu.
Certamente, portanto, desde tempos imemoriais, todos os
transcendentalistas têm prestado serviço devocional ao Senhor Kṛṣṇa, a
Personalidade de Deus, com grande deleite, porque tal serviço devocional é
vivificante para o eu.
O Senhor Viṣṇu e o Modo da Bondade
Sūta Gosvāmī disse: A transcendental Personalidade de Deus está
indiretamente associada aos três modos da natureza material, a saber, paixão,
bondade e ignorância, e, apenas para a criação, manutenção e destruição do
mundo material, Ele aceita as três formas qualitativas de Brahmā, Viṣṇu e Śiva.
Dessas três, todos os seres humanos podem receber o benefício último de
Viṣṇu, a forma da qualidade da bondade.
A lenha vem de uma transformação da terra, mas a fumaça é melhor que
a madeira bruta. E o fogo é ainda melhor, pois através do fogo podemos obter
os benefícios de conhecimento superior (através de sacrifícios védicos).
Analogamente, a paixão (rajas) é melhor que a ignorância (tamas), mas a
bondade (sattva) é melhor ainda, porque pela bondade pode-se compreender a
Verdade Absoluta.
Aqueles que são sérios em querer a liberação com certeza não são
invejosos e respeitam a todos. Todavia, eles rejeitam as horríveis e
assombrosas formas dos semideuses e adoram apenas as formas plenamente
bem-aventuradas do Senhor Viṣṇu e Suas porções plenárias. Aqueles que
estão nos modos da paixão e da ignorância adoram os antepassados, outros
seres vivos e os semideuses encarregados das atividades cósmicas, pois são
motivados por um desejo de serem materialmente beneficiados com mulheres,
riquezas, poder e progênie.
Nas escrituras reveladas, o objetivo último de conhecimento é Śrī Kṛṣṇa,
a Personalidade de Deus. O propósito de executar sacrifícios é comprazê-lO.
Yoga é para compreendê-lO. Todas as atividades fruitivas são em última
análise recompensadas unicamente por Ele. Ele é o conhecimento supremo, e
todas as rigorosas austeridades são executadas para conhecê-lO. Religião
(dharma) é prestar serviço amoroso a Ele. Ele é o objetivo supremo da vida.
A Superalma
Sūta Gosvāmī disse: No começo da criação material, esta Absoluta
Personalidade de Deus (Vāsudeva), em Sua posição transcendental, criou as
energias de causa e efeito através de Sua própria energia interna. Após criar a
subsistência material, o Senhor (Vāsudeva) Se expande e entre nela. E,
embora Ele esteja dentro dos modos materiais da natureza e pareça ser um
dos seres criados, Ele está sempre e totalmente na luz de Sua posição
transcendental.
O Senhor, como a Superalma, penetra todas as coisas, assim como o
fogo penetra a madeira, e por isso Ele parece ser de muitas variedades,
embora seja o absoluto, único e incomparável. A Superalma entra nos corpos
das criaturas que estão influenciadas pelos modos da natureza material e faz
com que elas desfrutem dos efeitos desses modos através da mente sutil.
Assim, o Senhor dos universos mantém todos os planetas habitados por
semideuses, homens e animais inferiores. Assumindo os papéis de
encarnações, Ele executa passatempos para redimir aqueles que estão no
modo da bondade pura.
Capítulo 3
Kṛṣṇa É a Fonte de Todas as Encarnações
As Expansões Puruṣa
Sūta disse: No começo da criação, o Senhor primeiro Se expandiu na
forma universal da encarnação puruṣa e manifestou todos os componentes
para a criação material. E assim houve, em primeiro lugar, a criação dos
dezesseis princípios da ação material. Isso ocorreu com o propósito de criar o
universo material.
Uma parte do puruṣa deita-Se na água do universo; do lago umbilical de
Seu corpo brota um caule de lótus, e da flor de lótus, no topo desse caule,
manifesta-se Brahmā, o mestre de todos os engenheiros do universo. Acredita-
se que todos os sistemas planetários universais estão situados no extenso
corpo do puruṣa, mas Ele nada tem a ver com os componentes materiais
criados. Seu corpo é por excelência eterno em existência espiritual.
Essa forma (a segunda manifestação do puruṣa) é fonte e semente
indestrutível de multifárias encarnações dentro do universo. Das partículas e
porções dessa forma, diferentes entidades vivas, como semideuses, homens e
outras, são criadas.
As Principais Encarnações do Senhor
Sūta continuou: Primeiramente, no começo da criação, havia os quatro
filhos solteiros de Brahmā (os Kumāras), que, estando sob o voto de celibato,
submeteram-se a rigorosas austeridades para a compreensão da Verdade
Absoluta. O supremo desfrutador de todos os sacrifícios encarnou-Se como um
javali (a segunda encarnação), e, para o bem-estar da Terra, a ergueu das
regiões infernais do universo.
No milênio dos ṛṣis, a Personalidade de Deus assumiu a terceira
encarnação dotada de poder sob a forma de Devarṣi Nārada, que é um grande
sábio entre os semideuses. Ele coligiu exposições dos Vedas que tratam do
serviço devocional e que inspiram a ação não fruitiva. Na quarta encarnação, o
Senhor tornou-Se Nara e Nārāyaṇa, os filhos gêmeos da esposa do rei
Dharma. Assim, Ele Se submeteu a severas e exemplares penitências para
controlar os sentidos.
A quinta encarnação, chamada Senhor Kapila, é o mais avançado entre
os seres perfeitos. Ele fez uma exposição dos elementos criadores e da
metafísica a Āsuri Brāhmaṇa, pois no decorrer do tempo esse conhecimento se
havia perdido. A sexta encarnação do puruṣa foi o filho do sábio Atri. Ele
nasceu do ventre de Anasūyā, que orou por uma encarnação. Ele falou sobre o
tema da transcendência a Alarka, Prahlāda e outros (Yadu, Haihaya, etc.).
A sétima encarnação foi Yajña, o filho do Prajāpati Ruci e sua esposa
Ākūti. Ele controlou o período durante a mudança do Svāyambhuva Manu e foi
assistido por semideuses tais como Seu filho Yama. A oitava encarnação foi do
rei Ṛṣabha, filho do rei Nābhi e de sua esposa Merudevī. Nessa encarnação o
Senhor mostrou o caminho da perfeição, que é seguido por aqueles que
controlaram plenamente seus sentidos e que são honrados por todas as ordens
de vida.
Ó brāhmaṇas, sob a nona encarnação, o Senhor, invocado pelos sábios,
aceitou o corpo de um rei (Pṛthu) que cultivou a terra para produzir vários
víveres, e por esta razão a Terra ficou bela e atrativa. Quando houve uma
inundação completa, após o período do Cākṣuṣa Manu, e o mundo inteiro
estava mergulhado dentro d’água, o Senhor assumiu a forma de um peixe e
protegeu Vaivasvata Manu, alojando-o em um barco.
A décima-primeira encarnação do Senhor assumiu a forma de uma
tartaruga, cujo casco serviu de pivô para a montanha Mandarācala, que estava
sendo usada como batedeira pelos teístas e ateístas do universo. Na décima-
segunda encarnação, o Senhor apareceu como Dhanvantari, e na décima-
terceira Ele enfeitiçou os ateístas através da beleza deslumbrante de uma
mulher, e deu néctar para os semideuses beberem.
Na décima-quarta encarnação, o Senhor apareceu como Nṛsiṁha e
bifurcou com Suas unhas o forte corpo do ateísta Hiraṇyakaśipu, assim como
um carpinteiro racha bambus. Na décima-quinta encarnação, o Senhor
assumiu a forma de um brāhmaṇa-anão (Vāmana) e visitou a arena de
sacrifício montada por Mahārāja Bali. Embora desejasse de coração recuperar
o reino dos três sistemas planetários, Ele simplesmente pediu uma doação de
três passo de terra.
Na décima-sexta encarnação do Supremo, o Senhor (como Bhṛgupati)
aniquilou a classe administrativa (kṣatriyas) vinte e uma vezes, tendo-se irado
com eles por causa de sua rebelião contra os brāhmaṇas (a classe inteligente).
Depois disso, na décima-sétima encarnação do Supremo, Śrī Vyāsadeva
apareceu no ventre de Satyavatī, através de Parāśara Muni, e dividiu o único
Veda em vários ramos e sub-ramos, vendo que as pessoas em geral eram
menos inteligentes.
Na décima-oitava encarnação, o Senhor apareceu como o rei Rāma. Com
o propósito de executar certo trabalho do agrado dos semideuses, Ele
manifestou poderes sobre-humanos ao controlar o Oceano Índico e ao matar o
rei ateísta Rāvaṇa, que estava do outro lado do mar. Na décima-nona e na
vigésima encarnações, o Senhor adveio como o Senhor Balarāma e o Senhor
Kṛṣṇa, na família de Vṛṣṇi (a dinastia Yadu); e, fazendo-o, Ele removeu o fardo
do mundo.
As principais encarnações da Suprema Personalidade de Deus
Então, no começo da Kali-yuga, o Senhor aparecerá como o Senhor
Buddha, o filho de Añjanā, na província de Gayā, apenas com o propósito de
enganar aqueles que são invejosos do teísta fiel. Depois disso, na conjunção
das duas yugas, o Senhor da criação nascerá como a encarnação Kalki e
tornar-se-á o filho de Viṣṇu Yaśā. Nessa altura, os governantes da Terra terão
degenerado em saqueadores.
Ó brāhmaṇas, as encarnações do Senhor são inumeráveis, como regatos
fluindo de inexauríveis fontes de água. Todos os ṛṣis, Manus, semideuses e
descendentes de Manu, que são especialmente poderosos, são porções
plenárias das porções plenárias do Senhor. Nestes incluem-se também os
Prajāpatis.
Todas as encarnações acima mencionadas são ou porções plenárias ou
porções das porções plenárias do Senhor, mas o Senhor Śrī Kṛṣṇa é a
Personalidade de Deus original. Todas elas aparecem nos planetas sempre
que há um distúrbio criado pelos ateístas. O Senhor encarna para proteger os
teístas. Quem quer que cuidadosamente recite os misteriosos aparecimentos
do Senhor, com devoção, de manhã e à tarde, alivia-se de todas as misérias da
vida.
A Encarnação Literária
Sūta disse: Este Śrīmad-Bhāgavatam, compilado por Śrīla Vyāsadeva, a
encarnação de Deus, é a encarnação literária de Deus. Ele destina-se ao bem
último de todas as pessoas, e é plenamente bem-sucedido, completamente
bem-aventurado e todo-perfeito. Śrī Vyāsadeva o transmitiu a seu filho, que é o
mais respeitado entre os auto-realizados, após extrair a nata de todas as
literaturas védicas e histórias do universo. Śukadeva Gosvāmī, o filho de
Vyāsadeva, por sua vez transmitiu o Bhāgavatam ao grande imperador
Parīkṣit, que se sentou, rodeado de sábios, às margens do Ganges, esperando
a morte sem comer nem beber.
Este Bhāgavata Purāṇa é brilhante como o sol, e surgiu logo depois que o
Senhor Kṛṣṇa partiu para sua própria morada, acompanhado pela religião, pelo
conhecimento, etc. As pessoas que perderam sua visão devido à densa
escuridão da ignorância na era de Kali iluminar-se-ão com este Purāṇa.
Ó brāhmaṇas eruditos! Quando Śukadeva Gosvāmī recitou o Bhāgavatam
ali (na presença do imperador Parīkṣit), eu o ouvi com profunda atenção, e
assim, por sua misericórdia, aprendi o Bhāgavatam com aquele grande e
poderoso sábio. Agora tentarei transmitir-vos a mesmíssima coisa, conforme
aprendi com ele e a tenho compreendido.
Capítulo 4
O Aparecimento de Śrī Nārada
As Perguntas do Sábio Śaunaka
Vyāsadeva disse: Ao ouvir Sūta Gosvāmī falar assim, Śaunaka Muni, que
era o mais velho e erudito líder de todos os ṛṣis ocupados naquela prolongada
cerimônia sacrificial, congratulou-se com Sūta Gosvāmī, dirigindo-se a ele da
seguinte maneira.
Śaunaka disse: Ó Sūta Gosvāmī, tu és o mais afortunado e respeitado
entre todos aqueles que podem falar e recitar. Relata, por favor, a piedosa
mensagem do Śrīmad-Bhāgavatam, que foi proferida pelo grande e poderoso
sábio Śukadeva Gosvāmī. Quando e onde esta literatura primeiramente
apareceu, e porque foi compilada? De onde Kṛṣṇa-dvaipāyana Vyāsa, o grande
sábio, obteve inspiração para compilá-la?
Seu filho (de Vyāsadeva) era um grande devoto, um monista equilibrado,
cuja mente estava sempre concentrada no monismo. Ela era transcendental às
atividades mundanas, porém, sendo retraído, parecia uma pessoa ignorante.
Quando Śrī Vyāsadeva seguia seu filho, jovens e belas donzelas que se
banhavam nuas cobriram seus corpos com roupas, muito embora Śrī
Vyāsadeva não estivesse nu. Mas elas não fizeram o mesmo quando seu filho
passou. O sábio perguntou sobre isso, e as jovens donzelas responderam que
seu filho estava purificado, e ao olhá-las não fazia distinção entre o masculino e
feminino. Mas o sábio fazia tais distinções.
Como foi ele (Śrīla Śukadeva, o filho de Vyāsa) reconhecido pelos
cidadãos quando entrou na cidade de Hastināpura (Nova Delhi), após vaguear,
com aparência de louco, mudo e retardado, pelas províncias de Kuru e
Jāṅgala? Como aconteceu de o rei Parīkṣit encontrar esse grande sábio,
tornando possível que essa grande essência transcendental dos Vedas
(Bhāgavatam) fosse cantada para ele? Ele (Śukadeva Gosvāmī) estava
acostumado a permanecer à porta de um chefe de família apenas o tempo
suficiente para a ordenha de uma vaca. E ele o fazia apenas para santificar a
residência.
Diz-se que Mahārāja Parīkṣit é um grande devoto de primeira classe do
Senhor, e que seu nascimento e atividades são todos maravilhosos. Por favor,
fala-nos sobre ele. Ele foi um grande imperador e possuiu todas as opulências
no reino que herdou. Ele era tão exaltado que estava sempre aumentando o
prestígio da dinastia Pāṇḍu. Por que ele abandonou tudo para sentar-se às
margens do Ganges e jejuar até a morte?
A pureza de Śukadeva Gosvāmī e os sentimentos de separação de Śrī
Vyāsadeva
Ele era um imperador tão grandioso que todos os seus inimigos
costumavam vir prostrar-se a seus pés e entregar todas as riquezas para o
próprio benefício deles. Ele era pleno de juventude e força, e possuía
insuperáveis opulências reais. Por que quis ele abandonar tudo, inclusive sua
vida? Aqueles que estão devotados à causa da Personalidade de Deus vivem
apenas para o bem-estar, desenvolvimento e felicidade dos outros. Eles não
visam a nenhum interesse egoísta. Assim, muito embora o imperador (Parīkṣit)
estivesse livre de todo apego às posses mundanas, como poderia abandonar
seu corpo mortal, que era o refúgio dos outros?
Sabemos que tu és versado no significado de todos os temas, com
exceção de algumas partes dos Vedas, e assim podes explicar claramente as
respostas a todas as perguntas que acabamos de fazer-te.
A Divisão do Veda
Sūta Gosvāmī disse: Quando o segundo milênio sobrepôs-se ao terceiro,
o grande sábio (Vyāsadeva) nasceu de Parāśara, no ventre de Satyavatī, a
filha de Vasu. Certa vez, ele (Vyāsadeva), logo ao nascer do sol, tomou sua
ablução matinal nas águas do Sarasvatī e sentou-se sozinho para concentrar-
se. O grande sábio Vyāsadeva viu anomalias nas funções do milênio. Isso
acontece na Terra em diferentes eras, devido a forças invisíveis, no decorrer do
tempo.
O grande sábio, que estava plenamente equipado em conhecimento,
pôde ver, através de sua visão transcendental, a deterioração de tudo o que é
material, devido à influência da era. Ela pôde ver, também, que as pessoas
infiéis em geral teriam reduzida sua duração de vida e seriam impacientes,
devido à falta de bondade. Desse modo, ele procurou o bem-estar dos homens
em todos os status e ordens de vida.
Ele viu que os sacrifícios mencionados nos Vedas eram meios pelos
quais as ocupações das pessoas poderiam ser purificadas. E para simplificar o
processo, ele dividiu o único Veda em quatro, a fim de expandi-los entre os
homens. As quatro divisões das fontes originais de conhecimento (os Vedas)
foram feitas separadamente. Mas os fatos históricos e histórias autênticas
mencionadas nos Purāṇas são chamados de quinto Veda.
Após os Vedas serem divididos em quatro partes, Paila Ṛṣi tornou-se o
professor do Ṛg Veda; Jaimini, o professor do Sāma Veda, e Vaiśampāyana
sozinho obteve a glória do Yajur Veda. Ao Sumantu Muni Aṅgirā, que era um
ṛṣi muito devotado, foi confiado o Atharva Veda. E meu pai, Romaharṣaṇa,
ficou encarregado dos Purāṇas e registros históricos. Todos esses acadêmicos
eruditos, por sua vez, transmitiram os Vedas que lhes foram confiados a seus
muitos discípulos, bem como aos discípulos de segunda e terceira gerações; e
assim surgiram os respectivos ramos dos seguidores dos Vedas.
Dessa forma o grande sábio Vyāsadeva, que é muito bondoso para com
as massas ignorantes, editou os Vedas para que eles pudessem ser
assimilados pelos homens pouco intelectuais. Por compaixão, e de forma
sensata, o grande sábio achou que isso iria capacitar os homens a atingirem o
objetivo último da vida. Desse modo, ele compilou a grande narração histórica
chamada Mahābhārata, para mulheres, trabalhadores e amigos dos duas-
vezes-nascidos.
A Insatisfação de Vyāsadeva
Sūta Gosvāmī continuou: Ó brāhmaṇas duas-vezes-nascidos! Embora ele
se dedicasse a trabalhar para o completo bem-estar de todas as pessoas, sua
mente ainda não estava satisfeita. Assim, o sábio, estando com o coração
insatisfeito, começou de imediato a refletir, porque conhecia a essência da
religião, e disse para si mesmo: Eu tenho, sob estritos votos disciplinares,
despretensiosamente adorado os Vedas, o mestre espiritual e o altar de
sacrifício. Também me submeti às regulações e mostrei o significado da
sucessão discipular, através da explicação do Mahābhārata, pelo qual mesmo
mulheres, śūdras e outros (amigos dos duas-vezes-nascidos) podem perceber
o caminho da religião.
Vyāsadeva continuou: Estou me sentindo incompleto, embora esteja
plenamente dotado de tudo que é requerido pelos Vedas. Talvez seja porque
não indiquei especificamente o serviço devocional ao Senhor, que é querido
tanto pelos seres perfeitos quanto pelo Senhor infalível.
Sūta Gosvāmī disse: Como se mencionou antes, Nārada chegou à
cabana de Kṛṣṇa-dvaipāyana Vyāsa às margens do Sarasvatī justamente
quando ele estava se lamentando pelos seus defeitos. Com a auspiciosa
chegada de Nārada, Śrī Vyāsadeva levantou-se respeitosamente e o adorou,
oferecendo-lhe veneração igual a que se dá a Brahmājī, o criador.
Capítulo 5
Nārada Dá Instruções Sobre o Śrīmad-
Bhāgavatam a Vyāsadeva

Śrī Vyāsadeva Pede a Guia de Nārada Muni


Sūta Gosvāmī disse: Assim, o sábio entre os deuses (Nārada),
confortavelmente sentado e aparentemente sorrindo, dirigiu-se ao ṛṣi entre os
brāhmaṇas (Vedavyāsa). Dirigindo-se a Vyāsadeva, o filho de Parāśara,
Nārada perguntou: Acaso estás satisfeito por identificar o corpo ou a mente
como objetos de auto-realização? Tuas perguntas foram completas e teus
estudos também foram bem executados, e não há dúvida de que preparaste
uma grande e maravilhosa obra, o Mahābhārata, que é repleto de todos os
tipos de episódios védicos, elaboradamente explicados. Delineaste
completamente o tema do Brahman impessoal, bem como o conhecimento
decorrente. Por que estarias descontente a despeito de tudo isso, meu caro
prabhu, pensando que deixaste algo ainda por fazer?

Śrī Vyāsadeva disse: Tudo o que disseste sobre mim está perfeitamente
correto. Apesar de tudo, não estou tranquilo. Pergunto-te, portanto, sobre a
causa fundamental de minha insatisfação, visto que és homem de
conhecimento ilimitado, já que foste gerado daquele (Brahmā) que é autógeno
(sem pai nem mãe mundanos). Meu senhor! Todos os mistérios te são
conhecidos, por que adoras o criador e destruidor do mundo material e o
mantenedor do mundo espiritual, a original Personalidade de Deus, que é
transcendental aos três modos da natureza material.

Assim como o sol, Vossa Excelência pode viajar por todas as partes dos
três mundos, e, assim como o ar, podes penetrar no interior de todos. Desse
modo, és como a Superalma onipenetrante. Por favor, descobre, portanto, a
deficiência que há em mim, apesar de eu estar absorto na transcendência sob
votos e regulações disciplinares.

Os Conselhos de Śrī Nārada

Śrī Nārada disse: Na realidade, não difundiste as sublimes e imaculadas


glórias da Personalidade de Deus. Aquela filosofia que não satisfaz os sentidos
transcendentais do Senhor é considerada inútil. Ó grande sábio! Embora
tenhas amplamente descrito os quatro princípios que começam com as
execuções religiosas, não descreveste as glórias da Personalidade Suprema,
Vāsudeva.
Nārada Muni aconselha Vyāsadeva a difundir as glórias da Suprema Personalidade de Deus
Aquelas palavras que não descrevem as glórias do Senhor, que por si só
podem santificar a atmosfera de todo o universo, são consideradas pelas
pessoas santas como se fossem local de peregrinação para corvos. Uma vez
que as pessoas todo-perfeitas são habitantes da morada transcendental, elas
não obtêm aí nenhum prazer. Por outro lado, a literatura repleta de descrições
das glórias transcendentais do nome, fama, formas, passatempos e demais
atributos do ilimitado Senhor Supremo é uma criação diferente, plena de
palavras transcendentais, destinadas a provocar uma revolução nas vidas
ímpias da civilização mal orientada deste mundo. Tais literaturas
transcendentais, muito embora imperfeitamente compostas, são ouvidas,
cantadas e aceitas por homens purificados que são inteiramente honestos.

O conhecimento da auto-realização, embora livre de toda a afinidade


material, não assenta bem se desprovido de uma concepção do Infalível
(Deus). Qual, então, a utilidade das ações fruitivas, que são naturalmente
dolorosas desde o início e transitórias por natureza, se elas não são
empregadas no serviço devocional ao Senhor?

As pessoas em geral estão naturalmente inclinadas a desfrutar, e tu as


estimulaste nesse sentido, em nome da religião. Isso é realmente condenado e
completamente desarrazoado. Por serem orientadas sob tuas instruções, elas
aceitarão tais atividades em nome da religião e dificilmente se importarão com
as proibições.

Śrī Nārada continuou: O Senhor Supremo é ilimitado. Somente uma


personalidade muito competente, retirada das atividades de felicidade material,
merece entender este conhecimento de valores espirituais. Portanto, aqueles
que não estão assim bem situados, devido ao apego material, devem ser
introduzidos por Vossa Excelência ao caminho da compreensão
transcendental, através das descrições das atividades transcendentais do
Senhor Supremo.

Uma pessoa que abandona suas atividades materiais para ocupar-se no


serviço devocional ao Senhor pode às vezes cair, enquanto está num estágio
imaturo, mas não há perigo de que seja mal sucedida. Por outro lado, um não
devoto, mesmo que se dedique plenamente a seus deveres ocupacionais, não
ganha nada. Pessoas realmente inteligentes e dotadas filosoficamente devem
esforçar-se apenas por esta significativa finalidade, a qual não é obtenível
mesmo que se vagueie desde o planeta mais elevado (Brahmaloka) até o
planeta mais baixo (Pātāla). Quanto à felicidade obtida do gozo dos sentidos,
ela pode ser obtida automaticamente no decorrer do tempo, assim como no
decorrer do tempo obtemos misérias apesar de não as desejarmos.

Meu caro Vyāsa, embora um devoto do Senhor Kṛṣṇa às vezes caia, de


uma forma ou de outra, ele certamente não fica sujeito à existência material
como os outros (trabalhadores fruitivos e demais), porque uma pessoa que
tenha uma vez saboreado o gosto dos pés de lótus do Senhor não pode fazer
nada além de se lembrar repetidamente daquele êxtase.

Os círculos eruditos concluíram positivamente que o propósito infalível do


avanço de conhecimento, a saber, austeridades, estudo dos Vedas, sacrifício,
canto de hinos e caridade, culmina nas descrições transcendentais do Senhor,
que é definido em poesias selecionadas.

A Vida Passada de Nārada Muni

Śrī Nārada disse: Ó Muni, no milênio passado nasci como o filho de certa
criada que se dedicara ao serviço de brāhmaṇas que seguiam os princípios do
Vedānta. Quando viviam juntos, durante os quatro meses da estação das
chuvas, ocupei-me em seu serviço pessoal. Embora fossem imparciais por
natureza, aqueles seguidores do Vedānta abençoaram-me com sua
misericórdia sem causa. Quanto a mim, eu era autocontrolado e não tinha
apego a brincadeiras, muito embora fosse um menino. Além disso, eu não era
travesso e não falava mais que o necessário.

Apenas uma vez, com sua permissão, eu comi os restos de seus


alimentos, e por fazê-lo todos os meus pecados foram imediatamente
erradicados. Estando assim ocupado, tornei-me puro de coração, e naquele
momento a própria natureza dos transcendentalistas se fez atrativa para mim.
Ó Vyāsadeva, naquela associação e pela misericórdia daqueles vedāntistas,
pude ouvi-los descrever as atrativas atividades do Senhor Kṛṣṇa. E assim
ouvindo atentamente, meu gosto por ouvir sobre a Personalidade de Deus
aumentava a cada passo.

Ó grande sábio, assim que adquiri gosto pela Personalidade de Deus,


minha atenção em ouvir sobre o Senhor fez-se inabalável. E conforme o gosto
se desenvolvia, eu podia compreender que foi apenas em minha ignorância
que havia aceitado as coberturas grosseira e sutil, pois tanto o Senhor quanto
eu somos transcendentais. Assim, durante duas estações – a estação das
chuvas e o outono – tive a oportunidade de ouvir esses sábios magnânimos
cantarem constantemente as inadulteradas glórias do Senhor Hari. Quando o
fluxo do meu serviço devocional começou, as coberturas dos modos da paixão
e ignorância se dissiparam.

Eu estava muito apegado àqueles sábios. Eu era de comportamento


amável, e todos os meus pecados foram erradicados no serviço a eles. Dentro
de meu coração, eu tinha firme fé neles. Eu subjugara os sentidos e os seguia
estritamente com o corpo e a mente. Através deste conhecimento confidencial,
eu pude entender claramente a influência da energia do Senhor Śrī Kṛṣṇa, o
A vida passada de Śrī Nārada
criador, mantenedor e aniquilador de tudo. Conhecendo isto, pode-se voltar a
Ele e encontrá-lO pessoalmente.

O Veneno e o Remédio

Śrī Nārada continuou: Ó Brāhmaṇa Vyāsadeva, os eruditos decidiram que


a melhor medida remediadora para eliminar todos os problemas e misérias é
dedicar nossas atividades ao serviço do Senhor Supremo, a Personalidade de
Deus (Śrī Kṛṣṇa). Ó boa alma, não poderia algo, aplicado terapeuticamente,
curar uma doença causada por aquela mesmíssima coisa? Assim, quando
todas as atividades dos homens são dedicadas ao serviço ao Senhor, aquelas
atividades que causavam seu perpétuo cativeiro tornam-se o destruidor da
árvore do trabalho. Qualquer trabalho que se faça aqui nesta vida para a
satisfação da missão do Senhor chama-se bhakti-yoga, ou transcendental
serviço amoroso ao Senhor, e aquilo que se chama conhecimento torna-se um
fator concomitante. Assim, o verdadeiro vidente é aquele que adora, sob a
forma de representação sonora transcendental, à Suprema Personalidade de
Deus, Viṣṇu, que não tem forma material.
Capítulo 6
Conversação Entre Nārada e Vyāsadeva

Śrī Nārada Narra Suas Atividades Passadas


Sūta disse: Ó brāhmaṇas, tendo assim ouvido tudo sobre o nascimento e
atividades de Śrī Nārada, Vyāsadeva, a encarnação de Deus e filho de
Satyavatī, indagou o seguinte.
Śrī Vyāsadeva disse: que fizeste tu (Nārada) após a partida dos grandes
sábios que haviam te dado instruções sobre o científico conhecimento
transcendental, antes do começo de teu atual nascimento? Ó filho de Brahmā,
como passaste tua vida após a iniciação, e como obtiveste este corpo, tendo
abandonado o antigo no devido tempo? Ó grande sábio! O tempo aniquila tudo
na devida hora. Como é, então, que este tema, que aconteceu antes deste dia
de Brahmā, ainda está fresco em tua memória, intacto pelo tempo?
Śrī Nārada disse: Os grandes sábios, que me transmitiram conhecimento
científico da transcendência, partiram para outros lugares, e tive que passar
minha vida desta maneira.
Eu era o filho único de minha mãe, que era não somente uma mulher
simples, mas também uma criada. Uma vez que eu era sua única progênie, ela
não tinha outra alternativa para sua proteção – ela atava-me com os laços da
afeição. Ela queria zelar apropriadamente por minha manutenção, mas porque
não era independente, não era capaz de fazer nada por mim. O mundo está
sob o completo controle do Senhor Supremo; portanto todos são como
bonecos de madeira nas mãos de um mestre de marionetes.
Quando eu era apenas uma simples criança de cinco anos, vivi numa
escola de brāhmaṇas. Eu dependia da afeição de minha mãe e não tinha
experiência de outras terras. Certa vez, minha pobre mãe, quando certa noite
saía para ordenhar uma vaca, foi picada na perna por uma serpente,
influenciada pelo tempo supremo. Tomei isso como a misericórdia especial do
Senhor, que sempre deseja bênçãos para Seus devotos, e, pensando assim,
parti rumo ao norte.
Śrī Nārada continuou: Viajando dessa maneira, senti-me cansado, tanto
física quanto mentalmente, e estava sedento e faminto. Então tomei banho na
represa de um rio e também bebi água. Ao tocar na água, aliviei-me do meu
cansaço. Depois disso, debaixo da sombra de uma figueira-de-bengala numa
floresta desabitada, comecei a meditar na Superalma situada dentro de mim,
usando minha inteligência, como aprendera com as almas liberadas.
Logo que comecei a meditar nos pés de lótus da Personalidade de Deus
com minha mente transformada pelo amor transcendental, lágrimas rolaram de
meus olhos, e sem demora a Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, apareceu no
lótus do meu coração. Ó Vyāsadeva, naquele momento, estando
excessivamente dominado por sentimentos de felicidade, todas as partes de
meu corpo animaram-se separadamente. Estando absorto em um oceano de
êxtase, não pude ver nem a mim mesmo, nem ao Senhor. A forma
transcendental do Senhor, como ela é, satisfaz o desejo da mente e dissipa de
vez todas as incongruências mentais. Ao perder de vista aquela forma,
levantei-me subitamente, ficando perturbado, como é comum quando se perde
aquilo que é desejável.
Desejei ver novamente aquela forma transcendental do Senhor, mas
apesar de minhas tentativas de concentrar-me no coração com avidez por ver
novamente aquela forma, não pude mais vê-lO; e assim insatisfeito, fiquei
muito aflito. Vendo meus esforços naquele lugar solitário, a Personalidade de
Deus, que é transcendental a todas as descrições mundanas, falou-me com
gravidade e palavras agradáveis, apenas para mitigar minha aflição.
A Suprema Personalidade de Deus falou: Ó Nārada, lamento que durante
esta vida não serás capaz de ver-Me mais. Aqueles que são incompletos no
serviço devocional e que não estão completamente livres de todas as máculas
materiais dificilmente podem ver-Me. Ó virtuoso! Viste somente uma vez Minha
pessoa, e isso é apenas para aumentar teu desejo por Mim, porque quanto
mais anseias por Mim, tanto mais livrar-te-ás de todos os desejos materiais.
Através do serviço à Verdade Absoluta, mesmo por uns poucos dias, um
devoto alcança inteligência firme e fixa em Mim. Consequentemente, ele
persevera até tornar-se Meu companheiro no mundo transcendental, após
abandonar os atuais mundos materiais deploráveis. A inteligência ocupada em
devoção a Mim não pode ser frustrada em tempo algum. Mesmo no momento
da criação, bem como no momento da aniquilação, tua lembrança continuará,
por Minha misericórdia.
O Corpo Espiritual de Śrī Nārada
Śrī Nārada disse: Então aquela autoridade suprema, personificada pelo
som e invisível aos olhos, porém muito maravilhosa, parou de falar. Sentindo
uma sensação de gratidão, ofereci-Lhe minhas reverências, inclinando minha
cabeça. Comecei então a cantar o santo nome e a fama do Senhor através de
repetida recitação, ignorando todas as formalidades do mundo material. Tal
canto e lembrança dos passatempos transcendentais do Senhor são cheios de
bênçãos. Assim fazendo, viajei por toda a Terra, completamente satisfeito,
humilde e sem inveja.
E assim, ó brāhmaṇa Vyāsadeva, no devido curso do tempo eu, que
estava completamente absorto em pensar em Kṛṣṇa e que, portanto, não tinha
apegos, estando completamente livre de todas as máculas materiais, encontrei
a morte, assim como o relâmpago e a iluminação ocorrem simultaneamente.
No momento da dissolução Śrī Nārada entra na Personalidade de Deus
através de Sua respiração
Tendo recebido um corpo transcendental próprio de um companheiro da
Personalidade de Deus, abandonei o corpo feito de cinco elementos materiais,
e assim todos os resultados fruitivos adquiridos do trabalho (karma) cessaram.
No final do milênio, quando a Personalidade de Deus, o Senhor
Nārāyaṇa, deitou-Se dentro da água da devastação, Brahmā começou a entrar
nEle juntamente com todos os elementos criativos, e eu também entrei através
de Sua respiração. Após 4.300.000.000 de anos solares, quando Brahmā
despertou para criar novamente pela vontade do Senhor, todos os ṛṣis, como
Marīci, Aṅgirā, Atri e assim por diante foram criados do corpo transcendental do
Senhor, e eu também apareci juntamente com eles.
Desde então, pela graça do Viṣṇu todo-poderoso, viajo por todas as
partes, sem restrição, tanto no mundo transcendental quanto nas três divisões
do mundo material. Isso porque estou fixo no ininterrupto serviço devocional ao
Senhor. E assim eu viajo, cantando constantemente a mensagem
transcendental das glórias do Senhor, vibrando este instrumento chamado
vīṇā, que é dotado de som transcendental e que me foi dado pelo Senhor
Kṛṣṇa.
O Sábio Entre os Semideuses se Despede de Vyāsadeva
Śrī Nārada concluiu: É verdade que por praticar a restrição dos sentidos,
através do sistema de yoga, podemos nos aliviar dos distúrbios do desejo e da
luxúria – mas isso não é suficiente para satisfazer a alma, pois esta (satisfação)
se obtém do serviço devocional à Personalidade de Deus. Ó Vyāsadeva, tu
estás livre de todos os pecados. Assim, como pediste, expliquei meu
nascimento e atividades para a auto-realização. Tudo isso também será
conducente à tua satisfação pessoal.
Sūta Gosvāmī disse: Dirigindo-se assim a Vyāsadeva, Śrīla Nārada Muni
despediu-se dele, e, vibrando seu instrumento, a vīṇā, ele partiu para vagar a
seu bel prazer. Todas as glórias e êxito a Śrīla Nārada Muni porque ele glorifica
as atividades da Personalidade de Deus, e fazendo assim ele próprio sente
prazer e também anima todas as almas aflitas do universo.
Capítulo 7
O Filho de Droṇa É Castigado

O Transe Místico de Vyāsadeva


Ṛṣi Śaunaka perguntou: Ó Sūta, aquele grande e transcendentalmente
poderoso Vyāsadeva ouviu tudo de Śrī Nārada Muni. Assim, após a partida de
Nārada, que fez Vyāsadeva?
Śrī Sūta disse: Na margem oeste do rio Sarasvatī, que está intimamente
relacionado com os Vedas, há uma cabana para meditação em Śamyāprāsa,
que vivifica as atividades transcendentais dos sábios. Naquele lugar, Śrīla
Vyāsadeva, em seu próprio āśrama, que era rodeado de árvores frutíferas,
sentou-se para meditar após tocar a água para purificação. Assim, ele fixou sua
mente, ocupando-a perfeitamente ao ligá-la ao serviço devocional (bhakti-yoga)
sem mácula alguma de materialismo; e assim ele viu a Absoluta Personalidade
de Deus, juntamente com Sua energia externa, mantida sob pleno controle.
Devido a essa energia externa, a entidade viva, embora transcendental
aos três modos da natureza material, pensa que é um produto material e dessa
forma se submete às reações das misérias materiais. As misérias materiais da
entidade viva, que são supérfluas para ela, podem ser diretamente mitigadas
pelo processo unitivo de serviço devocional. Mas a massa popular não sabe
disso, e por isso o erudito Vyāsadeva compilou esta literatura védica, que está
relacionada com a Verdade Suprema.
Simplesmente pela recepção auditiva a esta literatura védica, o
sentimento para o serviço devocional amoroso ao Senhor Kṛṣṇa, a Suprema
Personalidade de Deus, brota imediatamente para extinguir o fogo da
lamentação, ilusão e temor. Após compilar e revisar o Śrīmad-Bhāgavatam , o
grande sábio Vyāsadeva ensinou-o a seu próprio filho, Śrī Śukadeva Gosvāmī,
que já estava ocupado em auto-realização.
Os Ᾱtmārāmas e o Serviço Devocional
Śrī Śaunaka perguntou: Śrī Śukadeva Gosvāmī já estava no caminho da
auto-realização, e assim ele estava satisfeito consigo mesmo. Então, por que
deu-se ao trabalho de submeter-se ao estudo de tão vasta literatura?
Sūta Gosvāmī respondeu: Todas as diferentes variedades de ātmārāmas
(aqueles que sentem prazer no ātmā, ou o eu espiritual), especialmente os
estabelecidos no caminho da auto-realização, apesar de estarem livres de
todos os tipos de cativeiro material, desejam prestar serviço devocional
imaculado à Personalidade de Deus. Isso significa que o Senhor possui
qualidades transcendentais e por isso pode atrair todos, inclusive as almas
liberadas.
Aśvatthāmā Assassina os Filhos de Draupadī
Sūta Gosvāmī dirigiu-se da seguinte maneira aos ṛṣis encabeçados por
Śaunaka: Agora iniciarei a narrativa transcendental do Senhor Śrī Kṛṣṇa e dos
tópicos do nascimento, atividades e liberação do rei Parīkṣit, o sábio entre os
ṛṣis, bem como dos tópicos da renúncia dos afazeres mundanos por parte dos
filhos de Pāṇḍu.
Quando os respectivos guerreiros de ambos os grupos, a saber, os
Kauravas e os Pāṇḍavas, foram mortos no Campo de Batalha de Kurukṣetra e
os guerreiros obtiveram seus merecidos destinos, e quando o filho de
Dhṛtarāṣṭra caiu a se lamentar, com a espinha quebrada, tendo sido atingido
pela maça de Bhīmasena – então o filho de Droṇācārya (Aśvatthāmā)
decapitou os cinco filhos adormecidos de Draupadī e entregou-os como
galardão a seu mestre, pensando tolamente que ele ficaria satisfeito.
Duryodhana, contudo, desaprovou o abominável ato e não ficou nada satisfeito.
Draupadī, a mãe dos cinco filhos dos Pāṇḍavas, após ouvir sobre o
massacre de seus filhos, começou a chorar aflitamente, com os olhos cheios
de lágrimas. Tentando apaziguá-la sobre sua grande perda, Arjuna falou-lhe da
seguinte maneira.
Arjuna disse: Ó amável senhora, quando te presentear com a cabeça
daquele brāhmaṇa, após decapitá-lo com flechas do meu arco Gāṇḍīva, então
enxugarei as lágrimas de teus olhos e apaziguar-te-ei. Então, após cremar os
corpos de teus filhos, poderás tomar teu banho pousando os pés sobre a
cabeça dele.
Aśvatthāmā Usa a Brahmāstra
Sūta Gosvāmī continuou: Arjuna, ao qual o Senhor infalível guia sob a
forma de amigo e quadrigário, satisfez assim à querida senhora com essas
declarações. Então ele vestiu a armadura, muniu-se de armas mortíferas, e,
subindo em sua quadriga, saiu ao encalço de Aśvatthāmā, o filho de seu
mestre marcial. Aśvatthāmā, o assassino dos príncipes, vendo de longa
distância que Arjuna vinha em sua direção com grande velocidade, fugiu em
sua quadriga tomado de pânico, simplesmente para salvar sua vida, assim
como Brahmā fugiu por temor a Śiva.
Quando o filho de brāhmaṇa (Aśvatthāmā) viu que seus cavalos estavam
cansados, ele considerou que não havia alternativa para sua proteção além de
usar sua arma derradeira, a brahmāstra (arma nuclear). Uma vez que sua vida
estava em perigo, ele tocou a água para santificar-se e concentrou-se no
cantar dos hinos para atirar armas nucleares, embora não soubesse como
combater tais armas. Nesse momento, uma luz brilhante espalhou-se por todas
as direções. Era tão aterradora que Arjuna pensou que sua própria vida estava
em perigo, e assim ele começou a dirigir-se ao Senhor Śrī Kṛṣṇa.
Arjuna disse: Ó Senhor dos senhores! Como é que esta perigosa
refulgência está se espalhando em volta de tudo? De onde ela vem? Não
entendo isso.
A Suprema Personalidade de Deus disse: Sabe por Meu intermédio que
este é um ato do filho de Droṇa. Ele atirou os hinos de energia nuclear
(brahmāstra), e não sabe como retrair o fulgor. Ele o fez por sentir-se
desamparado, estando temeroso da morte iminente. Ó Arjuna, somente outra
brahmāstra pode neutralizar esta arma. Uma vez que és hábil na ciência militar,
subjuga o fulgor desta arma com o poder de tua própria arma.
Śrī Sūta Gosvāmī disse: Ao ouvir isso da Personalidade de Deus, Arjuna
tocou na água para purificar-se e, após circum-ambular o Senhor Śrī Kṛṣṇa,
arremessou sua arma brahmāstra para neutralizar a outra. Quando os raios
das duas brahmāstras se combinaram, um grande círculo de fogo, semelhante
ao disco do sol, cobriu todo o espaço exterior e todo o firmamento dos
planetas. Toda a população dos três mundos foi abrasada pelo calor
combinado das duas armas. Todos se lembraram do fogo sāṁvartaka que
ocorre no momento da aniquilação. Vendo assim a perturbação da população
em geral e a iminente destruição dos planetas, Arjuna retraiu imediatamente
ambas as armas brahmāstra, conforme o Senhor Śrī Kṛṣṇa havia desejado.
Arjuna Captura Aśvatthāmā
Arjuna, com seus olhos ardendo em ira como duas bolas vermelhas de
cobre, prendeu habilidosamente o filho de Gautamī e o atou com cordas, como
se fosse um animal. Após amarrar Aśvatthāmā, Arjuna queria leva-lo ao
acampamento militar. A Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, observando com
Seus olhos de lótus, falou ao irado Arjuna.
O Senhor Śrī Kṛṣṇa disse: Ó Arjuna, não deves usar de misericórdia e
soltar este parente de um brāhmaṇa (brahma-bandhu), pois ele matou meninos
inocentes enquanto dormiam. Uma pessoa que conhece os princípios da
religião não mata um inimigo que está desatento, intoxicado, insano,
adormecido, amedrontado ou desprovido de sua quadriga. Tampouco ela mata
um menino, uma mulher, uma criatura tola ou uma alma rendida. Uma pessoa
cruel e ignóbil que mantém sua existência à custa da vida de outras pessoas
merece ser morta para seu próprio bem-estar, pois de outra forma degradar-se-
á devido a suas próprias ações.
Além disso, Eu ouvi pessoalmente prometeres a Draupadī que lhe trarias
a cabeça do assassino de seus filhos. Este homem é um assassino e matador
de teus próprios membros familiares. Não apenas isso, mas ele também
descontentou seu mestre. Ele é nada mais que a escória de sua família. Mata-o
imediatamente!
Sūta Gosvāmī disse: Embora Kṛṣṇa, que estava examinando os princípios
religiosos de Arjuna, encorajasse Arjuna a matar o filho de Droṇācārya, Pārtha,
uma grande alma, não gostou da ideia de matá-lo, apesar de Aśvatthāmā ser o
abominável assassino de seus familiares. Após chegar ao próprio
acampamento, Arjuna, juntamente com seu querido amigo e quadrigário (Śrī
Kṛṣṇa), entregou o assassino a sua querida esposa, que estava se lamentando
pelos filhos assassinados.
A Punição Prescrita Para Um Brahma-bandhu
Śrī Sūta Gosvāmī continuou: Draupadī então viu Aśvatthāmā, que estava
atado com cordas como um animal e silenciosos por ter executado o mais
infame assassinato. Devido a sua natureza feminina e devido a ser
naturalmente boa e bem-educada, ela mostrou-lhe os devidos respeitos que se
oferecem a um brāhmaṇa. Ela não pôde tolerar que Aśvatthāmā estivesse
atado com cordas, e, sendo uma senhora devotada, falou as seguintes
palavras.
Draupadī disse: Soltai-o, pois ele é um brāhmaṇa, nosso mestre
espiritual. Foi pela misericórdia de Droṇācārya que aprendeste a arte marcial
de atirar flechas e a arte confidencial de controlar armas. Ele (Droṇācārya)
certamente ainda existe, sendo representado por seu filho. Sua esposa, Kṛpī,
não se submeteu ao satī com ele porque tinha um filho. Ó pessoa mais
afortunada, que conhece os princípios da religião! Não é bom para ti que
causes pesar a gloriosos familiares que são sempre respeitáveis e dignos de
adoração.
Meu senhor, não faças a esposa de Droṇācārya chorar como eu. Estou
aflita pela morte de meus filhos. Ela não precisa chorar constantemente como
eu. Se a ordem real administrativa, sem restringir nem controlar seus sentidos,
ofende a ordem dos brāhmaṇas e os enfurece, então o fogo deste furor queima
todo o corpo da família real e traz aflição para todos.
Caturbhuja (aquele que tem quatro braços), ou a Personalidade de Deus,
após ouvir as palavras de Bhīma, Draupadī e outros, olhou para o rosto de Seu
querido amigo Arjuna e começou a falar como que sorrindo.
A Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa disse: O amigo de um brāhmaṇa não
deve ser morto, mas se é um agressor ele tem de ser morto. Todas essas
regras estão nas escrituras, e deves agir de acordo com elas. Tens de cumprir
tua promessa a tua esposa, e também deves agir para a satisfação de
Bhīmasena e de Mim.
Sūta Gosvāmī disse: Somente então Arjuna pôde entender a intenção do
Senhor através de Suas ordens equívocas, e assim, com sua espada, ele
cortou o cabelo e a joia da cabeça de Aśvatthāmā. Ele (Aśvatthāmā) já perdera
seu lustre corpóreo devido ao infanticídio, e agora, sobretudo, tendo perdido a
joia de sua cabeça, ele perdera ainda mais força. Assim, ele foi desamarrado e
expulso do acampamento. Cortar os cabelos de sua cabeça, privá-lo de sua
riqueza e expulsá-lo de sua residência são as punições prescritas para o
parente de um brāhmaṇa. Não há preceito para matar o corpo.
Capítulo 8
Orações da Rainha Kuntī e Salvação de Parīkṣit

A Execução do Ritual Para os Parentes Mortos


Sūta Gosvāmī disse: Em seguida os Pāṇḍavas, querendo oferecer água
aos parentes mortos que a haviam desejado, foram até o Ganges com
Draupadī. As senhoras caminhavam na frente. Tendo os pranteado e oferecido
suficiente água do Ganges, todos banharam-se no rio sagrado, cuja água é
santificada devido a ser misturada com a poeira dos pés de lótus do Senhor. Ali
sentou-se o rei dos Kurus, Mahārāja Yudhiṣṭhira, juntamente com seus irmãos
mais novos e Dhṛtarāṣṭra, Gāndhārī, Kuntī e Draupadī, todos acabrunhados de
pesar. O Senhor Kṛṣṇa também estava ali.
Citando as estritas leis do Todo-poderoso e suas reações sobre os seres
vivos, o Senhor Śrī Kṛṣṇa e os munis começaram a consolar aqueles que
estavam traumatizados e aflitos.
O sagaz Duryodhana e seu grupo usurparam astutamente o reino de
Yudhiṣṭhira, que não tinha inimigos. Pela graça do Senhor, a recuperação
realizou-se, e os reis inescrupulosos que se aliaram a Duryodhana foram
mortos por Ele. Outros também morreram, ou seja, tiveram diminuída a
duração de sua vida por terem rudemente agarrado pelo cabelo a rainha
Draupadī.
Uttarā Ora Pela Proteção de Śrī Kṛṣṇa
O Senhor Śrī Kṛṣṇa preparou-Se então para Sua partida. Ele convidou os
filhos de Pāṇḍu, após ter sido adorado pelos brāhmaṇas, encabeçados por
Śrīla Vyāsadeva. O Senhor também correspondeu às saudações. Logo que Ele
sentou-Se na quadriga para partir rumo a Dvārakā, viu Uttarā temerosa
precipitar-se em Sua direção.
Uttarā disse: Ó Senhor dos senhores, Senhor do universo! Vós sois o
maior entre os místicos. Por favor, protegei-me, pois não há ninguém mais que
possa salvar-me das garras da morte neste mundo de dualidade. Ó meu
Senhor, Vós sois todo-poderoso! Uma incandescente flecha de ferro está vindo
rapidamente em minha direção. Meu Senhor, deixai-a queimar-me
pessoalmente, se assim o desejais, mas por favor, não a deixeis queimar e
abortar meu embrião. Por gentileza, fazei-me este favor, meu Senhor.
Sūta Gosvāmī disse: Tendo ouvido pacientemente suas palavras, o
Senhor Śrī Kṛṣṇa, que é sempre muito afetuoso com Seus devotos, pôde
entender de imediato que Aśvatthāmā, o filho de Droṇācārya, tinha lançado a
brahmāstra para dar fim à última vida na família Pāṇḍava. Ó principal
(Śaunaka) entre os grandes pensadores (munis)! Vendo a incandescente
brahmāstra precipitando-se contra eles, os Pāṇḍavas tomaram de suas cinco
respectivas armas.
A todo-poderosa Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, tendo observado que
um grande perigo estava ameaçando Seus devotos imaculados, que eram
almas completamente rendidas, tomou imediatamente de Seu disco Sudarśana
para protegê-los. O Senhor do misticismo supremo, Śrī Kṛṣṇa, reside dentro do
coração de todos como Paramātmā. Como tal, simplesmente para proteger a
progênie da dinastia Kuru, Ele cobriu o embrião de Uttarā através de Sua
energia pessoal.
Ó Śaunaka, embora a suprema arma brahmāstra lançada por Aśvatthāmā
fosse irresistível e sem defesa ou revide, ela foi neutralizada e derrotada
quando confrontou-se com a força de Viṣṇu (Senhor Kṛṣṇa). Assim, salva da
radiação da brahmāstra, Kuntī, a casta devota do Senhor, e seus cinco filhos e
Draupadī dirigiram-se ao Senhor Kṛṣṇa quando Ele partia para casa.
Śrīmatī Kuntī Glorifica o Senhor
Śrīmatī Kuntī disse: Ó Kṛṣṇa, ofereço-Vos minhas reverências porque sois
a personalidade original e não sois afetado pelas qualidades do mundo
material. Vós existis tanto dentro como fora de tudo, e ainda assim sois
invisível para todos. Estando além do alcance da limitada percepção sensorial,
Vós sois o fator eternamente impecável, coberto pela cortina da energia
ilusória. Vós sois invisível para o observador tolo, exatamente como um ator
caracterizado como um personagem não é reconhecido.
Meu querido Kṛṣṇa, Vossa Onipotência nos protegeu de um bolo
envenenado, de um grande fogo, dos canibais, da assembleia viciosa, dos
sofrimentos durante nosso exílio na floresta e da batalha onde grandes
generais lutaram. E agora nos salvais da arma de Aśvatthāmā. Desejo que
todas essas calamidades aconteçam repetidamente, para que possamos ver-
Vos repetidamente, pois ver-Vos significa que não veremos mais repetidos
nascimentos e mortes.
Meu Senhor, ó Onipotente, podeis facilmente ser alcançado, mas apenas
por aqueles que estão materialmente esgotados. A pessoa que está no
caminho do progresso material, tentando aprimorar-se com parentesco
respeitável, grande opulência, educação elevada e beleza corpórea, não pode
aproximar-se de Vós com sentimento sincero.
Minhas reverências são para Vós, que sois a propriedade dos
materialmente pobres. Nada tendes a ver com as ações e reações dos modos
materiais da natureza. Vós sois auto-satisfeito, e portanto, sois o mais amável e
sois o mestre dos monistas.
Meu Senhor, considero que Vossa Onipotência é o tempo eterno, o
controlador supremo, sem começo nem fim, o onipenetrante. Vós sois igual
Śrīmatī Kuntī oferece suas orações ao Senhor
para com todos ao distribuir Vossa misericórdia. As dissenções entre os seres
vivos devem-se ao convívio social. Ó Senhor, ninguém pode entender Vossos
passatempos transcendentais, que parecem ser humanos e são tão
desconcertantes! Ninguém é para Vós objeto especial de favorecimento, nem
tendes objeto algum de inveja.
Śrīmatī Kuntī continuou: As pessoas apenas imaginam que sois parcial. É
realmente desconcertante, ó alma do universo, que Vós trabalheis, embora
sejais inativo, e que Vós nasçais, embora sejais a força vital e o não-nascido.
Vós desceis em pessoa entre os animais, homens, sábios e seres aquáticos.
Realmente, isso é desconcertante. Meu querido Kṛṣṇa, Yaśodā pegou uma
corda para Vos atar quando fizestes uma travessura, e Vossos olhos
perturbados inundaram-se de lágrimas, que lavaram o rímel de Vossos olhos. E
Vós estáveis temeroso, embora o medo personificado tenha medo de Vós. Esta
visão é desconcertante para mim.
Outros dizem que uma vez que tanto Vasudeva quanto Devakī oraram por
Vós, nascestes como seu filho. Sem dúvida, sois não-nascido, mas nasceis
para o bem-estar deles e para matar aqueles que são invejosos dos
semideuses. Outros dizem que o mundo, estando sobrecarregado como um
barco no mar, está muito aflito, e que Brahmā, que é Vosso filho, vos suplicou,
e assim aparecestes para diminuir o transtorno. E outros dizem ainda que Vós
aparecestes para renovar o serviço devocional de ouvir, lembrar, adorar e
assim por diante, para que as almas condicionadas que sofrem de dores
materiais aproveitem-se disso e obtenham liberação.
Ó Kṛṣṇa, aqueles que continuamente ouvem, cantam e repetem Suas
atividades transcendentais, ou sentem prazer em que os outros o façam,
certamente vêem Seus pés de lótus, que por si só podem cessar a repetição de
nascimentos e mortes. Ó meu Senhor, Vós executastes pessoalmente todos os
deveres.
Acaso estais nos deixando hoje, embora sejamos completamente
dependentes de Vossa misericórdia e embora não tenhamos ninguém que nos
proteja, agora que todos os reis se mostram nossos inimigos? Assim como o
nome e a fama de um corpo particular se acabam com o desaparecimento do
espírito vivo, de modo semelhante se Vós não zelais por nós, toda nossa fama
e atividades, juntamente com os Pāṇḍavas e os Yadus, terminarão de uma vez.
Ó Senhor do universo, ó alma do universo! Ó personalidade da forma do
universo! Portanto, por favor, cortai meus laços de afeição por meus parentes,
os Pāṇḍavas e os Vṛṣṇis. Ó Senhor de Madhu! Assim como o Ganges flui
perenemente rumo ao mar sem nenhum obstáculo, deixai que minha atração
se dirija constantemente a Vós, sem divergir para ninguém mais.
A Lamentação do Rei Yudhiṣṭhira
Sūta Gosvāmī disse: O Senhor, tendo ouvido as preces de Kuntīdevī,
compostas em palavras seletas para Sua glorificação, sorriu meigamente. Este
sorriso era tão encantador como Seu poder místico. Aceitando assim as
orações de Śrīmatī Kuntīdevī, o Senhor informou às outras senhoras de Sua
partida entrando no palácio de Hastināpura. Mas enquanto Se preparava para
sair, Ele foi parado pelo rei Yudhiṣṭhira, que implorou a Ele amorosamente.
O rei Yudhiṣṭhira, que estava muito pesaroso, não se deixou convencer,
apesar das instruções dos grandes sábios encabeçados por Vyāsa e do próprio
Senhor Kṛṣṇa, o executor de feitos sobre-humanos, e apesar de toda a
evidência histórica. O rei Yudhiṣṭhira, filho de Dharma, compungido com a
morte de seus amigos, estava pesaroso assim como um materialista comum. Ó
sábios, iludido assim pela afeição, ele começou a falar.
O rei Yudhiṣṭhira disse: Ó meu destino! Sou o homem mais pecaminoso!
Eis que meu coração está cheio de ignorância! Este corpo, que em última
análise se destina aos outros, matou muitas e muitas falanges de homens. Eu
matei muitas crianças, brāhmaṇas, benquerentes, amigos, pais, preceptores e
irmãos. Mesmo que viva milhões de anos, não me livrarei do inferno que me
espera por todos esses pecados. Quantos parceiros de mulheres eu matei!
Quantas inimizades suscitei, a tal ponto que jamais poderei desfazê-las através
de trabalhos de bem-estar material. Assim como não é possível filtrar água
lamacenta através de lama, nem purificar um pote manchado de vinho com
vinho, não é possível neutralizar o pecado da matança de homens sacrificando
animais.
Capítulo 9
A Morte de Bhīṣmadeva na Presença do Senhor
Kṛṣṇa

Mahārāja Yudhiṣṭhira Retorna ao Campo de Batalha de Kurukṣetra


Sūta Gosvāmī disse: Estando temeroso por ter matado tantas pessoas no
Campo de Batalha de Kurukṣetra, Mahārāja Yudhiṣṭhira foi até o palco do
massacre. Ali, Bhīṣmadeva estava deitado numa cama de flechas, a ponto de
morrer.
Naquela ocasião, todos seus irmãos seguiram-no em belas quadrigas
puxadas por cavalos de primeira classe, decorados com ornamentos de ouro.
Com eles estavam Vyāsa e ṛṣis como Dhaumya (o erudito sacerdote dos
Pāṇḍavas) e outros. Ó sábio entre os brāhmaṇas! O Senhor Śrī Kṛṣṇa, a
Personalidade de Deus, também seguiu, sentado numa quadriga com Arjuna.
Assim, o rei Yudhiṣṭhira parecia muito aristocrático, como Kuvera cercado de
seus companheiros (os Guhyakas).
Ao vê-lo (Bhīṣma) deitado no chão, como um semideus caído do céu, o
Rei Pāṇḍava, Yudhiṣṭhira, juntamente com seus irmãos mais novos e o Senhor
Kṛṣṇa, prostrou-se diante dele. Simplesmente para ver o líder dos
descendentes do rei Bharata (Bhīṣma), todas as grandes almas do universo, a
saber, os ṛṣis entre os semideuses, brāhmaṇas e reis, todos situados na
qualidade da bondade, reuniram-se ali.
Todos os sábios como Parvata Muni, Nārada, Dhaumya, Vyāsa - a
encarnação de Deus, Bṛhadaśva, Bharadvāja e Paraśurāma e discípulos,
Vasiṣṭha, Indrapramada, Trita, Gṛtsamada, Asita, Kakṣīvān, Gautama, Atri,
Kauśika e Sudarśana estavam presentes. E muitos outros como Śukadeva
Gosvāmī e demais almas purificadas, Kaśyapa e Āṅgirasa e outros, todos
acompanhados de seus respectivos discípulos, chegaram ali.
Bhīṣmadeva, que era o melhor entre os oito Vasus, recebeu e deu as
boas-vindas a todos os grandes e poderosos ṛṣis que estavam reunidos ali,
pois conhecia perfeitamente todos os princípios religiosos de acordo com
tempo e lugar. Os filhos de Mahārāja Pāṇḍu estavam silenciosamente sentados
ali perto, dominados pela afeição por seu avô moribundo. Vendo isso,
Bhīṣmadeva congratulou-se com eles sentidamente. Havia lágrimas de êxtase
em seus olhos, pois ele estava tomado de amor e afeição.
Os Planos Inconcebíveis do Senhor
Bhīṣmadeva disse: Oh! Que terríveis sofrimentos e que terríveis injustiças
vós, boas almas, sofrestes por serdes os filhos da religião personificada. Vós
não merecíeis viver submetidos àquelas tribulações, todavia fostes protegidos
pelos brāhmaṇas, por Deus e pela religião. Quanto à minha nora Kuntī, com a
morte do grande general Pāṇḍu, ela ficou viúva com muitos filhos, e por isso
sofreu muito. E quando vós éreis crescidos ela também sofreu em demasia por
causa de vossas ações.
Na minha opinião, tudo isso se deve ao tempo inevitável, sob cujo
controle todas as pessoas em todos os planetas são arrastadas, assim como
as nuvens são arrastadas pelo vento. Oh! Quão maravilhosa é a influência do
tempo inevitável! Ele é irreversível – de outro modo, como poderia haver
reveses na presença do rei Yudhiṣṭhira, o filho do semideus controlador da
religião; de Bhīma, o grande lutador com uma maça; do grande arqueiro Arjuna
com sua poderosa arma Gāṇḍīva; e, acima de tudo, do Senhor, o benquerente
direto dos Pāṇḍavas?
Ó rei, ninguém pode conhecer o plano do Senhor (Śrī Kṛṣṇa). Embora
grandes filósofos indaguem exaustivamente, eles ficam confusos. Ó melhor
entre os descendentes de Bharata (Yudhiṣṭhira)! Eu mantenho, portanto, que
tudo isso está dentro do plano do Senhor. Aceitando o plano inconcebível do
Senhor, tu deves segui-lo. Agora que foste apontado como o líder
administrativo, meu senhor, deves tomar conta de todos os súditos que até
agora ficaram desamparados.
A Personalidade de Deus, que aparece na mente do devoto através da
devoção atenta e da meditação, e através do canto do santo nome, libera o
devoto do cativeiro das atividades fruitivas no momento em que ele abandona o
corpo material.
As Instruções de Bhīṣmadeva
Sūta Gosvāmī disse: Mahārāja Yudhiṣṭhira, após ouvir Bhīṣmadeva falar
naquele tom suplicante, perguntou-lhe, na presença de todos os grandes ṛṣis,
sobre os princípios essenciais de vários deveres religiosos. Diante da pergunta
de Mahārāja Yudhiṣṭhira, Bhīṣmadeva primeiramente definiu todas as
classificações de castas e ordens de vida em função das qualificações
individuais. Depois ele descreveu sistematicamente, em duas partes, a
neutralização através do desapego e a interação através do apego.
Então ele explicou, por partes, os atos de caridade, as atividades
pragmáticas de um rei e as atividades para a salvação. Depois ele explicou os
deveres das mulheres e dos devotos, tanto breve quanto exaustivamente. Em
seguida, descreveu então os deveres ocupacionais das diferentes ordens de
vida, citando exemplos da história, pois ele próprio estava bem familiarizado
com a verdade.
Enquanto Bhīṣmadeva descrevia os deveres ocupacionais, o curso do sol
percorreu o hemisfério setentrional. Esse período é desejado pelos místicos
que morrem por sua própria vontade.
Bhīṣma Fixa Sua Mente em Śrī Kṛṣṇa
Sūta Gosvāmī continuou: Depois disso, aquele homem que falara sobre
diferentes assuntos com milhares de significados e que lutara em milhares de
campos de batalha e protegera milhares de homens, parou de falar e, estando
completamente livre de todo cativeiro, retraiu sua mente de tudo o mais e fixou
seus olhos arregalados na original Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, que
estava de pé diante dele, com quatro braços, vestido com roupas amarelas que
cintilavam e reluziam.
Através da meditação pura, olhando para o Senhor Śrī Kṛṣṇa, ele livrou-
se imediatamente de todas as inauspiciosidades materiais e aliviou-se de todas
as dores corpóreas causadas pelas lesões das flechas. Desse modo, todas as
atividades externas de seus sentidos pararam de imediato, e ele orou
transcendentalmente ao controlador dos seres vivos enquanto abandonava seu
corpo material.
Bhīṣmadeva disse: Oxalá possa eu agora fixar meu pensamento,
sentimentos e desejos, que por tanto tempo estiveram ocupados em diferentes
assuntos e deveres ocupacionais, no todo-poderoso Senhor Śrī Kṛṣṇa. Ele é
sempre auto-satisfeito, mas às vezes, sendo o líder dos devotos, ele desfruta
de prazer transcendental descendo a este mundo material, embora unicamente
a partir dEle o mundo material seja criado.
Śrī Kṛṣṇa é o amigo íntimo de Arjuna. Ele aparece nesta Terra em Seu
corpo transcendental, cuja cor se assemelha à cor azulada da árvore tamāla.
Seu corpo atrai a todos nos três sistemas planetários (superior, intermediário e
inferior). Oxalá Sua cintilante roupa amarela e Seu rosto de lótus, coberto com
pinturas de polpa de sândalo, sejam o objeto de minha atenção, e oxalá eu não
deseje os resultados fruitivos.
No campo de batalha (onde Śrī Kṛṣṇa acompanhou Arjuna por amizade),
o cabelo ondulado do Senhor Kṛṣṇa tornou-se cinzento devido à poeira
levantada pelas pegadas dos cavalos. E por causa de Seu esforço, gotas de
suor molhavam-Lhe o rosto. Todas essas decorações, intensificadas pelos
ferimentos provocados por minhas flechas agudas, eram desfrutadas por Ele.
Oxalá minha mente vá assim em direção de Śrī Kṛṣṇa!
Em obediência à ordem de Seu amigo, o Senhor Śrī Kṛṣṇa entrou na
arena do Campo de Batalha de Kurukṣetra entre os soldados de Arjuna e
Duryodhana, e enquanto ali esteve ele diminui os períodos de vida do grupo
oposto através de Seu olhar misericordioso. Isso foi feito simplesmente por Ele
olhar para o inimigo. Oxalá minha mente se fixe neste Kṛṣṇa!
Bhīṣmadeva instrui Mahārāja Yudhiṣṭhira
Quando Arjuna ficou aparentemente contaminado pela ignorância ao
observar os soldados e comandantes diante dele no campo de batalha, o
Senhor erradicou sua ignorância transmitindo-lhe conhecimento
transcendental. Oxalá Seus pés de lótus continuem sendo o objeto de minha
atração!
Satisfazendo meu desejo e sacrificando Sua própria promessa, Ele
desceu da quadriga, tirou de uma roda e precipitou-se em minha direção, assim
como um leão parte para matar um elefante. Ele inclusive deixou cair Seu
manto amarelo. Oxalá o Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, que
concede a salvação, seja meu destino final!
No campo de batalha Ele me atacou, como se estivesse irado por causa
dos ferimentos causados por minhas agudas flechas. Seu escudo estava
destroçado e Seu corpo estava manchado de sangue devido aos ferimentos.
No momento da morte, oxalá minha atração final seja por Śrī Kṛṣṇa, a
Personalidade de Deus!
Eu concentro minha mente no quadrigário de Arjuna que Se pôs de pé
com um chicote em Sua mão direita e uma rédea em Sua mão esquerda, e que
era muito cuidadoso em proteger a quadriga de Arjuna de todos os modos.
Aqueles que O viram no Campo de Batalha de Kurukṣetra alcançaram suas
formas originais após a morte. Oxalá minha mente se fixe no Senhor Śrī Kṛṣṇa,
cujos movimentos e sorrisos de amor atraíram as donzelas de Vrajadhāma (as
gopīs). As donzelas imitaram os movimentos característicos do Senhor (após
Seu desaparecimento da dança da rāsa).
No Rājasūya-yajña (sacrifício) executado por Mahārāja Yudhiṣṭhira, houve
a maior assembleia de todos os homens de elite do mundo (das ordens real e
erudita), e naquela grande assembleia o Senhor Śrī Kṛṣṇa foi adorado por
todos e cada um dos presentes como a mais exaltada Personalidade de Deus.
Isso aconteceu em minha presença, e eu recordei o incidente para manter
minha mente fixa no Senhor.
Sūta Gosvāmī disse: Assim, Bhīṣmadeva imergiu na Superalma, o Senhor
Śrī Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, com sua mente, palavras, visão
e ações, e então ficou silencioso, e sua respiração parou. Sabendo que
Bhīṣmadeva havia mergulhado na eternidade ilimitada do Supremo Absoluto,
todos ali presentes ficaram silenciosos como pássaros ao final do dia.
Capítulo 10
A Partida do Senhor Kṛṣṇa Para Dvārakā

Śaunaka Muni perguntou: após matar seus inimigos que desejavam


usurpar a herança a que tinha direito, como o maior de todos os homens
religiosos, Mahārāja Yudhiṣṭhira, assistido por seus irmãos, governou seus
súditos? Certamente ele não podia desfrutar livremente de seu reino com
consciência irrestrita.
Sūta Gosvāmī disse: O Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de
Deus, que é o mantenedor do mundo, ficou satisfeito após restabelecer
Mahārāja Yudhiṣṭhira em seu próprio reino e após restaurar a dinastia Kuru,
que havia sido consumida pelo fogo de bambu da ira. Mahārāja Yudhiṣṭhira,
após ser iluminado pelo que falaram Bhīṣmadeva e o Senhor Śrī Kṛṣṇa, o
infalível, ocupou-se em assuntos de conhecimento perfeito, porque todos os
seus receios foram erradicados. Assim, ele reinou sobre terras e mares, sendo
seguido por seus irmãos mais novos.
Durante o reinado de Mahārāja Yudhiṣṭhira as nuvens choviam toda a
água que as pessoas necessitavam, e a terra produzia todas as coisas
necessárias ao homem, em abundância. Devido a seus úberes intumescidos
de leite e a sua alegre disposição, a vaca costumava regar os pastos com o
leite. Os rios, oceanos e colinas, montanhas, florestas, trepadeiras e drogas
ativas, em todas as estações, pagavam sua taxa ao rei com abundância. Pelo
fato de o rei não ter inimigos, os seres vivos não eram em tempo algum
perturbados por agonias mentais, doenças, ou calor e frio excessivos.
Śrī Hari, Senhor Śrī Kṛṣṇa, residiu em Hastināpura por alguns meses,
para serenar Seus parentes e satisfazer Sua própria irmã (Subhadrā). Em
seguida, quando o Senhor pediu permissão para partir e o rei a deu, o Senhor
ofereceu Seus respeitos a Mahārāja Yudhiṣṭhira prostrando-se a seus pés, e o
rei abraçou-O. Depois disso, o Senhor, sendo abraçado pelos outros e
recebendo suas reverências, subiu em Sua quadriga.
Naquele momento Naquela época, Subhadrā, Draupadī, Kuntī, Uttarā,
Gāndhārī, Dhṛtarāṣṭra, Yuyutsu, Kṛpācārya, Nakula, Sahadeva, Bhīmasena,
Dhaumya e Satyavatī – todos quase desmaiaram, porque lhes era impossível
suportar a separação do Senhor Kṛṣṇa.
Os inteligentes, que entenderam o Senhor Supremo na companhia de
devotos puros e se livraram da má companhia materialista, jamais podem
deixar de ouvir as glórias do Senhor, mesmo que as tenham ouvido apenas
uma vez. Como, então, poderiam os Pāṇḍavas tolerar Sua separação, umavez
que tinham se associado intimamente com Sua pessoa, vendo-O face a face,
tocando-O, conversando com Ele e dormindo, sentando-se e jantando com
Ele?
Por causa de seu desejo amoroso de ver o Senhor, as damas reais dos
Kurus subiram ao topo do palácio, e, sorrindo com recatada afeição, elas
lançaram chuvas de flores sobre o Senhor. Naquele momento Arjuna, o grande
guerreiro e conquistador do sono, que é o amigo íntimo do amadíssimo Senhor
Supremo, pegou um guarda-sol que tinha um cabo de joias e era bordado com
rendas e pérolas. Absortas em pensamentos sobre as qualidades
transcendentais do Senhor, que é louvado em poesias seletas, as senhoras
nos terraços de todas as casas de Hastināpura começaram a falar dEle. Essa
conversa era mais atrativa que os hinos dos Vedas.
Elas disseram: Eis aqui a mesma Suprema Personalidade de Deus cuja
forma transcendental é experimentada pelos grandes devotos que estão
inteiramente limpos da consciência material em virtude de rígido serviço
devocional e pleno controle da vida e dos sentidos. E esta é a única maneira de
purificar a existência.
Os filhos de Suas esposas são Pradyumna, Sāmba, Amba, etc. Senhora
como Rukmiṇī, Satyabhāmā e Jāmbavatī foram tomadas à força por Ele
durante as cerimônias svayaṁvara, depois de Ele ter derrotado muitos reis
poderosos, encabeçados por Śiśupāla. E outras moças também foram tomadas
à força por Ele após Ele ter matado Bhaumāsura e milhares de seus
subordinados. Todas essas senhoras são gloriosas.
Sūta Gosvāmī disse: Enquanto as senhoras da capital de Hastināpura O
saudavam e falavam dessa maneira, o Senhor, sorrindo, aceitava suas gentis
saudações, e, lançando a graça de Seu olhar sobre elas, Ela partiu da cidade.
Capítulo 11
A Entrada do Senhor Kṛṣṇa em Dvārakā

A Opulenta e Afetuosa Recepção em Dvārakā


Sūta Gosvāmī disse: Ao alcançar o limite de Sua muito próspera
metrópole, conhecida como país dos Ānartas (Dvārakā), o Senhor tocou Seu
búzio auspicioso, anunciando Sua chegada e aparentemente apaziguando a
depressão dos habitantes. Os cidadãos de Dvārakā, tendo ouvido aquele som
que ameaça o medo personificado no mundo material, começaram a correr
depressa ao Seu encontro, simplesmente para ter uma audiência há muito
desejada com o Senhor, que é o protetor de todos os devotos.
Os cidadãos chegaram diante do Senhor Kṛṣṇa com seus respectivos
presentes, oferecendo-os à pessoa plenamente satisfeita e auto-suficiente,
que, por Sua potência, mantém incessantemente a todos. Esses presentes
eram como a oferenda de uma lamparina ao sol. Mesmo assim, os cidadãos
começaram a falar em linguagem extática para receber o Senhor, assim como
um pupilo recebe seu pai e guardião.
Ao ouvir que o amadíssimo Kṛṣṇa estava Se aproximando de Dvārakā-
dhāma, o magnânimo Vasudeva, Akrūra, Ugrasena, Balarāma (o sobre-
humanamente poderoso) Pradyumna, Cārudeṣṇa e Sāmba, o filho de
Jāmbavatī, todos extremamente felizes, abandonaram as atividades de
descansar, sentar e comer. Eles precipitaram-se em direção ao Senhor em
quadrigas, com brāhmaṇas portanto flores. Adiante deles havia elefantes,
símbolos de boa fortuna. Tocaram-se búzios e cornetins e cantaram-se hinos
védicos. Então eles ofereceram seus respeitos, que estavam saturados de
afeição. Ao mesmo tempo, muitas centenas de famosas prostitutas começaram
a seguir em vários veículos. Elas estavam todas ávidas por se encontrar com o
Senhor, e seus belos rostos estavam decorados com brincos deslumbrantes,
que realçavam a beleza de suas testas.
O Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, aproximou-Se deles e
ofereceu a devida honra e respeito a todos e cada um dos amigos, parentes,
cidadãos e todos os outros que vieram recebe-lO e dar-Lhe as boas-vindas. O
Senhor Todo-poderoso saudou todos ali presentes, inclinando Sua cabeça,
trocando congratulações, abraçando, apertando as mãos, olhando e sorrindo,
dando encorajamentos e concedendo bênçãos, mesmo aos de classe mais
baixa.
Quando o Senhor Kṛṣṇa passou pelas estradas públicas, todas as damas
das famílias respeitáveis de Dvārakā subiram aos terraços de seus palácios
simplesmente para dar uma olhadinha no Senhor. Elas consideravam isso
como o maior dos festivais.
Śrī Kṛṣṇa chega em Dvārakā
Para Além dos Modos da Natureza Material
Sūta Gosvāmī continuou: O Senhor tranquilizou-Se após matar aqueles
reis que eram um peso para a Terra. Eles estavam cheios de si por sua força
militar, seus cavalos, elefantes, quadrigas, infantaria, etc. Ele próprio não era
um participante da luta. Ele simplesmente criou hostilidade entre os poderosos
administradores, os quais lutaram entre si. Ele era como o vento que provoca
fricção entre bambus e desse modo ateia o fogo.
Esta Suprema Personalidade de Deus, Śrī Kṛṣṇa, por Sua misericórdia
sem causa, apareceu neste planeta através de Sua potência interna e divertiu-
Se entre mulheres competentes como se estivesse ocupado em afazeres
mundanos. Embora os belos sorrisos e olhares furtivos das rainhas fossem
todos imaculados e excitantes, e embora elas pudessem conquistar o próprio
Cupido fazendo com que, frustrado, abandonasse o arco, e embora mesmo o
tolerante Śiva pudesse cair vítima delas, ainda assim, apesar de todos os seus
atrativos e feitos mágicos, elas não podiam agitar os sentidos do Senhor.
Esta é a divindade da Personalidade de Deus - Ela não é afetado pelas
qualidades da natureza material, mesmo que esteja em contato com elas. De
modo semelhante, os devotos que se refugiam no Senhor não se tornam
influenciados pelas qualidades materiais.
Capítulo 12
O Nascimento do Imperador Parīkṣit

O Reinado de Mahārāja Yudhiṣṭhira


O sábio Śaunaka disse: O ventre de Uttarā, mãe de Mahārāja Parīkṣit, foi
arruinado pela medonha e invencível arma brahmāstra lançada por
Aśvatthāmā. Mas Mahārāja Parīkṣit foi salvo pelo Senhor Supremo. Como o
grande imperador Parīkṣit, que era muito inteligente e um grande devoto,
nasceu naquele ventre? Como aconteceu sua morte, e o que ele alcançou
após sua morte?
Śrī Sūta Gosvāmī disse: O imperador Yudhiṣṭhira administrou
generosamente a todos durante seu reinado. Ele era exatamente como o pai
dele. Ela não tinha ambição pessoal e estava livre de todas as espécies de
gozo dos sentidos por causa de seu contínuo serviço aos pés de lótus do
Senhor Śrī Kṛṣṇa. Até mesmo aos planetas celestiais chegaram as notícias
sobre as posses mundanas de Mahārāja Yudhiṣṭhira, os sacrifícios pelos quais
ele alcançaria um destino melhor, sua rainha, seus irmãos vigorosos, seu
extenso território, sua soberania sobre o planeta Terra, sua fama e assim por
diante. Ó brāhmaṇas, a opulência do rei era tão deslumbrante que os cidadãos
do céu aspiravam por ela! Mas porque ele estava absorto no serviço ao
Senhor, nada podia satisfazê-lo, exceto o serviço ao Senhor.
A Salvação do Rei Parīkṣit
Sūta Gosvāmī disse: Ó filho de Bhṛgu (Śaunaka), quando o bebê Parīkṣit,
o grande lutador, estava no ventre de sua mãe, Uttarā, e sofria o calor
incandescente da brahmāstra (atirada por Aśvatthāmā), ele pôde observar o
Senhor Supremo vindo ao seu encontro. Ele (o Senhor) tinha a altura de
apenas um polegar, mas era completamente transcendental. Tinha um corpo
muito belo, anegrado e infalível, e vestia uma roupa amarelo-cintilante, e um
elmo de ouro fulgurante. A criança O viu dessa maneira. O Senhor estava
enriquecido com quatro braços, brincos de ouro fundido e olhos ardendo em
fúria. Conforme Ele caminhava, Sua maça constantemente circundava-O, como
uma estrela cadente.
O Senhor ocupou-Se, assim, em extinguir a radiação da brahmāstra,
assim como o sol evapora uma gota de orvalho. A criança O observava e
pensava quem seria Ele. Enquanto era assim observado pela criança, o Senhor
Supremo, a Personalidade de Deus, a Superalma de todos e o protetor dos
justos, que Se espalha por todas as direções e que não é limitado por tempo e
espaço, desapareceu subitamente.
As Qualidades do Herdeiro de Pāṇḍu
Sūta Gosvāmī continuou: Logo após, quando todos os bons signos do
zodíaco gradualmente evolveram, o herdeiro presuntivo de Pāṇḍu, que seria
exatamente como ele em coragem, nasceu. O rei Yudhiṣṭhira, que estava muito
satisfeito com o nascimento de Mahārāja Parīkṣit, providenciou a execução do
processo purificatório de nascimento. Brāhmaṇas eruditos, encabeçados por
Dhaumya e Kṛpa, recitaram hinos auspiciosos. Com o nascimento de um filho,
o rei, que sabia como, onde e quando deve-se dar caridade, deu ouro, terra,
aldeias, elefantes, cavalos e bons grãos alimentícios aos brāhmaṇas.
Os brāhmaṇas disseram: Esse filho imaculado foi restaurado pelo todo-
poderoso e onipenetrante Senhor Viṣṇu, a Personalidade de Deus, para te
agradar. Ele foi salvo quando estava ameaçado de ser destruído por uma
irresistível arma sobrenatural. Por essa razão esta criança será famosa no
mundo como aquele que é protegido pela Personalidade de Deus. Ó pessoa
mais afortunada, não há dúvida de que essa criança tornar-se-á um devoto de
primeira classe e qualificar-se-á com todas as boas qualidades.
O bom rei (Yudhiṣṭhira) perguntou: Ó grandes almas, acaso tornar-se-á
ele um rei tão santo, tão piedoso por força de seu nome e tão famoso e
glorioso em suas realizações como outros que apareceram nesta grande
família real?
Os brāhmaṇas eruditos disseram: Ó filho de Pṛthā, esta criança será
exatamente como o rei Ikṣvāku, filho de Manu, na manutenção de todos
aqueles que nascem. E no que diz respeito a seguir os princípios bramânicos,
especialmente quanto a ser fiel à sua promessa, ele será exatamente como
Rāma, a Personalidade de Deus, o filho de Mahārāja Daśaratha.
Esta criança será um munificente doador de caridade e protetor dos
rendidos, assim como o famoso rei Śibi do país Uśīnara. E expandirá o nome e
a fama de sua família como Bharata, o filho de Mahārāja Duṣyanta. Entre os
grandes arqueiros, esta criança será tão boa como Arjuna. Ela será irresistível
como o fogo e instransponível como o oceano. Esta criança será tão forte como
um leão, e um abrigo tão útil como as montanhas dos Himalaias. Ele será
indulgente como a terra e tão tolerante como seus pais.
Esta criança será como seu avô Yudhiṣṭhira ou como Brahmā em
equanimidade mental. Será munificente como o senhor da Colina Kailāsa, Śiva.
E será o abrigo de todos, assim como a Suprema Personalidade de Deus
Nārāyaṇa, que é o refúgio até mesmo da deusa da fortuna.
Esta criança será quase tão boa como o Senhor Śrī Kṛṣṇa por seguir Seus
passos. Em magnanimidade, ele tornar-se-á tão grandioso como o rei
Rantideva. E em religião, será como Mahārāja Yayāti. Esta criança será como
Bali Mahārāja em paciência, um devoto resoluto do Senhor Kṛṣṇa como
Os brāhmaṇas fazem previsões sobre a personalidade da criança Parīkṣit
Prahlāda Mahārāja, um realizador de muitos sacrifícios aśvamedha (cavalo) e
um seguidor dos homens velhos e experientes. Esta criança será o pai de rei
que serão como sábios. Em prol da paz do mundo e para o benefício da
religião, ele será o castigador dos presunçosos e dos intrigantes.
Após ouvir sobre sua morte, que será causada pela picada de uma
serpente alada enviada pelo filho de um brāhmaṇa, ele livrar-se-á de todo o
apego material e render-se-á à Personalidade de Deus, refugiando-se nEle.
Após perguntar sobre o auto-conhecimento apropriado ao filho de Vyāsadeva,
que será um grande filósofo, ele renunciará a todo apego material e alcançará
uma vida de destemor.
Sūta Gosvāmī disse: Assim, aqueles que eram peritos em conhecimento
astrológico e na execução da cerimônia de nascimento instruíram o rei
Yudhiṣṭhira sobre a história futura de seu neto. Então, sendo suntuosamente
remunerados, todos retornaram a seus respectivos lares.
Assim, seu neto tornar-se-ia famoso no mundo como Parīkṣit (o
examinador) porque viria para examinar todos os seres humanos em busca
daquela personalidade que vira antes de seu nascimento. Desse modo, ele
acabaria por contemplá-lO constantemente.
O Tesouro do Rei Marutta
Assim como a lua, em seu quarto crescente, desenvolve-se dia após dia,
o príncipe real (Parīkṣit) muito logo se desenvolveu exuberantemente, sob os
cuidados e plenas facilidades de seus avós-tutores. Justamente nesta época
Mahārāja Yudhiṣṭhira estava pensando na realização de um sacrifício de cavalo
para livrar-se dos pecados cometidos durante a luta com seus parentes. Mas
ficou ansioso por obter alguma riqueza, pois não havia fundos extras além da
coleta de multas e impostos.
Entendendo os desejos do coração do rei, seus irmãos, conforme foram
aconselhados pelo infalível Senhor Kṛṣṇa, coletaram suficientes riquezas do
norte (deixadas pelo rei Marutta). Com aquelas riquezas, o rei pôde obter os
ingredientes para três sacrifício de cavalo. Assim, o piedoso rei Yudhiṣṭhira,
que estava muito temeroso após a Batalha de Kurukṣetra, satisfez o Senhor
Hari, a Personalidade de Deus.
O Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, tendo sido convidado aos
sacrifícios por Mahārāja Yudhiṣṭhira, cuidou para que eles fossem executados
por brāhmaṇas qualificados (duas-vezes-nascidos). Depois disso, para o prazer
dos parentes, o Senhor permaneceu ali por alguns meses. Ó Śaunaka, depois
disso, o Senhor, tendo Se despedido do rei Yudhiṣṭhira, de Draupadī e outros
parentes, partiu rumo à cidade de Dvārakā, acompanhado por Arjuna e outros
membros da dinastia Yadu.
Capítulo 13
Dhṛtarāṣṭra Abandona o Lar

Vidura Regressa a Hastināpura


Śrī Sūta Gosvāmī disse: Enquanto viajava peregrinando, Vidura recebeu
da parte do grande sábio Maitreya o conhecimento do destino do eu e então
regressou a Hastināpura. Ele tornou-se tão bem versado no assunto como
havia desejado. Após fazer muitas perguntas e estabelecer-se em serviço
transcendental amoroso ao Senhor Kṛṣṇa, Vidura deixou de interrogar Maitreya
Muni.
Quando viram Vidura retornar ao palácio, todos os habitantes - Mahārāja
Yudhiṣṭhira, seus irmãos mais novos, Dhṛtarāṣṭra, Sātyaki, Sañjaya, Kṛpācārya,
Kuntī, Gāndhārī, Draupadī, Subhadrā, Uttarā, Kṛpī, muitas outras esposas dos
Kauravas e outras senhoras com filhos – todos apressaram-se em sua direção
com grande deleite. Parecia que eles haviam recobrado sua consciência após
um longo período. Eles trocaram reverências e deram boas-vindas uns aos
outros, abraçando-se.
Devido às ansiedades e longa separação, todos eles choraram de
afeição. Então o rei Yudhiṣṭhira providenciou que lhe arranjassem
acomodações e um assento para recepcioná-lo. Após comer suntuosamente e
descansar o bastante, Vidura sentou-se confortavelmente. Então o rei começou
a falar-lhe, e todos ali presentes ouviam-no.
Mahārāja Yudhiṣṭhira disse: Meu tio, lembras-te de como sempre nos
protegeste, juntamente com nossa mãe, de todas as espécies de calamidades?
Tua parcialidade, como as asas de um pássaro, salvou-nos do envenenamento
e do incêndio premeditado. Enquanto viajavas sobre a face da Terra, como
mantinhas tua subsistência? Em que lugares santos e locais de peregrinação
prestaste serviço?
Meu senhor, devotos como vossa graça são, em verdade, lugares santos
personificados. Porque carregas a Personalidade de Deus dentro de teu
coração, convertes todos os lugares em locais de peregrinação. Meu tio, tu
deves ter visitado Dvārakā. Naquele lugar sagrado estão nossos amigos e
benquerentes, os descendentes de Yadu, que estão sempre absortos no
serviço ao Senhor Śrī Kṛṣṇa. Deves tê-los visto ou ouvido sobre eles. Acaso
vivem eles felizes em suas moradas?
Sūta Gosvāmī continuou: Sendo assim interrogado por Mahārāja
Yudhiṣṭhira, Mahātmā Vidura descreveu gradualmente tudo que experimentara
pessoalmente, exceto a notícia da aniquilação da dinastia Yadu. O compassivo
Mahātmā Vidura não suportava ver os Pāṇḍavas desolados em momento
algum. Portanto, ele não revelou este desagradável e insuportável incidente,
porque as calamidades vêm por si mesmas. Então, Mahātmā Vidura, sendo
tratado como uma pessoa divina por seus parentes, permaneceu ali por um
determinado período apenas para retificar a mentalidade de seu irmão mais
velho e dessa maneira dar felicidade a todos os demais.
Enquanto Vidura representava o papel de um śūdra, por maldição de
Maṇḍūka Muni, Aryamā assumira o posto de Yamarāja para punir aqueles que
cometeram atos pecaminosos.
Tendo conquistado seu reino e observado o nascimento de um neto
competente para continuar a nobre tradição de sua família, Mahārāja
Yudhiṣṭhira reinou pacificamente e desfrutou de incomum opulência obtendo a
cooperação de seus irmãos mais novos, que eram todos administradores
habilidosos para as pessoas em geral. O insuperável tempo eterno derrota,
imperceptivelmente, aqueles que são demasiadamente apegados aos afazeres
familiares e estão sempre absortos pensando neles. Mahātmā Vidura sabia de
tudo isso, e portanto, dirigiu-se a Dhṛtarāṣṭra.
Vidura Instrui Seu Irmão Dhṛtarāṣṭra
Vidura disse: Meu caro rei, por favor, sai daqui imediatamente. Não
demores. Vê só como o temor te dominou. Nenhuma pessoa neste mundo
material pode remediar situação tão terrível. Meu senhor, é a Suprema
Personalidade de Deus, como o tempo eterno (kāla), que Se aproxima de todos
nós. Quem quer que esteja sob a influência do kāla supremo (o tempo eterno)
tem que entregar sua vida tão querida, e o que dizer de outras coisas, como
riqueza, honra, filhos, terra e lar?
Teu pai, irmão, benquerente e filhos estão todos mortos e desaparecidos.
Tu mesmo já consumiste a maior parte de tua vida, teu corpo agora está
tomado pela invalidez e vives em lar alheio. Tens sido cego desde o
nascimento e recentemente te converteste num deficiente auditivo. Tua
memória está reduzida e tua inteligência está perturbada. Tens os dentes
frouxos, tens deficiência hepática e estás expectorando muco.
Ai de mim! Quão poderosas são as esperanças dos seres vivos de
continuarem vivendo! Em verdade, estás vivendo como um cão doméstico e
comes os restos de alimento dados por Bhīma. Não há necessidade de viver
uma vida degradada e subsistir da caridade daqueles que tentaste matar por
meio do incêndio premeditado e do envenenamento. Também insultaste uma
das esposas deles, usurpaste seu reino e riqueza.
Apesar de tua relutância em morrer e de teu desejo de viver, mesmo à
custa da honra e do prestígio, teu corpo mesquinho certamente se há de
degenerar e deteriorar como uma roupa velha. Aquele que vai para um lugar
remoto e desconhecido e, livre de todas as obrigações, abandona o corpo
material, quando este se torna inútil, é denominado imperturbável. Certamente
ele é um homem de primeira classe, que desperta e compreende, seja por si
próprio ou através de outros, a falsidade e miséria deste mundo material, e
assim abandona o lar e depende plenamente da Personalidade de Deus que
mora em seu coração. Portanto, por favor, parte imediatamente para o norte,
sem deixar teus parentes saberem, pois logo chegará o tempo que diminuirá as
boas qualidades dos homens.
Sūta Gosvāmī disse: Assim, Mahārāja Dhṛtarāṣṭra, o descendente da
família de Ajamīḍha, firmemente convencido através de conhecimento
introspectivo (prajñā), rompeu de uma vez a forte rede de afeição familiar com
determinação resoluta. Desse modo ele imediatamente deixou o lar para
empreender o caminho da liberação, conforme orientação de Vidura, seu irmão
mais novo.
A amável e casta Gāndhārī, que era filha do rei Subala de Kandahar (ou
Gāndhāra, seguiu seu esposo, vendo que ele se dirigia para as montanhas dos
Himalaias, que são o deleite daqueles que aceitam o bastão da ordem de vida
renunciada, tal como os lutadores que aceitam um bom açoite do inimigo.
Mahārāja Yudhiṣṭhira Lamenta a Ausência de Seus Parentes
Mahārāja Yudhiṣṭhira, que jamais tivera inimigos, executava seus deveres
matutinos diários orando, oferecendo sacrifício de fogo ao deus do sol e
oferecendo reverências, cereais, vacas, terra e ouro aos brāhmaṇas. Entrou,
pois, no palácio para oferecer respeitos aos mais velhos. Contudo, ele não
pôde encontrar seus tios e sua tia, a filha do rei Subala. Mahārāja Yudhiṣṭhira,
cheio de ansiedade, dirigiu-se a Sañjaya, que estava sentado ali.
Mahārāja Yudhiṣṭhira disse: Ó Sañjaya, onde está nosso tio, que é velho
e cego? Onde está meu benquerente, tio Vidura, e mãe Gāndhārī, que está
muito aflita devido à morte de todos os seus filhos? Meu tio Dhṛtarāṣṭra
também estava muito mortificado devido à morte de todos os seus filhos e
netos. Não há dúvida de que sou muito ingrato. Teria ele, portanto, levado
minhas ofensas muito a sério e, juntamente com sua esposa, se atirado ao
Ganges? Quando meu pai, Pāṇḍu, caiu e todos nós éramos crianças
pequenas, esses dois tios deram-nos proteção contra todas as espécies de
calamidades. Eles eram sempre nossos bons benquerentes. Ai de mim! Para
onde terão eles partido?
Sūta Gosvāmī disse: Devido à compaixão e agitação mental, Sañjaya,
não vendo seu próprio amo, Dhṛtarāṣṭra, afligiu-se e não pôde responder
adequadamente a Mahārāja Yudhiṣṭhira. Primeiro ele apaziguou aos poucos
sua mente com a inteligência, e, enxugando suas lágrimas e pensando nos pés
de seu amo, Dhṛtarāṣṭra, começou a responder a Mahārāja Yudhiṣṭhira.
Sañjaya disse: Meu caro descendente da dinastia Kuru, eu não tenho
informação da determinação de teus dois tios e Gāndhārī. Ó rei, fui enganado
por aquelas grandes almas.
Enquanto Sañjaya falava dessa maneira, Śrī Nārada, o poderoso devoto
do Senhor, apareceu em cena carregando seu tumburu. Mahārāja Yudhiṣṭhira
e seus irmãos receberam-no adequadamente, levantando-se de seus assentos
e oferecendo-lhe reverências.
Mahārāja Yudhiṣṭhira disse: Ó personalidade divina, eu não sei para onde
foram meus dois tios. Tampouco posso encontrar minha tia asceta, que está
ferida de aflição pela perda de todos os seus filhos. Tu és como um capitão de
navio num grande oceano e podes dirigir-nos a nosso destino - sendo assim
interpelado, a personalidade divina, Devarṣi Nārada, o maior dos devotos
filósofos, começou a falar.
As Instruções de Śrī Nārada Sobre a Serpente do Tempo
Śrī Nārada disse: Ó rei piedoso, não te lamentes por ninguém, pois todos
estão sob o controle do Senhor Supremo. Portanto, todos os seres vivos e seus
líderes executam adoração para serem bem protegidos. É unicamente Ele que
os une e dispersa. Assim como uma vaca, amarrada pelo nariz com uma longa
corda, está condicionada, da mesma forma, os seres humanos estão atados
pelos diferentes preceitos védicos e são condicionados a obedecer às ordens
do Supremo.
Assim como um jogador monta e dispersa seus brinquedos de acordo
com sua livre vontade, da mesma forma a vontade suprema do Senhor reúne
os homens e os separa. Ó rei, em todas as circunstâncias, quer consideres a
alma como um princípio eterno, ou o corpo material como sendo perecível, ou
tudo como existindo na Verdade Absoluta impessoal, ou tudo como sendo uma
combinação inexplicável de matéria e espírito, os sentimentos de separação
são devidos unicamente à afeição ilusória e a nada mais.
Portanto, abandona tua ansiedade devida à ignorância do eu. Agora estás
pensando em como eles, pobres criaturas desamparadas, existirão sem ti. Este
corpo material grosseiro feito de cinco elementos já está sob o controle do
tempo eterno (kāla), da ação (karma) e dos modos da natureza material (guṇa).
Como ele pode, então, estando já nas mandíbulas da serpente, proteger os
outros? Aqueles que são desprovidos de mãos são presas para aqueles que
têm mãos; aqueles que são desprovidos de pernas são presas para os
quadrúpedes. O fraco é a subsistência do forte, e a regra geral mantém que um
ser vivo é alimento para outro.
Portanto, ó rei, tu deves ater-te apenas ao Senhor Supremo, que é único
e incomparável e que Se manifesta através de diferentes energias e está
dentro e fora. Esta Suprema Personalidade de Deus, Senhor Śrī Kṛṣṇa, no
Dhṛtarāṣṭra e Sua Esposa Abandonam o Corpo
disfarce do tempo que tudo devora (kāla-rūpa), desce agora à Terra para
eliminar do mundo os invejosos. O Senhor já executou Seus deveres para
ajudar os semideuses, e Ele está aguardando o repouso. Vós, Pāṇḍavas,
deveis aguardar enquanto o Senhor estiver aqui na Terra.
Dhṛtarāṣṭra e Sua Esposa Abandonam o Corpo
Śrī Nārada continuou: Ó rei, teu tio Dhṛtarāṣṭra, seu irmão Vidura e sua
esposa Gāndhārī foram para o lado meridional das montanhas dos Himalaias,
onde se refugiam os grandes sábios. O lugar chama-se Saptasrota (dividido
por sete) porque ali as águas do sagrado Ganges foram divididas em sete
ramos. Isso foi feito para a satisfação dos sete grandes ṛṣis. Às margens de
Saptasrota, Dhṛtarāṣṭra está agora se iniciando no aṣṭāṅga-yoga, banhando-se
três vezes por dia – de manhã, ao meio-dia e à noite – executando o sacrifício
de fogo, Agni-hotra, e bebendo apenas água. Isso nos ajuda a controlar a
mente e os sentidos, e nos liberta completamente de pensamentos da afeição
familiar.
Aquele que controla as posturas sentadas (āsanas) e o processo
respiratório pode fixar os sentidos na Absoluta Personalidade de Deus e, desse
modo, tornar-se imune às contaminações dos modos da natureza material, a
saber, bondade mundana, paixão e ignorância.
Dhṛtarāṣṭra terá que amalgamar sua identidade pura com a inteligência e
então imergir no Ser Supremo, com conhecimento de sua unidade qualitativa,
como uma entidade viva, com o Brahman Supremo. Livrando-se do céu
limitado, ele terá de elevar-se ao céu espiritual. Ele terá que suspender todas
as ações dos sentidos, mesmo as vindas de fora, e terá que ser intangível às
interações dos sentidos, que são influenciados pelos modos da natureza
material. Após renunciar a todos os deveres materiais, deverá estabelecer-se
inamovivelmente, além de todas as fontes de obstáculos no caminho.
Ó rei, ele abandonará seu corpo mais provavelmente no quinto dia a partir
de hoje. E seu corpo converter-se-á em cinzas. Enquanto estiver de fora,
observando seu esposo, que se queimará no fogo do poder místico juntamente
com sua cabana de palha, sua casta esposa entrará no fogo com absorta
atenção. E Vidura, comovido pelo deleite bem como pelo pesar, deixará então
aquele lugar de peregrinação sagrada.
Sūta Gosvāmī disse: Tendo falado dessa maneira, o grande sábio
Nārada, juntamente com sua vīṇā, ascendeu ao espaço exterior. Yudhiṣṭhira
guardou suas instruções em seu coração, e assim foi capaz de desvencilhar-se
de todas as lamentações.
Capítulo 14
O Desaparecimento do Senhor Kṛṣṇa

Mahārāja Yudhiṣṭhira Observa Maus Presságios


Śrī Sūta Gosvāmī disse: Arjuna foi até Dvārakā para ver o Senhor Śrī
Kṛṣṇa e outros amigos e também para saber do Senhor sobre Suas próximas
atividades. Passaram-se alguns meses e Arjuna não retornava. Então,
Mahārāja Yudhiṣṭhira começou a observar alguns presságios inauspiciosos,
que eram por si só assustadores.
Ele viu que a direção do tempo eterno havia mudado, e isso era muito
assustador. Havia disrupções nas regularidades sazonais. As pessoas em
geral tinham se tornado muito cobiçosas, iradas e traiçoeiras. E ele viu que elas
estavam adotando meios escusos de subsistência. Todas as transações e
tratos ordinários tornaram-se poluídos com trapaças, mesmo entre amigos. E
nos afazeres sempre havia desentendimento entre pais, mães e filhos, entre
benquerentes e entre irmãos. Mesmo entre esposo e esposa sempre havia
tensão e desavença. No decorrer do tempo ocorreu que as pessoas em geral
acostumaram-se à cobiça, à ira, ao orgulho, etc. Mahārāja Yudhiṣṭhira,
observando todos esses presságios, falou a seu irmão mais novo.
Mahārāja Yudhiṣṭhira disse a seu irmão mais novo, Bhīmasena: Eu enviei
Arjuna a Dvārakā para encontrar-se com seus amigos e para saber da
Personalidade de Deus, Kṛṣṇa, sobre Seu programa de trabalho. Já se
passaram sete meses desde que ele partiu, e todavia, ainda não retornou. De
fato, não sei como vão as coisas por lá. Estaria Ele abandonando Seus
passatempos terrestres, como Devarṣi Nārada indicou? Já teria chegado esse
momento?
Vê só, ó homem que tens a força de um tigre, quantas misérias devidas
às influências celestes, reações terrestres e dores corpóreas – todas muito
perigosas em si mesmas – estão prenunciando perigo em futuro próximo,
iludindo nossa inteligência. O lado esquerdo do meu corpo, minhas coxas,
braços e olhos estão todos tremendo repetidamente. Estou tendo palpitações
cardíacas devido ao medo. Tudo isso indica acontecimentos indesejáveis.
Vê só, ó Bhīma, como a fêmea do chacal chora ao nascer do sol e vomita
fogo, e como o cão late para mim destemidamente. Vê só! Este pombo é como
um mensageiro da morte. Os guinchos das corujas e de seus rivais, os corvos,
fazem meu coração tremer. Parece que eles querem fazer de todo o universo
um vazio. Vê só como a fumaça envolve o céu. Parece que a terra e as
montanhas estão pulsando. Ouve só o trovão sem nuvens e vê os relâmpagos
no céu azul.
O vento sopra violentamente, esparramando poeira por toda a parte e
criando escuridão. As nuvens estão chovendo em toda a parte, provocando
desastres sangrentos. Os raios do sol declinando, e as estrelas parecem estar
lutando entre si. Entidades vivas confusas parecem estar ardendo em chamas
e chorando. Os rios, afluentes, represas, reservatórios e a mente estão todos
perturbados. A manteiga já não acende o fogo. Que tempo extraordinário é
este? O que vai acontecer? Os bezerros não sugam as tetas das vacas,
tampouco as vacas dão leite. Elas estão paradas, chorando, com lágrimas nos
olhos, e os touros não sentem prazer nos campos de pastagem.
As Deidades parecem estar chorando no templo, lamentando-Se e
transpirando. Parece que estão a ponto de partir. Todas as cidades, aldeias,
municípios, jardins, minas e eremitérios agora estão desprovidos de beleza e
privados de toda a felicidade. Eu não sei que espécies de calamidades nos
esperam agora. Creio que todos esses distúrbios terrestres indicam uma
grande perda para a boa fortuna do mundo. O mundo foi afortunado de ter sido
marcado com as impressões dos pés de lótus do Senhor. Esses sinais indicam
que isso não mais acontecerá.
O Rei Yudhiṣṭhira Pergunta Sobre o Bem-Estar de Seus Parentes
Sūta Gosvāmī disse: Ó Brāhmaṇa Śaunaka, enquanto Mahārāja
Yudhiṣṭhira, observava os sinais inauspiciosos sobre a Terra naquela ocasião e
pensava assim consigo mesmo, Arjuna voltou da cidade dos Yadus (Dvārakā).
Quando ele se prostrou a seus pés, o rei viu que sua depressão não tinha
precedentes. Sua cabeça estava pendida e lágrimas deslizavam de seus olhos
de lótus. Vendo Arjuna pálido devido às ansiedades de seu coração, o rei,
lembrando-se das indicações do sábio Nārada, perguntou-lhe no meio dos
amigos.
Mahārāja Yudhiṣṭhira disse: Meu querido irmão, por favor, dize-me se
nossos amigos e parentes, tais como Madhu, Bhoja, Daśārha, Ārha, Sātvata,
Andhaka e os membros da família Yadu estão todos passando alegremente
seus dias. Ugrasena, cujo filho era o perverso Kaṁsa, e seu irmão mais novo
ainda vivem? Hṛdīka e seu filho Kṛtavarmā estão felizes? Akrūra, Jayanta,
Gada, Sāraṇa e Śatrujit estão todos felizes? Como está Balarāma, a
Personalidade de Deus e o protetor dos devotos? Todos os filhos principais do
Senhor Kṛṣṇa, como Suṣeṇa, Cārudeṣṇa, Sāmba, o filho de Jāmbavatī, e
Ṛṣabha, juntamente com seus filhos, estão todos passando bem?
Acaso o Senhor Kṛṣṇa, a Suprema Personalidade de Deus, que dá prazer
às vacas, aos sentidos e aos brāhmaṇas, que é muito afetuoso com Seus
devotos, está desfrutando da piedosa assembleia de Dvārakā Purī, cercado
pelos amigos?
Meu irmão Arjuna, por favor, dize-me se estás bem de saúde, pareces ter
perdido teu lustro corpóreo. Acaso isso se deve a que outros teriam te
desrespeitado e negligenciado por causa de tua longa permanência em
Dvārakā? Alguém se dirigiu a ti com palavras inamistosas ou te ameaçou? Não
pudeste dar caridade a alguém que pediu, ou não pudeste manter tua
promessa a alguém? Tu és sempre o protetor dos seres vivos merecedores,
tais como os brāhmaṇas, as crianças, as vacas, as mulheres e os doentes. Não
pudeste dar-lhes proteção quando se aproximaram de ti em busca de refúgio?
Tiveste contato com uma mulher de caráter censurável, ou não trataste
adequadamente uma mulher respeitável? Ou foste derrotado no caminho por
alguém que é inferior ou igual a ti? Não deste atenção a anciãos e meninos que
mereciam jantar contigo? Acaso os deixaste e tomaste tuas refeições sozinho?
Acaso cometeste algum erro imperdoável que seja considerado abominável?
Ou será que estás te sentindo vazio por todo o tempo porque poderias ter
perdido teu amigo mais íntimo, o Senhor Kṛṣṇa? Ó meu irmão Arjuna, não
posso pensar em nenhuma outra razão para teres ficado tão deprimido.
Capítulo 15
Os Pāṇḍavas Retiram-se a Tempo

A Aflição de Arjuna
Sūta Gosvāmī disse: Arjuna, o célebre amigo do Senhor Kṛṣṇa, estava
ferido de pesar por causa de seu forte sentimento de separação de Kṛṣṇa, além
de todas as perguntas especulativas de Mahārāja Yudhiṣṭhira. Devido ao
pesar, a boca de Arjuna e seu coração semelhante ao lótus secaram. Portanto,
seu corpo perdeu todo o brilho. Agora, relembrando o Senhor Supremo, ele mal
podia proferir uma palavra em resposta. Relembrando o Senhor Kṛṣṇa e Seus
bons votos, benefícios, relações familiares íntimas e Seu dirigir de quadriga,
Arjuna, constrangido e respirando pesadamente, começou a falar.
Arjuna disse: Ó rei! A Suprema Personalidade de Deus, Hari, que me
tratou exatamente como um amigo íntimo, deixou-me sozinho. Desse modo,
meu poder surpreendente, que pasmava até mesmo os semideuses, já não
está comigo. Eu acabo de perdê-lO, cuja separação por um momento faria
todos os universos desfavoráveis e vazios, como corpos sem vida.
Unicamente por Sua força misericordiosa fui capaz de derrotar todos os
príncipes luxuriosos reunidos no palácio do rei Drupada para a escolha do
noivo. Com meu arco e flecha pude trespassar o peixe que servia como alvo, e
desse modo obter a mão de Draupadī. Porque Ele estava perto de mim, foi-me
possível conquistar, com grande habilidade, o poderoso rei do céu, Indradeva,
juntamente com seus associados semideuses, e desse modo capacitar o deus
do fogo a devastar a Floresta Khāṇḍava. E Somente por Sua graça o demônio
chamado Maya foi salvo do incêndio da Floresta Khāṇḍava, e assim pudemos
construir nossa casa de assembleia de maravilhosa manufatura arquitetural,
onde todos os príncipes se reuniram durante a execução do Rājasūya-yajña e
pagaram-te tributos.
Teu respeitável irmão mais novo, que possui a força de dez mil elefantes,
matou, por Sua graça, Jarāsandha, cujos pés eram adorados por muitos reis.
Esses reis tinham sido trazidos para sacrifício no Mahābhairava-yajña de
Jarāsandha, mas então foram libertados. Mais tarde eles pagaram tributo a
Vossa Majestade.
Foi unicamente Ele quem soltou o cabelo de todas as esposas dos
canalhas que ousaram soltar o cacho de cabelo de tua rainha, que tinha sido
belamente adornado e santificado para a grande cerimônia do sacrifício
Rājasūya. Naquele momento ela caiu aos pés do Senhor Kṛṣṇa, com lágrimas
nos olhos.
As lembranças e os sentimentos de separação de Arjuna
Durante nosso exílio, Durvāsā Muni, que come com seus dez mil
discípulos, fez uma intriga junto a nossos inimigos para colocar-nos em
perigoso apuro. Naquele momento, Ele, o Senhor Kṛṣṇa, salvou-nos
simplesmente por aceitar as sobras de comida. Por Ele ter aceitado comida
desta maneira, a assembleia de munis, enquanto se banhava no rio, sentiu-se
suntuosamente alimentada. E todos os três mundos também ficaram
satisfeitos.
Foi unicamente devido à Sua influência que, numa luta, fui capaz de
deixar atônito o Senhor Śiva e sua esposa, a filha do Monte Himalaia. Então ele
(Senhor Śiva) ficou satisfeito comigo e concedeu-me sua própria arma. Outros
semideuses também me entregaram suas respectivas armas, e, além disso, fui
capaz de alcançar os planetas celestiais neste corpo atual e recebi um assento
semi-elevado.
Quando permaneci por alguns dias como hóspede nos planetas celestiais,
todos os semideuses celestiais, inclusive o rei Indradeva, refugiaram-se em
meus braços, que estavam marcados com o arco Gāṇḍīva, para matar o
demônio chamado Nivātakavaca. Ó rei, descendente de Ajamidha, no presente
momento estou privado da Suprema Personalidade de Deus, por cuja
influência eu era tão poderoso.
Foi unicamente Ele quem retirou a duração de vida de todos e que, no
campo de batalha, retirou o poder especulativo e a força de entusiasmo da
grande falange militar feita pelos Kauravas, encabeçados por Bhīṣma, Karṇa,
Droṇa, Śalya, etc. O arranjo deles era hábil e mais que adequado, mas Ele (o
Senhor Śrī Kṛṣṇa) desfez tudo isso enquanto avançava.
Grandes generais como Bhīṣma, Droṇa, Karṇa, Bhūriśravā, Suśarmā,
Śalya, Jayadratha e Bāhlika, todos apontaram suas armas invencíveis contra
mim. Mas por Sua (do Senhor Kṛṣṇa) graça eles nem mesmo puderam tocar
um fio de meu cabelo. De modo semelhante, Prahlāda Mahārāja, o devoto
supremo do Senhor Nṛsiṁhadeva, não foi afetado pelas armas que os
demônios usaram contra ele.
Foi unicamente por Sua misericórdia que meus inimigos descuidaram-se
de matar-me quando desci de minha quadriga a fim de conseguir água para
meus cavalos sedentos. E foi apenas devido à minha falta de estima por meu
Senhor que ousei ocupá-lO como meu quadrigário, pois os melhores homens O
adoram e O servem para alcançarem a salvação.
Arjuna continuou: Ó rei! As brincadeiras e conversas francas dEle eram
agradáveis e belamente decoradas com sorrisos. Sua maneira de tratar-me
como “ó filho de Pṛthā, ó amigo, ó filho da dinastia Kuru”, e todas essas
cordialidades agora me vêm à lembrança, e desse modo estou oprimido.
Geralmente nós dois costumávamos viver juntos e dormir, sentar e caminhar
juntos. E no momento de se dar a conhecer pelos atos de cavalheirismo, às
vezes, se havia alguma irregularidade, eu costumava censurá-lO, dizendo:
“Meu amigo, Tu és muito veraz”. Mesmo nessas horas em que Seu valor era
minimizado, Ele, sendo a Alma Suprema, costumava tolerar todos aqueles
meus pronunciamentos, perdoando-me exatamente como um verdadeiro amigo
perdoa a seu verdadeiro amigo, ou um pai perdoa a seu filho.
Ó imperador, agora estou separado de meu amigo e mais querido
benquerente, a Suprema Personalidade de Deus, e por isso meu coração
parece estar vazio de tudo. Em Sua ausência fui derrotado por um grupo de
vaqueiros infiéis, enquanto protegia os corpos de todas as esposas de Kṛṣṇa.
Tenho o mesmo arco Gāṇḍīva, as mesmas flechas, a mesma quadriga puxada
pelos mesmos cavalos, e os uso sendo eu o mesmo Arjuna a quem todos os
reis ofereciam seus devidos respeitos. Porém, na ausência do Senhor Kṛṣṇa,
todos eles, de um momento para o outro, tornaram-se inúteis e vazios. Isso é
exatamente como oferecer manteiga clarificada sobre cinzas, acumular
dinheiro com uma varinha mágica ou plantar sementes em terra árida.
Ó rei, uma vez que me perguntaste sobre nossos amigos e parentes na
cidade de Dvārakā, devo informar-te que todos eles foram amaldiçoados pelos
brāhmaṇas, e como resultado todos eles se embriagaram com vinho feito de
arroz fermentado e lutaram entre si com varas, nem mesmo se reconhecendo
uns aos outros. Agora, com exceção de quatro ou cinco, todos estão mortos e
ausentes deste mundo. De fato, tudo isso se deve à vontade suprema do
Senhor, a Personalidade de Deus. Algumas vezes as pessoas matam-se umas
às outras, e outras vezes elas protegem-se umas às outras.
Ó rei, assim como no oceano os seres aquáticos maiores e mais fortes
engolem os menores e mais fracos, do mesmo modo a Suprema Personalidade
de Deus, para tornar mais leve a carga da Terra, também ocupou o Yadu mais
forte em matar o mais fraco, e o Yadu maior em matar o menor. Sinto-me
atraído agora por aquelas instruções transmitidas a mim pela Personalidade de
Deus (Govinda) porque elas estão impregnadas com instruções para aliviar o
coração ardente em todas as circunstâncias de tempo e espaço.
A Mente de Arjuna se Apazigua
Sūta Gosvāmī disse: Estando assim profundamente absorta em pensar
nas instruções do Senhor, que foram transmitidas na grande intimidade da
amizade, e em pensar em Seus pés de lótus, a mente de Arjuna apaziguou-se
e livrou-se de toda a contaminação material.
A lembrança constante dos pés de lótus do Senhor Śrī Kṛṣṇa por parte de
Arjuna rapidamente aumentou sua devoção, e como resultado toda a escória
em seus pensamentos amainou-se. Por causa dos passatempos e atividades
do Senhor e devido a Sua ausência, parecia que Arjuna esquecera as
instruções deixadas pela Personalidade de Deus. Mas, de fato, esse não era o
caso, e novamente ele tornou-se senhor de seus sentidos.
Porque ele possuía cabedal espiritual, as dúvidas da dualidade foram
completamente cortadas. Assim, ele se livrou dos três modos da natureza
material e situou-se em transcendência. Não havia mais nenhuma possibilidade
de ele se enredar em nascimentos e mortes, pois estava livre da forma
material.
Mahārāja Yudhiṣṭhira se Aparta dos Assuntos Materiais
Sūta Gosvāmī continuou: Ao ouvir sobre o regresso do Senhor Kṛṣṇa a
Sua morada, e ao entender que se findara a manifestação terrestre da dinastia
Yadu, Mahārāja Yudhiṣṭhira decidiu voltar ao lar, voltar ao Supremo. Kuntī,
após ouvir exaustivamente Arjuna falando do fim da dinastia Yadu e do
desaparecimento do Senhor Kṛṣṇa, ocupou-se no serviço devocional à
transcendental Personalidade de Deus com plena atenção e assim libertou-se
do curso da existência material.
O supremo não-nascido, o Senhor Śrī Kṛṣṇa, fez com que os membros da
dinastia Yadu abandonassem seus corpos, e assim Ele aliviou a carga do
mundo. Essa ação foi como retirar um espinho com outro espinho, embora
ambos sejam a mesma coisa para o controlador. O Senhor Supremo
abandonou o corpo que manifestara para diminuir a carga da Terra. Assim
como um mágico, Ele abandona um corpo para aceitar outros diferentes, tais
como a encarnação como peixe e outras.
Quando a Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa, deixou este planeta
Terra com Sua própria forma, desde aquele mesmo dia, Kali, que já havia
aparecido parcialmente, manifestou-se plenamente para criar condições
inauspiciosas para aqueles que são dotados de pobre fundo de conhecimento.
Mahārāja Yudhiṣṭhira foi inteligente o bastante para entender a influência
da era de Kali, caracterizada pelo aumento da avareza, falsidade, fraude e
violência em toda a capital, no estado, no lar e entre indivíduos. Assim,
sabidamente, ele preparou-se para deixar o lar e vestiu-se de acordo. Depois
disso, na capital de Hastināpura, ele entronou seu neto, que era treinado e
igualmente qualificado, como o imperador e senhor de toda a terra cercada
pelos mares. Então ele empossou Vajra, o filho de Aniruddha (neto do Senhor
Kṛṣṇa), em Mathurā, como o rei de Śūrasena. Depois disso Mahārāja
Yudhiṣṭhira executou um sacrifício Prājāpatya e colocou o fogo em si mesmo
para abandonar a vida familiar.
Mahārāja Yudhiṣṭhira abandonou de imediato todas suas roupas, cinturão
e ornamentos da ordem real e tornou-se completamente desinteressado e
desapegado de tudo. Então ele amalgamou todos os órgãos dos sentidos com
a mente, depois a mente com a vida, a vida com a respiração, sua existência
total com a corporificação dos cinco elementos e seu corpo com a morte.
Então, como eu puro, libertou-se da concepção material da vida.
A renúncia de Mahārāja Yudhiṣṭhira
Assim, aniquilando o corpo grosseiro de cinco elementos com os três
qualitativos da natureza material, ele fundiu-os em uma só nescidade e então
amalgamou essa nescidade no eu, o Brahman, que é inesgotável em todas as
circunstâncias. Depois disso, Mahārāja Yudhiṣṭhira vestiu-se de farrapos,
deixou de comer qualquer alimento sólido, tornou-se voluntariamente mudo e
deixou seu cabelo solto. A combinação disso tudo fê-lo semelhante a um
maltrapilho ou louco sem nenhuma ocupação. Ele não dependia de seus
irmãos para nada. E, assim como um homem surdo, ele não ouvia nada. Então
ele partiu em direção ao norte, trilhando o caminho aceito por seus
antepassados e grandes homens, para dedicar-se completamente a pensar na
Suprema Personalidade de Deus. E ele vivia assim para onde quer que fosse.
Os Filhos de Pāṇḍu e Suas Esposas Alcançam a Meta Última
Sūta Gosvāmī disse: Os irmãos mais novos de Mahārāja Yudhiṣṭhira
observaram que a era de Kali já havia chagado em todo o mundo e que os
cidadãos do reino já estavam afetados pela prática irreligiosa. Portanto, eles
decidiram seguir os passos de seu irmão mais velho.
Assim, através da consciência pura, devida à constante lembrança
devocional, eles alcançaram o céu espiritual, que é governado pelo Nārāyaṇa
Supremo, o Senhor Kṛṣṇa. Isso alcançam somente aqueles que meditam no
único Senhor Supremo, sem desvios. Essa morada do Senhor Śrī Kṛṣṇa,
conhecida como Goloka Vṛndāvana, não pode ser atingida pelas pessoas que
estão absortas na concepção material da vida. Mas os Pāṇḍavas, estando
completamente limpos de toda a contaminação material, alcançaram aquela
morada em seus mesmíssimos corpos.
Enquanto peregrinava, Vidura abandonou seu corpo em Prabhāsa.
Porque estava absorto em pensar no Senhor Kṛṣṇa, ele foi recebido pelos
cidadãos do planeta Pitṛloka, onde retornou a seu posto original.
Draupadī também viu que seus esposos, sem ligar para ela, estavam
deixando o lar. Ela conhecia bem o Senhor Vāsudeva, Kṛṣṇa, a Personalidade
de Deus. Tanto ela quanto Subhadrā absorveram-se em pensar em Kṛṣṇa e
alcançaram os mesmos resultados que seus esposos.
O assunto da partida dos filhos de Pāṇḍu para a meta última da vida, de
volta ao Supremo, é completamente auspicioso e perfeitamente puro. Portanto,
qualquer pessoa que ouça essa narração com fé devocional obtém certamente
o serviço devocional ao Senhor, a perfeição máxima da vida.
Capítulo 16
Como Parīkṣit Recebeu a Era de Kali

O Glorioso Imperador Parīkṣit


Sūta Gosvāmī disse: Ó brāhmaṇas eruditos, Mahārāja Parīkṣit começou
então a governar o mundo como um grande devoto do Senhor, sob as
instruções dos melhores entre os brāhmaṇas duas-vezes nascidos. Ele
governou com aquelas grandes qualidades que foram preditas por
competentes astrólogos na ocasião de seu nascimento.
O rei Parīkṣit casou-se com a filha do rei Uttara e gerou quatro filhos,
encabeçados por Mahārāja Janamejaya. Após escolher Kṛpācārya como o
mestre espiritual que o orientaria, Mahārāja Parīkṣit realizou três sacrifícios de
cavalo às margens do Ganges. Eles foram executados com suficientes
recompensas aos participantes. E naqueles sacrifícios, mesmo o homem
comum podia ver os semideuses.
O Néctar da Imortalidade
Sūta Gosvāmī continuou: Certa vez, quando Mahārāja Parīkṣit estava a
caminho de conquistar o mundo, ele viu o senhor de Kali-yuga, que era inferior
a um śūdra, disfarçado de rei e ferindo as pernas de um touro e uma vaca. O
rei capturou-o de imediato para aplicar-lhe punição suficiente.
Śaunaka Ṛṣi perguntou: Por que Mahārāja Parīkṣit apenas o puniu, uma
vez que ele era o mais baixo dos śūdras, tendo se vestido como se fosse rei e
ferido uma vaca em sua perna? Por favor, descreve todos esses incidentes se
eles têm relação com os tópicos sobre o Senhor Kṛṣṇa.
Ó Sūta Gosvāmī, há entre os homens aqueles que desejam libertar-se da
morte e obter a vida eterna. Eles escapam do processo de matança ao chamar
o controlador da morte, Yamarāja. Enquanto Yamarāja, que causa a morte de
todos, estiver presente aqui, ninguém se encontrará com a morte. Os grandes
sábios convidaram o controlador da morte, Yamarāja, que é o representante do
Senhor. Os seres vivos que estão sob seu jugo devem tirar proveito disso
ouvindo o néctar da imortalidade sob a forma desta narração dos passatempos
transcendentais. Os seres humanos preguiçosos, com inteligência mesquinha e
uma curta duração de vida, passam a noite dormindo e o dia executando
atividades inúteis.
Os Sintomas da Era de Kali Começam a Aparecer
Sūta Gosvāmī disse: Enquanto Mahārāja Parīkṣit residia na capital do
império Kuru, os sintomas da era de Kali começaram a infiltrar-se dentro da
jurisdição de seu estado. Quando ele soube disso não considerou o assunto
muito agradável. Isso deu-lhe, contudo, uma oportunidade de lutar. Ele
apanhou seu arco e flechas e preparou-se para atividades militares.
Mahārāja Parīkṣit sentou-se em uma quadriga puxada por cavalos
negros. Sua bandeira estava marcada com o emblema de um leão. Estando
assim decorado e cercado por quadrigários, cavalaria, elefantes e soldados de
infantaria, ele deixou a capital para efetuar conquistas em todas as direções.
Então, Mahārāja Parīkṣit conquistou todas as partes do planeta Terra -
Bhadrāśva, Ketumāla, Bhārata, o Kuru setentrional, Kimpuruṣa etc. – e exigiu
tributos de seus respectivos governantes. Onde quer que o rei visitasse, ele
ouvia continuamente as glórias de seus grandes antepassados, que eram
todos devotos do Senhor, e também ouvia sobre os gloriosos atos do Senhor
Kṛṣṇa. Ele também ouvia como ele mesmo fora protegido pelo Senhor contra o
poderoso calor da arma de Asvatthāmā. As pessoas também mencionavam a
grande afeição entre os descendentes de Vṛṣṇi e Pṛthā devido à grande
devoção dos últimos pelo Senhor Keśava.
O rei, estando muito satisfeito com os cantadores dessas glórias, abriu
seus olhos com grande satisfação. Magnânimo como era, ele teve prazer em
presenteá-los com colares e roupas preciosíssimos.
O Diálogo Entre Dharma e a Mãe Terra
Sūta Gosvāmī disse: A personalidade dos princípios religiosos, Dharma,
estava perambulando sob a forma de um touro. E ele encontrou-se com a
personalidade da Terra sob a forma de uma vaca que parecia tão pesarosa
como uma mãe que tivesse perdido seu filho. Ela tinha lágrimas em seus olhos,
e a beleza de seu corpo perdera-se. Então, Dharma interrogou a Terra da
seguinte maneira.
Dharma (na forma de um touro) perguntou: Senhora, acaso não estás
forte e vigorosa? Por que estás coberta com a sombra do pesar? Parece, por
teu rosto, que te tornaste negra. Estás sofrendo de alguma doença interna, ou
estás pensando em algum parente ausente em um lugar distante?
Perdi minhas três pernas e agora permaneço sobre um só. Estás te
lamentando por meu estado de existência? Ou estás em grande ansiedade
porque de agora em diante os ilegais comedores de carne irão explorar-te? Ou
te sentes magoada porque os semideuses agora estão privados de seu
quinhão das oferendas sacrificatórias porque atualmente nenhum sacrifício
está sendo executado? Ou estás pesarosa pelos seres vivos por causa de seus
sofrimentos devido à fome e à seca?
Estás sentindo compunção pelas mulheres infelizes e as crianças que são
deixadas ao desamparo por pessoas inescrupulosas? Ou estás infeliz porque a
deusa da sabedoria está sendo manipulada por brāhmaṇas entregues a atos
contrários aos princípios da religião? Ou estás pesarosa de ver que os
brāhmaṇas têm se refugiado em famílias administrativas que não respeitam a
cultura bramânica?
Os pretensos administradores agora estão confundidos pela influência
desta era de Kali, e desse modo puseram em desordem todos os afazeres do
estado. Acaso agora te lamentas por essa desordem? Atualmente o populacho
em geral não segue as regras e regulações no comer, dormir, beber, acasalar-
se etc., e eles estão propensos a executar essas atividades em toda e qualquer
parte. Acaso estás infeliz por causa disso?
Ó mãe Terra, a Suprema Personalidade de Deus, Hari, encarnou como o
Senhor Śrī Kṛṣṇa justamente para aliviar-te de teu pesado fardo. Todas as
Suas atividades aqui são transcendentais, e elas pavimentam o caminho da
liberação. Agora estás privada da presença dEle. Provavelmente estás
pensando naquelas atividades neste momento, e sentindo-te pesarosa na
ausência delas.
A deidade terrestre (sob a forma de uma vaca) respondeu assim à
personalidade dos princípios religiosos (sob a forma de um touro): Ó Dharma,
ficarás sabendo de tudo sobre o que me perguntaste. Tentarei responder a
todas essas perguntas. Outrora, tu também te sustentava nas tuas quatro
pernas, e aumentavas a felicidade em todo o universo, pela misericórdia do
Senhor.
Estou pensando em mim mesma e também, ó melhor entre os
semideuses, em ti, bem como em todos os semideuses, sábios, cidadãos de
Pitṛloka, devotos do Senhor e todos os homens obedientes ao sistema de
varṇa e āśrama na sociedade humana.
Lakṣmījī, a deusa da fortuna, cujo olhar encantador era cobiçado por
semideuses como Brahmā e por quem eles se renderam por muitos dias à
Personalidade de Deus, abandonou sua própria morada na floresta de flores de
lótus e ocupou-se em serviço aos pés de lótus do Senhor. Eu fui dotada com
poderes específicos para suplantar a fortuna de todos os três sistemas
planetários ao ser decorada com as impressões da bandeira, do raio, do bastão
de conduzir elefantes e da flor de lótus, que são sinais dos pés de lótus do
Senhor. Mas afinal, quando estava me sentindo tão afortunada, o Senhor me
deixou.
Ó personalidade da religião, eu estava demasiadamente oprimida pelas
hostis falanges militares dispostas pelos reis ateístas, mas fui aliviada pela
graça da Personalidade de Deus. De modo semelhante, tu também estavas
numa condição aflitiva, enfraquecido em tua força de sustentação, e então Ele
encarnou através de Sua energia interna na família dos Yadus, para aliviar-te.
Sūta Gosvāmī disse: Enquanto a Terra e a personalidade da religião
estavam assim conversando, o santo rei Parīkṣit alcançou a margem do rio
Sarasvatī, que fluía rumo ao leste.
Capítulo 17
Punição e Recompensa de Kali

Mahārāja Parīkṣit Confronta a Personalidade de Kali


Sūta Gosvāmī disse: Após chegar àquele lugar, Mahārāja Parīkṣit
observou que um śūdra de casta inferior, vestido como um rei, estava batendo
numa vaca e num touro com uma maça, como se eles não tivessem dono. O
touro era tão branco como uma flor de lótus branca. Ele estava aterrorizado
com o śūdra que nele batia, e estava com tanto medo que permanecia em pé
sobre uma só perna, tremendo e urinando.
Embora a vaca seja benéfica porque dele podemos retirar os princípios
religiosos, agora ela ficara pobre e sem nenhum bezerro. Suas penas estavam
sendo espancadas por um śūdra. Havia lágrimas em seus olhos e ela estava
fraca e aflita. Ela ansiava ter alguma grama do campo para comer.
Mahārāja Parīkṣit, bem equipado com arco e flechas, sentado numa
quadriga decorada com lavores dourados em relevo, falou-lhe (ao śūdra) com
uma voz profunda que ressoava como o trovão.
Mahārāja Parīkṣit: Oh! Quem és tu? Pareces ser forte e, todavia, ousas
matar aqueles que são indefesos e estão sob minha proteção! Por tuas vestes
passas por um homem divino (rei), mas por teus feitos estás te opondo aos
princípios dos kṣatriyas duas-vezes-nascidos. Ó velhaco, tu ousas bater numa
vaca inocente porque o Senhor Kṛṣṇa e Arjuna, o portador do arco Gāṇḍīva,
estão fora de vista? Uma vez que estás batendo num animal inocente num
lugar isolado, és considerado culpado e, portanto, mereces ser morto.
O Imperador Apazigua a Personalidade da Religião e a Terra
Então ele (Mahārāja Parīkṣit) perguntou ao touro: Oh! Quem és tu? És um
touro tão branco como uma flor de lótus branca, ou és um semideus? Perdeste
três de tuas pernas e estás movendo-te sobre uma só. Acaso és algum
semideus causando-nos pesar sob a forma de um touro?
Agora, pela primeira vez num reino bem protegido pelos braços dos reis
da dinastia Kuru, eu vejo-te aflito com lágrimas nos olhos. Até agora ninguém
na Terra jamais derramou lágrimas devido à negligência real. Ó filho de
Surabhi, agora já não precisas lamentar-te. Não há necessidade de temer este
śūdra de classe inferior. Ó mãe vaca, enquanto eu estiver vivendo como
governante e subjugador de todos os homens invejosos, não há motivo para
chorares. Tudo irá bem para ti.
Ó casta, o bom nome do rei, sua duração de vida e bom renascimento
extinguem-se quando todas as espécies de seres vivos são aterrorizadas por
Kali se amedronta diante de Mahārāja Parīkṣit
canalhas em seu reino. Com certeza o dever primordial do rei é subjugar
primeiramente os sofrimentos daqueles que sofrem. Portanto, devo matar este
mais miserável entre os homens, porque ele é violento contra outros seres
vivos.
Mahārāja Parīkṣit interrogou o touro: Ó filho de Surabhi, quem cortou três
de tuas pernas? Nos estados de reis que obedecem às leis da Suprema
personalidade de Deus, Kṛṣṇa, não há ninguém tão infeliz como tu. Ó touro, tu
és inofensivo e completamente honesto; portanto desejo todo o bem a ti. Por
favor, dize-me quem é o perpetrador dessas mutilações, que caluniam a
reputação dos filhos de Pṛthā. Qualquer pessoa que faça seres vivos
inofensivos sofrerem deve temer-me em toda e qualquer parte do mundo.
Refreando os canalhas desonestos, beneficiamos automaticamente os
inofensivos. O dever supremo do rei governante é dar toda a proteção às
pessoas que cumprem a lei e castigar aqueles que se extraviam das
prescrições das escrituras em ocasiões ordinárias, quando não há emergência.
A personalidade da religião disse: Essas palavras que acabaste de falar
são dignas de uma pessoa da dinastia Pāṇḍava. Cativado pelas qualidades
devocionais dos Pāṇḍavas, mesmo o Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus,
executou os deveres de um mensageiro.
Ó maior entre os seres humanos, é muito difícil determinar o canalha
particular que tem causado nossos sofrimentos, porque estamos confusos ante
todas as diferentes opiniões de filósofos teóricos. Alguns filósofos, que negam
toda espécie de dualidades, declaram que a própria pessoa é responsável por
sua felicidade ou aflições pessoais. Outros dizem que poderes sobre-humanos
são responsáveis, enquanto outros ainda dizem que a atividade é responsável,
e os materialistas grosseiros afirmam que a natureza é a causa última. Há
também certos pensadores que acreditam que ninguém pode descobrir a
causa da aflição através da argumentação, nem conhecê-la pela imaginação,
nem expressá-la por palavras. Ó sábio entre os reis, julga por ti mesmo
pensando em tudo isso com tua própria inteligência.
Sūta Gosvāmī disse: Ó melhor entre os brāhmaṇas, o imperador Parīkṣit,
ao ouvir a personalidade da Religião falar, ficou plenamente satisfeito, e, sem
erro ou remorso, replicou.
O rei disse: Ó tu que estás sob a forma de um touro! Tu conheces a
verdade da religião, e estás falando de acordo com o princípio de que o destino
prescrito para o perpetrador de atos irreligiosos também é prescrito para aquele
que identifica o perpetrador. Sem dúvida, não és outro senão a personalidade
da Religião. Conclui-se, desse modo, que as energias do Senhor são
inconcebíveis. Ninguém pode aliviá-las através da especulação mental ou do
malabarismo de palavras.
Na era de Satya (veracidade) tuas quatro pernas estavam estabelecidas
pelos quatro princípios de austeridade, limpeza, misericórdia e veracidade. Mas
parece que três de tuas penas estão quebradas devido ao predomínio da
irreligião, sob a forma do orgulho, luxúria por mulheres e intoxicação. Agora
permaneces de pé sobre uma perna só, que é tua veracidade, e de alguma
forma andas a mancar. Mas a desavença personificada (Kali), prosperando
através de fraudes, também está tentando destruir esta perna.
Os Lugares Onde Kali Habita
Sūta Gosvāmī disse: Mahārāja Parīkṣit, que podia lutar sozinho com mil
inimigos, assim apaziguou a personalidade da Religião e a Terra. Então ele
pegou sua espada afiada para matar a personalidade de Kali, que é a causa de
toda a irreligião. Quando a personalidade de Kali entendeu que o rei desejava
matá-lo, ele abandonou imediatamente a roupa de rei e, compelido pelo medo,
rendeu-se completamente a ele, prostrando sua cabeça. Mahārāja Parīkṣit, que
era qualificado para aceitar rendição e digno de ser celebrado na história, não
matou o pobre Kali rendido e caído, mas sorriu compassivamente, pois ele era
bondoso com os pobres.
Então o rei disse o seguinte: Nós herdamos a fama de Arjuna; portanto,
uma vez que te rendeste com as mãos postas não precisas temer por tua vida.
Mas não podes permanecer em meu reino, pois és o amigo da irreligião. Se a
personalidade de Kali, a irreligião, recebe a permissão de agir como homem-
deus ou líder executivo, certamente abundarão os princípios irreligiosos como
cobiça, falsidade, roubo, descortesia, traição, infortúnio, trapaça, desavença e
vaidade. Portanto, ó amigo da irreligião, tu não mereces permanecer num lugar
onde os expertos realizam sacrifícios de acordo com a verdade e os princípios
religiosos para a satisfação da Suprema Personalidade de Deus.
Śrī Sūta Gosvāmī disse: A personalidade de Kali, sendo assim ordenada
por Mahārāja Parīkṣit, começou a tremer de medo. Vendo o rei diante dele
como Yamarāja, pronto para matá-lo, Kali falou ao rei da seguinte maneira.
Kali disse: Ó Majestade, mesmo que eu possa viver em toda e qualquer
parte sob tua ordem, ver-te-ei somente a ti com arco e flechas para onde quer
que eu olhe. Portanto, ó líder entre os protetores da religião, por favor, fixa para
mim algum lugar onde eu possa viver permanentemente sob a proteção de teu
governo.
Sūta Gosvāmī disse: Mahārāja Parīkṣit, sendo assim solicitado pela
personalidade de Kali, deu-lhe permissão de residir em lugares onde se
realizassem jogos, bebedeiras, prostituição e abatimento de animais. A
personalidade de Kali pediu algo mais, e por causa de seu pedido, o rei deu-lhe
permissão de viver onde houvesse ouro, porque onde quer que haja ouro
também há falsidade, intoxicação, luxúria, inveja e inimizade. Portanto,
qualquer pessoa que deseje o bem-estar progressivo, especialmente os reis,
religiosos, líderes públicos, brāhmaṇas e sannyāsīs, não deve jamais entrar em
contato com os quatro princípios irreligiosos acima mencionados.
Capítulo 18
Mahārāja Parīkṣit é Amaldiçoado por um Menino
Brāhmaṇa

O Resumo da História de Mahārāja Parīkṣit


Śrī Sūta Gosvāmī disse: Devido à misericórdia da Personalidade de Deus,
Śrī Kṛṣṇa, que age maravilhosamente, Mahārāja Parīkṣit, embora atacado pela
arma do filho de Droṇa no ventre de sua mãe, não pôde ser queimado. Além
disso, Mahārāja Parīkṣit estava sempre conscientemente rendido à
Personalidade de Deus, e, portanto, ele não ficava temeroso nem dominado
pela medo devido à serpente alada que iria picá-lo por causa da fúria de um
menino brāhmaṇa. Além disso, após deixar todos seus associados, o rei
rendeu-se como discípulo ao filho de Vyāsa (Śukadeva Gosvāmī), e assim ele
foi capaz de entender a verdadeira posição da Personalidade de Deus; e
finalmente abandonou seu corpo material nas margens do Ganges.
Isso sucedeu porque aqueles que dedicaram suas vidas aos tópicos
transcendentais da Personalidade de Deus, a quem celebram os hinos védicos,
e que estão constantemente ocupados em lembrar-se dos pés de lótus do
Senhor, não correm o risco de ter concepções errôneas mesmo no momento
final de suas vidas.
Enquanto o grande e poderoso filho de Abhimanyu permanecer como
imperador do mundo não haverá possibilidade de que a personalidade de Kali
floresça. No mesmo dia e momento em que a Personalidade de Deus, o
Senhor Śrī Kṛṣṇa, deixou esta Terra, a personalidade de Kali, que promove
todos os tipos de atividades irreligiosas, veio a este mundo.
Mahārāja Parīkṣit era um realista, assim como as abelhas que aceitam
somente a essência (de uma flor). Ele sabia perfeitamente bem que nesta era
de Kali as coisas auspiciosas produzem bons feitos imediatamente, ao passo
que os atos inauspiciosos têm que ser realmente executados (para surtirem
efeito). Assim, ele nunca teve inveja da personalidade de Kali. Mahārāja
Parīkṣit considerou que os homens menos inteligentes poderiam julgar a
personalidade de Kali muito poderosa, mas que aqueles que fossem auto-
controlados nada teriam a temer. O rei era poderoso como um tigre e zelava
pelas pessoas tolas e descuidadas.
Ó sábios, conforme vós me perguntastes, agora já descrevi quase tudo a
respeito das narrações sobre o Senhor Kṛṣṇa em relação com a história do
piedoso Mahārāja Parīkṣit. Aqueles que têm desejo de alcançar a completa
perfeição na vida devem ouvir submissamente todos os tópicos que estão
vinculados com as atividades e qualidades transcendentais da Personalidade
de Deus, que age maravilhosamente.
A Associação com o Devoto do Senhor
Os bons sábios disseram: Ó grave Sūta Gosvāmī! Oxalá tu vivas muitos
anos e tenhas fama eterna, pois estás falando muito bem sobre as atividades
do Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus. Para seres mortais como nós, isso
é exatamente como néctar. Acabamos de dar início à realização desta
atividade fruitiva, um fogo sacrificatório, sem ter certeza sobre seus resultados
devido às muitas imperfeições de nossa ação. Nossos corpos enegreceram-se
por causa da fumaça, mas estamos realmente satisfeitos com o néctar dos pés
de lótus da Personalidade de Deus, Govinda, que tu estás distribuindo.
O valor de um momento de associação com o devoto do Senhor não pode
nem mesmo ser comparado à consecução dos planetas celestiais ou à
liberação da matéria, para não falar das bênçãos mundanas sob a forma de
prosperidade material, que são para aqueles cujo destino é a morte.
A Personalidade de Deus, o Senhor Kṛṣṇa (Govinda), é o abrigo exclusivo
para todos os grandes seres vivos, e Seus atributos transcendentais não
podem sequer ser medidos por senhores de poderes místicos tais como o
Senhor Śiva e o Senhor Brahmā. Pode alguém que seja hábil em saborear
(rasa) saciar-se plenamente ouvindo tópicos sobre Ele?
Ó Sūta Gosvāmī, tu és um erudito e puro devoto do Senhor, porque a
Personalidade de Deus é teu principal objeto de serviço. Portanto, descreve-
nos, por favor, os passatempos do Senhor, que estão acima de toda a
concepção material, pois estamos ansiosos por receber tais mensagens.
O Ananta
Śrī Sūta Gosvāmī disse: Ó Deus, embora tenhamos nascido numa casta
mista, ainda assim somos promovidos quanto ao direito de nascimento
simplesmente por servir e seguir os grandes que são avançados em
conhecimento. Mesmo por conversar com essas grandes almas, uma pessoa
pode purificar-se rapidamente de todas as desqualificações resultantes de
nascimentos inferiores. E o que dizer daqueles que estão sob a direção dos
grandes devotos, cantando o santo nome do Ilimitado, que tem potência
ilimitada? A personalidade de Deus, ilimitado em potência e transcendental por
atributos, chama-se o anata (ilimitado).
Agora está confirmado que Ele (a Personalidade de Deus) é ilimitado e
que não há ninguém igual a Ele. Consequentemente, ninguém pode falar dEle
adequadamente. Grandes semideuses não podem obter o favor da deusa da
fortuna sem sequer por orações, mas essa mesma deusa presta serviço ao
Senhor, embora Ele não deseje receber tal serviço. Quem pode ser digno do
nome do Senhor Supremo além da Personalidade de Deus Śrī
Kṛṣṇa? Brahmājī recolheu a água que emana das unhas de Seus pés para
oferecê-la ao Senhor Śiva como uma adoração de boas-vindas. Essa mesma
água (o Ganges) está purificando todo o universo, incluindo o Senhor Śiva.
As pessoas auto-controladas que são apegadas ao Supremo Senhor Śrī
Kṛṣṇa podem abandonar subitamente o mundo do apego material, incluindo o
corpo grosseiro e a mente sutil, e podem partir para alcançar a perfeição
máxima da ordem de vida renunciada, e consequentemente não-violência e
renúncia.
Ó ṛṣis, que sois tão poderosamente puros como o sol, tentarei descrever-
vos os passatempos transcendentais de Viṣṇu de acordo com o meu
conhecimento. Assim como os pássaros voam no céu tanto quanto lhes
permitem suas capacidades, da mesma forma os devotos eruditos descrevem
o Senhor tanto quanto lhes permitem suas compreensões.
Mahārāja Parīkṣit Se Sente Insultado por um Brāhmaṇa
Sūta Gosvāmī disse: Certa vez, Mahārāja Parīkṣit, enquanto se ocupava
em caçar na floresta com arco e flechas, sentiu-se extremamente fatigado,
faminto e sedento enquanto perseguia veados. Enquanto procurava um
reservatório d’água, ele entrou no eremitério do famoso Śamīka Ṛṣi e viu o
sábio sentado silenciosamente com os olhos fechados.
Os órgãos sensoriais do muni, a respiração, a mente e a inteligência
estavam todos retraídos das atividades materiais, e ele estava situado num
transe à parte dos três estados de consciência (vigília, sonho e inconsciência),
tendo alcançado a posição transcendental de igualdade qualitativa com o
Absoluto Supremo. O sábio em meditação estava coberto com pele de veado,
e seu cabelo longo e escorrido espalhava-se sobre todo o seu corpo. O rei,
cujo palato estava seco de sede, pediu-lhe água.
Por não ter sido recebido com as boas-vindas formais (oferecer um
assento, um cômodo, água e palavras doces), o rei considerou-se
negligenciado, e pensando assim enfureceu-se. Ó brāhmaṇas, a ira e a inveja
do rei, dirigidas contra o sábio brāhmaṇa foram sem precedentes, por obra das
circunstâncias que o fizeram sedento e faminto.
Sendo assim insultado, ao retirar-se o rei pegou uma serpente morta com
seu arco e, cheio de ira, colocou-a sobre o ombro do sábio. Então ele retornou
a seu palácio. Ao retornar, o rei começou a contemplar e argumentar consigo
mesmo se o sábio estava realmente em meditação, com os sentidos
concentrados e os olhos fechados, ou se ele havia somente fingido transe,
apenas para evitar de receber um kṣatriya inferior.
Mahārāja Parīkṣit coloca uma serpente morta no pescoço
de Śamīka Ṛṣi
A Maldição de Śṛṅgi
O sábio tinha um filho que era muito poderoso, uma vez que era filho de
um brāhmaṇa. Enquanto brincava com meninos inexperientes, ele ficou
sabendo da aflição de seu pai, que fora ocasionada pelo rei. Sem mais demora,
o menino começou a falar o seguinte.
(O filho do brāhmaṇa, Śṛṅgi, disse:) Oh! Vede só os pecados dos
governantes que, como corvos e cães de guarda à porta, perpetram pecados
contra seus senhores, contrariando os princípios que regem os servos. Os
descendentes das ordens reais são claramente designados como cães de
guarda, e eles devem manter-se à porta. Com que fundamento podem os cães
entrar na casa e exigir jantar com o dono no mesmo prato?
Após a partida do Senhor Śrī Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus e
governante supremo de todos, esses indivíduos arrogantes têm florescido, uma
vez que nosso protetor Se foi. Portanto, eu próprio me encarregarei disso e os
castigarei. Testemunhai só o meu poder!
Sūta Gosvāmī continuou: O filho do ṛṣi, cujos olhos estavam vermelhos de
ira, tocou a água do rio Kauśika enquanto falava com seus companheiros de
folguedos e descarregou a seguinte tempestade de palavras. O filho do
brāhmaṇa amaldiçoou o rei.
Śṛṅgi disse: No sétimo dia a partir de hoje uma serpente alada picará o
mais vil desta dinastia (Mahārāja Parīkṣit) porque ele violou as leis da etiqueta
ao insultar meu pai.
Sūta Gosvāmī disse: A seguir, quando o menino regressou ao eremitério,
ele viu uma serpente no ombro de seu pai, e movido de aflição chorou muito
alto. Ó brāhmaṇas, o ṛṣi, que nascera na família de Aṅgirā Muni, gradualmente
abriu seus olhos e viu a serpente morta em volta de seu pescoço. Atirou de
lado a serpente morta e perguntou a seu filho por que ele estava chorando, se
alguém lhe fizera mal. Ao ouvir isso, o filho explicou-lhe o que tinha acontecido.
O filho contou ao pai que havia amaldiçoado o rei, embora este nunca devesse
ter sido condenado, pois era o melhor entre todos os seres humanos. O ṛṣi não
pôde congratular-se com seu filho, mas, ao invés disso, começou a lamentar-
se, dizendo o seguinte.
Śamīka Ṛṣi disse: Ai de mim! Que ato pecaminoso tão grande meu filho
cometeu, aplicando pesada punição por insignificante ofensa. Ó meu filho, tua
inteligência é imatura e, portanto, não tens conhecimento de que o rei, que é o
melhor entre os seres humanos, é tão bom como a Personalidade de Deus. Ele
nunca deve ser posto em pé de igualdade com os homens comuns. Os
cidadãos do estado vivem em prosperidade, sendo protegidos pelos seus
poderes insuperáveis.
Meu caro filho, o Senhor, que carrega a roda de uma quadriga, é
representado pelo regime monárquico, e quando esse regime é abolido todo o
mundo se enche de ladrões, que então aniquilam imediatamente os súditos
desprotegidos como se fossem cordeiros dispersos. Devido ao término dos
regimes monárquicos e ao saque da riqueza do povo por ladrões e salteadores,
haverá grandes convulsões sociais. As pessoas serão mortas e injuriadas e os
animais e as mulheres serão roubados. E nós seremos os responsáveis por
todos esses pecados.
Nessa altura as pessoas em geral se desviarão sistematicamente do
caminho de uma civilização progressista com respeito às ocupações
qualitativas das castas e ordens da sociedade e aos preceitos védicos. Assim,
elas serão mais atraídas pelo desenvolvimento econômico para o gozo dos
sentidos, e como resultado haverá população indesejada ao nível de cães e
macacos. O imperador Parīkṣit é um rei piedoso. Ele é celebérrimo e é devoto
de primeira classe da Personalidade de Deus. Ele é um santo entre a realeza e
executou muitos sacrifícios de cavalos. Quando semelhante rei está cansado
ou fatigado, sendo atingido pela fome e pela sede, ele não merece
absolutamente ser amaldiçoado.
Sūta Gosvāmī continuou: Então o ṛṣi orou à onipenetrante Personalidade
de Deus para que perdoasse seu filho imaturo, que não tinha inteligência e que
cometera o grande pecado de amaldiçoar alguém que estava completamente
livre de todos os pecados, que era subordinado e que merecia proteção. Os
devotos do Senhor são tão indulgentes que mesmo que sejam difamados,
trapaceados, amaldiçoados, perturbados, negligenciados ou mesmo mortos,
nunca propendem a vingar-se.
Dessa maneira o sábio lamentou-se pelo pecado cometido por seu
próprio filho. Ele não levou muito a sério o insulto cometido pelo rei.
Geralmente os transcendentalistas, muito embora ocupados por outros nas
dualidades do mundo material, não se afligem. Tampouco eles sentem prazer
(em coisas mundanas), pois estão transcendentalmente ocupados.
Capítulo 19
O Aparecimento de Śukadeva Gosvāmī

A Maldição como Misericórdia do Senhor


Śrī Sūta Gosvāmī disse: Enquanto regressava à casa, o rei (Mahārāja
Parīkṣit) sentiu que o ato que cometera contra o impecável e poderoso
brāhmaṇa fora atroz e incivilizado. Consequentemente ele sentia-se deprimido.
(O rei Parīkṣit pensou:) Devido à minha negligência dos preceitos do
Senhor Supremo, certamente devo esperar que alguma dificuldade me
sobrevenha em futuro próximo. Desejo, pois, sem reservas, que a calamidade
venha logo, pois dessa maneira posso livrar-me da ação pecaminosa e não
cometer novamente semelhante ofensa.
Eu sou incivilizado e pecaminoso devido à minha negligência da cultura
bramânica, da consciência de Deus e da proteção às vacas. Portanto, desejo
que meu reino, força e riquezas consumam-me imediatamente no fogo da
cólera do brāhmaṇa para que no futuro eu não seja guiado por essas atitudes
inauspiciosas.
Sūta Gosvāmī continuou: Enquanto o rei arrependia-se desse modo, ele
recebeu a notícia de sua morte iminente, que se deveria à picada de uma
serpente alada. Ocasionada pela maldição proferida pelo filho do sábio. O rei
aceitou isso como uma boa nova, pois isso seria a causa de sua indiferença às
coisas mundanas. Mahārāja Parīkṣit sentou-se firmemente às margens do
Ganges para concentrar sua mente em consciência de Kṛṣṇa, rejeitando todas
as outras práticas de auto-realização, porque o transcendental serviço amoroso
a Kṛṣṇa é a maior aquisição, suplantando todos os outros métodos.
O rio (Ganges, às margens do qual o rei sentou-se para jejuar) transporta
a água mais auspiciosa, que está misturada com a poeira dos pés de lótus do
Senhor e com folhas de tulasī. Portanto, esta água santifica os três mundos,
interna e externamente, e santifica até mesmo o Senhor Śiva e outros
semideuses. Consequentemente, todos que estão destinados a morrer devem
refugiar-se nesse rio.
A Assembleia de Sábios às Margens do Ganges
Sūta Gosvāmī disse: Naquele local havia muitos semideuses santos, reis
e ordens reais especiais chamadas aruṇādayas (um gênero especial de
rājarṣis) de diferentes dinastias de sábios. Quando todos eles se reuniram para
encontrar-se com o imperador (Parīkṣit), este os recebeu apropriadamente e
prostrou com sua cabeça no chão. Depois que todos os ṛṣis e outros sentaram-
se confortavelmente, o rei, permanecendo humildemente diante deles com as
mãos postas, falou-lhes de sua decisão de jejuar até a morte.
O afortunado rei disse: Na verdade, somos o mais grato de todos os reis
que são treinados para obter favores das grandes almas. Geralmente vós
(sábios) considerais a realeza como lixo a ser rejeitado e deixado em lugar
distante. A Suprema Personalidade de Deus, o controlador tanto do mundo
transcendental quanto do mundo mortal, benevolamente me dominou sob a
forma da maldição de um brāhmaṇa. Por eu ser demasiadamente apegado à
vida familiar, o Senhor, a fim de me salvar, aparece diante de mim de tal
maneira que somente por temor desapegar-me-ei do mundo.
Ó brāhmaṇas, simplesmente aceitai-me como uma alma completamente
rendida, e deixai que mãe Ganges, a representante do Senhor, também me
aceite dessa maneira, pois já acolhi os pés de lótus do Senhor em meu
coração. Que a serpente alada – ou qualquer coisa mágica que o brāhmaṇa
tenha criado – pique-me de uma vez. Somente desejo que todos vós continueis
cantando as façanhas do Senhor Viṣṇu. Ó brāhmaṇas, oferecendo reverências
a todos vós, oro mais uma vez que, se tiver que nascer novamente no mundo
material, eu tenha completo apego ao ilimitado Senhor Kṛṣṇa, a companhia de
Seus devotos e relações amistosas com todos os seres vivos.
Sūta Gosvāmī continuou: E em perfeito autocontrole, Mahārāja Parīkṣit
sentou-se num assento de palha, com as raízes da palha voltadas para o leste,
colocado na margem sul do Ganges, e ele próprio ficou de frente para o norte.
Um pouco antes, ele dera a posse de seu reino ao seu filho. Desse modo, o rei,
Mahārāja Parīkṣit, sentou-se para jejuar até a morte. Todos os semideuses dos
planetas superiores louvaram as ações do rei e, com grande prazer,
espalharam flores continuamente sobre a Terra e tocaram tambores celestiais.
Todos os grandes sábios que estavam ali reunidos louvaram a decisão de
Mahārāja Parīkṣit e expressaram sua aprovação dizendo: “Muito bem!”.
Naturalmente, os sábios são propensos a fazer o bem aos homens comuns,
pois eles são revestidos de todos os poderes qualitativos do Senhor Supremo.
Portanto, eles estavam, satisfeitíssimos de ver Mahārāja Parīkṣit, um devoto do
Senhor, e falaram da seguinte maneira.
Os sábios disseram: Ó principal de todos os reis santos da dinastia Pāṇḍu
que estão estritamente na linha do Senhor Śrī Kṛṣṇa! Não é absolutamente
surpreendente que tenhas abandonado teu trono, que está decorado com
elmos de muitos reis, para alcançar a companhia eterna da Personalidade de
Deus. Todos nós esperaremos aqui até que o principal devoto do Senhor,
Mahārāja Parīkṣit, retorne ao planeta supremo, que está completamente livre
de toda a contaminação mundana e de todas as espécies de lamentação.
O rei disse: Ó grandes sábios, vós vos reunistes muito bondosamente
aqui, tendo vindo de todas as partes do universo. Todos vós sois tão bons
como o conhecimento personificado, que reside no planeta acima dos três
mundos (Satyaloka). Em consequência disso, sois naturalmente propensos a
fazer o bem aos outros, e além disso vós não tendes outro interesse, seja
nesta vida ou na próxima. Ó brāhmaṇas dignos de confiança, pergunto-vos
agora sobre meu dever imediato. Por favor, após adequada deliberação, falai-
me sobre o dever imaculado de todas as pessoas em todas as circunstâncias,
e especificamente daquelas que estão à beira da morte.
Śukadeva Gosvāmī Senta-se na Vyāsāsana
Sūta Gosvāmī disse: Naquele momento apareceu ali o poderoso filho de
Vyāsadeva, que viajava pela Terra desinteressado e satisfeito consigo mesmo.
Ele não manifestava qualquer sintoma de pertencer a alguma ordem social ou
status de vida. Estava cercado por mulheres e crianças, e vestia-se como se os
outros o tivessem negligenciado.
Esse filho de Vyāsadeva tinha apenas dezesseis anos. Suas pernas,
mãos, coxas, braços, ombros, testa e outras partes de seu corpo eram todos
delicadamente formados. Seus olhos eram belamente largos, e seu nariz e
ouvidos eram nobremente modelados. Ele tinha um rosto muito atrativo, e seu
pescoço era bem formado e belo como um búzio. Sua clavícula era carnuda,
seu peito largo e abundante, seu umbigo profundo e seu abdômen belamente
estriado. Tinha braços longos, e o cabelo ondulado espalhava-se sobre seu
belo rosto. Estava nu, e a tez de seu corpo assemelhava-se à do Senhor
Kṛṣṇa. Ele era anegrado e muito belo devido a sua juventude. Por causa do
encanto de seu corpo e de seus sorrisos atrativos, ele era agradável às
mulheres. Embora ele tentasse cobrir suas glórias naturais, os grandes sábios
ali presentes eram todos peritos na arte da fisionomia, e assim honraram-no,
levantando-se de seus assentos.
Mahārāja Parīkṣit, que também é conhecido como Viṣṇurāta (aquele que
sempre é protegido por Viṣṇu), prostrou-se com sua cabeça para receber o
visitante principal, Śukadeva Gosvāmī. Nessa altura, todas as mulheres e
meninos ignorantes pararam de seguir Śrīla Śukadeva. Recebendo respeitos
de todos, Śukadeva Gosvāmī tomou seu exaltado assento.
Então, Śukadeva Gosvāmī foi cercado pelos sábios santos e semideuses,
assim como a lua é cercada pelas estrelas, planetas e outros corpos celestes.
Sua presença era esplendorosa, e ele era respeitado por todos. O sábio Śrī
Śukadeva Gosvāmī sentou-se tranquilamente, inteligente e pronto para
responder a qualquer pergunta sem hesitação. O grande devoto, Mahārāja
Parīkṣit, aproximou-se dele, ofereceu seus respeitos prostrando-se diante dele,
e perguntou polidamente com palavras doces e mãos postas.
As Indagações Submissas do Rei Parīkṣit
O afortunado rei Parīkṣit disse: Ó brāhmaṇa, unicamente por tua
misericórdia tu nos santificaste, transformando-nos em lugares de
peregrinação, tudo por causa de tua presença aqui como meu convidado. Por
A gloriosa chegada de Śukadeva Gosvāmī
tua misericórdia, nós, que nada mais somos que a realeza indigna, nos
tornamos elegíveis a servir ao devoto.
Simplesmente por nos lembrarmos de ti, nossos lares tornam-se
instantaneamente santificados. E o que dizer de ver-te, tocar-te, lavar teus
santos pés e oferecer-te um assento em nosso lar? Justamente como um
ateísta não pode permanecer na presença da Personalidade de Deus, da
mesma forma os pecados invulneráveis de um homem são imediatamente
removidos em tua presença, ó santo! Ó grande místico!
O Senhor Kṛṣṇa, a Personalidade de Deus, que é muito querido pelos
filhos do rei Pāṇḍu, aceitou-me como um daqueles parentes simplesmente para
satisfazer Seus grandes primos e irmãos. De outra forma (sem ser inspirado
pelo Senhor Kṛṣṇa), como é que apareceste voluntariamente aqui, embora
andes incógnito ao homem comum e não sejas visível para nós que estamos à
beira da morte?
Tu és o mestre espiritual de grandes santos e devotos. Portanto, suplico-
te que mostres o caminho da perfeição a todas as pessoas, e especialmente a
alguém que está para morrer. Por favor, deixa-me saber o que um homem
deve ouvir, cantar, lembrar e adorar, e também o que ele não deve fazer. Por
favor, explica-me tudo isso. Ó brāhmaṇa poderoso, diz-se que raramente
permaneces nas casas dos homens durante o tempo suficiente para ordenhar
uma vaca.
Śrī Sūta Gosvāmī disse: Assim o rei falou e interrogou o sábio, usando
linguagem doce. Então a grande e poderosa personalidade, o filho de
Vyāsadeva, que conhecia os princípios da religião, começou a responder.

FIM DO PRIMEIRO CANTO

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