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INTRODUÇÃO AO

ŚRĪMAD BHĀGAVATAM

LOKA SĀKṢI DĀSA


(Lúcio Valera)

NÚCLEO DE ESTUDOS
BHAKTIVEDĀNTA
Pindamonhangaba
2021
Copyright ©2021 by Lúcio Valera

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BHAKTIVEDĀNTA
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INTRODUÇÃO AO ŚRĪMAD BHĀGAVATAM

O Śrīmad Bhāgavatam, também conhecido como o Bhāgavata Purāṇa, é consi-


derado por Śrī Caitanya Mahāprabhu (1486-1534) como o Purāṇa imaculado, porque
contém a narração transcendental da Suprema Personalidade da Divindade, Śrī Kṛṣṇa. A
história do Śrīmad Bhāgavatam é também muito gloriosa. Foi compilada por Śrī
Vyāsadeva, sob as instruções de Śrī Nārada Muni, seu mestre espiritual, depois dele ter
amadurecido no conhecimento transcendental. Vyāsadeva já havia compilado toda a
literatura védica, contendo as quatro divisões dos Vedas, Vedanta-sūtras (Brahma-
sūtras), Purāṇas e Mahābhārata. Mas, não estava satisfeito. Sua insatisfação foi obser-
vada por seu mestre espiritual, que lhe aconselhou a escrever sobre as atividades trans-
cendentais do Senhor Śrī Kṛṣṇa, narradas explicitamente no Décimo Canto do Śrīmad
Bhāgavatam. O Śrīmad Bhāgavatam descreve a si mesmo da seguinte forma:
nigama-kalpa-taror galitaṁ
phalaṁ śuka-mukhād amṛta-drava-saṁyutam
pibata bhāgavataṁ rasam ālayaṁ
muhur aho rasikābhuvi bhāvukāḥ
“O Śrīmad Bhāgavatam é o fruto maduro da árvore dos desejos da literatura védica. Ele
emanou dos lábios de Śrī Śukadeva Gosvāmī. Portanto, este fruto tornou-se ainda mais
saboroso, embora seu sumo nectário já fosse saboreável por todos, inclusive as almas
liberadas. Ó homens hábeis e pensativos, saboreai-o” (Śrīmad Bhāgavatam, 1.1.3).
Alguns acadêmicos argumentam que o Śrīmad Bhāgavatam não foi compilado
por Śrī Vyāsadeva, mas que é uma criação moderna, escrita por certo Vopadeva. Mas,
para refutar tais argumentos, cita-se Śrī Śridhāra Svāmī (séc. XIV), que chama a atenção
para o fato do Śrīmad Bhāgavatam ser citado no Matsya Purāṇa, que é um dos mais
antigos Purāṇas. Esse Purāṇa, traz referência ao mantra Gāyatrī do Śrīmad Bhāgava-
tam e a afirmativa de que há muitas narrações de instruções espirituais que começam
com o mantra Gāyatrī, além da história de Vṛtrāsura e a afirmativa de que quem pre-
sentear esta grande obra em um dia de luz cheia alcança a perfeição máxima da vida
retornando ao Supremo (Matsya Purāṇa,1.53.20-22).
Há referências ao Bhāgavatam também em outros Purāṇas, que afirmam clara-
mente que esta obra se compõe de doze cantos, com o total de 18.000 ślokas. No Pa-
dma Purāṇa há também uma referência ao Śrīmad Bhāgavatam em uma conversação
entre Gautama e Mahārāja Ambariṣa. O rei foi aconselhado, nessa passagem, a ler re-
gularmente o Śrīmad Bhāgavatam se desejasse libertar-se do cativeiro material. Em tais
circunstâncias, não há dúvida sobre a autoridade do Bhāgavatam.
Nos últimos quinhentos anos, muitos sábios eruditos e ācāryas, tais como Jīva
Gosvāmī, Sanātana Gosvāmī, Viśvanātha Cakravarti, Vallabhācārya e outros, mesmo
após a época do Senhor Caitanya, fizeram elaborados comentários sobre o Bhāgavatam.
Mas foi Sua Graça Divina A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda quem tornou disponí-
vel e popularizou o Śrīmad Bhāgavatam por todo o mundo.
CONSTITUIÇÃO DO ŚRĪMAD BHĀGAVATAM
a) Os quatro versos Catur Śloki
Śrī Caitanya Mahāprabhu nos ensina que a essência do Śrīmad Bhāgavatam – o
nosso relacionamento com o Senhor Supremo (sambandha), as nossas atividades
(abhidheya) e meta final da vida (prayojana) – está manifesta nos quatro principais ver-
sos do Śrīmad Bhāgavatam, conhecidos como catur śloki. O senhor Kṛṣṇa é o centro de
todas as relações. Conhecimento sobre Ele e a aplicação prática desse conhecimento é
o verdadeiro conhecimento. Abhidheya significa aproximar-se Dele para prestar serviço
devocional. Por prestar serviço devocional, a pessoa eleva-se gradualmente à plata-
forma de amor a Deus. Esse é o principal objetivo da vida. Na plataforma de amor a
Deus, a pessoa ocupa-se eternamente no serviço ao Senhor. Foi esse ensinamento, ex-
plicado nesses versos, que Śrī Vyāsadeva recebeu de Śrī Nārada Muni.
Ele conta que o Senhor Brahmā buscou por todo o Universo, por muito tempo,
mas não conseguiu descobrir a fonte original da criação. Mas, quando inspirado pelo
som transcendental, ele se ocupou na execução de penitências (tapas), o Senhor Su-
premo manifestou-lhe as seguintes palavras:
jñānaṁ parama-guhyaṁ
me yad vijñāna-samanvitam
sarahasyaṁ tad-aṅgaṁ
ca gṛhāṇa gaditaṁ mayā
“Por favor ouça atentamente o que Eu vou te falar, pois conhecimento transcendental
sobre Mim não é somente científico, mas cheio de mistérios” (ŚrīmadBhāgavatam, 2.
9.31).
yāvān ahaṁ yathā-bhāvo
yad-rūpa-guṇa-karmakaḥ
tathaiva tattva-vijñānam
astu te mad-anugrahāt
“Por minha graça, sejas iluminado na verdade sobre minha personalidade, manifesta-
ções, qualidades e passatempos” (Śrīmad Bhāgavatam, 2.9.32).
aham evāsam evāgre
nānyad yat sad-asat param
paścād ahaṁ yad etac ca
yo’vaśiṣyeta so’smy aham
“Antes da manifestação cósmica, somente Eu existia, fenômeno algum existia, quer
grosseiro, sutil ou primordial. Após a criação, somente Eu existo em tudo e após a ani-
quilação, somente Eu permanecerei eternamente” (Śrīmad Bhāgavatam, 2.9.33).
ṛte’rthaṁ yat pratīyeta
na pratīyeta cātmani tad
vidyād ātmano māyāṁ
yathābhāso yathā tamaḥ
“O que parece ser verdade sem Mim, certamente é a Minha energia ilusória, pois nada
pode existir sem Mim. É como o reflexo de uma luz real nas sombras, pois na luz não
existe nem sombras nem reflexos” (Śrīmad Bhāgavatam, 2.9.34).
yathāmahānti bhūtāni
bhūteṣūccāvaceṣv anu
praviṣṭānyapraviṣṭāni
tathā teṣu na teṣv aham
“Assim como os elementos materiais entram nos corpos de todos os seres vivos e ao
mesmo tempo permanecem fora, Eu existo dentro de todas as criações materiais, e ao
mesmo tempo não estou dentro delas” (Śrīmad Bhāgavatam, 2.9.35).
etāvad eva jijñāsyaṁ
tattva-jijñāsunātmanaḥ
anvaya-vyatirekābhyāṁ
yat syāt sarvatra sarvadā
“Uma pessoa interessada em conhecimento transcendental, portanto deve indagar
sempre direta ou indiretamente sobre isto para conhecer a verdade todo penetrante”
(Śrīmad Bhāgavatam, 2.9.36).

b) O conhecimento das Categorias


Quando a verdade (tattva) que permeia o tema do Śrīmad Bhāgavatam é des-
crita do ponto de vista individual (vyaṣṭi), estabelece-se o princípio da igualdade quali-
tativa entre a jīva (a alma individual) e o brahman (a verdade Absoluta), baseado no fato
de que a jīva é por natureza consciência pura e parte integrante do Brahman. Mas,
quando essa mesma verdade é vista do ponto de vista coletivo (samaṣṭi), por meio das
categorias, que são os elementos característicos dos mahā-purāṇas, tais
como: sarga, visarga etc., ela recebe o nome de āśraya, que é o summum bonum de
toda existência. Essas categorias são enumeradas por Śukadeva Gosvāmī nos dois versos
seguintes:
atra sargo visargaś
ca sthānaṁ poṣaṇam
ūtayaḥ manvantareśānukathā
nirodho muktir āśrayaḥ
“Sarga a criação do Universo, visarga a sub-criação, sthāna os sistemas planetá-
rios, poṣana a proteção dada pelo Senhor, ūtaya o impulso criativo, manvantara a mu-
dança de Manus, īśa-anukatha a ciência de Deus, nirodha a volta ao lar, a volta ao Su-
premo, mukti a liberação, e āśraya o summum bonum“ (Śrīmad Bhāgavatam, 2.10.1).
daśamasya viśuddhy-
arthaṁ navānām iha
lakṣaṇamvarṇayanti mahātmānaḥ
śrutenārthena cāñjasā
“A fim de isolar a transcendência do summum bonum, é que os sintomas do resto são
descritos às vezes pela conclusão védica, às vezes pela explicação direta e às vezes pelas
explicações resumidas dadas pelos grandes sábios” (Śrīmad Bhāgavatam, 2.10.2).
c) O Sāṁkhya teísta
O sistema clássico Sāṁkhya de filosofia geralmente é conhecido como sendo
ateísta e dualista. Mas, o Śrīmad Bhāgavatam apresenta o sāṁkhya original, descrito
nos Purāṇas. Esse Sāṁkhya é mais antigo, teísta e compatível com a visão não-dual
do Brahman e o mundo, e de Deus e a alma individual. Usando a mesma terminologia,
que mais tarde seria utilizada pelo sistema do Kapila ateísta, o Sāṁkhya foi revelado por
Śrī Kapiladeva, uma encarnação da Suprema Personalidade da Divindade, à sua mãe De-
vahuti, no Terceiro Canto, e por Śrī Kṛṣṇa a Uddhava, no Décimo-primeiro Canto
do Śrīmad Bhāgavatam.
A sistematização do Sāṁkhya em sua forma clássica é atribuido ao filósofo Kapila
ateísta. Mas, a história desse personagem é bem controversa, principalmente em rela-
ção à autoria dos Sāṁkhya-sūtras, que alguns autores consideram terem sido escritos
mais tarde em seu nome (Vivekjivandas, 2013, p.5). A forma clássica do Sāṁkhya foi
indubitavelmente estabelecida com base nas obras de Īśvara Kṛṣṇa, que no Século III,
escreveu o Sāṁkhya-karikā e muitos erroneamente consideram como sendo um comen-
tário dos Sāṁkhya-sūtras.
O Sāṁkhya, na sua versão clássica, contrasta com a sua versão arcaica, descrita
nos Vedas, Upaniṣads Mahābhārata e Purāṇas, pelo seu ateísmo (nirīśvara-sāṁkhya).
Enquanto que, em sua subsequente evolução no sistema de Yoga de Patañjali, e, em sua
origem pré-clássica, nas Upaniṣads e nos Purāṇas podemos identificar um Sāṁkhya que
é nitidamente teísta (īśvara-sāṁkhya). Segundo Suhotra Swami, no Sāṁkhya Karika de
Īśvara Kṛṣṇa, que é o texto mais antigo conhecido do Sāṁkhya clássico, não encontra-
mos nenhuma discussão sobre a existência de Deus (Swami, 1998, p. 78-79).
Esse novo Sāṁkhya omite muitos aspectos que estavam presentes no Sāṁkhya
original de Kapiladeva, apresentado no terceiro Canto do Śrīmad Bhāgavatam como o
papel que Īśvara “Deus”, kāla “o tempo” e karma “as ações” desempenham na causação
material (sarga). Na verdade, o Sāṁkhya clássico ou moderno reconhece somente duas
categorias: puruṣa “o espírito” e prakrti “a matéria”, negligenciando dessa forma o papel
causal que nossas ações (karma), o tempo (kāla) e Deus desempenham no universo.

d) A Verdade Absoluta não-dual (advaita) ou a Existência absoluta de Deus


A não-dualidade inconcebível (acintya) da Suprema Personalidade da Divindade
com o Universo e as almas individuais, não é a mesma coisa que o não-dualismo indife-
renciado ou sem qualidades (nirviśeṣa advaita) de Śaṅkara. O ensinamento do Śrīmad
Bhāgavatam é o de um não-dualismo compatível com a pluralidade de seres individuais
eternos (bheda abheda). O paradoxo desse relacionamento é tratado em detalhes no
capítulo 87 do Décimo Canto, onde Parikṣit Mahārāja questiona como o conhecimento
védico, que geralmente tem como tema os três modos (guṇas) do mundo material, pode
abordar o tema da transcendência, que está fora do alcance dos três modos da natureza
(nirguṇa).
Apesar do não-dualismo ser o significado do Śrīmad Bhāgavatam, ainda assim,
pela potência inconcebível do Senhor (acintya śakti), o Universo não é completamente
irreal. Tanto o Universo como as almas individuais possuem um grau de realidade deri-
vada do Absoluto.
e) Śrīmad Bhāgavatam como comentário do Vedanta-sutra
Geralmente quando se fala do Vedānta, todos logo pensam apenas no Vedānta
Advaita de Śaṅkara. Mas esse equívoco – resultante da escassa informação disponível
sobre a história do pensamento indiano e da generalização sectária feita por mestres
hindus nos meios acadêmicos – nos impede de ter uma visão clara e fiel da pluralidade
das tradições védicas e dos grandes ācāryas (mestres tradicionais) que se estabelece-
ram e se destacaram com base na sua exegese teológica do Vedānta sūtra.
Para Śrīla Bhaktisiddhanta Sarasvati, há vários textos que se apresentam como
comentários dos Brahma-sūtras.
Os Vedas e Upaniṣads são utilizados por diferentes pensadores para dar credi-
bilidade às suas próprias filosofias. Contudo, antes dessas interpretações, já haviam re-
flexões sobre essas literaturas revelações (srutis) em literaturas conhecidas como smr-
tis “recordações”. Dentre elas temos os purāṇas, que seriam como suplementos que
elucidam as instruções religiosas dos Vedas.
É nesse contexto religioso que os purāṇas, em sua categoria de smrtis ou escri-
turas suplementares, foram escritos para se adequar às pessoas condicionadas por ra-
jas “paixão”, tamas “ignorância” e sattva “bondade”. Os sattvatas “influenciados por
sattva”, são verdadeiramente éticos, e buscam a integração e equilíbrio. Mas, os tama-
sas e os rajasas situam da dualidade da tamas “ignorância ou passividade” e rajas “di-
namismo e paixão” (Saraswati, 1957, p. 30-31).
Segundo a opinião de Śrī Caitanya Mahāprabhu, que é expressa no Tattva-
sandharbha (texto 19) de Jīva Gosvāmī, dentre os purāṇas sattvatas, o Śrīmad-Bhāga-
vatam (Bhāgavata Purāṇa) se sobressai e é considerado como o comentário natural
dos Brahma-sūtras pois foi compilado pelo mesmo autor.
Śrī Caitanya Mahāprabhu considera o Bhāvārtha-dīpikā “iluminado o signifi-
cado” de Śrīla Śrīdhara Svāmī como a apresentação autorizada do Bhāgavatam; Śrīla
Jīva Gosvāmī apresenta o verdadeiro espírito do autor do Bhāgavatam em seu Krama-
sandarbha “tratados sequenciais” e, em especial, nos seus Ṣaṭ-sandarbha “seis trata-
dos” e Sarva-saṁvādinī “reconciliação dos discursos”; e Śrīla A. C. Bhaktivedanta
Swami Prabhupada traduz e comenta a edição mais completa e divulgada pelo mundo
todo.

f) Rasa ou doçura transcendental


No Śrīmad Bhāgavatam são narrados os passatempos transcendentais do Se-
nhor, e a narração é descrita sistematicamente por Śukadeva Gosvāmī. Assim, o tema é
atrativo para todas as classes de pessoas, inclusive as que buscam liberação e que alme-
jam tornar-se unas com o Supremo Todo. Em sânscrito, śuka quer dizer papagaio.
Quando um fruto maduro é cortado pelo bico vermelho de tal ave, seu sabor doce au-
menta. O fruto maduro do conhecimento védico foi falado pelos lábios de Śukadeva
Gosvāmī, que é comparado ao papagaio, não por repetir exatamente como ouviu de seu
pai erudito, mas por sua habilidade de apresentar o Śrīmad Bhāgavatam de uma forma
tão doce de forma a atrair todas as classes de homens. O tema é tão bem apresentado
pelos lábios de Śukadeva Gosvāmī que qualquer ouvinte sincero que o ouça submissa-
mente pode de imediato provar sabores transcendentais, distintos dos sabores perver-
tidos do mundo material.
O fruto maduro não caiu de repente de Kṛṣṇaloka, o planeta mais elevado. Ao
contrário, tem descido cuidadosamente, através da corrente de sucessão discipular (pa-
ramparā), sem mudança ou alteração. Pessoas tolas, que não aceitam a sucessão disci-
pular, cometem grandes disparates ao tentar entender a mais elevada rasa transcen-
dental, conhecida como “dança da rasa”, sem seguir os passos de Śukadeva Gosvāmī,
que apresenta esse fruto mui cuidadosamente, através dos estágios de realização trans-
cendental. Geralmente, eles vão diretamente à parte mais confidencial da literatura,
sem passar pelo processo gradual de entender esse grave tema. Eles costumam mergu-
lhar no tema da dança da rasa, que é mal entendido pela classe de homens tolos. Alguns
o tomam como imoral, enquanto outros tentam cobri-lo com suas interpretações sim-
bólicas ingênuas.
Viśvanātha Cakravarti Thakur descreve o madhurya-rasa como a psicologia se-
xual pura e original (adi-rasa), desprovida de qualquer inebriamento mundano, que se
reflete pervertidamente no egoísmo da existência material. Portanto, A vida sexual não
é irreal. Sua realidade e forma ideal é experimentada no mundo espiritual. A vida sexual
mundana é apenas um reflexo pervertido do fato original. O fato original é que a Ver-
dade Absoluta, apesar de ser não-dual, não pode ser impessoal. Não é possível ser im-
pessoal e conter a vida sexual pura. Consequentemente, os filósofos monistas dão ím-
peto indireto à vida sexual mundana quando hiper enfatizam a impersonalidade da ver-
dade última. Assim, homens sem informação da verdadeira forma espiritual do sexo
aceitam a vida sexual material como o máximo de tudo. Mas, há uma distinção bem
clara entre a vida sexual na condição material doente e a vida sexual espiritual saudável.
Por esclarecer a questão fundamental da natureza estética e lúdica do ser, o Śrīmad
Bhāgavatam pode elevar gradualmente o leitor ou ouvinte imparcial até o estágio má-
ximo de perfeição espiritual.
RESUMO DO CONTEÚDO DO ŚRĪMAD BHĀGAVATAM
Escrito por Vyāsadeva sob ordem de seu guru Śrī Nārada Muni, o Śrīmad Bhāga-
vatam apresenta Sūta Gosvāmī relatando as perguntas de Parikṣit Mahārāja e as respos-
tas do filho de Vyāsadeva, Śukadeva Gosvāmī. Além disso, às vezes, Sūta Gosvāmī res-
ponde diretamente às perguntas feitas por Śaunaka Ṛṣi, o porta voz dos sábios que se
encontravam reunidos em Naimiṣaraṇya. Assim, ouvimos dois diálogos simultanea-
mente: um, entre Parikṣit Mahārāja e Śukadeva Gosvāmī às margens do Ganges, e outro,
em Naimiṣaraṇya, entre Sūta Gosvāmī e os sábios ali presentes, representados por Śau-
naka Ṛṣi. Além disso, enquanto instrui o rei Parikṣit, Śukadeva Gosvāmī frequentemente
relata episódios históricos e evoca longos colóquios filosóficos entre grandes almas, tais
como o santo Maitreya e seu discípulo Vidura.
Elaborou-se o Śrīmad Bhāgavatam para explicar Kṛṣṇa ou a ciência de Kṛṣṇa. Ele
combina a didática do comentário natural sobre o Vedānta-sūtra (a conclusão do conhe-
cimento védico) com Kṛṣṇa-katha, as narrativas das manifestações e passatempos
transcendentais da Suprema Personalidade da Divindade (Bhagavān) e de Seus grandes
devotos (bhāgavatas).
As narrativas do Quarto ao Décimo Canto são emolduradas pela filosofia enunci-
ada do Primeiro ao Segundo e do Décimo-primeiro ao Décimo-segundo Cantos. Mas,
através de seus significados, Śrīla Prabhupāda apresenta o Primeiro Canto como sendo
o resumo de toda a obra.
No Primeiro Canto, se estabelece que Kṛṣṇa seja a Personalidade Suprema da
Divindade original. Kṛṣṇas tu bhagavān svayam (1.3.28). Sūta Gosvāmī explica aos sá-
bios de Naimiṣaraṇya como Vyāsadeva compilou o Śrīmad Bhāgavatam. As glórias e os
méritos de ouvir sobre Ele são descritas e as encarnações (avatāras) da Suprema Perso-
nalidade da Divindade são enumeradas. Temos também as histórias de Parikṣit
Mahārāja, Bhīṣmadeva e sobre o desaparecimento do Senhor Kṛṣṇa. O canto se encerra
com perguntas feitas pelos sábios, liderados por Śaunaka Ṛṣi, que serão respondidas nos
onze cantos seguintes.
O Segundo canto, que em sua maioria é uma descrição analítica da criação bem
como das inúmeras encarnações do Senhor, enfatiza mais ainda que a Verdade Absoluta
seja a Personalidade da Divindade, e a indicação disso é o Supremo Senhor Kṛṣṇa.
O Terceiro Canto é relatado por Maitreya à Vidura. Maitreya descreve a Vidura
as qualidades do Senhor Supremo e sobre a natureza da alma individual. Parte essencial
do Terceiro Canto são as instruções do Senhor Kapiladeva à Sua Mãe Devahuti sobre
o sāṁkhya yoga e o serviço devocional.
Do Terceiro ao Nono Canto encontramos em detalhes as narrativas das mudan-
ças dos Manus ou manvantaras, relacionadas com os passatempos de diferentes encar-
nações e grandes devotos do Senhor, bem como a história das grandes dinastias reais.
O Décimo Canto é o mais extenso e descreve em detalhes a vida de Kṛṣṇa, a Su-
prema Personalidade da Divindade. Ele se divide m duas partes principais. A primeira,
que trata de seus passatempos infantis e amorosos em Vṛndavāna, e a segunda, que, a
partir da matança de Kaṁsa em Mathurā, descreve suas batalhas com Kālayavana,
Jarāsandha, Śālva, etc. O Capítulo 87 discute o problema da transcendência e imanência
da Suprema Personalidade da Divindade.
O Décimo-primeiro Canto retoma os temas tratados no terceiro Canto. As carac-
terísticas do devoto, da filosofia Sāṁkhya, de jñāna, karma, yoga e bhakti (devoção)
são ensinadas extensivamente.
O Décimo-segundo Canto continua a história das dinastias reais, deixadas no
Nono Canto. Então ouvimos sobre os preparativos da morte de Parikṣit Mahārāja,
quando Śukadeva lhe instrui sobre a Verdade Absoluta. A origem dos Vedas e
dos Purāṇas é tratada na recapitulação do conteúdo dos Purāṇas. Ao final o Śrīmad
Bhāgavatam é glorificado como supremo entre todos os Purāṇas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DASGUPTA, Surendranath. A history of indian philosopy. 5 vols. Delhi: Motilal Banarsi-
dass, 1975.
PRABHUPĀDA, A.C. Bhaktivedanta Swami. (trad.) Śrīmad Bhāgavatam. 19 Volumes,
São Paulo: Bhaktivedanta Book Trust, 1995.
SARASWATI, Bhakti Siddhanta. The Vedanta – Its Morphology and Ontology. Calcutá:
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SHERIDAN, Daniel P.. The Avaitic Theism of the Bhāgavata Purāṇa. Delhi: Motilal Banar-
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VIVEKJIVANDAS, Sadhu. Hinduism: Shad darshanas and Sampradayas (Philosophies
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