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Ricardo Batista

Darshanas: sistemas filosóficos hindus

Brasília
27 de outubro de 2007
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Sumário
Introdução........................................................................................................03
Mimansa...........................................................................................................04
Vedanta............................................................................................................05
Samkhya..........................................................................................................07
Yoga.................................................................................................................09
Vaisheshika......................................................................................................12
Nyaya...............................................................................................................13
Bibliografia........................................................................................................16
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Introdução
Darshana não é um sistema filosófico no sentido ocidental. A palavra provém
da raiz drs, que significa ver, contemplar, compreender. Daí que corresponda a um
ponto de vista, doutrina, compreensão.
Contudo, é um sistema de afirmações coerentes, atados à experiência
humana, a qual aqui tem papel primordial em interpretar o conjunto. Objetivo, acima
de tudo à libertação do homem de suas ignorâncias, sejam quais forem as acepções
que o termo ignorância possa vir a assumir.
O trabalho que ora se apresenta irá fazer um pequeno apanhado das principais
características dos seis principais sistemas ortodoxos da filosofia hindu: Mimansa,
Samkhya, Vedanta, Yoga, Vaisheshika e Nyaya.
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Mimansa
A escola Mimansa, criada por Jaimini, é denominada Purva-Mimansa, em
contraposição ao Vedanta, conhecido como Uttara-Mimansa. Em Sânscrito, Purva
significa “anterior” e uttara, “posterior”. Mimansa, traduz-se por “exame”,
“investigação”. Daí, o Vedanta pode ser entendido como investigação final dos
Vedas, enquanto o Purva-Mimansa compreende-se por sua investigação anterior.
A forma definitiva desta escola foi introduzida por Jaimini, por volta de 200 a
300 a.C., através de seu Mimansa-Sutra, o qual expões a a rte e a ciência da ação
moral com respeito ao ritualismo védico. Baseia-se no conceito de Dharma (ou
virtude), desde o ponto onde afeta o destino religioso e espiritual do indivíduo.
De acordo com o Purva-Mimansa,
tudo o que é verdade acha-se no Vedas; tudo o que está nos Vedas é
verdade; o que não se acha nos Vedas não é Verdade; todas as palavras
dos Vedas são sagradas, não só no seu sentido de expressar verdades
sagradas, como até em si mesmas como palavras; a única esperança que o
homem pode ter de alcançar a liberdade, a salvação e a emancipação, vem
necessariamente dum estrito estudo e da compreensão dos Vedas, e da
crença absoluta nestes livros sagrados e na sua origem divina, como
também do cumprimento exato dos preceitos e das prescrições que os
Vedas contêm, de acordo com as doutrinas dos instrutores e a letra da lei
(RAMACHARAKA, apud HENRIQUES, 1984, p. 46).
O Purva-Mimansa, apesar de alguns absurdos, aprofundou as idéias de Karma
e dharma, chegando a descrever minuciosamente as conseqüências das pequenas
ações, como também estipular os deveres de cada uma das castas, ressaltando as
tradições e ritos cerimoniais de sacrifício. Desta feita, o karma, ou ação, estaria
vinculado aos preceitos védicos, sendo que só a este modo poderia conduzir à
libertação do espírito, através da obediência às regras religiosas morais e a práticas
cerimoniais.
Oposto ao Vedanta, o Purva-Mimansa considera a existência de uma
multiplicidade de Atmans, compreendidos como intrinsecamente inconscientes,
despertando-se conscientemente, apenas ao unirem-se a um corpo e a uma mente.
Sendo assim, a consciência sempre seria uma “consciência do eu”.
Sua unidade ou subdivisão essencial é o adhikárana que se divide em cinco
partes: Primeiro formula-se uma questão; depois refuta-se-lhe com todas as dúvidas
que possam surgir a respeito; daí, expõe-se os métodos errados de trata-la; refuta-
os; e, por fim, se apresenta a solução verdadeira como conclusão inevitável de toda
a discussão apresentada.
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Para este darshana, o sânscrito, língua sagrada dos Vedas, não seria uma
língua histórica baseada em convenções, e sim uma própria emanação do Ser no
som, advindo daí extrema importância na entonação de mantras sagrados e hinos
védicos para que se possa alcançar a verdade suprema.
Sobre o autor: Jaimini
Jaimini, que se crê ter vivido ao redor do século IV e II a.C., foi discípulo de
Vyasa (Badarayana), escrevendo não só o Rudramsa, o Shastamsa e o Saptamsa,
como também o Varnada Lagna, tendo publicado também na linha da Yoga (Shakti
Yoga e Raja Yoga). Contudo, sua obra mais importante, até porque funda uma
escola, foi o Mimansa-Sutra, composto por cerca de 3000 sutras.
Trecho de obra:

Vedanta
Também chamada Uttara-Mimansa, é considerada a mais importante escola
filosófica ortodoxa da Índia e baseia-se nos livros finais dos Vedas, caracterizados
por um aporte mais filosófico, principalmente os Upanishads. É atribuída a sua
criação ao sábio Baradayana (Vyasa), provável autor dos Brahma-Sutras (ou
Vedanta-Sutras).
O Vedanta é a metafísica por excelência. Todas as suas diversas subescolas
ensinam uma ou outra forma de não-dualismo, doutrina de acordo com a qual a
realidade é um todo único e homogêneo (FEUERSTEIN, 2005, p.116). O Ser,
Brahman, é a única realidade. O Atman é idêntico a Brahman, estabelecendo uma
relação microcósmica com o macrocosmo. O mundo é visto como ilusório, uma
emanação e reflexo da realidade de Brahman. Brahman é Sat-Chit-Ananda
(Existência-Consciência-Beatitude).
“Temos aqui um idealismo e um monismo absolutos. Tudo pertence ao Uno, e
este Uno, Ser Absoluto, sonha a multiplicidade material e a pluralidade das
consciências. As partes são ilusões do todo, assim como os egos são falsas
expressões de um único e verdadeiro Eu. [...] Segundo o Vedanta, a alma está
comumente presa ao ciclo de renascimento e morte, devido a uma ignorância
metafísica e a uma ilusão cósmica” (HENRIQUES, 1984, p. 51). Porém, através do
conhecimento do Eu, pode o homem atingir a libertação rompendo a ilusão que
encobre a unidade com Brahman.
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Os dois maiores expoentes desta vertente foram Sankara e Ramanuja. Para o


primeiro, a reencarnação e o karma, correspondem ao sonho, pois quando o Atman
desperta, desparecem junto com a ilusão separatista. Desfeita a ilusão, o Ser então
funde-se ao Impessoal Absoluto.
“Já com Ramanuja, no Vedanta não dualista qualificado (vishishtadvaita), as
almas são partes de Deus, mas não perdem suas individualidades quando se unem
a Ele. Ramanuja concebe um Deus pessoal, assim como uma alma individual
(Jivatman) distinta deste, apesar de o Ser habitar dentro dela” (HENRIQUES, 1984,
p. 52).
Enquanto para Shankara o mundo é relativamente real, já que aparenta a um
sonho (considerado real enquanto o sonhamos), para Ramanuja, o mundo pode ser
considerado como inteiramente real, sendo constitutivo, eterno e inseparável da
realidade do todo.
Biografia do autor: Vyasa
Vyasa (também chamado Krishna Dvaipayana, Badarayana, e Vedavyasa),
mais ou menos 3000 a.C., é o filho de Mahamuni Parasara e discípulo de Narada.
Era o guru dos Pandavas e dos Kauravas. De acordo com o Vayu Purusa, este
Vyasa é a vigésima oitava encarnação de Vyasa, e ele reside em Uttara Badri, uma
morada transcendental nos Himalayas, acompanhado por Madhvacharya e muitos
outros grandes devotos religiosos. Vyasadeva é conhecido como a encarnação
literária do Senhor Krishna porque ele deu a sabedoria védica ao mundo compilando
os Vedas, os Puranas (do qual o Srimad-Bhagavatam é a principal), o épico
Mahabharata, e o Vedanta-sutra.
Trecho de obra:
1. Eterno é chamado o ashvatta, a figueira sagrada que tem suas raízes
para cima e os ramos para baixo; suas folhas são os hinos védicos. Quem
conhece, conhece os Vedas.
2. Seus ramos se espalham para cima e para baixo, nutridos pelas três
qualidades; suas folhas são os objetos dos sentidos. Suas raízes se
estendem para baixo, os vínculos da ação no mundo dos mortais.
3. Neste mundo não é possível compreender sua forma real, seu
começo, seu fim e sua base. Quando o homem consegue derrubar esta
árvore de raízes profundas com o poderoso machado do desinteresse,
4. pode ir à procura daquela meta, da qual desde que se consiga
alcançá-la, não se retorna jamais. Refiro-me àquele princípio primordial, de
que brotou a antiga emanação. (BHAGAVAD-GITA, canto XV).
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Samkhya
O sistema Samkhya, compreendido como “enumeração correta” ou
“classificação perfeita” foi sistematizado por Kapila e visa à classificação e
explanação das principais categorias da existência. Assim, o eixo central desta
filosofia giraria em torno da distinção entre Purusha e Prakriti, a qualificação de
Prakriti em três Gunas e seu desdobramento em 23 Tatwas.
Purusha, como sabemos, é o aspecto espiritual e subjetivo da existência, e
Prakriti, complementarmente, é o aspecto objetivo, a substância ou energia
primordial. O que distingue a concepção Sânkia de outras é o facto de
entenderem e descreverem Purusha como um conjunto de inumeráveis
átomos ou mônadas espirituais, sem contemplar a idéia de um Purusha
Universal ou Ishwara. Estas mônadas ou Purushas não são sujeitas a
atributos ou qualidades, e não podem ser afetadas no seu estado puro de
bem-aventurança, tal só acontecendo quando se mesclam com Prakriti, a
matéria primordial una e contínua. É, portanto a incorporação de Purushas
em Prakriti que produz centros de atividade que se designam por átomos
materiais, mas que, na verdade, não advêm de Prakriti porquanto esta é
indivisível, e, sim, da influência das mônadas.
Importa sublinhar que ambos os aspectos, Purusha e Prakriti, são
emanações de TAT com igual grau de realidade, não se entendendo um
como ontologicamente superior ao outro. Como emanações relativas que
são (a partir do Absoluto), são finitos e destinados a desaparecer no final do
ciclo de manifestação. Da ação e ração entre ambos são criadas todas as
formas, todas as sombras do grande teatro cósmico (FALCÃO, s.d.).
Prakritti encontra-se constituída de três Gunas: Satwa (verdade, harmonia),
Rajas (paixão, atividade) e Tamas (indiferença, preguiça, inércia). No início da
manifestação, encontram-se equilibradas, em igual proporção, mas apresentam-se
distribuídas nas distintas formas existentes, numa variada conjugação.
em cada uma das formas, uma ou duas Gunas predominam, emprestando à
forma um caráter específico. Aliás, a distinção entre 23 Tatwas ilustra essa
mesma idéia: são vinte e três princípios, que podem ser entendidos como
classes ontológicas de existências fenomênicas – seis grandes grupos aos
quais se podem reduzir todas as possibilidades de existência de formas no
universo em manifestação. Estes princípios derivam de Prakriti, sob a
energização dos Purushas, através das operações das três Gunas. Temos
assim Mahat ou Buddhi (a mente universal), Ahamkara (consciência
individual de separatividade), os cinco órgãos dos sentidos, os cinco órgãos
da ação, manas e os cinco elementos (FALCÃO, s.d.).
Todo este processo é desencadeado de acordo com a proximidade de Purusha
com relação a matriz transcendente, só existindo para a libertação destes seres, os
quais encontram-se identificados com a matéria, ao invés de despertarem para sua
essência de Consciência Pura. Assim, o objetivo da tradição Samkhya é dispor de
uma estrutura prática que, além de explicar o mundo, auxilia a, por meio da
meditação, transcendê-lo.
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Uma das obras mais importantes desta escola é o Samkhya-Karika, escrito por
Ishvara Krishna (cerca de 350 d.C.), a qual contrapõe-se surpreendentemente ao
Vedanta ao afirmar que a realidade não é única e sim, múltipla.
Como uma das Darshana, a Sâmkhya tem o seu par complementar que é o
Yoga. A metafísica de Sâmkhya foi adotada pela escola de Patanjali,
portanto é natural que as duas escolas estejam mencionadas em conjunto,
com Sâmkhya tratando da parte teórica, e o Yoga da parte prática. Por outro
lado, ambos têm o seu elemento teórico (Sâmkhya = Sâmkhya-Karika; Yoga
= os Aforismos de Patanjali), com os seus pontos de vista complementares.
Sâmkhya segue a análise do fenômeno, para dar a conhecer a nossa
situação e o caminho para a libertação do ‘karma’ e da reencarnação. O
Yoga também tem uma posição semelhante, mas através duma dimensão
prática profundamente psicológica e meditativa. É esta dimensão que não
existe em Sâmkhya. Para citar o Mahabharata: "Não há Conhecimento
como o Sâmkhya, não há poder como o Yoga." (SUZY, s.d.).

Seu autor: Kapila


O richi Kapila era um grande sábio e um grande adepto da antiguidade. Nos
Puranas há uma referência de que ele, com apenas um olhar, reduziu a cinzas os
sessenta mil filhos brutais, viciosas e ímpios do rei Sagara. Estes filhos são uma
personificação das paixões humanas, que uma simples olhadela do sábio ( o Eu,
que representa o mais alto estado de pureza a que e pode chegar na terra) reduz a
nada. Sangara, por outro lado, é o nome do oceano e especialmente do golfo de
Bengala donde desemboca o Ganges. Vários personagens têm existido sob a
alcunha de Kapila, e dois deles podem ter sido uma só e mesma individualidade,
sem contudo ser a mesma personalidade. Também é o nome genérico pelo qual são
conhecidos os Kumaras (ascetas virgesn celestiais, filhos de Brahman).
Supostamente, a julgar sua influência no período de Mahãvira e Buddha, acredita-se
que tenha vivido antes do século 6° a.C.
Trecho de obra:
Os três gunas têm a natureza da alegria, da não alegria e da tristeza, e têm
[respectivamente] a função de iluminar, ativar e restringir. Sobrepujam-se
uns aos outros e são interdependentes, produtivos e cooperativos em suas
atividades. (12)
Sattva é considerado ascendente e iluminante. Rajas é estimulante e móvel.
Tamas é inerte e tem o poder de esconder. A atividade [dos gunas] é
consciente e intencional como a de uma lâmpada [feita de várias partes que
juntas produzem um único fenômeno, a luz]. (13) (Sâmkhya-Karika).
1. Duhkhatrayâbhighâtâj, jijñâsâ tadapâbhighâtake hetau drishte
sâpârthâ cen, naikântâtyantato abhâvât.
Del dolor de la triple desgracia surge el deseo de contrarrestarla; si alguien
dice que es inútil porque existe la percepción (decimos) no, pues esos
medios no son finales ni absolutos.
2. Drishtavad ânushravikah, sa hy avishuddhah kshayâtishayayuktah
tadviparîtah shreyân, vyaktâvyaktajñavijñânât.
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Los (medios) revelados son como la percepción, se caracterizan por la


impureza, la destrucción y el exceso; uno mejor, diferente, es el
conocimiento de lo manifiesto, lo no manifiesto y el conocedor.
3. Mûlaprakritir avikritir, mahadâdyâh prakritivikritayah sapta
shodashakas tu vikâro, na prakritir na vikritih purushah.
Mulaprakriti no es una modificación; las modificaciones de prakriti son siete,
mahat (el “grande”) y las que le siguen; los productos son dieciséis; purusha
no es producto ni productor.
4. Drishtam anumânam âptavacanam ca sarvapramânasiddhatvât
trividham pramânam ishtam, prameyasiddhih pramânâd dhi.
Percepción, inferencia y discurso confiable son el triple medio de
conocimiento (pramâna) porque son todo el pramâna establecido.
5. Prativishayâdhyavasâyo, drishtam tridvidham anumânam âkhyâtam
ta lingalingipûrvakam, âptashrutir âptavacanam tu.
La percepción es el discernimiento selectivo de objetos particulares; la
inferencia es de tres clases y se basa en una señal característica y en lo
caracterizado por esa señal; la revelación es testimonio verbal fidedigno
(SAMKHYA-KARIKA).

Yoga
Sistema filosófico sistematizado por Patanjali, em seus Yoga-Sutras, o Yoga
era transmitido nos círculos fechados dos ascetas e místicos da Índia bem antes de
sua sistematização. O que fez, contudo, foi corrigir e compilar as informações acerca
desta filosofia. “Entre os métodos técnicos conservados pela tradição, Patanjali
recolheu aqueles que foram suficientemente avalizados pela experiência de séculos.
Quanto aos marcos teóricos e ao fundamento metafísico que Patanjali dá a essas
práticas, seu aporte pessoal é mínimo. Ele apenas retoma em suas grandes linhas a
filosofia Samkhya e a ordena num teísmo bastante superficial, exaltando o valor
prático da meditação” (ELIADE, 2004, p. 22).
Etimologicamente, deriva da raiz sânscrita yuj, “ligar”, “manter unido”, “atrelar”,
“jungir”, o qual originou o termo latino jungere, jugum e o inglês yoke. O vocábulo
serve em geral para designar toda técnica de ascese e todo método de meditação.
Entretanto, aqui referiremos ao sistema exposto na obra de Patanjali.
Inicialmente, é definida [a Yoga] como a contenção das flutuações da mente, o
que advém da prática, ou abhyasa (esforço constante e ininterrupto para adquirir
tranqüilidade mental) e do desapego, ou vairagya (cessação de todos os desejos por
objetos vistos ou vislumbrados).
As modificações que assolam a mente, algumas aflitas e outras não-aflitas, são
divididas em cinco variedades: Pramana (conhecimento), Viparyaya (concepção
errônea, ou ilusão), Vikalpa (preconceitos), sono e recordação. E do esforço
constante e ininterrupto pode advir a concentração necessária para se atingir o
samadhi (ou êxtase).
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No segunda parte de seus aforismos, Patanjali descreverá a prática, ou


conjunto de meios adequados para se atingir o samadhi, dividida em dois tipos de
Yoga: a Kriya Yoga e a Astanga Yoga. Na primeira, por meio da autodisciplina,
estudo das escrituras (incluindo a recitação de mantras) e a devoção ao Senhor,
pode-se cultivar o samadhi e eliminar os Klesas (em número de cinco: ignorância,
egoísmo, apego, aversão e medo da morte). Quando estes cinco sutis obstáculos
são conhecidos, podem ser superados pela atitude mental oposta.
A Astanga Yoga é a que se baseia em oito meios para se alcançar a união.
São eles: Yama (restrição), Nyama (observância), Asana (postura), Pranayama
(regulação da respiração), Pratiahara (restrição dos sentidos), Dharana (fixação),
Dhyana (meditação) e samadhi (contemplação). O pleno controle de si é o que se
destina à sua prática persistente e ininterrupta.
Pela prática da Yoga, advêm poderes sobrenaturais (siddhis), tais como a
vidência. O que é alcançado mediante a prática de Dharana, Dhyana e Samyama.
Dharana é compreendida como a fixação da mente num só ponto. Neste estado, o
fluxo contínuo de vrittis da mente é denominado Dhyana. Em Dhyana, quando só o
objeto da meditação existe, adentra-se no samadhi. A junção destes três estados é o
que se chama Samyama. Ao se pratica o Samyama sobre qualquer objeto, o ser se
ilumina e desperta os poderes relacionados àquilo que é meditado.
A última parte dos Yoga Sutras refere-se à liberação a que leva a Yoga,
resultado final da prática, que consiste no isolamento do Purusha e sua liberação ou
emancipação do Prakriti (Matéria), alcançando assim um estado de Unidade, ao
compreender Deus como Manifesto em Si mesmo.
Uma vez adquirido este estado de consciência suprema, a mente já não se
deixa contaminar pelos condicionamentos gerados pelos samskaras e vasanas. A
partir de então, as Gunas desaparecem em sua própria substância causal, uma vez
que não têm mais propósitos a cumprir, levando o Ser à Consciência Absoluta.
Seu autor: Patanjali
Uma longa controvérsia que ainda perdura, diz respeito à própria pessoa de
Patanjali, autor dos Yoga-Sutra. Alguns comentadores indianos identificaram
Patanjali com o gramático que viveu no século II antes da nossa era.
Virtualmente nada se sabe sobre sua vida, e algumas escolas acreditam
que ele é totalmente ficcional. Antigos textos freqüentemente referem-se a
Patanjali como uma encarnação de um deus serpente Ananta, e ele é as
vezes descrito como meio homem meio serpente.
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Os mais ortodoxos dizem que Patanjali nasceu na Índia no ano 250 antes
de Cristo. Tinha como pais Angiras e Gonika. Gonika era reencarnação de
Sati (Parvati)
Antes de nascer na Terra, Patanjali era Adisesa ou como também é
conhecido, Ananta, a serpente sobre a qual Vishnu descança. O seu
nascimento como humano foi um prêmio concedido a ele por Shiva e
Vishnu.
Certo dia, Vishnu se encantou com a dança de Shiva Nataraja, o pai do
Yoga, e seu contentamento foi tão grande que ele vibrou profundamente
com a dança de Shiva, o Maha Yogue (grande yogue).
Percebendo a vibração de Vishnu, Ananta se sentiu atraído e curioso sobre
o que estava acontecendo. Questionando a Vishnu sobre o porque daquela
vibração, Vishnu o respondeu que a dança de Shiva o havia feito vibrar às
alturas do infinito, lhe ocasionando o estado de samadhi.
Ao escutar essa maravilhosa explicação, Adisesa desenvolveu um desejo
ardente de reencarnar como humano e aprender yoga.
Historicamente, Gonika é considerada a mãe de Patanjali. Gonika era uma
yogini muito devota do antigo yoga tântrico. Todos os dias pela manhã ela
praticava a Saudação ao Sol (Surya Namaskar) como forma de devoção ao
deus Surya (deus do Sol). Ela rogava constantemente para que fosse a
mãe de um filho yogue. Depois de intensas austeridades, Surya se sentiu
satisfeito e atendeu as preces de Gonika, fazendo com que Adisesa
reencarnasse como seu filho. Gonika chamou o lindo menino de Patanjali,
pois ele representava o fruto de suas orações ao deus Surya.
Patanjali é a conjunção de Pat (o que caiu do céu) e Anjali (o gesto da
oração, com as mãos unidas ao peito.)
A antiga tradição do yoga nos diz que o Yoga foi ensinado de Shiva à
Parvati. Matsyendra escutou esses ensinamentos e posteriormente se
tornou o primeiro yogue. Gonika era a reencarnação de Parvati (como Sati)
e, assim, Patanjali nasceu com o conhecimento intuitivo do Yoga, graças às
bênçãos de Gonika.
As lendas envolvendo o nascimento de Patanjali nos dizem que na primeira
noite de fevereiro Angiras e Gonikas conceberão o grande sábio. A data de
seu nascimento é incerto, mas diz-se que foi entre os dias 30 e 31 de
outubro. Hoje essa data é comemorada como o dia mundial do Yoga.
Além de Gonika, Patanjali teve como mestre espiritual Hiranyagarbha, uma
encarnação de Brahma e que estava diretamente ligado à linhagem
espiritual do sábio Kapila, fundador do Samkhya. Hiranyagarbha era pai de
Gonika e, portanto, avô de Patanjali. Há também informações espirituais de
que o grande avatar de Shiva, o Mahavatar Babají Nagaraj o iniciou nos
segredos do Kriya Yoga.
Patañjali tinha uma vida social normal e foi casado com Lolupa, sua única
esposa. Com ela teve um filho chamado Nagaputra, o qual foi seu sucessor
natural. Outro grande discípulo de Patanjali e Nagaputra foi o lendário
Dattatreya autor de inúmeros tratados sobre o Yoga (YOGASHALA, s.d.).

Trecho de obra:
Através da prática dos membros do Yoga, e com a redução das impurezas,
[brilha] o fulgor da sabedoria (jnâna), que aumenta até chegar] à visão do
discernimento.
A disciplina (yama), o autocontrole (niyama), a postura (âsana), o controle
da respiração (prânâyâma), o recolhimento dos sentidos (pratyâhâra), a
concentração(dhâranâ), a meditação ( dhyâna) e o êxtase (samâdhi) são os
oito membros do Yoga.
A não-violência, a veracidade, o não-roubar, a castidade e o não-cobiçar
são as disciplinas.
[São válidos] em todas as esferas, independentemente de nascimento,
lugar, tempo e circunstância, [e constituem] o "grande voto" (mahâ-vrata).
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A pureza, o contentamento, a ascese, o estudo e a devoção ao Senhor são


formas de autocontrole.
Para repelir noções (vitarka) [perniciosas], [o yogin deve dedicar-se ao]
cultivo do oposto [delas].
Noções [perniciosas], [como] a violência, etc., quer sejam praticadas de fato,
quer se ordene que sejam praticadas, quer sejam [simplesmente]
aprovadas; quer nasçamda cobiça, quer da ira, quer do tédio; quer sejam
pequenas, quer médias, quer excessivas - [sempre têm a sua] infindável
consumação na ignorância (avidyâ) e no sofrimento (duhkha); por isso, [o
yogin deve dedicar-se] a cultivar o oposto delas.
Quando [o yogin] se firma [na virtude da] não-violência (ahimsâ), [toda]
discórdia se acaba na sua presença.
Quando se firma na veracidade (satya), a ação [e sua] fruição passam a
depender [da sua vontade].
Quando se firma no não-roubar (asteya), todos os tesouros surgem [à frente
dele].
Quando se firma na castidade (brahmacarya), adquire [grande] vitalidade.
Quando se firma no não-cobiçar (aparigraha), [o yogin obtém] o
conhecimento de onde se verificaram os seus nascimentos.
Através da pureza (shauca), [obtém] o distanciamento (jugupsâ) em relação
a seus próprios membros [e adquire o desejo de] não ser contaminado pelos
outros.
[Obtém, além disso], a pureza da [qualidade] sattva [do seu ser], a gratidão,
a concentração, o domínio dos órgãos dos sentidos e a capacidade de ver o
Si Mesmo (âtma-darshana).
Através do contentamento (samtosha) obtém-se uma alegria inigualável.
(PATANJALI, YOGA-SUTRAS, s.d.)

Vaisheshika
Este é um dos sistemas menores, com pouca importâncioa e, hoje, quase
extinta. Vaisheshika origina-se da palavra sânscrita vivesha, utilizada para atribuir
singularidade. É um sistema bastante antigo, sendo atribuído a Kanada a sua
fundação, por volta do século III a.C., ou mesmo anteriormente.
De acordo com esta doutrina, o homem está submerso na ignorância,
necessitando adquirir a devida compreensão que o libertará. Tal conhecimento
surge da percepção e inferência sendo, contudo, necessária a prática para a
libertação total da dor e dos renascimentos. Tal como a Yoga, aceita a existência de
um Deus pessoal (Ishvara), o qual não é visto nem como criador do Universo, nem
como libertador do homem.
“Kanada concebe que a compreensão libertadora implica o conhecimento das
seis categorias de todas as coisas. Três são básicas: substância (drava), qualidade
(guna) e ação (karma). No Vaisheshika os gunas são dezessete, tendo sido
acrescidos mais sete após Kanada, perfazendo um total de vinte e quatro”
(HENRIQUES, 1984, p. 48-49).
Além das três categorias da substância já citadas, o Vaisheshika ainda
considera: “a generalidade (samanya), a individualidade (vivesha) e a coerência
13

(samavaya). Samavaya implica que partes unidas compõem um todo, tais partes
inseparáveis supõem uma inerência, ou, uma imanência da parte no todo. Vivesha é
o termo que originou o nome da escola, [...] aplica-se a uma concepção atomística
semelhante a de Demócrito. Todas as coisas compõem-se de partes indivisíveis,
sendo passíveis de percepção apenas quando agrupadas” (samavaya)
(HENRIQUES, 1984, p. 49). A sétima categoria, mais tarde acrescentada à doutrina
é a da não-existência (abhava) a qual se manifesta por quatro modos.
Diferentemente do Yoga, o termo karma neste sistema é utilizado sem a
conotação de causa e efeito, embora signifique ação, sendo compreendido como
movimento apenas.
Para o Vaisheshika apenas a razão pode colocar ordem ao caos universal, em
constante transformação. Aqui, o Atman é dotado de atributos tal como todas as
coisas, portanto, não encontra-se isolado do mundo psíquico, sensorial e físico,
como afirma o Yoga.
As origens desta escola são bastante obscuras. Alguns afirmam que tenha
surgido como uma derivação de um cisma do Jainismo. Outros, porém, afirmam que
seja oriunda do Purva-Mimansa, ou ainda de uma tradição materialista.
Sobre o autor: Kanada
Supõe-se que tenha vivido por volta dos séculos VI e V a.C. Segundo afirma
Feurstein, “o nome Kanada parece ser antes um apelido, pois tem o significado
literal de “comedor de partículas”. Refere-se supostamente ao tipo de filosofia que
ele criou, embora algumas autoridades do Hinduísmo digam também que o nome
imortaliza também o fato de Kanada ter sido um grande asceta que só comia
partículas (kana) de trigo” (FEURSTEIN, 2005, P. 119).
Trecho de obra:

Nyaya
O termo Nyaya possui como significado a palavra lógica, inclusive no que se
refere a “método”. Contudo, aí não possui a mesma significação restrita que possui
entre os ocidentais, pois designa um ponto de vista da doutrina total, possuindo,
então, uma maior abrangência. O que pode ser considerado pela lógica hindu, é
tudo o que pode ser objeto do entendimento humano; assim, pondera em seu ponto
de vista as coisas consideradas como “objetos de prova”, ou seja, de conhecimento
14

racional (argumentativo) ou discursivos: esse é o sentido que aplica a padarthas


(sendo distinguidos dezesseis padarthas).
O primeiro padartha é denominado pranama, significando prova, medida ou
evidência; o que designa são os meios legítimos de conhecimento na ordem
racional, os quais são aplicados em determinada medida e sob algumas condições;
a enumeração destes meios de conhecimento ou de prova proporcionam as
subdivisões do primeiro padartha. O segundo é prameya ou “o que que há que
provar”, ou seja, o que é suscetível de ser conhecido por um ou outro dos meios
utilizados por padartha. Os outros padarthas são menos importantes e se referem,
sobretudo, às diversas modalidades de argumentação e demonstração (GUÉNON,
1921, p. 149).
O argumento é denominado Nyaya, sendo considerado um tipo de
demonstração metódica, compreendendo cinco Avayavas: pratijna (proposição ou
asserção a se provar), hetu (razão que justifica esta asserção), udaharana (o
exemplo que ilustre a asserção), upanaya (aplicação ao caso em especial em
questão) e nigamana (resultado ou conclusão). Esta é a forma completa do
argumento demonstrativo que caracteriza o Nyaya.
Para o Nyaya, Deus é uma entidade, Criador absoluto, perfeito, onipresente,
dotado de Conhecimento Eterno e Poder Criativo. O Universo e as almas
são entidades reais, separadas umas das outras. As almas são
consideradas anu, “átomo”, eternas, inúmeras e embora sejam
consideradas inconscientes, têm como marcas os sentimentos de desejo,
aversão, vontade, prazer, medo, inteligência e cognição. O Universo é
baseado nas modificações existentes entre os átomos-elementares
(paramanu), que são os cinco elementos conhecidos como: terra (prithivi),
água (apas), fogo (agni), ar (vayu) e éter (akasha). A salvação ou
iluminação é conhecida apavarga, que é o estado de bem-aventurança além
da dor, sofrimento e onde se transcende o ciclo de reencarnação
(YOGABHUMI, s.d.).

Diz-se que até Sidarta Gauama (o Buda) foi influenciado pelo Nyaya,
apresentando certas exposições budistas com uma concisão e limpidez raras de
raciocínio. Em verdade, este sistema influenciou todos os outros darshanas, no
tocante à argumentação e formulação de idéias.
“Os seguidores do Nyaya afirmam a existência de inúmeros sujeitos
transcendentes, ou Si mesmos (Atman). Cada Si Mesmo infinito é o agente último
que está por trás da mente humana, e cada Si Mesmo goza e sofre os frutos de
seus atos no mundo finito” (FEUERSTEIN, 2005, p. 120).
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Sobre o autor: Akshapada Gautama


Akshapada Gautama (cerca de VII a.C.) “viveu numa época marcada pelas
controvérsias surgidas entre a religião védica contrapondo-se ao Budismo e
Jainismo, quando os debates encontravam-se em seu auge. Akshapada é um
apelido que nos dá a entender que Gautama tinha o hábito de olhar para os próprios
pés (quando imerso em seus pensamentos, ou a fim de purificar o chão ao
caminhar)” (FEUERSTEIN, 2005, p. 119-120).
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Bibliografia

ELIADE, M. Yoga: imortalidade e liberdade. Tradução Tereza de Barros Velloso. 3.


ed. São Paulo: Palas Athena, 2004.
HENRIQUES, A. Yoga e consciência: a filosofia psicológica dos Yoga-Sutras de
Patanjali. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, 1984.
FEUERSTEIN, G. A tradição do Yoga: história, literatura, filosofia e prática.
Tradução Marcelo Brandão Cipolla. 4. ed. São Paulo: Pesamento, 2005.
FALCÃO, F. Brahmavidya: A Luz da Índia. [S.l.: s.n.], s.d. Disponível em:
<http://biosofia.net/2005/03/21/brahmavidya/>. Acesso em: 27 outubro 2007.
GUÉNON, R. Introducción general al estudio de las doctrinas hindúes. [S.l.:
s.n.], s.d. Disponível em: <www.munisurquillo.gob.pe/.../Introducci%F3n%20al
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YOGABHUMI. Nyaya. [S.l.: s.n.], s.d. Disponível em:
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YOGASHALA. Patañjali Maharishi. [S.l.: s.n.], s.d. Disponível em:
<http://www.yogashala.org.br/artigos/sabios--mestres/patanjali-maharishi.html>.
Acesso em: 27 outubro 2007.

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