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Capítulo 6 - A simetria Oculta do Amor- Bert Hellinger

A Postura Terapêutica

O elemento mais importante para o sucesso do trabalho com sistemas é a postura do terapeuta.
Mais do que aprender técnicas e procedimentos, os que desejarem atuar sistemicamente devem
entender a orientação básica e os valores que orientam a tarefa. Os terapeutas que adotam essa
postura preferem lidar com recursos e não com frouxidão, com soluções e não com problemas,
fazendo o mínimo possível de intervenções necessárias para promover mudanças. Acima de tudo,
atentam para o que está realmente à vista, evitando deixar-se levar por teorias, crenças ou
ideologias.

VER

Pergunta: O senhor fala muitas vezes em ver uma pessoa. Pode explicar melhor o que quer dizer
com isso?
Hellinger: Faço uma distinção entre “observar” e “ver”. A palavra “observar” significa captar detalhes
isolados à custa da percepção do todo. Quando observo o comportamento de alguma pessoa, capto
o que ela faz, mas a pessoa como um todo me escapa. Quando “vejo” uma pessoa, no entanto,
apreendo-a como um todo. Em seguida, apesar de me escaparem muitos detalhes de seu
comportamento, capto imediatamente (apreendo) o que é essencial nessa pessoa e faço isso em
proveito dela como “outra”.
Ver a outra pessoa desse modo só é possível quando me volto para ela sem segundas intenções.
Vê-la assim cria um relacionamento, fazendo nascer uma intimidade que, não obstante, exige
profundo respeito pelas diferenças individuais — portanto, um certo distanciamento. Quando eu a
vejo, cada pessoa é tratada como única, sem que se estabeleçam normas a serem mais tarde
derrogadas. No ato de ver não há juízos de valores: o que se pretende é servir o amor e a busca de
soluções.
Ver a outra pessoa sujeita-me ainda ao imperativo de servir. Posso julgar- me livre para fazer o que
quiser, mas, tão logo vejo uma pessoa em determinada situação e descubro o que ela necessita, sou
forçado a adaptar-me, a ser o que essa situação exige de mim.

No contexto terapêutico, apenas o ato de ver pode ajudar na busca de soluções, e o ver só é útil
para essa finalidade. Esse ato não nos ajuda a fazer diagnósticos ou

observações empíricas, a menos que observações e diagnósticos possam, eles próprios, conduzir a
uma solução. O ver descobre solução e completude, não verdade objetiva. Ele suscita perguntas do
tipo: “O que a situação do cliente exige de mim agora?” e “Até onde posso agir?” Como terapeuta,
faço a mim mesmo tais perguntas e ponho-me a serviço dos outros. Quando uma pessoa me diz
alguma coisa, pergunto-me: “O que é apropriado para esta pessoa?” Se realmente consigo ver o
cliente, ponho-me em contato com algo bem maior do que qualquer um de nós sozinho. Meu objetivo
imediato talvez nem seja ajudar, mas apenas ver o cliente no contexto de uma ordem superior. E
assim que o ato de ver funciona. Ele permite que as intervenções terapêuticas permaneçam
respeitosas e amáveis, sem, entretanto, perder sua energia curativa.
E estranho como as pessoas mudam depois que lhes digo o que vejo. Ver é um processo criativo
que tanto afeta a pessoa vista quanto a pessoa que vê. Há nisso alguns mistérios que não consigo
entender, mas que também podem ser vistos e utilizados.

Quando vocês tiverem uma ideia sobre o que está ocorrendo com uma pessoa, e se perguntarem se
devem comunicá-la ou não, tentem ver essa pessoa. Caso obtenham êxito, descobrirão se a ideia
será útil ou prejudicial. O ato de ver não é algo que possamos forçar. Quando me abro para alguém,
muitas vezes fico surpreso com o que vejo, ou seja, coisas que jamais eu poderia imaginar. Não raro,
tenho medo de ver, mas, se fujo do que vejo, ainda que para não magoar alguém, alguma coisa se
cerra em minha alma, como se eu houvesse desdenhado um objeto precioso.
Pergunta: Ver não é o mesmo que intuir?
Hellinger: Para mim, a intuição é diferente. Ver é mais que intuir. A intuição surge como um
relâmpago de compreensão que me diz para onde caminhar, que me orienta rumo ao futuro. Ela
sobrevêm instantaneamente, sem que eu faça coisa alguma. Ver é diferente. Significa abrir-me
completamente a conexões complexas e permitir que operem em mim, que me afetem.
Foi assim que cheguei a um conceito de consciência. Durante muito tempo, eu não conseguia
entender o que acontecia quando as pessoas afirmavam que estavam agindo segundo sua
consciência, ou agindo conscientemente. Isso é um fenômeno complicado e ainda não o apreende
por inteiro. Mas, justamente porque não o compreendia, eu procurava ver o que estava acontecendo.
Apenas deixava que ele agisse em mim, prestava-lhe atenção, aceitava-o, mas sem interferir para
tentar entendê-lo. Passaram-se anos, e, de repente, percebi o que a consciência realmente é e como
opera. A consciência é o órgão que percebe o equilíbrio sistêmico e nos ajuda a saber se estamos
ou não em harmonia com o nosso sistema de referência. Adverte-nos se o que estamos na iminência
de fazer

irá nos excluir do sistema ou nos garantir a permanência nele. Descobri que consciência leve
significa unicamente o sentimento de que estou habilitado a continuar pertencendo ao sistema.
Consciência pesada nada mais é que a inquietação de deixar de pertencer ao sistema.
Então, em meio à complexidade dos fenômenos, a essência da coisa ficou clara para mim. E essa
luz teve enorme efeito em tudo o que fiz. Chamo esse processo de “método fenomenológico”. Ele só
funciona quando não desejo alcançar um objetivo — confirmar uma crença, por exemplo, ou
glorificar uma tradição. Trata- se de um método de conhecimento muito simples, humilde e
elementar.

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