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ÍNDICE

Introdução 02

Avaliando a dor 05

Conceitos gerais do tratamento 10

Tratamento farmacológico da dor em cuidados paliativos 12

Analgésicos não opioides 12

Adjuvantes 13

Opioides 14

Efeitos colaterais 17

Rotação de opioides 19

Doses de resgate 19

Adição 19

Populações específicas 20

Outras opções terapêuticas 21

A Artmed 22

Referências 23
CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

INTRODUÇÃO
Cuidados paliativos são o conjunto de cuidados
e tratamentos ofertados para uma pessoa (e
para seus familiares conjuntamente) com algum
diagnóstico ameaçador à vida. Estima-se que,
a cada ano, 40 milhões de pessoas no mundo
necessitem de cuidados paliativos. Infelizmente,
apenas 1 a cada 10 pessoas que têm indicação
recebe esse tratamento. Aproximadamente
80% das indicações desses cuidados são
oriundas de três grupos de doenças: doenças
cardiovasculares, câncer e doenças respiratórias.
Apesar de, no imaginário geral, os cuidados
paliativos estarem associados com manejo
de fim de vida e definições de limitações
terapêuticas, eles são bem mais amplos e
devem ser realizados muito antes na história das
doenças. O grande objetivo de um tratamento
paliativo é melhorar a qualidade de vida dos
pacientes, familiares e cuidadores. Com isso,
busca-se reafirmar a vida, mantendo-a ativa,
completa e recompensadora, a despeito da
pessoa estar vivendo com uma doença grave.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

Além disso, não se trata de uma “competição” com o tratamento Existem vários alvos de tratamento dentro dos cuidados paliativos,
modificador da doença. As duas abordagens devem ser usadas que vão desde o controle de sintomas somáticos (como dor,
de forma complementar. No início do curso, o enfoque é mais náuseas, prurido) até a abordagem de aspectos espirituais e de
curativo e de ganho de sobrevida. Com a progressão da doença, objetivos de vida.
costuma haver uma diminuição das expectativas e da importância Neste e-book, discutiremos o manejo da dor, mas é fundamental
de seu controle e o tratamento paliativo acaba tendo papel lembrar que cada paciente tem demandas individuais. Ou seja, o
central nos estágios mais avançados. A Figura 1 representa tratamento da dor é parte fundamental de um plano terapêutico
esquematicamente este conceito bem executado, mas não é suficiente de forma isolada; outros
sintomas e aspectos da vida do indivíduo também devem ser
abordados.

Figura 1. Modelo integrado de cuidados curativos e paliativos para doenças crônicas progressivas. Extraído de (2).

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

Dor é um dos sintomas mais comuns em


pacientes recebendo tratamento paliativo,
atingindo cerca de 80% de pacientes
com câncer, doença cardíaca e pulmonar
avançadas. Além disso, a dor grave é
um evento comum no final da vida e em
situações críticas - ocorre em 50% dos
pacientes hospitalizados nos 3 últimos dias
de vida e em 40% dos pacientes em unidades
de terapia intensiva.
Quanto às especificidades do tratamento da
dor em cuidados paliativos, destaca-se que
dores crônicas e graves são comuns. Devem
ser avaliadas e reavaliadas constantemente e
seu controle deve ser impecável e associado
com o controle de outros sintomas
desagradáveis. Um aspecto importante do
manejo de dor em cuidados paliativos é que
boa parte das recomendações derivam do
tratamento de dor oncológica. Apesar desta
limitação, é consenso que os conceitos
do manejo de dor oncológica podem ser
expandidos para outras etiologias de dores
graves e ameaçadoras à vida. Por fim,
dentro dos cuidados paliativos em geral, e
no tratamento da dor especificamente, a
morte deve ser entendida como um processo
natural, que não deve ser antecipado (ou
postergado).

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

AVALIANDO A DOR
A dor é definida, pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor,
como uma “experiência sensitiva e emocional desagradável
associada ou relacionada à lesão real ou potencial dos tecidos.
Cada indivíduo aprende a utilizar esse termo através das suas
experiências anteriores”. Trata-se de uma definição ampla e que
deixa claro o aspecto individual e variável da percepção da dor. Do
ponto de vista neurológico, isso se explica pela inter-relação entre
córtex, sistema límbico e tálamo para a percepção da dor.
A seguinte classificação, em tipos, indica a possível origem ou
causa da dor e suas implicações terapêuticas:
• Dor nociceptiva somática: causada por ativação térmica,
mecânica ou química de receptores de dor em tecidos periféricos
– usualmente em articulações, ossos e músculos. Costuma ser
de fácil e precisa localização, sendo descrita em facada, dolorosa,
latejante ou pressão, e tende a piorar com movimento.
• Dor nociceptiva visceral: pode ser causada pelos mesmos
estímulos da dor somática, mas em receptores localizados em
órgãos internos - como cápsulas de órgãos, pleura. É menos
localizada, descrita em uma região mais ampla como cólica,
aperto, dolorosa ou facada. Além disso, costuma ter mais
manifestações autonômicas, como sudorese, palidez e bradicardia.
• Dor neuropática: causada por dano ou distúrbio do sistema
nervoso (central ou periférico), sem dano tecidual direto. Quando
acomete sistema nervoso periférico, manifesta-se como dor em
queimação ou ardência, com sintomas associados de alodínia
ou mesmo como calor, frio, formigamento ou coceira. Quando
se origina no sistema nervoso central, é menos localizada e é
usualmente desencadeada por isquemia ou desmielinização.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

Apesar de essa classificação ser útil, deve-se lembrar que dor é A principal ferramenta para a avaliação da dor é a entrevista, a
um sintoma subjetivo e com variabilidade individual. Assim, alguns partir da qual é possível identificar característica da dor (fincada,
pacientes podem ter dor com características combinadas. cortante, queimação), intensidade, localização, fatores de agravo
A dor também pode ser dividida em sua cronologia. É aguda e alívio, cronologia (início, duração, frequência) e impacto nas
quando relacionada a dano tecidual e que desaparece em 3-6 atividades da vida diária. Também deve-se avaliar o impacto
meses, junto com a melhora do estímulo inicial. A dor crônica funcional da dor, explicitando quais atividades ela compromete.
tem duração maior que 1 mês após a cicatrização tecidual, é Esta parte da avaliação ajuda a determinar alvos terapêuticos,
relacionada a dano recorrente ou é persistente ou recorrente por > o que é especialmente importante em casos avançados, para
3 meses. pactuar o balanço entre controle da dor e nível de sedação.

Por fim, deve-se destacar o conceito de dor total, que envolve a A intensidade é o principal item na avaliação da dor no contexto
interação de fatores físicos, sociais, espirituais e psicológicos. de cuidados paliativos, uma vez que é a partir dela que será
Essa conceituação é importante porque engloba sensações selecionado o tratamento; também é com sua reavaliação
(sofrimentos, angústias) expressas como dor na falta de outro constante que é possível saber a resposta ao tratamento. Para
termo para identificá-las. Essa compreensão é fundamental para isso, existem diversos instrumentos – alguns gerais e outros para
evitar que se tente controlar etiologias não somáticas de dor situações específicas. Eles são úteis para aumentar a objetividade
com analgésicos clássicos. É também com base neste conceito da aferição da dor e para comparação de avaliações feitas por
(entre vários outros aspectos) que se compreende a importância profissionais diferentes ao longo do tempo.
da multidisciplinaridade no atendimento de cuidados paliativos
– por exemplo, não será possível tratar dor espiritual com uma
abordagem exclusivamente médica.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

Os instrumentos mais utilizados são as escalas de dor visuais análogas ou verbais. A ideia é oferecer uma escala em que o paciente
selecione seu nível de dor para que se possa avaliar a resposta ao tratamento. A Figura 2 apresenta diferentes modelos de avaliação de dor
combinados e a correspondência entre elas.
Além dos apresentados na figura, pode-se utilizar a escala numérica de forma verbal com a seguinte pergunta: “Qual nota você dá para
sua dor em uma escala de zero a dez, sendo zero a ausência de dor e 10 a pior dor que você já teve?”. O ideal é que, dentro de uma mesma
instituição, utilize-se a mesma escala.

Figura 2. Integração de diferentes escalas de avaliação de dor - escala visual numérica,


visual analógica (de verde a vermelho) e descritores verbais. Extraído de (2).

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

A despeito da possibilidade oferecida pelas escalas acima, existe, ainda, o desafio de pacientes com dificuldades de comunicação, o que
não é raro no contexto de cuidados paliativos. Para essa situação, existem outras escalas, como a escala para demência avançada (Pain
Assessment in Advanced Dementia - PAINAD) e a escala comportamental, para pacientes em contexto de terapia intensiva (Behaviour Pain
Scale). Elas estão apresentadas a seguir na Tabela 1 e na Tabela 2.
Tabela 1. Escala de Avaliação de Dor em Demência Avançada (validada para o Brasil) – PAINAD-BR. Extraído de (2).
Observe o paciente por 5 minutos antes de pontuar os comportamentos dele ou dela. Pontue os comportamentos de acordo com a tabela a seguir. O paciente pode ser
observado em diferentes condições (por exemplo, em repouso, durante uma atividade agradável, durante recebimento de cuidados, após receber medicação para dor).

Comportamento Nenhum ponto Um ponto Dois pontos

• Respiração ruidosa e com dificuldades.


Respiração independente • Dificuldade ocasional para respirar.
Normal • Longo período de hiperventilação.
de vocalização • Curto período de hiperventilação.
• Respiração de Cheyne-Stokes.

• Resmungos ou gemidos ocasionais. • Chamados perturbadores repetitivos.

Vocalização negativa Nenhuma • Fala baixa ou em baixo tom, de conteúdo • Resmungos ou gemidos altos.
desaprovador ou negativo. • Choros.

• Triste.

Expressão facial
Sorrindo ou • Assustada. • Careta.
inexpressiva • Franzida.

• Rígida.
• Tensa.
• Punhos cerrados.
• Andar angustiado/aflito,
Linguagem corporal Relaxada • Joelhos encolhidos.
de um lado para outro.
• Puxar ou empurrar para longe.
• Inquietação.
• Comportamento agressivo.

Consolabilidade
Sem necessidade • Distraído ou tranquilizado • Incapaz de ser consolado,
de consolar por voz ou toque. distraído ou tranquilizado.

Pontuação de 0 a 10, podendo ser classificada como apresentado na escala visual análoga.
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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

Tabela 2. Behavioural Pain Scale (Escala Comportamental de Dor). Extraído de (2).

Item Descrição Escore

Relaxada 1
Parcialmente tensa (por exemplo: abaixa a sobrancelha) 2
Expressão facial Totalmente tensa (por exemplo: fecha os olhos) 3
Faz careta: presença de sulco perilabial, testa franzida
4
e pálpebras ocluídas

Sem movimento 1
Com flexão parcial 2
Membros superiores
Com flexão total ou flexão dos dedos 3
Com retração permanente: totalmente contraído 4
Tolera movimentos 1
Adaptação à Tosse com movimentos 2
ventilação mecânica Briga com ventilador 3
Incapaz de controlar a ventilação mecânica 4

O escore varia de 3 (sem dor) a 12 (dor grave).

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

CONCEITOS GERAIS
DO TRATAMENTO
A primeira questão no tratamento da
dor é lembrar-se de avaliar e reavaliar o
paciente constantemente, para garantir
identificação precoce e ajustes de
tratamento. As características da dor,
intensidade, tratamentos prévios, impacto
na funcionalidade, função hepática e renal
e o risco de adesão são todos fatores que
auxiliam na definição da estratégia de
tratamento.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

Apesar de não ser uma regra, prefere-se analgésicos não opioides medicamentos. Doses adicionais de resgate para dor intercorrente
para dor somática, opioides para dor visceral e adjuvantes para devem estar previstas e orientadas.
dor neuropática. Os princípios do manejo da dor da Organização 3. O uso da escada analgésica da OMS (Figura 3) é o guia geral
Mundial da Saúde (OMS) são os mais utilizados para a para a seleção de medicamentos, combinando a potência dos
estruturação do tratamento. Eles recomendam que: fármacos com a intensidade da dor.
1. O tratamento seja preferencialmente por via oral, por ser menos 4. O tratamento deve ser adaptado para a situação do paciente e
invasiva. Na impossibilidade disso, opta-se pela via transdérmica, para as respostas individuais.
hipodermóclise, endovenosa, subcutânea e, por último,
intramuscular. 5.Deve-se estar atento a aspectos adicionais, como a necessidade
de reavaliação constante e ajuste de dose para períodos de
2. Os medicamentos devem ser administrados de forma fixa melhora e agravo da dor, bem como o monitoramento e controle de
e programada e não apenas quando a dor surge. Para isso, efeitos adversos.
deve-se levar em conta a intensidade da dor e a meia-vida dos

Figura 3. Escada analgésica da OMS. Extraído de (2).

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA
DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS
ANALGÉSICOS NÃO OPIOIDES
São mais usados para dor somática. Dipirona (500 a 2000mg até de 6/6 horas) e
paracetamol (500 a 1000mg até de 4/4 horas, não ultrapassando 4000mg ao dia)
são os fármacos mais utilizados desta categoria. O principal cuidado com uso de
paracetamol é hepatopatia, enquanto com a dipirona há o risco baixo de aplasia
de medula. Conforme a escada da Figura 3, são recomendados para dor leve,
com ou sem adjuvantes. Além disso, podem ser utilizados para limitar a dose de
opioides em dores mais intensas.
Anti-inflamatórios não esteroidais também podem ser utilizados no primeiro
nível do manejo, em especial para casos de dor visceral, dor óssea, muscular e
articular. Entretanto, tendem a ser menos utilizados que os fármacos anteriores
pelo pior perfil de efeitos adversos (lesão gástrica, perda de função renal, risco
cardiovascular).
Apesar de serem menos estudados, os medicamentos abaixo podem ser
considerados no tratamento da dor.
• Corticoides podem ter papel para manejo de dor, especialmente em neoplasias
com lesões que causam efeito de massa. Seu efeito é mediado pela redução de
edema e inflamação. Não existem doses bem definidas, mas tende-se a preferir
dexametasona de 1-10mg ao dia (usualmente 1-2mg). Dar preferência para a
administração matinal para melhor controle de efeitos adversos.
• Cetamina é um anestésico dissociativo e parece reduzir dor em casos graves,
porém às custas de mais náuseas. Uso endovenoso apenas.
• Os estudos com canabinoides são conflitantes e, de forma geral, não mostram
benefício para o controle da dor.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

ADJUVANTES administração noturna, para melhor adaptação com efeitos


adversos. Por outro lado, alguns representantes (em especial
Adjuvantes são um grupo de medicamentos utilizados gabapentina e pregabalina) têm um efeito dose-resposta mais
principalmente para dor neuropática, mas que podem ser claro. As principais opções aqui são carbamazepina, gabapentina
utilizados em qualquer degrau da escada de dor de forma e pregabalina.
complementar ao tratamento em outros tipos de dor (Figura
• Carbamazepina: dose inicial de 200 a 400mg ao dia e
3). Os antidepressivos tricíclicos são, provavelmente, os
dose teto de 1200mg ao dia, dividida em até 4 tomadas diárias.
medicamentos adjuvantes mais frequentemente prescritos. Eles
Reduz o efeito de opioides, o que limita seu uso como adjuvante
não têm padrão de dose-resposta característico, preferindo-
neste contexto.
se doses menores. Em caso de depressão associada, utiliza-
se doses maiores para combinação de efeitos analgésico e • Gabapentina: dose inicial de 300mg ao dia à noite para
antidepressivo. melhor tolerância, aumentando 300mg até se atingir resposta
clínica. Administrado usualmente 3 vezes ao dia, com dose
Sua principal limitação são os efeitos anticolinérgicos, podendo
máxima diária de 3600mg.
levar a confusão (principalmente em idosos), retenção urinária,
constipação e hipotensão ortostática - por isso, prefere-se o uso à • Pregabalina: dose inicial de 50mg à noite, com aumento
noite. gradual conforme resposta. Administrado 2 a 3 vezes ao dia, com
dose máxima diária de 600mg ao dia.
Amitriptilina e nortriptilina são os dois principais representantes
e têm doses semelhantes (inicial 10-25mg, máxima 150mg).
Antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina
e noradrenalina também têm efeito no controle da dor
(especialmente dor neuropática). Comparativamente aos
tricíclicos, tendem a ser usados para limitar efeitos adversos ou
quando há indicação adicional (transtornos de humor e ansiedade,
principalmente). Duloxetina, venlafaxina e desvenlafaxina são os
representantes.
Anticonvulsivantes também são utilizados para dor neuropática
e como adjuvantes. Podem apresentar alguns efeitos adversos
limitantes, especialmente em idosos, como sedação, tontura,
náuseas e ataxia. Assim como acontece com os antidepressivos
tricíclicos, deve-se optar por iniciá-los em doses baixas e com

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

OPIOIDES Quanto ao início do tratamento, alguns conceitos são úteis.


Deve-se iniciar com opioides de meia-vida mais curta e, após
Opioides são utilizados com frequência no manejo da dor em estabilização de dose, transiciona-se para opioides de liberação
cuidados paliativos, sendo recomendados para pacientes com mais longa. Além da dose fixa, deve-se ter plano para doses de
sintomas moderados a graves (intensidade acima de 3). Eles resgate com alguma apresentação oral de liberação imediata.
são a principal ferramenta para controle da dor neste contexto. Uma estratégia é iniciar morfina 5-10mg a cada 4-6 horas, com
Opioides fracos (ou opioides fortes em dose baixa) são usados na doses de resgate adicionais. O mais importante é reavaliar
dor moderada; já opioides fortes são a primeira opção nas dores constantemente e ajustar a dose. Na Tabela 3, temos os
graves. Adicionalmente, opioides fracos podem ser utilizados principais representantes da classe disponíveis no Brasil, suas
em pacientes com dor leve que não respondem aos demais características e peculiaridades.
analgésicos.
Faz parte da avaliação inicial, antes da prescrição, revisar o risco
de adição e os principais efeitos adversos, pactuar seguimento e
ajustes de dose e orientar paciente, cuidadores e familiares quanto
à indicação e aos cuidados com o uso. Deve-se lembrar também
das adaptações para populações específicas (vide a seguir).

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

Tabela 3. Principais opioides disponíveis no Brasil. Adaptado de (2) e (7).

Equivalência em relação
Medicamento Doses Vias de uso à morfina oral
Comentários

Inicial: 30mg ao dia. Enteral Marcadamente constipante. Uma parte


Máxima: 360mg ao dia. (oral, sonda significativa da população não responde ao
Codeína* nasoenteral ou 1/10 medicamento em função de polimorfismos
Administração a cada gastrostomia) que sintetizam enzimas hepáticas.
4-6 horas

Inicial: 50mg, 3 x ao dia.


Oral, A apresentação endovenosa é mais
Máxima: 400mg ao dia.
Tramadol* hipodermóclise 1/10 nauseante. A via endovenosa tem menor
Administração a cada ou endovenosa. biodisponibilidade.
6-8 horas.

Oral
Inicial: não determinada.
Enteral
Usualmente 5-10mg a cada
(oral, sonda Sua meia-vida curta deve ser usada como
4 horas.
Morfina de liberação nasoenteral ou A via endovenosa é 3 vezes vantagem para início de tratamento na
Máxima: não determinada. gastrostomia),
imediata mais potente que a oral. titulação de doses e para resgate em
Limitada pelos efeitos hipodermóclise,
adversos. endovenosa e pacientes de uso crônico.
subcutânea.
Administração a cada 4-6
horas.

Inicial: não determinada.


Considerar uso prévio de
opioides e realizar troca de
acordo com equivalência.
Menor dosagem: 30mg. Permite melhor adesão e conforto. Orientar
Morfina de liberação Oral. Não deve para que o paciente não confunda as
Máxima: não determinada. Equipotente.
cronogramada ser triturado. apresentações cronogramada e de liberação
Limitada pelos efeitos
imediata.
adversos.
Administração a cada 8-12
horas.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

Equivalência em relação
Medicamento Doses Vias de uso à morfina oral
Comentários

Inicial: não determinada.


Relação não linear com a morfina:
Considerar uso prévio de
opioides e realizar troca de - 10mg equivalem a 50mg de morfina;
acordo com equivalência. Pela meia-vida é a que gera menor euforia
- 25mg equivalem a 200mg de morfina;
Oral,
Máxima: não determinada. e tem menor risco de adição. Tende a ser
hipodermóclise, - 30mg equivalem a 300mg de morfina;
Metadona Limitada pelos efeitos vantajosa em pacientes com insuficiência
endovenosa e
adversos. - 40mg equivalem a 500mg de morfina renal. Pode alargar o intervalo QT. Não deve
subcutânea
Administração a cada 8-12 - 50mg equivalem a 700mg de morfina ser utilizada como medicamento de resgate.
horas. Para pacientes com
A apresentação parenteral tem o dobro da
doses elevadas, pode-se
potência da apresentação oral.
administrar até de 6/6 horas.

Inicial: não determinada.


Considerar uso prévio de
opioides e realizar troca de
acordo com equivalência.
Menor dosagem: 10mg. Tem uma fase de liberação rápida, tendo
Oral. Não deve
Oxicodona Potência: dobro da morfina oral. inicio de ação em até 1 hora, apesar da
Máxima: não determinada. ser triturado.
liberação lenta.
Limitada pelos efeitos
adversos.
Administração a cada 12
horas.

Inicial: não determinada. Não deve ser usada para início de tratamento, dor
Há uma tabela própria do fabricante na
Considerar uso prévio de aguda ou resgate.
bula do medicamento.
opioides e realizar troca de
acordo com equivalência. A menor dosagem (12 mcg/h) é No primeiro uso, tem latência de 24 horas, sendo
recomendada para pacientes utilizando necessário outro opioide neste período. Após a
Menor dosagem: 12mcg/h. Transdérmica
Fentanil transdérmico menos que 90 mg de morfina ao dia. retirada, tem efeito residual de 18 horas, ou seja,
Máxima: não determinada. apenas. nas trocas de adesivo não é necessária ponte.
Adesivos com apresentações bem
Limitada pelos efeitos
variadas, de 12 a 300 mcg/h. Preferir costas ou braços, em regiões com poucos
adversos.
Maior apresentação (300 mcg/hora) pelos e sem lesões de pele.
Trocar o adesivo a cada 72
equivale a ~1100 mg de morfina.
horas. Não se deve cortar o adesivo.

* São classificados como opioides fracos.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

EFEITOS
COLATERAIS
A maior apreensão com o uso é a toxicidade
por dose excessiva. Ela se manifesta com
redução do sensório (e, em casos graves,
com coma) e da frequência respiratória, além
de miose. São fatores de risco a perda de
função renal e hepática, além do aumento
muito rápido de dose.
O manejo agudo envolve suporte ventilatório
e administração de naloxona endovenosa,
além de suspensão temporária do
medicamento. Para quadros mais leves,
pode-se suspender a próxima dose do
opioide em uso e observar a resposta.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

Outros efeitos adversos comuns são descritos a seguir. o intervalo QT, portanto deve-se realizar eletrocardiograma de
• Sedação: é parte do efeito clínico da classe. Por vezes, é controle nos pacientes usando esse medicamento. Delirium,
necessário pactuar um alvo de sedação e controle de dor ideal para agitação e psicose são potenciais efeitos no sistema nervoso
o paciente. No início do tratamento, e a cada aumento de dose, central.
tende a ser autolimitada. É rara no uso crônico mas, se persistente,
considerar redução da dose, uso de adjuvantes e rotação de Além dos efeitos adversos acima, é necessário destacar o
opioides. Pode ser a primeira manifestação de intoxicação. fenômeno de hiperalgesia relacionado aos opioides. É um
• Manifestações gastrintestinais: constipação é o efeito mais fenômeno raro, caracterizado pelo aumento da dor apesar do
comum. Exceto nos pacientes com diarreia, deve-se associar o aumento da dose do medicamento e deve ser diferenciado da
início do opioide com a prescrição de um laxativo (idealmente progressão da doença de base e da tolerância que ocorre com
irritativo) – com alvo de uma evacuação sem esforço ao dia. Não o uso continuado. Nestes casos, em que a dor também tende
tende a se resolver com o uso continuado do medicamento. Além a se tornar mais difusa, pode-se associar adjuvantes ou outros
da constipação, náuseas e vômitos podem surgir. Tendem a se analgésicos, testar redução da dose ou realizar a troca do opioide
resolver em uma semana, com a continuação do tratamento. em uso (conforme seção sobre rotação de opioides, a seguir).
Pode-se associar antieméticos para controle, com preferência para
metoclopramida, haloperidol e ondansetrona, pois inibem a zona do
gatilho do vômito onde os opioides agem.
• Outros efeitos: prurido e retenção urinária também podem surgir,
em especial na infusão espinhal. Opioides parenterais tendem a
levar a hipotensão. A metadona, especificamente, pode alargar

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

ROTAÇÃO DE OPIOIDES ADIÇÃO


A rotação de opioides é um recurso para tratar efeitos adversos O risco de abuso é provavelmente uma das principais barreiras
quando outras abordagens não funcionam. É especialmente e apreensão dos profissionais para prescrever opioides. É uma
utilizada na hiperalgesia e com sintomas neuropsiquiátricos. complicação do tratamento que ocorre em pessoas vulneráveis
Trata-se da troca de um representante por outro, calculando-se biologicamente e socialmente. São fatores de risco a história
a equivalência (Tabela 3). Como existem variações genéticas (pessoal e familiar) de abuso de outras substâncias (inclusive
do metabolismo dos opioides, deve-se reduzir 20% a dose na drogas lícitas) e a história de doença psiquiátrica. Também é mais
troca, como margem de segurança. Técnicas para troca estão comum em indivíduos mais jovens e de pele branca. São sinais
mais descritas para metadona, caso em que se pode realizar a de adição o uso do medicamento para resolução de conflitos,
troca imediata ou redução de 30% da dose do opioide original e resistência a redução de doses e não aceitação da prescrição
aumento de 30% da dose do novo opioide a cada dia por 3 dias. médica. Neste último ponto, uma manifestação é a preferência
por um representante específico (usualmente de meia-vida mais
curta) e, por vezes, alegando alergia a outros tipos de opioides.
DOSES DE RESGATE
A adição deve ser diferenciada dos sintomas de abstinência, que
Além das doses fixas, deve-se prever doses adicionais de opioides ocorrem pelo uso continuado da medicação. Isso ocorre quando
de resgate, para dor não prevista, procedimentos e escapes. Para há suspensão abrupta do tratamento. A tolerância, que também
pacientes utilizando opioides fracos, pode-se utilizar o próprio é um fenômeno associado que deve ser diferenciado da adição,
medicamento. Para pacientes utilizando formulações de opioides ocorre com o uso crônico e é um fenômeno farmacológico
fortes, prefere-se a morfina de liberação simples, pela meia-vida esperado. Ou seja, faz parte do tratamento com opioides, quando
curta. Nestes casos, a dose de resgate é aproximadamente 10- se aumenta as doses ao longo do tempo.
15% da dose total diária fixa. Além disso, o uso recorrente de
doses de resgate indica necessidade de revisão do tratamento.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

POPULAÇÕES ESPECÍFICAS
Pacientes com disfunção hepática têm maior risco de
acúmulo de opioides. De forma paradoxal, esses pacientes
podem ter menor efeito clínico quando se utilizam
fármacos que dependem de metabolização hepática para
a forma ativa (como codeína). Nestes pacientes, deve-
se preferir doses menores ou aumentar o intervalo entre
doses. Paracetamol deve ser usado na dose máxima de
3g ao dia; codeína e petidina não devem ser utilizadas;
antidepressivos tricíclicos devem ser evitados e, quando
necessários, iniciados em dose baixa.
Assim como na disfunção hepática, pacientes com
comprometimento da filtração glomerular também têm
maior risco de acúmulo e intoxicação por opioides. Por
outro lado, metadona e fentanil têm menor excreção renal
e são as opções mais seguras dentro da classe.
Idosos, por sua vez, têm maior risco de dano renal
e hepático, além de terem maior risco de interações
farmacológicas e polifarmácia. Antes do início do
tratamento, deve-se avaliar o estado funcional e
psíquico basal. Deve-se também iniciar com doses
baixas os medicamentos e realizar titulação lenta, com
monitorização de resposta e de efeitos adversos mais
frequentes. É necessário atenção especial para quedas,
alterações da marcha e do estado mental e sintomas
gastrintestinais.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

OUTRAS OPÇÕES
TERAPÊUTICAS
A abordagem farmacológica é a base do
manejo da dor nos cuidados, mas deve-se
lembrar de abordagens não farmacológicas.
Exercícios físicos, incluindo alongamentos
e tai chi chuan, podem ser úteis para dores
musculares e articulares. Adicionalmente,
eles podem melhorar a funcionalidade e o
equilíbrio, atuando de forma complementar
ao tratamento analgésico. Musicoterapia
pode auxiliar na redução da dor, ansiedade
e depressão, com resultado final de melhora
da qualidade de vida.
Outros recursos, como acupuntura,
estimulação elétrica e massoterapia,
possuem menos embasamento para uso
e com estudos mostrando resultados
conflitantes. Apesar disso, podem ser
considerados a depender dos recursos
disponíveis e das respostas individuais dos
pacientes. Bloqueios de nervos periféricos
são úteis para controle de dor regional com
bons resultados. A principal limitação é a
necessidade de repetir o procedimento com
o fim do efeito do anestésico.

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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

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subsídios práticos e teóricos, com teor científico, para o
desenvolvimento de habilidades humanizadas e baseadas em
evidência no atendimento de pacientes graves e crônicos em
situação ameaçadora para a vida.

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baseado em evidência, ideal para preencher uma lacuna da
formação tradicional.
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CONTROLE DE DOR EM CUIDADOS PALIATIVOS

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. Improving access to palliative care. Disponível em <https://www.who.int/multi-media/details/infographic_


palliative_care>. Acesso em 22/07/2023.
2. Ministério da Saúde, Hospital Sírio-Libanês. Manual de cuidados paliativos. Hospital Sírio-Libanês. São Paulo, 2020.
3. World Health Organization. Palliative care. The essential facts. Disponível em <https://www.who.int/multi-media/details/palliative-care-
---essential-facts>. Acesso em 22/07/2023.
4. StatPearls [Internet]. WHO Analgesic Ladder. Disponível em <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK554435/>. Acesso em
23/07/2023.
5. Uptodate. Approach to symptom assessment in palliative care. Uptodate. Disponível em <https://www.uptodate.com/contents/approach-
-to-symptom-assessment-in-palliative-care>. Acesso em 22/07/2023.
6. Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor. O que é Dor? Disponível em <https://sbed.org.br/o-que-e-dor/>. Acesso em 25/07/2023.
7. DynaMed. Pain Management in Palliative Care. EBSCO Information Services. Disponível em <https://www.dynamed.com/management/
pain-management-in-palliative-care-19>. Acesso em 19/07/2023.

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