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Essa desconfiança é bastante saudável, pois estamos falando de um organismo

geneticamente modificado, obtido pela implantação de parte do DNA de outra espécie


em seu genoma, e o grande questionamento pauta-se na imprevisibilidade e na
irreversibilidade do uso dessa tecnologia. Ao promover uma inovação biotecnológica,
como a geração de um transgênico, há de se esperar consequências a respeito dessa
implantação e da utilização do produto gerado. Nesse sentido, cabe à sociedade
científica apurar as probabilidades de risco e monitorá-las, de modo que o avanço
tecnológico seja comedido na segurança e na preservação de um ambiente salutífero.

No quadro a seguir, relacionamos algumas vantagens e desvantagens associadas ao


plantio e ao uso de eucalipto transgênico (H421).

Quadro 4.1 – Vantagens e desvantagens do eucalipto transgênico

Vantagens Desvantagens
 Modernização da produção, maior  Dependência dos detentores da
durabilidade e custo reduzido. tecnologia indispensável ao cultivo de
 Maior lucratividade para o produtor rural – o sementes.
gene introduzido no eucalipto codifica uma  Impacto na fauna de polinizadores
das enzimas específicas que participa da (nativos e exóticos). Em razão da
formação química da celulose, a grande concentração, o efeito de
endoglucanase, depositando mais celulose na transgenia no pólen pode levar ao
formação das paredes celulares. A inserção colapso das colmeias. O pólen de
desse gene aumenta a taxa de crescimento e eucaliptos transgênicos possui o gene
reduz o tempo entre o plantio e a colheita: o inserido artificialmente, o que pode
eucalipto transgênico pode ser cortado em 5,5 gerar danos socioeconômicos,
anos de idade; e o convencional só é cortado impedindo a rotularem de produtos
a partir de 7 anos. como orgânicos ou agroecológicos.
 Maior volume de madeira – o tronco do  Exposição mais intensa do eucalipto
eucalipto transgênico é mais largo e alto que transgênico no ambiente – esse
o tradicional, o que gera um volume de organismo apresenta ciclo de vida
aproximadamente 20% mais madeira, sendo muito longo (diferente de outros
possível produzir 45,5 m³/hectare ano dela. transgênicos, como milho e soja, que
 Aumento da competitividade e de ganhos são anuais), então sua exposição no
ambientais e socioeconômicos por meio de ambiente será prolongada, e isso
maior produtividade, usando menos terra e, representa um contato maior com os
portanto, menos insumos químicos, o que torna insetos e maior proliferação de pólen
a terra disponível para a produção de outras transgênico.
culturas.  Tecnologia “Traitor”, que consiste em
 Geração de empregos diretos e indiretos, condicionar a utilização de
aumento da riqueza, da arrecadação de determinada substância química ao
impostos e da competitividade do setor ativar ou desativar determinadas
florestal. características específicas das plantas,
 Fixação de pequenos produtores no campo: o que implica dependência dos
aproximadamente 975 mil famílias produtores às empresas detentoras
assentadas, com renda ampliada em até 30% desta tecnologia.
(dados de 2014). Vale ressaltar que esse  Consumo mais elevado de água – o
setor emprega aproximadamente 5% da eucalipto consome mais água durante
população economicamente ativa do Brasil. os primeiros anos de crescimento, e a
 Fonte de matéria-prima para uma série de alta taxa de crescimento da variedade
outros produtos florestais ou agrícolas, transgênica faz com que o consumo
incluindo as xilanas presentes na madeira do de água seja ainda maior, o que pode
eucalipto, que podem ser usados na produção alterar o balanço hídrico da microbacia
de etanol de segunda geração ou em da região de plantio.
compostos químicos usados na produção de  Uso excessivo de agrotóxicos nas
bioplásticos. técnicas transgênicas, incluindo alguns
 Vale ressaltar que a xilana é uma herbicidas extremamente tóxicos. Um
hemicelulose, um polímero de xilose, açúcar dos agrotóxicos mais usados é o
presente na madeira, que tem importante sulfluramida, utilizado para o controle
papel no branqueamento de polpas de de formigas cortadeiras, fortemente
celulose e nas propriedades do papel; ao cancerígeno e proibido pela
modificar os teores desse açúcar na planta, é convenção de Estocolmo, subscrita
possível aumentar a produção e diferenciar as pelo Brasil e por mais de 152 países.
propriedades das polpas e dos papeis  Falta de monitoramento pós-
produzidos. comercialização.
 Produz mais celulose e pode aumentar a  Carência de estudos sobre os efeitos
produtividade de madeira de 30 a 40% (usada adversos associados ao uso de
como bioenergia). eucalipto transgênico – o eucalipto
 Evita o êxodo rural fixando aproximadamente H421 tem uma cópia de gene NPTII
25% de pessoas no campo. inserida em seu DNA e esse gene
 Custo da produção de madeira codifica a enzima neomicina
aproximadamente 23% menor que o fosfotransferase, que confere resistência
tradicional. a diversos antibióticos, podendo ser
 Estocagem de 34 ton/há/ano de dióxido de consumida quando presente no mel.
carbono (CO2), aumento da produtividade em Atualmente, desconhece-se o efeito
plantios renováveis e sustentáveis e redução dessa enzima sobre as bactérias
da extração de madeiras nativas. presentes no trato intestinal de abelhas e
 Baixa probabilidade de a planta transferir um humanos consumidores de mel. Há
transgene para outra planta silvestre (isso pouco conhecimento sobre seus
depende do processo de fecundação e efeitos adversos e estudos sobre o
parentesco convencional), uma vez que o risco de seu consumo a longo prazo.
eucalipto não é uma espécie nativa do Brasil,  Riscos de modificações não intencionais
não tem no país centro de diversidade provocadas pela inserção de outros
secundária tampouco parentes silvestres com organismos no DNA de plantas. Isso
os quais possa realizar cruzamentos. pode ocasionar alterações em
 Facilita o processo de produção de papel e características biológicas/fisiológicas, que
reduz o uso de produtos branqueadores que podem ocasionar a produção de
contaminam o meio ambiente em razão de moléculas que o organismo não produz
seu reduzido teor de lignina. em condições naturais, como toxinas ou
 Resistência a pragas, reduzindo o uso de substâncias alergênicas
defensivos agrícolas e, consequentemente,  Agravamento dos problemas de
contribuindo para a diminuição da poluição. plantas daninhas, além do
deslocamento ou da extinção de
espécies vegetais nativas.
 Ser mais voltado à indústria da
celulose – no caso de contaminação e
geração de sementes (insetos podem
disseminar o pólen transgênico), as
mudas de eucalipto tradicional feitas
delas podem apresentar
características indesejáveis à indústria
de produção de madeira.
 Pode ocasionar mais dependência
econômica, interferência cultural,
insegurança alimentar e poluição
genética.
 Geração de grandes desertos verdes,
uma vez que toda vegetação nativa é
retirada para dar lugar a uma única
espécie, nesse caso, o eucalipto
transgênico, que apresenta plantios
adensados, com árvores muito
próximas. Isso acaba gerando um
grande sombreado embaixo do plantio,
onde não cresce nenhuma outra
vegetação nativa, não sendo propicio
ao desenvolvimento da fauna silvestre.
Fonte: Elaborado com base em Araújo; Oliveira, 2017; Barbeiro; Pipponzi; 2005; Bauer-Panskus et al.,
2020; Bobbio; Bobbio, 2003; Carneiro et al., 2015; Couzemenco, 2022; Croplife Brasil, 2023; Delatorre,
2005; Fernandes; Antunes, 2015; Guerrante, 2003; Idec, 2011; Kageyama, 2015; Kreuzer; Massey, 2002;
Marcelino; Marques, 2018; Medeiros; Heusi; Mota, 2011; Mosca, 2003; Nascimento, 2018; Octaviano,
2010; Ribeiro; Marvin, 2012; Silveira, 2013; SNA, 2014; Zanini, 2012.

Dessa forma, é possível avaliar que, de um lado, temos a competitividade e a


evolução e, de outro, uma possibilidade de ameaça à saúde humana, ao meio
ambiente e às espécies animais e vegetais nativas, motivo pelo qual é necessário o
desenvolvimento de estudos científicos e monitoramento constante, de modo a
sustentar discussões e definir as melhores condições produtivas. Só assim podemos
identificar as consequências do uso de eucaliptos transgênicos nos aspectos
econômicos, sociais, políticos e ambientais do país.

Isso ficou evidente em novembro de 2021, com a aprovação do segundo transgênico


de eucalipto. Desenvolvido pela FuturaGene e autorizada pela Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio), o eucalipto transgênico denominado 751K032 foi
geneticamente modificado para ser tolerante ao herbicida glifosato, também conhecido
como Roundup (fabricado pela multinacional Monsanto – Bayer), que é muito usado no
Brasil. Esse herbicida apresenta em sua composição um princípio ativo
comprovadamente carcinogênico, de tal forma que a aprovação do novo organismo
geneticamente modificado gerou um embate. Carência Uma carta pública de denúncia
contra a liberação de uso comercial de mais um eucalipto transgênico foi encaminhada ao
presidente da CTNBio e ao Ministério Público Federal (MPF) pedindo mais transparência
e cautela com relação ao novo organismo geneticamente modificado (Couzemenco,
2022).

Nesse contexto, percebemos que existe a necessidade de a sociedade atuar


ativamente para ressaltar os questionamentos realizados pela sociedade científica
com relação ao uso de novas tecnologias, a fim de que ela não seja precipitada e
irreversível, mas produtiva.

As vantagens e as desvantagens da implantação de dada cultura agrícola, em solo


brasileiro, independentemente da adoção de um ou outro posicionamento, devem ser
levantadas, discutidas, analisadas, aprovadas e monitoradas, com o objetivo de que,
mediante uma participação responsável, possamos aperfeiçoar a legislação e o uso
dos transgênicos para a produção de papel e celulose no país.

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