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Prof.

Wander Emediato – FALE-UFMG – Introdução à Análise do Discurso –


MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO
1. O MODO DE ORGANIZAÇÃO NARRATIVO

a) - Narrar não é apenas descrever uma seqüência de ações ou de eventos. “Naquele


dia, após ter feito uma grande farra na véspera e ter dormido mal, X se levantou às cinco
horas e meia, saiu de sua casa às seis horas e cinco e encontrou pessoas às quais ele
disse que o dia estava lindo”. Essa passagem é uma descrição de ações, mas não
necessariamente uma narrativa (récit).

Para que haja uma narrativa (récit) é preciso um “narrador” (um contador, uma
testemunha, etc.), que seja provido de uma intencionalidade, um desejo de transmitir
alguma coisa, uma certa representação da experiência do mundo, a alguém, um
destinatário que, de uma certa maneira, dará um sentido particular a sua narrativa. Para
que uma seqüência de eventos contados se transforme em narrativa, é preciso inventar-
lhe um contexto. Assim, a sucessão de ações precedente poderá tornar-se uma seqüência
de uma narrativa romanesca: “No dia em que seria assassinado, Santiago Nasar
levantou-se às cinco horas e meia da manhã para esperar o barco no qual o bispo
chegava.” (G. Garcia Márquez, Crônica de uma morte anunciada).

Qual é a finalidade dessa atividade linguageira, narrar?

b) – Narrar representa uma busca (quête) constante e infinita de resposta às questões


fundamentais do homem: quem somos nós?, qual a nossa origem? qual é o nosso
destino? qual é a verdade de nosso ser? Como essas respostas não se desvelam, o
homem não pára de construir através de seu imaginário narrativas (récits) que, falando
de fatos e gestos dos seres humanos, liberam parcelas dessa verdade.

c) – Narrar é uma atividade linguageira que se desenvolve em meio a um certo número


de tensões e contradições:

- Narrar entre ficção e realidade: narrar é uma atividade posterior ã existência de uma
realidade necessariamente passada (mesmo quando ela é pura invenção), e, ao mesmo
tempo essa atividade tem a faculdade de fazer surgir um universo, o universo narrado,
que se sobrepõe a outra realidade que não existe mais senão através desse universo.
Nessas condições, como pretender que uma narrativa possa ser o reflexo fiel de uma
realidade passada, mesmo se essa realidade foi vivida pelo sujeito que narra? Daí a
primeira tensão para fazer crer no verdadeiro, no autêntico, na realidade em uma
atividade cujo aspecto ficional é primeiro (finalmente não precisamos mais reivindicar
a invenção, é o verdadeiro que passamos a reivindicar.). Esta tensão se manifesta nas
narrativas com auxílio de procedimentos que instauram efeitos de realidade e de ficção.

- Narrar entre unicidade e pluralidade: narrar é construir um universo de


representação das ações humanas através de um duplo imaginário que repousa sobre
dois tipos de crenças que se referem ao mundo, ao ser humano e à verdade. Daí surge
uma segunda tensão: entre Unicidade e Pluridade.
Crença na unidade do ser:

O ser na origem dos tempos seria uma entidade única e representaria uma verdade
homogênea e universal; esse estado original teria sido perdido como um paraíso, mas
ele está lá, em algum lugar, é preciso encontrá-lo, desvelá-lo, revelá-lo. Esse tipo de
crença produziu, e produz ainda, o que chamamos de narrativas míticas que buscam
encontrar uma verdade fundadora que se encontra ancorada no fundo da memória
coletiva de um povo. Esse aspecto mítico da narrativa aparece, ao longo da história e
através das sociedades, sob diferentes formas: 1) - narrativas fixas (textos sagrados
primitivos ou modernos) que devem ser repetidos permanentemente para serem
reconhecidos por todos os membros de uma comunidade como portadores de uma
verdade única. Por isso não possuem um autor real, são produtos de uma co-enunciação
coletiva.; 2) - narrativas alegóricas que se transmitem no tempo e no espaço sofrendo
variações, mas guardam certos valores simbólicos que se pretendem universais, como
nos contos populares, nas lendas, nos contos de fadas, nos evangelhos e em certos textos
fantásticos. Também aqui não há autor real, ou, quando há (evangelhos) trata-se de um
autor-delegado que é encarregado de testemunhar e de transmitir uma palavra que lhe
foi revelada. Os destinatários são chamados a ler uma narrativa que lhe diz qual é a sua
origem e qual é o seu destino. 3) - Narrativas heróicas: que idealizam os heróis,
propondo-os como modelos e arquétipos de um ideal do ser (literatura épica,
cavaleiresca da idade média, certas biografias modernas dos grandes homens, westerns,
literatura policial, ficção científica, nas quais o herói representa ora uma figura
concreta (identificada) ora abstrata (representa um tipo ideal), à qual o leitor ou
espectador poderá se identificar. Aqui o autor desaparece por detrás do universo
narrado, pois ele existe em si mesmo e por si mesmo, em uma idealidade que deve
provocar fascinação e desejo de identificação com um outro.

- Crença em uma realidade plural do mundo e do ser:

O mundo nào seria homogêneo e o ser não se encontraria mais em uma origem abstrata.
Ao contrário, o mundo seria fragmentado numa materialidade lacunar sem início, nem
fim, sendo dividido em uma multiplicidade de parcelas de existências que impedem a
percepção do todo. Esse tipo de crença produz o que chamamos de narrativas realistas,
narrativas que se opõem à ilusão de uma verdade única, abstrata e homogênea,
substituída por parcelas de verdades concretas que parecem representar a autenticidade
do vivido. O exemplo disso é o romance moderno. “...a partir de D. Quixote, o romance
só faz denunciar a onipotência do desejo inautêntico (Varga): 1) - narrativas
picarescas (seqüência de anedotas mais ou menos autônomas que mostram de maneira
parcelar como é dura a aprendizagem da vida e cujos heróis são como anti-modelos.; 2)
- narrativas breves que se adaptam melhor a essa visão não homogênea do homem, de
sua vida, de sua psicologia (como os contos e novelas, que narram fatias de vida); 3) -
em certas narrativas romanescas nas quais o narrador se mostra, intervém, criando
uma certa distância entre ele e o universo narrado, o que contribui a destruir a ilusão da
narrativa mítica produzida por uma palavra coletiva que se encontra no além; 4) - nas
narrativas romanescas cujos heróis não se confundem com símbolos, nào são
figuras abstratas; 5) - narrativas de testemunho histórico que, por acumulação de
documentos de arquivo, reconstroem o mais objetivamente possível uma parte da
realidade passada. Em todas essas formas de narrativas, o destinatário nào é chamado a
se fundir em uma palavra sagrada, nem a se projetar em um herói ideal, mas a olhar e
observar seres e vidas com as quais ele pode entreter relações de atração, de rejeição e
que o auxiliarão,durante o tempo da narrativa, a exorcizar seu mal de ignorância.

Narrar corresponde bem a essa busca da impossível captação de sua unidade, como diria
Georges Bataille. Busca que se realiza em meio a uma tensão entre o imaginário de uma
realidade fragmentada e particular e a de uma idealidade homogênea e universal.
É claro que esses dois imaginários não criam uma trincheira entre os dois tipos de
narrativas tornando-as radicalmente diferentes. As próprias narrativas são compósitas e
podem se servir desses dois imaginários, como na literatura romanesca moderna
(Balzac e Proust, por exemplo) e em certos gêneros jornalísticos (como nos faits divers).
Podem constituir, porém, segundo os gêneros ou épocas, dominantes da narrativa. De
qualquer maneira, eles nos permitem compreender o que está em jogo em uma
narrativa: como construir um universo narrado entre realidade e ficção.

PRINCÍPIO DE ORGANIZAÇÃO DA LÓGICA NARRATIVA

Componentes:

– Os actantes que assumem um certo número de papéis em relação à ação da qual


dependem. Papéis narrativos mais comuns: agressor, benfeitor, opositor, aliado,
retribuidor, vítima, beneficiário. Recebem qualificações positivas (prestígio,
força, inteligência, virtude, firmeza, etc.) ou negativas (má reputação, vício,
imoral, desonesto, fraco, estúpido, ignorante, etc.)
– Os processos que religam os actantes entre si, dando uma orientação funcional
às suas ações. (melhorar, conservar ou degradar um estado inicial).
– As seqüências que integram processos e actantes em uma finalidade narrativa
segundo certos princípios de organização (princípio de coerência, princípios de
intencionalidade, princípio de encadeamento; princípio de repérage).

Exemplo do Princípio de Intencionalidade: motivação das seqüências

Estado Inicial Estado de atualização Estado final Sucesso

Falta Busca Resultado em Fracasso


Relação ao objeto
de busca

O MODO DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO DESCRITIVO


A descrição faz surgir a realidade exterior através dos olhos de um sujeito observador que
identifica seres e objetos, os nomeia e lhes atribui certas qualidades. O sujeito que observa pode
descrever a realidade exterior tal como ela é ou parece ser — descrição objetiva - ou tal como o
sujeito a sente — descrição subjetiva.

• Características:

Caráter estático — a descrição pode ser comparada a uma fotografia. A descrição é, de


maneira geral, fruto de observação de um estado de coisas, de um fenômeno ou de uma ação, de
um espaço, de uma temporalidade, de um volume, quantidade.

Linguagem referencial — a descrição tem sempre o objetivo de informar, dar a perceber


ao outro o mundo exterior tal como ele é ou tal como o observador o vê. Nesse sentido, a
descrição cumpre uma função referencial. No entanto, seu efeito e objetividade e de evidência
não deve ser confundido com neutralidade do sujeito observador, pois pode haver descrição
subjetiva e objetiva.

As operações de descrição

A) Nomear e identificar seres, objetos, pessoas, lugares através da identificação específica


(nomes próprios) e da identificação genérica (nomes comuns).

Expressões de identificação:

Identificação especifica: nomes próprios de pessoas tais como Paulo, Luís Inácio Lula da Silva;
nomes próprios de locais, tais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte; Nomes próprios de
organizações, tais como Petrobras, Fiat.

Identificação genérica: nomes comuns que fazem referência a uma categoria qualquer, tais
como Os metalúrgicos; os trabalhadores, os sem-terra, os professores, a mãe, o pai, o filho, o
avô, o policial, a polícia, a mesa, a liberdade, a humanidade.

B) Localizá-los no tempo e no espaço através de expressões de localização espacial e temporal:

— Localização espacial: advérbios e expressões que indicam lugar, tais como em São Paulo;
na favela; no estádio.

— Localização temporal: advérbios e expressões que indicam tempo, tais como em 1998, em
2003, no século XXI, há pouco tempo atrás, na época dos movimentos estudantis.

C) Quantificá-los através de expressões de quantificação (precisa ou imprecisa)

— Quantificação precisa: números indicando quantidade exata, tais como 1001 unidades,
10.000 pessoas, 2 estudantes.

— Quantificação imprecisa: números e expressões indicando quantidade inexata, tais como


mais de 1000 pessoas, muitos trabalhadores, centenas de pessoas, várias tentativas, milhões de
reais, vários, diversos, poucos.
D) Qualificá-los através de expressões de qualificação (objetiva ou subjetiva). Subjetiva (se
descrição expressiva); objetiva (se descrição técnica, informativa e referencial).

— Qualificação objetiva: adjetivos indicando uma qualificação objetiva que pertence ao ser ou
ao objeto, tais como vermelho, azul, branco, sólido, gasoso, quente, frio.

— Qualificação subjetiva: adjetivos indicando uma qualidade afetiva ou subjetiva expressando


o modo como o sujeito sente ou percebe o ser, tais como belo, frio, sensato, imoral,
sensacional, incrível, extraordinário, intelessante.

Exemplo de descrição literária incluindo identificações e qualificações:

“Era uma propriedade de boa aparência. As portas abertas da estrebaria deixavam


ver alentados cavalos de tiro, comendo tranqüilamente em manjedouras novas. Ao
longo das casas estendia-se uma vasta estrumeira fumegante, e entre galinhas e
perus giravam cinco ou seis pavões, que constituem o luxo das capoeiras de
Caux. O aprisco era extenso, o celeiro muito alto e de paredes lisas como a palma
da mão. Debaixo do telheiro estavam duas grandes carroças e quatro charruas,
com os seus chicotes, coelheiras e aparelhagem completa, cujas mechas de lã azul
se sujavam com o pó fino que caía dos celeiros. O pátio era um declive
simetricamente arborizado; próximo do tanque, ouvia-se o grasnar alegre de um
bando de patos.” (Gustave Flaubert. Madame Bovary. Trad. Brasileira de Enrico
Corvisieri. São Paulo: Nova cultural, 2002.).

Destacamos, em negrito, as expressões qualificantes, em sua maioria adjetivos, que dão


qualidades e atributos aos seres, descrevendo suas propriedades. A descrição da cena, no texto
de Flaubert, é feita basicamente através de duas operações: a de identificação de seres e objetos
e de qualificação desses seres e objetos. Embora seja uma descrição literária, o autor evita as
qualificações subjetivas, preferindo dar qualidades objetivas aos seres e às coisas, atitude
própria da escola realista e naturalista. Entretanto, nem tudo é objetividade em Flaubert: nesse
pequeno trecho, podemos notar que o autor não consegue evitar sentir no grasnar dos patos algo
de alegre, o que pertence, sem dúvida, ao modo como o observador sente a cena que vê. Ao
fazê-lo, o autor dá vida, cor e alma ao cenário, criando o ambiente necessário à criação posterior
de uma intriga e de uma sucessão de ações que constituirão a sua narrativa.
O exemplo abaixo mostra operações de descrição de indicadores econômicos em um formato
bastante comum em nossos jornais:
INDICADORES ECONÔMICOS 13J0712003

Índices Janeiro Fevereiro Março Abril Maio

INPC 2,47 1,46 1,37 1,38 0,99

IPC!FIPE 2,19 1,61 0,67 0,57 0,31

IGP-DI 2,17 1,59 1,66 0,41 -0,67

IGP-M 2,33 2,28 1,53 0,92 -0,26

IPCA(Ipead) 2,52 1,07 1,41 1,00 1,23

IPCA (IBGE) 2,25 1,57 1,23 0,97 0,61

UFIR — anuall: R$ 1,0641 — UPC — Juho/2003: R$19,28 INCC-DI (FGV) — Junho/2003:


— 1,05%

Há basicamente 3 operações de descrição constituindo o discurso da tabela acima:


identiflcaçõo de indicadores econômicos (INPC, IPC, IGP etc.), quantificações precisas (2,47;
1,05%; R$ 19,28 etc.), localizações temporais (Julho; 2003, janeiro, fevereiro etc.). Essas três
operações são suficientes para construir uma descrição técnica destinada a informações de
caráter econômico. Ao contrário da descrição literária, que inclui não raramente qualificações
subjetivas, a descrição técnica persegue a objetividade e, por isso, exclui as qualificações
subjetivas.

O ponto de vista descritivo

O ponto de vista descritivo indica o modo como o sujeito que observa percebe o mundo, o
ser e os objetos observados. O ponto de vistadescritivo depende essencialmente de dois fatores:

a) Da posição física do observador;

b) de sua atitude afetiva/psicológica em face do objeto a ser descrito

A POSIÇÃO DO OBSERVADOR

A perspectiva que o observador tem do objeto pode determinar a ordem na descrição dos
detalhes. Ele pode assumir uma certa posição física em relação ao que será descrito, sobretudo
quando se trata de paisagem. Pode descrevê-la adotando a perspectiva de quem sobrevoa uma
região ou de quem se aproxima, a pé, descrevendo-a gradualmente à medida que se aproxima de
algum ponto central. Pode assumir a posição de quem está fora de algum ambiente, observando
as características externas de um local, ou de quem está dentro de algum ambiente fechado,
descrevendo o que vê no interior. Pode adotar a perspectiva de quem percorre todo um edifício,
com a intenção de conhecê-lo em sua totalidade, percorre os corredores, passa pelas salas e
pelos setores, observa a posição dos móveis e a decoração das paredes, a iluminação dos
corredores e das salas, claridade ou obscuridade dos ambientes. O resultado será uma descrição
detalhada e objetiva do local. Pode, ao contrário, adotar uma perspectiva diferente, sendo
indiferente ao aspecto físico e estrutural de um ambiente e concentrando-se apenas no aspecto
humano, descrevendo as pessoas, suas características, o que fazem etc. A perspectiva do
observador assemelha-se à focalização da máquina fotográfica — que pode projetar-se sobre
toda uma ampla paisagem ou focalizar um ponto restrito da paisagem — ou a do percurso de
uma fumadora, que pode sobrevoar uma cidade inteira, mostrando sua diversidade, ou se entrar
em um ambiente fechado, percorrendo lentamente suas partes até concentrar-se em um recinto
específico.

A ATITUDE DO OBSERVADOR: descrição objetiva ou subjetiva

A descrição pode ao mesmo tempo refletir objetivamente a realidade ou construir uma


atmosfera qualificando de forma subjetiva o ambiente, os seres e os objetos.

Descrição subjetiva: reflete o estado de espírito do observador diante do que descreve, suas
idiossincrasias, preferências, sua apreciação afetiva e emocional. Não descreve exatamente o
que vê, mas o que sente a partir do que vê.

Descrição objetiva: exata, relativa aos sentidos da percepção: cor, cheiro, peso, tamanho.
Caracteriza a descrição técnica ou científica. Descreve o que vê, não o que sente ao ver.

A descrição pode ser um artifício importante para a argumentação, pois, através das
estratégias de qualificação subjetiva do mundo, dos seres e dos objetos, o sujeito que descreve
pode ter como objetivo influenciar o seu interlocutor orientando a sua maneira de ver e apreciar
as coisas. Não só a qualificação subjetiva, mas também outros elementos de descrição podem
criar uma imagem distorcida do mundo. O pensamento crítico deve sempre buscar identificar e
avaliar a pertinência e avalidade da descrição, mesmo quando ela se apresenta como
aparentemente objetiva. Um exemplo disso foi a manchete publicada em um jornal de São Paulo
(Notícias Populares) ao apresentar sua notícia de primeira página:

PARAIBANO COME BEBÊ NA COVA

Em aparência, o jornal não fez mais que descrever a ação de um sujeito. Entretanto, ao usar a
identificação genérica “Paraibano” o jornal elaborou, na verdade, um argumento denominado
“identificação manipuladora”. Podemos, com efeito, interrogá-lo para saber por que ele resolveu
identificar o agente da ação como “Paraibano” e não como “Homem”, “Rapaz”, “Deficiente mental”, ou
uma outra identificação que não envolvesse uma categoria social específica como foi o caso. Ao optar
pela denominação genérica “Paraibano”, o jornalista quis, nos parece evidente, causar sensação no leitor e
provocar um efeito visando à ridicularização da categoria social das pessoas paraibanas. Como se vê, por
detrás de uma simples descrição pode estar, na verdade, uma estratégia de influência. A identificação
manipuladora busca atribuir a um tipo de agente uma certa ação e deixa perceber uma relação estreita —
e arbitrária — entre o tipo de ação e o tipo de agente. A descrição, mais que um tipo de texto, é um
conjunto de operações que contribui para a produção textual, podendo estar a serviço de diversas
estratégias. Operações de descrição podem auxiliar na constmção de discursos narrativos e até, como
vimos acima, de discursos argumentativos. A qualificação é um outro exemplo de operação descritiva que
pode funcionar como estratégia argumentativa visando à persuasão. É o caso, sobretudo, da qualificação
subjetiva. Ao qualificar subjetivamente uma pessoa, um objeto ou qualquer outro ser, o sujeito falante
busca persuadir o outro a ver e a sentir a pessoa, objeto ou ser com a propriedade que lhe é atribuída. Ao
qualificar alguma coisa de “interessante”, o sujeito falante busca fazer com que o outro também a veja
como interessante.

CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e Discurso. Modos de organização. São Paulo: Contexto,


2006.
EMEDIATO, Wander. A fómula do texto.São Paulo:Geração Editorial, 2007.pp. 142-148
TEXTO/MODO ENUNCIATIVO DESCRITIVO NARRATIVO ARGUMENTATIVO
exemplo
- - nos permitirá - o uso que o - uso e - Uso de modos de
Reportagem/notícia observar como o sujeito seleção de raciocínio explícitos
sujeito (jornalista, (jornalista, testemunhas, ou implícitos
no discurso narrador - Modo de (dedutivo,
jornalístico; literário, político, apresentação causalidade,
narrador, na etc.), faz de dos fatos, dos analogias
literatura; orador, elementos agentes e (comparações),
na política, etc.) estatísticos, personagens restrições, etc;
investe-se quantificadores, (que - na evocação de
subjetivamente no localizadores, combinados valores, de lugares
tratamento da qualificadores, com a comuns, de
notícia, da trama identificadores. qualificação, paralogismos
narrativa, do As operações de pode lhes dar (falácias) e domínios
discurso político, descrição não se uma imagem de avaliação (ético,
enfim, na encontram no positiva ou pragmático,
construção de seu texto apenas negativa na hedônico, estético,
texto. Seu para refletir o trama); etc.);
investimento real, mas - nos efeitos - na antecipação de
subjetivo pode ser também para de ficção e de reservas, na
encontrado: nos fundar a fatualidade apresentação de
comentários que argumentação (realidade), fundamentos e
faz; na apresentação do sujeito, pois - na garantias para a sua
das falas das são escolhas que estruturação argumentação e
pessoas ele faz e que lhe de para a imposição de
entrevistadas ou das permite fazer, sequências; uma esquema de
personagens; pela por exemplo, verdade, etc.
presença de argumentos por
expressões analogia,
modalizadoras que relações de
denotam sua causa e efeito,
atitude, sua etc. A descrição
apreciação, seus ajuda a construir
afetos diante dos uma visão
fatos; nas objetiva ou
estratégias de subjetiva do
"apagamento" de mundo. Denota
sua subjetividade, como o sujeito
como no uso da enunciador
terceira pessoa para (observador)
demonstrar percebe o
objetividade (o que mundo, os fatos,
produz um efeito de as coisas, as
objetividade e pessoas, etc.
mascara a sua
subjetividade); no
uso de modos
verbais (indicativo,
para expressar
evidência, certeza,
necessidade) ou
subjuntivo (para
denotar desejo),
entre outros
elementos;

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