Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Para que haja uma narrativa (récit) é preciso um “narrador” (um contador, uma
testemunha, etc.), que seja provido de uma intencionalidade, um desejo de transmitir
alguma coisa, uma certa representação da experiência do mundo, a alguém, um
destinatário que, de uma certa maneira, dará um sentido particular a sua narrativa. Para
que uma seqüência de eventos contados se transforme em narrativa, é preciso inventar-
lhe um contexto. Assim, a sucessão de ações precedente poderá tornar-se uma seqüência
de uma narrativa romanesca: “No dia em que seria assassinado, Santiago Nasar
levantou-se às cinco horas e meia da manhã para esperar o barco no qual o bispo
chegava.” (G. Garcia Márquez, Crônica de uma morte anunciada).
- Narrar entre ficção e realidade: narrar é uma atividade posterior ã existência de uma
realidade necessariamente passada (mesmo quando ela é pura invenção), e, ao mesmo
tempo essa atividade tem a faculdade de fazer surgir um universo, o universo narrado,
que se sobrepõe a outra realidade que não existe mais senão através desse universo.
Nessas condições, como pretender que uma narrativa possa ser o reflexo fiel de uma
realidade passada, mesmo se essa realidade foi vivida pelo sujeito que narra? Daí a
primeira tensão para fazer crer no verdadeiro, no autêntico, na realidade em uma
atividade cujo aspecto ficional é primeiro (finalmente não precisamos mais reivindicar
a invenção, é o verdadeiro que passamos a reivindicar.). Esta tensão se manifesta nas
narrativas com auxílio de procedimentos que instauram efeitos de realidade e de ficção.
O ser na origem dos tempos seria uma entidade única e representaria uma verdade
homogênea e universal; esse estado original teria sido perdido como um paraíso, mas
ele está lá, em algum lugar, é preciso encontrá-lo, desvelá-lo, revelá-lo. Esse tipo de
crença produziu, e produz ainda, o que chamamos de narrativas míticas que buscam
encontrar uma verdade fundadora que se encontra ancorada no fundo da memória
coletiva de um povo. Esse aspecto mítico da narrativa aparece, ao longo da história e
através das sociedades, sob diferentes formas: 1) - narrativas fixas (textos sagrados
primitivos ou modernos) que devem ser repetidos permanentemente para serem
reconhecidos por todos os membros de uma comunidade como portadores de uma
verdade única. Por isso não possuem um autor real, são produtos de uma co-enunciação
coletiva.; 2) - narrativas alegóricas que se transmitem no tempo e no espaço sofrendo
variações, mas guardam certos valores simbólicos que se pretendem universais, como
nos contos populares, nas lendas, nos contos de fadas, nos evangelhos e em certos textos
fantásticos. Também aqui não há autor real, ou, quando há (evangelhos) trata-se de um
autor-delegado que é encarregado de testemunhar e de transmitir uma palavra que lhe
foi revelada. Os destinatários são chamados a ler uma narrativa que lhe diz qual é a sua
origem e qual é o seu destino. 3) - Narrativas heróicas: que idealizam os heróis,
propondo-os como modelos e arquétipos de um ideal do ser (literatura épica,
cavaleiresca da idade média, certas biografias modernas dos grandes homens, westerns,
literatura policial, ficção científica, nas quais o herói representa ora uma figura
concreta (identificada) ora abstrata (representa um tipo ideal), à qual o leitor ou
espectador poderá se identificar. Aqui o autor desaparece por detrás do universo
narrado, pois ele existe em si mesmo e por si mesmo, em uma idealidade que deve
provocar fascinação e desejo de identificação com um outro.
O mundo nào seria homogêneo e o ser não se encontraria mais em uma origem abstrata.
Ao contrário, o mundo seria fragmentado numa materialidade lacunar sem início, nem
fim, sendo dividido em uma multiplicidade de parcelas de existências que impedem a
percepção do todo. Esse tipo de crença produz o que chamamos de narrativas realistas,
narrativas que se opõem à ilusão de uma verdade única, abstrata e homogênea,
substituída por parcelas de verdades concretas que parecem representar a autenticidade
do vivido. O exemplo disso é o romance moderno. “...a partir de D. Quixote, o romance
só faz denunciar a onipotência do desejo inautêntico (Varga): 1) - narrativas
picarescas (seqüência de anedotas mais ou menos autônomas que mostram de maneira
parcelar como é dura a aprendizagem da vida e cujos heróis são como anti-modelos.; 2)
- narrativas breves que se adaptam melhor a essa visão não homogênea do homem, de
sua vida, de sua psicologia (como os contos e novelas, que narram fatias de vida); 3) -
em certas narrativas romanescas nas quais o narrador se mostra, intervém, criando
uma certa distância entre ele e o universo narrado, o que contribui a destruir a ilusão da
narrativa mítica produzida por uma palavra coletiva que se encontra no além; 4) - nas
narrativas romanescas cujos heróis não se confundem com símbolos, nào são
figuras abstratas; 5) - narrativas de testemunho histórico que, por acumulação de
documentos de arquivo, reconstroem o mais objetivamente possível uma parte da
realidade passada. Em todas essas formas de narrativas, o destinatário nào é chamado a
se fundir em uma palavra sagrada, nem a se projetar em um herói ideal, mas a olhar e
observar seres e vidas com as quais ele pode entreter relações de atração, de rejeição e
que o auxiliarão,durante o tempo da narrativa, a exorcizar seu mal de ignorância.
Narrar corresponde bem a essa busca da impossível captação de sua unidade, como diria
Georges Bataille. Busca que se realiza em meio a uma tensão entre o imaginário de uma
realidade fragmentada e particular e a de uma idealidade homogênea e universal.
É claro que esses dois imaginários não criam uma trincheira entre os dois tipos de
narrativas tornando-as radicalmente diferentes. As próprias narrativas são compósitas e
podem se servir desses dois imaginários, como na literatura romanesca moderna
(Balzac e Proust, por exemplo) e em certos gêneros jornalísticos (como nos faits divers).
Podem constituir, porém, segundo os gêneros ou épocas, dominantes da narrativa. De
qualquer maneira, eles nos permitem compreender o que está em jogo em uma
narrativa: como construir um universo narrado entre realidade e ficção.
Componentes:
• Características:
As operações de descrição
Expressões de identificação:
Identificação especifica: nomes próprios de pessoas tais como Paulo, Luís Inácio Lula da Silva;
nomes próprios de locais, tais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte; Nomes próprios de
organizações, tais como Petrobras, Fiat.
Identificação genérica: nomes comuns que fazem referência a uma categoria qualquer, tais
como Os metalúrgicos; os trabalhadores, os sem-terra, os professores, a mãe, o pai, o filho, o
avô, o policial, a polícia, a mesa, a liberdade, a humanidade.
— Localização espacial: advérbios e expressões que indicam lugar, tais como em São Paulo;
na favela; no estádio.
— Localização temporal: advérbios e expressões que indicam tempo, tais como em 1998, em
2003, no século XXI, há pouco tempo atrás, na época dos movimentos estudantis.
— Quantificação precisa: números indicando quantidade exata, tais como 1001 unidades,
10.000 pessoas, 2 estudantes.
— Qualificação objetiva: adjetivos indicando uma qualificação objetiva que pertence ao ser ou
ao objeto, tais como vermelho, azul, branco, sólido, gasoso, quente, frio.
O ponto de vista descritivo indica o modo como o sujeito que observa percebe o mundo, o
ser e os objetos observados. O ponto de vistadescritivo depende essencialmente de dois fatores:
A POSIÇÃO DO OBSERVADOR
A perspectiva que o observador tem do objeto pode determinar a ordem na descrição dos
detalhes. Ele pode assumir uma certa posição física em relação ao que será descrito, sobretudo
quando se trata de paisagem. Pode descrevê-la adotando a perspectiva de quem sobrevoa uma
região ou de quem se aproxima, a pé, descrevendo-a gradualmente à medida que se aproxima de
algum ponto central. Pode assumir a posição de quem está fora de algum ambiente, observando
as características externas de um local, ou de quem está dentro de algum ambiente fechado,
descrevendo o que vê no interior. Pode adotar a perspectiva de quem percorre todo um edifício,
com a intenção de conhecê-lo em sua totalidade, percorre os corredores, passa pelas salas e
pelos setores, observa a posição dos móveis e a decoração das paredes, a iluminação dos
corredores e das salas, claridade ou obscuridade dos ambientes. O resultado será uma descrição
detalhada e objetiva do local. Pode, ao contrário, adotar uma perspectiva diferente, sendo
indiferente ao aspecto físico e estrutural de um ambiente e concentrando-se apenas no aspecto
humano, descrevendo as pessoas, suas características, o que fazem etc. A perspectiva do
observador assemelha-se à focalização da máquina fotográfica — que pode projetar-se sobre
toda uma ampla paisagem ou focalizar um ponto restrito da paisagem — ou a do percurso de
uma fumadora, que pode sobrevoar uma cidade inteira, mostrando sua diversidade, ou se entrar
em um ambiente fechado, percorrendo lentamente suas partes até concentrar-se em um recinto
específico.
Descrição subjetiva: reflete o estado de espírito do observador diante do que descreve, suas
idiossincrasias, preferências, sua apreciação afetiva e emocional. Não descreve exatamente o
que vê, mas o que sente a partir do que vê.
Descrição objetiva: exata, relativa aos sentidos da percepção: cor, cheiro, peso, tamanho.
Caracteriza a descrição técnica ou científica. Descreve o que vê, não o que sente ao ver.
A descrição pode ser um artifício importante para a argumentação, pois, através das
estratégias de qualificação subjetiva do mundo, dos seres e dos objetos, o sujeito que descreve
pode ter como objetivo influenciar o seu interlocutor orientando a sua maneira de ver e apreciar
as coisas. Não só a qualificação subjetiva, mas também outros elementos de descrição podem
criar uma imagem distorcida do mundo. O pensamento crítico deve sempre buscar identificar e
avaliar a pertinência e avalidade da descrição, mesmo quando ela se apresenta como
aparentemente objetiva. Um exemplo disso foi a manchete publicada em um jornal de São Paulo
(Notícias Populares) ao apresentar sua notícia de primeira página:
Em aparência, o jornal não fez mais que descrever a ação de um sujeito. Entretanto, ao usar a
identificação genérica “Paraibano” o jornal elaborou, na verdade, um argumento denominado
“identificação manipuladora”. Podemos, com efeito, interrogá-lo para saber por que ele resolveu
identificar o agente da ação como “Paraibano” e não como “Homem”, “Rapaz”, “Deficiente mental”, ou
uma outra identificação que não envolvesse uma categoria social específica como foi o caso. Ao optar
pela denominação genérica “Paraibano”, o jornalista quis, nos parece evidente, causar sensação no leitor e
provocar um efeito visando à ridicularização da categoria social das pessoas paraibanas. Como se vê, por
detrás de uma simples descrição pode estar, na verdade, uma estratégia de influência. A identificação
manipuladora busca atribuir a um tipo de agente uma certa ação e deixa perceber uma relação estreita —
e arbitrária — entre o tipo de ação e o tipo de agente. A descrição, mais que um tipo de texto, é um
conjunto de operações que contribui para a produção textual, podendo estar a serviço de diversas
estratégias. Operações de descrição podem auxiliar na constmção de discursos narrativos e até, como
vimos acima, de discursos argumentativos. A qualificação é um outro exemplo de operação descritiva que
pode funcionar como estratégia argumentativa visando à persuasão. É o caso, sobretudo, da qualificação
subjetiva. Ao qualificar subjetivamente uma pessoa, um objeto ou qualquer outro ser, o sujeito falante
busca persuadir o outro a ver e a sentir a pessoa, objeto ou ser com a propriedade que lhe é atribuída. Ao
qualificar alguma coisa de “interessante”, o sujeito falante busca fazer com que o outro também a veja
como interessante.