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‘Red flags’ para detecção de

fraude contábil
Sinais de alerta mais importantes são
relacionados à alta administração, porque, uma
vez incumbida de fraudar, é muito difícil
descobrir
Fernando Dal-Ri Murcia

O recente caso envolvendo a Lojas Americanas traz à tona o tema da


fraude nas demonstrações financeiras de uma empresa.
Obviamente, a existência ou não de uma fraude depende da
comprovação fática no caso concreto.

Ao contrário do “erro” que se trata de um ato não intencional, a


fraude é o ato doloso cometido de forma planejada, com a finalidade
de obter proveito com prejuízo de terceiros. No caso específico de
fraude nas demonstrações financeiras (fraudulent financial
reporting), esse ato consiste na adulteração dos balanços da
empresa através da omissão de fatos, valores inexatos e não
aplicação das normas contábeis.

De maneira geral, existe uma tentativa deliberada por parte da


administração da companhia de omitir ou evidenciar indevidamente
a informação contábil, bem como os fatos materiais referentes à
situação econômico-financeira, levando os usuários a uma
interpretação errônea dos balanços.

Como exemplos dessa espécie de fraude, podemos citar: (i)


contabilização de vendas fictícias, (ii) capitalização de despesas, (iii)
não contabilização de dívidas ou ainda (iv) falta de divulgação
:
(disclosure) de determinada informação relevante para tomada de
decisão dos usuários.

Importante salientar que tais fraudes são geralmente realizadas pela


alta administração (top management) da empresa, isto é, envolve os
executivos responsáveis pela elaboração dos balanços da
sociedade.

A motivação (ou pressão) para se realizar tal fraude pode decorrer


tanto de uma necessidade de se atender às expectativas dos
provedores de recursos da sociedade (acionistas ou credores) ou
ainda para obter determinada remuneração em decorrência de um
resultado das empresas (bônus ou ainda valorização do pacote de
stock options, por exemplo).

A literatura acadêmica apresenta três elementos muito comuns nos


casos de fraudes: pressão, visão e oportunidade. Esses três
elementos compõem o chamado triângulo das fraudes (fraud
triangle).

A pressão para se cometer uma fraude poderia resultar de um


problema financeiro como dívidas, perdas e compromissos
atrasados. Essa pressão pode derivar de uma necessidade de se
evidenciar uma situação econômico-financeira favorável diante de
acionistas e analistas.

A visão do ato fraudulento refere-se basicamente a como o indivíduo


enxerga a fraude, a racionalização do ato fraudulento. Em muitos
casos de fraudes, criminosos alegam ser inocentes, sem culpa.
Logo, pode-se dizer que eles racionalizam a fraude como um ato
necessário e aceitável. Alguns gestores, por exemplo, acreditam que
“sonegar impostos é normal, pois todo mundo sonega”, ou que
“ninguém descobrirá essa fraude, e no final das contas vai ser
melhor para a entidade”. Desse modo, pode-se dizer que a
:
racionalização ajuda o fraudador a se sentir mais confortável na hora
de cometer um ato fraudulento.

O terceiro e último elemento do triângulo das fraudes refere-se


basicamente às oportunidades para a realização do ato fraudulento.
De um modo geral, pode-se dizer que a inexistência de um sistema
de controle interno eficaz possibilita oportunidades para a realização
da fraude.

Note-se que a detecção das fraudes contábeis não é tarefa fácil,


pois muitas vezes os fraudadores não se utilizam do sistema contábil
(go around the accounting system) para produzir o resultado
desejado. Basicamente, pode-se conceituar esse procedimento
como a utilização de um sistema contábil paralelo (caixa dois, por
exemplo), em que se registram apenas as transações de interesse
dos fraudadores.

Mais fácil que detectar a ocorrência de uma fraude é comprovar que


existe um ambiente favorável para que ela ocorra. Esse ambiente
fraudulento pode ser caracterizado através das chamadas red flags.
Esses sinais de alerta representam fatores de risco que podem
evidenciar a ocorrência de uma fraude.

Como já dito, um sinal de alerta importante está relacionado à falta


de um sistema de controle interno eficaz. Outros podem envolver o
trabalho da auditoria externa, como, por exemplo, quando existem
restrições formais ou informais em relação ao auditor que limitam o
acesso a pessoas ou à informação na entidade; ou ainda quando a
auditoria é inepta.

Mas talvez as reds flags mais importantes estejam relacionadas com


a alta administração, já que, quando ela está incumbida de realmente
fraudar a empresa, é, por vezes, muito difícil descobrir. Isso porque a
alta administração efetivamente possui o controle gerencial dos
:
recursos e do acesso das pessoas aos dados. A literatura cita
fatores como (i) histórico de condutas não éticas, (ii) interesse
excessivo de aumentar o preço das ações e/ou evidenciar tendência
de lucros a qualquer preço, (iii) propensão exagerada a tomar risco
e/ou tendência de vencer o “sistema”, dentre outros, como red flags
relacionadas à administração da empresa.

Importante destacar, por fim, que a presença de um sinal de alerta


não quer dizer necessariamente que existe uma fraude. Como dito, a
comprovação de uma fraude contábil demanda uma auditoria
forense que envolve técnicas de auditoria, perícia e averiguações.

DIRETOR DE PESQUISAS E PROJETOS DA FIPECAFI, É PROFESSOR


DA FEA-USP
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