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E DIREITOS HUMANOS
Dênis Machado*
Resumo: O presente trabalho trata de modo Abstract: This paper deals concisely the
conciso a respeito da relação entre Estado relationship between modern State and glo-
moderno e globalização, trazendo mais es- balization, bringing elements for a better
pecificamente elementos para uma melhor understanding with regard to the current
compreensão no que se refere aos problemas problems of sovereignty and Human Rights.
atuais concernentes à soberania e aos Direitos At first, briefly trace the emergence and tra-
Humanos. Em um primeiro momento, traçará jectory of the modern State, stressing the
de forma breve o surgimento e a trajetória do sovereignty as a centralizer factor belonging
Estado moderno, frisando a soberania como to the legal and political power of the State
fator centralizador do poder jurídico-político in shaping the modern international society.
do Estado na formação da sociedade interna- Following will be given greater focus to the
cional moderna. Após, será mais enfatizado o sovereign power, tracing the aspects related
poder soberano, traçando aspectos referentes to its development and consolidation, with a
ao seu desenvolvimento e à sua consolidação, historical and theoretical approach. Given
com uma abordagem histórico-teórica. Dadas these provisions, will outline some implica-
essas disposições, delineará certas implicações tions of the gradual emergence of Interna-
do gradativo advento do Direito Internacio- tional Law of Human Rights to sovereignty,
nal dos Direitos Humanos para a soberania, talking about the current relativization of
discorrendo acerca da atual relativização da the traditional conception of it. Emphasis is
concepção tradicional desta. Dá-se relevo para given to a theoretical (re)formulation of sov-
uma (re)formulação teórica da soberania mais ereignty more in line with the relativization
consentânea com a relativização por ela en- it faces at present, perhaps making room for
frentada na atualidade, quiçá abrindo espaço a global constitutionalism aimed at a type
para um constitucionalismo mundial tendente of universalization of the value inherent in
à efetiva universalização do valor inerente a every human being without, however, with-
cada ser humano sem, contudo, retirar de tal draw the value of autonomy from this scene.
quadro o valor autonomia. Keywords: Modern State. Sovereignty. Glo-
Palavras-chave: Estado moderno. Sobera- balization. Human Rights.
nia. Globalização. Direitos Humanos.
*
Mestre em Desenvolvimento (Bolsista Capes), pela Universidade Regional do Noroeste do Rio Gran-
de do Sul (UNIJUÍ); denismachado@brturbo.com.br
Introdução
[...] a França, mais que qualquer outro país, o drama histórico que
gerou o conceito de soberania. Esse drama teve ali seu palco prin-
[...] soberania não é limitada nem em poder, nem pelo cargo [...].
Nenhuma lei humana, nem as do próprio príncipe, nem as de seus
predecessores, podem limitar o poder soberano. Quanto às leis
divinas e naturais, todos os príncipes da Terra lhes estão sujeitos
e não está em seu poder contrariá-las, se não quiserem ser culpa-
dos de lesar a majestade divina, fazendo guerra a Deus, sobre a
grandeza de quem todos os monarcas do mundo devem dobrar-se
e baixar a cabeça com temor e reverência (DALLARI, 2001, p. 77).
Já o poder perpétuo indica que a soberania não pode ter por limitação um perío-
do de tempo predeterminado para o seu exercício, porquanto esclarece Dallari que “[...]
se alguém receber o poder absoluto por um tempo determinado, não se pode chamar
soberano, pois será apenas depositário e guarda do poder.” (DALLARI, 2001, p. 77).
Para Bodin, o soberano teria como limitação apenas as leis divinas e natu-
rais, denotando o tipo de jusnaturalismo por ele preconizado. Isso o diferencia de
Thomas Hobbes, filósofo inglês para o qual a lei natural era vista como princípio
de razão, conforme exposto por Ferrajoli (2007).
Nesse sentido, inspirado em Hermann Heller, Darcísio Corrêa afirma que “[...]
foi Hobbes (De Cive, 1642) quem por primeiro deu ao poder do Estado e do soberano
um fundamento essencialmente independente do ético-religioso, podendo ser consi-
derado como o fundador das modernas ciências políticas.” (CORRÊA, 2006, p. 52).
Assim, a apontada teorização da soberania, inicialmente feita por Bodin e,
em certa medida, seguida por outros pensadores como Hobbes, trouxe, sobretudo
após os tratados da Paz de Vestfália (1648), significativa estabilidade para o plano
interno institucional dos Estados.
Entretanto, se a soberania é o conceito responsável por aglutinar os elementos
essenciais que compõem o Estado moderno em torno de um único poder centraliza-
dor dotado de força jurídico-política, atualmente ela passa por intensas dificuldades
Como mostra Ferrajoli, tal perspectiva não deve ser encarada como um
horizonte irreal, mas, pelo contrário, deve ser encarada como uma perspectiva
imposta, principalmente considerando a época na qual vivemos. Nesta, diaria-
mente se confirma a natureza perversa dos processos globalizadores, os quais em-
pobrecem o espírito humano com o desenfreado crescimento dos comportamentos
competitivos, como assevera Santos (2008), competitividade que não deixa de ser
percebida no plano das relações internacionais.
Contudo, é preciso fazer uma ressalva em relação ao constitucionalismo
mundial. Ele estabelece uma integração baseada no direito, mas não deve ser con-
fundido com um governo mundial, pois o que se almeja é efetivar os Direitos Hu-
manos proclamados pela Carta da ONU e definidos na Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948, e não absorver os Estados, transformando-os em um
Ente Estatal de domínio global (FERRAJOLI, 2007).
Além disso, faz-se necessária a ciência de que, em um mundo globalizado, o Estado
me a noção dada por Ulrich Beck). É possível o advento de uma cidadania cosmo-
polita, com a participação democrática de Estados e pessoas para a construção
intercultural dos Direitos Humanos? É possível, guardadas as devidas proporções
do termo, defender – no sentido democrático-participativo – a emergência de uma
espécie de “Pólis-mundo”?
Frisa-se que tal espaço mundial de diálogo, em parte já consolidado, no que
se refere ao respeito ao princípio da autodeterminação dos povos, deve servir para
impedir abusos e ingerências ou uma espécie de neocolonialismo no âmbito das
relações internacionais, pois, conforme relata Arno Dal Ri Júnior, é necessário
5 Conclusão
O cenário global da atualidade não pode ser considerado de uma forma úni-
ca ou a partir de um único local; apesar de existirem tendências que estão para
uma massificação cultural de limites ainda desconhecidos, existe uma comunida-
de de diferenças plenamente palpável no mundo contemporâneo.
Esta comunidade de diferenças, entretanto, muitas vezes gera um diálogo
cujo alfabeto é desconhecido daqueles que tentam entendê-lo. Desconhecimento
que, por sua vez, está para o fato de que os fatores postos em jogo, ainda que há
muito conhecidos, são realocados e reelaborados de modo completamente diverso
de épocas anteriores, suscitando configurações novas de antigos conceitos em ra-
zão do desenfreado movimento atual, o qual deve ser compreendido na sua totali-
dade, uma vez que afeta a todos os níveis da existência humana.
Dessa maneira, tratou-se neste trabalho acerca de assuntos que ganham
maior relevância no cenário mundial e nas agendas de prioridades dos Estados
nos últimos anos. Foram assim esboçadas certas implicações para a soberania es-
tatal em face do advento gradual do Direito Internacional dos Direitos Humanos
no cenário internacional, indicando-se a proposta do constitucionalismo mundial
como forma de reelaborar e realocar a ideia de soberania estatal.
Nesse sentido, o problema em questão denota que, em um mundo em cons-
tante marcha globalizadora no qual se acentuam a interdependência e a fluidez,
é inviável defender uma soberania em estado pétreo. Nesse ponto é que a ideia
de um constitucionalismo mundial fundamentado nos Direitos Humanos como
pilares básicos para uma democracia cosmopolita ganha relevo.
Todos os caminhos traçados estão a indicar uma relativização da soberania
diante da globalização e das transformações ocorridas nos últimos tempos, bem
como revelam que o Estado precisa ser repensado em suas funções, tudo com o
intuito de não deixar em segundo plano as promessas da modernidade.
Ressalta-se que o tão mencionado constitucionalismo mundial não retira-
ria dos Estados as suas respectivas funções e competências, pois criaria regras
que efetivassem a própria preservação destas funções para a criação de políticas
públicas locais de desenvolvimento social. Do mesmo modo, uma efetivação dos
Direitos Humanos a nível mundial preservaria os Estados ao proibir ingerências
arbitrárias de uns na esfera de outros, ingerências, não raro, justificadas pelo
próprio princípio da soberania.
Parece que o caminho mais sensato é abandonar as idiossincrasias apega-
das a um ceticismo que prensa o Direito ao fato, sob pena de assumir uma cum-
plicidade mórbida com os atuais desmandos de muitos Entes Estatais e de muitas
empresas transnacionais no que concerne ao respeito aos Direitos Humanos.
Referências
BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo:
Unimarco Editora, 2001.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 22. ed. São
Paulo: Saraiva, 2001.
LUCAS, Doglas Cesar. Os Direitos Humanos como limite à soberania estatal: por
uma cultura político-jurídica global de responsabilidades comuns. In: BEDIN,
Gilmar Antonio (Org.). Estado de Direito, Jurisdição Universal e terrorismo:
levando o direito internacional a sério. Ijuí: Unijuí, 2009.
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria
geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.