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Talita Silva Bezerra Francisco

Stenio Nogueira Júnior

João José Saraiva da Fonseca

SOCIOLOGIA

2ª edição

Revisada e atualizada

EGUS

SOBRAL

2021
INTA - Instituto Superior de Teologia Aplicada

PRODIPE - Pró-Diretoria de Inovação Pedagógica

Diretor-Presidente Multimídia Impressa e Audiovisual

Oscar Rodrigues Júnior Cícero Romário Lima Rodrigues

Pró-Diretor de Inovação Pedagógica Francisco Sidney Souza de Almeida

João José Saraiva da Fonseca Juliardy Rodrigues de Sousa

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Fonseca Manutenção e Suporte do Ambiente
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Bezerra
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Licilange Gomes Alves

Sonia Maria Henrique Pereira da Fonseca

CIP - Catalogação na Publicação

Ficha Catalográfica Elaborada Pela Biblioteca Central

Prof. Dr. Manfredo Araújo de Oliveira do Instituto Superior De Teologia Aplicada-


Faculdades INTA

B574f Bezerra, Talita Silva.

Fundamentos básicos de sociologia./ Talita Silva Bezerra, Francisco


Stenio Nogueira Júnior, João José da Fonseca. – Sobral, CE,
2013.101f.

Inclui Bibliografia

ISBN 978-85-61760-68-7

1. Sociologia. 2. Correntes Sociológicas. 3. Sociologia - 4


Globalização. 4. PRODIPE. I. Título.

CDD 301
SUMÁRIO
1. SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA E SEUS OBJETIVOS......................................... 19
1.1 A ciência como forma específica do conhecimento.................................................. 22
1.1.1 A Revolução Industrial........................................................................................... 26
1.1.2 A Revolução Francesa........................................................................................... 27
1.2 O conceito de sociedade.......................................................................................... 28
1.2.1 Recursos básicos de uma sociedade................................................................... 29
1.2.2 O conceito de sociedade considerando diversos níveis........................................ 30
1.3 O conceito de cultura................................................................................................ 31
1.3.1 Características básicas da cultura......................................................................... 32
1.3.2 Elementos da cultura............................................................................................. 33
1.3.3 Etnocentrismo, relativismo cultural e choque cultural............................................ 35
1.4 Socialização.............................................................................................................. 37
1.4.1 As metas, padrões e principais tipos de socialização............................................ 38
1.4.2 Múltiplas e contraditórias influências de socialização............................................ 41

2. CORRENTES SOCIOLÓGICAS................................................................................ 44
2.1 A contribuição de Auguste Comte............................................................................ 46
2.2 Contribuições de Émile Durkheim............................................................................. 50
2.2.1 O objeto de estudos da Sociologia........................................................................ 54
2.2.2 Método de estudo: a coisificação do fato social.................................................... 56
2.3 Contribuições de Max Weber................................................................................... 58
2.3.1 Como o cientista deve tratar o objeto de estudo sociológico................................. 62
2.3.2 O tipo ideal: um instrumento de pesquisa do saber sociológico............................ 63
2.3.3 A Ética protestante e o espírito do capitalismo...................................................... 65
2.4 As contribuições de Karl Max.................................................................................. 66
2.4.1 Alguns conceitos básicos: exploração, expropriação, ideologia, alienação.......... 69
2.5 As contribuições de Louis Althusser......................................................................... 72
2.6 As contribuições de Pierre Bourdieu......................................................................... 73

3. SOCIOLOGIA: CONCEITOS E DISCIPLINAS AGREGADAS.................................. 76


3.1 Disciplinas agregadas............................................................................................... 78
3.2 Conceitos e estrutura social...................................................................................... 79
3.2.1 Status e papéis...................................................................................................... 79
3.2.2 Relações sociais e grupo social............................................................................. 80
3.2.3 Instituições sociais e organizações formais........................................................... 81

4. ABORDAGEM TEMÁTICA DA SOCIOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO......................... 84


4.1 Globalização............................................................................................................. 86
Leitura obrigatória........................................................................................................ 96
Saiba mais..................................................................................................................... 97
Revisando..................................................................................................................... 98
Autoavaliação............................................................................................................... 103
Bibliografia.................................................................................................................... 105
Referências da Web ..................................................................................................... 107
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Palavra do Professor-Autor

Caro estudante,

A vida do homem em sociedade tem sido questionada desde a Antiguidade.


As primeiras tentativas de explicar a ação humana foram interpretadas pelas
naturezas teológica ou mitológica.

A Sociologia surge no século XIX, no contexto da consolidação da


sociedade capitalista e enquanto resultado de um contexto histórico que abrange
um vasto conjunto de acontecimentos de natureza política, econômica, filosófica,
científica, religiosa e artística, ocorridos ao longo dos séculos. Ela, a Sociologia, é
o resultado do esforço de um diversificado grupo de pensadores que procuraram
compreender as novas realidades da vida social do ocidente, em curso na época.

No entanto, a Sociologia não considera o indivíduo objeto de observação.


Enquanto ciência do social, ela se interessa pelo sujeito na medida em que este
interage com os demais, constituindo-se, dessa forma, um fato social.

Os autores.

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Autores

Talita Silva Bezerra

Mestra em Sociologia pela João José Saraiva da Fonseca


Universidade Federal do Ceará-
UFC, bolsista CNPq. Tem
É Pós-Doutor em Educação pela Universidade de
experiência na área de Sociologia e
Aveiro em Portugal, Doutor em Educação pela
Antropologia, com ênfase em
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Sociologia da Juventude, Sociologia
(2008), Mestre em Ciências da Educação pela
Rural, Cidade e Práticas Culturais,
Universidade Católica Portuguesa - Lisboa (1999)
atuando principalmente nos
(validado no Brasil pela Universidade Federal do
seguintes temas: mobilidade e
Ceará), Especialista em Educação Multicultural
processos de subjetivação,
pela Universidade Católica Portuguesa - Lisboa
sociologia rural, grupos de idade e
(1994). Graduou-se em Ensino de Matemática e
formas de sociabilidade. Atualmente
Ciências pela Escola Superior de Educação de
é membro do Grupo de Pesquisa
Lisboa (validado no Brasil pela Universidade
sobre Cultura Juvenil (GEPECJU -
Estadual do Ceará). É pesquisador na área da
UVA/CE) vinculado ao Diretório dos
produção de conteúdo para educação a distância.
Grupos de Pesquisas do CNPq,
Atualmente desempenha a função de Pró-Diretor
professora da Universidade
de Inovação Pedagógica das Faculdades INTA -
Estadual Vale do Acaraú-UVA e da
Sobral CE.
Faculdade Luciano Feijão - FLF.

Francisco Stenio Nogueira


Júnior

Possui graduação em Ciências


Sociais (Licenciatura) pela
Universidade Estadual Vale do
Acaraú (2011). Participou do
Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID). Tem
experiência nas áreas de
Antropologia e Sociologia.

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Ambientação da disciplina

A Sociologia é uma ciência que estuda a sociedade, sua organização social


e os processos que ligam os indivíduos aos grupos. A sociedade atual exige que o
indivíduo tenha acesso às questões sociais para exercer, com consciência e
responsabilidade, a cidadania.

O homem, ao nascer, adquire a natureza social através da interação com


outros seres humanos e desenvolve sua personalidade e cultura, pois a família é
que inicia o processo de socialização e permite que seus membros adquiram
personalidade. Esse processo, posteriormente, irá ajudá-lo a conviver em grupo.

Prezado estudante, com a intenção de aprofundar seus conhecimentos


sobre a Sociologia, convidamos você à leitura da obra Sociologia: Consensos e
Conflitos, da autora Rita de Cássia da Silva Oliveira (Org).

Destinado aos acadêmicos das licenciaturas, o primeiro livro


recomendado discute conceitos da Sociologia e temas relevantes da
realidade social, entre os quais destacamos: a formação do ser social,
cultura e sociedade, a ideologia na concepção marxista, movimentos
sociais, Estado, política e o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e
seus efeitos sociais.

OLIVEIRA, Rita de Cássia da S. Sociologia: Consensos e Conflitos,


Ponta Grossa: UEPG, 2001.

Propomos também a leitura da obra de Carlos Benedito Martins,


intitulada O que é sociologia. Neste livro o autor afirma que o surgimento
da Sociologia ocorreu no contexto da decadência do sistema feudal e da
consolidação da sociedade capitalista. A história sociológica tem como
principais marcos inspiradores as transformações econômicas, políticas e
culturais motivadas pela Revolução Francesa e Revolução Industrial que
alteraram a organização da vida social da época.

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MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. 57 ed. São Paulo:
Brasilense, 2006.

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Trocando ideias com os autores

Caro estudante, considerando as obras abaixo, propomos uma reflexão sobre a


ciência enquanto forma de conhecimento diferenciado e sobre o surgimento da
Sociologia como uma ciência humana que rompe com as abordagens analíticas do
senso comum e emprega métodos específicos para entender a vida em sociedade.

Você conhecerá os aspectos fundamentais da constituição da


Sociologia a partir da obra Sociologia: introdução à ciência da
sociedade, da autora Maria Cristina Castilho Costa. A obra leva o leitor
a acompanhar o surgimento da ciência que tem por objeto de estudo a
sociedade, bem como tomar conhecimento da multifacetada
constituição teórica e metodológica da disciplina.

Ao “passear” pela história e pelas bases teóricas mais


fundamentais da Sociologia, a obra propicia ao leitor um entendimento
acerca do que é esta ciência e a que ela se propõe. É um caminho para a
compreensão das abordagens e tendências conceituais e metodológicas da
Sociologia.

COSTA, Maria C. C. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 2 ed. São Paulo:


Moderna, 1997.

Nesta obra, Roque de Barros, professor emérito da UNB e


antropólogo, vai nos conduzir, por meio de uma linguagem fluente e
clara, a um passeio pelos diversos significados acerca do termo
cultura, sua origem e suas interpretações. Esta leitura será um ótimo
recurso didático a partir do 6º capítulo, no qual veremos o tópico de
Sociedade e cultura.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 24 ed. [S.l.]: Jorge


Zahar Ed., 2009.

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Recomendamos ainda a leitura da obra “As regras do
método sociológico”, a qual aborda conceitos básicos estudados
na Sociologia como os métodos sociológicos e suas regras para o
estudo dos fatos sociais.

“Os fatos sociais devem ser tratados como coisas”.


Defendendo essa assertiva polêmica, Émile Durkheim orienta, de
forma decisiva, uma disciplina que estava se formando. Para este sociólogo francês,
existe uma ruptura entre a Psicologia e a Sociologia como existe entre a Biologia e
as ciências físico-químicas. O ser coletivo possui uma singularidade e a consciência
coletiva é diferente da consciência individual.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 2 ed. São Paulo: Martins


Fontes, 2003.

Leia também a obra “O Manifesto do Partido Comunista” que


analisa as relações entre trabalho e capital, a forma como a
sociedade se estruturou nesta fase e critica o modo de produção
capitalista buscando organizar a classe dos trabalhadores e
descrevendo os vários tipos de pensamento comunista.

Seus argumentos desmancham a ideologia capitalista,


demonstrando a ilusão à qual esta induz nações inteiras apenas para
assegurar e perpetuar a diferença de classes e a má distribuição das riquezas.

ENGELS, Friendrich; MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. 10 ed. São


Paulo: Global, 2006.

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Problematizando

A obra “O Peixinho arteiro”, de Oranice Franco, conta a história de um


peixinho que, não obedecendo à mãe e a professora, é pescado. Ele se salva
porque o pescador tropeça e deixa os peixes caírem do cesto para a água.

“- Eu ia convidar você para fugir! – o Lambari riu apesar de sentir muitas dores na
sua boquinha. Nunca mais! Chega a lição que aprendemos. Se prestássemos
atenção às aulas de Dona Piranha, saberíamos que nadar perto de cachoeira é
perigoso por causa da correnteza, das pedras...

- E saberíamos também – completou o Peixinho – o que é anzol e não teríamos sido


fisgados. Agora, vou para casa. Se você prometer ser bom peixinho, continuarei
sendo seu amigo. Do contrário, não.

- Pode ficar descansado. Nunca mais serei arteiro. Agora, vou também pedir perdão
aos meus pais e amanhã cedo, se você concordar, iremos falar com Dona Piranha,
contando tudo o que aconteceu.

- Boa ideia – fez o Peixinho todo animado. Então, até amanhã na escola.

- Até amanhã – disse o Lambari, nadando para sua casa.

E o peixinho arteiro nunca mais foi arteiro. Ao contrário, passou a ouvir e a seguir os
conselhos de seus pais e, juntamente com o Lambari, foi exemplar no colégio.”

ARANHA, M. A.; MARTINS, Maria. Filosofando, introdução à


filosofia. 2 ed. São Paulo: Moderna, 1993.

A historinha apresentada encontra-se associada ao estudo das correntes


sociológicas, com particular proximidade à de Émile Durkheim. Até que ponto a
aceitação das regras sociais pode ser considerada condição fundamental para uma
perfeita integração dentro da sociedade? Que consequências terá o desrespeito a
essas regras? Poderá ser possível a existência de um indivíduo livre fora das
organizações sociais? Haverá condições para alterar as regras sociais?

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SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA E

SEUS OBJETIVOS

Conhecimentos
Compreender o contexto histórico que ocasionou o surgimento da Sociologia;
Conhecer os objetivos da Sociologia.

Habilidades
Posicionar-se criticamente em relação ao conhecimento científico amparado na
Sociologia com o intuito de compreender a vida social;

Analisar os processos sociais e reconhecer a Sociologia enquanto espaço de


múltiplos olhares.

Atitudes

Desenvolver o conhecimento científico, no âmbito sociológico, para análise dos


processos sociais.

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Aprendendo a pensar... Sociologia

O estudo da Sociologia tem como objeto o comportamento humano em


sociedade. Esta, por sua vez, trata-se de um corpo orgânico cuja base reúne
indivíduos que vivem sob determinado sistema econômico de produção,
distribuição e consumo. Sociólogos pesquisam o comportamento do ser
humano e as estruturas da sociedade como classes sociais, grupos étnicos,
etc.

Todos sabem que vivemos em uma sociedade. Mas o que isso significa?
O que é viver em sociedade? Numa primeira instância, podemos dizer que viver
em sociedade é ter a consciência de que o indivíduo precisa da sociedade e a
sociedade precisa do indivíduo. Os seres humanos não conseguem viver
isoladamente, por isso necessitam desse convívio.

Viver em sociedade significa residir numa região sob as mesmas regras,


leis e cultura. A cultura é composta de símbolos, valores e costumes; é,
portanto, uma herança social que passa de geração a geração.

A Sociologia, enfim, estuda as ações sociais, as interações sociais e,


muitas vezes, as mudanças sociais, sendo estas últimas, consideradas um dos
pontos altos dessa ciência.

Por que vivemos numa sociedade repleta de desigualdades? O que a


globalização tem a ver com a sociedade? Como os indivíduos se relacionam
entre si? Quais os elementos básicos da vida social? Quais são os tipos de
sociedade e suas culturas? O que é etnocentrismo? Em que a Sociologia
contribui para o indivíduo? Esses questionamentos serão respondidos no
decorrer da disciplina e, aliados a outros, auxiliarão você, estudante, no
processo de aquisição de conhecimentos acerca do estudo da Sociologia.

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1. SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA E SEUS
OBJETIVOS

Etimologicamente, a Sociologia tem a sua origem na palavra latina


socius, que significa sócio, ou social, e na palavra grega logos, que significa
estudo. A Sociologia pode ser entendida como uma área de conhecimento que
se preocupa em aplicar do ponto de vista científico à observação e à explicação
dos fatos sociais.

O estudo sociológico analisa e problematiza as atividades cotidianas. A


simples tarefa de ir ao supermercado pode transformar-se numa experiência de
interesse do ponto de vista sociológico. Mas como um sociólogo poderá fazer
análise de uma ida ao supermercado?

Apresentamos abaixo alguns pormenores que podem ser


problematizados, como por exemplo: 1º) A enorme variedade de produtos dos
mais diversos locais e de diferentes países, o que evidencia o processo de
globalização em curso; 2º) Os cereais à venda incluem soja transgênica; isso
levanta a discussão sobre os organismos geneticamente modificados; 3º) No
ramo dos cosméticos são apresentados frequentes lançamentos de novos
produtos, o que leva à discussão sobre novos hábitos de consumo
diferenciados; 4º) A promoção no preço da carne bovina relembra as disputas
internacionais sobre embargos econômicos; 5º) A apresentação de produtos
livres de agrotóxicos levanta a discussão sobre a alimentação saudável,
implicando em diferentes estilos de vida; 6º) O funcionário que trabalha no
supermercado tem nível superior completo, mas trabalha ali por não ter outra
possibilidade de emprego e isso induz ao pensamento sobre as relações de
trabalho hoje em dia.

Nesse sentido, a Sociologia permite-nos entender que muitas das ações


aparentemente individuais, na verdade, refletem questões mais amplas. Ela
pode ser considerada um projeto intelectual marcado por conflito de ideias,
discussões, tensão e contradições, podendo servir como arma que atende aos

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interesses dominantes e como expressão teórica dos movimentos
revolucionários. Desta forma, a Sociologia é, como qualquer ciência,
predominantemente indutiva, isto é, parte da observação sistemática de
situações particulares para chegar à formulação de generalizações teóricas a
propósito da vida social. A observação sistemática dos fatos é, em último caso,
a confirmação ou negação da qualidade científica de qualquer tentativa de
explicação da realidade. Portanto, a Sociologia transforma-se, dessa maneira,
num meio para a compreensão da realidade social e torna inteligíveis os
fenômenos sociais, apreendidos a partir de diferentes pontos de vista.

Ora, se pautando nessa compreensão podemos dizer então que a


Sociologia estuda os fenômenos de natureza social. Contudo, nem todo
acontecimento que ocorre no interior de uma sociedade envolve uma natureza
social. Por exemplo, os fatos relacionados ao indivíduo, isolado, acontecem
dentro de uma sociedade, entretanto, não são fatos de interesse da Sociologia,
pois esta não considera o indivíduo como objeto de estudo. O indivíduo
somente faz parte de um estudo sociológico quando sua ação individual
interfere em qualquer grupo social.

A Sociologia surge da exigência de uma nova forma de conhecimento e


de pensar a natureza e a sociedade, que se fez sentir a partir do século XV,
quando ocorreram na Europa transformações sociais significativas, como o fim
do Feudalismo e o início do Capitalismo. Até o século XV o povo europeu tinha
uma concepção reduzida de mundo e seu conhecimento territorial restringia-se
ao espaço local. Com as grandes navegações ocorridas a partir do século XV, o
povo europeu percebeu um mundo mais amplo com novas nações e novas
culturas. Isso exigiu a reformulação do modo de ver e pensar a natureza e a
sociedade.

Acrescentamos a isso, outros desenvolvimentos políticos, econômicos e


sociais que aconteceram nos séculos seguintes, tais como: a Revolução
Francesa e a Revolução Industrial que ocasionaram o desmoronar das
estruturas sociais. Isso foi evidente de tal maneira que essas alterações
passaram a ser motivo de preocupação coletiva, sobretudo no que diz respeito
às mudanças na sociedade e às possíveis soluções para as desigualdades que
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se apresentavam nesta. Outro ponto importante foi os avanços científicos e
tecnológicos atrelados ao desenvolvimento de uma nova economia industrial na
sequência da mudança ocorrida na sociedade, com reflexos sentidos quando:
diminuiu-se a terra cultivada; abandonou-se a forma de produção artesanal e
passou-se à produção em grandes fábricas; as pessoas deixaram de laborar
em suas casas para trabalhar sob as ordens de um supervisor; criou-se uma
dissociação, de um lado os trabalhadores, de outro, os consumidores.

Com essas transformações em rumo se deu o crescimento das cidades


ocasionado pela chegada dos camponeses que abandonaram o campo e se
mudaram para a cidade em busca de trabalho, com consequências evidentes,
por exemplo, no aglomerado da população, na pobreza, no desemprego e na
criminalidade. Mediante tal problemática, as ciências existentes na época
mostraram-se insuficientes para explicar os novos fenômenos sociais. É neste
contexto que surge a necessidade de uma ciência que tente explicar essa nova
realidade.

Assim sendo, a Sociologia aparece no século XIX perante a necessidade


de compreender os novos problemas sociais que surgiram na sequência do
conjunto de causas sociais de caráter complexo. Surge com o objetivo de
estudar sistematicamente o comportamento social dos grupos e as interações
humanas, assim como os fatos sociais que provocam sua inter-relação. Em sua
sistemática, esta ciência procura explicar como as atitudes e os
comportamentos das pessoas são influenciados, em geral, pela sociedade e,
especificamente, pelos diferentes grupos humanos. Ela também tenta explicar
qual a dinâmica social que mantém as sociedades estáveis ou provoca a
mudança social.

Segundo Lemos Filho (2004), o trabalho da Sociologia tem como suas


três grandes preocupações: a separação do social dos demais elementos
inerentes à vida humana; a constatação dos efeitos do social e o modo como
estes são produzidos; a restituição do social ao conjunto da vida humana de
maneira a possibilitar o entendimento das suas relações com esta.

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1.1 A ciência como forma específica de conhecimento

Em nossa sociedade, ainda nos primeiros anos do processo educativo, é


comum termos acesso à informação de que a principal diferença entre o ser
humano e os outros animais é a racionalidade, da qual é dotado o primeiro. Foi
através da capacidade de pensar o mundo, de atribuir significado à realidade,
que o homem formulou o conhecimento em suas diversas formas. Logo, com a
sua capacidade de raciocínio, o homem busca entender a si mesmo, a
sociedade e a natureza, desde o começo da humanidade. Todavia, este
entendimento do mundo nem sempre foi científico.

As primeiras tentativas de compreender os fenômenos naturais e sociais


foram baseadas na fantasia, imaginação e especulação. Deuses e heróis eram
acionados para explicar e justificar toda ordem de fenômenos – sejam naturais
ou sociais. Como exemplo maior dessa tentativa de explicar o mundo, temos a
mitologia grega com seus deuses. Assim, foram os gregos os pioneiros que
deram formas àquilo que passou a ser chamado de ciência. Foi na Grécia que
surgiram os primeiros homens com a curiosidade de descobrir os segredos do
universo. Nas obras de filósofos como Platão e Aristóteles podemos encontrar
as primeiras sistematizações de ideias sobre a vida do homem em sociedade.

Contudo, é importante ressaltar que na Idade Média (entre os séculos V


e XV) a Igreja Católica passou a exercer uma influência grandiosa sobre a
sociedade, pois não era dada ao homem a permissão de apresentar qualquer
explicação sobre o mundo, a não ser na perspectiva religiosa. Com isso, todos
os questionamentos deveriam ser respondidos através da imagem de um
“Deus” todo poderoso que tudo criava, modificava e explicava. Apenas as
instituições religiosas – como os mosteiros – podiam dispor do acesso às obras
sobre o conhecimento da Filosofia, Astronomia, Geometria e Literatura. Entre
estas existia uma lista proibida chamada Index Librorum Prohibitorum – Índice
dos Livros Proibidos.

Segundo a Igreja Católica, estas obras contradiziam seus dogmas, bem


como as literaturas e conhecimentos científicos que pudessem ser
considerados heresia, má postura política, moralidade desviada, sexualidade
22
explícita, entre outros. Dessa forma, o conhecimento ficou por muito tempo
“retido” nos porões dos mosteiros e muitos corpos arderam em fogueiras por se
contrapor às explicações religiosas, ou infringirem as normas morais impostas.

Após a Idade Média, surgiu o Renascimento, período em que os


fenômenos sociais passaram a ser analisados de forma mais realista,
sistemática e estrutural. Havia uma sistematização de valores burgueses que
almejavam a constituição de uma sociedade laica e racionalista. No entanto,
vivia-se uma fase de desejo por mudanças econômicas, políticas, culturais e de
grande desenvolvimento científico. Foi no fervilhar desse despontar de ideias
que surgiu uma ciência nova no século XIX: a Sociologia.

Contudo, aqui fazemos recorrência à ciência experimental com origem


advinda do Renascimento e que vem se formando até os dias atuais. Apesar
dos riscos das tentativas de definição, devemos entender que, neste caso,
ciência consiste em um método de abordagem do mundo empírico, mundo que
pode ser visualizado a partir da experiência humana.

O conhecimento científico somente pode ser compreendido se


entendermos o que é senso comum. Este último consiste no conhecimento
adquirido no cotidiano sobre as coisas e causas; ou seja, é toda forma de
conhecimento não caracterizado pela investigação. Trata-se de um saber que
não se utiliza de métodos e é formulado por sentimentos, opiniões, traduzindo
os valores de quem o produz. Logo, o senso comum é um saber não
sistematizado que guia o homem em suas atividades diárias.

A partir do que foi citado acima, podemos dizer que do cotidiano surge o
conhecimento científico, portanto, o senso comum não deve ser rejeitado em
detrimento da ciência. Por isso, reforçamos a ideia de que é necessário ir além
do conhecimento comum sobre as questões referentes ao homem e à
sociedade obtendo assim um saber elaborado, investigativo e controlado por
métodos e técnicas de pesquisa, mas sem descartar toda experiência
constituída do senso comum. Nesse sentido, iremos esclarecer conceituações
básicas sobre esse tipo especial de conhecimento que é o científico.

23
Uma das principais características do conhecimento científico é a
utilização sistemática de métodos para analisar os fatos. O uso da palavra
método vai ser frequente e desde já veremos o que isso significa: método é o
caminho seguido para alcançar um objetivo. O ato do cientista observar e
realizar a coleta de dados com base nas suas hipóteses e teorias é
denominado método indutivo. Movimentos de indução envolvem o movimento
do particular para o geral. Na abordagem dedutiva, o pesquisador tenta
procurar afirmações e reivindicações específicas de um princípio teórico geral.

Método indutivo, ou indução, é o raciocínio que, após considerar um


número suficiente de casos particulares, conclui uma verdade geral. É
importante que a enumeração de dados (que correspondem às experiências
feitas) seja suficiente para permitir a passagem do particular para o geral. A
indução pressupõe a probabilidade, ou seja, já que tantos se comportam de tal
forma, é muito provável que todos se comportem assim.

O resultado dessa situação é que há maior possibilidade de erro nos


raciocínios indutivos, uma vez que basta encontrarmos uma exceção para
invalidar a regra geral. Por outro lado, é essa procura do provável que torna
possível a descoberta e a proposta de novos modos de compreender o mundo.
Essa é uma das justificativas para que a indução seja o tipo de raciocínio mais
usado em ciências experimentais.

É importante saber que existem dois tipos principais de pesquisa em


Sociologia: o estudo transversal, que visa descobrir as opiniões que os
participantes da pesquisa têm sobre algum fenômeno em determinado
momento; e o estudo longitudinal que é realizado no mesmo tipo de pessoas
durante um longo período de tempo, às vezes de 20 a 30 anos. Este fornece-
nos uma imagem das mudanças ao longo do tempo.

Geralmente são usados alguns passos para realizar uma pesquisa


sociológica. Tais passos não são, no entanto, apenas da Sociologia. Também
devemos ressaltar que esses passos não são fixos. Alguns podem não ser
seguidos em determinados projetos de pesquisa e outros podem não ser
seguidos, necessariamente, em ordem sequencial, pois para cada ramificação

24
do conhecimento, são aplicados métodos diferenciados, haja vista, cada ciência
possuir um objeto de estudo. Em outras palavras, o objeto da ciência é
constituído pela realidade que ela se propõe a estudar, por exemplo: a Biologia
estuda o conjunto de seres vivos e a Sociologia estuda o homem enquanto ser
social.

Portanto, podemos entender que se o objeto da Sociologia é o homem


em sua vida social, o caminho que trilharemos para avaliar este fator será
diferente do caminho dos cientistas que se interessam pelos fenômenos
naturais, mas isso irá ser aprofundado mais adiante. O que é necessário saber
neste momento é que estamos adentrando numa forma de conhecimento
científico, cujo objeto é o homem em sociedade. E para entender esse
conhecimento, é necessário compreendermos em que contexto ele surgiu.

De início e de forma resumida, podemos dizer que a Sociologia é uma


ciência relativamente nova, nasceu na Europa, no século XIX, com a chegada
da modernidade. Surgiu após a constituição das ciências naturais e de diversas
outras ciências sociais. Todavia, não devemos desconsiderar que a curiosidade
em entender a sociedade data de centenas de anos antes de Cristo com as
expressões da filosofia sofista que, por exemplo, tinha nos escritos de Platão e
Aristóteles algumas ideias sobre a concepção do homem vivendo em
sociedade. Contudo, o estudo científico da sociedade foi instituído no meio
acadêmico através da Sociologia que se constituiu reclamando para si objeto e
método específico a fim de diferenciar seus estudos dos que competem às
ciências da natureza.

Revisitando a história, podemos lembrar que o século XIX foi palco de


grandes transformações que vinham acontecendo gradualmente desde séculos
anteriores. Para pensar a formação de uma ciência social encarregada de
analisar a sociedade, dois processos revolucionária são frequentemente
associados à necessidade de fundar a Sociologia: a Revolução Industrial e a
Revolução Francesa.

25
1.1.1 A Revolução Industrial

Durante o século XIX houve a passagem da atividade artesanal,


passando pela atividade manufatureira até chegar ao mecanismo industrial. A
partir de 1750, a máquina a vapor e demais máquinas fabris esfumaçavam o
céu da Inglaterra e, consequentemente, os sistemas de produção passavam
por um processo de mecanização.

O sistema de transportes avançou, facilitando a travessia de pessoas e


mercadorias. Com isso tanto a mecanização da produção como a possibilidade
de transportar mercadoria num tempo mais curto e com menores custos
trouxeram modificações não apenas no campo econômico, mas também
sociocultural.

Desse modo, a sociedade assistia ao triunfo do capitalismo industrial e


as cidades europeias, aos poucos, transformavam-se em centros urbanos e
comerciais que abrigavam grande parcela da população. O empresário passou
a concentrar terras, máquinas e ferramentas e transformou seres humanos em
meros trabalhadores necessitados de bens materiais e saberes tradicionais.

Entretanto, foram estabelecidas relações desiguais de trabalho: homens,


mulheres e crianças saiam do campo em busca de oportunidades na cidade e
eram explorados em jornadas de trabalho que, pensadas atualmente,
poderíamos classificar como “desumanas”. Ou seja, trabalhava-se entre doze e
dezesseis horas e com a descoberta da iluminação a gás, a jornada de trabalho
chegou a ser ampliada para dezoito horas, com salários baixos que variavam
de acordo com sexo e idade, sendo as mulheres e as crianças a parcela de
trabalhadores mais explorada. Desta forma, aos poucos, as formas de interação
humana foram alteradas, propiciando o aparecimento de duas classes distintas
– a burguesia e o proletariado.

Toda essa modificação no modo de vida dos homens fez com que
emergissem fenômenos sociais inéditos, tais como: crescimento demográfico
desordenado por conta do deslocamento em massa da população do campo
26
para as cidades; falta de estrutura em termos de moradia, saúde e saneamento
básico; aumento da prostituição e criminalidade; aumento do alcoolismo e
suicídio. Desta forma, as cidades passavam a serem “epicentros de
desordenamento” cada vez mais inchados e uma ordem de costumes era
completamente modificada; como exemplo, citamos a família, tanto no que
concerne ao status dos membros em relação ao sexo – lembremos que neste
período predominava um modelo de família patriarcal – quanto às relações
pessoais entre os membros familiares. Portanto, o esforço para entender tal
realidade impulsionou os questionamentos que mais tarde iriam consolidar-se
na Sociologia.

1.1.2 A Revolução Francesa

O mesmo século que assistiu a Revolução Industrial lançada na


Inglaterra e com alcance mundial, assistiu também a uma série de fatos
políticos que agitaram a França. O regime absolutista estava estabilizado, tendo
como particularidade principal a forma concentrada de poder nas mãos do rei
que era o soberano, o representante maior do homem. Com isso, a população
do país sofria com os abusos de poder exercidos pela autoridade monárquica
(o rei). As críticas ao regime absolutista e à desigualdade promovida por este
foram intensificadas no fim da década de 80 do século XVIII.

Após uma série de atos contra o autoritarismo monárquico, a população


composta por membros do terceiro estado (formado pelo campesinato e pela
burguesia comercial – classe menos favorecida naquele período histórico)
avança em direção à prisão política da época – Bastilha – destruindo-a. Isso
ocorreu em julho de 1789, data que marca historicamente a Revolução
Francesa.

Com o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, os revolucionários


tinham como objetivo promover transformações culturais, econômicas e
políticas através da mudança na estrutura do Estado. Pretendiam derrubar o
27
regime monárquico e instaurar a democracia; assim o fizeram. Em agosto de
1789, através da Assembleia Constituinte, o terceiro estado cancelou os
absurdos direitos feudais e foi proclamada a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão.

Durante a Revolução Francesa, principalmente, intensificou-se um


movimento, chamado Iluminismo, iniciado no século XVI. Consistia numa nova
forma de pensar e entender filosoficamente o mundo. As formas de conceber a
natureza e a cultura (através do uso sistemático da razão) passaram do
sobrenatural ao racional, ou seja, o pensamento começava a libertar-se do
controle teológico e o Teocentrismo deu lugar ao Antropocentrismo. Assim
sendo, através dessa atitude de dessacralização da natureza, o homem passou
a trabalhar a racionalidade como objeto científico de pesquisa acreditando que
pelo uso da razão a humanidade chegaria a um alto patamar de progresso.

Essas revoluções, somadas a outras de menor visibilidade, marcam a


transição da Idade Média para a Idade Moderna. A partir delas, os pilares que
sustentam a modernidade foram construídos e assim o conjunto de
transformações emergentes precisava ser explicado e entendido pela razão
humana. O mundo parecia estar em crise e algo precisava ser feito, é nesse
contexto que surge a ideia de uma ciência para pensar os fenômenos sociais.

1.2 O CONCEITO DE SOCIEDADE

O termo significa associação, união, gregário, ou, simplesmente, vida em


grupo. O conceito de sociedade refere-se a um agrupamento autônomo de
pessoas que habitam um território comum, têm uma cultura comum (conjunto
compartilhado de valores, crenças, costumes e assim por diante) e estão
ligadas umas às outras através das interações sociais rotineiras, status e
funções interdependentes.

28
1.2.1 Recursos básicos de uma sociedade

Uma sociedade, em geral, é um agrupamento, relativamente grande, de


pessoas em termos de tamanho. Ela pode ser considerada o maior e o mais
complexo grupo social estudado pelos sociólogos. Também é definida como um
espaço limitado ou território. As populações que compõem uma sociedade são,
portanto, localizáveis em uma área geográfica.

Outro recurso básico de uma sociedade corresponde às pessoas. Estas


apresentam um sentimento de identidade e pertencimento. Essa identidade
emana do padrão das interações sociais que existem entre as pessoas e os
diversos grupos que compõem a sociedade. Assim sendo, os membros de uma
sociedade são considerados portadores de origem e experiências históricas
comuns. Podem também falar uma língua-mãe ou ter uma língua dominante
que serve, possivelmente, como uma herança nacional. No entanto, a coisa
mais importante sobre a sociedade é que seus membros compartilham,
simultaneamente, uma cultura comum e distinta. Isso é que diferencia os
grupos populacionais.

A sociedade é autônoma e independente no sentido de que ela tem


todas as instituições sociais e arranjos organizacionais necessários para
sustentar o sistema. No entanto, uma sociedade não é uma ilha no sentido de
que sociedades são interdependentes, as pessoas interagem socialmente,
economicamente e politicamente. Portanto, é importante notarmos que as
características de uma sociedade não são exaustivas e não podem ser
aplicadas a todas as demais. Por exemplo, o nível de desenvolvimento
econômico e tecnológico de uma sociedade e seu tipo de economia ou sistema
de subsistência podem criar algumas variações entre as sociedades no tocante
às características básicas referidas.

29
1.2.2 O conceito de sociedade considerando diversos
níveis

De modo geral, e considerando um nível abstrato, todos os povos da


Terra podem ser tidos como sociedade. Eles partilham uma origem comum,
habitam um mundo comum, têm uma unidade biopsicológica comum, exibem
interesses, desejos e medos comuns e estão caminhando para um destino
comum.

Em outro nível, cada continente pode ser visto como uma sociedade.
Assim, podemos falar da sociedade europeia, da sociedade africana, da
sociedade asiática, da sociedade norte-americana e latina. Cada um desses
continentes compartilha seu próprio território, experiências históricas, cultura e
assim por diante. Ou seja, cada estado-nação, ou país, é considerado uma
sociedade, podendo haver grupos etnolinguisticamente distintos de pessoas
que tenham um território e o consideram como seu. Você sabe como as
sociedades são classificadas? Vejamos.

Os sociólogos classificam as sociedades em várias categorias


dependendo de certos critérios. Um critério é o nível de desenvolvimento
econômico e tecnológico alcançado pelos países. Assim, os países são
classificados em: Primeiro Mundo, Segundo Mundo e Terceiro Mundo. Países
do Primeiro Mundo são aqueles industrialmente avançados e economicamente
ricos como os EUA, Japão, Grã-Bretanha, França, Itália, Alemanha, Canadá e
assim por diante. Por outro lado, os países do Segundo Mundo são também
industrialmente avançados, mas não tanto como a primeira categoria. São
países detentores de economias emergentes. Atualmente são denominados de
países em desenvolvimento como China, Rússia, Brasil, Argentina, México e
Índia. Já as sociedades do Terceiro Mundo correspondem aos países que
possuem economia subdesenvolvida, ou em desenvolvimento. Alguns autores
como Küng & Schmidt (2001) e Castells (1999) acrescentam uma quarta

30
categoria, ou seja, Quarto Mundo. Estes países são considerados os mais
pobres.

Quanto ao tipo de sociedade, podemos citar a mais antiga que é a caça,


a sociedade pastoral e hortícola e sociedades agrícolas. Para melhor
compreendermos: a sociedade da caça depende da caçada para sua
sobrevivência, já as sociedades pastorais são aquelas cuja subsistência baseia-
se em pastoreio de animais, tais como gado bovino, camelos, ovinos e
caprinos. Sociedades hortícolas são aquelas cuja economia baseia-se no
cultivo de plantas com o uso de ferramentas simples, como a escavação com
paus, enxadas e machados. A sociedade agrícola é dominante na maior parte
do mundo; baseia-se na agricultura de grande escala que depende de arados
usando o trabalho animal.

A Revolução Industrial que começou na Grã-Bretanha durante o século


XVIII deu origem ao aparecimento de um quarto tipo de sociedade chamada
Sociedade Industrial. É aquela em que os bens eram produzidos por máquinas
movidas a combustível ao invés de animais e energia humana. Por fim, há outro
tipo de sociedade denominada pós-industrial. Esta é baseada na informação,
serviços e alta tecnologia, ao invés de matérias-primas e fabricação.

1.3 CONCEITOS DE CULTURA

É importante notar que as pessoas comuns fazem, muitas vezes, mau


uso do conceito de cultura, isto é, muitas pessoas no mundo ocidental usam o
termo cultura quando se referem às pessoas que são mais “cultas” do que
outras. Isso basicamente emana da ideia associada à raiz da palavra cultura:
Kultura, em alemão refere-se à “cultura”. Assim, quando se diz que alguém é
“culto” significa dizer que é civilizado. Para sociólogos e antropólogos, a
cultura inclui muito mais do que requinte, bom gosto, sofisticação, educação e
valorização das artes plásticas.

31
O que se percebe é que muitas pessoas passaram a pensar a cultura em
termos de costumes, música, dança, roupas, joias e penteados. Existem,
também, pessoas que pensam na cultura associada às coisas materiais do
passado. De acordo com este ponto de vista, o cultural não pode incluir coisas
(materiais ou não) que sejam dernas, comuns do dia a dia. Aqui, o comum é
considerado não cultural ou “menos cultural”.

O conceito de cultura é um dos mais utilizados na Sociologia. Refere-se


a todos os modos de vida dos membros de uma sociedade. Ele inclui o vestir,
seus costumes, vida familiar, arte e padrões de trabalho, cerimônias religiosas,
atividades de lazer e assim por diante. Este conceito também inclui os bens
materiais que produzem: arcos e flechas, arados, fábricas e máquinas,
computadores, livros, edifícios, aviões etc. assim sendo, o conceito de cultura
foi definido centenas de vezes por sociólogos e antropólogos, enfatizando
diferentes dimensões. No entanto, na maioria das vezes os estudiosos focaram
a dimensão simbólica da cultura. Ela está sempre se desenvolvendo, pois é
influenciada pela maneira de pensar o desenvolvimento do ser humano no
decorrer dos anos.

1.3.1 Características básicas da cultura

As características da cultura são denominadas em várias culturas. Como


por exemplo, podemos falar de Cultura orgânica e supraorgânica. É orgânica
quando consideramos o fato de que não existe uma cultura sem uma sociedade
humana. É supraorgânica porque vai muito além de qualquer vida individual (os
indivíduos vêm e vão); a cultura permanece e persiste.

Podemos falar, também, de cultura aberta e encoberta: é geralmente


dividida em material e não material. A cultura material consiste de quaisquer
objetos tangíveis feitos pelos humanos tais como ferramentas, automóveis,
edifícios etc. A não material corresponde a todos os aspectos não físicos como
a linguagem, crenças, ideias, conhecimentos, atitudes, valores etc. Acrescenta-
32
se a concepção de cultura explícita e implícita. É explícita quando considera as
ações que podem ser explicadas e descritas facilmente por aqueles que as
executam. É implícita quando consideramos as coisas que fazemos sem
sermos capazes de explicá-las, porém acreditamos que elas sejam assim.

Existe, também, a definição de cultura ideal e manifesta (real): cultura


ideal envolve a maneira como as pessoas devem comportar-se ou o que elas
devem fazer. A cultura manifesta envolve o que as pessoas realmente fazem.
Outra compreensão importante é a de cultura estável: é estável quando
consideramos o que as pessoas têm de valor e estão entregando para a
próxima geração a fim de manter suas normas e valores. No entanto, quando
uma cultura entra em contato com outras, ela pode mudar, não somente
através de contato direto ou indireto, mas também através da inovação e
adaptação às novas circunstâncias.

Por fim podemos falar de cultura compartilhada e aprendida: é


propriedade de um grupo social de pessoas (compartilhado). Os indivíduos
obtêm conhecimento cultural do grupo através da socialização. No entanto,
devemos notar que as coisas compartilhadas entre as pessoas podem não ser
culturais, uma vez que existem muitos atributos biológicos que as pessoas
compartilham entre si.

1.3.2 Elementos da cultura

A cultura inclui dentro de si elementos que compõem a essência de uma


sociedade ou um grupo social. Os mais importantes incluem: símbolos, valores,
normas e linguagem. É importante uma compreensão, mesmo que introdutória,
desses elementos para que possamos dialogar com a multiplicidade cultural
adentrando em sua natureza essencial sempre buscando compreender o
sujeito e suas ações perante o mundo. Portanto, ao tentarmos compreender a
cultura é inevitável uma reflexão sobre esses elementos, por assim ser,
vejamos de forma sintética pontos essenciais de cada elemento.
33
Os símbolos são os componentes centrais da cultura; referem-se a
qualquer coisa para as quais as pessoas atribuem significado e usam para
comunicar-se com os outros. Mais especificamente, os símbolos são palavras,
objetos, gestos, sons ou imagens que representam algo maior do que eles.
Acrescenta aos símbolos a linguagem que é definida como um sistema de
símbolos verbais e, em muitos casos, escritos que podem ser organizados
juntos para transmitir significados complexos; é a capacidade distintiva dos
seres humanos e um elemento-chave da cultura. A cultura engloba linguagem e
através da linguagem ela é comunicada e transmitida. Sem linguagem seria
impossível desenvolver, elaborar e transmitir cultura para as gerações futuras.

Os valores são elementos essenciais da cultura não material. Eles


podem ser definidos como diretrizes abstratas para nossas vidas, decisões,
objetivos, escolhas e ações. Além disso, compartilham as ideias de um grupo
ou de uma sociedade sobre o que é certo ou errado, correto ou incorreto,
desejável ou indesejável, aceitável ou inaceitável, ético ou antiético etc.

Os valores são, em geral, roteiros para nossas vidas, são compartilhados


e aprendidos em grupo. Eles podem ser: positivos ou negativos; dinâmicos, ou
seja, eles mudam ao longo do tempo; estáticos, o que significa que tendem a
persistir sem qualquer modificação significativa; diversificados, o que significa
que variam de lugar para lugar e de cultura para cultura. Contudo, alguns
valores são universais porque há unidade biopsicológica entre as pessoas em
todos os lugares e em todos os tempos.

As normas são elementos essenciais da cultura, ou seja, consistem em


princípios implícitos para a vida social, relacionamento e interação. Elas são
regras detalhadas e específicas para situações determinadas. Além disso, nos
dizem como fazer algo, o que fazer, o que não fazer, quando fazer, por que
fazer etc. Por serem derivadas dos valores, significa que, para cada norma
específica, existe um valor geral que determina seu conteúdo.

As normas fortes são consideradas as leis formais de uma sociedade ou


grupo. Leis formais são escritas e codificam as normas sociais, ou seja, as
pessoas não podem agir de acordo com os valores definidos e as normas do

34
grupo. As normas sociais podem ser divididas em: costumes e
comportamentos. Costumes são regras importantes, que em geral ocorrem
automaticamente sem qualquer base de suporte nacional e inspiram-se nos
costumes passados de geração em geração. Eles não são impostos por lei,
mas por controle social informal e sua violação não é gravemente sancionada.
Já o comportamento é regido por convenções, isto é, regras estabelecidas e
geralmente aceitas pela sociedade. Alguns comportamentos excepcionais são
considerados excêntricos.

Essas, de forma resumida, são definições que nos apresentam os


elementos da cultura nos fazendo compreender que cada cultura traz em si
uma riqueza de definições conceituais que atribuem valor e características
próprias a cada grupo social. É por isso que se pode falar de variabilidade
cultural, isto é, à diversidade de culturas nas sociedades e lugares.

Como existem diferentes sociedades, existem diferentes culturas. A


diversidade de cultura humana é notável. Valores e normas de comportamento
variam muito de cultura para cultura, muitas vezes contrastando de forma
radical. Por exemplo, os judeus não comem carne de porco, enquanto os
hindus sim, mas evitam carne de gado. Se considerarmos sociedades como a
Etiópia e a Índia, notamos que há entre elas grandes diversidades culturais. Por
outro lado, dentro de ambas as sociedades, há também uma notável
variabilidade cultural. Nós usamos o conceito de subcultura para chamar a
variabilidade da cultura dentro de determinada sociedade. Subcultura é uma
cultura distinta partilhada por um grupo dentro de uma sociedade.

1.3.3 Etnocentrismo, relativismo cultural e choque


cultural

Nós, muitas vezes, tendemos a julgar outras culturas comparando-as


com a nossa, entretanto não é logicamente apropriado subestimar, ou julgar,

35
outras culturas baseando-se em um padrão. O Etnocentrismo, em geral, é a
atitude de tornar a sua própria cultura e modos de vida como os melhores, o
seja, é a tendência em aplicar os próprios valores culturais a fim de julgar o
comportamento e as crenças de pessoas de outras culturas. As pessoas
consideram um comportamento diferente como estranho ou selvagem.

No Relativismo Cultural cada sociedade tem sua própria cultura, que é


mais ou menos única. Cada cultura possui seu padrão único de comportamento
que pode parecer estranho para as pessoas de outras origens culturais.
Todavia, nós não podemos compreender suas práticas e crenças
separadamente da cultura mais ampla da qual faz parte. A cultura tem que ser
estudada em termos de seus próprios significados e valores.

O relativismo cultural descreve uma situação em que existe uma atitude


de respeito às diferenças culturais em vez de condenar a cultura de outras
pessoas como não civilizada ou atrasada. Assim sendo, o respeito pelas
diferenças culturais envolve: 1) valorizar a diversidade cultural; 2) aceitar e
respeitar outras culturas, tentar entender cada cultura e seus elementos em
termos do seu próprio contexto e lógica; 3) aceitar que cada costume tem uma
dignidade e significado inerente às formas de vida de um grupo que trabalha
num determinado meio ambiente para satisfazer as necessidades biológicas
dos seus membros e as relações grupais; 4) saber que a cultura própria de uma
pessoa é apenas uma entre muitas; 5) reconhecer o que é imoral, ético e
aceitável numa cultura.

Além disso, o relativismo cultural pode ser considerado o oposto do


etnocentrismo. Contudo, há algum problema com o argumento de que o
comportamento de determinada cultura não deve ser julgado pelos padrões do
outro. Isso ocorre porque considerando uma situação extrema, é possível
afirmar, por exemplo, que não existe um limite superior no que se refere à
moralidade em termos internacional ou universal. Portanto, o choque cultural é
o psicológico e social desajuste no nível micro ou macro que é experimentado
pela primeira vez quando as pessoas encontram novos elementos culturais,
como coisas novas, ideias, conceitos, crenças e práticas aparentemente
estranhas.
36
Nenhuma pessoa está protegida de um choque cultural. No entanto,
indivíduos variam em sua capacidade de adaptar-se e superar a influência do
choque cultural. Pessoas altamente etnocêntricas estão mais suscetíveis. Por
outro lado, os relativistas culturais podem achar que é fácil adaptar-se a novas
situações e superar o choque cultural.

1.4 SOCIALIZAÇÃO

A socialização é um processo através do qual as pessoas aprendem e


são treinadas nas normas básicas, valores, crenças, habilidades, atitudes,
modos de fazer e agir de acordo com um grupo social ou sociedade específica.
O indivíduo passa por várias fases de socialização, desde o nascimento até a
morte. Assim, precisamos de socialização enquanto crianças, adolescentes,
adultos e idosos, haja vista que, do ponto de vista das pessoas individuais,
especialmente um bebê recém-nascido, a socialização é um processo pelo qual
um ser biológico ou organismo é transformado em um bem-estar social.

Em termos de grupo, sociedade ou qualquer organização profissional, a


socialização é um processo pelo qual as organizações, grupos sociais, a
estrutura da sociedade e o bem-estar são mantidos e sustentados. É o
processo em que a cultura, as habilidades, as normas, as tradições, os
costumes etc., são transmitidos de geração em geração – ou de uma sociedade
para outra. Assim sendo, socialização pode ser formal ou informal: torna-se
formal quando é conduzida por grupos e instituições sociais formalmente
organizados, como escolas, centros religiosos, universidades, meios de
comunicação, locais de trabalho etc. É informal quando é realizada através de
interações interpessoais ou interações informais em pequenos grupos sociais.

A socialização mais importante para nós é a que temos através de


agentes informais como a família, pais, vizinhança e influências do grupo de
pares. Ela tem uma influência muito poderosa, negativa ou positiva, em nossas

37
vidas. É mediante a isso que o processo de socialização, seja ele formal ou
informal, é de vital importância para os indivíduos e sociedade. Sem algum tipo
de socialização, a sociedade deixaria de existir. A socialização, portanto, pode
ser rotulada como a maneira pela qual a cultura é transmitida e os indivíduos
são instalados de acordo com os seus modos de vida.

1.4.1 As metas, padrões e principais tipos de


socialização

Em termos de pessoas individuais, o objetivo da socialização é equipar o


indivíduo com os valores básicos, as normas, as competências etc., de modo
que elas se comportem e atuem corretamente no grupo social ao qual
pertencem. Com isso, a socialização tem os seguintes objetivos: incutir
aspirações; ensinar papéis sociais; ensinar habilidades; ensinar conformidade
com as normas e construir as identidades pessoais.

Apesar da importância da inculcação de valores e normas no processo


de integração social, precisamos observar também que os valores sociais não
são igualmente absorvidos por todos os membros de uma sociedade ou grupo.
A integradora função de socialização também não é igualmente benéfica para
todas as pessoas. Por isso, nos deparamos com os padrões de socialização,
são eles: a socialização repressiva e socialização participativa. Socialização
repressiva é orientada para ganhar a obediência, enquanto a socialização
participativa é orientada para ganhar a participação da criança.

Acrescentamos aqui que existem diferentes tipos de socialização:


tradicionais que diz respeito à socialização primária ou socialização na infância,
que é também chamada de socialização básica ou precoce. Os termos
“primário”, “base” ou “cedo” significam a importância do período da infância
para a socialização. Muito da personalidade dos indivíduos é forjada neste
período da vida. Socialização nesta fase da vida é um marco, sem ela,

38
estaríamos longe de nos tornarmos seres sociais. Por isso, as crianças devem
ser devidamente socializadas desde o nascimento até cinco anos de idade,
haja vista este período ser básico e crucial. Uma criança que não seja
apropriadamente socializada nesta fase provavelmente será deficiente no
âmbito do desenvolvimento social, moral, intelectual e de personalidade.

Dando prosseguimento, temos a socialização secundária ou socialização


na idade adulta, que também podemos chamar de dessocialização e
ressocialização; socialização antecipatória e socialização reversa. A
socialização secundária, ou socialização na idade adulta, é necessária quando
o indivíduo assume novos papéis, reorientando-se de acordo com sua
mudança, status e papéis sociais, como quando inicia a vida matrimonial. O
processo de socialização nesta fase pode, às vezes, ser intenso. Por exemplo,
os licenciados que entram no mundo do trabalho para começar seu primeiro
posto de trabalho têm novos papéis a serem executados. A socialização de
adultos pode também ocorrer entre imigrantes. Quando eles vão para outros
países, precisam aprender a língua, valores, normas e uma série de outros
costumes.

Na vida dos indivíduos que passam por diferentes estágios e


experiências não existe a necessidade de ressocialização e dessocialização.
Ressocialização significa a adoção, por parte dos adultos, de estilos de vida
radicalmente diferentes e que são mais ou menos diferentes com as normas e
os valores anteriores. São alterações rápidas e básicas na vida adulta. A
mudança pode exigir o abandono de um estilo de vida por outro,
completamente diferente e incompatível com o primeiro.

A dessocialização acontece frequentemente quando nas sociedades


modernas, e na vida adulta, exige-se dos indivíduos transições nítidas e
mudanças. Ela normalmente precede a ressocialização. Refere-se a indivíduos
que mudaram seus estilos de vida, crenças, valores e atitudes e passaram a
ocupar novos estilos, parcial ou totalmente, a fim de tornar-se parte do novo
grupo social. Portanto, dessocialização e ressocialização ocorrem
frequentemente no que é chamado de instituições totais, o que inclui, por
exemplo: hospitais psiquiátricos, prisões e unidades militares. Em cada caso, as
39
pessoas que se juntam à nova definição têm que primeiro ser dessocializadas
antes de serem ressocializadas.

Ressocialização também pode significar socialização dos indivíduos


novamente em seus valores e normas anteriores, depois de reunir seus antigos
modos de vida, gastando relativamente longo período de tempo em instituições.
Isso ocorre porque eles podem ter esquecido a maior parte dos valores básicos
e habilidades do ex- grupo ou sociedade. Esse tipo de ressocialização também
pode ser considerado como a reintegração, ajudar os ex-membros da
comunidade a renovar seus antigos modos de vida, habilidades, conhecimentos
etc.

Sobre a socialização antecipatória esta se refere ao processo de ajuste e


adaptação em que os indivíduos tentam aprender e internalizar os papéis,
valores, atitudes e habilidades de um social ou profissão para a qual são
prováveis recrutas no futuro. Eles fazem isso antecipando a socialização
próxima na vida real. Já a socialização reversa está associada ao fato da
socialização ser um processo de mão dupla. Ela envolve as influências e
pressões das socializações que direta, ou indiretamente, induzem a mudar
atitudes e comportamentos dos próprios socializadores. Assim sendo, na
socialização reversa, as crianças, por exemplo, podem socializar seus pais em
alguns papéis, habilidades e atitudes que faltam a estes.

Em meio a esses debates ainda é necessário que também se discuta


sobre os agentes de socialização que são os diferentes grupos de pessoas e
arranjos institucionais responsáveis pelo treinamento de novos membros da
sociedade. Alguns deles poderão ser formais, enquanto outros são informais.
Eles ajudam os membros a entrar nas atividades gerais da sua sociedade.
Algumas das agências de socialização são: a família, relacionamentos com
seus pares, escolas, bairros (da comunidade), a massa da mídia etc.

A instituição família é geralmente considerada o mais importante agente


de socialização. No processo de socialização, os contatos mais importantes
ocorrem entre uma criança, seus pais e irmãos. Os contatos também poderiam

40
ser entre a criança e os pais substitutos quando os pais reais não estão
disponíveis.

Além dos pais, há outros agentes de socialização (em sociedades


modernas), como creches-centros, creches e infância, escolas e universidades.
Parece que esses vários agentes de socialização assumiram parcialmente a
função dos pais, particularmente nas sociedades modernas, na qual as
mulheres estão cada vez mais deixando a sua tradicional responsabilidade
domiciliar para exercer uma atividade fora de casa.

Além de pais e escolas, grupos de pares são muito importantes no


processo de socialização. Às vezes, a influência do grupo de pares pode ser
negativa ou positiva, e ser tão poderosa como a dos pais. Os grupos de pares
(grupo de amigos) podem transmitir valores sociais vigentes ou desenvolver
novas e distintas culturas próprias, com valores peculiares. Os meios de
comunicação de massa como televisão, rádio, cinema, vídeos, fitas, livros,
revistas e jornais são também importantes agentes de socialização.

1.4.2 Múltiplas e contraditórias influências de


socialização

Até agora, o quadro de socialização apresentado pode parecer inclinado


para uma visão funcionalista e estrutural da sociedade e de socialização.
Assim, seria útil adicionar algumas ideias que podem ajudar a equilibrar a
imagem. Numa conceituação crítica de socialização, influências contraditórias e
ambíguas precisam ser destacadas.

Se tomarmos o exemplo do consumo de álcool e tabaco veremos que há


processos subjacentes e contraditórios de socialização por trás desse
fenômeno. Influências conflitantes surgem quando, por um lado, as famílias,
escolas e instituições médicas advertem os jovens para não consumirem estes
produtos e, por outro lado, as empresas que produzem esses produtos estão
41
travando uma guerra para vendê-los aos jovens através da atração e da
propaganda.

Este exemplo nos mostra que, muitas vezes, mensagens conflitantes


competem a partir das várias fontes de socialização. As empresas
internacionais promovem a cultura do consumismo com o auxílio dos meios de
comunicação global. Estes tendem a desempenhar papéis dominantes na
influência das atitudes e estilos de vida dos jovens.

42
43
CORRENTES SOCIOLÓGICAS

Conhecimento
Compreender os pressupostos das correntes sociológicas.

Habilidades
Analisar a sociedade atual a partir das ideias propostas pelas correntes
sociológicas.

Atitudes
Desenvolver a percepção das diferentes posturas teóricas face à mesma
realidade social.

44
45
2.1 A CONTRIBUIÇÃO DE AUGUSTE COMTE

.A Sociologia oportuniza diferentes estudos e caminhos para a


explicação da realidade social, não se constituindo enquanto ciência de apenas
uma orientação teórica e metodológica dominante. Atendendo ao que foi
afirmado, observamos na Sociologia três linhas principais: a positivista-
funcionalista, de Auguste Comte e Durkheim; a sociologia compreensiva
iniciada por Max Weber e a linha de explicação sociológica dialética iniciada
por Karl Marx.

Comte idealizou uma Sociologia de inspiração positivista, a qual


considera que a sociedade destina-se inevitavelmente ao progresso, todavia,
este deve vir junto com a ordem nas instituições sociais: família, escola,
empresa, religião e estado. A ordem é indispensável para manter o equilíbrio
social. Nesse sentido a Sociologia deve abster-se de qualquer discussão crítica
sobre a realidade existente.

Para compreendermos a extensão do raciocínio positivista, é importante


lembrar que, de acordo com Comte, nessa época a Europa passava por uma
crise econômica e social, resultante de uma nova forma de pensar a natureza e
a sociedade. Tal forma desenvolveu-se a partir do século XV em resultado do
conflito histórico entre a antiga ordem feudal e a nova ordem capitalista.

Para Comte, a desordem e a anarquia dominavam devido aos princípios


metafísicos e teológicos do passado não poderem mais ajustar-se à sociedade
em transformação acelerada. Para superar esse estado, Comte propõe a
construção de uma nova ordem social por intermédio da reforma intelectual do
homem cujo fundamento é o uso da razão. Por assim ser, surge a sociologia ou
“física social”, que se propõe reformar a prática das instituições sociais através
da análise de seus processos e estruturas.

A Sociologia representa, para Comte, o apogeu da evolução do


conhecimento, recorrendo aos mesmos métodos de outras ciências, pois todas
elas procuram conhecer os fenômenos constantes e repetitivos da natureza. A
46
Sociologia, assim como as ciências naturais, deve procurar a reconciliação
entre os aspectos estáticos e os dinâmicos do mundo natural, o que, em
termos da sociedade humana, significa entre a ordem e o progresso. Portanto,
a ciência deveria ser um instrumento para a análise da sociedade no sentido de
torná-la melhor; o mesmo é dizer que o conhecimento deve existir para fazer
previsões do que acontecerá e também para dar a solução dos possíveis
problemas que possam existir.

O Positivismo de Comte procura encontrar uma forma de estudar a


sociedade de modo que essa pesquisa ofereça credibilidade na busca de
respostas consideradas essenciais para a mudança social em diversos
âmbitos, tais como: a organização da sociedade, o comportamento dos
indivíduos e das instituições; a necessidade de regras e de normas; o
planejamento de uma sociedade equilibrada e a resolução de conflitos. Para
isso, defende uma unidade metodológica regida por leis invariáveis, cujos
fundamentos para a investigação partem da análise da sociedade baseada nas
ciências naturais. Como um organismo, a sociedade deve ser estudada em
duas dimensões: a que Comte designa por estática social (análise de suas
condições de existência; de sua ordem) e a da dinâmica social (análise de seu
movimento; de seu progresso).

Para o autor, ordem e progresso relacionam-se estreitamente. A


sociedade evolui com base em dois movimentos, buscando a ordem e o
progresso: o primeiro movimento propõe a evolução das sociedades de modo
linear, das sociedades mais simples para as mais complexas, das menos
avançadas às mais evoluídas; já o segundo movimento procura adequar os
indivíduos às condições estabelecidas para garantir o melhor funcionamento da
sociedade, o bem-comum e os anseios da maioria da população. Com isso,
segundo Costa (1997), os conflitos, as contradições e as revoltas devem ser
contidas, se tais movimentos colocarem em risco a ordem estabelecida ou
inibirem o progresso.

A concepção de uma evolução linear das sociedades influenciou a


perspectiva etnocêntrica dos antropólogos dos séculos XIX e XX que
consideravam atrasadas e inferiores as sociedades diferentes das sociedades
47
europeias. Essa proposta eurocêntrica foi reforçada pela ideia de Comte. Este
considera que, na sua evolução, as concepções intelectuais da humanidade
envolvem três estágios que se excluem mutuamente, são eles: o estágio
teológico que representa o ponto de partida necessário à inteligência humana
na qual o pensamento sobre o mundo é dominado pelas considerações do
sobrenatural. No segundo estágio temos a metafisica que predomina o
pensamento filosófico sobre a essência dos fenômenos e o desenvolvimento
da matemática e da lógica, servindo de transição para o estágio positivo. Por
fim, o estágio positivo que, de acordo com Comte, apresenta-se fixo e definitivo
e nele o conhecimento passa a ter utilidade prática porque se baseia na
ciência, ou seja, na observação cuidadosa dos fatos empíricos.

Na compreensão de Comte, o progresso do conhecimento do homem


aconteceu de acordo com o positivismo, haja vista, o homem se encontrar
liberto de concepções abstratas ou divinas na orientação de sua compreensão
de mundo que se torna, agora, mais clara e sistemática sendo possível ter
concretude perante o objeto de sua investigação. Para entender essa postura
vamos expor, ainda mais, os três estágios anunciados por Comte.

O estado teológico explica os diversos fenômenos por meio de causas


primeiras, em geral personificadas nos deuses. Subdivide-se em: a) fetichismo:
o homem confere vida, ação e poder sobrenaturais a seres inanimados e a
animais. b) politeísmo: quando se desenvolve a crença em mais de um Deus.
c) Monoteísmo: quando se desenvolve a crença em um Deus único. Por
conseguinte, no estado metafisico as causas primeiras são substituídas por
causas mais gerais - as entidades metafísicas -, buscando nessas entidades
abstratas (ideias) explicações sobre a natureza das coisas e a causa dos
acontecimentos. E por fim, em seu entendimento perante o contexto de sua
época, o estado positivo é aquele momento de evolução em que o homem
tenta compreender as relações entre as coisas e os acontecimentos por meio
da observação científica e do raciocínio formulando leis.

Era um posicionamento de caráter evolucionista, o qual acreditava que a


sociedade passaria por uma sucessão de estágios menos evoluídos aos mais
evoluídos, chegando à “perfeição” através do industrialismo e da ciência. Estes
48
seriam os propulsores de uma ordem encaminhada ao progresso social. Tais
ideias exerceram influência por todos os lugares do mundo, inclusive na
formação da república brasileira que adotou em sua bandeira nacional a
máxima positivista “Ordem e Progresso”.

O positivismo não admite outra realidade a não ser os fatos passíveis de


observação. Constitui, portanto, tarefa do cientista social descobrir as relações
entre os fatos, por intermédio de instrumentos específicos, na busca da
objetividade científica. Não são consideradas de interesse as causas dos
fenômenos, nem o conhecimento das suas consequências porque isso não é
considerado tarefa da ciência. Como forma de aproximar as Ciências Sociais
do modelo mecanicista, as pesquisas de orientação positivista assumem uma
postura de neutralidade diante do objeto da pesquisa e de seus resultados.

Além disso, tais pesquisas buscam a quantificação e repudiam a


pesquisa qualitativa. Os dados empíricos são coletados e trabalhados com
objetividade e neutralidade. A partir de um referencial teórico, o pesquisador
levanta hipóteses e procura a sua comprovação, os dados são processados
quantitativamente. Mediante a isso Comte defende que o pesquisador não
pode estar simultaneamente na janela e vendo-se passar na rua, assim como
no teatro, não se pode ser, ao mesmo tempo, ator no palco e espectador
sentado na poltrona. Nesse sentido, para evitar a influência do subjetivo, o
cientista deve manter-se neutro com relação ao seu objeto de pesquisa.
Portanto, o pesquisador não deve manter qualquer tipo de relacionamento ou
proximidade com os indivíduos que estão sendo observados.

A Sociologia de Comte não saiu do plano das ideias. Não houve uma
viabilização desta por parte do autor, porém, os primeiros sociólogos
inspiraram-se em sua filosofia positivista. A Sociologia existia como um
embrião que ainda não gozava de reputação científica e foi através de Émile
Durkheim que ela, finalmente, foi institucionalizada no meio acadêmico.

49
2.2 CONTRIBUIÇÕES DE ÉMILE DURKHEIM

Émile Durkheim é o mais importante precursor do funcionalismo. Ele


concebe a sociedade semelhante a um organismo vivo, cujos órgãos
funcionam de maneira interdependente para manter sua sobrevivência e
equilíbrio. Cada parte existe em função do todo. Quando um órgão fica doente,
todo o corpo sofre as consequências.

Durkheim compara a sociedade ao modelo de funcionamento de um


organismo vivo como, por exemplo, o corpo humano. Assim devemos,
primeiramente, compreender o funcionamento deste organismo humano. Cada
um de nós é constituído por uma unidade com diferentes partes que, juntas,
funcionam de forma harmoniosa no que diz respeito à nossa saúde. Basta um
órgão deixar de funcionar, ou funcionar parcialmente, para termos esta saúde
afetada. Se perdermos o rim ou ele não funcionar corretamente, logo
sofreremos com os sintomas que podem ir desde a administração de uma
medicação até o caso de hemodiálise ou morte. Desse modo funciona o corpo
humano, cada parte desempenha funções específicas: rins, coração, fígado,
pulmões e assim por diante.

No entanto, cada órgão do corpo humano trabalha de forma


independente e complementar para o bom funcionamento do todo. Usando um
pensamento simplório, afirmar-se-ia que o todo é a soma das partes, mas se
montarmos um quebra-cabeça ou tivermos peças diferentes para montar uma
bicicleta, o resultado final apresentará características não contidas nas peças
do quebra-cabeça que se transformou em uma bela paisagem ou nas peças do
que se tornou uma bicicleta. Daí, concluímos que o “todo” tem qualidades que
as partes não têm. A ideia de totalidade pressupõe que as partes não como um
todo estejam somente amontoadas umas ao lado das outras, mas que haja
diferença, integração, interdependência e complementaridade entre elas.

Assim decorre o funcionamento da sociedade para Durkheim, o todo


prevalece sobre as partes, isto é, o coletivo prevalece sobre o indivíduo. Neste
sentido, as partes (os fatos sociais) existem em função do todo (a sociedade); o
50
mesmo é dizer que os indivíduos agem de acordo com o coletivo. É assim que
a ligação entre as partes e o todo é assegurada pela função social, o que pode
ser associado ao fato de cada instituição cumprir um papel para o bom
desempenho da sociedade. Portanto, a sociedade busca manter seu equilíbrio
e coesão por meio das instituições e das interações sociais.

Para Durkheim, a sociedade é um conjunto de normas coletivas,


pensamento e sentimento que não existem apenas na consciência dos
indivíduos, mas que são construídos exteriormente, isto é, fora das
consciências individuais. Os homens em sociedade defrontam-se com regras
de conduta, regras essas conhecidas por leis, códigos, decretos, constituições.
É por isso que no funcionalismo destaca-se a concepção de fato social,
entendido enquanto conjunto de regras e normas coletivas permanentes, ou
não, que orientam a vida dos indivíduos em sociedade, exercendo alguma
forma de coerção externa ao indivíduo. Neste sentido, os fatos sociais estão
associados às maneiras padronizadas como o indivíduo age na sociedade, por
exemplo: o modo de agir, de vestir-se, a língua, o sistema monetário, a religião,
as leis.

Durkheim propõe também uma reflexão sobre os fatos sociais que


cumprem uma função integradora [fatos sociais normais]; defende que tais
fatos sociais fragilizam os grupos sociais em virtude de os desagregarem [fatos
sociais patológicos]. Quando numa sociedade prevalecem os fatos sociais
normais, esta se encontra em estado de integração, ordem e harmonia. Mas se
os fatos sociais patológicos estão em destaque, a sociedade encontra-se em
crise, apelidada pelo autor de anomia (estado social na ausência de normas).

Para o funcionalismo, a tarefa da Sociologia é estudar os fatos sociais


construídos pelo conjunto da sociedade (exteriores); estes são coercitivos
(normativos) e gerais (coletivos) e por isso são independentes da escolha
pessoal, subjetiva ou consciente dos indivíduos isoladamente. O conhecimento
individual representa a capacidade de compreensão e de interiorização da
realidade ou da cultura socialmente construída. Isso somente é possível porque
o que o sujeito sente, pensa e faz depende do conjunto de valores, crenças,

51
dados ou leis exteriores a ele que lhe servem de parâmetro e com os quais foi
educado no grupo social em que nasceu.

Para conhecer mais sobre conceitos de fatos sociais, propomos a leitura


de um trecho adaptado do livro “As regras do método sociológico” de Émile
Durkheim (1987): Chegamos assim a compreender, de maneira precisa, o
domínio da Sociologia, o qual engloba um grupo determinado de fenômenos. O
fato social é identificável pelo poder de pressão externa que tem ou é apto a
fazer sobre os sujeitos. A presença deste poder é identificável, por sua vez,
seja pela existência de alguma penalidade pré-definida, seja pela oposição que
o fato opõe a qualquer iniciativa individual que procure violentá-lo. Todavia,
podemos defini-lo também pela difusão que apresenta no interior do grupo,
desde que, de acordo com as observações anteriores, tenha-se o cuidado de
acrescentar como característica segunda e essencial que ele existe
independentemente das formas individuais que toma ao difundir-se.

O conteúdo apresentado por Durkheim compreenderá o todo definido,


ao afirmar que fato social é toda maneira de agir, seja fixa ou não, suscetível
de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então, que é geral na
extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria,
independente das manifestações individuais que se possa ter. Com isso,
Durkheim afirma que há uma especialização das funções entre os indivíduos
nomeados por ele de “divisão do trabalho social”. Essa divisão não diz respeito
somente às atividades econômicas, mas é o fato fundante da coesão social, da
união, da solidariedade.

Nas sociedades tradicionais, ou seja, pré-capitalistas, não havia um


grande número de especializações quando comparadas à sociedade
capitalista. Um profissional era capaz de realizar seu processo de produção de
forma completa, realizando todas as etapas. Dessa forma, o que unia as
pessoas não era o fato de uma depender do trabalho da outra, mas o fato de
haver semelhança em termos de tradição, crenças e sentimentos. Há uma
regulação moral das condutas que decorrem da tradição, ou seja, da
consciência coletiva. A esse tipo de união Durkheim nomeia solidariedade
mecânica.
52
Nas sociedades capitalistas assistimos a um grande número de
especializações; há uma maior divisão do trabalho. Os indivíduos tornam-se
interdependentes na medida em que há uma valorização da contribuição de
cada indivíduo no processo de cooperação social. Um precisa da
especialização do outro e isso garante a união social, a coesão. Daí emana a
moralidade. Assim sendo, é importante ressaltar que você não nasce sabendo
da existência desses papéis e, muito menos, quais as atividades que são
destinadas a cada um deles. É através do processo de aprendizagem que o ser
humano passa a entender como deve comportar-se e agir.

Os sociólogos dão o nome de socialização ao processo de


aprendizagem dos papéis sociais do indivíduo. É através desse processo que
se internalizam os modos de agir, pensar e sentir, modos estes que os levam a
conviver em sociedade. Os indivíduos não param para pensar nessas
internalizações e elas passam despercebidamente, sendo confundidas com a
vontade própria de cada um. É por esta razão que na perspectiva funcionalista,
a sociedade somente consegue manter-se parcialmente coesa porque
indivíduos compartilham valores e regras. Portanto, o funcionalismo entende
que existem formas diferenciadas de viver, porém, a socialização e
internalização provocadas pelo processo de aprendizagem tornam possível a
convivência do homem. Há um conjunto de representações que são
compartilhadas pelos membros de uma sociedade.

Mediante a tais questões, entendemos que cada indivíduo tem uma


forma específica de pensar, sentir e entender o mundo. Cada ser humano é
dotado de uma personalidade que lhe é própria, na qual se manifesta o que
Durkheim nomeia de consciência individual. De acordo com o autor, existe
outra forma de consciência constituída por ideias comuns, partilhadas pelos
membros de uma sociedade. São ideias que estão presentes em todas (ou
quase todas) as consciências individuais de uma sociedade, portanto, são
consciências coletivas.

A consciência coletiva manifesta-se objetivamente, ou seja, de forma


exterior ao indivíduo. Ela pode ser expressa pelo conjunto de normas que
obedecemos no nosso dia a dia, as quais não foram criadas por nós, mas já
53
existiam na sociedade antes de nascermos. Cada sociedade ensina aos seus
indivíduos o que é considerado certo e errado. Através do aprendizado,
socializa seus homens ensinando o que é ou não permitido e atribui sanções
negativas ou positivas a fim de controlar o comportamento.

As sanções positivas são as formas de reconhecer que o indivíduo está


se comportando de acordo com as perspectivas sociais e podem ser
representadas através de uma boa reputação, respeito, recompensas em
dinheiro, dentre outros. Por outro lado, as sanções negativas são o
reconhecimento de que o indivíduo não atendeu às expectativas sociais e
podem ser expressas por fofoca, má fama, exclusão do grupo, condenação,
violência moral ou física, dentre outros. A pena dada ao criminoso não objetiva
somente castigá-lo, mas constitui a tentativa de restabelecer a norma social. A
impunidade enfraquece a percepção de valores e a noção de dever para com
os outros.

Para o funcionalismo, os indivíduos não têm a potencialidade de


modificar a sociedade, uma vez que o todo é muito mais forte do que a parte.
São as instituições como a Igreja, a família, a escola, as leis, que moldam o
indivíduo e este aparece como um agente passivo que em nada pode intervir.
Neste sentido, uma das críticas à concepção funcionalista da sociedade é que
ela não consegue dar conta das transformações sociais e não reconhece o
indivíduo como agente transformador, sujeito da história. Essa é a forma como
Durkheim e a corrente funcionalista concebem a realidade social, mas é
importante sabermos o que Durkheim toma como objeto de estudos da
Sociologia.

2.2.1 O objeto de estudos da Sociologia

Partindo do pressuposto que é a sociedade que explica o indivíduo, de


acordo com Durkheim (2003), o que a Sociologia deve ocupar-se em estudar
são os fatos sociais. No entanto, o que este sociólogo denomina de fato social
54
possui em si características fundamentais que descreverão o objeto de estudo
sociológico. É importante explicitarmos as três peculiaridades dos fatos sociais
e entendermos através de exemplos cada uma delas.

De inicio nos referimos a coerção que consiste na força que os


fenômenos exercem sobre os indivíduos que, independente de suas escolhas,
acabam por conformar-se com as regras que estão postas na sociedade. Caso
o indivíduo não cumpra tais imposições, logo será punido. As punições podem
ser legais, no sentido de serem sustentadas por uma legislação, ou
“espontâneas”, que são aquelas reprimidas moralmente pelo grupo ao qual o
indivíduo pertence. Ex.: Se um dia você estranhar porque as pessoas andam
com roupas e decidir andar sem elas, certamente você será punido, pois aqui
no Brasil, andar sem roupas constitui um crime de atentado ao pudor.

Outro ponto para entender é o da exterioridade, ou seja, os fatos sociais


existem e atuam sobre o indivíduo independente de sua vontade ou de sua
aceitação consciente. Antes de nascermos, já existe um conjunto de regras
sociais às quais teremos que nos adequar. Não sentimos, de maneira brusca, o
caráter coercitivo e exterior desta adequação porque as normas e regras
sociais são inculcadas no indivíduo através do processo educativo. Ex.:
Quando você nasceu já existia “pronto” um sistema monetário ao qual,
posteriormente, você teve que aderir, pois caso precise comprar um caderno
em um estabelecimento comercial, terá que pagar por ele em “real” que é a
moeda vigente no Brasil.

A Generalidade, por sua vez pressupõe que para ser social, o fato não
pode ser observado individualmente. Ele deve repetir-se em todos os
indivíduos de uma sociedade ou grupo social, ou na maior parte deles. Os
exemplos citados acima podem demonstrar bem isso: é comum a todos os
membros da sociedade brasileira (e de outras sociedades também) a proibição
de sair sem roupas pelas ruas; todos os membros da sociedade brasileira
devem utilizar o real para fazer transações comerciais (com exceção das
comunidades que praticam a lógica da economia solidária e adotam uma
moeda própria para transações em uma pequena comunidade ou um bairro,

55
como é o caso do Conjunto Palmeiras em Fortaleza- CE, que tem um banco
próprio e adota uma moeda própria).

Portanto, levando em consideração as características acima descritas,


Durkheim formulou um modelo para explicar a ocorrência dos fatos sociais.
Seguindo a tendência de que a Sociologia deveria adotar os mesmos
procedimentos de pesquisa das ciências naturais, o autor declara que “a
primeira regra e mais fundamental é a de considerar os fatos sociais como
coisas” (DURKHEIM, 2003, p. 94).

2.2.2 Método de estudo: a coisificação do fato social

Na concepção de Durkheim, os principais fenômenos sociais como a


religião, o direito, a moral, a economia ou a educação são sistemas de valores
e se o investigador estiver impregnado com os valores que esses fenômenos
expressam, não terá a isenção necessária para entendê-los. É necessário
suspeitar das primeiras impressões e disso surge a necessidade de abordar os
fatos sociais como coisas, ou seja, como objetos.

Para Durkheim (2003), coisa é todo objeto do conhecimento que a


inteligência não alcança de maneira natural; corresponde ao que o espírito não
pode chegar a compreender, a não ser sob o viés da condição da fuga de si,
mesmo através da observação e da experimentação.

O cientista social teria que colocar-se num estado de espírito


semelhante ao dos físicos, químicos, fisiologistas, olhando o objeto de estudo
como algo que não pertence ainda ao seu conhecimento e exercendo a prática
cartesiana da dúvida metódica.

É importante ter em mente que a regra de tratar fatos sociais como coisa
é uma postura metodológica intelectual e não significa dizer que são coisas
materiais. Significa a pretensão de uma objetividade científica e a separação
radical entre senso comum e conhecimento científico. O sociólogo deve ser
56
imparcial e neutro, deve mostrar como as coisas são e não como deveriam ser
e deve afastar das pesquisas qualquer sentimento, qualquer subjetividade.

Quando Durkheim afirma que os fatos sociais devem guardar a


característica de serem comuns a todos os membros de um grupo, quer
demonstrar que, ao nascer, o indivíduo já encontra uma sociedade constituída.
Os costumes, o direito, as crenças religiosas, o sistema financeiro do qual ele
faz parte foram criados pelas gerações passadas, sendo transmitidos às novas
gerações através de educação.

O fato social guarda a característica de ser uma representação coletiva.


Na concepção do autor, existem duas dimensões em cada um de nós: uma
individual, que está referenciada por estados mentais relacionada somente à
nossa pessoa; e, ao mesmo tempo, uma social ou coletiva, que é referenciada
por coisas adquiridas socialmente como as crenças, os valores, dentre outros..

Nas palavras de Durkheim (1999, p. 50), a consciência coletiva é o


“conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma
mesma sociedade que forma um sistema determinado com vida própria”.
Portanto, essa dimensão coletiva significa o quanto há dos outros em nós, seja
da família, dos amigos, dos ensinamentos que tivemos na escola ou até
mesmo das tradições que as gerações passadas deixaram de herança.

Quando nascemos, somos instruídos a agir de determinada maneira


pelo conjunto de regras elaboradas em um meio moral compartilhado. Nós
naturalizamos estas regras que acabamos por nem percebê-las em nosso
cotidiano, porém, se não agirmos de acordo com as expectativas, sofreremos
algum tipo de penalidade, seja ela física ou moral.

Como já foi mencionado, se um indivíduo experimentar andar sem


roupas pela rua é certo que será preso; se o menino arrotar à mesa durante a
refeição, logo será chamado de mal educado por aqueles que o observam; se o
homem tiver mais de uma namorada será acusado por traição. Apesar de
parecer proibições óbvias, basta olharmos outras culturas para entender que
não são tão óbvias assim, antes são apenas construções de determinada
cultura. Em tribos indígenas é comum andar sem roupa; para certas culturas
57
árabes arrotar após a refeição é sinônimo de gentileza, pois significa que a
comida está de bom gosto; no Islã o homem pode ter mais de uma mulher
oficialmente.

O certo é que cada indivíduo é ensinado a viver de acordo com as


regras estabelecidas em sua sociedade. Esse processo de ensino-
aprendizagem é nomeado por cada “modelo” de educação. Não se trata aqui
de uma educação escolar, mas de educação da vida cotidiana. Para Durkheim,
educação é o meio pelo qual aprendemos a ser membros da sociedade,
portanto, educação é sociabilidade.

Então, é objetivo da educação formar esse ser social que constitui cada
um de nós. Nas ideias do autor, há a concepção de que é a sociedade que nos
molda. Apesar de deixar explícito que cada sociedade educa suas crianças de
forma diferente de outra, ou seja, que a educação coloca a criança em contato
com determinada sociedade e não com a sociedade in genere, é interessante
refletir se as concepções de Durkheim conseguem explicar o caráter de
mudança que vem se apresentando desde o início da modernidade.

2.3 CONTRIBUIÇÕES DE MAX WEBER

As diferentes formações sociais. Essa foi a corrente seguida por


Durkheim.

Weber, influenciado pelo idealismo alemão (uma corrente filosófica), leva


em consideração a importância da pesquisa histórica para a compreensão das
sociedades. Esta perspectiva opõe-se ao positivismo na medida em que a
corrente filosófica e científica toma a história como um processo universal no
qual a sociedade evolui em estágios que somente podem ser percebidos pelo
método comparativo.

Tal posicionamento invalida a importância dos processos históricos


particulares, homogeneizando as diferentes formações sociais. Essa foi a
58
corrente seguida por Durkheim. Opondo-se a tal, Weber defende que não é
possível entender o mundo social considerando somente os fatores externos
aos seres humanos; é necessário entender também as ações individuais e
levar em consideração o sentido que os indivíduos atribuem às ações e aos
seus valores. O caráter particular e específico de cada formação sócio-histórica
deve ser levado em consideração.

Para Max Weber, a Sociologia deve concentrar-se na análise da conduta


social, procurando compreender o sentido das interações significativas de
indivíduos que formam uma teia de relações sociais. Assim, segundo Weber, a
conduta social somente vai existir quando o indivíduo tentar estabelecer algum
tipo de comunicação, a partir de suas ações, com os demais. De acordo com
este, a conduta social pode ser representada em quatro categorias que são
elas: conduta tradicional (relativa às antigas tradições), conduta emocional
(reação habitual ou comportamento dos outros, expressando-se em termos de
lealdade ou antagonismo), conduta valorizada (agindo de acordo com o que os
outros indivíduos esperam de nós) conduta racional-objetiva (consiste em agir
segundo um plano concebido em relação à conduta que se espera dos
demais).

A ação social ocorre quando o sentido pensado pelo indivíduo considera


a conduta dos outros no momento em que uma ação é praticada. Desse modo,
o sentido é que dá à ação social seu caráter específico. Pelo que foi afirmado,
o ponto de partida da Sociologia de Weber não se encontra nas entidades
coletivas, grupos ou instituições. Seu objeto de investigação é a ação social, a
conduta humana dotada de sentido. Assim sendo, o homem na teoria
weberiana passou a ter enquanto indivíduo, significado e especificidade. É ele
que dá sentido à sua ação social, estabelecendo a conexão entre o motivo da
ação, a ação propriamente dita e seus efeitos.

Para Weber, as normas sociais somente tornam-se concretas quando


são manifestadas em cada indivíduo sob a forma de motivação. Desse modo,
cada indivíduo age levado por um motivo que é dado pela tradição. Weber
argumenta que a sociedade pode ser compreendida a partir do conjunto das
ações individuais, estas compreendidas como todo tipo de ação que o indivíduo
59
pratica, orientando-se pela ação de outros. Desse modo, a ciência explica o
fenômeno social a partir da investigação do comportamento subjetivo, que
vincula o indivíduo a seus atos.

Haguete (2003) coloca ao leitor o exemplo da abolição da escravatura


para que seja compreensível o fato de uma realidade social não poder ser
explicada levando em consideração fatores isolados. Como resposta, o autor
afirma que alguns livros de História justificam a abolição pelo bom coração da
Princesa Isabel que tomou a atitude de libertar os escravos, outros justificam
que a escravidão acabou porque não comportava mais o caro uso da mão de
obra escrava, outros destacam a luta dos abolicionistas e assim existem muitas
versões para justificar este fato histórico. Pensemos: será necessário escolher
uma causa?

Se Weber fosse explicar a abolição da escravatura, diria que foi uma


confluência de fatores que tornaram a prática escravocrata inviável. Nenhuma
das explicações deve ser desconsiderada, mas considerá-las isoladamente é
um erro. Além de entender que múltiplos fatores forjaram a abolição da
escravatura, Weber diria ainda ser necessário entender cada um deles e
explicá-los, ou seja, é preciso entender a proposta de Max Weber para o qual o
pesquisador deve fazer um esforço visando compreender e interpretar o
passado e as repercussões deste nas características peculiares das
sociedades contemporâneas. Essa proposta foi denominada “método
compreensivo”. Portanto, segundo o autor, enquanto ciência das atividades
sociais, a Sociologia deve compreender e explicar a ação dos indivíduos, assim
como os valores pelos quais estes se pautam.

A Sociologia de Weber não considera os fenômenos sociais como a pura


expressão de causas exteriores que se impõem aos indivíduos. A ação social é
produto das atitudes dos indivíduos de carne e osso que dão um sentido à sua
ação. Quando falamos em ação social, estamos tratando do que Weber toma
como objeto, por excelência, da Sociologia. Ao cientista cabe investigar qual o
seu sentido ou significado.

60
Nessa questão, é importante ressaltar que o autor diferencia ação de
ação social. A primeira é toda conduta humana que traz em si um significado
subjetivo atribuído pelo agente que a executa; é o significado subjetivo que
orienta a ação. Quando um agente orienta sua ação levando em conta a ação
de outro(s) agente(s) que podem ser tanto individualizados e conhecidos, como
um conjunto de indivíduos desconhecidos, a ação passa a ser social, ou seja, o
indivíduo está agindo levando em consideração outro indivíduo.

Tomando o exemplo dado pelo próprio autor, podemos entender melhor:


uma pessoa está na rua e começa a chover, ela tira da bolsa um guarda-chuva
e abre sobre sua cabeça para não se molhar. Essa atitude consiste numa ação,
pois a pessoa age individualmente, motivada pelo desejo de não ser molhada.
Mas, se uma pessoa está na rua, começa a chover, ela abre o guarda-chuva e
convida a pessoa que está ao seu lado a compartilhar este objeto para não se
molhar, temos o exemplo de uma ação social, pois é evidente que ela está
agindo levando em consideração outro indivíduo.

Na diferenciação que Weber faz entre ação social e relação social,


temos que a última somente acontece na medida em que uma conduta coletiva
é reciprocamente orientada e dotada de conteúdos cujos sentidos podem ser
socialmente partilhados pelos diversos agentes sociais. O que caracteriza a
relação social é que o sentido das ações sociais a ela associados pode ser
compreendido (ainda que parcialmente) pelos diversos agentes de uma
sociedade. Vamos a um exemplo: Um sujeito pede informação a outro
estabelecendo uma ação social. Ele tem um motivo e age em relação a outro
indivíduo, mas tal motivo não é compartilhado no sentido de que a ação
somente é considerada social se acontecer mutuamente. Numa sala de aula,
por exemplo, o objetivo da ação dos vários sujeitos é compartilhado, isto é, há
a busca coletiva por determinadas informações, existindo, portanto, uma
relação social. Resumindo, para Weber, “somente a ação com sentido pode ser
compreendida pela Sociologia, a qual constrói tipos ou modelos explicativos”
(QUINTANEIRO, 2002, p. 115).

61
2.3.1 Como o cientista deve tratar o objeto de estudo
sociológico

Ao discorrer sobre o dever prático de defender os próprios valores,


diferente de Durkheim, o qual postulava que a primeira e mais fundamental
regra seria tratar os fatos sociais como coisas, Weber acreditava que
investigando um tema, o cientista é influenciado pela sua concepção de
mundo. Ou seja, a fim de empreender a análise científica, o sociólogo deve
estar devidamente treinado para estabelecer uma distinção entre “reconhecer e
julgar”. Ao cientista cabe reconhecer até onde vão seus próprios valores e
tentar identificar a verdade dos fatos sem defender tais valores. Isso significa
que o sociólogo deve dizer como as coisas são através da observação
empreendida e não como as coisas deveriam ser. Assim sendo, é necessário
diferenciar os juízos de valor do saber empírico que nasce de necessidades e
considerações práticas historicamente colocadas.

Na concepção de Weber, a política é uma vocação que deve ser


diferenciada da vocação científica. “A ciência é um procedimento altamente
racional que procura explicar as consequências de determinados atos,
enquanto a posição política prática vincula-se a convicções e deveres”
(QUINTANEIRO, 2002, p.109). De acordo com Weber, isso é possível sim.
Basta que o pesquisador tenha consciência de que está incorporando seus
valores na pesquisa e, através de procedimentos rigorosos de análise, tenha
controle destes valores que devem ser tomados como “esquemas de
explicação condicional”.

Portanto, devemos entender que a realidade social é infinita e os


problemas sociológicos não estão dados, não existem sozinhos, senão pela
abordagem do cientista social. É o cientista que deve atribuir aos aspectos do
real e da história que examina uma lógica através da qual procura estabelecer
uma relação causal entre determinados fenômenos.

62
2.3.2 O tipo ideal: um instrumento de pesquisa do
saber sociológico

Do ponto de vista de Weber, o pesquisador precisa organizar a realidade


de forma lógica no plano do pensamento. Não se trata de traduzir uma
estrutura do mundo. Trata-se de desenvolver instrumento por meio do qual o
pesquisador não vai utilizar-se de fatos do mundo físico, palpável, mas de fatos
teóricos para compará-los com os reais (físicos) e assim formular suas
hipóteses, as quais, após isso, poderão ser comprovadas ou refutadas. Desta
forma, “obtêm-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou
vários pontos de vista e mediante o encadeamento de grande quantidade de
fenômenos isolados dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou
menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo
pontos de vista unilateralmente acentuados a fim de se formar um quadro
homogêneo de pensamento.” (WEBER, 1991, p. 106)

Se o tipo ideal é uma construção mental elaborada pelo sujeito,


certamente será a seleção de um aspecto da realidade que se pretende
estudar. Ao selecionar tal aspecto – consideremos que é impossível estudar o
mundo social em sua totalidade – o pesquisador levará em conta seus
interesses e problemas que ele quer aprofundar. Cada pesquisador tem um
motivo, seja ele qual for para realizar determinada pesquisa. “O tipo ideal de
Max Weber corresponde ao que Florestan Fernandes define como ‘conceitos
sociológicos construídos interpretativamente como instrumentos de ordenação
da realidade’. O conceito de tipo ideal é previamente construído e testado,
depois aplicado a diferentes situações em que o cientista presume que dado
fenômeno possa ter ocorrido. Na medida em que o fenômeno se aproxima ou
se afasta de sua manifestação típica, o sociólogo pode identificar e selecionar
aspectos que tenham interesse à explicação, como por exemplo, os fenômenos
típicos ‘capitalismo’ e ‘feudalismo’”. (COSTA, 1997, p. 65)

Quando o pesquisador elabora tipos ideais, não está reproduzindo a


realidade como ela é. No mundo material não há uma ligação racionalizada dos
63
fatos, somente o intelecto humano é capaz de fazer tais relações. Podemos
entender “tipos” como conceitos, portanto, “conceitos ideais” - quer dizer que
são conceitos idealizados e não a tradução objetiva de fenômenos. É apenas a
maneira encontrada para aproximar pesquisador e realidade. Assim sendo,
“tais construções (...) permitem-nos ver se, em traços particulares ou em seu
caráter total, os fenômenos se aproximam de uma de nossas construções,
determinar o grau de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído
teoricamente. Sob este aspecto, a construção é simplesmente um recurso
técnico que facilita disposição e terminologia mais lúcidas” (WEBER apud
QUINTANEIRO, 2002, p. 113).

Weber argumenta ser impossível ao cientista agir com total


imparcialidade sobre os fatos, pois sua ação é influenciada pelo seu tempo. O
estudo e a pesquisa devem tentar limitar o espaço para as crenças e ideias
pessoais do pesquisador perante o fato estudado. Na busca de uma melhor
adequação para as análises dos fatos sociais, Weber constrói um modelo para
suas análises baseado no que chama de tipo ideal.

Weber apresenta três tipos ideais de legitimidade como base para a


dominação, a saber: legal/racional, se baseia na legalidade das instituições e
segue regras segundo uma lei, autoridade exercida por essas instituições; a
tradicional que se baseia na crença da bondade das tradições que vigoram
desde tempos longínquos, quem ordena é o senhor e quem obedece são os
súditos, predomina a dominação patriarcal cujos costumes estão enraizados;
por fim, a carismática que se baseia na santidade, heroísmo, devoção de um
senhor, busca de líder para solucionar seus problemas. Portanto, os tipos
ideais são construções do pesquisador usadas para analisar o mundo, não
significando que encontraremos na realidade esses tipos ideais. A utilidade da
constituição dos tipos ideais está no fato de que qualquer situação do mundo
real pode ser compreendida quando comparada a um tipo ideal.

64
2.3.3 A ética protestante e o espírito do capitalismo

Uma das obras mais reconhecidas de Weber é “A ética protestante e o


espírito do capitalismo”, na qual o autor investiga as origens do capitalismo
moderno empreendendo uma análise da relação entre determinada religião (o
protestantismo) e o moderno sistema econômico capitalista industrial. Consiste
na aplicação de seus conceitos e de sua metodologia.

Por ética protestante, Weber entende um estilo de vida, um modo de ver


e encarar a existência pautada na disciplina ascética, na poupança, no
compromisso com o trabalho. O estilo de vida dos protestantes ascéticos
contribui para a formação de uma mentalidade que propicia a consolidação do
capitalismo. Todavia, Weber não coloca o protestantismo como causa única do
capitalismo. Ele reconhece que na formação do capitalismo existem influências
econômicas, políticas, culturais, técnicas e jurídicas. Existe um conjunto de
fatores interdependentes que dão forma a um fenômeno social: o capitalismo.

Weber não se refere a qualquer capitalismo ou “qualquer”


protestantismo. Ele relaciona uma forma determinada de protestantismo, que é
o ascético, ou seja, o protestantismo praticado por uma vida regrada e levando
em consideração a moral desta religião, mostra que seus adeptos têm uma
prática metódica fundamental para a consolidação do capitalismo. Assim
sendo, a relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo consiste
numa atração entre duas visões de mundo que se reforçam mutuamente. É
uma ligação que ocorre a partir de “afinidades eletivas”. Mas o que são
afinidades eletivas? Neste caso, significa a existência de elementos
convergentes e análogos entre uma ética religiosa e um comportamento
econômico.

Mas somente os protestantes estão inseridos no modo de vida


capitalista industrial? Não precisa ser um grande teórico para entender que a
resposta a pergunta é não. Weber explica que o capitalismo se propagou no
Ocidente em decorrência de inúmeros fatores. O primeiro deles foi a

65
contribuição de Martinho Lutero e sua concepção de vocação, que postulava a
valorização religiosa do trabalho como uma tarefa ordenada por Deus.

2.4 AS CONTRIBUIÇÕES DE KARL MARX

De acordo com Tomazi (2000), uma das contribuições principais de Marx


para a análise da vida social foi o estudo que realizou sobre a indissociável
relação entre o indivíduo e a sociedade, incluindo aqui o estudo das condições
materiais em que essas relações ocorrem. Para Marx, o fulcro das
transformações da sociedade era a existência, em cada momento histórico, de
conflitos entre a classe dominante e a classe dominada, definidas a partir das
relações que estabelecem com a propriedade dos meios de produção. Para
compreender a obra de Marx, é necessário entender um pouco sobre o que
estava acontecendo em meados do século XIX.

Desde o começo da Revolução Industrial na Inglaterra, em meados do


século XVIII, os trabalhadores viviam em péssimas condições, o que envolvia
não somente as condições de trabalho nas fábricas, mas também todos os
outros pormenores da vida social. As dificuldades da vida dos trabalhadores
sensibilizaram diversos pensadores da época e apesar da sua origem
burguesa e aristocrática, eles tomaram a iniciativa de elaborar projetos de
reformas sociais baseados em ideais de justiça social.

Apesar de nunca ter se autonomeado sociólogo, o conjunto de sua obra


oferece subsídios para explicar a vida social a partir do modo como os homens
produzem sua existência por meio do trabalho problematizando o papel destes
como agentes transformadores da sociedade, pois sendo crítico ferrenho das
ideias positivistas, Marx demonstra que a fundamentação de uma teoria
científica visando à construção de uma ordem social para alcançar o progresso
não conseguiria dar conta dos conflitos que emergiam na sociedade industrial.
Para ele, o caminho não era identificar os problemas sociais e solucioná-los
com a finalidade de estabelecer o bom funcionamento da sociedade, mas
66
contribuir para que fossem realizadas mudanças radicais. Mediante a isto,
percebia que era a luta de classes e não a harmonia social que constituía a
realidade concreta da sociedade capitalista. Portanto, a corrente marxista
desperta a vocação crítica da Sociologia, unindo explicação e alteração da
realidade, ligando-a aos movimentos de transformação da ordem vigente.

De acordo com Martins (2006, p.6), a teoria social elaborada por Marx
ofereceu subsídios para posteriores pesquisas no âmbito da Sociologia.
Forneceu contribuição para “a análise da ideologia, para a compreensão das
relações entre classes sociais, para o entendimento da natureza e das relações
com o Estado, para a questão da alienação”. Portanto, Marx influenciou
decisivamente a formação da Sociologia que, em alguns casos, incorporou
parte de suas ideias para pensar a sociedade moderna.

Como teórico e militante Marx foi muito sensível às formas de


exploração estabelecidas na sociedade capitalista e para entender esta
sociedade fez uso da história, rebuscando os fatos desde o início da civilização
até os dias atuais. Chegou à conclusão que a história da humanidade é a
história de classes, portanto, uma história de contradições. Essas contradições
não eram percebidas pelo intelectual como um estado de anomia, de doença
social, mas como a maneira pela qual a realidade se expressava e o homem
enxergava no tempo presente o que não é almejado por ele para que possa
alterar e construir um futuro diferente. Para Marx, o homem é agente da
transformação.

O homem é diferente dos outros animais pela necessidade que tem de


transformar a natureza, produzindo o que Marx chama de vida material. Esta
transformação da natureza e produção dos bens materiais necessários à
existência humana designa-se como trabalho e é o fator fundante do ser social.
É a partir dele que surgem os demais momentos da realidade social. Então, na
concepção marxista, o modo de produção da vida material condiciona o
processo de vida social, política e espiritual. Assim sendo, Marx compara a
relação das necessidades políticas, econômicas e ideológicas do homem à
estruturação e articulação dos andares de um edifício.

67
O edifício social pensado por Marx tem três andares, sendo que o
primeiro, como é de se esperar, constitui o alicerce sobre o qual os outros
andares se sobrepõem. Este primeiro andar é denominado “infraestrutura” e
consiste na estrutura econômica da sociedade; o segundo depende do primeiro
para se sustentar e é composto pelas formas políticas e jurídicas desta
sociedade. Já o terceiro andar depende dos dois primeiros e é constituído pela
forma de consciência social denominada ideologia.

Nesta metáfora formulada por Marx percebemos que a base econômica


é que sustenta as relações sociais. Para este intelectual e revolucionário
alemão, as formas políticas e ideológicas de convivência social são
estabelecidas e transformam-se a partir do modo como os homens atendem às
suas necessidades materiais. Ou seja, se o sociólogo pretende compreender
os homens de sua época a partir das ideias de Marx, ele deve conhecer as
suas relações de produção, questionando a atividade econômica praticada por
estes, procurando saber quais os membros da sociedade que trabalham e os
que não trabalham, como trabalham, para quem trabalham, como ocorre a
divisão das atividades de trabalho, entre outros aspectos. Somente com o
entendimento destes aspectos é que o pesquisador vai entender como os
homens atendem às suas necessidades políticas e o que eles pensam e dizem.

Para Marx, as mudanças sociais não partem de mudanças nas ideias e


pensamentos do indivíduo. Não se deve almejar mudanças sociais começando
pela cabeça do homem, tentando mudar seus valores, suas crenças, nem a
sua organização política. Se uma mudança na sociedade é almejada, a
primeira coisa a ser modificada é o seu sistema de produção, as formas de
apropriação e as relações de trabalho. Desta forma, as classes sociais
mudariam sua atuação e aconteceriam mudanças nas maneiras de sentir,
pensar e agir, bem como nos arranjos políticos (seriam como consequência).

Em termos de conceitos, a economia caracterizada pela soma das


forças produtivas com as relações de produção é denominada infraestrutura. Já
os andares de cima do edifício, as formas jurídicas e políticas e as formas
sociais de consciência, são todos denominados superestrutura.

68
2.4.1 Alguns conceitos básicos: exploração,
expropriação, ideologia, alienação

O processo de trabalho envolve duas dimensões principais: de um lado,


a relação do homem com a natureza, e de outro, a relação dos homens com
outros homens. Analisando a sociedade moderna capitalista, Marx constata
que nesta, a relação entre os homens é de exploração. Ao dominar os meios
de produção, os capitalistas subtraíram dos trabalhadores não apenas os
meios de produção da vida material, mas também o saber tradicional do qual
dependiam para manter-se na condição de artesãos autônomos e,
consequentemente, subtraíram também sua posição social. A isso Marx deu o
nome de expropriação.

O processo de expropriação tira do trabalhador a consciência das


relações sociais e este acaba por naturalizar a ideia de que deve ser um
assalariado com condições mínimas para viver. O trabalho que antes era para
a manutenção e reprodução da sua própria vida passa a pertencer ao burguês.
Mediante a isto, ao processo que coloca o trabalho como algo exterior ao
trabalhador, Marx nomeia de alienação. Aqui, a palavra alienação não tem o
mesmo sentido que costumamos usar no dia a dia. Geralmente, se uma
pessoa é “bitolada” em algo, é comum que seja classificada como alienada.
Apesar de ser o mesmo termo usado por Marx, o autor entende alienação de
outra forma.

A alienação é uma forma de relação entre os homens e, ao mesmo


tempo, entre os homens e determinados objetos ou coisas que lhe são
exteriores. Essa forma de relação não é natural. Ela surge em determinado
momento, no processo do desenvolvimento histórico das sociedades humanas.
Apesar de o desenvolvimento ser criação e exteriorização dele próprio, o
homem é profundamente afetado pelo processo, ou seja, ele aliena-se.

O termo alienação, originalmente – e ainda hoje – era um termo da


psiquiatria que designava uma forma de perturbação mental. Como a

69
esquizofrenia – uma perda de consciência ou de identidade pessoal. Do ponto
de vista econômico-social, é a perda da consciência de si, em virtude de uma
situação concreta. O homem perde sua consciência pessoal, sua identidade e
personalidade, isto é, sua vontade é esmagada pela consciência de outro, ou
pela consciência social.

Quando o homem deixa de ser seu próprio objeto para tornar-se objeto
de outro, diz que ele está alienado. Deixa de ser algo para si mesmo. Sua
vontade é assim a vontade do outro: ele é coisificado. Deixa de ser homem,
criatura consciente e capaz de tomar decisões. Com o aparecimento da
máquina, o trabalho tornou-se duplamente alienante tanto para a máquina
quanto para o dono da máquina. No período em que vigorava ainda o regime
de trocas, o homem, para suprir suas necessidades elementares, deveria
produzir não apenas aquilo de que necessitava, mas as necessidades do outro.
Era, ao mesmo tempo, sujeito e objeto. Poderíamos dizer que se tratava de
uma alienação parcial.

A introdução da máquina no sistema de produção subverteu totalmente


esta situação. A máquina tem esta particularidade: substitui com eficiência o
esforço físico humano, mas não dispensa o homem: este é sempre necessário
para movimentá-la. O homem torna-se parte dela como um parafuso ou uma
engrenagem. Não é o homem que produz, é a máquina. O homem limita-se a
fazê-la funcionar. O aperfeiçoamento das máquinas, à medida que reduz o
esforço físico do homem, reduz sua participação e, em consequência, reduz
sua intervenção consciente no trabalho.

A máquina moderna dispensa a inteligência e a consciência humana,


anulando o homem. Este se torna uma peça de engrenagem cada vez mais
insignificante. Nesse sistema mecanizado de produção, o homem não produz
mais o que quer. Limita-se a fazer a máquina funcionar. Ignora o destino do
seu produto, que não lhe pertence e, quase sempre, nem sabe mesmo para
que serve. Recebe apenas um salário em troca de sua força de trabalho o qual
lhe permite recuperar seu organismo para que amanhã possa novamente
vendê-lo aos donos das máquinas. Ele se coisifica nesse processo: é uma
máquina ou um apêndice dela; uma estranha máquina cujo óleo combustível é
70
constituído de proteínas. Não é mais um homem com capacidade de pensar,
agir, tomar decisões. É apenas uma peça de engrenagem que, quando gasta
pelo uso, pode ser substituída. (Fragmento retirado do livro Alienação e
Humanismo, de Leôncio Basbaum, São Paulo: Símbolo, 1977.).

Como foi observado, o empresário compra do trabalhador a sua força


de trabalho. Este pagamento nunca corresponde ao que os trabalhadores
realmente produziram, pois o que foi produzido tem um valor muito superior ao
que recebem. Esse excedente de valor, no que diz respeito à produção,
apropriado pelo dono não é devolvido ao trabalhador; é o que Marx chama de
mais-valia, que caracteriza o capital, o sistema capitalista. O empresário
enriquece não à custa do seu próprio trabalho, mas à custa do trabalho de seus
empregados e as mercadorias vendidas a um mercado consumidor consistem
na materialização do trabalho que não foi pago ao empregado.

O trabalho alienado faz com que os homens naturalizem a exploração e


sejam passíveis às ideias da classe dominante, ou seja, à sua ideologia. Para
Marx, as ideias da sociedade são as ideias da classe dominante econômica e
politicamente. De acordo com Sell (2009, p. 53), “a ideologia é definida como
um conjunto de representações da realidade que servem para legitimar e
consolidar o poder das classes dominantes”. Portanto, o conjunto de regras,
leis e normas sociais que obrigam os homens a ter determinados
comportamentos faz parte da ideologia da classe dominante e a classe
dominada age como se estivesse se comportando segundo sua própria
vontade.

No decorrer do nosso estudo, falamos, por diversas vezes, sobre


empresário versus trabalhador, burguesia versus proletariado, patrão versus
empregado. Mas como poderá ser compreendida essa divisão antagônica?
Nos termos de Marx, essas duplas que se contradizem estão imersas numa
relação entre classes sociais. É importante destacar que a compreensão de
classe social é um conceito central no pensamento de Marx.

Na sociedade capitalista temos a existência de duas classes sociais: a


classe dominante e a classe dominada. Uma pessoa pertence à classe

71
dominante quando detém a propriedade dos meios de produção e compra a
força de trabalho de outras pessoas, usufruindo do lucro gerado pela mais-
valia. Já a classe dominada comporta a classe dos trabalhadores assalariados.
Estes, não possuem nada além da sua capacidade de trabalhar, ou seja, sua
força de trabalho que é vendida ao empresário.

Há uma relação de exploração entre os empresários e os trabalhadores.


Os últimos não recebem o valor justo pelo tempo trabalhado e pelo produto de
seu trabalho. Recebem um salário baixo utilizado para terem acesso a uma
alimentação deficiente, a péssimas condições de moradia, péssimas condições
de saúde. Com isso, quando os trabalhadores percebem essa condição em
que os burgueses gozam de privilégios inacessíveis a eles e se sentem
insatisfeitos com suas vidas precárias, organizam-se coletivamente e exigem
dos empresários ou do Estado condições dignas de vida. Porém, esta não foi
uma exigência vista com bons olhos pelos empresários que teriam seus lucros
diminuídos. E tem início o que Marx chama de luta de classes.

Essa luta de classes foi identificada por Marx que nomeou a classe
dominada de classe revolucionária. Esta, em prol dos seus direitos, lutaria pela
construção de uma sociedade sem exploradores e explorados. Portanto, de
acordo com Marx, a superação dos problemas sociais decorrentes da moderna
organização capitalista não ocorre, como postulou Durkheim, através da
ciência, mas sim da luta política.

2.5 AS CONTRIBUIÇÕES DE LOUIS ALTHUSSER

Louis Althusser foi um dos pensadores mais importantes do século XX,


cujos pensamentos foram influenciados por Karl Max. Para ele, há uma relação
recíproca entre a superestrutura (conjunto das representações sociais como
políticas, religiões etc.) e a infraestrutura social (corresponde ao material, cujo
centro está no processo do trabalho). Essa última, por ser a base econômica
da sociedade, é autônoma e determina a superestrutura. Mediante a isto, o
72
autor apresenta o Estado, em geral, como parte da superestrutura, composta
pelo governo, a administração, forças militares, polícia, o sistema penal, bem
como o sistema judiciário.

Esses subconjuntos de fatores legais e administrativos formam o


conjunto estatal de mecanismos repressivos, ou seja, aqueles aparatos que
podem e devem usar da força moral, psicológica ou física para reprimir
resistências ou oposições, quando for necessário. Logo, os aparelhos
ideológicos do Estado seriam aqueles aparelhos (jurídicos, políticos, religiosos,
sindicais, culturais e escolares) que sob a forma de instituições distintas e
especializadas complementam o sistema estatal de dominação, por meio da
ideologia. Têm a função ativa da reprodução das relações de produção, que
devem ser criadas em sua ‘naturalidade’. Assim, a reprodução das relações
sociais deveria dar-se no contexto da produção material, mas também na (re)
produção ideológica.

Althusser, como teórico crítico-reprodutivista, condena uma escola


reprodutora porque ela oferece às distintas classes sociais formas de
conhecimento e capacidades que não somente validam a cultura dominante,
mas direcionam os estudantes para caminhos diferentes na força de trabalho.

2.6 AS CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU

Pierre Bourdieu parte do pressuposto de que a escola, na sociedade


capitalista, produz e reproduz a sociedade. A sociedade de classes mantém
seus privilégios no sistema escolar. A suposta igualdade de ensino para todos
os estudantes não se sustenta. Não somente o sistema de ensino particular é
desigual conforme a escola e a clientela que o frequenta, mas também o
ensino público é diferenciado e desigual, segundo a localidade, o corpo
docente e a clientela.

73
O Ensino Superior transmite privilégios, gera status e incute respeito.
Entretanto, a maioria das vagas acaba sendo destinada aos estudantes
oriundos de escolas particulares em razão destas ofertarem um ensino mais
seletivo. O autor elabora a noção de violência simbólica, desenvolvida pelas
instituições e por seus agentes. Mediante a isto, o sistema de ensino gera essa
violência e faz com que os indivíduos vejam como naturais às representações
ou as ideias sociais dominantes que disseminam valores culturais igualmente
dominantes em toda a sociedade. Ela manifesta-se por intermédio da mídia, da
pregação religiosa, da propaganda, da moda e da educação.

Para a compreensão do significado de violência simbólica, Bourdieu


distingue dois tipos de violência: a física e a simbólica. A primeira é exercida
pela força física (bater em uma criança, ataques de policiais). A segunda
significa repassar para as pessoas e grupos sociais valores que devem ser
assimilados, caso contrário, serão punidos. Assim sendo, os estudos de
Bourdieu, além da ideia de habitus e de campos, tem no conceito de violência
simbólica uma importante referência para compreender a sociedade capitalista
e suas formas de reprodução.

Para Bourdieu os conceitos de habitus e campos são, também,


essenciais para que possamos compreender a estrutura social de forma mais
clara visualizando de forma sistemática seus processos ideológicos de
dominação. Ele entende por habitus um conjunto de capacidades que permitem
aos indivíduos agirem dentro de uma estrutura social. Por campos, entende
que esse determina espaços espaciais onde as ações se dão dentro de uma
normatização.

A partir da compreensão marxista de que a sociedade é dividida em


classe dos dominantes e classe dos dominados, Bourdieu concebe a
sociedade capitalista marcada por profundas desigualdades. No entanto, a
violência simbólica é repassada ideologicamente quando são incutidas nas
pessoas normas ou valores que devem seguir por serem considerados “os
melhores”, quando na verdade não o são. A dimensão simbólica tem a ver com
as maneiras de pensar formas de dominação social. Considerando essa

74
situação, Bourdieu trabalha com a noção de violência simbólica, que implica
formas de dominação legitimadas pela maioria da sociedade.

Para Bourdieu, através da educação o indivíduo é capaz de reconhecer


quando está sendo vítima de violência simbólica e tornar-se um ator social que
vai contra a sua legitimação.

75
SOCIOLOGIA: CONCEITOS E
DISCIPLINAS AGREGADAS

Conhecimento
Apreender conceitos teóricos da Sociologia em outros campos das ciências
sociais e suas relações dentro das instituições.

Atitude
Relacionar a Sociologia no campo das ciências sociais a outras disciplinas da
área do conhecimento.

Habilidade
Incluir análise das instituições e suas relações sociais articulando teoria e
prática em sala de aula.

76
77
3.1 DISCIPLINAS AGREGADAS

A Sociologia trabalha inserida no âmbito das ciências sociais, tendo


agregada outras disciplinas desta área do conhecimento. Embora não exista
unanimidade entre os autores sobre essa temática, segue-se a proposta de
Lakatos (1990, p. 21- 23) que nos apresenta disciplinas desta área de
conhecimento.

78
3.2 CONCEITOS E ESTRUTURA SOCIAIS

A Sociologia recorre a alguns conceitos considerados fundamentais para


seu entendimento. Apresentamos nesta unidade alguns conceitos
considerados mais relevantes para o estudo da disciplina. Atrelado a isso, a
estrutura social é a forma como uma organização integra os indivíduos dentro
de uma ordem e define, por exemplo, o papel de cada um dos seus membros.
A estrutura social funciona também como uma orientação teórica de acordo
com um sistema de crenças e interesses que media às relações sociais. Os
membros de uma sociedade tendem geralmente a compartilhar a crença na
importância dos valores definidos consensualmente.

A estrutura social inclui grandes grupos, como as sociedades,


comunidades, e pequenos grupos, como as famílias e os amigos. Mas o
conceito de estrutura social inclui também os modelos de interação social e
relações sociais. Inclui fenômenos que são tangíveis, ou visíveis, como se
relaciona e com quem; ideias ou crenças e objetivos ou interesses; podem ser
observadas as relações sociais, as ideias que os indivíduos sustentam em
comum e qualquer coisa que apreciem ou estimem.

3.2.1 Status e papéis

Status e papéis são elementos opostos e complementares; um não pode


existir sem o outro. Um papel é a coleção de direitos culturalmente definidos,
obrigações e expectativas que acompanham um status num sistema social. O
conceito de papel explica os direitos e deveres esperados por uma pessoa que
ocupa uma posição de destaque na sociedade. A posição ocupada pelo
indivíduo no grupo social denomina-se status social. O status pode ser
atribuído ou adquirido.

79
Status atribuído trata-se daquele que não é escolhido voluntariamente
pelo indivíduo e não depende de suas ações e qualidades. Já o status
adquirido é obtido de acordo com as qualidades pessoais do indivíduo. Esse
status confere ao indivíduo uma posição de destaque entre os membros do
grupo de pertencimento, pois seu status é fruto do reconhecimento de sua
capacidade.

O status adquirido está associado à capacidade profissional, intelectual


e de liderança do indivíduo na sociedade. Nas sociedades mais antigas, o
status era, quase sempre, atribuído. Na sociedade contemporânea predomina
o status adquirido pelo destaque intelectual, liderança e habilidades pessoais.

3.2.2 Relações sociais e grupo social

O indivíduo não consegue viver isoladamente, pois desde seu


nascimento convive com seus familiares, escola e trabalho, por isso, no
decorrer de sua vida, ele vai desenvolvendo aptidões para relacionar-se com
outros indivíduos.

O status e os papéis dão as bases para as relações sociais; as relações


tomam muitas formas diferentes. Algumas relações sociais são multifacetadas:
duas pessoas que vivem no mesmo bairro trabalham para a mesma companhia
e têm os mesmos amigos. Outras são simples propósitos: um paciente portador
de uma doença grave encontra-se periodicamente com seu médico para
realizar as sessões do tratamento.

As relações sociais geram mudanças e movimentos dentro de uma


sociedade e dentro de cada sociedade existem diferenças culturais. Cada
interação social é uma situação em que o comportamento de um participante
influi no do outro; os indivíduos definem e negociam suas relações, algumas
envolvem a relação direta cara a cara, outras são indiretas. Assim sendo, o
grupo social é a reunião de duas ou mais pessoas, ligadas por interesses e

80
objetivos comuns. Ao longo da vida, o indivíduo participa de vários grupos
sociais entre os quais, destacamos: Grupo Educativo – escola; Grupo Religioso
– Igreja; Grupo Familial – família; Grupo Profissional – empresa; Grupo Político
– partidos políticos; Grupo Sindical – sindicatos.

Em cada fase vivenciada, um desses grupos estará presente na vida do


indivíduo. Para melhor compreendê-los, podemos dividi-los em três: grupo
primário predomina os contatos pessoais, isto é, com a família e os vizinhos.
Os contatos são estabelecidos mais diretamente sem formalidade; o grupo
secundário consiste naqueles que são mais complexos, como a Igreja e o
Estado. Os contatos aqui são mediados pela formalidade, respeitando-se a
liturgia do cargo e da ocasião; já o grupo intermediário é aquele que se
complementa tanto no primário quanto no secundário, como por exemplo, a
escola.

As principais características de um grupo social são: a pluralidade de


indivíduos: quando há mais de um indivíduo em um grupo, coletivismo; a
organização, isto é, a ordem interna no grupo; e a objetividade que diz respeito
ao momento em que o indivíduo entra em um grupo que já existe e quando ele
sai continua existindo. Acrescentando ao que foi exposto, podemos falar de
quatro momentos fundamentais que diz respeito ao objetivo comum (atingir os
mesmos objetivos, com pensamentos e ideias), ao objetivo grupal
(pensamentos e ideias compartilhados pelos indivíduos do grupo) a
continuidade (durabilidade, não pode desaparecer com facilidade) e a interação
social (comunicação entre os grupos). Portanto, ao compreender essas
questões adentramos numa compreensão mais profunda do sentido das
relações sociais e dos grupos sociais.

3.2.3 Instituições sociais e Organizações formais

As instituições sociais consistem no elemento estrutural mais importante


dos elementos reunidos. São conjuntos estáveis e perduráveis de normas e
81
valores, status, papéis, grupos e organizações com uma estrutura para a
conduta social numa área particular da vida. Assim sendo, todas as sociedades
de grande escala têm cinco instituições sociais principais, são elas: a familiar
(responsável pelo crescimento e cuidado para com as crianças), a educacional
(assegura que as normas e valores culturais passem de uma geração para
outra e que as pessoas jovens tenham conhecimento e habilidade para realizar
papéis dentro da sociedade), a religiosa (reforça os valores, dá significado e
propósito à vida), a política (mantém a ordem social e protege os membros da
sociedade das invasões, controla os delitos e desordens internas, resolve
conflitos de interesse) e, por fim, a econômica (organiza a produção e
distribuição de bens e serviços).

A ciência, as artes, o cuidado com a saúde, o sistema legal, o exercício


e o tempo livre são elementos que também foram institucionalizados nas
sociedades modernas. A constituição familiar é o primeiro grupo com o qual
nos relacionamos, a religião é encontrada em todo o mundo desempenhando
sua função social, a educação permite-nos transmitir normas, valores e
símbolos e repassá-los aos nossos sucessores, a política mantém a ordem,
procura resolver problemas baseados nos seus interesses e, por fim, a
economia faz com que indivíduos, dentro da sociedade, fabriquem produtos
para o consumo gerando um fluxo monetário.

Assim sendo, temos a organização formal que é um grupo planejado e


criado para seguir suas metas e manter-se unido por regras explícitas e
regulamentos. Diferenciam-se os grupos pelo equilíbrio, escala, estrutura e
ênfase em fazer as coisas ou nas orientações de suas metas. As leis são
importantes para assegurar os direitos já que elas se configuram como
regulamentos que orientam a conduta moral dos indivíduos, pois sendo a lei
uma norma jurídica de observância geral por parte da população de um Estado;
num regime de direito, é ditada, promulgada e sancionada pela autoridade
pública e tem como fim regular a conduta externa dos homens.

Ao entender o sentido da lei é necessário que se possa entender o


costume vivido por cada sociedade, pois esses são normas de condutas
criadas por uma comunidade que, surgindo pela necessidade de uniformidade
82
do comportamento, vão sendo aceitas de forma obrigatória e terminam sendo
consideradas juridicamente obrigatórias. Podemos acrescentar a essa
discussão a jurisprudência que consiste em resoluções que interpretam e
uniformizam leis. Tais resoluções são elaboradas pelos Ministros da Suprema
Corte de Justiça Plena ou pelos Magistrados dos Tribunais Colegiados da
nação que têm a faculdade de interpretação das normas jurídicas de um
Estado. Havendo vários casos concretos, sem objeções, acaba por converter-
se em obrigatória.

Outro ponto de suma importância é a doutrina que é o conjunto de


estudos e opiniões sobre temas de Direito, realizados pelos pesquisadores
dessa área, munidos de propósitos teóricos e metodológicos sistematizados
com a finalidade de interpretar suas normas e assinalar as regras de aplicação.
Esse ponto vai se unificar aos princípios gerais do Direito que são axiomas
ditados pela razão e pela sabedoria que servem de inspiração e fundamento ao
direito positivo, como por exemplo, as seguintes frases doutrinárias: “Ninguém
deve ser condenado somente por suspeitas”; “É preferível absolver um culpado
a condenar um inocente”; “A boa fé presume-se, a má fé prova-se”. Por fim, a
equidade que é considerada por alguns autores também como fonte formal do
Direito.

83
ABORDAGEM TEMÁTICA DA

SOCIOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO

Conhecimentos

Entender os problemas conceituais em torno da caracterização da


globalização.

Habilidades

Identificar os padrões de mudança das culturas nacionais;

Reconhecer os pontos convergentes e divergentes da globalização.

Atitudes

Posicionar-se criticamente frente à repercussão das tecnologias na sociedade


através da globalização, bem como as desigualdades causadas por ela.

84
85
4.1 GLOBALIZAÇÃO

Comecemos pelo seguinte questionamento: O que vem a ser


Globalização? É um processo de relação cultural, social, econômica e política
que tornou o mundo conectado. É a quebra de fronteiras, o modo como os
comércios de vários países aproximam pessoas e mercadorias e a
possibilidade de realização de transações financeiras. Com isso, através da
globalização é possível à ocorrência de grandes avanços tecnológicos, o que
repercute nos meios de comunicação.

Ao estudar a globalização, a Sociologia pesquisa as transformações


sociais pelas quais o mundo moderno vem passando. Tais transformações
geram mudanças rápidas na vida social das pessoas e comprometem as
sociedades em nível social, econômico, político e cultural. A globalização pode
ser vista como o esvaziamento de culturas locais em benefício de culturas
globais. Neste cenário, imitar a cultura hegemônica é uma meta a ser
alcançada pelas culturas regionais. Mediante a isto, a cultura regional perde, no
mundo globalizado, sua influência na vida das pessoas e a participação na vida
dos indivíduos e no mercado mundial; descaracteriza-se e cede espaço para
uma cultura cada vez mais estranha à realidade local, porém vendável e
lucrativa.

As diferentes localidades moldadas por transformações sociais que


ultrapassam as fronteiras de convivência regional se aproximam e são
semelhantes. Outro exemplo emblemático dessa situação é a presença das
multinacionais no mundo que contribuíram para reordenar o modo de ser e
viver do indivíduo nessas localidades. Com isso, no centro da vida cotidiana,
que exige dos indivíduos novas e constantes identidades sociais, o encontro
com a uniformização cultural é uma saída cômoda, já que permite ao indivíduo
despir-se de sua cultura (considerada inferior) para associar-se a uma cultura
(considerada superior) de “todos”.

A emergência da indústria cultural nos países do capitalismo central e


popularização dos novos meios de comunicação e informação contribuíram
86
decisivamente para a consolidação desse fenômeno. Desta forma, a indústria
cultural teve, entre outros, o mérito de difundir para o mundo as inovações
tecnológicas. Essas novas técnicas foram incorporadas pelos jovens como
forma cotidiana de interferência em um mundo social para eles, cada vez mais
amplificado.

Dentro dessa indústria cultural, conforme Guarechi (1985), a publicidade


fez emergir e proliferar um novo estilo de vida, impulsionado pela música, pelos
filmes e pela publicidade, sobretudo de língua inglesa. Há, em tudo isso, uma
face legitimadora da cultura hegemônica que consegue impor para os países
periféricos a sua visão de mundo. Tendo uma infraestrutura de dependência,
os países periféricos passam também a ter uma cultura dependente. Portanto,
para discutir a relação entre a Sociologia e a globalização nos apoiaremos na
perspectiva de três teóricos, são eles: Anthony Giddens, Octavio Ianni e
Boaventura de Sousa Santos.

A globalização, a partir da proposta do sociólogo britânico Giddens


(1993), pode ser definida como a intensificação das relações sociais em nível
mundial, ligando espaços distantes de forma que acontecimentos locais sofram
a influência de eventos que acontecem em locais distantes e vice-versa.
Giddens destaca dois acontecimentos que impulsionaram o processo de
modernização, ou seja, de passagem das sociedades pré-modernas ou
tradicionais para as sociedades modernas.

Um dos acontecimentos refere-se à uniformização da medição do tempo


em consequência da invenção e difusão do uso do relógio no final do século
XVIII. No entanto, a maioria da população vivia em pequenas comunidades
locais e o seu sentido de espaço geográfico ou social, era reduzido.
Dificilmente os indivíduos podiam deslocar-se para além dos limites das
comunidades onde nasciam. Neste sentido, para tais populações, as
referências de espaço eram fixas. Devido à proximidade que tinha com a
natureza, o sentido de tempo do agricultor era tipicamente cíclico, dominado
pelo passar das estações do ano.

87
O relógio não era baseado no tempo sazonal, mas num tempo social e
artificial. As comunidades começaram a calibrar seu sentido de tempo com o
sentido de outras comunidades do outro lado do globo. A ideia fixa e estreita de
“lugar” e “espaço” é gradualmente destruída por um, cada vez mais enraizado,
conceito de “tempo universal”. Assim sendo, para entender a globalização, será
necessário compreender suas raízes no processo de modernização, pois ela
surge enquanto sequência de tendências originadas pelo processo de
modernização iniciada em algumas regiões da Europa no século XVIII. Tais
tendências, posteriormente, transformaram-se em influências mundiais.

A modernização substituiu as tradicionais formas de sociedade que eram


suportadas pela agricultura. O trabalhador mantinha uma forte proximidade
com a natureza, que lhe assegurava a subsistência por meio da agricultura e
possibilitava-lhe um referencial temporal cíclico baseado nas estações do ano.
A modernização envolve um gradual deslocamento das relações sociais de
interação, de contextos locais e de espaços reduzidos, para extensões
indefinidas no que diz respeito ao tempo e ao espaço.

A globalização permite a ocorrência de um processo de


internacionalização das economias, implicando numa destruição da soberania
nacional de países menos desenvolvidos e uma desconstrução do estado-
nação. Num momento de mudança de um paradigma clássico, fundado na
sociedade nacional, para um novo padrão fundado na sociedade global, a
sociedade nacional não comporta toda a realidade na qual se inserem
indivíduos e nações.

A sociedade nacional continua a ser fundamental e necessária; é uma


nova realidade nunca vivida anteriormente. Portanto, é um fenômeno que
motiva sentimentos fortes nos indivíduos, pois invade fronteiras, modifica
costumes, possibilita a abertura de novos mercados e dificulta o controle dos
estados. Também restringe a sua autonomia, altera as relações de posto,
produção, distância, tempo, redireciona o fluxo de capitais, oportuniza novos
espaços para o conhecimento.

88
A sequência da globalização da economia, política e cultural ressalta-se
desafios associados a outros pormenores diversos da sociedade, tais como:
proteção ambiental, fontes de energia, terrorismo, tráfico de drogas, racismo,
mercados, telecomunicações, produção e difusão de informações. A
globalização, ao mesmo tempo em que integra e articula, desagrega e
ocasiona tensões, reproduzindo e acentuando desigualdades e antagonismos
entre grupos, classes, minorias e outros setores da sociedade em âmbito
nacional e global. Portanto, para Giddens na globalização é possível identificar
o protagonismo de quatro espaços institucionais de poder: o sistema de
estados-nação; a economia capitalista mundial; a ordem militar mundial e a
divisão global do trabalho.

Os sistemas de estados-nação consistem na unidade política que


organiza o espaço e a população no sistema capitalista. Os estados-nação
estão baseados em formas racionais e burocráticas de administração da sua
população, bem como da lei e da ordem. A influência dos estados na ordem
política global está intrinsecamente associada à sua riqueza. Os estados-nação
desenvolvidos baseiam seus ganhos na produção industrial. Assim sendo, o
desenvolvimento de relações sociais globalizadas serve, provavelmente, para
diminuir alguns aspectos de sentimento nacionalista ligado aos estados-nação,
mas pode estar casualmente envolvido com a intensificação de sentimentos
nacionalistas mais localizados.

Desta forma, devemos compreender a economia capitalista mundial,


pois o capitalismo e a industrialização aparecem relacionados a novas formas
de produção suportadas e focalizadas na produção fabril e industrial, bem
como em novas formas de cálculo econômico, o que atribui particular relevo ao
lucro, substituindo as tradicionais formas de produção suportadas
essencialmente pela agricultura.

Dentro dessa realidade social devemos pensar a ordem militar mundial.


Para analisar a ordem militar mundial é necessário ponderar sobre: as
conexões entre a industrialização da guerra; o fluxo de armamentos e técnicas
de organização militar de umas regiões do globo para outras; as alianças que
os estados estabelecem entre si e a guerra enquanto envolvimento global, da
89
qual é exemplo a transformação de conflitos locais em questões de
envolvimento mundial. Esse processo de industrialização militar possibilitou aos
estados modernos a conquista de sociedades tribais e de impérios absolutistas.

Portanto, os estados-nação são os atores principais dentro da ordem


política global. As corporações são os agentes mais influentes no âmbito da
economia mundial. As companhias estão dependentes da produção; para ter
lucro e expandir a sua influência, é fundamental a extensão global dos
mercados de bens e capitais. Esse processo, para além do mercado de bens
e serviços, contempla também a transformação da força de trabalho em
mercadoria.

Na percepção de Octavio Ianni, dando prosseguimento a uma reflexão


sistemática, a globalização é o resultado do progresso do capitalismo não
somente como um modo de produção, mas também enquanto um processo de
civilização, resultando no aparecimento de uma complexa e antagônica
sociedade apelidada de global. Por intermédio da globalização aconteceu um
processo através do qual os povos foram incorporados a uma sociedade global
simultaneamente mundial e uniforme, nela as relações sociais, políticas,
culturais e econômicas encontram-se interligadas umas às outras.

Assim sendo, a globalização divulga a ampliação do capitalismo, não


apenas como modo de produção, mas também enquanto processo civilizatório,
impulsionado com apoio em novas tecnologias, invenção de novos produtos,
recriação da divisão internacional do trabalho e mundialização dos mercados
obrigando a existência de novas regras e exigências de ordenamento mundial.

O mapa do mundo revelou-se movediço e quebradiço, refletindo uma


espécie de mega terremoto, simultaneamente geo-histórico, econômico,
político e cultural. Assim são abalados mais ou menos drasticamente os
territórios e as fronteiras de todos os tipos, compreendendo os quadros sociais
e mentais de referência de uns e outros, indivíduos e coletividades ou povos,
tribos, nações e nacionalidades, em todo o mundo. Portanto, o processo de
globalização é acompanhado pelo aparecimento de diversas metáforas, entre
elas: “aldeia global”, “fábrica global”, “nave espacial”.

90
A expressão aldeia global implica na ideia de comunidade global, mundo
sem fronteiras. Vem mostrar a formação de uma comunidade mundial,
concretizada nas realizações e nas possibilidades de informação e
comunicação abertas pela eletrônica. Parte do pressuposto que está em curso
uma harmonização e homogeneização progressivas; baseia-se principalmente
na convicção de que a organização, o funcionamento e a mudança da vida
social, em sentido amplo, compreendem a globalização e são originados pela
tecnologia. Com isso, as províncias, nações e regiões, assim como as culturas
e civilizações, são permeadas e articuladas pelos sistemas de informação e
comunicação agilizados pela eletrônica. É possível identificar ainda na aldeia
global, além dos bens convencionais, a possibilidade de fabricação e
comercialização, em escala mundial, de informações enquanto bens.

A expressão fábrica global sugere uma transformação quantitativa e


qualitativa do capitalismo em que toda economia nacional, seja qual for,
integra-se na economia global. No entanto, o mercado, a produtividade e a
nova divisão internacional do trabalho desenvolvem-se em escala mundial. A
fábrica global instala-se além de qualquer perímetro, articulando capital,
tecnologia, força de trabalho, divisão do trabalho social e outras forças
produtivas. Dessa forma, acompanhada pela publicidade, pelos meios
impressos e pela eletrônica, a indústria cultural, mesclada em periódicos,
revistas, livros, programas de rádio, redes de computadores e outros meios de
comunicação e informação agilizam os mercados e generalizam o
consumismo.

Ianni apresenta a terceira metáfora como “nave espacial”. De acordo


com o autor, a decadência do indivíduo é uma conotação da modernidade em
épocas de globalização. As tecnicidades das relações sociais, em todos os
níveis, universalizam-se, tornando as relações técnicas sem muito contato
pessoal. Mediante a isto, a globalização é uma tendência tangível das
desigualdades internacionais, promovida pelos Estados mais potentes para
atingir seus fins. Assim expandiu-se com maior rapidez e desenvoltura em três
macrorregiões do mundo: a América do Norte, a Europa Ocidental e o Japão, a
partir dos anos oitenta do século passado. Entretanto, ao mesmo tempo em

91
que produz uma rede mundial de conexões sociais gera efeitos paralelos de
concentração espacial e seleção restritiva – isso explica seu caráter setorial,
quer sob o aspecto geopolítico quer sob o aspecto geoeconômico.

É possível dividir a globalização em três etapas, sendo a primeira


conhecida como a globalização do colonialismo, fortemente marcada pela
ocupação territorial; a segunda fase é a da fragmentação dos territórios, a qual
obteve destaque no final do século XIX e início do século XX e em
consequência desse fato ocorreu o desemprego, a pobreza e a exclusão social;
e, finalmente, a globalização do século XX, popularmente conhecido como o
período das revoluções tecnológicas, fator que marcou profundamente o
desenvolvimento da globalização nos dias contemporâneos.

Para Boaventura de Sousa Santos, nos últimos trintas anos as


interações transnacionais tiveram um forte incremento, envolvendo a
globalização dos sistemas de produção e das transferências financeiras; a
disseminação em escala mundial da informação através dos meios de
comunicação social; os deslocamentos em massa de populações sob a forma
de turistas, trabalhadores migrantes ou refugiados.

A globalização surge enquanto um fenômeno multifacetado, envolvendo


dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas.
Envolve um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos sociais, estados e
interesses hegemônicos por um lado, e grupos sociais, estados e interesses
subalternos por outro. Santos refere-se a alguns tipos de globalização, como
por exemplo: a globalização econômica que encontra subsídios no
neoliberalismo e em seus pressupostos visando a restrição violenta da
regulação pelos estados da economia para promover os direitos de
propriedade internacional para investimentos estrangeiros. Outro ponto é o de
estimular a subordinação dos estados nacionais às agências internacionais,
tais como o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do
Comércio.

Temos também a globalização social e as desigualdades pela qual o


sistema mundial foi construído enquanto sistema de classes. Com a

92
globalização, desponta a classe capitalista transnacional, cujo campo de
reprodução social trespassa as organizações nacionais de trabalhadores,
promovendo sociedades economicamente desiguais. Ainda podemos falar da
globalização política e o estado-nação que perdeu seu tradicional protagonismo
enquanto unidade privilegiada de iniciativa econômica, social e política. As
crescentes interações dos estados-nação além das fronteiras e o incremento
das práticas transnacionais limitaram a possibilidade do estado-nação de
controlar o fluxo de pessoas, bens, capitais e ideias transnacionais, cujo campo
de reprodução social trespassa as organizações nacionais de trabalhadores,
promovendo sociedades economicamente desiguais.

A globalização abriu as portas para o papel crescente das formas de


governo supraestatal. Aconteceu também a globalização da cultura visando
possibilitar a interligação entre todas as culturas, perdendo-se parte da
identidade regional de cada país. Mediante a isto, a globalização adquire dois
graus de intensidade: globalização de alta intensidade, tende a dominar nos
momentos em que as relações se apresentam muito desiguais e as diferenças
de poder são grandes, e globalização de baixa intensidade está presente nas
situações em que as interações são menos desiguais, ou seja, quando as
diferenças de poder entre países, interesses ou práticas se apresentam
pequenas.

Existe uma diferença entre localismo globalizado e globalismo


localizado. O primeiro refere-se a globalização exitosa de um fenômeno local,
como a atividade mundial de empresas multinacionais, a transformação da
língua inglesa no idioma mundial, a globalização da música popular ou do fast
food americano e a adoção mundial das leis americanas de proteção autoral
sobre os programas de computador. O globalismo localizado, por sua vez, diz
respeito ao impacto específico de práticas supranacionais sobre condições
locais que se desestruturaram ou se reestruturaram para obedecer aos
referenciais transnacionais. Estão nessas circunstâncias as medidas
definidoras do livre comércio, o desmatamento e a destruição de recursos
naturais enquanto forma de pagamento da dívida externa dos países, o uso
turístico de sítios históricos e ecológicos, a conversão da agricultura

93
sustentável em agricultura de exportação para corresponder, por exemplo, aos
desígnios do Fundo Monetário Internacional.

A globalização reflete-se em vários aspectos da vida das pessoas e


afeta a sociedade contemporânea. Ela é responsável pelas modificações
sociais que o mundo vem passando. Possui efeitos positivos e negativos,
apresenta reflexos na economia, na cultura e na política das sociedades
contemporâneas e mostra o impacto que as tecnologias da comunicação têm
na vida da sociedade. Portanto, a globalização é um desafio para os indivíduos
durante suas vidas, quer vivam numa remota aldeia chinesa ou estejam
trabalhando com um computador numa empresa da Califórnia nos Estados
Unidos da América.

Esse contexto fez com que as comunidades tradicionais fossem


marcadas pelos mercados e feiras locais. Esses mercados eram, em grande
parte, um complemento para a atividade fulcral de autossuficiência do
agricultor, o qual produzia na terra seus próprios meios de subsistência. Para
esses indivíduos, o dinheiro tinha um valor limitado, pois as trocas que
envolviam os produtos cultivados por eles com os produtos cultivados por
outros trabalhadores eram baseadas em impressões de valores locais e
particulares.

O aparecimento do dinheiro começou a mover os indivíduos dos


contextos locais aos globais e estes puderam então estabelecer relações
sociais através do tempo e do espaço. Com a modernização, surgiu a noção de
uma moeda nacional que eliminou as diferenças locais dentro de uma fronteira
nacional. Na atualidade, o dinheiro tornou-se independente de suporte físico e
de sua referência material. Portanto, a globalização varreu todas as diferenças
entre moedas nacionais como meio de troca universal possibilitando a
realização de transações entre indivíduos separados no tempo e no espaço.

94
95
Leitura obrigatória

Caro estudante, propomos que você leia a obra de


Pierre Bourdieu “A miséria do mundo”, na qual o sociólogo
detectou mecanismos de defesa e reprodução na área
educacional. Ele propõe um modo melhor de enfrentar a
política social e conhecer os problemas sociais de vários
grupos. O livro traz vários relatos e depoimentos que indicam
que o ambiente social é a reprodução de certos conflitos.

BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 2003.

Sugerimos ainda a leitura da obra de Pedrinho


Guareschi “Sociologia crítica: alternativas de mudanças”.
Nela o autor defende que a Sociologia é o estudo de grupos
de pessoas do meio social e existem duas teorias que
subsidiam as outras que regem a sociedade.

A teoria positivista-funcionalista aceita que nas


sociedades as leis sempre existiram dessa forma e assim persistirão, ou seja, é
estática, não questiona como as leis surgiram. Ao contrário da teoria positivista-
funcionalista, que busca demonstrar apenas que a sociedade mantenha-se
funcionando como se encontra. Nessa perspectiva, a teoria histórico-crítica
incorpora, dentro do conceito de realidade, o projeto de futuro que defende
mudanças.

GUARESCHI, Pedrinho A. Sociologia Crítica: alternativas de mudanças. 9


ed. Porto Alegre: Mundo jovem, 1986. 124 p. Cadernos Emejota, Português.

Após a leitura das obras, escolha uma, faça uma síntese do assunto abordado.

96
Saiba mais

Sugerimos a você, estudante, a leitura da entrevista com Eric


Hobsbawm, na qual o historiador analisa a atualidade da obra de Karl Marx e o
renovado interesse que vem despertando nos últimos anos. O historiador
fala sobre a necessidade de retomar a leitura das obras do intelectual alemão
baseado na seguinte assertiva: “Marx não regressará como uma inspiração
política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem
ser discutidos como programas políticos, mas sim como um caminho para
entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.

Propomos também a leitura da entrevista de José de Souza Martins: “Da


roça para o mundo”. Nela o sociólogo revela não considerar que a Sociologia
passe por dificuldades. As dificuldades dos sociólogos surgem em função das
dificuldades da própria sociedade que, no mundo contemporâneo, enfrenta
uma sucessão de crises sociais. O desencontro mais discutido entre os
sociólogos e a sociedade, nos dias atuais, particularmente no Brasil, encontra-
se no posicionamento político e militante que, por vezes, adotam quando
utilizam a Sociologia. Esta é, ocasionalmente, confundida com trabalho
missionário de difusão de ideias partidárias.

Para José de Souza Martins, no futuro, a Sociologia terá que ser menos
engajada no partidário e mais engajada no propriamente social no sentido de
oferecer ao homem comum um conjunto de informações sociológicas que lhe
permitam administrar no seu dia a dia possibilidades de intervenção nos
processos sociais para não sucumbir à impotência política e ao conformismo
social.

97
Revisando

No decorrer desta disciplina, discutimos a condição do homem enquanto


ser dotado da capacidade de pensar e formular conhecimentos, diferindo dos
outros animais. Assim sendo, vimos a ciência como uma forma especial de
conhecimento que se desenvolveu historicamente e diferencia-se do
conhecimento prático da vida cotidiana, o senso comum, o qual tem como
principal característica o uso sistemático de métodos que variam de acordo
com o objeto de estudo de cada ramo da ciência.

Nesse sentido a Sociologia procura explicar e conhecer os fenômenos


sociais, propondo-se a desenvolver o autoconhecimento, ao mesmo tempo em
que contribui para a formação de uma consciência social. Ela aparece no
século XIX, em decorrência de uma série de acontecimentos históricos,
econômicos e sociais que se sucederam ao longo de vários séculos, sobretudo
com a tentativa de compreender as situações sociais novas, surgidas em
resultado do aparecimento da sociedade capitalista. Portanto, os processos
históricos e epistemológicos que forjam a modificação nas formas de
organização social como a Revolução Industrial, Revolução Francesa e o
pensamento iluminista são os fatores que impulsionam o homem a sentir
necessidade de pensar, cientificamente, a sociedade apresentada a partir de
uma nova ordem social.

Comte idealizou uma Sociologia de inspiração positivista que considera


que a sociedade destina-se ao progresso; este deve vir junto com a ordem nas
instituições sociais: família, escola, empresa, religião e estado. A ordem é
essencial para manter o equilíbrio social. Nesse sentido a Sociologia deve
abster-se de qualquer discussão crítica sobre a realidade existente. Mediante a
isto, há a consolidação de uma Filosofia que prioriza as formas racionais de
explicação do mundo. Teoriza-se sobre o estudo científico da sociedade como
forma de explicar e ordenar este mundo. O positivismo preconiza um caminho
para estudar os fenômenos sociais e apresenta à humanidade a ciência
responsável pela compreensão dos fenômenos sociais: a Sociologia.

98
No decorrer do texto discutimos a institucionalização dessa ciência no
mundo acadêmico através de Émile Durkheim. Apresentamos uma
compreensão da sociedade numa perspectiva “funcionalista” explicada por
meio da metáfora do organismo vivo: as partes funcionam de forma
interdependente para a harmonia do todo. No corpo humano, as partes dizem
respeito aos órgãos que funcionam em conjunto para tornar possível a saúde
do corpo. Na sociedade, as instituições são análogas aos órgãos do corpo
humano, desempenhando um papel em conjunto para que a sociedade
funcione de modo eficaz. Por esta razão, a análise da modernidade é
desenvolvida pelo autor com base na divisão social do trabalho e na explicação
dos conceitos de solidariedade (orgânica e mecânica) para a compreensão
desta divisão em dois tipos diferentes de sociedade: a “tradicional” e a
“moderna”.

Para Max Weber, a Sociologia deve concentrar-se na análise da conduta


social, procurando compreender o significado das interações significativas de
indivíduos que formam uma teia de relações sociais. Assim, de acordo com o
autor, a conduta social somente ocorrerá quando o indivíduo tentar estabelecer
algum tipo de comunicação, a partir de suas ações, com os demais. A ação
social ocorre quando o sentido pensado pelo indivíduo considera a conduta dos
outros no momento em que uma ação é praticada. Desse modo, o sentido é
que dá à ação social seu caráter específico. O ponto de partida da Sociologia
de Weber não se encontra nas entidades coletivas, grupos ou instituições. Seu
objeto de investigação é a ação social, a conduta humana dotada de sentido.

Para Weber, as normas sociais somente tornam-se concretas quando


são manifestadas em cada indivíduo sob a forma de motivação. Desse modo,
cada indivíduo age levado por um motivo que é dado pela tradição. O autor
argumenta que a sociedade pode ser compreendida tomando por referência o
conjunto das ações individuais, orientando-se pelas ações de outros. Assim, é
praticamente impossível ao cientista atuar com imparcialidade sobre os fatos,
pois sua ação é influenciada pelo seu tempo.

A análise que Weber faz da sociedade capitalista permite que ele


reconheça uma luta latente entre os indivíduos pela existência. No contexto
99
desse conflito aconteceria na sociedade uma seleção social associada a
diferentes tipos de dominação elaborados pelo autor. A denominação está
vinculada, por um lado, ao desejo de obedecer, e, por outro, a uma crença em
sua legitimidade.

Discutimos ainda a contribuição de Marx para a Sociologia com base na


análise crítica que o autor tece acerca da modernidade. Buscamos um
entendimento da concepção de sociedade elaborada por Karl Marx a partir da
metáfora do edifício. Esta metáfora aponta para o alicerce do edifício social,
composto pela estrutura econômica da sociedade denominada infraestrutura. É
esse alicerce que sustenta as formas de consciência e as formas jurídicas e
políticas.

Abordamos a forma como Marx entende a organização capitalista e


como ocorrem os processos sociais nesta. Falamos da expropriação dos
trabalhadores, que sem a posse dos meios de produção e sujeitos às
condições impostas pelo capitalismo, passaram a ser meros trabalhadores
despossuídos. No processo de alienação, a mais-valia, o conceito de ideologia
e a luta de classes são decorrentes da insatisfação com as condições de
exploração impostas pelo capitalismo.

O marxismo propõe a deposição da classe dominante (a burguesia) por


uma revolução do proletariado (os trabalhadores), de modo a possibilitar que
os meios de produção sejam de toda a coletividade, com a distribuição
igualitária de riqueza produzida. A existência de relações de dominação em
toda e qualquer sociedade contribui para que elas sejam socialmente
construídas. Desse modo, não precisam manter-se indefinidamente, pois o
homem pode construir outros tipos de relações sem a dominação de uma
classe sobre outra.

Demos destaque também a Louis Althusser, um dos pensadores mais


importantes do século XX. Seus pensamentos foram influenciados por Karl
Marx. Para ele, há uma relação recíproca entre a superestrutura e a
infraestrutura social, cujo centro está no processo do trabalho. Essa, por ser a
base econômica da sociedade, é autônoma e determina a superestrutura.

100
Por fim, Pierre Bourdieu parte do pressuposto de que a escola, na
sociedade capitalista, produz e reproduz a sociedade. A sociedade de classes
mantém seus privilégios no sistema escolar, sendo assim a igualdade de
ensino para todos os estudantes não se sustenta. O sistema de ensino privado
é diferente conforme a escola e os que a frequentam, mas também o ensino
público é diferenciado e desigual, segundo a localidade, o corpo docente e os
frequentadores.

Estudamos também o conceito de sociedade e cultura, sendo que a


primeira corresponde a um grupo relativo de pessoas que é estudado pelos
sociólogos. Na sociedade são apresentados diversos tipos e categoriais de
cultura. Um dos critérios adotados pelos sociólogos para classificar as
categorias (Primeiro Mundo, Segundo Mundo, Terceiro Mundo e Quarto
Mundo) é o desenvolvimento econômico. Quanto aos tipos, são citadas as
seguintes sociedades: caça, sociedade pastoral e hortícola e sociedades
agrícolas.

Vimos vários conceitos errôneos de culturas bem como suas


características básicas e seus elementos como símbolos, linguagem, valores,
normas. A variabilidade cultural refere-se à diversidade de culturas nas
sociedades e lugares. Assim como existem diversos tipos diferentes de
sociedades, existem diversas culturas. Muitas vezes, tentamos julgar outras
culturas comparando-as com a nossa; a isto denominamos etnocentrismo.
Cada sociedade tem sua própria cultura, possui seu próprio comportamento,
apesar de nenhum indivíduo estar livre de um choque cultural.

Dentro da sociedade há socialização. E o que seria socialização? Como


vimos, trata-se de um processo através do qual as pessoas individuais
aprendem e são treinadas nas normas básicas, valores, crenças, habilidades,
atitudes, modos de fazer e agir da forma adequada em um grupo social ou
sociedade específica. Portanto, observamos, no decorrer deste estudo, o
objetivo da socialização, a qual dedica- se a equipar o indivíduo com valores
básicos, normas e competências que permitam sua atuação corretamente no
grupo social em que está inserido. Nesse ponto, é importante relembrar que
existem dois padrões classificados de socialização: repressiva e orientada.
101
Ademais, estudamos os diferentes tipos de socialização, são eles: a)
socialização primária ou socialização na infância: período em que boa parte da
personalidade do indivíduo é forjada. b) socialização secundária ou
socialização na idade adulta: é necessária quando o indivíduo assume novos
papéis sociais. c) ressocialização e dessocialização: ocorrem frequentemente
em instituições, como por exemplo, hospitais psiquiátricos, prisões e unidades
militares. d) socialização antecipatória: processo de ajuste e adaptação em
que os indivíduos tentam aprender e internalizar papéis, valores, atitudes e
habilidades de um status social.

Adiante, estudamos a globalização, que, segundo Giddens (1993), pode


ser definida como a intensificação das relações sociais em nível mundial,
ligando espaços distantes de forma que acontecimentos locais sofrem a
influência de eventos que acontecem em locais distantes e vice-versa. A
abordagem dessa temática, Sociologia e Globalização, foi realizada levando-se
em conta as ideias de três teóricos: Anthony Giddens, Octavio Ianni e
Boaventura de Sousa Santos.

Vimos que para entender a globalização, antes é necessário


compreender suas raízes no processo de modernização. A globalização surge
enquanto sequência de tendências originadas pelo processo de modernização
iniciada em algumas regiões da Europa no século XVIII. Tais tendências,
posteriormente, transformaram-se em influências mundiais. Portanto, a
modernização envolve um gradual deslocamento das relações sociais de
interação, de contextos locais e de espaços reduzidos, para extensões
indefinidas no que diz respeito ao tempo e ao espaço.

102
Autoavaliação

1 - Disserte sobre a diferença entre senso comum e conhecimento científico.

2 - Aponte os fatores históricos e epistemológicos que contribuíram para a


emergência, tanto de uma nova ordem social, quanto para o surgimento da
Sociologia.

3 - Levando em consideração as teorias formuladas pelo positivismo, indique a


relação entre ciência, ordem e progresso.

4 - Faça uma relação do filme Tempos Modernos com os fatores históricos que
forjaram a necessidade de fundar uma ciência para pensar o mundo social.

5 - Levando em consideração a metáfora do organismo, disserte sobre a


concepção funcionalista de Durkheim.

6 - O que você entendeu por consciência individual e consciência coletiva?

7 - Constituída por um conjunto de regras e normas que existem fora das


nossas consciências individuais, a Sociologia, para Émile Durkheim, tem como
objeto de estudo os fatos sociais. Indique as principais características destes,
conceituando cada um.

8 - Faça um comentário crítico sobre a seguinte citação: “O modo de produção


da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e
intelectual em geral”. (MARX, 1977, p.23)

9 - Explique, com suas palavras, o que significa alienação para Karl Marx.

10 - Como Marx concebe as classes sociais e as relações entre elas?

11 - De acordo com Marx, de onde provém o lucro capitalista?

12 - Para Max Weber, qual a diferença entre ação e ação social?

13 - Como o tipo ideal pode ser pensado em se tratando da realidade


concreta?

103
14 - Qual a relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo?
Explique a pergunta levando em consideração as condutas do protestantismo e
sua adequação ao capitalismo.

15 - Disserte sobre a diferença que Weber faz entre ciência e política.

16 - Considerando as ideias dos três autores, Giddens (1993), Ianni (1996) e


Santos (s/d), responda:

a) A quais mudanças o termo globalização se refere?

b) Qual o cenário futuro que a globalização deseja alcançar?

c) Será a globalização algo radicalmente novo? Em que consiste a


novidade das mudanças que são observadas em resultado da globalização?

d) Possibilitará a globalização as condições para uma nova era destinada à


humanidade?

17 - Escolha entre Durkheim, Weber ou Marx e faça um comentário sobre as


suas ideias, justificando a escolha do teórico.

18 - Escolha entre Anthony Giddens, Octavio Ianni e Boaventura de Sousa


Santos e faça um comentário sobre suas ideias, justificando a escolha do
teórico.

19 - Quais os impactos provocados pelas Revoluções Francesa e Industrial na


sociedade europeia e quais deles estiveram presentes na origem da
Sociologia?

20 - Cite os tipos e as categorias de sociedade

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