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Integração de mindfulness à
terapia cognitivo-
comportamental

Mindfulness tem sido estudada intensivamente, algumas vezes


como uma intervenção independente e algumas vezes como parte
de uma modalidade psicoterápica. Na verdade, mindfulness tem
sido praticada há milhares de anos. Muitos pesquisadores
estudaram sua eficácia para inúmeros problemas, incluindo
transtornos psiquiátricos, condições médicas e estresse (ver, p.
ex., Abbott et al., 2014; Chiesa & Serretti, 2011; Hofmann et al.,
2010; Kallapiran et al., 2015), e também como prevenção de
recaída para depressão (Segal et al., 2018).
Neste capítulo, você encontrará respostas para as seguintes
perguntas:

O que é mindfulness? Por que usá-la com os clientes?


O que é prática formal versus informal de mindfulness?
Por que você mesmo deve praticar mindfulness?
Que técnicas você usa antes de introduzir mindfulness?
Como você introduz mindfulness? Como você pratica
mindfulness da respiração, e o que faz depois?
O que é a técnica AWARE para preocupação?
O QUE É MINDFULNESS?
Uma definição de mindfulness, alcançada mediante consenso por
especialistas, é a manutenção da atenção na experiência imediata,
ao mesmo tempo que se assume uma orientação de abertura,
aceitação e curiosidade (Bishop et al., 2004). Ela o ensina a focar
no que está acontecendo no momento, seja externamente (p. ex.,
falando com alguém) ou internamente (p. ex., seus pensamentos,
emoções ou sensações corporais ou mentais), e você pratica a
predisposição para experimentar o que está acontecendo no
presente e sem julgamento. Mindfulness é de particular utilidade
quando o cliente está engajado em um processo de pensamento
mal-adaptativo, como obsessão, ruminação, preocupação ou
autocrítica. Também é muito útil quando o cliente teme
experimentar certos estímulos internos como emoções negativas,
pensamentos, imagens, fissura ou dor.
Mindfulness o ajuda a desenvolver uma relação diferente com
seus pensamentos. Em vez de se envolver com eles, por exemplo,
questionando sua validade, você nota sua presença (sem
julgamento) e permite que eles venham e vão por conta própria. O
objetivo não é eliminar o pensamento inútil ou suprimir estímulos
internos angustiantes – isso geralmente é impossível e mal-
adaptativo. Em vez disso, mindfulness o ajuda a observar e aceitar
suas experiências internas sem julgamento, sem avaliá-las ou
tentar mudá-las. Em outras palavras, você aprende a focar no
momento presente, ao mesmo tempo estando aberto, receptivo e
curioso.
Há vários tipos de mindfulness. Estes são três deles:

1. Mindfulness dos pensamentos: para clientes que ruminam excessivamente,


se preocupam ou tentam suprimir pensamentos ou imagens intrusivas.
2. Mindfulness dos estímulos internos: para emoção intensa e outras
experiências internas angustiantes.
3. Mindfulness da autocompaixão: para clientes que experimentam muita
autocrítica.
Neste capítulo, abordaremos a mindfulness dos pensamentos,
usando um foco na respiração, especificamente para clientes que
se engajam em ruminação depressiva.

A Ruminação de Abe
Este é um cenário típico em que Abe rumina. Ele está sentado no
sofá na sala, assistindo à televisão. Mas uma série de
pensamentos depressivos passa pela sua cabeça e interfere na
sua concentração. “Por que estou assistindo à TV? Eu deveria
estar procurando um emprego. Estou desperdiçando minha vida.
Eu sou um fracasso. Eu costumava ter uma vida boa, mas tudo
acabou mal. Não há esperança. Nunca vou me sentir melhor.”
Esses pensamentos se repetem interminavelmente. Eles provocam
tristeza e desesperança e um sentimento de peso em seu corpo,
minam sua confiança e motivação, e ele continua sentado no sofá
em vez de se engajar em ação de valor.
Inicialmente avaliamos esses pensamentos, e Abe sentiu algum
alívio na sessão. Mas, apesar de praticar respostas fortes a eles
em casa, seus pensamentos continuaram voltando. Abe, assim
como uma porcentagem dos clientes deprimidos, estava engajado
no processo de pensamento inútil da ruminação e tinha problemas
para se desvencilhar disso. Ele acreditava nisto:

“Se eu refletir profundamente sobre por que perdi meu


emprego e minha esposa, posso descobrir como evitar coisas
ruins como essas no futuro.”

“Se antes de tudo eu conseguir descobrir como fiquei


deprimido, vou me sentir melhor.”

Ele também se preocupava em certa medida e tinha a seguinte


crença:
“Se eu conseguir prever os problemas, talvez possa impedir
que eles ocorram.”

Essas crenças podem ser funcionais em determinadas situações,


mas se tornam altamente disfuncionais quando provocam a
recorrência dos mesmos pensamentos negativos de forma
repetida. Depois de um período de tempo, Abe desenvolveu outra
ideia disfuncional:

“Depois que eu começo a pensar assim, não consigo parar.”

A prática de mindfulness o ajudou a mudar essa crença.


Responder aos seus pensamentos era importante, mas não era
suficientemente eficiente. Depois de aprender mindfulness, Abe foi
capaz de reconhecer quando estava ruminando, de aceitar a
experiência e sua emoção negativa e então escolher não se
engajar em seus pensamentos. No início, ele aprendeu a fazer isso
focando na sua respiração e, depois, focando em sua experiência
externa.
PRÁTICAS FORMAIS E INFORMAIS
DE MINDFULNESS
Há dois tipos de práticas de mindfulness: formais e informais. Em
uma meditação mindfulness formal, você reserva um período de
tempo (p. ex., 5 a 6 minutos), vai para um local silencioso e foca
sua atenção em uma experiência particular (p. ex., respiração,
diferentes partes do corpo, movimento, pensamentos, emoções,
objetos externos ou sons); você nota quando sua atenção
dispersou da experiência específica e, sem julgamento, a traz de
volta para a experiência. Recomendamos que muitos clientes
pratiquem meditação formal por aproximadamente 5 minutos no
início. A chance de que eles mantenham uma prática formal de
mindfulness é muito maior se ela for breve.
Também recomendamos a prática informal, que é a aplicação dos
princípios de mindfulness a suas experiências cotidianas, focando
no que você está fazendo ou no que está acontecendo no
momento de forma receptiva, aberta e sem julgamento. Quando
sua mente se dispersa para o futuro ou o passado e não é útil
pensar mais nisso, traga-a de volta para sua experiência atual.
Além disso, ao notar uma relutância em experimentar
pensamentos, emoções e/ou sensações indesejadas, tome nota
da(s) experiência(s), permita que eles estejam presentes sem
tentar controlá-los e traga sua atenção de volta para a tarefa em
questão.
PRÁTICA PESSOAL
Gostaria de encorajá-lo a fazer o que eu faço, isto é, que você
mesmo use mindfulness. Costumo fazer um exercício de
mindfulness formal de 5 minutos na maioria das manhãs (focando
na minha respiração). Pratico mindfulness informal em vários
momentos durante o dia, por exemplo, quando estou comendo,
escovando os dentes ou fazendo um intervalo no trabalho.
Contemplar a natureza e experimentá-la através dos meus
sentidos me ajuda a afastar qualquer coisa da minha mente, como
o trabalho ou estressores atuais na minha vida, e aprecio o que
está à minha volta. Quando minha mente se dispersa, a trago de
volta para minha experiência imediata. Você pode ter consciência
plena de quase todas as experiências, como caminhar, dirigir,
realizar pequenas tarefas ou se engajar em atividades de cuidados
pessoais. Também pratico mindfulness formal (se for viável meditar
por 5 minutos no momento) ou informal quando percebo que estou
presa a um ciclo de pensamentos inúteis. Eu aconselharia que
você também adote a prática de mindfulness por três razões:

1. Pode ajudar a reduzir o estresse e melhorar sua sensação de bem-estar.


2. Pode ajudá-lo a entender e a descrever a técnica para os clientes.
3. Pode ajudar a motivar os clientes a praticá-la quando você usa
autoexposição sobre os benefícios que experimentou.
TÉCNICAS ANTES DE INTRODUZIR
MINDFULNESS
Alguns terapeutas cognitivo-comportamentais ensinam mindfulness
como uma habilidade independente. Mas descobrimos que integrá-
la ao tratamento com terapia cognitivo-comportamental (TCC) é
muito mais efetivo. Estas são estratégias importantes para usar
com os clientes antes que você introduza mindfulness, usando a
ruminação depressiva como exemplo:

1. Instrua o cliente sobre o modelo cognitivo.


2. Examine as vantagens e desvantagens da ruminação versus as vantagens e
desvantagens de focar no momento presente (e usando habilidades
alternativas como solução de problemas e mindfulness, quando necessário).
3. Use o questionamento socrático para testar a acurácia do que ele vê como
vantagens da ruminação.
4. Discuta como a ruminação interfere na sua habilidade de viver a vida de
acordo com seus valores.
5. Informe o cliente sobre como mindfulness pode ser útil para seu processo de
pensamento.
6. Faça-o dar início ao processo de pensamento na própria sessão.
7. Peça-lhe para avaliar a intensidade da sua emoção negativa.

Depois disso, guie o cliente durante o exercício de mindfulness,


por cerca de 5 minutos, ao mesmo tempo gravando-o (para que ele
possa praticar em casa). Depois do exercício de mindfulness, use
as seguintes estratégias:

1. Peça que o cliente reavalie a intensidade da sua emoção negativa.


2. Oriente-o para tirar conclusões sobre a experiência (para modificar ainda
mais suas crenças disfuncionais sobre o processo de pensamento).
3. Colaborativamente, defina um item no Plano de Ação, em geral praticando
mindfulness formal por cerca de 5 minutos todas as manhãs, e então
brevemente usando estratégias como mindfulness informal para desvencilhá-
lo da ruminação durante o dia.

Há duas razões para querermos que o cliente se engaje no


processo de pensamento inútil antes de começar um exercício
como mindfulness da respiração:

1. O exercício pode servir como um experimento comportamental para testar


crenças disfuncionais – por exemplo: “Ruminação é incontrolável”. O cliente
aprende que o exercício de mindfulness lhe proporciona um grau de controle
sobre a sua ruminação – o que o motiva a praticar entre as sessões.
2. É importante replicar as condições que o cliente irá experimentar quando
usar essa estratégia fora da sessão. Se eu tivesse ensinado mindfulness a
Abe durante uma sessão de terapia em que ele estivesse mais relaxado,
talvez ele tivesse retornado na semana seguinte relatando que mindfulness
não o ajudou durante a semana quando estava estressado e ruminando.
APRESENTANDO MINDFULNESS
AOS CLIENTES
A seguir, começo com Abe uma prática de mindfulness da
respiração.

JUDITH: Parece que a ruminação na verdade não é útil, não é


mesmo?
ABE: Sim.
JUDITH: Eu gostaria de lhe falar sobre mindfulness. É uma técnica
que ajuda a reduzir a ruminação, observando seus
pensamentos sem críticas e se desvencilhando do processo de
pensamento, permitindo que os pensamentos venham e vão
enquanto você volta sua atenção para outras coisas no
momento presente.
ABE: OK.
JUDITH: Primeiramente, precisamos permitir que ocorra ruminação
para que você possa experimentar neste momento os mesmos
pensamentos que tem em casa. Sente-se relaxado e feche os
olhos. Mas, se preferir, pode mantê-los abertos.
ABE: (Relaxa e fecha os olhos.)
JUDITH: (Faz uma pausa por 5 segundos.) Eu gostaria que você
começasse a pensar novamente sobre sua vida e seu futuro,
podendo ser em silêncio ou em voz alta, assim como fez
quando estava sentado no sofá esta semana: como você
deveria estar procurando um emprego, como está
desperdiçando sua vida, que fracasso você é, como tinha uma
vida boa, mas tudo ficou ruim, e como não há esperança e você
nunca vai se sentir melhor. (Faz uma pausa por 30 segundos.)
Como está se sentindo?
ABE: Muito triste.
JUDITH: Em uma escala de 0 a 10?
ABE: Aproximadamente 8.
A seguir, ligo o aplicativo para gravação em áudio no telefone
dele.

JUDITH: Agora mantenha os olhos fechados. Quero que você


foque na sua respiração, nas sensações que tem enquanto
respira. (Faz uma pausa por 10 segundos.) Observe como o ar
entra e sai das suas narinas; como é a sensação em seus
pulmões, tórax e abdome enquanto eles se expandem e
contraem. (Faz uma pausa por 15 segundos.) Você pode
observar as sensações como um todo (pausa) ou focar em uma
sensação específica, como o ar entrando e saindo das suas
narinas, o que for mais confortável para você. (Faz uma pausa
por 30 segundos.) Enquanto faz isso, notará que sua mente vai
divagar, vários pensamentos vão aparecer ou você ficará preso
na ruminação de um minuto atrás. Quando tomar consciência
disso, gentilmente traga seu foco de volta para a respiração.
(Faz uma pausa por 45 segundos.) Não importa quantas vezes
sua mente se disperse; a cada vez, apenas tome consciência de
que isso está acontecendo e gentilmente traga seu foco de volta
para a respiração. (Faz uma pausa por 30 segundos.) Não é
preciso se criticar ou ficar frustrado quando sua mente vagar,
pois é isso que nossas mentes fazem; tudo o que você tem que
fazer é notar que isso aconteceu e gentilmente trazer o foco de
volta para a respiração. (Faz uma pausa por 40 segundos.)
Tudo bem se você notar pensamentos no fundo da sua mente.
Você não precisa forçá-los a irem embora ou torná-los
diferentes. Apenas note que eles estão ali e deixe que
desapareçam por conta própria, já que seu foco principal é
nessas sensações da respiração (pausa de 60 segundos).
TÉCNICAS APÓS UM EXERCÍCIO DE
MINDFULNESS
Depois disso, paro de gravar, digo a Abe que ele pode abrir os
olhos e então lhe faço uma série de perguntas.

“O quanto sua tristeza é intensa agora, de 0 a 10?”


“Como foi isso para você?”
“O que você observou?”
“Sua mente pareceu se dispersar?”
“Você conseguiu trazer sua atenção de volta para a respiração?”
(Em caso afirmativo, pergunte) “O que isso lhe diz sobre sua capacidade de
abandonar a ruminação?”
“O que aconteceu com sua emoção enquanto você praticava mindfulness?”
“O que você conclui disso?”
“Isso foi útil?”
“Você acha que seria bom praticar isso no seu Plano de Ação?”

Você deve encorajar seus clientes a usarem exercícios formais


(se viável no momento) ou informais de mindfulness quando eles
se encontrarem empacados em um processo de pensamento inútil
ou presos a uma experiência interna desconfortável. É importante
aprender uma variedade de exercícios formais de mindfulness para
que você possa escolher um que pareça ser o mais eficiente para
um determinado cliente (ver, p. ex., Hayes et al., 2004; Kabat-Zinn,
1990; Linehan, 2018; McCown et al., 2010; Segal et al., 2018).
Para aprender em mais detalhes sobre a integração de
mindfulness à TCC, passo a passo, e para assistir vídeos, visite
beckinstitute.org/CBTresources.
A TÉCNICA AWARE
A técnica da consciência plena foi concebida para ser usada
quando os clientes se preocupam excessivamente (Beck & Emery,
1985) e/ou experimentam ansiedade excessiva. Você pode adaptá-
la para ruminação raivosa ou depressiva. Estes são os passos:

1. Aceite (A ccept) a ansiedade (ou outra emoção).


2. Observe-a (W atch).
3. Aja (A ct) construtivamente com ela.
4. Repita (R epeat) os passos.
5. Espere (E xpect) o melhor.

Esses passos são descritos no Apêndice C. Para ensinar o


cliente a usar esta técnica, peça-lhe que descreva brevemente
uma situação futura em que ele prevê que se sentirá ansioso.
Depois peça que ele imagine a situação como se estivesse
acontecendo agora e visualize a si mesmo usando os cinco
passos.
RESUMO
Mindfulness é manter a atenção na sua experiência imediata, ao
mesmo tempo estando aberto, receptivo e curioso. Pesquisas
mostram que mindfulness pode tornar o tratamento mais efetivo,
sobretudo quando o cliente está engajado em ruminação,
preocupação, pensamento obsessivo, autocrítica contínua ou
evitação de experiências internas. Integrar mindfulness à terapia
provavelmente será mais efetivo do que ensiná-la como uma
técnica independente. Encoraje os clientes a praticarem
mindfulness todos os dias, usando estratégias formais e informais.

PERGUNTA PARA REFLEXÃO


Em que aspectos a adoção de uma prática de mindfulness poderia ser útil para
você?

EXERCÍCIOS PRÁTICOS
Faça você mesmo um exercício de prática formal de mindfulness.
Leia o roteiro sobre mindfulness apresentado anteriormente neste
capítulo em um aparelho ou aplicativo de gravação em seu
telefone. Então encontre um lugar silencioso e confortável. Você
pode se sentar no chão ou em uma cadeira, deitar-se ou ficar de
pé no lugar. Feche os olhos (a menos que prefira mantê-los
abertos). Se você se preocupa ou rumina demais, se você se
critica, se tenta evitar experiências internas como emoção negativa
ou pensamentos negativos, ou se está experimentando dor ou
fissura, então tente reproduzir o processo de pensamento ou a
experiência interna desconfortável. (Se não tiver um desses
problemas, então você pode simplesmente começar o exercício de
mindfulness.) Quando ouvir a gravação, lembre-se de que é normal
que sua atenção se disperse. Não se critique nem se julgue.
Apenas traga a atenção de volta para sua respiração sempre que
notar que sua mente se dispersou. Veja como se sente depois da
meditação em comparação com antes dela.
Além disso, reserve 5 minutos agora para fazer uma prática
informal. Olhe pela janela ou para uma pintura ou dê uma
caminhada (ou se envolva em outra atividade). Use seus sentidos
para ficar plenamente consciente, receptivo, aberto e curioso sobre
a experiência. Cada vez que sua mente se dispersar, evite se
criticar e gentilmente traga o foco de volta para a experiência.

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