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COMPLIANCE E CONTROLE NA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
AULA 6

Prof. Rogério Born


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, serão abordados os institutos do accountability, governança e


transparência dentro dos sistemas de compliance e controle na administração
pública.
O primeiro tema preocupar-se-á em definir a transparência e analisar a
previsão da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de
1988, dentro do Estado Democrático de Direito, bem como a regulamentação
pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No segundo tema, a preocupação será
definir a governança e os princípios da openness, integrity e accountability, além
do respectivo tratamento pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O terceiro tema tratará de definir accountability e suas vertentes pela
prestação de contas (answerability) e pelas teoria da agência (inforcement). O
quarto tema se encarregará de relacionar o accountability com o conflito de
agência ou de representação dentro do princípio constitucional de que "todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos" (Brasil,
1988).
Por fim, o enfoque do quinto tema será direcionado ao accountability pelo
controle social realizado diretamente pelos cidadãos.

TEMA 1 – COMPLIANCE OU PROGRAMA DE INTEGRIDADE NA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O termo compliance significa a virtude da exigência de que todos os


agentes políticos, servidores e empregados públicos e todos os particulares –
pessoas naturais e jurídicas – que se relacionam com a administração pública
deverão pautar suas condutas em conformidade com o ordenamento jurídico.
Para a Administração Pública – em todos os entes – é necessário que
esses cidadãos cumpram as leis e atos normativos para evitar e dificultar a
prática de atos de improbidade que causem danos ao erário ou sejam pautados
na imoralidade. Assim, abrange conceitos de ética, moralidade e legalidade na
gestão pública.
A Administração Pública Federal denomina tecnicamente como
“programa de integridade” o compliance, e, no art. 41, caput, do Decreto n.
8.420/2015, traz algumas diretrizes que pautam a conduta dos destinatários.

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Este ato normativo estabelece que o Estado deve buscar identificar,
apurar e solucionar as irregularidades, os desvios, as fraudes e toda forma de
ilicitude que atinja a Administração Pública. Para isso, ela tem a obrigação de
implementar normas, procedimentos, sistemas e mecanismos internos para
promover a integridade, a auditoria e incentivar a denúncia de irregularidades.
Para isso, deve aperfeiçoar os seus códigos disciplinares de ética e de conduta.
Para a sistematização do programa de integridade, deverá ser
considerado na aplicação e atualização os riscos atuais das atividades de cada
órgão ou entidade. Consequentemente, isso implica na exigência da garantia de
aprimoramento contínuo e adaptação dos programas de compliance para
garantir a sua efetividade (Decreto n. 8.420/2015, art. 41, parágrafo único).
Para o governo federal, o compliance ou programa de integridade deverá
ser avaliado nos planos da existência e de aplicação (Decreto n. 8.420/2015, art.
42, caput). Para isso, é exigido primeiramente que haja o comprometimento da
cúpula do ente federativo e de suas entidades de forma que seja o apoio visível
e inequívoco ao programa de integridade (compliance) (Decreto 8.420/2015, art.
43, I).
Em segundo lugar, deve haver o estabelecimento de padrões de conduta,
código de ética, políticas e procedimentos de integridade que deverão ser
impostos a todos os servidores, empregados e administradores,
independentemente de cargo ou função exercidos, bem como a terceiros, como
fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados
(Decreto n. 8.420/2015, art. 42, II e III).
Em terceiro lugar, deve haver a promoção de contínuos treinamentos e
capacitação acerca do programa de integridade (compliance) (Decreto n.
8.420/2015, art. 42, IV). Em quarto lugar, a deve haver “análise periódica de
riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade”
(Decreto n. 8.420/2015, art. 43, V). E, em quinto lugar, deve haver a fidelidade
de registros e demonstrativos contábeis com todas as transações realizadas pela
administração e os respectivos controles internos que assegurem a segurança e
a confiança acerca dos relatórios e demonstrações financeiras (Decreto n.
8.420/2015, art. 42, VI e VII).
Em sexto lugar,

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Decreto 8.420/2015
Artigo 42
[...]
VIII – procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no
âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos
administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda
que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos,
sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças,
permissões e certidões.

Em sétimo lugar, é preciso que as autoridades com as atribuições de


aplicar e fiscalizar o programa de integridade tenham independência, estrutura e
autoridade na instância interna (Decreto n. 8.420/2015, art. 42, IX).
Em oitavo lugar, deve haver a criação e manutenção de canais de
denúncia de irregularidades que sejam abertos e plenamente divulgados
internamente e para a comunidade. Nesses meios deverão existir medidas
destinadas à proteção de denunciantes de boa-fé (Decreto n. 8.420/2015, art.
42, X).
Em nono lugar, deve haver a tipificação e aplicação de sanções
disciplinares contra a violação do programa de integridade (Decreto n.
8.420/2015, art. 43, XI). Em décimo lugar, a criação de “procedimentos que
assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a
tempestiva remediação dos danos gerados” (Decreto n. 8.420/2015, art. 42, XII).
Em décimo primeiro lugar, que sejam realizadas diligências apropriadas
para a contratação com a supervisão de terceiros, como os fornecedores,
prestadores de serviço, agentes intermediários e associados (Decreto n.
8.420/2015, art. 42, XIII). Em décimo segundo lugar, a verificação do
cometimento de irregularidades ou ilegalidades ou da existência de
vulnerabilidades durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações
societárias (Decreto n. 8.420/2015, art. 42, XIV).
Em décimo terceiro lugar, o deve haver o “monitoramento contínuo do
programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção
e combate à ocorrência dos atos lesivos” (Decreto n. 8.420/2015, art. 42, XV).
Por fim, deve haver transparência dos órgãos e entidades da administração em
relação às doações para candidatos, partidos políticos e coligações (Decreto n.
8.420/2015, art. 43, XVI).

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TEMA 2 – TRANSPARÊNCIA

A Constituição Federal (1988) colocou a transparência em seus pilares


quando determinou o cumprimento obrigatório da publicidade para todos os atos
praticados pela Administração Pública. Isso decorre do fundamento
constitucional de respeito ao Estado Democrático de Direito, que enuncia a
publicidade como um instrumento à disposição dos cidadãos para a efetivação
do controle social sobre os atos praticados pelo poder público no combate à
malversação dos erários pela fiscalização da sociedade, consolidando-se na
transparência. Isso porque a transparência como corolário da publicidade
adverte quanto à limpidez e clareza que devem adjetivar os atos, missões e
objetivos do poder público.
Nas palavras de Corbari e Macedo (2011),

A transparência é um mecanismo indispensável para permitir que os


governos sejam controlados pela sociedade e pelos demais órgãos
externos de controle e, ainda, contribui para a boa governança – que
está apoiada nos princípios da relação ética, da conformidade, da
transparência e da prestação responsável de contas. Porém, no Brasil,
há um caminho longo a ser trilhado para que a transparência deixe de
estar limitada às formas de publicação exigidas em lei.

Na concepção de Matias-Pereira (2014), a transparência é um corpo que


permite a transposição da luz e que possui a capacidade de distinguir os objetos
que se encontram por detrás dessa matéria pela espessura. Nesta esteira, a
transparência na gestão pública constitui o fato de que por trás do invólucro
formal de uma entidade pública, perfilam-se relações materiais entre os sujeitos
e os grupos percebidos.
A Constituição exige a ampla divulgação dos atos e ações do poder
público quando enuncia que:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas
dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou
imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou
servidores públicos. (Brasil, 1988)

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Corbari e Macedo (2011) chamam a atenção para o fato de que o princípio
da publicidade, por longos anos, esteve voltado para os atos oficiais, como as
leis e contratos, ouvidando-se da divulgação dos resultados, como as obras, os
serviços, as políticas públicas e os programas de governo.
A transparência, para efetivar o princípio da publicidade em relação ao
orçamento e às finanças públicas, foi acrescentada à Lei de Responsabilidade
(Lei Complementar n. 101/2000) pela Lei Complementar n. 131/2009. Como um
dos pilares dessa lei, a transparência tem como objetivo incentivar a fiscalização
e a participação da sociedade no controle das contas públicas pela promoção de
audiências públicas no processo administrativo e legislativo, bem como executar
as leis do plano plurianual, diretrizes orçamentária e leis orçamentárias anuais.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), atualizada pela Lei
Complementar n. 156/2016, define que:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais


será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso
público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as
prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório
Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal;
e as versões simplificadas desses documentos.
§ 1º. A transparência será assegurada também mediante:
I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas,
durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de
diretrizes orçamentárias e orçamentos;
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da
sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a
execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso
público; e
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e
controle, que atenda ao padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo
Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A. (Brasil, 2016)

Nas audiências públicas prévias são apresentadas para a sociedade a


disponibilidade de recursos e lançado à população um debate quanto às políticas
públicas prioritárias. No decorrer da execução orçamentária e financeira, as
audiências têm por escopo a prestação de contas aos contribuintes do
cumprimento das metas fiscais ou não, os resultados obtidos e as medidas
corretivas que serão adotadas em caso de necessidade de acordo com a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) (Lei Complementar n. 101/2000, art. 9º).
Deverão ser realizadas no final de fevereiro, maio e setembro exatamente no
Poder Legislativo para que os administradores públicos não desviem a sua
atenção para a prestação de contas do Poder Executivo.

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A Lei de Responsabilidade Fiscal (2000, art. 48-A), para instrumentalizar
a transparência, exige que os entes federativos disponibilizem a qualquer
cidadão ou pessoa jurídica o acesso às informações:

I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras


no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização,
com a disponibilizaçào mínima dos dados referentes ao número do
correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado,
à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o
caso, ao procedimento licitatório realizado;
II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita
das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.

A Lei que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da


sociedade de economia mista para impedir desvios na direção dessas entidades
da administração indireta, fixou como requisitos de transparência, entre outros,
a carta anual com a mostra dos compromissos de consecução de objetivos; a
política de divulgação de informações sobre a governança corporativa; a
divulgação dos dados operacionais e financeiros; o relatório de sustentabilidade;
e a adequação do estatuto à lei autorizadora (Lei n. 13.303/2016, art. 8º).
Para Carvalho Filho,

A norma é de difícil compreensão, pois, segundo o art. 173, § 1º, da


CF, as entidades são equiparadas às do setor privado, sendo vedada
a discriminação, sob pena de inconstitucionalidade. Assim, fica difícil
saber o que são condições distintas, significando talvez a concessão
de algum aspecto peculiar próprio de pessoas da administração
indireta. (2019)

Outro instrumento inovador da transparência é a Lei de Acesso à


Informação (Lei n. 12.527/2011), que foi sancionada juntamente com a Lei da
Comissão da Verdade (Lei n. 12.528/2011). A primeira Lei garante o direito
constitucional de informação para que todo cidadão tenha amplo conhecimento
de todos os atos, ações e políticas públicas, bem como o gerenciamento do
orçamento, das receitas e da aplicação do Erário.
O Decreto n. 7.724, de 16 de maio de 2012, que regulamenta a Lei de
Acesso à Informação, dispõe que:

Art. 7º. É dever dos órgãos e entidades promover, independente de


requerimento, a divulgação em seus sítios na Internet de informações
de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas,
observado o disposto nos arts. 7º e 8º da Lei nº 12.527, de 2011.
§ 1º Os órgãos e entidades deverão implementar em seus sítios na
Internet seção específica para a divulgação das informações de que
trata o caput;
§ 2º Serão disponibilizados nos sítios na Internet dos órgãos e
entidades, conforme padrão estabelecido pela Secretaria de
Comunicação Social da Presidência da República:
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I – banner na página inicial, que dará acesso à seção específica de que
trata o §1º; e
II – barra de identidade do Governo federal, contendo ferramenta de
redirecionamento de página para o Portal Brasil e para o sítio principal
sobre a Lei nº 12.527, de 2011.
§ 3º Deverão ser divulgadas, na seção específica de que trata o §1º,
informações sobre:
I – estrutura organizacional, competências, legislação aplicável,
principais cargos e seus ocupantes, endereço e telefones das
unidades, horários de atendimento ao público;
II – programas, projetos, ações, obras e atividades, com indicação da
unidade responsável, principais metas e resultados e, quando
existentes, indicadores de resultado e impacto;
III – repasses ou transferências de recursos financeiros;
IV – execução orçamentária e financeira detalhada;
V – licitações realizadas e em andamento, com editais, anexos e
resultados, além dos contratos firmados e notas de empenho emitidas;
VI – remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto,
graduação, função e emprego público, incluídos os auxílios, as ajudas
de custo, os jetons e outras vantagens pecuniárias, além dos proventos
de aposentadoria e das pensões daqueles servidores e empregados
públicos que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme
estabelecido em ato do Ministro de Estado da Economia;
VII – respostas a perguntas mais frequentes da sociedade;
VIII – contato da autoridade de monitoramento, designada nos termos
do art. 40 da Lei nº 12.527, de 2011, e telefone e correio eletrônico do
Serviço de Informações ao Cidadão – SIC; e
IX – programas financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador –
FAT.

Por fim, a Constituição estabelece que “a lei só poderá restringir a


publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem” (art. 5º, LX). Aqui deve ser entendido não somente os atos
processuais judiciais, mas também os administrativos. A Lei de Acesso à
Informação traz uma longevidade quando permite o acesso de quase toda
documentação oficial no período de 50 anos. O sigilo poderá ser imposto, em
prazos renováveis por uma única vez, por cinco anos quando a documentação
for reservada; 15 anos quando for secreta; ou 25 anos quando for ultrassecreta.

TEMA 3 – GOVERNANÇA

A complexidade da contabilidade pública em relação aos lançamentos de


rubricas orçamentárias e financeiras induz a confusão pelo contribuinte, o que
facilita e incentiva o abuso de poder por políticos oportunistas e irresponsáveis.
Por essa razão, quando o monitoramento incentivado e os debates públicos
acerca da concepção e resultados são realizados, a transparência contribui para
uma melhor governança pela amplicação do controle social.

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Isso exige dos administradores públicos um elevado grau de
responsabilidade fiscal e a redução dos graus de risco de manutenção de
políticas insustentáveis (Alesina; Perotti, 1996, citado por Corbari; Macedo,
2011).
Carvalho Filho define a governança corporativa como “o conjunto de
processos, costumes, políticas, leis, regulamentos e instituições que disciplinam
a forma e os métodos pelos quais a empresa é dirigida, administrada ou
controlada” (2020, p. 742). Para o autor (2020, p. 743), a governança se constitui
em um “microssistema que norteia as ações e diretrizes da entidade” e envolve
o papel social nas relações entre sócios e organizacionais, entre a empresa, a
administração pública e a sociedade. Para que isso se efetive, os princípios de
governança corporativa devem se converter em recomendações objetivas que
conciliem a otimização do valor econômico de longo prazo no aspecto
quantitativo, propiciando a gestão da empresa no aspecto qualitativo.
O autor também afirma que, na gestão empresarial, são desenvolvidos o
compliance como compromisso de autonormatização, e as normas, como as
políticas e as diretrizes, para o exercício das atribuições da Administração
Pública para o impedimento, identificação e regulação de eventuais
inconformidades, bem como para instruir as ações e estratégias empresariais.
Corbari e Macedo ressaltam que:

A boa governança pública tem como pilar, além dos princípios


constitucionais da legalidade, legitimidade e eficiência no
gerenciamento dos recursos públicos, a transparência e a
responsabilidade em prestar contas dos atos de gestão. A boa
governança fortalece a democracia na medida em que permite o
gerencialmente transparente e responsável dos recursos públicos.
(2011, p. 13-14)

Para os autores, a governança “é uma palavra bastante utilizada no


atual ambiente organizacional, seja ele público ou privado, tornando-se, no
setor público, um conceito-chave símbolo de modernização do setor público”
(2011).
Eles também enumeram que o Internacional Federation of Accountants
(IFAC) estabeleceu três princípios de governança para o setor público. O
primeiro é o openness (transparência), que é a

ação necessária para assegurar que stakeholders possam ter


confiança na tomada de decisões e de ações das entidades do setor
público, na gestão de suas atividades e nos indivíduos que a
gerenciam. (Corbari, Macedo, 2011)

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O segundo é o integrity (integridade), que tem como norte a honestidade,
a objetividade e padrões elevados de decoro e de probidade na gestão do erário,
os quais refletem na tomada de decisão e na qualidade dos demonstrativos
orçamentários e financeiros, bem como nos relatórios de desempenho.
Nesta linha, Matias-Pereira (2014) ressalta que a governança é a boa
prática formada pela “liderança, integridade e compromisso (relativos a
qualidades pessoais), responsabilidade em prestar contas, integração e
transparência”. O autor ressalta, ainda, que a governança é a exigência de que
todas as entidades públicas sejam transparentes e responsáveis por suas ações,
haja vista que os cidadãos são os principais destinatários do uso apropriado dos
recursos públicos.
A Lei que disciplina o estatuto das empresas públicas e sociedades de
economia mista determina a observação das regras de governança corporativa
(Lei n. 13.303/2016, art. 6º).

TEMA 4 – ACCOUNTABILITY E SUAS ORIGENS

O termo accountability possui origem na língua inglesa e não tem tradução


literal para a língua portuguesa. Corbari e Macedo (2011, p. 13-14) definem
accountability como a obrigação de efetuar a prestação de contas dos resultados
alcançados em decorrência das responsabilidades recebidas por delegação de
poder. Os autores também ressaltam que “se há uma delegação de poder,
consequentemente se exige uma responsabilidade, que é a de prestar contas de
seu desempenho e de seus resultados a seus representados”.
Para Nakagawa (1993, p. 17), o termo “accountability” é aplicável sempre
que o principal responsável delega uma parte de seu poder ou direito a um
agente. Este delegado assume a responsabilidade por representação do
delegante com o compromisso de cumprir exatamente os termos do objeto de
delegação e prestar contas do seu desempenho ao final do mandato. Nesse
conceito, o accountability é exatamente a dupla responsabilidade de agir
corretamente e de prestar contas de desempenho e resultados.
Nesta definição, Corbari e Macedo (2011, p. 15) afirmam que o
accountability denota circunstâncias que envolvam a responsabilidade social, a
imputabilidade, os deveres de prestação de contas e a responsabilização.
Alexandre Mazza aborda accountability como corolário do princípio da
responsividade que tem origem norte-americana, em que “a função do
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administrador público inclui o dever subjetivo de prestar contas pela legitimidade
das suas escolhas fiscais”. Nesta seara, o princípio da responsividade consiste
na responsabilização do gestor público quando não cumpre a vontade do
administrado prevista na lei orçamentária (Limmer, 2020, p. 56).
Villagelim, Albuquerque, Silva e Alves (2011, p. 8) definem accountability
como o procedimento pelo qual o setor público e seus agentes se
responsabilizam por suas decisões e ações no aspecto financeiro e de resultado
para submissão ao exame minucioso pelo escrutínio externo. Para Schedler
(1999, citado por Corbari; Macedo, 2011), as conotação de accountability são a
capacidade de resposta dos gestores por meio da prestação de contas
(answerability) e da capacidade de responsabilização pelas agências de
accountability (inforcement).
Para Matías-Pereira (2007, p. 36):

O termo accountability pode ser aceito como o conjunto de


mecanismos e procedimentos que induzem os dirigentes
governamentais a prestar contas dos resultados de suas ações à
sociedade, garantindo-se dessa forma níveis de transparência e
exposição pública das políticas públicas. Quanto maior a possibilidade
de os cidadãos poderem discernir se os governantes estão agindo em
função do interesse da coletividade e sancioná-lo apropriadamente,
mais accountable é um governo.

Carvalho Filho (2020, p. 316) constata que a ciência política moderna tem
conduzido o controle dentro da seara da accountability para indicar a análise de
elementos fundamentais da Administração Pública, como a gestão de recursos,
o exercício de atribuições e a condução das entidades da administração direta e
indireta. Para isso, recorre-se a um campo mais aberto e eficaz do controle com
dois fundamentos, que são a regulação estatal da vida pública e privada e a
emergência da democracia como modelo mais justo e popular de governo.
Por fim, o accountability (alocação de recursos e prestação de contas)
pode ser entendido como o procedimento em que as entidades do setor público
e os agentes públicos com poder decisório (inclusive pela gestão de fundos
públicos) se submeterão ao escrutínio externo adequado quanto ao
desempenho. Assim, o accountability ou princípio de responsividade consiste no
dever do administrador de prestar contas e ser responsabilizado pelo uso do
erário.

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TEMA 5 – ACCOUNTABILITY E O CONFLITO DE AGÊNCIA

A Constituição brasileira define a República como um Estado Democrático


de Direito com fundamento no princípio de que "todo o poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos" (art. 1º, parágrafo único). A
teoria da agência surge no exato momento em que os cidadãos delegam nas
urnas o poder de decidir em seu nome os representantes eleitos. Assim, surge
a relação entre os titulares do poder e os agentes políticos, e o conflito de agenda
surge quando o agente (governo) assume o compromisso de efetivação de
serviços públicos para os cidadãos mediante a contraprestação de um subsídio.
A agência pública é definida por Jensen e Meckling (1976, citado por
Corbari; Macedo, 2011) como "um contrato no qual uma ou mais pessoas (o
principal) contratam uma outra pessoa (o agente) para desempenhar algum
serviço em seu nome, envolvendo a delegação de algum poder de decisão ao
agente". Os conflitos de agência surgem com a assimetria informacional entre o
titular (cidadão) e o agente político (governo), que emerge à medida em que não
há conhecimento pelo cidadão dos atos praticados pela administração pública,
decorrente da assimetria informacional.
Para Berle e Means (1932, citado por Corbari; Macedo, 2011), o conflito
de agência ocorre quando os agentes políticos com interesses divergentes do
agenciado primeiramente agem para satisfação dos seus interesses em
detrimento dos objetivos dos titulares, colocando em risco o patrimônio comum.
Para Filho (1996, citado por Corbari; Macedo, 2011), a existência da
relação de agência pressupõe que o agente público dispõe de uma variedade de
condutas passíveis de adoção; a ação do gestor público atinge o bem-estar dos
cidadãos titulares e as ações do agente, em regra, são observáveis pelo cidadão
como assimetria informacional.

NA PRÁTICA

O Tribunal de Contas de União tomou a seguinte decisão envolvendo a


transparência:

É obrigação do Exército, nos orçamentos para obras em regime de


cooperação com órgão federal, em que seja utilizada metodologia
diferenciada, observar os seguintes procedimentos: a) adoção de total
transparência na orçamentação, apropriação e uso dos recursos
provenientes da depreciação dos equipamentos de engenharia
utilizados; b) registro, a título de depreciação, apenas daquela prevista

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para os equipamentos a serem utilizados na própria obra; c)
especificação e quantificação, no Plano de Trabalho, da depreciação
registrada no orçamento; d) justificação da adoção de índices de
produtividade inferiores ao máximo, conforme faixa de variação
prevista na metodologia; e) utilização de produtividades tradicionais no
caso de serviços terceirizados; f) orçamento detalhado das atividades
de mobilização, desmobilização, canteiro e acampamento e seu
registro como custo direto; g) devolução dos saldos financeiros
remanescentes, inclusive os provenientes das receitas obtidas nas
aplicações financeiras realizadas, à entidade ou órgão repassador dos
recursos. Quando a aplicação do procedimento diferenciado resultar
em preço unitário ou preço global superior ao que seria obtido por meio
da utilização do método tradicional, o Exército deverá apresentar
relatório técnico circunstanciado, elaborado por profissional habilitado
e aprovado pela autoridade competente. (Consulta 019.281/2009-8,
2010)

FINALIZANDO

No primeiro tema desta aula, destacamos que a Constituição contempla


a transparência quando exige que a Administração Pública obedeça ao princípio
da publicidade e dispõe que

a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos


órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou
imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou
servidores públicos. (art. 37, caput e parágrafo 1º)

No segundo tema, aprendemos que as regras da governança estão


prescritas na lei que disciplina o estatuto das empresas públicas e sociedades
de economia mista, determinando a observação das regras de governança
corporativa (Lei n. 13.303/2016, art. 6º).
No terceiro tema, vimos que accountability consiste no dever de prestação
de contas (answerability) e na capacidade de responsabilização pelas agências
de accountability (inforcement). No quarto tema, vimos que o conflito de agência
surge quando o agente político toma decisões e pratica atos dissonantes em
relação à vontade do titular de poder.
Por fim, no quinto tema, vimos que o controle social é exatamente o
sistema de accountability destinado ao monitoramento e à fiscalização da
Administração Pública pelos cidadãos como titulares do poder.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de


1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso
em: 14 out. 2021.

______. Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Diário Oficial da União


Brasília, DF, 5 maio 2000. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 14 out.
2021.

BRASIL. Lei Complementar 131, de 27 de maio de 2009. Acrescenta


dispositivos à Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece
normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e
dá outras providências, a fim de determinar a disponibilização, em tempo real,
de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp131.htm>. Acesso em: 14 out.
2021.

______. Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Diário Oficial da União,


Brasília, DF, 18 nov. 2011. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>.
Acesso em: 14 out. 2021.

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