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Sónia Vespeira de Almeida

A ruralidade no processo de transição


para a democracia em Portugal
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do Movimento das
Forças Armadas (1974-1975)

Orientador | Prof. Doutor João Aires de Freitas Leal

Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa | Departamento de Antropologia

Julho | 2007
RESUMO

Esta tese problematiza a equação “povo-ruralidade” no quadro da transição


democrática portuguesa, tomando como corpo empírico as Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas.
Realizada entre os anos de 1974 e 1975, esta iniciativa percorreu sobretudo o Norte e
Centro de Portugal, nomeadamente as zonas rurais do Minho, Trás-os-Montes,
Beira Alta, Beira Baixa e o arquipélago dos Açores.
Procurando contrariar a versão folclórica do país promovida pelo Estado Novo, os
protagonistas desta experiência constroem um campo discursivo paradoxal, onde se
entretecem conceitos como cultura, tradição, subdesenvolvimento, descentralização
e cidadania.

Este trabalho analisa igualmente a visão local das Campanhas de Dinamização


Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas que tiveram como destino
os distritos de Viseu e de Bragança, examinando a forma como foram recebidas e
interpretadas pelas populações.

Palavras-chave: cultura popular, camponeses, revolução, Movimento das Forças


Armadas

ABSTRACT

This thesis examines the representations of rural Portugal in the light of Portuguese
democratic transition, taking as an empirical field the Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas. This initiative took place
between 1974 and 1975, and covered the North and Interior of Portugal, mainly in
the rural areas of the Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta, Beira Baixa and the Azores
archipelago.
Trying to confront the “idea of Portugal” promoted by the Estado Novo (New State)
the protagonists of this initiative construct a paradoxical discursive field, where
concepts such as culture, tradition, underdevelopment, decentralization and
citizenship intertwined.
This dissertation also analyzes the local vision of the Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Civica do Movimento das Forças Armadas that targeted the regions of
Viseu and Bragança, examining the way they were received and interpreted by the
populations.

Keywords: folk culture, peasants, revolution, Movimento das Forças Armadas


ÍNDICE

Índice das figuras vii


Índice dos organigramas vii
Índice das fotografias vii
Siglas ix
Agradecimentos xiii

PARTE I | CAMPONESES, ANTROPOLOGIA E REVOLUÇÃO

CAPÍTULO 1| Apresentação: categorias, problemas e métodos 2


CAPÍTULO 2| O 25 de Abril e a Antropologia 10
CAPÍTULO 3| Campanhas de Dinamização Cultural e Acção 18
Cívica do MFA: uma etnografia retrospectiva

PARTE II | A CONSTRUÇÃO DO PORTUGAL REVOLUCIONÁRIO E


A INTEGRAÇÃO DO POVO NA SOCIEDADE PORTUGUESA

CAPÍTULO 4| A “nação em movimento” 35


CAPÍTULO 5| O Programa de Dinamização Cultural enquanto projecto 50
patriótico
CAPÍTULO 6| Dinamização cultural: um projecto de génese militar 61
ou civil?
CAPÍTULO 7| A Comissão Dinamizadora Central (Outubro de 1974 75
– Novembro 1975)
7. 1. | A Acção Cívica 109

7. 2. | O Poder Popular 122


CAPÍTULO 8| “O MFA à procura de um país”. Trajectos 142
8.1.| Outros trajectos 211
CAPÍTULO 9| Inteligência Política de Actuação. Tipologia e formas de 214
acção
CAPÍTULO 10| O MFA não tem partido 227

v
PARTE III | IMAGENS DO POVO NA REVOLUÇÃO

CAPÍTULO 11| Portugal, anos 70 238


CAPÍTULO 12| O povo do MFA 242
CAPÍTULO 13| Camponeses “reinventados” I. A contra-pastoral 261
revolucionária
13. 1. | Cultura e “fascismo” ou o “o mito do bom 268
camponês”
13. 2. | O que estava por detrás da tela? A face visível do 279
“fascismo”
CAPÍTULO 14| Camponeses “reinventados” II. A pastoral 300
revolucionária
14. 1. | A autenticidade resgatada 308
14. 2. | Trabalhar com o povo, Construir a Revolução 327

PARTE IV| DISCURSO LOCAL SOBRE AS CAMPANHAS DE


DINAMIZAÇÃO CULTURAL E ACÇÃO CÍVICA DO MFA

CAPÍTULO 15| Múltiplas vozes 347


15. 1. | “Veio o Movimento, veio a liberdade” 352
15. 2. | “Foi uma nuvem negra que aqui passou e não 367
deixou saudades nenhumas!”

CAPÍTULO 16| “Ó Portugal que Vida é a Tua?” 388

FONTES 395
BIBLIOGRAFIA 400
ANEXOS
ANEXO I| Grupos e peças de teatro representadas 429
ANEXO II| Cartazes 433
ANEXO III| Filmes, documentários e programas exibidos 437
ANEXO IV| Notas biográficas 441
ANEXO V| Campanhas de Dinamização Cultural e Acção 449
Cívica do MFA. Cronologia dos Acontecimentos
(1974-1976)

vi
ÍNDICE DAS FIGURAS

Fig. 1| Muito prazer em conhecer vocelências. Cartaz. João Abel Manta, 1974 2
Fig. 2| MFA, Povo, Povo, MFA. Cartaz João Abel Manta. 1974 52
Fig. 3| Flor – Libertação/Fruto-Democracia/Semente-Socialismo/Forças Armadas 95
– Raízes de uma Revolução. Cartaz. Vespeira, 1975
Fig. 4| Poder Popular. Unidade Revolucionária. Cartaz. Vespeira, 1975 123
Fig. 5| Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica: zonas de 145
incidência
Fig. 6| Emigrante. Unidos Venceremos. Postal. Armando Alves, 1975 212
Fig. 7| Povo-Voto, Voto-Povo. Cartaz. Vespeira, 1975 228
Fig. 8| Uma flor na arma/O povo na rua/ Ó Portugal que vida é a Tua? Postal. 388
Júlio Pomar, 2004

ÍNDICE DOS ORGANIGRAMAS

Organigrama 1| Programa de Dinamização Cultural 60


Organigrama 2| Comissão Dinamizadora Central. «Anexo A» à Directiva 127
2/75
Organigrama 3| Comissão Dinamizadora Central. «Anexo A» à Directiva 127
2/75

ÍNDICE DAS FOTOGRAFIAS

Foto 1| Covelo de Paiva, 1975. Manuel Cruz Fernandes 118


Foto 2| Equipa de dinamização, Castro Daire, 1975. Autor desconhecido 181
Foto 3| Manuel Cruz Fernandes, Castro Daire, 1975. Autor desconhecido 181
Foto 4| Sessão de esclarecimento em Cabril, Castro Daire, 1975. Manuel 184
Cruz Fernandes
Foto 5| Covas do Rio, 1975. Jornalista russo entrevista a equipa de 194
dinamização. José Carlos Chã de Almeida
Foto 6| Covas do Rio, 1975. José Carlos Chã de Almeida 194
Foto 7| Crianças com o jornal Desporto Novo que alude à participação da 197
Direcção-Geral dos Desportos na Dinamização Cultural. Oferta
Francisco Albuquerque
Foto 8| Povoação do concelho de Castro Daire, 1975. Autor desconhecido 214

vii
Foto 9| Mamouros, Castro Daire, 1975. Manuel Cruz Fernandes 238
Foto 10| Povoação do concelho de Castro Daire, 1975. Manuel Cruz 242
Fernandes
Foto 11| Picão, Castro Daire, 1975. Manuel Cruz Fernandes 261
Foto 12| Carvalhosa, Castro Daire, 1975. Manuel Cruz Fernandes 300
Foto 13| Povoação do concelho de Castro Daire, 1975. Manuel Cruz 327
Fernandes
Foto 14| Povoação do concelho de Castro Daire. 1975. Manuel Cruz 347
Fernandes

viii
SIGLAS
A|
ADU – Assembleia de Unidade
AMFA – Assembleia do Movimento das Forças Armadas
ANI – Agência Noticiosa de Informação
ANP – Acção Nacional Popular

B|
BAT – Brigadas Anti-Totalitárias
BC – Batalhão de Caçadores

C|
CAT – Comité dos Anti-fascistas transmontanos
CCE – Centro Cultural de Évora
CDS – Centro Democrático Social
CDAP – Comissão de Dinamização para o Associativismo das Praças
CDR – Comités de Defesa da Revolução
CEIP – Centro de Esclarecimento e Informação Pública
CEMGFA – Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas
CIASC – Comissão Interministerial para os Assuntos Culturais
CICA – Centro de Instrução de Condução Auto
CISMI – Centro de Instrução de Sargentos Milicianos
CR – Conselho da Revolução
CODICE – Comissão Dinamizadora Central
CODIRE – Comissão Dinamizadora Regional
CODIDI – Comissão Dinamizadora Distrital
COPCON – Comando Operacional do Continente

D|
DGD – Direcção-Geral dos Desportos

E|
ELP – Exercito de Libertação de Portugal
EMGFA – Estado Maior General das Forças Armadas
EMA – Estado Maior da Armada
EME – Estado Maior do Exército
EMFA – Estado Maior da Força Aérea
EMGFA – Estado Maior General das Forças Armadas
ENDO – Encontro Nacional do Desporto
EPAM – Escola Prática de Administração Militar
ESBAP – Escola Superior de Belas Artes do Porto

F|
FA – Forças Armadas
FAOJ – Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis
FMH – Fundo de Fomento da Habitação
FNAT - Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho
FSP – Frente Socialista Popular

ix
G|
GDA – Gabinete de Dinamização da Armada
GDE – Gabinete de Dinamização do Exército
GDFA – Gabinete de Dinamização da Força Aérea
GDU – Gabinete de Dinamização de Unidade
GNR – Guarda Nacional Republicana

I|
IAEM – Instituto de Altos Estudos Militares
IRA – Instituto de Reorganização Agrária

J|
JCCP - Junta Central das Casas do Povo
JOC – Juventude Operária Católica

L|
LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil

M|
MDLP – Movimento Democrático para a Libertação de Portugal
MCS – Ministério da Comunicação Social
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MEIC – Ministério da Educação e Investigação Científica
MES – Movimento de Esquerda Socialista
MDAP – Movimento Democrático de Artistas Plásticos
MDP/CDE – Movimento Democrático Português/Comissão Democrática
Eleitoral
MFA – Movimento das Forças Armadas
MRPP – Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado
MUD – Movimento de Unidade Democrática
N|
NATO - North Atlantic Treaty Organisation

P|
PAP – Plano de Acção Política
PCP – Partido Comunista Português
PDC – Partido Democrata Cristão
PSD – Partido Social Democrata
PIB – Produto Interno Bruto
PIDE/DGS – Polícia Internacional de Defesa do Estado/Direcção-Geral de
Segurança
PPD – Partido Popular Democrático
PREC – Processo Revolucionário em Curso
Pró-UNEP – Pró-União Nacional dos Estudantes Portugueses
PRP/BR – Parttido Revolucionário do Proletariado/Brigadas
Revolucionárias
PS – Partido Socialista
PSP – Polícia de Segurança Pública

R|
RAL – Regimento de Artilharia Ligeira

x
RAP – Regimento de Artilharia Pesada
RC – Regimento de Cavalaria
RI – Regimento de Infantaria
RIV – Regimento de Infantaria de Viseu
RMC – Região Militar Centro
RTP – Rádio e Televisão Portuguesa

S|
SAAL – Serviço Ambulatório de Apoio Local
SADA – Serviço de Apoio ao Desenvolvimento Agrário
SCE – Serviço Cívico Estudantil
SIPFA – Serviço de Informação Pública das Forças Armadas
SNI – Secretariado Nacional de Informação Cultura Popular e Turismo
SPN – Secretariado de Propaganda Nacional
SUV – Soldados Unidos Vencerão

U|
UEC – União dos Estudantes Comunistas
UNEP – União Nacional dos Estudantes Portugueses

xi
AGRADECIMENTOS

Esta dissertação é o resultado do apoio, do incentivo e da amizade de um


conjunto de pessoas e instituições que a ajudaram a construir.

À Fundação para a Ciência e Tecnologia – Ministério da Ciência e Ensino


Superior agradeço a atribuição de uma bolsa de doutoramento.

O meu afectuoso e ilimitado agradecimento é dirigido a todas as pessoas que


entrevistei e que acederam em falar da sua experiência. Do conjunto dos
entrevistados gostaria de destacar aqueles que comigo partilharam os seus
arquivos particulares: Prof. Doutor Manuel Madeira, Dr. Júlio Carvalho, Dr.
Manuel de Brito e José Carlos Chã de Almeida. Alguns dos entrevistados, para
além destas partilhas, transformaram-se em amigos e, neste sentido, gostaria de
destacar o apoio e incentivo do coronel Manuel Cruz Fernandes e do arquitecto
Rodrigo de Freitas.

Ao Tenente-coronel Aniceto Afonso, Director Arquivo Histórico Militar, o meu


reconhecimento pelo facto de me ter facultado a consulta do núcleo de
documentos da 5ª Divisão/EMGFA no Arquivo do Ministério do Ministério da
Defesa Nacional (em organização) que na época ocupava algumas salas do Forte
de São Julião da Barra. Aos funcionários deste arquivo Dra. Conceição e 1.º
Sargento Neto, o meu agradecimento por proporcionarem as melhores condições
de trabalho. De facto, o trabalho em arquivos e bibliotecas é uma experiência
morosa que se torna mais célere quando os seus funcionários abraçam também as
nossas investigações. No Centro de Audiovisuais do Exército agradeço a
disponibilidade e amabilidade do Sargento Caldas e do Sr. Tomás.

Ao Prof. Doutor João Leal, orientador deste trabalho, a minha gratidão é


ilimitada pelo empenho, rigor e motivação que sabiamente me transmitiu e com
quem continuo a aprender sobre o “saber fazer” em Antropologia. Em diversos
momentos organizou sessões de trabalho com os seus “orientandos” permitindo

xiii
o debate e confronto de ideias fundamentais para a maturação de alguns
argumentos. Aos colegas José Neves, Vera Marques Alves, Sandra Xavier e mais
recentemente Catarina Alves Costa, Pedro Sena e Eduarda Rovisco agradeço as
sugestões, as conversas que ajudaram a tornar o processo de investigação mais
fácil.

Como este trabalho começou a ser delineado no âmbito do mestrado


“Antropologia: património e identidades” (1998-1999), agradeço ao seu corpo
docente e aos meus colegas as sugestões e críticas que ajudaram a edificar esta
dissertação.

Aos meus colegas do Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa e ao seu


director, Professor Jorge Crespo, agradeço o estímulo e apoio concedido. À Prof.
Doutora Paula Godinho, que me acompanha nesta caminhada há já alguns anos,
e com quem discuti algumas dimensões desta investigação, a minha imensa
gratidão pela amizade e disponibilidade inexcedíveis.

Estou particularmente grata às Professoras Doutoras Fátima Sá e Luísa Tiago de


Oliveira pelos caminhos apontados, sugestões bibliográficas e empréstimo de
alguns materiais que se revelaram de grande importância.

Um agradecimento especial é dirigido a duas pessoas que partiram durante este


trabalho. Ao Vespeira agradeço os “berlindes da sorte” e ao Maestro Filipe de
Sousa a forma como soube partilhar os seus múltiplos universos.

Sob diferentes maneiras, e em diversos momentos, recebi de colegas e amigos


manifestações de apoio, afecto e compreensão por “não ter estado tão presente”.
Muito obrigada à Rita Cachado, à Rita Almeida de Carvalho, à Emília Margarida
Marques e José Abraços, à Sónia Ferreira, ao Tiago Silva, ao Pedro Félix, à
Cristina Toscano, à Rute Carvalho, à Rute França, à Ana Barata, ao Paulo
Rodrigues, à Cíntia Mendes, ao Miguel Orlando Gama, ao Nuno Correia, à Dulce
Freire e ao Sr. Adílio Soares.

xiv
À minha família um agradecimento do tamanho do mundo. Às minhas irmãs
agradeço o incentivo que sempre souberam transmitir e a ajuda extraordinária
em diferentes momentos desta investigação. À Inês pelos momentos que a
Antropologia roubou à Joalharia. À Ana agradeço as leituras que foi fazendo do
texto da tese.

Aos meus pais e avós a minha gratidão pelo apoio vigilante e pelo mimo que
sempre me transmitiram ao longo do processo de investigação.

Uma palavra gratidão aos tios Olga e João Morais pelo acolhimento durante o
trabalho de terreno em S. Pedro do Sul e Castro Daire. Ao Filipe Morais e à Diana
muito obrigada pelo apoio e cumplicidade.

À Mariana Vilar Baião e Domingos Rita Gato agradeço a disponibilidade e a


ajuda sempre presentes.

À Bia, este texto também é para ela.

À Maria, que também já faz teses, e ao Zé, sempre.

xv
parte I
Camponeses, Antropologia e revolução
Capítulo 1 | Apresentação: categorias e problemas

Fig. 1 | muito prazer em conhecer vocelências. Cartaz de João Abel Manta, 1974
Fonte: MANTA, João Abel, 1975, João Abel Manta, Cartoons 1969 – 1975, Lisboa, Edições O Jornal

“Muito prazer em conhecer vocelências” é o título que João Abel Manta atribuiu a um
dos muitos cartazes que desenhou para ilustrar as Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas (MFA)1. Do lado
esquerdo uma família de camponeses é apresentada, por um militar, a um conjunto
de figuras que, em fila, e ocupando mais de metade do espaço pictórico, aguardam a
sua vez para a cumprimentar. Einstein estende a mão ao chefe deste grupo
doméstico, ladeado por Sócrates e Bethoveen. Atrás deles destacam-se, entre outros,
Picasso, Marx, Freud e Luís de Camões. Num primeiro olhar, nenhuma das
personagens parece ocupar uma posição de centralidade pelas proporções
assumidas, diferenças cromáticas ou pela largura do traço. Como afirmou José
Cardoso Pires (1975), os cartoons de João Abel Manta são subtis na forma com medem

1 No conjunto dos documentos consultados, esta iniciativa surge referenciada de diferentes


formas: “Campanhas de Dinamização Cultural e Esclarecimento Cívico do MFA”,
“Campanhas de Dinamização Cultural e Esclarecimento Político do MFA” e ainda
“Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA”. Ao longo do texto optei por
utilizar esta última designação uma vez que cristaliza as duas dimensões principais desta
experiência e reflecte as alterações que sofreu no decurso do processo de transição
democrática.

2
a “temperatura social” dos contextos socio-políticos que convocam para os seus
desenhos. Assim, João Abel Manta dirige o nosso olhar para as muitas figuras que
esperam por conhecer aquele que se confiava que viria a ser um dos actores centrais
da revolução: o camponês. O pintor inverte-nos também a perspectiva ao revelar a
ambiguidade que este adquiriu no processo de transição democrática. Para cumprir o
esperado protagonismo no processo revolucionário, o camponês precisava de ser
esclarecido para que o país falasse todo “a mesma língua”, pondo em “contacto tudo
aquilo que está em planos diferentes” (Correia et al, s/d-a:76), como escreveria um
dos responsáveis pelas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA.

Este cartoon, que tomo como “figura de convite” a este trabalho, ilustra a proposição
central que será problematizada ao longo dos capítulos que o compõem: interrogar a
persistência da tautologia “povo-ruralidade” no quadro do processo de transição
política iniciado no dia 25 de Abril de 1974, tomando como corpo empírico as
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA (1974-1975). Será
discutida a persistência desta relação num momento de aceleração histórica (Hann,
1994), no qual alguns aspectos da cultura popular de origem rural são seleccionados
e mobilizados para a legitimação de um dos projectos da agenda revolucionária,
entretecidos com novos conceitos como subdesenvolvimento, descentralização e
cidadania. Esta investigação procura, também, fortalecer o dossier antropológico neste
domínio, uma vez que a equação “povo-ruralidade” se insere num quadro
comparativo mais vasto atravessando os vários períodos da história portuguesa (ver
Leal, 2000; Leal & Branco, 1995; Castelo-Branco & Branco, 2003; Melo, 2001; Silva,
1994, entre outros) e europeia (Williams; 1990 [1973]; Thompson, 1998; Bendix, 1997;
Burke 1981 e 1998, Thiesse, 2000), reflectindo-se, também, no trajecto biográfico da
Antropologia (ver Kearney, 1996) e na forma como esta foi construindo o seu objecto
de estudo.

As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA constituem, assim,


um terreno sedutor para interrogar esta relação permitindo aceder a uma imagem de
Portugal que se procurava pôr em circulação nesta conjuntura histórica. A estratégia
discursiva subjacente a esta iniciativa assenta num processo de selecção dos grupos
sociais que enformam a “comunidade política” (Smith, 1997) portuguesa, manifesto
na eleição dos camponeses como destinatários privilegiados da sua acção. Quando

3
fazem alusão ao povo e o captam, transformando-o em categoria central dos seus
discursos, os protagonistas desta iniciativa elegem a ruralidade “a norte”, em
concreto as zonas de agricultura familiar do Norte e Centro, para tematizarem o país
que a revolução surpreendeu, tema que será discutido neste trabalho. De facto, o
“Portugal revolucionário” é apresentado como um momento de rupturas. Contudo,
tal como referiu Marx no 18 Brumário de Louis Bonaparte:

Os homens fazem a sua história mas não arbitrariamente, nas condições


escolhidas por eles, mas antes sob as condições directamente herdadas e
transmitidas pelo passado. E mesmo quando parecem ocupados em
transformar-se, a eles e às coisas, em criar algo absolutamente novo, é
precisamente nessas épocas de crise revolucionária que se evocam os
espíritos do passado […]. (Marx, 1975 [1869]:13)

Gramsci recuperaria esta ideia ao asseverar que o novo, por mais revolucionário que
possa ser na realidade, é sempre uma resposta ao passado (Crehan, 2004:37) e a
inteligibilidade da mudança reside na dialéctica passado-presente. Importa sublinhar
que durante o processo de transição para a democracia em Portugal, imperou a
retórica da visibilidade que se alimentou, que se nutriu de um tempo pretérito, isto é,
dialogou com os conteúdos de um passado ditatorial, denunciando-o e tornando-o
público. Esta foi uma das vias que conferiu legitimidade ao discurso do MFA.

Como afirmaria Stoer, o MFA surgiu como “a única organização capaz de projectar a
imagem de uma cultura, dum povo, duma revolução” (1986:176). E com o objectivo
de “levar ao povo o que é do povo”2, as Campanhas de Dinamização Cultural e
Acção Cívica foram apresentadas publicamente em Lisboa passados seis meses do
dia 25 de Abril de 1974. Apesar do organismo que as tutelou, a Comissão
Dinamizadora Central (CODICE), estrutura pertencente à 5ª Divisão do Estado-
Maior General das Forças Armadas (EMGFA), ter sido extinta no dia 26 de
Novembro de 1975, algumas equipas permaneceram no terreno até 1976. Foram
efectuadas sessões de esclarecimento em todo o país. Contudo, as campanhas,
enquanto modelo organizativo que implicava a fixação no terreno de meios técnicos e

2 Movimento, N.º 4, 12/11/1974, p. 1.

4
culturais, sobretudo nas sedes de concelho, viriam a realizar-se nas regiões do Minho,
Trás-os-Montes, Beira Alta, Beira Baixa e, ainda, no arquipélago dos Açores.

Marshal Sahlins, parafraseando Clifford Geertz em The social history of an Indonesian


town (1961), partilha da concepção de que um acontecimento constitui uma
actualização única de um fenómeno geral (1988:9), é uma experiência que assume
relevância num contexto socio-cultural específico. É neste sentido que as Campanhas
de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA adquirem um carácter particular,
na medida em que mobilizaram e seduziram militares e alguns sectores da sociedade
civil em torno de um projecto para Portugal, imaginando-o (Anderson, 1991) à luz de
um contexto socio-político que fazia o elogio da ruptura histórica.

Na realidade, esta dimensão fracturante, presente nos discursos de quem assumiu


um papel activo no então designado PREC (Processo Revolucionário em Curso)
constituiu-se, também, como uma nota característica da historiografia sobre a
transição da ditadura para a democracia em Portugal (Gómez Fortes, 2002). Não é
objectivo deste trabalho interrogar o carácter desta “transição por ruptura […] com
alguns elementos de uma conjuntura revolucionária”, como defende Costa Pinto
(2004:88), nem problematizar se este momento fundou uma “conjuntura
revolucionária” assumida como tal por Oliveira (2004:4) ou se constitui uma etapa de
uma “evolução” da sociedade portuguesa3, tema entusiasticamente debatido em 2004
por ocasião das comemorações oficiais dos 30 anos do 25 de Abril de 1974
promovidas pela Presidência do Conselho de Ministros. Este trabalho privilegia uma
perspectiva não substancialista da realidade, “atenta à dimensão produtiva das
acções sociais sobre a realidade social” (Neiburg, 1997:16). Na esteira deste autor, a
problematização da natureza de um fenómeno social implica uma forma de “olhar” a
sociedade e a cultura que pressupõe uma distinção entre o que é considerado como
interpretação da realidade e a própria realidade interpretada. Assim, destaco uma
visão emic deste processo procurando uma interpelação das construções discursivas
sobre a sociedade rural como “teorias nativas” (Neiburg, 1997), isto é, interrogando

3 Diferentes autores denominaram e problematizaram este período partindo de diferentes


perspectivas. Para uma reflexão sobre o conceito de revolução ver Ferreira (1993:7-13). Ver
também Oliveira (2004:3-4), onde a historiadora procede à análise das expressões utilizadas
por autores veiculados a áreas disciplinares distintas (História, Sociologia, Ciência Política)
para nomear esta conjuntura histórica.

5
estes discursos como interpretações de uma realidade social específica, num contexto
histórico e político determinado, aproximando-se da célebre formulação
metodológica de Malinowsky em Argonauts of the Western Pacific (1984 [1922]): “[…]
to grasp the native’s point of view, his relation to life, to realise his vision of his
world”4 (1984 [1922]:25). Neste sentido, os protagonistas das Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, concebidos como intérpretes de um
país a que se procurava dar visibilidade, ocuparam um “território” privilegiado
(Bauman, 1991:9) para a formulação e transmissão de imagens sobre Portugal e mais
especificamente sobre o mundo rural.

Esta investigação parte de discursos, de formas de representação do mundo que


procuravam ser eficazes no seu “campo de produção”5 (Bourdieu, 1989) na tentativa
de legitimar um projecto político, sendo subsidiária das propostas de Bourdieu (1998
[1982]) e de Foucault (1971) que enfatizaram a dimensão do poder nas “práticas
discursivas”6. Na formulação mais recente de Verdery, o discurso é conceptualizado
como a forma mais comum de atribuição de significado a uma prática na qual o
processo ideológico7 ocorre (1991:9), sublinhando as formas de acção sobre a
realidade. Também na área dos estudos do discurso, este, para além de ser descrito

4 Para uma reflexão sobre esta questão ver Hastrup (1995:146-161).


5 O conceito de campo é central na obra de Pierre Bourdieu, a par de outros como, por exemplo
o de habitus ou capital. Retomando Hegel, o autor defende que o real é relacional, constituindo
um campo uma rede ou uma configuração de relações objectivas entre duas posições
(Bourdieu, 1992: 72).
6 Pierre Bourdieu defende que a gramática define só parcialmente o sentido do discurso,

repousando na relação com o mercado a sua completa significação (1998 [1982]: 14-15). Desta
forma, a relação de comunicação entre um emissor e um receptor funda também uma troca
económica estabelecida numa relação de forças simbólicas entre um produtor e um
consumidor. Para o autor os discursos, para além de signos dispostos a serem
compreendidos, são também “sinais de riqueza destinados a ser avaliados, apreciados e sinais
de autoridade, destinados a ser cridos e obedecidos.”(1998 [1982]: 54). A dimensão do poder
encontra-se também na formulação de Michel Foucault, para quem o discurso, ou as práticas
discursivas (1980), é uma construção que tem como eixo objectos concretos legitimando um
saber-poder, num processo de inclusão e exclusão de características definidoras dos mesmos:
“c’est peut être quelque chose comme un système d'exclusion (système historique, modifiable,
institutionellement contraignant)” (1971:16).
7 A autora define “processo ideológico” como: “[…] the systemically structured processes and

the experienced social relations through which humans act upon the world” (1991:9). Para
uma reflexão sobre o conceito de ideologia nas Ciências Sociais ver Geertz (1996 [1973]: 171-
202) e, ainda, a análise efectuada por Wolf (1999), na qual o antropólogo refere a parca
atenção que a Antropologia tem dedicado a este conceito (1999:291). Uma aproximação à
relação entre ideologia e discurso na área da linguística e dos estudos sobre o discurso é feita
por Dijk (2003).

6
como possuidor de diferentes níveis de estrutura (explicadas por exemplo pela
sintaxe, semântica, retórica), deverá ser também perspectivado como uma acção
social, na medida em que aqueles que fazem uso da linguagem utilizam activamente
os textos e a fala não só enquanto emissores ou receptores, mas também como
membros de categorias sociais, grupos, profissões, organizações, comunidades,
sociedades ou culturas, construindo e legitimando identidades (Dijk, 2005:22). De
facto, era um “Outro País”8 que os protagonistas desta iniciativa reclamavam e
procuravam transformar, acção ancorada numa retórica de combate (Neiburg,
1997:25), desvalorizadora da política de um regime deposto, que granjeava a
imposição da sua visão sobre o mundo social, travando lutas de classificação, isto é,
“[…] lutas pelo monopólio do poder de fazer ver e de fazer crer, de dar a conhecer e
de fazer reconhecer, de impor a definição legitima das divisões do mundo social e,
desse modo, de fazer e desfazer os grupos […].” (Bourdieu, 1998 [1982]:125).

Outro dos objectivos delineados para este trabalho residiu na análise da memória
desta experiência em algumas das localidades percorridas pela Dinamização
Cultural, interrogando quais os aspectos que os seus habitantes seleccionaram
quando instados, cerca de 27 anos depois, a recordar este acontecimento, permitindo
uma aproximação à dimensão local desta iniciativa. Percorri, entre 2002 e 2003, 30
povoações distribuídas pelos distritos de Bragança (concelho de Bragança e Macedo
de Cavaleiros) e de Viseu (concelho de Castro Daire, São Pedro do Sul, Cinfães e
Sernancelhe)9. A escolha destas comunidades teve como critério o tipo de acção
realizada e o conhecimento prévio da existência de resistências ao projecto do MFA,

8 Outro País – Memórias, Sonhos, Ilusões… Portugal 1974/1975 é o título de um documentário


realizado por Sérgio Tréfaut em 1999.
9 O trabalho de terreno extensivo decorreu nas seguintes localidades: concelho de Bragança

(Varge – freguesia de Aveleda; Rio de Onor – sede de freguesia; Aveleda – sede de freguesia;
Bragança – sede de concelho; concelho de Macedo de Cavaleiros (Cortiços – sede de
freguesia); concelho de São Pedro do Sul (Covas do Rio – sede de freguesia; Macieira –
freguesia de Sul, São Pedro do Sul – sede de concelho); concelho de Castro Daire (Cujó – sede
de freguesia; Almofala – sede de freguesia; Bustelo – freguesia de Almofala; Gosende – sede
de freguesia; Rossão – freguesia de Gosende; Laboncinho – freguesia de Parada de Ester;
Cabril – sede de freguesia; Reriz – sede de freguesia; Savariz – freguesia de Reriz; Póvoa do
Veado – freguesia de Reriz; S. Joaninho – sede de freguesia; Mamouros – sede de freguesia;
Moinho Velho – freguesia de Mamouros; Casal – freguesia de Mamouros; Lamelas de Cá –
freguesia de Castro Daire; Picão – sede de freguesia; Póvoa do Montemuro – freguesia de
Pinheiro; Cetos – freguesia de Pinheiro; Castro Daire – sede de concelho); concelho de Cinfães
(Gralheira – sede de freguesia); concelho de Sernancelhe (Forca – freguesia do Carregal; Lapa
– freguesia de Quintela da Lapa; Sernancelhe – sede de concelho).

7
obtido através das entrevistas exploratórias e através da análise das fontes
disponíveis. Do seu total, 19 pertencem ao concelho de Castro Daire. A “supremacia”
deste concelho, enquanto terreno de investigação, não foi determinada inicialmente.
Consegui, imponderavelmente, obter entrevistas junto do grupo “civil” e do
coordenador da campanha aqui realizada em 1975 e colher dados mais consistentes
do tipo de acção realizada através da consulta do arquivo pessoal deste militar. O
“investimento” em Castro Daire deve-se, também, ao facto de aqui ter sido realizada
a campanha mais duradoura e contínua e de esta ter englobado as diferentes
dimensões deste projecto.

Desta forma, este trabalho procura também ser um contributo para o aprofundar do
conhecimento do período histórico da transição portuguesa (1974-1976), associando-
se a um conjunto de investigações que desde a década de 90 do século XX têm vindo
a analisar aspectos particulares desta conjuntura (ver por exemplo Durán Muñoz,
1997; Branco & Oliveira, 1993 e 1994; Oliveira, 2004; Palacios Cerezales, 2003; Rezola,
2003 e Fernandes, 2006). Ao estabelecerem como objecto de estudo práticas e
experiências ocorridas neste período, ou um órgão político-militar, estas
investigações contribuíram, ainda, para a desmistificação de uma das questões
metodológicas que marcam o processo de construção do conhecimento sobre o
processo português de transição para a democracia: o “distanciamento”
relativamente a um período da história contemporânea portuguesa, lugar de afectos
e experiências que o afastava de um tratamento científico em Portugal.

Note-se que a consolidação democrática e o desenvolvimento das Ciências Sociais no


nosso país possibilitaram novas abordagens e enquadramentos teóricos,
evidenciando que a transição democrática portuguesa fundou um vasto campo de
pesquisa, contrariando a ideia presente nos diferentes balanços que se fazem sobre
Portugal no final do século XX e início do XXI. Nestes este período é objecto de
resumos fáceis e “ofuscantes […] como se o 25 de Abril fosse uma síntese onde se
dilui a ditadura e se encerra o destino da democracia” (Trindade, 2004:21).

Exceptuando abordagens laterais, as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção


Cívica do MFA nunca foram objecto de análise aturada. As referências a esta
experiência são pontuais nas obras gerais da historiografia contemporânea (Ferreira,
1993:101; Reis, 1992:43, Brito, 2001). Encontram-se também dispersas por artigos ou

8
trabalhos que abordam aspectos muito concretos da transição como acção
comunicacional (Jesuíno, 1979:295:296), o papel do passado na transição democrática
(Pinto, 2004:100-101), a Igreja (Matos, 2001:102), a acção colectiva e a crise de Estado
(Palacios Cerezales, 2003:95-96), as práticas culturais (Dionísio, 1993:184-185;
1994:452) e a Educação (Ambrósio, 1992: 285).

Já nos estudos que se debruçaram sobre as novas competências atribuídas às Forças


Armadas e na sua relação com outros sectores da sociedade civil (Sánchez Cervelló,
1996b:263-268; Carrilho, 1994a: 59; Santos10, 1992: 60-61; Ferreira, 2001:13), sobre a
reforma agrária (Barreto, s/d: 275-279), esta iniciativa do MFA merece mais
desenvolvimento interpretativo, bem como em trabalhos onde são referenciadas no
quadro da caracterização do contexto social, político e cultural dos outros
movimentos congéneres ocorridos nesta conjuntura, nomeadamente na área da
educação (Stoer, 1986:175-188). Neste sentido, é incontornável a referência à tese de
doutoramento de Luísa Tiago Oliveira11 sobre o Serviço Cívico Estudantil (2004: 117-
136) onde a autora se debruça de forma aturada sobre as campanhas do MFA no
quadro da análise das “acções não estudantis junto do povo”, caracterizando-as como
uma experiência “assaz original” (2004:117). Esta investigação decorreu de uma outra
realizada por Branco & Oliveira (1993 e 1994), na qual se cruzam os percursos dos
brigadistas do Plano de Trabalho e Cultura, coordenado por Michel Giacometti no
quadro do Serviço Cívico Estudantil (1974-1977), e os dos militares do MFA.

Também no campo dos estudos sobre comunidades rurais, mais especificamente


sobre as relações de patrocinato, as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA são referenciadas num artigo no qual é discutido o
“conservadorismo” dos camponeses. Silva e Toor (1988) referem que a “dinamização
cultural no campo […] viu-se emperrada pela resistência passiva dos camponeses.
Tal fenómeno chegou a conduzir os militares à impaciência e, por vezes ao
desespero”, sublinhando que as campanhas não tiveram um efeito mobilizador

10 Boaventura Sousa Santos faz ainda uma referência muito fugaz à dinamização cultural no
quadro da análise dos novos movimentos sociais que emergiram com o 25 de Abril de 1974
(1995:229).
11 A investigação de Luísa Tiago Oliveira (2004) analisa os outros movimentos congéneres de

“descoberta do povo” ocorridos na transição portuguesa: as Campanhas de Alfabetização e


Educação Sanitária, o Movimento ALFA, o Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL) e o
Serviço Médico à Periferia.

9
(1988:52) não conseguindo abalar a “velha estrutura do poder clientelar” (1988:57).
Dez anos mais tarde Manuel Carlos Silva voltaria a fazer alusão a esta iniciativa ao
trabalhar as relações de clientelismo e patrocinato no período pós-revolucionário,
argumentando que um dos factores que concorria para a explicação do seu insucesso
residia no facto do controlo da maior parte das comunidades rurais continuar a ser
exercido pelos “patronos e caciques conservadores de há longa data instalados”
(1998:364).

Capítulo 2 | O 25 de Abril e a Antropologia

Se disciplinas como a História, a Sociologia e a Ciência Política12 cedo se interessaram


por este período da história portuguesa tal não aconteceu com a Antropologia.

Quando em 1995 realizava trabalho de campo numa aldeia da Beira Alta, Covas do
Monte, que constitui um dos pontos da rota do MFA pelo país, encontrava-me
influenciada teoricamente por uma tradição de estudos rurais levados a cabo em
Portugal, por antropólogos portugueses e estrangeiros que desde os anos 60 do
século XX13 contribuíram para um processo de renovação da Antropologia
portuguesa.

Daniel, um dos meus informantes-chave, referia-se ao 25 de Abril de 1974 como um


tempo de mudança e de excepção, marcado pela abertura de estradas na freguesia,
mas também o recordava como o momento que permitiu a sua primeira visita a
Lisboa, onde foi “para fazer monte” numa manifestação, mas que lhe permitiu ver “o
mar e o seu movimento”. As conversas com Daniel levavam-me a reflectir sobre o
afastamento da Antropologia produzida no período subsequente ao 25 de Abril de
1974 relativamente a este processo, uma vez que este período tinha fundado um
laboratório de elaborações ideológicas que tomava os portugueses como mote das
acções e centro do calendário das tarefas mais urgentes para o país. Por outro lado,
interrogava também a ausência de trabalhos sobre a dimensão local deste processo.

12Ver Almeida & Freire (2002) para análise da produção bibliográfica sobre este período.
13Ver Leal (2003) para a análise da antropologia das comunidades rurais portuguesas nos
anos sessenta.

10
Como explicar, então, a ”inibição antropológica” perante o PREC? Trabalhar sobre
esta questão implica também um olhar sobre a história da Antropologia e de como
foi construindo e legitimando o seu objecto de estudo. O discurso antropológico tem
sido marcado pela utilização de uma expressão que, no vocabulário da disciplina, é
conhecido como presente etnográfico, que implica a utilização do tempo presente como
modo de representação dos outros, congelando uma sociedade no tempo da sua
observação, o que contribuiu para o próprio processo de legitimação da
Antropologia.

Esta concepção reflecte uma relação de observação distanciada com o objecto de


estudo (Fabian, 1983), surgindo, assim, como uma construção edificada sobre o
tempo que torna o real tangível e passível de ser apropriado. Importará, na óptica de
K. Hastrup (1995:14), reflectir sobre este conceito, reinventando-o à luz de novas
perspectivas. A Antropologia que se debruça sobre as sociedades europeias
confronta-se com questões inerentes aos próprios métodos da disciplina, na medida
em que se vai debruçando, cada vez mais, sobre objectos que não são
tradicionalmente os seus.

Na obra Other Histories, Hastrup (1992) reitera que em Antropologia os outros


(entenda-se o objecto antropológico) têm sido excluídos da nossa história e colocados
num tempo distante. A desconstrução da linearidade e da unidade da história
europeia torna-se cada vez mais premente, uma vez que na Europa existem uma
multiplicidade de histórias que constituem a História.

Neste sentido, a contribuição da Antropologia reside sobretudo no reescrever da


história mundial como uma história múltipla, não domesticada. Para tal importa
combater os estudos “isolados” a que a metodologia do trabalho de campo dava
resposta. O todo correspondia a uma cultura local, concebida numa perspectiva
sincrónica, já que as primeiras sociedades alvo desta metodologia não dispunham de
registos escritos, e mesmo quando os possuíam tendiam a ser preteridos. A
Antropologia ignorou, assim, a mudança como traço inerente a todas as sociedades,
evitando os antropólogos definir o seu objecto de estudo em termos temporais,
esquecendo os processos históricos ou, utilizando a expressão de Rietbergen (1998)
ao problematizar a “ideia de Europa”, esquecendo que o presente encerra em si um
passado.

11
Neste contexto, será que a tradição da disciplina em Portugal, na esteira dos
trabalhos de Jorge Dias14 (1948;1953), nos quais a comunidade era o laboratório
antropológico por excelência, o tempo presente o modo de representação do outro e
onde a mudança era pouco enfatizada, poderá ajudar a explicar esta “inibição”? Ou
como afirmou Boaventura de Sousa Santos, num Seminário promovido pela
Associação 25 de Abril comemorativo dos 10 anos do golpe de Estado, houve um
período em que era muito cedo para:

proceder a uma análise detalhada e tanto quanto possível objectiva do


complexo processo social e político, por que passou a sociedade
portuguesa. É cedo porque não está feita ainda a investigação empírica
necessária que nos permita, através da análises sectoriais e
pormenorizadas, formular com segurança algumas hipóteses de trabalho
sobre o perfil geral deste processo. É cedo sobretudo porque todos nós,
cada um à sua maneira, somos hoje analistas de um período de que fomos
envolvidamente activistas […] fomos actores principais ou secundários de
decisões importantes ou simplesmente mourejamos nas acções miúdas e
quotidianas de que são feitas as grandes acções revolucionárias (1984:45).

Para enquadrar estas interrogações proponho um itinerário que espero que percorra
todas as obras onde a revolução de 1974 é referenciada ou objecto de análise
aprofundada15. Neste sentido, importa sublinhar que a produção antropológica sobre
o processo de transição para a democracia em Portugal é, em geral, tímida. Os
trabalhos produzidos no final da década de 70 e na década de 80 são marcados por
referências envergonhadas, não sendo este período alvo exclusivo de uma análise
aturada.

14 Jorge Dias é considerado um dos pioneiros dos estudos sobre o comunitarismo em


Portugal. Nos seus trabalhos, Vilarinho da Furna, uma aldeia comunitária (1948) e Rio de Onor,
Comunitarismo Agro-pastoril (1953), ambos pautados pela perspectiva funcionalista, são
apresentadas um conjunto de especificidades das comunidades rurais: igualitárias, fechadas,
tradicionais, harmoniosas, autónomas e democráticas, edificando o autor uma imagem dos
campos portugueses enquanto mundos pacíficos e harmoniosos.
15 O período considerado para a análise da produção antropológica sobre esta temática situa-

se entre 1977 e 2006, tomando como critério a data de publicação de trabalhos que
exemplificam as principais tendências analíticas e temáticas da Antropologia portuguesa ou
sobre Portugal. As excepções serão devidamente justificadas.

12
A referência pioneira pertence a José Cutileiro. No posfácio, datado de 1977, inserido
na versão portuguesa da monografia A Portuguese Rural Society (1971), o autor
actualiza a sua obra baseada em visitas a Vila Velha, em Março e Setembro de 1975 e
em Setembro de 1976, abordando a questão da Reforma Agrária e suas consequências
na comunidade estudada, afirmando:

Quando na Primavera de 1970 acabei de escrever A Portuguese Rural Society


estava convencido de que a fase de história económica e social do Alentejo
iniciada no segundo quartel do século XIX teria ainda longos anos à sua
frente e que as mudanças que se iriam verificar não seriam nem abruptas,
nem sistemáticas. O livro permaneceria assim durante muito tempo o
retrato de uma sociedade actual. Os anos de 1974-1976 transformaram-no,
porém, numa fonte histórica. Em Setembro de 1976 o sistema de posse de
terra e as relações sociais dele emergentes estavam substancialmente
alterados e estudiosos de sociedades que visitando Vila Velha se quisessem
servir do meu livro encontrariam discrepâncias entre o texto e a realidade
(1977: 403).

Nesta década importa, ainda, referir a participação de Caroline Brettell (1979) numa
obra colectiva, coordenada por estudiosos americanos, onde a autora trabalha não só
a emigração e as suas implicações na revolução no Norte de Portugal, mas também o
potencial revolucionário do Norte e do Sul, procurando desmontar as dicotomias
Norte/Sul, campo/cidade que percorreram os discursos pós-revolucionários em
Portugal.

Nos anos 80, tal como na década anterior, o 25 de Abril não foi eleito para as
abordagens que os antropólogos produziram sobre o país. Nesta década, a
Antropologia portuguesa é marcada pela publicação de dois trabalhos que,
respondendo ao “repto de Cutileiro” (Pina-Cabral, 1991:39), operam um corte teórico
relativamente aos estudos nacionais e europeus elaborados no passado. A obra de
Brian O'Neill, Proprietários, Lavradores e Jornaleiras, Desigualdade social numa aldeia
transmontana (1870-1978) (1984), simboliza, de certa forma, esta ruptura na medida
em que “desarma” o mito da igualdade. O autor preconiza uma concepção de
comunidade marcada por contradições económicas e sociais, destruindo a sua
imagem homogénea e igualitária, pondo em causa a “afirmação de que as pequenas
comunidades isoladas das montanhas do Norte de Portugal, são necessariamente

13
igualitárias em termos de estrutura social, embora seja esta a imagem criada pelos
principais etnógrafos que têm trabalhado na região durante as últimas décadas [...]“
(1984:21). A segunda obra que marca este período é a de João Pina-Cabral (1989) que
tenta demonstrar que a sociedade camponesa articula uma profunda experiência
individual de comunidade e de união de interesses com uma forte diferenciação
social.

Apesar de ter sido publicada em 1996, a obra Retrato de uma Aldeia com Espelho, Ensaio
sobre Rio de Onor de Joaquim Pais de Brito insere-se igualmente neste teatro de
“rupturas”. No seu ensaio sobre Rio de Onor, fruto de um trabalho de terreno
realizado entre Março de 1975 e Outubro de 1988, o antropólogo afasta-se da
perspectiva teórica de Jorge Dias, como também se desvia da problemática
igualdade/desigualdade, analisando a comunidade na sua unidade e nos seus
processos integradores, não excluindo a desigualdade e hierarquias existentes.

Nesta década, a Antropologia em Portugal foi marcada por uma forte relação com a
História social presente no campo de estudos da família (Rowland, 1984), no trabalho
de Freitas Branco sobre os instrumentos agrícolas na Madeira (Branco, 1987) e de J.
Fatela sobre a criminalidade e violência em Portugal na década de 30 e 40 (Fatela,
1985). Os olhares estrangeiros sobre Portugal também estiveram presentes neste
período com a continuação dos trabalhos de Brettell (1983) e Goldey (1981, 1983).

Face a este contexto de produção antropológica importa referir a forma como a


revolução foi tratada pela Antropologia portuguesa e sobre Portugal. Nesta década de
80 – como na anterior – o 25 de Abril não se constitui como objectivo das abordagens
sobre o país. Este período é inaugurado com um artigo de Brian O'Neill e Sandra
Clark McAdam (1980) sobre a Reforma Agrária. Quatro anos mais tarde em
Proprietários, Lavradores e Jornaleiras, Desigualdade social numa aldeia transmontana
(1870-1978), O’Neill (1984) não considera a revolução como um momento de ruptura
na comunidade estudada, uma vez que a Reforma Agrária não teve impacto no
concelho estudado, não se tendo verificado grandes alterações ao nível da
propriedade. O antropólogo atenta, no entanto, que uma das poucas mudanças que
afectou a povoação foi o cancelamento, após 1975, de alguns impostos sobre as terras.
Ao abordar da questão da herança O’Neill faz ainda referência à “Revolução de
1974” e às alterações ao Código Civil de 1966 que esta proporcionou.

14
Joaquim Pais de Brito (1996) refere a viragem histórica inerente ao 25 de Abril de
1974 aquando da análise do conselho (dos conflitos e tensões inerentes) e da gestão da
propriedade comunal, apontando que o “facto de mais radical importância foi a
passagem pela aldeia dos militares durante as «campanhas de dinamização cultural»
do nordeste” (1996:85), que auxiliaram a população na resolução de uma tentativa de
apropriação individual de parcelas nos coutos, tendo-se pronunciado pela
permanência destes na posse comunal16.

Cruzando o olhar de um sociólogo e de uma antropóloga, o já citado artigo de Silva e


Toor (1988) faz parte deste itinerário, agora centrado nos anos 80. Analisando as
relações de patrocinato em Aguaril, os autores debruçam-se sobre esta conjuntura
analisando algumas das novas medidas da política agrária, dando conta das
reconfigurações do poder clientelar.

Neste período destacam-se os olhares “estrangeiros” sobre Portugal. Pierre Sanchis


na introdução à obra Arraial: Festa de um Povo (1983) chama a atenção para o facto de
a “Revolução dos Cravos” tal como o “1.º de Maio” terem dado lugar, pelo menos
nos contextos urbanos, “à explosão de uma das mais intensas festas que o mundo
contemporâneo já conheceu” (1983:18), interrogando a relação entre as festas de
romaria (objecto do seu estudo) e a festa revolucionária. Tendo terminado a pesquisa
em terreno português antes do 25 de Abril de 1974, Sanchis lança pistas de
abordagem para a análise da festa nas comunidades rurais no seio dos quadros
sociopolíticos criados com a revolução.

Por fim, importa destacar a contribuição da antropóloga americana Joyce F.


Riegelhaupt (1984) na obra In Search Of Modern Portugal17 coordenada por estudiosos
norte americanos, resultante da International Conference Group on Modern Portugal,
realizada em Durham, New Hampshire em Junho de 1979. Riegelhaupt descreve o 25
de Abril como “a revolução portuguesa, a revolução das flores, dos cravos que trouxe
euforia e sorrisos às caras dos Portugueses.” (1984:3).

Nos anos 90, a Antropologia portuguesa é marcada pela publicação de trabalhos


resultantes de pesquisa de terreno realizados na década anterior, caracterizando-se,

16 Sobre este assunto ver sub-capítulo 15.1.


17 A antropóloga assina a introdução e uma breve cronologia que integra esta obra.

15
em termos metodológicos, pela continuidade da “comunidade” enquanto objecto de
estudo privilegiado, pelas análises do contexto rural português18 (Sobral, 1999a),
verificando-se, no entanto, uma maior diversidade, aprofundamento e inovação nas
temáticas abordadas: a história do corpo (Crespo, 1991), festa (Leal, 1994), género
(Almeida, 1995), espaço (Silvano, 1997) e as identidades marginais (Bastos, 1997).
Importa sublinhar que na década de 90 Portugal continua a ser um terreno sedutor
para os investigadores estrangeiros. Neste período são publicados os trabalhos de
Caroline Brettell (1991) sobre as consequências da emigração numa freguesia
minhota e de Sally Cole (1994) sobre uma comunidade piscatória do norte do país.

Contudo, novos terrenos e abordagens começam a emergir19, destacando-se a


publicação da primeira monografia portuguesa no campo da Antropologia Urbana
(Cordeiro, 1997) e da Antropologia da Saúde (Bastos, 1999), os trabalhos em
contextos não europeus (Silva, 1994; Perez, 1994; Silva, 1999; O’Neill, 1995), as
abordagens sobre a questão da identidade nacional e da cultura popular (Leal, 1995a,
1999; Branco, 1995; Medeiros, 1995; Raposo, 1998; Sobral, 1999b) e a emergência dos
estudos sobre a resistência (Godinho, 1998) e movimentos sociais em meio rural
(Fonseca, 1997).

Pela primeira vez, o estudo das transformações ideológicas e culturais operadas no


contexto do 25 de Abril de 1974 são objecto de abordagem específica com o trabalho
de Branco & Oliveira (1993). Neste estudo conciliam as abordagens da História e da
Antropologia, dando a conhecer o Serviço Cívico Estudantil (1975)20, nomeadamente
o Plano de Trabalho e Cultura. Coordenado por Michel Giacometti este tinha como
objectivo primeiro uma recolha etnográfica: literatura popular, música regional,
instrumentos musicais, cultura material, medicina popular. O Plano de Trabalho e
Cultura, através de um encontro estreito com o povo “rural”, procurava também
associar o movimento estudantil ao processo revolucionário. Num outro prisma, esta

18 Neste âmbito importa destacar a publicação do catálogo O Voo do Arado (1996) que
acompanhou a exposição com o mesmo nome que esteve patente no Museu Nacional de
Etnologia. Resultado de uma colaboração pluridisciplinar, esta obra posiciona-nos perante os
rostos da evolução da actividade agrícola em Portugal, constituindo um marco fundamental
nos estudos rurais portugueses.
19 Neste sentido ver também as contribuições de diferentes antropólogos portugueses no

número temático da Ethnologie Française, XXIX – 2, Abril-Junho, 1999.


20 Ver também Oliveira (2004).

16
obra reenvia-nos para os discursos que o povo construiu sobre a revolução, através
da memória dos estudantes que integraram as várias brigadas que percorreram o
país.

No âmbito do olhar estrangeiro sobre a revolução, importa ainda referir o artigo de


Robert Roy Reed (1995), onde o autor se centra na dimensão local do processo
revolucionário, tema que tinha trabalhado para sua dissertação de doutoramento em
Antropologia apresentada à Universidade de Indiana, em 1989. Assinale-se que esta
década é igualmente marcada pelo aparecimento de alguns estudos
interdisciplinares, onde o período da transição é considerado (Silva, 1994; Fonseca,
1997; Silva, 1998; Sobral, 1999a).

A emergência de publicações no âmbito dos estudos coloniais e pós-coloniais


(Almeida, 2000 e 2002; Bastos & Bastos 2001; Carvalho, 2000 e 2002; Roque, 2001;
Bastos, 2002; Bastos, Almeida & Feldman-Bianco 2002; Carvalho & Pina-Cabral, 2004)
marca o panorama da Antropologia portuguesa na entrada no século XXI.

Nos últimos anos importa destacar a continuidade das publicações sobre a questão
da identidade nacional (Leal, 2000, 2002; Sobral, 2002), nacionalismo (Sobral, 2003),
processos de folclorização em Portugal (Castelo Branco & Branco, 2003) e sobre os
movimentos e mudança social (Godinho, 2001; Freire, Fonseca & Godinho 2004).
Solidificam-se temáticas como o turismo (Silva, 2005) ou retomam-se temas clássicos
como a família, analisada, agora, a partir da perspectiva masculina (Pina-Cabral,
2003). Mantém-se, ainda, a tendência “estrangeira” sobre Portugal materializada, por
exemplo, na obra de Fabienne Wateau (2000).

Contudo, a publicação de trabalhos sobre as elites21 empresariais da cidade de Lisboa


(Lima, 2003), sobre os tipógrafos (Durão, 2003), o rap (Fradique, 2003), sobre a
problemática da utilização de drogas (Vasconcelos, 2003), sobre a refinaria de Sines
(Granjo, 2004) ou ainda o interesse sobre a história da Antropologia portuguesa,
nomeadamente sobre a Escola de Coimbra (Santos, 2005) espelham a diversidade de

21Com Pina-Cabral, Lima editou uma obra intitulada Elites: choice, leadership and succession
(2000), que reflecte a tendência de internacionalização da disciplina.

17
terrenos e a renovação temática que caracterizam a antropologia no início desta
primeira década do século XXI22.

No caso específico dos trabalhos sobre a transição democrática portuguesa23, importa


aludir à investigação de Tiago Matos Silva (2002) onde o antropólogo trabalha a
memória do 25 de Abril produzida por duas gerações “de quem viu e de quem ouviu
contar” e de Fernandes (2006) que toma como objecto de estudo Baleizão,
comunidade do Sul de Portugal, área de predominância dos assalariados rurais, no
período compreendido entre 1974 e 1976, anos em que vigorou a Reforma Agrária.

Face a este itinerário é possível concluir que a dificuldade ou impossibilidade em


“trabalhar” a revolução no seu presente etnográfico24, sobretudo nos 15 anos
subsequentes, é possível de ser interpretada, por um lado, através dos interesses
temáticos e metodológicos da própria disciplina, avessa ao estudo da mudança social
e cujo discurso se desenvolveu como antídoto da revolução e desordem (Wolf,
1997:21) e, também, no caso português pela “frigorificação” do mundo rural (Cabral,
1981:137). Por outro, na linha de Boaventura Sousa Santos (1984), por este período
constituir um “lugar de afectos” para uma determinada geração de investigadores.

Capítulo 3 | Campanhas de Dinamização Cultural e Acção


Cívica do MFA: uma etnografia retrospectiva

O itinerário traçado permite enquadrar o presente trabalho e apontar uma das


primeiras inquietações que surpreenderam a construção do seu corpo empírico: a
quase inexistência de bibliografia sobre a temática eleita. Isto afigurava-se paradoxal,

22 Apesar de em termos editoriais não ter grande projecção importa destacar as investigações
que diferentes centros de investigação desenvolvem em torno das comunidades de imigrantes
em Portugal.
23 Em 2002 importa referir o número temático da revista Arquivos da Memória intitulado,

“Portugal 1974-1976. Processo Revolucionário em Curso”, onde a revolução é também


trabalhada a partir da antropologia com os trabalhos de Almeida (2002), Tilhou (2002), Félix
(2002) e Silva (2002).
24 Neste sentido, o antropólogo Jorge Freitas Branco, numa entrevista publicada na Arquivos da

Memória, refere o seu interesse na época pelas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA, afirmando que “Pressentia que havia ali elementos, mas não sabia como pará-
los, como agarrá-los. Era como que um filme um bocado descontrolado, um filme em que a
bobine está a correr com velocidade a mais.” (in Almeida & Freire, 2002:239)

18
porque esta iniciativa na época tinha sido alvo de uma cobertura mediática intensa25,
surgindo agora como uma experiência fragilizada, silenciada, pouco reconhecida e
que tinha tido como protagonistas os “derrotados da revolução”26, podendo ser
situada naquilo que designo como “infantilização” do processo revolucionário, isto é,
como se o 25 de Abril fosse um excesso que a História teria permitido (Trindade,
2004), constituindo a Dinamização Cultural uma das faces desse excesso
revolucionário. Esta iniciativa surgia na nossa contemporaneidade como um não
acontecimento. A dissonância entre o passado e o presente caracterizou, assim, a fase
inicial do processo de construção das etnografias deste trabalho, talvez porque, na
esteira de Connerton, “o controlo da memória de uma sociedade condiciona
largamente a hierarquia do poder”(1993:1). De facto, o 25 de Abril de 1974 e a
mobilização popular que se lhe seguiu configuraram um momento anómalo (Palacios
Cerezales, 2003:20) que “os discursos sempre tinham garantido não fazer parte da
natureza do povo português” (Trindade, 2004:31).

Confrontei-me, então, com aquilo que Arlette Farge27 (2002:72) denominou de


trabalhar sobre o “minúsculo”, onde as palavras ditas, as declarações aos jornais, os
registos áudio e os documentários produzidos na época permitiam aceder ao
acontecimento. Tal como Sahlins, defendo que todo o acontecimento funda uma
relação entre histórias de vida singulares e a história da existência das sociedades
(1988:108). E, de facto, estes fragmentos eram possuidores de coerência, permitindo
identificar modos de apropriação da realidade e aceder ao contexto socio-político da
experiência que me propunha estudar. Ao “minúsculo” associava-se a efemeridade

25 Ver ao longo do capítulo 8 o destaque que este iniciativa obteve na imprensa nacional e
regional.
26 Ao interrogar os contrastes nas atitudes relativamente ao passado em diferentes culturas

Peter Burke afirma: "Diz-se muitas vezes que a história é escrita pelos vencedores. Poderia
também dizer-se que a história é esquecida pelos vencedores. Podem permitir-se esquecer,
enquanto os derrotados são incapazes de aceitar os acontecimentos e estão condenados a
meditar sobre eles, a revive-los e a imaginar quão diferentes poderiam ter sido." (1992:246).
27 Da autora ver também Le Cours Ordinaires des Choses dans la Cité du XVIII siécle (1994) que

parte de uma análise dos arquivos judiciários do século XVIII, permitindo uma aproximação
aos quotidianos da cidade de Paris.

19
de um acontecimento28, que se encontrava espartilhado entre duas temporalidades,
entre um antes e um depois, objecto de grande projecção ideológica.

Desta forma, a inquietação inicial transformou-se num dos principais desafios desta
investigação que conduziu a um verdadeiro exercício de “imaginação etnográfica” no
sentido de adequar um conjunto de metodologias a um objecto de estudo pouco
“tradicional”. A sua singularidade derivava de este objecto se inserir num tempo
pretérito, mas também da investigação se apoiar nos discursos produzidos no
presente etnográfico por aqueles que protagonizaram esta iniciativa e não nas suas
práticas quotidianas. Estes discursos foram, na verdade, fabricados29 por um conjunto
de pessoas que se encontravam relacionadas entre si por uma experiência ocorrida há
cerca de três décadas, produzindo hoje narrações sobre o passado.

Na linha de Valcuende e Narotzky (2005), concebo a memória na sua pluralidade e


no seu carácter processual. Nas palavras dos autores:

De las memorias individuales, familiares, colectivas, sociales, a la memoria


histórica, la memoria oficial, la memoria hegemónica se van tejiendo
tramas discursivas, estructuras de significación del pasado distintas, a
veces articuladas, a veces inconmensurables y cerradas, a veces en
conflicto. Y por outro lado, en paralelo o en constante intersección la
História, o las historias, de nuevo en plural, como ciência del pasado desde
el presente, o bien como ciência del pasado desde el futuro (2005:9).

Neste trabalho, ao lidar com as questões da memória30, e mais especificamente com a


memória individual, contra mim “conspiraram”, por vezes, a resistência em recordar

28 Oficialmente as campanhas tiveram a duração de um ano, um mês e um dia, de 25 de


Outubro de 1974 até 26 de Novembro de 1975, data de extinção da CODICE.
29 A noção da recordação enquanto reconstrução foi trabalhada por Halbwachs (1968 [1950]),

afirmando o autor: “le souvenir est dans une très large mesure une reconstruction du passé à
l’aide de données empruntées au présent, et préparée d’ailleurs par autres recosntructions
faites à des époques antérieurs et d’oú l’image d’autrefaois est sortie déjà bien altérée.” (1968
[1950]:57). Sobre este assunto ver também Héritier (2002).
30 Como notou Radstone (2000) nos últimos anos, a memória tornou-se uma categoria

conceptual central nas Ciências Sociais e Humanas. Este boom contemporâneo não privilegia
tanto o estudo da memória na sua articulação com a história, comunidade, tradição ou com o
passado, acentua o seu carácter inventado, subjectivo e fabricado, asseverando a autora que o
impacto do holocausto teve uma forte influência nos ecos da memória na cultura
contemporânea (2000:6). Também Maurice Bloch (1998) discute as análises feitas sobre a
memória em áreas disciplinares como a Antropologia, a Sociologia e a História e a sua relação

20
e o esquecimento, intencional ou não. Alguns dos entrevistados insurgiram-se contra
a história oral, criticando a metodologia do meu trabalho e enfatizando o seu carácter
subjectivo, enquanto outros se escusaram a recordar a experiência que tinham
protagonizado.

Na sua obra La Memoire Collective (1968 [1950]), Maurice Halbwachs reitera que cada
memória individual espelha “um ponto de vista sobre a memória colectiva”
(1968:33), enformando um cruzamento de correntes de pensamento. O autor
apresenta uma distinção entre estes dois tipos de memória, enfatizando que só se
constrói uma memória a partir de um universo comum de referências, concepção
cristalizada na sua célebre formulação sobre “quadros sociais da memória” (1994
[1925])31.

As teorizações de Halbwachs continuam a influenciar os estudos contemporâneos


sobre esta temática32 e o seu contributo foi fulcral para o distanciamento relativo a
uma concepção biológica da memória que, a partir de então, passou a ser
perspectivada de um ponto de vista social e cultural. Contudo, a ênfase colocada na
dimensão colectiva da memória33 remetia para uma zona de sombra as memórias
individuais, isto é, a interpretação individual de determinada experiência que
constituía uma dimensão fundamental no meu trabalho. A maioria da bibliografia
que trabalhava era seguidora de Halbawachs, tendo lido textos onde, por exemplo, a
memória individual era considerada uma “fonte muito imperfeita do conhecimento
histórico”, ao passo que a “memória colectiva era infinitamente valiosa” (De Romilly,
2002:43).

A contrariar esta tendência Fentress e Wickham (1992) notaram o papel de


menoridade atribuído à memória individual34 afirmando:

ténue com a psicologia cognitiva, recorrendo aos conceitos de “memória autobiográfica” e


“memória semântica”. Sobre as questões metodológicas nos estudos da memória ver ainda
artigo de Confino (1997).
31 Para uma análise da obra deste autor ver Namer (1987).
32 Para o caso português ver Godinho (2001).
33 A tensão teórica entre memória individual e colectiva é discutida por Anna Green (2004).
34 Já Crane (1997) concilia as “duas memórias” ao defender que a memória colectiva é uma

expressão da consciência histórica que deriva dos indivíduos: “[…] we all know that groups
have no single brain in which to locate the memory function, but we persist in talking about

21
[…] um importante problema que se depara a quem quer que pretenda
seguir Halbwachs neste campo é o de elaborar uma concepção de memória
que, sem deixar de prestar plena justiça ao lado colectivo da vida
consciente de cada um, não faça do individuo uma espécie de autómato,
passivamente obediente à vontade colectiva interiorizada. (1992:7).

Na mesma linha Green ao evocar a obra O Queijo e os Vermes (1989 [1976]) de Carlo
Ginzburg, que centrada na figura de Menocchio, um moleiro de Friuli, permitiu o
estudo da cultura camponesa da Europa pré-industrial do século XVI, enfatiza a
importância dos trajectos pessoais e a forma como os indivíduos negoceiam e
competem por ideias e espaços no seio dos discursos dominantes (2004: 43).
Combinando as perspectivas da Antropologia Social e da Psicologia Cognitiva e
problematizando a transmissão de uma memória não linguística, Maurice Bloch
(1998) refuta, também, o primado do colectivo nas análises da memória, partindo do
exemplo concreto da recordação de uma rebelião ocorrida em 1947 em Madagáscar.
Não esquecendo Halbwachs, assevera que a memória é social no sentido em que é
transmitida, contudo, esta transmissão constitui um processo psicológico individual
que este pensador terá negligenciado.

Nesta linha, importa sublinhar que as pessoas entrevistadas no decurso do trabalho


de campo, rememoravam enquanto elementos de um colectivo formalmente
inexistente, isto é, o MFA e a Comissão Dinamizadora Central já não existem. Alguns
dos entrevistados nunca se conheceram, apesar de terem participado na mesma
experiência em zonas diferentes do país. Era um “nós” desagregado e fragmentado
que emergia nos seus discursos. Por vezes, não existia uma versão acordada sobre o
passado35 porque o acto comunicacional fora interrompido ou nunca existira.
Deparei-me com memórias dissonantes, sobre as quais Halbwachs não se debruçou
nos seus trabalhos, tal como mostrou Green (2004:36). Esta última salienta, ainda, que
as concepções de Halbwachs são moldadas pela óptica funcionalista, onde a memória

memory as «collective», as if this remembering activity could be physical locate. We may


speak, with Jacques Derrida, of «traces»; Nora identifies «sites» […]. None of this, however,
addresses the fact that collective memory ultimately is located not in sites but in individuals.
All narratives, all sites, all texts remains objects until they are «read» or referred to by
individuals thinking historically.” (1997:1381).
35 Ver capítulo 6, no qual é discutida as diferentes versões da génese das Campanhas de

Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA.

22
é perspectivada como um mecanismo de união dos grupos e de consolidação da sua
identidade, ignorando neste sentido, as memórias em conflito. Assim, as memórias
que não entravam em linha de acordo com o grupo tenderiam gradualmente a
desaparecer (2004:38).

Em 1999, data de início do trabalho de terreno, isto é 25 anos depois do 25 de Abril,


propus-me fazer uma etnografia retrospectiva e fui-me confrontando, com um
“segundo 25 de Abril”, tomando de empréstimo as palavras de Boaventura Sousa
Santos (1984:45), que era o do tempo presente deste trabalho. Optei pela designação
de etnografia retrospectiva em detrimento de etnografia histórica, uma vez que no
processo de construção do corpo empírico deste trabalho, o passado é
conceptualizado a partir de um tempo presente. É uma “etnografia por recuo”, não
tendo eu partilhado o tempo da experiência que instigava a recordar, assumindo a
memória, enquanto fonte, um papel axial (Fentress & Wickham, 1992:14).

Tal como Godinho, e no trilho de Halbwachs (1994 [1925] e 1968 [1950]), “é a partir
das vivências actuais que os acontecimentos do passado são enquadrados, e por
outro lado, as cicatrizes do tempo ido emergem do olhar lançado retrospectivamente
da actualidade” (2001:22)36. Neste sentido, a memória constitui um fenómeno
contemporâneo, uma experiência vivida, ao passo que a história encerra a
preservação dessa experiência (Nora, 1984: xix; Crane, 1997:1375).

A narração de um acontecimento passado não é neutra, sendo determinado


parcialmente por este (Corbin, 1995; Farge, 2002). Como afirmou Walter Benjamin a
relação entre o ouvinte e o narrador é dominada pelo interesse em conservar o que
foi narrado (1992:43). As considerações destes autores são particularmente úteis uma
vez que o enfoque desta investigação não reside tanto na importância ou significado
do acontecimento em si para quem o protagonizou, nem na sua reconstituição, mas
nas leituras que sobre Portugal foram feitas e que legitimaram uma acção específica.
E isto foi determinante para a escolha das metodologias adoptadas. Tal como Caria,

36 Diversos autores contribuíram para este alargado debate sobre a dialéctica passado-
presente (Connerton, 1993; Crane, 1997). Contudo, importará aludir à formulação de David
Lowental (1993), para quem o passado “é um país estrangeiro”: The past is a foreign country
whose features are shaped by today’s predilections, its strangeness domesticated by our
preservation of its vestiges” (1993:xvii).

23
defendo que uma metodologia é “uma construção estratégica” que combina teoria e
experiências para abordar um objecto específico (2003:9). O facto de não partilhar ou
“participar” da experiência que estudava apelou, deste modo, à reconfiguração das
metodologias utilizadas, onde o recurso aos métodos da Antropologia e da História37
foi sugerido pelo próprio objecto de estudo.

Assim, privilegiei uma “estratégia múltipla” (Burgess, 1997), num constante vai e
vem entre diversas ordens de testemunhos (Zonabend, 1980:8): documentos escritos,
registos sonoros, fotográficos e registos audiovisuais. A construção das etnografias
obedeceu a três fases distintas. A primeira assentou num amplo trabalho de pesquisa
em arquivos (públicos e privados), o que me conduziu à problematização da questão
de elevar o arquivo a um terreno antropológico. Segundo Mary des Chene (1997):

The first line of defense against criticism of the archive as field site has
been to assure skeptics that we take an anthropological attitude toward the
documents we persue. To study archives themselves – as cultural
phenomena – would of course, be an acceptably anthropological
enterprise. It is doing fieldwork in archives that is suspect. But if one is
studying the past, there are several ways in which it is bad faith or naiveté
to claim that past is intrinsically more “present” in material traces in a
physical local than in documents written at the time by actors with him one
cannot now speak. And there are several ways in which it is legitimate to
say that one can (re)construct, in a process as painstaking as fieldwork in
more traditional fields, knowledge about social worlds now past by

37 Para a relação entre as duas disciplinas tem sido debatida por diversos autores em
diferentes momentos. Des Chene (1997) sublinha a importância da antropologia histórica no
percurso da disciplina e como este ramo tem sido descurado do kit de ferramentas
conceptuais da antropologia (1997: 66-67). Por seu lado historiador Peter Burke refere “a
descoberta da antropologia” e a importância das suas interrogações e conceitos para
responder a “certas deficiências da história tradicional” (1992:20). Richard Handler (2000), na
linha de Stocking, ao reflectir sobre a história da antropologia enquanto projecto
antropológico, alude nos seguintes termos à relação entre as duas disciplinas: […] history and
anthropology are akin in their fundamental aim – to understand particularly situated human
being-worlds and events – however distinct the two disciplines may be in terms of method
and disciplinary culture. Thus to interpret or explain past anthropological practices in relation
to specific cultural-historical moments should be business as usual for anthropologist
accustomed to empirical research in local communities and situations, despite the necessity of
relying on archival rather the filed research […].”(2000:4). Uma importante reflexão é também
feita por Hastrup (1992) e Geertz (1995).

24
treating both documents and their authors as interlocutors. (Des Chene,
1997: 77)

A provocação desta autora38 convocou para debate uma questão tensa, ainda
timidamente problematizada pela Antropologia, que se centra na identificação da
pesquisa em arquivos com as práticas antropológicas, entre as quais a pesquisa de
terreno e a produção de etnografias39. Como notou Cunha40 (2004), nos últimos anos
também os antropólogos tomaram os arquivos como objecto de interesse,
nomeadamente com as abordagens dos contextos coloniais e pós-coloniais. Na
verdade, o arquivo41 é uma instituição que canoniza, congela e classifica o
conhecimento de que os Estados necessitam (Dirks, 2001:107), fundando, na
formulação de Foucault (1969), uma multiplicidade de enunciados passíveis de serem
interpretados42.

Note-se que o material histórico tinha sido tradicionalmente perspectivado pela


Antropologia como complemento do trabalho de terreno, provocando alguma
inquietação colocá-lo no centro da construção das “etnografias”, tornando o papel do
antropólogo equívoco uma vez que por um acto de fundação epistemológico parecia
que nós teríamos optado pela oralidade em prejuízo da escrita43 (Fabre, 2001:13). O

38 Para uma perspectiva diferente ver problematização de Pourcher (1997) sobre o estatuto do
arquivo no quadro da antropologia política.
39 Sobre esta questão ver debate da Antropologia brasileira reunido na revista Estudos

Históricos (2005) resultante de um seminário subordinado ao tema “Quando o campo é o


arquivo: etnografias, histórias e outras memórias guardadas”, realizado em 2004.
40 Da mesma autora ver artigo de 2005 citado na bibliografia.
41 Sobre a relação triangular entre a memória, a história e arquivos ver Pomian (1992).
42 Também o filósofo francês Jacques Derrida contribuiu para o debate em torno do conceito

de “arquivo” em Mal d’Archive (1995). Ao explorar a raiz grega da palavra (1995:11), que
deriva de “commandement” (autoridade) e “commencent” (origem), alude às relações de
poder que o caracterizam uma vez que o arquivo é uma lugar de autoridade, espelha uma
tentativa de preservação de algo que deve ser recordado, excluindo o que é necessário
esquecer.
43 Importa sublinhar que o reverso desta questão foi protagonizado, na segunda metade dos

anos oitenta, pela obra Writing Culture, The Poetics and Politics of Ethnography organizada por
Clifford e Marcus (1986), também conhecida com “That Damn Book” (Marcus, 1998). A
“viragem literária” da antropologia pós-moderna estimulou debates (ver Sangreen, 1988)
sobre a redução da prática etnográfica a um texto, presente em posições radicais como a de
John van Maanen em Tales of the Field, On Writing Ethnography (1988) onde a presença do
antropólogo no terreno é desvalorizada, colocando-se a tónica nos textos produzidos “no e
sobre o terreno”. O trabalho de campo foi, assim, equiparado à actividade literária.
Parafraseando Hastrup e Hervik (1994:5), actualmente assiste-se a um equilíbrio entre
“worlds and words”, contudo, as propostas pós-modernas marcaram uma etapa decisiva na

25
arquivo passou a ser um dos espaços de investigação dos antropólogos reenviando
para uma concepção de terreno que se distancia do paradigma malinowskiano, isto é,
da recolha antropológica clássica centrada em testemunhos orais e nos contextos
locais da sua produção. Como afirmam Cunha e Castro (2005):

Nos 80 anos decorridos desde a publicação de Argonautas, os “primitivos”


deixaram de ser tão “primitivos” – deixaram de ser povos sem
documentos, característica que então os diferenciava dos ocidentais […]
Além disso, a antropologia deixou de se interessar pelos “primitivos” e
passou a interessar-se também pelos povos “ocidentais”, com os seus
arquivos e patrimónios documentais já constituídos (2005:4).

Com efeito, foi difícil o afastamento desta representação do trabalho de campo, que
tinha fundado com êxito a legitimidade científica do método de observação
participante, formadora da minha identidade enquanto antropóloga. Mas, a pesquisa
documental44 revelou-se fundamental nesta investigação não assumindo, portanto,
um lugar periférico. Numa relação de articulação com outra ordem de testemunhos,
permitiu uma aproximação mais rigorosa à temática em estudo e aos contextos de
produção dos discursos sobre a ruralidade na conjuntura do 25 de Abril de 1974,
garantindo uma preparação mais precisa das fases subsequentes da investigação: as
entrevistas e o trabalho de campo extensivo.

Nesta etapa da pesquisa importa, ainda, destacar a importância dos acervos


particulares45. Os documentos pessoais dos entrevistados constituíram uma fonte
insubstituível, permitindo aceder e contextualizar a dimensão local das Campanhas

história da antropologia, na medida em que conduziram a uma reflexão retrospectiva da


disciplina.
44 No âmbito da pesquisa documental, importa frisar que um dos obstáculos à investigação

sobre a transição democrática em Portugal prende-se com o acesso, nem sempre fácil, aos
arquivos públicos. Dos arquivos consultados, alguns são públicos mas de acesso restrito e por
vezes a resposta aos pedidos de consulta dos seus acervos foi muito morosa. Casos houveram
em que as respostas aos pedidos de autorização para consulta demoraram um ano.
No caso da pesquisa no Arquivo do PCP, por ser condicionada, não se revelou muito profícua
pela impossibilidade de acesso directo aos ficheiros do arquivo e aos documentos, sendo a
consulta mediada por um funcionário.
Outro dos aspectos que gostaria de focar prende-se com os orçamentos avultados praticados
por arquivos públicos como o da Rádio Difusão Portuguesa e da Rádio Televisão Portuguesa.
45 Uma interessante reflexão em torno dos acervos pessoais foi feita por Venancio (2005) onde

a autora trabalha o acervo do psiquiatra baiano Juliano Moreira.

26
de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA. A sua consulta e empréstimo
constituíram um verdadeiro processo negocial. Na maioria dos casos foi uma partilha
fácil. Houve um caso, em que o empréstimo foi retribuído com a organização do
mesmo. Noutro, a cedência dos documentos foi faseada: encontrava-me com a pessoa
e ela dava-me um caderno, depois eu entregava esse, e recebia outro, tendo ainda
sido desafiada a mostrar o tipo de tratamento que estava a fazer daquela
documentação.

Interessa sublinhar que a ênfase que atribuo ao “documento” não é estranha à


Antropologia, nem quer dizer que os antropólogos negligenciavam os documentos
não escritos por eles durante o trabalho de campo. Contudo, os documentos
encontrados no “terreno” eram colocados numa categoria diferente do que os
depositados em arquivos.

A utilização do documento escrito enquanto terreno antropológico foi um dos temas


debatidos na obra Lugares de Aqui46. O’Neill e Brito (1991:15-16), autores do prefácio,
notam a emergência de um novo tipo de terreno antropológico presente em algumas
apresentações: o “texto escrito”, como os relatos científico-literários dos viajantes
setecentista na ilha da Madeira, trabalhados por Jorge Freitas Branco e o Livro de
Leitura da 3ª Classe, alvo de uma análise de Miguel Vale de Almeida; o “documento
local”, como o livro de contas de uma taberna transmontana, focado por Joaquim
Pais de Brito ou os livros de Actas de uma associação recreativa de Lisboa
trabalhados por Graça Índias Cordeiro.

A segunda fase da metodologia desta investigação corresponde à realização de


entrevistas em profundidade (Olabuénaga, 1996:166) junto daqueles que foram os
protagonistas da Dinamização Cultural, no sentido em que foram decisores, autores e
executantes de um projecto delineado à escala nacional, assumindo a história oral
especial relevância47. As entrevistas de carácter retrospectivo (Thompson, 1993

46 Esta obra corresponde às actas do Seminário “Terrenos Portugueses” organizado pelo


Centro de Estudos de Antropologia Social (CEAS) do Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa (ISCTE) entre 1988 e 1989.
47 Porque nesta investigação se cruzam diferentes ordens de testemunhos produzidos em

tempos diferentes, a recolha das narrações, isto é, as fontes por mim construídas, adquirirá a
forma de ilustração, tal como Godinho (2001:23) na esteira de Bertaux. Os extractos das
entrevistas surgem com um corpo de texto diferenciado, a itálico e numa formatação que o

27
[1983]) foram realizadas entre 1999 e 2006. Recorri à utilização de uma “amostragem
em bola de neve” (Burgess, 1997) que implicou partir de um número circunscrito de
informantes e solicitar o contacto de outros de modo a poder estabelecer uma
significativa cadeia de entrevistados. A cada um solicitava o vínculo que, agora ou
outrora, o uniu a outro.

Ao me ajudarem a marcar uma entrevista com os elementos da sua rede de relações,


os entrevistados reactualizavam as suas relações de amizade. Houve um caso em que
a entrevista foi o mote para um jantar para o qual me convidaram. Foi a única
entrevista que realizei em grupo e das poucas que não foram gravadas, por sugestão
de um dos entrevistados que me pediu o anonimato. Em virtude de não se
encontrarem há algum tempo, tinham muitas memórias para actualizar. Naquela
situação senti-me deslocada uma vez que não tinha nenhum capital afectivo para
partilhar. Deixei correr a conversa, interferindo pouco. Em alguns dos casos, porque
já tinha conhecimento prévio da participação de algumas pessoas nesta iniciativa, as
entrevistas foram marcadas de forma directa sem intermediação.

A utilização desta ferramenta de investigação provocou alguma perturbação inicial,


na medida em que foi difícil abandonar a ideia da deslocação espacial como condição
para a construção de um “verdadeiro” corpo empírico, isto é, afastar-me da
concepção clássica e poética do trabalho de campo. Ao contrário da minha
investigação anterior numa pequena aldeia onde acompanhava as tarefas
quotidianas, podia bater à porta das casas ou dirigir-me aos espaços privilegiados de
sociabilidade, esta pesquisa exigiu o recurso a uma rede de conhecimentos e o acesso
aos sujeitos etnográficos foi, por vezes, muito lento.

Perspectivar a ideia do trabalho de terreno ou ir para o terreno, implica lidar com a


imagem de um local não familiar e com a distinção entre o terreno e o meu local de
pertença, isto é, pensar numa separação espacial. Como afirmam Akhil Gupta e
James Ferguson, ao debaterem esta questão:

distingue do restante, seguido da identificação do entrevistado. O cargo ou função que


ocupavam no tempo da vigência das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA é referenciado na primeira vez que é citado. As citações dos documentos de época,
nomeadamente de entrevistas e conferências de imprensa, ou a participação mais recente em
programas televisivos dos protagonistas aparecem, também, de forma destacada no texto.

28
The very distinction between «field» and «home» leads directly to what we
call a hierarchy of purity of field sites. After all, if “the field” is most
appropriately a place that is “not home”. The some places will necessarily
be more «not home» than others (Gupta & Ferguson, 1997: 13).

Sendo híbrido o meu objecto de estudo, uma vez que se caracteriza pela conjugação
de metodologias, nesta fase da pesquisa os espaços de investigação foram cafés,
gabinetes de trabalho, o anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian e as residências
de alguns entrevistados. Por ter realizado o trabalho de campo no contexto cultural
em que vivo e me relaciono, os percursos dos meus entrevistados iam-se cruzando
com os meus. Num dos contactos que encetei visando a preparação de uma
entrevista a uma professora universitária, que na época colaborou com a CODICE,
esta solicitou-me o projecto de tese antes da entrevista e no final da mesma afirmou
que gostaria de ser minha arguente. Note-se que os entrevistados fizeram
frequentemente sugestões em relação à investigação, teceram comentários sobre os
artigos que escrevi e mostravam-se interessados em saber quem era o orientador da
tese.

Este momento da pesquisa vedou-me a priori qualquer possibilidade de participação.


De facto, o modelo da observação participante marca de forma indelével a nossa
formação enquanto antropólogos. Procurei, contudo, estar presente em
acontecimentos relacionados com a temática em estudo, dos quais destaco a “contra-
comemoração” dos 25 anos do 25 de Novembro realizada em 1999 na Voz do Operário,
a sessão de homenagem a Ramiro Correia realizada em Outubro de 2002 na
Associação 25 de Abril, as comemorações do dia 25 de Abril, o lançamento de livros
testemunhais e diferentes colóquios que me permitiram uma maior aproximação aos
sujeitos etnográficos e a obtenção de novos contactos.

Esta investigação também anulou a sensação de autonomia e de “mobilidade” na


recolha da informação, na medida em que o “encontro etnográfico” foi, em grande
medida, controlado pelos entrevistados. Neste sentido, importa convocar Paul
Thompson e a obra The Voice of the Past (1989 [1978]). No capítulo dedicado à
entrevista, o autor refere o trabalho de Thomas Reeves sobre os intelectuais liberais
americanos. Este investigador lidava com o problema da falta de tempo dos
entrevistados e com uma profunda exigência dos mesmos face ao conhecimento que
ele possuía deles próprios, facto que conduziu a uma preparação muito meticulosa

29
da entrevista. Thompson assevera, contudo, que informantes tão exigentes eram
raros. Para mim não foram. Também eu me confrontei com estas questões, a falta de
tempo, a exigência e a avaliação do meu conhecimento (o que remete para a imagem
do antropólogo no terreno), tendo eu optado por aquilo que Thompson designou de
“specific, highly-informed questions” (1988:197).

Assim, as situações de interacção que mantive com os promotores da Dinamização


Cultural poderão ser definidas como “encontros formais de entrevista” (Lima, 1997).
As entrevistas decorreram em espaços e datas escolhidos pelos protagonistas da
Dinamização Cultural do MFA, e estes foram sempre muito claros quanto às
temáticas que não queriam abordar, o que me levou a questionar o facto de as
entrevistas permitirem a construção de uma “verdadeira” etnografia. Tal como
Antónia Pedroso de Lima (1997), quando se refere ao seu trabalho de campo junto
das famílias da elite empresarial de Lisboa, lentamente fui adquirindo “uma atitude
mais ecléctica”, na medida em que as pessoas entrevistadas assumiam, de uma forma
mais directa, a gestão da informação que pretendiam partilhar.

As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA não foram um


movimento pacífico, tendo sido objecto de inúmeras críticas e oposições. Para alguns
dos “dinamizadores”, a entrevista proporcionou a reconciliação com um “passado
traumático”, possível de ser lida não só nas referências às perseguições de que foram
alvo no 25 de Novembro de 1975, como também nos casos em que o choro emergiu
no relato das realidades encontradas. Para outros, constitui uma forma de reposição
da sua verdade dos acontecimentos. Perante mim, ajustavam contas com a história
nacional e oficial que desvalorizou esta experiência, descrita por Vasco Gonçalves
como “o período que gostei de viver”48 ou, ainda, nas palavras de Modesto Navarro
“uma grande experiência da minha vida”49.

Também a necessidade de fixar o acontecimento era recorrente nos discursos de


quem protagonizou as Campanhas, afirmando uns que já tinham equacionado
escrever um livro, e outros adiavam o projecto, tencionando escrever “quando

48 Entrevista a Vasco Gonçalves, 2000.


49 Entrevista a Modesto Navarro, 2000.

30
fossem mais velhos”. Mas é a urgência na transmissão da memória50 que é mais
enfatizada. Um dos colaboradores do sector do Teatro da CODICE, afirma em tom de
agradecimento:

Agradeço-lhe imenso a sua ideia de vir estudar este assunto, para que os jovens
possam ter hoje consciência de que o 25 de Abril não foi um dia, foram muitos anos
antes e muitos anos depois e continuará a ser muitos anos de luta pela democracia.
Não há qualquer hipótese de travar o processo democrático mas há formas,
digamos, de paralisá-lo ou de diminuir a intensidade do desenvolvimento do povo e
do desenvolvimento do interior. Tenho a sensação que há 30 anos lutámos com a
vida por isso. (José Capinha Gil, colaborador no sector do Teatro – CODICE)

A entrevista constituiu, ainda, um momento de valorização e legitimação “vinda de


fora”. Confrontei-me com uma memória injustiçada, uma memória dos derrotados,
uma memória marginal que circulava entre um grupo restrito de indivíduos, que era
o resultado da minha amostra “em bola de neve” construída ao longo da
investigação, e que hoje mantinha laços de características diversas. Do grupo dos
entrevistados, uns perderam o contacto entre si, outros nunca se conheceram, outros
mantém uma relação mais sólida obtida pelo vínculo conferido pela militância no
Partido Comunista Português (PCP) e pela pertença à Associação 25 de Abril, onde
através dos encontros comemorativos actualizam a memória daquele tempo.

A nostalgia também é uma das características dos discursos dos protagonistas das
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA. A memória desta
experiência, relatada como um projecto político perdido e interrompido, conduz à
criação de um presente alternativo, aproximando-se da “ucronia” de Portelli (1988),
denominando um “não tempo” onde parece repousar a solução para a “crise actual

50 Esta “urgência” é igualmente evidente no filme de João Botellho Se a Memória Existe


realizado sob a chancela da Associação 25 de Abril por ocasião das comemorações dos 25 anos
do 25 de Abril de 1974. Os “militares de Abril”, Vasco Gonçalves, Martins Guerreiro, Otelo
Saraiva de Carvalho, entre outros, são convidados a narrar um conto infantil a uma menina
que os escuta atentamente. O conto é “O Tesouro” de Manuel António Pina que descreve a
história do roubo da liberdade e alude ao “país das pessoas tristes” e à posterior “grande
festa”. Neste registo cinematográfico a necessidade da transmissão do conhecimento de uma
geração a outra é sublinhada. De forma análoga, também o cd Abril, Abrilzinho (2006) enfatiza
esta questão. Os seus autores, Manuel Freire, Vitorino e José Jorge Letria, afirmam no texto de
apresentação: “Juntaram-se três memórias, três vivências e três percursos num disco que fala
de Abril aos mais novos, para que saibam um pouco melhor o que foi, o que ajudou a mudar
e as emoções e esperanças que desencadeou e que, entretanto, se fizeram História”.

31
do país”. É a partir das Campanhas que é lido e enquadrado o momento presente,
num discurso marcado pela referência à decadência nacional51.

Finalmente a terceira fase de recolha etnográfica52 corresponde à realização de


trabalho de terreno extensivo junto de algumas comunidades dos distritos de Viseu e
Bragança, destinatárias das Campanhas de Dinamização. Esta etapa decorreu entre
Setembro de 2002 e Março de 2003, caracterizando-se por períodos descontínuos.
Tendo equacionado no projecto inicial estadias prolongadas, o início do trabalho de
terreno revelou que esta metodologia não seria a mais adequada ao objecto de estudo
uma vez que a presença da Dinamização Cultural, junto das comunidades que
incluiu no seu roteiro, caracterizou-se por diferentes “intensidades”. Inicialmente
itinerantes, as Campanhas no período pós 11 de Março de 1975 fundam uma nova
tipologia de acção privilegiando um contacto mais duradouro, instalando os seus
centros directores nas sedes de concelho. Optou-se, então, pela escolha de terrenos
que constituíram o itinerário da dinamização cultural neste período nomeadamente
no quadro da “Operação Beira Alta” e da campanha “Maio-Nordeste”.

Nas questões que ia colocando ao longo desta etapa, utilizava como referente “os
militares”, “o MFA” e a “5ª Divisão”. Por “campanhas” ou “dinamização cultural”
esta experiência raramente era de início identificada. Ainda assim, confrontei-me
com outras intensidades – as da memória – e com um campo discursivo constituído
por “múltiplas vozes” (Brettell, 1992:198) que espelhavam o envolvimento de cada
um nesta experiência. Se algumas pessoas não se lembravam ou emergia dos seus
discursos uma memória episódica desta experiência, outras recordavam-na de forma
viva e entusiasmada como Acácio, para quem a “A 5ª Divisão foi a coisa mais
importante que aconteceu na minha aldeia [Póvoa do Veado, Castro Daire]. Dou-lhes

51 Lembre-se que as entrevistas foram realizadas nos governos chefiados por António
Guterres, Durão Barroso, Pedro Santana Lopes e José Sócrates.
52 Importa sublinhar que nesta etapa explorei as potencialidades de alguns arquivos distritais

nomeadamente do Arquivo Distrital de Bragança e do Arquivo Distrital de Viseu, uma vez


que incorporam os arquivos do Governo Civil. No primeiro caso fui informada de que não
dispunham de documentos sobre aquilo que pretendia. No caso do Arquivo Distrital de Viseu
procurei dados relativos aos concelhos de Castro Daire e Sernancelhe, concelhos onde tinha se
tinham registado episódios de “resistência” ao projecto do MFA (ver capítulos 8 e 15).
Contudo, do período em estudo (1974-1976) a documentação era praticamente inexistente e
com muita dificuldade consegui consultar os livros copiadores de correspondência expedida
pelo Governo Civil, cuja a informação é muito pobre, remetendo para documentos que não se
encontravam junto da correspondência.

32
um grande valor”. De um ângulo contrário, as Campanhas foram, também, objecto
de apreciações negativas e de desvalorização. Para um habitante de Lamelas de Cá
(Castro Daire): “Foi uma nuvem negra que passou e não deixou saudades
nenhumas.”

Nesta fase da pesquisa recorri também ao sistema “bola de neve”, nomeadamente


junto daqueles que localmente assumiram uma posição de destaque face à
dinamização cultural do MFA, quer enquanto protagonistas locais, quer enquanto
opositores a este projecto, realizando algumas entrevistas em profundidade à
semelhança do que fiz na etapa anterior53. Neste momento da pesquisa, a inquietação
inicial motivada pela não deslocação espacial, foi-se dissipando. Contudo, outras
questões se impuseram, nomeadamente a não ancoragem actual de alguns habitantes
à localidade onde participaram nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA, assumindo o “espaço” uma dimensão periférica nesta investigação
em detrimento da relevância da conjuntura.

Retomando a imagem de Gupta e Ferguson (1997) sobre a “escala de pureza” dos


terrenos antropológicos, neste fase da investigação senti-me mais “not home” do que
nas anteriores e, por conseguinte, mais próxima dos graus de pureza
tradicionalmente fixados.

53À semelhança das outras entrevistas, estas surgem no texto de forma destacada. Também os
relatos recolhidos fora dos “encontros formais de entrevista” (Lima, 1997) assumem o itálico.

33
parte II
A construção do Portugal revolucionário e a
integração do povo na sociedade portuguesa
Capítulo 4 | A “nação em movimento”

A intervenção militar de 25 de Abril de 1974 ou a “Divina surpresa”, nas palavras de


Eduardo Lourenço (1975), inaugurou um ciclo de democratização, posteriormente
designado como “terceira vaga” de transições para a democracia54 que, da Europa do
Sul (Portugal, Grécia e Espanha), se estendeu à América Latina (Brasil, Argentina,
Uruguai e Chile) e mais tarde à Europa de Leste.

Ao problematizar o papel dos golpes militares de esquerda e a sua fraca


probabilidade de ocorrerem no contexto europeu, Hobsbawm (1996) refere o caso
português como uma excepção na Europa de então (1996: 427)55. O processo de
transição para a democracia em Portugal apresenta, na óptica dos diversos cientistas
sociais e políticos, aspectos raros e exóticos56 quando comparado com os que tiveram
lugar noutros países (Carrilho, 1994a: 37-38 e 1994b: 152). Esta singularidade advém
não só do facto de o regime autoritário ter sido derrubado por uma instituição
integrante do aparelho do Estado, a instituição militar, como defendem alguns
investigadores e protagonistas57, mas também da força e vitalidade dos movimentos
sociais que se seguiram imediatamente ao 25 de Abril de 1974. Não negligenciando o
protagonismo militar e dos movimentos sociais, alguns autores colocam, ainda, a

54O desenvolvimento de estudos sobre vários países que, nas décadas de 70 e 80, passaram de
regimes ditatoriais para regimes democráticos, tem permitido clarificar este conceito
conduzindo alguns investigadores a considerar Portugal como o primeiro caso da terceira
vaga de transições ocorridas no século XX. No contexto destas investigações considera-se que
a transição portuguesa começou antes das ocorridas na Grécia, Espanha, América Latina e
Europa de Leste (ver Huntington 1991). Outros autores, como Schmitter (1999: 385), integram
o caso português numa “inesperada” quarta vaga de democratização.
55 Ver também p. 85 da mesma obra.
56 Este exotismo percorre igualmente o olhar de fotógrafos e cineastas estrangeiros sobre o

Portugal revolucionário, como mostra Sérgio Tréfaut em Outro País – Memórias, Sonhos, Ilusões
…Portugal 1974/1975 (1999). De forma análoga esta característica encontra-se também
subjacente ao dicurso jornalístico. Com o título “Um Cavalheiresco Golpe de Estado em
Portugal” a revista Newsweek (6/5/1974) notícia os acontecimentos do 25 de Abril de 1974:
“Os Portugueses sempre tiveram uma maneira muito sua de fazerem as coisas. Mesmo aquele
sangrento espectáculo ibérico, a tourada, adquire em Portugal uma característica especial,
cavalheiresca, pois o touro nunca é morto. Na semana passada, um grupo estreitamente
coordenado de oficiais do Exército aplicou essa tradição civilizada a um acto muitas vezes
violento – um golpe militar.” (O 25 de Abril na Imprensa Estrangeira, 1974:55). Para análise
detalhada da imprensa estrangeira ver Mesquita & Rebelo (1994).
57 Ver Ferreira (1983), Sánchez Cervelló (1995), Carrilho (1994b; 1998) e Carvalho (1999).

35
ênfase no papel desempenhado pelas elites e partidos políticos58. Esta discussão
divide as diferentes áreas de estudo que se têm dedicado a este período, não
constituindo, contudo, objecto de problematização no quadro da presente
investigação.

Pretendo antes sublinhar que o período em análise surge como um momento


anómalo na história dos movimentos sociais em Portugal quando se observa “as
formas de acção colectiva nele empreendidas” (Palacios Cerezales, 2001:20),
inaugurando um novo ciclo de desocultamento e de descoberta do país. Recorrendo a
uma imagem de José Cardoso Pires, era toda uma “nação em movimento” (Pires,
1999: 225) palmilhada por uma plêiade de experiências ocorridas entre os anos de
1974 e 1976. A par de iniciativas promovidas pelo sector militar, como as Campanhas
de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, das quais se ocupa o presente
trabalho59, a sociedade civil assumiu, também, um importante papel nas tarefas da
revolução, mobilizando-se em iniciativas das quais se destacam as Campanhas de
Alfabetização e Educação Sanitária dirigidas pela Pró-União Nacional dos Estudantes
Portugueses (UNEP), o Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL), o Serviço
Cívico Estudantil (SCE), o Serviço Médico na Periferia. Como notou Raposo “o
«povo» redefine-se, os intelectuais e artistas «descem» à rua e «partem» à
redescoberta da aldeia.” (1998:196).

Alinharei estas iniciativas cronologicamente, tomando como critério a sua data de


início, visando enquadrar as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA no processo mais amplo da transição portuguesa, bem como sublinhar que
alguns destes movimentos se entrecruzaram no tempo e, por vezes, no mesmo
espaço. A referência a este conjunto de experiências congéneres ancora-se
incontornavelmente na obra de Oliveira (2004), na qual a historiadora procede a um
levantamento cuidado destas iniciativas para enquadrar o objecto do seu trabalho, o
Serviço Cívico Estudantil60.

58 Ver Reis (1994).


59 Estas serão objecto de análise aturada nos capítulos seguintes.
60 Procurou-se articular a análise e o levantamento elaborados por Luísa Tiago Oliveira (2004)

com dados e bibliografia recolhida no quadro da presente investigação.

36
O empenho dos estudantes na revolução espelhou-se num conjunto diversificado de
experiências, algumas ocorridas fora do sistema de ensino61, diluídas no conjunto de
agentes de formação e intervenção (Oliveira, 2004:84-85) que assumiram formas
diversificadas como alfabetização, animação sócio-cultural, rastreios médicos,
jornadas de trabalho voluntário em empresas nacionalizadas, cooperativas e
unidades colectivas de produção, trabalho nos bairros, inquéritos à realidade, etc.
Contudo, a contribuição dos estudantes assumiu, também, uma configuração mais
estruturada e continuada, salientando-se as Campanhas de Alfabetização e Educação
Sanitária62. Surgindo no quadro do movimento associativo, esta iniciativa é lançada
sob o lema “Unidade Estudantil com o Povo Trabalhador” (Oliveira, 2004:85) pela
Pró-UNEP63 em Junho de 1974, com os seguintes objectivos:

[…] os estudantes pretendem dar um pequeno contributo para a resolução


dos graves problemas nacionais, os quais temos consciência que só
poderão ser totalmente resolvidos através de uma alteração global da
política económico-social do nosso país.

61 Como bem demonstrou Oliveira (2004: 55-84) no quadro do sistema de ensino, para além do
Serviço Cívico, surgiu um conjunto de iniciativas inovadoras marcadas por uma alteração na
forma de perspectivar a relação da escola com a comunidade, nas quais se distinguem o
Trabalho Produtivo Socialmente Útil no Ensino Básico e a Abertura da Escola ao Meio Social,
a Educação Cívica Politécnica, as Actividades de Contacto e as Saídas e Semanas de Campo
no âmbito dos cursos das Escolas do Magistério Primário e, por fim, os Estágios de Trabalho
Indiferenciado nos Institutos Superiores de Serviço Social.
62 Com características idênticas, e já num período de normalização do funcionamento do

aparelho de Estado, ocorre o Movimento Alfa no Verão de 1976 protagonizado pela UEC
(União dos Estudantes Comunistas) abrangendo áreas como a alfabetização, a educação
sanitária, a intervenção cultural, as práticas desportivas e o trabalho agrícola. No Manifesto
do Movimento Alfa são enunciados os seus principais objectivos: “Alfa é um movimento
unitário de estudantes mobilizados para o Trabalho e Alfabetização: nasce da consciência
revolucionária dos estudantes de que o obscurantismo do povo português e o afastamento
dos problemas, dos anseios e da cultura popular são um suporte das políticas reaccionárias e
anti-populares; nasce do imperativo de lutar contra o analfabetismo, que predomina em
largas zonas do país, para uma real democratização da cultura e do ensino.” (União dos
Estudantes Comunistas, Manifesto, s/d [1976]. Arquivo do Partido Comunista Português).
Sobre esta iniciativa ver Oliveira (2004:100-103)
63 Esta estrutura pretendia representar o conjunto de estudantes portugueses. Como explica

Carlos Franklin, um dos seus membros e aluno da Faculdade de Medicina de Lisboa: “É uma
comissão constituída por elementos das direcções das Associações de Estudantes espalhadas
pelo país e que tem por objectivo a formação a curto prazo de uma frente associativa comum,
representativa dos legítimos interesses estudantis e populares. Surge como o primeiro passo
de arranque, que aproveitando as condições objectivas á existentes, está a incentivar o
desenvolvimento da vida associativa no resto das escolas do País; condição essencial à
garantia da participação geral dos estudantes na futura União Nacional dos Estudantes
Portugueses”. (Mensageiro de Bragança, 2/8/1974, p. 4).

37
[…] Com estas iniciativas, não só avançaremos no sentido de quebrar o
isolamento que sempre o governo fascista tentou impor entre a massa
estudantil e o nosso povo, como elas servirão para a nossa formação como
futuros quadros, proporcionando-nos uma visão clara e uma consciência
crítica sobre os principais problemas do nosso país64.

Em declarações ao jornal Mensageiro de Bragança, um dos participantes reforça a


urgência desta iniciativa denunciando as consequências da política do Estado Novo
nas áreas da Educação e da Saúde:

Os estudantes têm a noção de que os objectivos que se propõem são apenas


uma pequena contribuição para a solução dos problemas de saúde pública
e para pôr fim ao analfabetismo, ainda reinante em Portugal. No campo da
assistência vejamos a herança que o fascismo nos deixou:
- Dos 8600 médicos, de todas as especialidades existentes em Portugal em
1972, 80% localizavam-se nos distritos de Lisboa, Porto, Coimbra e Setúbal;
- dentro da população portuguesa constituída por 8 milhões de pessoas,
somente 800 mil pessoas estão vacinadas, sendo 60% constituída por
crianças que vão desde os recém-nascidos até à idade dos dez anos;
- a nível da assistência médica infantil, só 5% das crianças portuguesas têm
uma assistência eficaz e contínua durante toda a sua vida;
- há actualmente 500 000 alcoólicos crónicos – na assistência a partos só
23% a têm;
- no campo da alfabetização Portugal a nível de inscrições no ensino
primário tem somente 86%, no ensino secundário 25%;
- existem três milhões de analfabetos, o que corresponde a 37% da
população total65.

A par de um trabalho pragmático nestas áreas, esta campanha, tal como as suas
congéneres, assumia uma missão de denúncia do “fascismo”, procurando ainda ser
uma experiência formadora para aqueles que a protagonizaram. Tal como afirmou
Leal “tratava-se de propor um «mergulho redentor» no «país real» que corrigisse as
tendências «elitistas» dos estudantes e, ao mesmo tempo, os envolvesse em tarefas
práticas revolucionárias marcadas, elas próprias, por uma forte componente de

64 Diário de Noticias, 21/6/1974, p. 8.


65 Declarações de Cipriano Justo ao Mensageiro de Bragança, 2/8/1974, p. 4.

38
«missionação redentora» dos «sectores mais atrasados do povo” (1995b:56). Neste
sentido, atente-se as palavras de uma “brigadista” que trabalhou no distrito de Viseu:

Bom, através das campanhas […] pretendemos quebrar a ideia que as


populações têm de que dos estudantes são uma classe privilegiada, todo
um grupo de malandros. Nós, ao procurar lançar estas campanhas não
pretendemos, de modo algum, solucionar problemas, bem sentidos pelas
populações do interior, mas, fundamentalmente, acordá-los para eles e
fazê-los sair da apatia em que sempre viveram e trazer mesmo a estas
pessoas o significado do 25 de Abril. […]
Nós não devemos nem queremos cair no paternalismo. Aliás, nós aqui
também temos outra função. Não é só para eles que aqui estamos, mas
também muito para nós. É aprender com as populações, sair daqui muito
mais reforçados para nós mesmos e para as nossas lutas. Não vimos dar-
lhes nada, vimos talvez, trocar, quando muito. Vimos mesmo buscar certos
conhecimentos, que nos fazem falta66.

Tendo em vista a concretização dos objectivos traçados, a preparação desta acção


implicou um trabalho de formação daqueles que a iriam protagonizar. Neste sentido,
na área da alfabetização, os estudantes frequentaram um curso de preparação sobre o
método Paulo Freire67, tendo contado ainda com o empenho de Lindley Cintra na

66Vouga Livre, 28/5/1974, p. 1.


67No quadro geral dos processos de alfabetização o trabalho do pedagogo brasileiro Paulo
Freire assume um lugar de destaque. A metodologia que defendia surgiu por oposição ao
Mobral, movimento de alfabetização lançado pela ditadura brasileira em 1967 (Oliveira,
2004:52). Para Paulo Freire, cristão e marxista, a alfabetização era assumida como “pedagogia
do oprimido” cujo objectivo central era a “conscientização”. Segundo Oliveira, a pedagogia
do oprimido tem como pressupostos fundamentais a “pertença do alfabetizando a um grupo
social oprimido e o diálogo entre o alfabetizador e o alfabetizando enquanto partes
interessadas num fim comum, a saber, a libertação pessoal e social” (Oliveira, 2004: 52). A
educação libertadora de Paulo Freire, na qual se funde a dimensão pedagógica e política, foi
central no quadro das experiências de alfabetização ocorridas no processo de transição
português. Em Uma Educação para a Liberdade, Freire defende que “uma educação só é
verdadeiramente humanista se, ao invés de reforçar os mitos com os quais se pretende manter
o homem desumanizado, esforça-se no sentido da desocultação da realidade. Desocultação na
qual o homem existencialize sua real vocação: a de transformar a realidade.“ (Freire, 1972:14).
Sobre a pedagogia da libertação ver artigos reunidos na obra organizada por Ana Maria
Araújo Freire (1999).
Importa ainda sublinhar que o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984) refere o contacto de
Paulo Freire com a 5ª Divisão/EMGFA, em meados de Outubro de 1974, com a qual manteve
“largas trocas de impressões sobre o seu método de alfabetização e outras experiências, cujo
saldo pôs à disposição do MFA.” (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:236).

39
orientação dos cursos preparatórios e na realização do manual utilizado intitulado
“Resumo do método Paulo Freire e a sua Aplicação Prática em Portugal”. A
formação na área sanitária foi da responsabilidade das Associações de Estudantes de
Medicina (Oliveira, 2004:87).

Importa sublinhar que a imprensa regional acompanhou com atenção o desenrolar


desta iniciativa68. No início de Agosto de 1974, um colaborador do jornal A Aurora de
Lima dá conta dos trabalhos de prévios:

Dentro de dias centenas de estudantes irão dar início à «campanha de


alfabetização e educação sanitária».

Para já é a tarefa febril de divulgação da campanha, são as adesões, os


esclarecimentos nos centros montados nas faculdades, nas associações
dos estudantes, é a compilação de textos sobre a população
portuguesa em particular dos distritos visados (Viana, Braga, Guarda,
Vila Real, Viseu, Bragança e Porto), é a divulgação, o estudo dos seus
anseios, suas necessidades, suas formas de vida, estado de
obscurantismo, subcultura, exploração a que um governo impopular e
terrorista as conduziu.

Para já são os cursos, as lições de esclarecimento, dadas por


professores, por médicos, por pessoas que se têm dedicado aos
problemas da população portuguesa, e que se oferecem para falar dos
métodos de alfabetização e problemas afins, da alimentação,
tabagismo, higiene, planeamento familiar, puericultura, rastreio de
determinadas doenças […], primeiros socorros, todo um conjunto de
dados destinados a dotar as pessoas de conhecimentos que lhes
permitam desempenhar acções frutíferas nas aldeias para onde irão

68 A boa receptividade de alguma imprensa regional (por exemplo do Diário do Minho,


18/7/1974, Correio do Minho, 9/8/1974, Notícias de Chaves, 24/8/1974) deu lugar, numa fase
posterior, a críticas negativas à actuação das diferentes brigadas, como é o caso do Diário do
Minho que publica um artigo intitulado “Alfabetização ou comunização” (28/8/1974, p. 3).
Sobre este assunto ver Oliveira (2004). As situações de hostilidade a esta iniciativa encontram-
se bem documentadas em Oliveira (2004: 89-94).
A posição da imprensa regional será retomada no capítulo 15 no quadro da análise das
resistências da igreja e da notabilidade local às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA.

40
viver os próximos dois meses69.

A campanha decorreu nos meses de Agosto e Setembro de 1974 e contou com a


participação de cerca de 1000 estudantes do ensino superior e secundário70. Foram
constituídas brigadas de alfabetização e sanitárias71 cuja actuação se circunscreveria a
um local específico, sendo a sua coordenação assegurada por brigadas móveis
(Oliveira, 2004:86). Quanto aos locais de destino, e face à impossibilidade de cobrir
todo o país justificada pela insuficiência de meios humanos e técnicos72, foram
considerados prioritários os concelhos de Viana do Castelo, Braga e os distritos de
Vila Real, Bragança, Viseu, Guarda e Castelo Branco73. Á razão logística, um dos
responsáveis aliaria uma outra:

69 A Aurora do Lima, 6/8/1974, p. 1.


70 Estas campanhas contaram com a larga participação dos estudantes comunistas, mas
também incluíram estudantes não afectos à UEC (Oliveira, 2004:86).
71 Segundo um comunicado das Comissões Coordenadoras das Campanhas de Alfabetização

e Educação Sanitária do Porto, publicado no Correio do Minho, o trabalho das brigadas deveria
obedecer às seguintes orientações: - Deverá ser eleito em cada brigada um elemento
responsável.
- Em cada autarquia local ficou responsável um funcionário pelo levantamento de dinheiro
para as brigadas. Esse dinheiro será entregue pelas brigadas móveis ao responsável por cada
brigada.
- Para uma melhor coordenação do trabalho, por cada 8 brigadas fixas existirá uma brigada
móvel.[…]
Todas as brigadas deverão fazer reuniões diárias onde será analisado o trabalho do dia e
servirão ainda para unificar o trabalho, no sentido de não se realizarem tarefas paralelas ou
antagónicas.
- Em todas as brigadas deverá ser elaborado um diário, que juntamente com todos os
relatórios deverá ser arquivado pelo responsável da brigada.
- A cada brigada será fornecido um dossier com todos os elementos julgados necessários ao
bom funcionamento dos cursos.
- Os locais de acampamento deverão ser escolhidos de tal modo que não perturbem a vida
normal da localidade devendo portanto localizar-se na periferia destas. “ (Correio do Minho
7/8/1974, p. 3).
72 Importa referir que esta campanha contou com a colaboração de diferentes entidades tais

como o MFA, o Ministério da Educação e Cultura, Ministério da Saúde, o Movimento


Democrático, o Movimento da Juventude Trabalhadora, o Sindicato dos Médicos e ainda
professores, enfermeiros, cooperativas e colectividades Recreativas dos próprios locais.
(Declarações de Carlos Franklin ao Mensageiro de Bragança , 2/8/1974, p. 4; A Aurora do Lima,
6/8/1974, p. 1). No caso do apoio material do MFA, este foi deficiente como viria a
reconhecer, mais tarde, um dos responsáveis pela Dinamização Cultural (Correia et al, s/d-
a:323). Situações como o não fornecimento de tendas para alojar os estudantes, falta de
transportes foram referenciados na imprensa (Século Ilustrado, 21/8/1974, p. 8).
73 Apesar de não ser referido como prioritário, o arquipélago dos Açores também constituiu

um dos destinos destas campanhas (Oliveira, 2004:87).

41
justifica[-se] não só pelo atraso em todos os aspectos, económico e social,
mas também por não ter chegado e essas zonas o 25 de Abril; zonas onde
se encontram os focos fundamentais da reacção - como zona de segunda
prioridade temos o Vale do Vouga74.

O arranque das brigadas de alfabetização e educação sanitária, no início de Agosto


de 1974, coincidiu com a publicação no Diário do Governo, a 6 de Agosto de 1974, do
despacho dos Ministérios da Administração Interna e do Equipamento Social e do
Ambiente que institucionalizava o SAAL (Livro Branco do SAAL 1974-1976, 1976),
cujos objectivos assentavam no “apoio fundiário, técnico e financeiro a populações
organizadas para participarem na transformação dos seus bairros, aproveitando os
recursos dessa população – autoconstrução e autofinanciamento - sob o controlo
urbanístico das câmaras municipais75. Segundo este despacho havia que elaborar
uma lista das operações prioritárias. Estas tiveram lugar nos concelhos do Porto,
Matosinhos, Gondomar e Ovar e envolveram cerca de 12 000 pessoas (Coelho,
1986:621). Apesar de ter começado no Norte, o SAAL teve operações de vulto noutras
localidades como nas periferias de Lisboa e Setúbal, Seixal, Olhão e Lagos76.

Eternizado no cinema pelo filme de António Cunha Telles, Continuar a Viver (os Índios
da Meia Praia), de 1976, cuja música ficou a cargo de José Afonso, destaque-se que o
SAAL foi outra das experiências que permitiram uma aproximação “autêntica” ao
país, agora na vertente da Habitação. Como nota Portas (1986), a Habitação,
nomeadamente “as barracas”, constituiu uma bandeira reivindicativa mesmo antes
do 25 de Abril de 1974, sendo uma das “maneiras privilegiadas e das poucas
admitidas ou toleradas de dizer mal do governo. Era sempre a história dos bairros de
lata que vinha nos jornais, que umas vezes a censura cortava, outras se tratava
através de eufemismos, como saída normal dos jornalistas para levantar problemas e,
portanto, criar um desconforto na opinião publica em relação aos problemas sociais.”
(1986:635).

74 Declarações de Carlos Franklin ao Mensageiro de Bragança 2/8/1974, p. 4.


75 Bases para a Definição do Programa SAAL, s/d, p. 1. (Centro Documentação 25 de Abril.
Fundo Alexandre Alves Costa. Caixa Comunicados e panfletos. SAAL Nacional).
76 Ver Gomes (1997) e Bandeirinha (2001) para as diferentes operações SAAL.

42
Prolongando-se até ao ano de 197677, o SAAL foi herdeiro de um conjunto de
experiências de conquista do direito à casa e à cidade que ocorreram na Ásia, África,
América Latina e até mesmo em Itália (Pereira, 2002:10). Se esta dimensão
internacional foi importante na génese desta experiência, Nuno Portas78 sublinha,
ainda, a importância do trabalho já desenvolvido79 desde o final da década de 60 do
século XX que propunha “formas alternativas que desbloqueassem a produção da
habitação social, substituindo formas estatizadas, ou estatizantes” (1986:636).

Como afirmou Fernando Távora (cit in Costa, 1997:65) “O SAAL é o único sonho que
um arquitecto, quando acordado, pode sonhar” e é precisamente esta dimensão que
Paulo Varela Gomes (1997) sublinha ao afirmar que este programa não tinha
precedentes. Sob dependência do Fundo de Fomento da Habitação (FMH), o SAAL
funcionou como um serviço descentralizado que, através do suporte projectual e
técnico fornecido pelas brigadas80 (Bandeirinha, 2001:1), constituídas por arquitectos,
sociólogos e engenheiros, procurou actuar nos bairros degradados com os moradores
organizados, construindo novas casas e novas infra-estruturas. Do ponto de vista
disciplinar este projecto era muito sedutor, na medida em que procurava ligar a
função técnica, estatal ou não, aos agentes que deveria servir, isto é, pretendia-se
contrariar os cânones da produção de habitação clássica do aparelho de Estado
(Portas, 1986:639), na qual esta se planeava de acordo com uma lógica “vinda de
cima”, e envolver os moradores nos processos de decisão. Por outro lado, o SAAL

77 Segundo o Livro Branco do SAAL, esta experiência ocorreu em duas fases; a primeira
decorreu entre o 25 de Abril de 1974 e Maio de 1975 e a segunda de Junho de 1975 a Julho de
1976 (Livro Branco do SAAL 1974-1976 1976: 379:383). Note-se que nos últimos anos surgiu um
conjunto de trabalhos sobre o SAAL, alguns de carácter monográfico, oriundos de áreas como
a Arquitectura e as Ciências Sociais. Neste sentido ver em especial Rodrigues (1999), Pinho,
Gonçalves, Taurino, (2002), Bandeirinha (2001). Importa também referir os artigos dos
arquitectos que colaboraram nesta experiência. Ver, por exemplo, entrevista a Maria
Conceição Redol (Cidade, Campo, 1978, N.º 1, 134:138), Costa (1979), Costa (1997a e b) Costa,
Siza, Guimarães, Moura & Fernandes (1979) e Portas (1986).
78 Nuno Portas assumiu o cargo de Secretário de Estado da Habitação do III e IV Governos

Provisórios (1974-1975)
79 Portas (1986) referencia, em particular, as conclusões do Colóquio da Habitação realizado

com o apoio do Secretário de Estado Silva Pinto (1969/1970), a intervenção de Helena Roseta
e de Carlos Barbeitos no Congresso de Aveiro, o trabalho desenvolvido no quadro do
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e nas diferentes Escolas de Arquitectura.
80 Segundo Coelho (1986:629), os profissionais que primeiro formaram equipas foram

professores e também estudantes da Escola de Belas Artes do Porto pelo facto desta
instituição possuir experiência de trabalhos de análise do habitat portuense, nomeadamente
em zonas de habitação popular.

43
revestia-se de um carácter inovador no quadro das propostas de planeamento da
esquerda tradicional nas quais persistia a tradição disciplinar do Movimento
Moderno “resistente ao contágio das alterações dos processos de produção do
alojamento” (Portas & Mendes 1991 cit in Gomes 1997: 561) com utentes concebidos
como categorias abstractas”. Com o SAAL o “arquitecto devia discutir e decidir
directamente com os utentes” (Gomes, 1997:561)81.

Referindo-se ao contexto do SAAL no Porto, Bandeirinha alude da seguinte forma às


fragilidades de toda esta experiência:

Partindo de uma incumbência muito objectiva – projectar habitação para as


pessoas mal alojadas, o SAAL no Porto, cedo chegou à cobertura projectual
de uma área que sugeria outros sonhos; que levava a acreditar na
substituição dos interesses fundiários pelo diálogo particularizado com os
moradores como ponto de partida para a intervenção; que propunha, pela
primeira vez, a reforma da cidade a partir da habitação e não mais a partir
das parcas infra-estruturas do poder político ou das feéricas megalomanias
do poder económico, que levava, por fim, a que um pequeno grupo de
arquitectos condenados à encomenda esclarecida de uma reduzida elite
intelectual da burguesia, pudesse concretizar, num período de poucos
meses, as míticas aspirações que tinham vindo a inebriar todo o debate
arquitectónico do século XX: construir para o povo, mas também, e como
se vinha fazendo sentir cada vez com mais intensidade desde os anos
sessenta, construir com o povo. […]
Mais do que simples operações de realojamento, os bairros SAAL do Porto
expressam também a satisfação, ainda que efémera, de mais um direito,
conquistado em pleno ardor do quotidiano de luta dos moradores pobres,
inscrito no território e na história das práticas urbanas como renúncia ao
entendimento exclusivamente mercantil da concepção e da construção dos
espaços: o direito à arquitectura (Bandeirinha, 2001:5-6).

81Como notaram Gomes (1997) e Costa (1997a), a importância deste processo foi de imediato
reconhecida pela crítica europeia. A Escola do Porto tornou-se “uma expressão conhecida
pela imprensa arquitectónica de todo o mundo e Álvaro Siza foi colado ao SAAL como
expoente maior da Escola.” (Gomes 1997:565). Para os diferentes arquitectos que
participaram, o SAAL constitui uma experiência basilar no seu percurso profissional como se
pode verificar pelos testemunhos de diferentes arquitectos na secção “Entrevista” da revista
Arquitectura e Vida. Ver, a título de exemplo, entrevista a Manuel Correia Fernandes – N.º 64,
Outubro de 2005, 62:71 - e a Teresa Fonseca - N.º 74, Setembro de 2006, 42:49.

44
Passado o Verão, situemo-nos no início do ano lectivo de 1974/1975 que foi marcado
por múltiplas indecisões e pela dificuldade em estabelecer uma solução adequada
para os 28 000 candidatos ao ensino superior. É neste contexto que surge o Serviço
Cívico Estudantil (1974-1977) cujo enquadramento legal passou por “um prolongado
acto de criação” (Oliveira, 2004:143) entre o Outono de 1974 e Maio de 197582, mês da
publicação do Decreto-lei n.º 270/75 de 30/6 que o formaliza, do qual destaco os
seguintes pontos:

Considerando a necessidade de reconstrução do País e a importância que o


sector estudantil pode ter nesse esforço colectivo, através da realização de
tarefas que se mostrem mais urgentes e que não possam ser realizadas
mediante o recurso ao mercado de trabalho;
Considerando que a intervenção do sector estudantil se deve adaptar às
necessidades da população, às possibilidades de colaboração das escolas, à
capacidade de enquadramento dos serviços públicos e ao actual mercado
de trabalho sem que disso resulte um agravamento das actuais condições
desse mercado, antes permitindo aumentar a oferta de postos de trabalho;
Considerando que os termos dessa intervenção não é um problema que
apenas diga respeito às escolas, mas é um problema de âmbito nacional,
sendo factor decisivo na compreensão da sociedade portuguesa e no
enriquecimento do conteúdo do ensino:
(…) Artigo 1.º É instituído pelo presente diploma um serviço de âmbito
nacional, a ser prestado por estudantes de ambos os sexos em regime de
inscrição voluntária, denominado «Serviço Cívico Estudantil»
Artigo 2.º O Serviço Cívico Estudantil tem em vista essencialmente os
seguintes objectivos:
a) Assegurar aos estudantes uma mais adequada integração na sociedade
portuguesa e um mais amplo contacto com os seus problemas, a par de
melhor compreensão das necessidades e carências da população

82 Oliveira (2004) dá conta do percurso de gestação, vigência e extinção do SCE num contexto

politicamente conturbado, marcado pela tomada de posse dos vários governos provisórios e
do I Governo Constitucional, pelas indecisões iniciais do Ministério da Educação, pelas
pressões e diferentes posicionamentos das juventudes partidárias, pelos problemas logísticos
e ainda pelas contestações internas. Destaque-se que o SCE resultou da confluência de
projectos individuais e colectivos, não sendo uma criação politicamente homogénea,
situando-se na “convergência de três áreas políticas principais [...], de gente pertencente às
correntes republicana-socialista, católica-progressista e comunista” (Oliveira, 2004:177).

45
b) Garantir mais harmonização do conteúdo e prática do ensino com as
situações concretas da vida nacional;
c) Contribuir para a combinação da educação pelo trabalho intelectual com
a educação pelo trabalho manual e quebrar o isolamento da escola em
relação à vida, da cidade em relação ao campo;
d) Possibilitar aos estudantes, em certa medida, uma avaliação das opções
feitas e eventualmente despertar-lhes vocação e interesse por vias
profissionais de mais imediato proveito para a colectividade;
e) Contribuir para a reconversão do sistema de ensino, fomentar o espírito
de trabalho colectivo, incentivar a cooperação entre os estudantes e o povo
trabalhador, preparar e assegurar a participação dos estudantes nas tarefas
de reconstrução da democracia e do progresso do País;
f) Apoiar a criação de infra-estruturas que o país necessite
g) Contribuir, na medida do possível, para melhorar a condição de vida
das populações mais necessitadas, mediante a realização de tarefas
urgentes que não possam ser garantidas pelo recurso ao mercado de
trabalho (cit in Oliveira 2004:165).

Tal como o SAAL, o SCE foi uma iniciativa estatal oriunda do Ministério da
Educação, partilhando com as outras iniciativas congéneres o objectivo de denúncia
do legado fascista. Simultaneamente denotava um forte empenhamento colectivo nas
tarefas de “reconstrução nacional”, para as quais foi adoptado um padrão de
actuação idêntico, já testado anteriormente, que ficou conhecido como “brigadas”.

Exceptuando o Plano de Trabalho e Cultura e os Inquéritos ao Comércio, cuja


duração foi de 3 e 2 meses, respectivamente, a intervenção dos estudantes
caracterizou-se por acções de curta duração distribuídas por diversas áreas -
alfabetização, saúde, segurança social, cultura, desporto, agricultura (incluía trabalho
em cooperativas e unidades colectivas de produção), silvicultura, pescas e ainda
realização de inquéritos para organismos do Estado. Os estudantes trabalharam
sobretudo no Verão de 1975 e alguns foram deslocados para fora do seu local de
residência (Branco & Oliveira, 1993: 17). Importa assinalar que os testemunhos dos
estudantes sobre as realidades encontradas83 permitem aceder à imagem de Portugal

83Oliveira (2004) mostra que estes são fortemente negativos relativamente a temáticas como
habitação, saúde, género, alimentação, infra-estruturas básicas e educação.

46
durante esta conjuntura, marcada pelo desvelar dos quotidianos do povo português.
O SCE possibilita, ainda, uma aproximação às diferentes reacções e ao
posicionamento das populações face a nova situação política, importando destacar a
utilização do vocabulário político para nomear as resistências e desconfianças
relativamente aos estudantes, como é o caso da retórica anticomunista84.

Considerado por Oliveira um “caso-limite do SCE” (2004:318), e desfrutando de


alguma autonomia no que concerne ao financiamento e organização, o Plano de
Trabalho e Cultura85 foi a única acção do SCE que resultou de uma proposta
assumida por uma figura pública que, oriunda da esquerda, já tinha desenvolvido
um importante trabalho na etnografia portuguesa: Michel Giacometti86. O Plano de
Trabalho e Cultura tinha como objectivo primeiro uma recolha etnográfica que
passaria por áreas como a literatura popular, a música regional, os instrumentos
musicais, a cultura material e a medicina popular. Foi protagonizado por 124
estudantes, distribuídos por 32 brigadas que trabalharam 38 concelhos do território
nacional. Estas “etnografias” viriam a constituir o Centro de Documentação
Operário-Camponês, articulado com um Museu do Trabalho, que substituiria o
Departamento de Etnografia e Folclore da ex-FNAT. Segundo Oliveira, este projecto
dirigia-se, em particular, ao mundo rural e o Sul do país não terá preocupado
“excessivamente o responsável pelo PTC” (2004:308).

Giacometti procurou, desta forma, combater a representação do universo camponês


fabricado pelo regime anterior87, sendo o Plano de Trabalho e Cultura um ajuste de
contas histórico com a perspectiva cénica assumida no Museu de Arte Popular e nas
ramificações que a FNAT tinha por todo o território nacional que fazia o elogio de
um universo camponês idílico e isento de tensões sociais. Nas palavras de Jorge
Freitas Branco (1993):

84 Assinalada e diagnosticada ao longo deste capítulo, o anticomunismo será trabalhado no


sub-capítulo 15.2. no quadro das hostilidades do mundo rural face às Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA.
85 Oliveira & Branco (1993; 1994) reuniram em dois volumes um importante estudo sobre o

Plano de Trabalho e Cultura.


86 Sobre Michel Giacometti ver também Oliveira (2003).
87 Esta questão será retomada na parte III deste trabalho.

47
Até à altura havia imperado a encenação de um universo camponês
edificado do alto. No posicionamento oposto, uma proposta de edificação
de outro universo camponês, em que a memória do passado a encenar no
presente assentaria na recuperação dos fragmentos reveladores de um
passado estruturado pelas clivagens entre grupos sociais (Branco,
1993:250).

De facto, para além do encontro com o “povo etnográfico” (Leal, 96:56), agora
despojado da “mera pintura superficial” (Lourenço, 1992:46), o Plano de Trabalho e
Cultura e o SCE em geral proporcionaram, também, um encontro com o “povo real”.

E é precisamente o conhecimento das dificuldades deste “povo real” no campo da


saúde88 que irá justificar a criação, de iniciativa estatal89, do Serviço Médico à Periferia
a 28 de Junho de 1975 que “visava dotar a periferia do país com médicos, a fim de
melhorar a prestação de cuidados de base, quer de tipo curativo, quer de saúde
pública” (Carapinheiro & Pinto 1987:77).

Procurava-se fazer uma cobertura médico-sanitária de todo o território nacional


através do envio para as instituições de saúde não centrais de equipas médicas que
trabalhariam segundo “os princípios da medicina de grupo” (Carapinheiro & Pinto,
1987:77), desenvolvendo todos os tipos de actos médicos, preventivos, curativos, de
promoção de saúde em centros de saúde, serviços médico-sociais, hospitais
concelhios e, em alguns casos, hospitais distritais. Note-se que a ideia de
descentralização assumiu uma importância basilar na época tendo sido partilhada
por este conjunto de experiências, procurando-se em diferentes áreas combater as
assimetrias regionais.

O Serviço Médico à Periferia era obrigatório para todos os recém-licenciados que


tinham a intenção de prosseguir na carreira médica e, durante a sua vigência, não era

88 Desde o marcelismo que se assistia a uma tentativa de alargar o sistema de saúde pública,
sendo o Serviço Médico à Periferia considerado por alguns autores uma extensão deste
fenómeno. Ver Carapinheiro & Pinto (1987) e Santos (1992) para as políticas de saúde no
período em análise.
89 Segundo alguns protagonistas das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do

MFA, o Serviço Médico à Periferia terá sido inspirado no trabalho das equipas de médicos e
enfermeiros no âmbito da Dinamização Cultural, mais especificamente na campanha
realizada no distrito de Viseu (Correia et al, s/d-a:104). Esta ideia é também reforçada por
Fernando Leitão um dos médicos que colaborou com a CODICE (ver capítulo 7).

48
permitida a realização de outras actividades médicas remuneradas. Cada equipa
efectuava um relatório de actividades onde se procedia ao diagnóstico local da
situação médica, sanitária e assistencial acompanhado com estatísticas das
ocorrências e actividades. Como afirma Oliveira “a prática médica queria-se
enraizada nos contextos sociais e alicerçada em factos e números.” (2004:137). Neste
sentido, atente-se ao testemunho do médico Carlos Leça da Veiga (1986):

[…] o serviço médico à periferia […] talvez seja das coisas mais
significativas na vida do país porque foram os únicos profissionais
portugueses, entre os diplomados, que tiveram que ir por todo o país
exercer a sua profissão. Fizeram-no em condições difíceis, algumas
arrojadas, com algum sucesso por vezes, tendo não sido tão brilhante
noutras. Fosse como fosse, o que se sabe é que no regresso desses dez
meses de permanência de muitíssimos grupos […] traziam relatórios
extremamente bem concebidos, pelo menos do ponto de vista da acção
médica (Veiga, 1987:597).

Para Santos (1992) e Carapinheiro & Pinto (1987) esta iniciativa apresentou resultados
positivos reflectidos não só no acréscimo substancial da oferta e da procura-utilização
dos serviços de saúde, mas também na diminuição da taxa de mortalidade infantil,
de 58% em 1970 para 38,9% em 1975. Segunda as autoras, para estes resultados
contribui também a acção de organizações médicas voluntárias que, à margem do
sistema oficial, se dirigiam ao interior realizando actos médicos, rastreios de saúde
mental e de hipertensão, apoiando, ainda, estruturas de acolhimento a idosos,
crianças e deficientes (Carapinheiro & Pinto 1987:78).

O Serviço Médico à Periferia viria a desaparecer do contexto legislativo decorrente da


lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde de 1979 e respectivas reformulações,
nomeadamente com as alterações das carreiras médicas em 1982, através das quais
muitas das suas competências foram transferidas para os clínicos gerais e médicos de
saúde pública (Oliveira, 2004:138).

Esta plêiade de experiências em áreas tão diversificadas permitiram, por um lado,


diagnosticar o “atraso” do país que veio a constituir o alicerce de uma retórica de
denúncia. Ao materializarem a ideologia revolucionária, estas iniciativas foram

49
consideradas como “anti-Nação”90, face às situações de hostilidade e resistência de
que elas foram alvo91. Por outro lado, o contacto com a realidade que a revolução
desvelou potenciou um discurso enaltecedor da cultura popular de matriz rural, no
sentido de recuperar as “tradições” que durante 48 anos foram manipuladas pelo
regime ditatorial. A nação em movimento permitiu, então, um duplo encontro: com o
“povo real” e com o “povo etnográfico” 92.

Capítulo 5 | O Programa de Dinamização Cultural enquanto


projecto patriótico

O MFA93 apresentou-se ao país através do seu Programa “ [...] na profunda convicção


de que interpreta as aspirações e interesses da esmagadora maioria do Povo
Português e de que a sua acção se justifica plenamente em nome da salvação da
Pátria [...].”94. Segundo Medeiros Ferreira (2001), o Programa do Movimento das Forças
Armadas poderá ser interpretado como o estabelecimento pelos militares de
objectivos nacionais derivados dos “estudos de situação estratégica” elaborados
durante os cursos de Estado-Maior, nos anos 60 e 70 do século XX, que levaram a
jovem elite das Forças Armadas a tomar conhecimento das fragilidades do país em
áreas como a educação, a saúde, a ciência, a tecnologia e a economia. Este Programa é
pautado por uma vincada preocupação com a resolução dos problemas básicos das
populações e com a diminuição das suas carências mais graves, atribuindo ao
Governo Provisório o papel de lançar as bases de “[...] uma nova política económica
posta ao serviço do Povo Português, em particular das camadas das populações até

90 Esta expressão é utilizada por Stoer (1986) e decorre das considerações de Natália Correia
sobre o processo de transição publicadas num Editorial da Vida Mundial (6/5/1976).
91 Sobre as resistências das populações aos diferentes movimentos da transição democrática

ver Oliveira (2004). O caso das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica será
abordado nos capítulos 8 e 15.
92 Estas temáticas serão analisadas na Parte III deste trabalho.
93 Sobre este assunto ver Ferreira (1992, 1994 e 2001).
94 Programa do Movimento das Forças Armadas, s/d, [1974]:1. (Arquivo Histórico do Ministério

da Defesa Nacional (em organização); caixa 6355). O Programa do MFA estabeleceu um


conjunto de medidas das quais se destacam: o exercício do poder político por uma Junta de
Salvação Nacional até à formação de um Governo Provisório Civil, convocando, no prazo de
doze meses, a eleição livre de uma Assembleia Nacional, a liberdade de reunião, de
associação e de expressão.

50
agora mais desfavorecidas [...]” e de “[...] uma nova política social que, em todos os
domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa do interesse das classes
trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade da vida de
todos os Portugueses [...]”95.

Este documento reflecte, ainda, a mudança de objectivos da instituição militar. O


binómio território-população, estruturante na definição do poder nacional das Forças
Armadas, adquire novos contornos com a transição democrática. A instituição militar
abandona, nesta conjuntura, a defesa territorial de “Portugal Uno e Indivisível”
(Ferreira, 1993:100), com as suas províncias ultramarinas, para se orientar para a
população e para o objectivo de alcançar o seu o bem-estar. As Campanhas de
Dinamização Cultural integraram este esquema de conquista e de fortalecimento da
relação entre os militares e as populações, relação cristalizada na expressão “aliança
povo-MFA”.

Para Ramiro Correia, um dos principais mentores da Dinamização Cultural, o


carácter original da revolução portuguesa reside na relação Povo-MFA, isto é a
“acção das FA ao lado do povo explorado, numa tentativa de modificar as estruturas
[...]“ (Correia et al, s/d – a: 11), o que só seria possível com a alteração da concepção
que a população portuguesa tinha dos militares, vistos, até então, como “agentes da
repressão, fautores de uma guerra colonial e defensores do regime, muito pouco
virados para os problemas da sua terra e pouco empenhados em lutas políticas em
defesa das classes pobres” (Correia et al, s/d – a: 18). As palavras de Ramiro Correia
enfatizam uma herança que pesava sobre os militares enraizada no facto de se terem
transformado num instrumento do Estado Novo na prossecução da sua política
colonial. Eduardo Lourenço num texto intitulado “O Movimento das Forças
Armadas e As Sereias” reforça esta ideia afirmando que “[...] O famigerado prestígio
do Exército, que uma guerra absurda e não ganha desmentia noite e dia, exigia uma
conversão completa das relações profundamente alteradas entre o elenco militar e a
generalidade do Povo Português. Quase cinquenta anos de “paz” à sombra das
espadas fiéis do Regime haviam destruído o normal consensus que liga um povo às
suas Forças Armadas. O 25 de Abril foi, para honra colectiva e surpresa universal, a

95Programa do Movimento das Forças Armadas, s/d, [1974]: 2-3. (Arquivo Histórico do
Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6355).

51
redescoberta de soldados perdidos por um Povo
salvo que no 1.º de Maio lhe restituía ao
cêntuplo o sentimento de unanimidade e
unidade em comum reencontradas. O Povo
recuperava o seu Exército, o Exército
recuperava o seu povo [...].” (1975: 81).

De facto, em 1974, o problema da recuperação


do reconhecimento social por parte da
instituição militar constituiu uma questão
fundamental para as Forças Armadas. Este
objectivo da reorganização do relacionamento
entre as Forças Armadas e a sociedade
portuguesa foi alcançado com êxito no
momento do golpe de estado. A mediatização
da operação militar “Fim-Regime” reflecte o Fig. 2 | MFA, Povo, Povo, MFA | Cartaz
João Abel Manta, 1974.
objectivo claro em estabelecer a comunicação (Arquivo particular Rodrigo de Freitas)

com a população96 através da divulgação de


comunicados curtos pelos órgãos de comunicação social, reforçando o processo de
legitimação da acção dos militares do MFA97. A adesão popular subsequente,
secundada pelo protagonismo mediático, conferiu um carácter heróico aos militares
que iam assumindo o seu papel político no quadro da revolução. O 25 de Abril de
1974 consagra assim como herói colectivo o MFA (Cruzeiro, 1994) que surge como
uma figura híbrida, meio soldado, meio povo ilustrado por João Abel Manta no
âmbito das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica.

A relação do MFA com os movimentos sociais98, obteve a sua materialização mais


profunda nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, que

96 Os relatos de diversos escritores e intelectuais como José Gomes Ferreira (1975), Natália
Correia (2003 [1978]), Virgílio Ferreira (1980) ou José-Augusto França (2000) dão conta deste
facto ao descreverem o “seu” dia 25 de Abril de 1974.
97 Sobre este assunto ver Carrilho (1994, 40:41).
98 Na perspectiva de Boaventura Sousa Santos (1992) a parceria povo/MFA apresenta quatro

dimensões principais. A primeira inaugurou-se no dia 25 de Abril com a aprovação popular


do golpe militar. A segunda dimensão desta relação, “a resolução dos problemas concretos
das classes populares no meio rural e urbano” (1992:60), caracterizou-se pelas solicitações

52
devem ser perspectivadas no contexto do Programa do Movimento das Forças Armadas e
no quadro da transformação do MFA em “imaginário social de libertação, em centro
de um universo simbólico de luta contra a miséria e contra a injustiça” (Santos, 1992:
60).

Contudo, o projecto de Dinamização Cultural e Acção Cívica só se materializa após o


28 de Setembro de 1974, com o afastamento do General António de Spínola da
Presidência da República, em resultado das divergências com o MFA em torno da
questão colonial e da condução do processo de transição. Este momento marca,
segundo vários historiadores99, o início de uma nova fase no processo revolucionário
português, reflectindo-se na própria génese das Campanhas de Dinamização uma
vez que Spínola oferecia algumas resistências ao projecto. Já o posicionamento de

dirigidas ao MFA no contexto da paralisia generalizada do aparelho de Estado. Esta situação,


focada por todos os elementos do MFA entrevistados no âmbito desta investigação, teve
expressão na afluência de pedidos, queixas, e reivindicações oriundos dos diversos sectores
da sociedade civil. Para o autor, as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica
constituem a terceira dimensão, menos sucedida, desta relação. Por fim, a quarta dimensão
consistiu na tentativa de criação de um novo modelo de Estado que institucionalizasse a
relação entre o movimento popular e o MFA.
99 Ver Reis (1994), Sánchez Cervelló (1995, 1996a e 2000) e Rezola (2002). Estes autores

defendem que o processo de transição democrática português se desenvolveu em três etapas:


a primeira, que corresponde ao período que decorre entre Abril e Setembro de 1974, é
marcada pela tensão entre o MFA e o então Presidente da Republica António Spínola,
defensor de uma solução federal para o problema colonial (apresentadas no seu livro Portugal
e o futuro: análise da conjuntura nacional, 1974) e de uma transição de cunho presidencialista
sem perturbações nos campos económico e social.
A segunda etapa, de 30 de Setembro a 11 de Março de 1975, caracterizou-se pela hegemonia
do MFA e pela vitória das suas teses descolonizadoras, mas também pela indefinição do
regime político a implantar em Portugal, esboçando-se três tendências no seio do MFA. A
primeira defensora de um modelo inspirado no socialismo tipo soviético, assumindo a
vanguarda militar um papel determinante. Este grupo, liderado pelo então Primeiro-Ministro
Vasco Gonçalves, contava com apoios na Marinha e mantinha fortes ligações ao PCP. A
segunda, considerada a ala moderada e próxima do PS, era liderada por Melo Antunes com
alicerces no Exército e na Força Aérea, defendia um socialismo democrático e a
implementação de um regime democrático e pluralista. Por fim, Otelo Saraiva de Carvalho,
comandante do COPCON, encabeça a terceira tendência que postulava uma revolução
socialista, autogestionária com apoio das organizações de extrema-esquerda leninistas, mas
anti-PCP. Estas três tendências digladiaram-se na terceira etapa, de 11 de Março a 25 de
Novembro de 1975, iniciada pela tentativa falhada de golpe de estado protagonizado pelas
forças de direita com o apoio de António de Spínola, conhecida como 11 de Março. Este foi o
período mais agitado do processo revolucionário, palco de inúmeras manifestações e
protestos, culminando com o golpe militar de 25 de Novembro, onde se assiste ao triunfo da via
democrática parlamentar.

53
Costa Gomes100 é sublinhado de forma positiva, apesar do mesmo ter colocado
algumas reservas iniciais quanto à exequibilidade desta iniciativa:

Nós tivemos muitas dificuldades em começar a implantar essa acção. […] Porquê?
Porque essa gente da direita, essa gente do grande capital, essa gente do poder
económico e o próprio clero, mais tradicionalista e reaccionário viram nisso logo
uma grande ameaça na verdade ao exercício do seu próprio poder. Quer dizer o
Spínola não gostava nada da Dinamização Cultural. Não combatia aquilo
directamente, mas não proporcionava meios, etc, embora fosse Presidente da
Republica e a gente não precisava, não dependesse dele para isso, era o Estado-
Maior General das Forças Armadas e do Estado-Maior do Exército. O General
Costa Gomes era um homem com outra abertura. // Portanto, a Dinamização
Cultural foi vista com uma grande apreensão pelos sectores de direita das Forças
Armadas nomeadamente o general Spínola, e só se pode dar um impulso à
Dinamização Cultural depois do 28 de Setembro. Antes do 28 de Setembro foi com
muitas dificuldades que se arranjavam materiais, que se arranjavam viaturas que
se arranjava tudo isso. Depois do 28 de Setembro é que se deu o grande impulso à
Dinamização Cultural e o grande impulso foi dado, como sabe, pelo comandante-
médico, que até fazia versos e era poeta, o Ramiro Correia. Mas isto tudo está
ligado. Era um homem, um idealista, um idealista no bom sentido. Mas esta
missão era uma missão extraordinária para as nossas possibilidades porque isto
estendia-se a todo o país. (Vasco Gonçalves - Primeiro Ministro do II ao V
Governo Provisório)

No seio da própria CODICE, estrutura da 5ª Divisão do EMGFA (Estado Maior


General das Forças Armadas) responsável pela Dinamização Cultural, a oposição de
Spínola é reforçada:

Sempre se opôs às campanhas […] era uma pessoa que tinha uma visão tradicional
do que era a revolução e não estava interessado.

Avançámos e começámos em Outubro de 74. Era uma acção que começava do zero,
mas em conversas com os militares que estariam na 5ª Divisão, na divisão de

100Em entrevista a Manuela Cruzeiro, Costa Gomes afirma: “Ao princípio reagi contra a
formação das comissões culturais, porque considerei que a sua composição, essencialmente
militar, não oferecia as condições políticas, intelectuais e técnicas em ordem a um trabalho
válido, de alerta, de elevação dos níveis das populações e, sobretudo, de consciencialização
política. Não foi, pois, de caras que acedei à constituição dessas comissões.” (Cruzeiro, 1998:
263).

54
divulgação e propaganda, entendeu-se que era absolutamente incoerente havendo
um Programa do MFA, que os militares não fossem eles próprios a expor esse
programa uma vez que vinham com um carácter completamente novo, contra um
regime que até aí eram tidos pelo menos, de uma visão mais geral, como suporte.
Portanto, nós tentámos recuperar também a imagem que existia em relação às
forças militarizadas, colocando uma agenda possível. Portanto, envolvemos não só
os militares como as forças militarizadas. (Manuel Begonha. Capitão-Tenente
Engenheiro maquinista. CODICE)

Fora do sector militar, a discordância de Spínola pauta igualmente os discursos. O


Director-Geral da Cultura Popular e Espectáculos de então, ao referir-se ao processo
de gestação das Campanhas, evoca as palavras de Sanches Osório, Ministro da
Comunicação Social do II Governo Provisório:

Devo prestar justiça a Sanches Osório. Deu-me toda a liberdade para preparar
como quisesse, deu-me toda a confiança. Estrategicamente disse: Cuidado! Faz isso
de maneira que o Spínola não sonhe. No momento oportuno a gente arranja
maneira de avançar com isso. (Vasco Pinto Leite – Director Geral da Cultura
Popular e Espectáculos do II ao V Governo Provisório101)

Aliada às resistências “spinolistas” relativamente projecto da Dinamização Cultural,


que, como consta na obra MFA, Dinamização Cultural, Acção Cívica “mostravam que a
muita gente não interessava a aprendizagem política que aos militares seria possível
fora dos quartéis, em contactos com zonas muito desfavorecidas, e o contributo que a
sua tomada de consciência junto a camadas historicamente determinadas no sentido
revolucionário, iria trazer para a democratização das Forças Armadas (Correia et al,
s/d – a: 18), os responsáveis pelas Campanhas apontam, ainda, como dificuldade
inicial o facto de “a vida cultural” se encontrar “perfeitamente ancilosada e dispersa”
(Correia et al, s/d – a: 32).

É pois passados seis meses do 25 de Abril de 1974 que é apresentado, em conferência


de imprensa no Palácio Foz em Lisboa, o Programa de Dinamização Cultural que iria ser
coordenado pela CODICE, em colaboração com a Direcção-Geral da Cultura e
Espectáculos sob tutela do Ministério da Comunicação Social. Este acto público de

101Desde Julho de 1974 a 12 de Setembro de 1975, data da exoneração do V Governo


Provisório.

55
apresentação contou com a participação do Secretário de Estado da Comunicação
Social, Conceição Silva, do Director-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, Vasco
Pinto Leite e de alguns elementos militares da CODICE, entre os quais Ramiro
Correia, Manuel Bacelar Begonha, Pessoa Guerreiro e Faria Paulino.

Este acontecimento obteve eco junto da imprensa nacional e regional que, a partir
desta data, vai acompanhando a CODICE nas suas iniciativas, entrevistando os seus
protagonistas, desvelando o Portugal rural102, destino privilegiado das Campanhas.
Com o título “Com vista à evolução do país nos caminhos da democracia o MFA
intervém directamente na Campanha de Dinamização Cultural e de Esclarecimento
Político das Populações”, o Diário de Notícias103 dá conta das ideias basilares do
documento apresentado: “evolução” de forma a fazer face a “subdesenvolvimento
cultural”. O Programa de Dinamização Cultural contemplava as seguintes linhas:

a) Luta anti-fascista;
b) Esclarecimento do Programa do MFA;
c) Apoio às F.A.;
d) Isenção partidária;
e) Análise e discussão da problemática nacional;
f) Inteligência Política de actuação, considerando que cada comunidade
possui uma cultura própria que não deve ser agredida. Pretende-se levar
informação e estabelecer um diálogo que permita a participação no
processo de democratização em que o País se encontra envolvido a partir
dos problemas efectivamente vividos por essa comunidade104.

Para Ramiro Correia, as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica


constituíam uma tarefa da agenda revolucionária, como se pode aferir pela

102 Os artigos do jornalista Afonso Praça na Vida Mundial são exemplificativos deste

movimento generalizado de busca do universo rural. Ver entre outros, os números desta
revista de 31/5/1974 e de 3/10/1974.
103 Diário de Notícias, 26/10/1974, p. 5.
104 Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão

Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional


(em organização); caixa 6388). Este documento constitui uma versão resumida de uma
directiva da 5ª Divisão/EMGFA que institui oficialmente a CODICE referida em Correia et al
(s/d – a) e no Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984) como sendo a sua 1ª directiva.

56
dedicatória inserida no livro MFA, Dinamização Cultural e Acção Cívica105: “A todos os
camaradas que, por todo o país, por vezes nas condições mais adversas, não se
pouparam a sacrifícios, incompreensões e discriminações, para cumprirem a tarefa
exaltante de lutarem ombro a ombro com o povo português por um futuro melhor,
onde não tenha lugar a exploração e a injustiça e o homem alcance os espaços da
liberdade.” (Correia et al, s/d-a: 7). Na referida conferência de imprensa, Ramiro
Correia define da seguinte forma os objectivos do Programa de Dinamização Cultural:

Pensamos que não podemos perder mais tempo na desmontagem da


estrutura fascista. As Forças Armadas recusam completamente a política
cultural fascista e procuram contribuir com todos os meios possíveis para
que se ultrapasse a presente situação. Procuraremos revitalizar tudo o que
o fascismo perseguiu e degradou e procuraremos ir a todos os lugares levar
as nossas vozes, levar as ferramentas que permitam interessar todos os
portugueses na construção do país. Este Programa de Dinamização
Cultural tem duas finalidades: a primeira é coordenar e apoiar
imediatamente todas as decisões culturais do país, de modo a ser possível
estabelecer uma rede cultural em todo o território, rede cultural essa, que
será a base de uma futura vida cultural portuguesa. Em segundo lugar,
vamos procurar actuar politicamente com uma presença efectiva de
militares junto da população, pensando nós que esta presença dos militares
permitirá o esclarecimento das razões que levaram o país à situação
lamentável em que se encontra. Permitirá o esclarecimento do Programa do
Movimento das Forças Armadas, visto que nós constatamos que a 10 km
fora das cidades ninguém sabe o que se passou no país devido à situação
de indigência política em que nos encontrávamos. Permitirá também a
discussão das vias do futuro e criará condições para uma participação
efectiva e ampla do povo português na construção do país que todos
desejamos.

105Esta obra, tal como MFA e Luta de Classes, Subsídios para a compreensão do processo histórico
português, (s/d-b), para além de Ramiro Correia, tem como co-autores Pedro Soldado e João
Marujo, nomes simbólicos que evocam um trabalho colectivo fruto das contribuições dos
diversos protagonistas das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA
(Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984). Num dos arquivos particulares consultados
confrontei-me com a versão manuscrita do capítulo referente à campanha “Maio-Nordeste”
incluído na obra MFA, Dinamização Cultural e Acção Cívica (s/d- a).

57
[...] as vias concretas de actuação será uma descentralização cultural
efectiva, com criação de comissões regionais em todo o país, comissões
regionais essas que subdividirão em comissões regionais [distritais], as
quais integrarão todos os organismos culturais existentes naquela região,
para além dos organismos de Estado que possam colaborar nestas
campanhas e evidentemente as Forças Armadas. Nós vamos procurar ter
uma efectiva descentralização cultural, isto é, vamos procurar que sejam
estas comissões regionais a ter a responsabilidade e a alegria também de
contribuir decididamente para a promoção cultural e social do povo da sua
região. A maneira como isto vai actuar, evidentemente que será todo o
apoio das Forças Armadas e todo o apoio dos organismos de Estado e toda
uma boa vontade de voluntariado de todos os elementos que ao longo
destes 48 anos se viram perseguidos e tiveram até as dificuldades para
fazer aquilo que gostariam de ter feito. Neste momento há um programa
coordenador ao nível nacional para ultrapassar a situação em que estamos
e estou convencido que dada a mobilização que vamos conseguir em torno
da efectivação do Programa do Movimento das Forças Armadas se vai
conseguir uma efectiva democratização do país106.

Neste acto “inaugural” das Campanhas de Dinamização, Vasco Pinto Leite reforça os
pontos de vista da entidade que tutela:

1. Vale a pena insistir na afirmação de que só há uma cultura: a que for


expressão autêntica dum povo, dos seus costumes, do seu trabalho, do seu
sofrimento, das suas carências, dos seus anseios, das suas qualidades, das
suas alegrias.
2. A campanha de dinamização cultural que agora se promove visa apoiar
iniciativas de grupos e associações recreativas e outras, de cada região. Não
podemos adiar mais aquilo por que há tantos anos ansiamos:
comunicarmos livremente uns com os outros.
3. Não podemos esquecer que a batalha da Paz do 25 de Abril ainda não
está ganha. Não basta a vigilância! A História julgar-nos-á a todos um dia
não pelas nossas palavras, mas sim por aquilo que soubermos realizar.

106RDP – Arquivo Histórico, AHD5847 – faixa 5, 25/10/1974. Estas declarações baseiam-se


numa Directiva da 5ª Divisão/EMGFA que institui oficialmente a CODICE elaborada no
início de Outubro de 1974.

58
Agora já, em cada instante, aqui, em Trás-os-Montes, no Alentejo, no
Algarve, ou em qualquer recanto do mundo onde estejamos presentes.
4. Uma vez mais em perfeita unidade com as Forças Armadas, teremos de
vencer a batalha da Cultura que não é só a que os livros nos ensinam. As
escolas saem para as ruas, a rua vai às escolas, através das bandas de
música, do folclore, das orquestras, das canções, das danças, da poesia, do
teatro, do circo, do cinema, do artesanato, das artes plásticas.
5. A campanha de dinamização cultural que está em marcha não mais
poderá parar.
Animem-se as escolas, as ruas, as várias salas e edifícios espalhados pelo
País. O Governo dará apoio, os meios que lhe foram possíveis e
coordenação geral. Mas, cada região escolherá e promoverá as iniciativas
que entender, estando já constituídas comissões coordenadoras regionais e
distritais. Assim se constituirão certamente e naturalmente, centros
culturais na Província.
Através da voz de nós todos, dos anseios sociais que nos afligem, do
esclarecimento do momento político que vivemos, do que ele representa de
esperança na nossa História e nos caminhos do nosso futuro, ficaremos
unidos, avisados, precavidos, contra os perigos que nos espreitam.
Trabalharemos, solucionaremos os nossos problemas. Edificaremos o nosso
País na democracia107.

A presença do Secretário de Estado da Comunicação Social e do Director-Geral da


Cultura Popular e Espectáculos, conjuntamente com os elementos da CODICE, é
reveladora da orgânica que inicialmente iria nortear o Programa de Dinamização
Cultural. O organigrama anexo a este documento revela uma estrutura bipartida,
onde militares, sociedade civil e alguns organismos do Estado sobre a direcção
máxima do Primeiro-Ministro e do Chefe do Estado-Maior General das Forças
Armadas (CEMGFA), partilham a responsabilidade das acções a realizar (ver
organigrama 1). A CODICE surge como figura aglutinadora das componentes militar
e civil.

107Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, Programa de Dinamização Cultural, s/d


[1974], (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI,
Pasta Documentação Recolhida Dinamização Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
Sublinhado no original.
Este texto foi parcialmente transcrito no Movimento N.º 4, 12/11/1974, p. 2 e no Diário de
Notícias, 26/10/1974, p. 5.

59
Organigrama 1 | Programa de Dinamização Cultural, Organigrama, s/d [1974]. (Arquivo Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6355)

Vasco Pinto Leite, num debate televisivo sobre a Dinamização Cultural transmitido a
19 de Abril de 1994, interpreta este documento:

Este organigrama pressupunha que o Primeiro-Ministro, o Chefe de Estado


Maior das Forças Armadas, que o Ministério da Comunicação Social e a 5ª
Divisão, que o coordenador das campanhas de dinamização militar que
seria o Ramiro Correia e o Director-Geral da Cultura [Popular] e
Espectáculos que seria eu, na área civil, em ligação com uma Comissão
Interministerial que envolvia uma quantidade de Ministérios. Essa
Comissão Inter-ministerial era presidida pela engenheira Maria de Lurdes
Pintassilgo, que era Ministra dos Assuntos Sociais, e envolvia de facto
vários ministérios. Portanto, o Projecto, as directivas seriam civis e militares
simultaneamente108.

108 Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, 19/4/1994, SIC.

60
Capítulo 6 | Dinamização cultural: um projecto de génese militar
ou civil?

A narração de um acontecimento passado é determinada só parcialmente pelo


próprio acontecimento. Os discursos sobre o passado são simultaneamente o
resultado dos contextos históricos e das circunstâncias em que são produzidos, isto é,
dependem de quem é o receptor, das categorias de espaço e tempo, da identidade do
narrador. Este selecciona os elementos que mais se adequam ao momento de
narração. Para Corbin (1995) as construções discursivas sobre o passado revestem-se
de uma dupla construção e de uma dupla verdade. A verdade do acontecimento
narrado é a sua verdade histórica; a verdade da sua narração é a sua verdade mítica.
Evocando Levi-Strauss em La pensée sauvage, o autor atesta que tal como o mito, o
passado é trabalhado de forma criativa, convocando a figura levi-straussiana do
bricoleur (Lévi-Strauss, 1962). A memória do acontecimento é utilizada como material
em bruto manipulado em função do que o narrador pretende comunicar sobre si e
sobre o contexto social em que se insere.

As narrativas em torno da génese das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção


Cívica do MFA são reveladoras desta tentativa de comunicação do papel que cada
interveniente desempenhou, constituindo um veículo de legitimação da posição
assumida quer pela esfera militar quer pela esfera civil na sua génese. Importa
sublinhar que os discursos produzidos apresentam algumas linhas divergentes. E
aqui a memória desempenha um papel axial. As construções discursivas da época
caracterizam-se por um consenso relativamente às contribuições do sector militar e
civil na conceptualização do projecto. Já a memória dos diferentes actores que
desempenharam posições relevantes, nomeadamente no aparelho do Estado e no
sector militar, é marcada por diferentes posicionamentos relativamente a esta
questão, chamando a si o protagonismo no processo de gestação das Campanhas.

Os documentos preambulares que enquadram esta iniciativa parecem evidenciar que


o Programa de Dinamização Cultural resulta da convergência de motivações e
objectivos oriundos do sector militar, através de uma estrutura criada
especificamente para o coordenar – a CODICE - e de alguns organismos do Estado,
nomeadamente do Ministério da Comunicação Social através da Direcção-geral da
Cultura Popular e Espectáculos. As iniciativas conjuntas, os documentos e

61
declarações públicas produzidas no quadro destas duas entidades são reveladoras de
uma estratégia comparticipada no âmbito da génese e concretização do Programa,
sendo frequentes as referências à parceria estabelecida. O ponto 3 do Programa é
esclarecedor relativamente a esta questão:

Pretende-se uma acção decidida e eficiente, cobrindo todo o País, baseada


na colaboração por todos os meios possíveis entre as FA, as associações
culturais e os vários organismos do Estado interessados no processo109.

No livro MFA, Dinamização Cultural e Acção Cívica descreve-se o início das


Campanhas: “O arranque de toda a organização é alicerçada na existência da
Direcção da Cultura Popular e Espectáculos que dependia do Ministério da
Comunicação Social” (Correia et al, s/d – a:19). Na transcrição da intervenção que
Ramiro Correia fez na Cooperativa Árvore no Porto a 20 de Outubro de 1974,
reproduzida no Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984), pode ler-se:

Já desde o início quando logo após o 25 de Abril equipas do MFA se


dirigiram para os vários Ministérios, uma delas foi para o MCS. Não se
chamava naquela altura Comunicação Social, chamava-se outra coisa, mas
foi para lá. E essa equipa designou-se Comissão de Cultura e Espectáculos.

Mais à frente:

Neste momento não é possível deixar que as coisas continuem como estão
e é por essa razão que as FA vão actuar em colaboração íntima com o MCS
e com outros organismos e com todo o povo português, no sentido de
desmontar ou pelo menos emperrar a máquina fascista da repressão
cultural. Como é que vamos fazer isto? Evidentemente que aqui já há uma
articulação perfeita no processo que vamos utilizar com MCS e mais
particularmente com a Direcção Geral da Cultura e Espectáculos (Livro
Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:101-102).

No texto apresentado no dia da referida conferência de imprensa, Vasco Pinto Leite


alude à “perfeita unidade com as Forças Armadas”110. Nas declarações que profere,

109Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974], p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388).

62
aquando da viagem preparatória aos Açores acompanhado por elementos da
CODICE, enfatiza a “colaboração íntima”111 com as Forças Armadas no quadro das
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica.

Contudo, a memória construída em torno das Campanhas de Dinamização espelha


diferentes pontos de vista relativamente à génese desta iniciativa. O sector militar,
quando questionado sobre a origem das Campanhas, não faz alusão a nenhum
modelo inspirador. Quando confrontados com esta questão sublinham a percepção
sobre a realidade cultural do país, pautada pela necessidade de dinamizar as
associações culturais, o esclarecimento do Programa do MFA, a preparação das
eleições para a Assembleia Constituinte, a necessidade de mudança da imagem e
esclarecimento no seio das próprias Forças Armadas e a acção Psicossocial levada a
cabo durante a Guerra Colonial. A Ramiro Correia é atribuída a autoria do projecto
da Dinamização Cultural e Acção Cívica.

O projecto [de dinamização cultural] não existia, nós é que o criámos! [...] // Na
prática, quando isto foi feito não nos inspirámos, nós rapidamente nos apercebemos
de que havia no terreno há muito tempo associações culturais, que dentro das
limitações da época, faziam um trabalho muitíssimo importante. Isso foi muito
facilmente caracterizado quando lançámos as primeiras comissões regionais: no
Porto à cooperativa Árvore, foi o Ramiro Correia. Em Coimbra uma das missões
mais espantosas que eu tive foi ir à Universidade de Coimbra expor os motivos da
dinamização. // [Os objectivos das Campanhas eram] esclarecer o Programa do
MFA, fazer com que as pessoas se iniciassem na discussão democrática, uma vez
que se aproximavam as eleições. Pretendia-se que as pessoas realmente votassem,
uma vez que não era hábito podiam ter algum receio ou algum problema em votar,
que votassem livremente que ouvissem todos os partidos, que discutissem
abertamente tudo. (Manuel Begonha)

Conforme já foi referido, no quadro da génese militar das Campanhas de


Dinamização, alguns dos entrevistados ressaltam a importância da Acção Psico-social

110 Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, Programa de Dinamização Cultural, s/d


[1974], (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI,
Pasta Documentação Recolhida Dinamização Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
Sublinhado no original.
111 Sempre Fixe, Suplemento ao N.º 18, 30/11/1974, p. 16.

63
utilizada na guerra colonial112. Sendo este conflito uma guerra de guerrilha era
fundamental a simbiose guerrilheiro/população. Para contrariar esta relação, os
chefes militares portugueses utilizaram vários métodos, entre os quais a acção psico-
social que consistia “en convencer a las poblaciones de que la seguridad, el mejor
nível de vida y el progreso material lo obtendrian del lado português” (Sanchéz
Cervelló, 1995:104). Como reitera Cann na obra Contra-Subversão em África. Como os
portugueses fizeram a guerra em África 1961-1974 (2005), a par da dimensão militar da
guerra, a dimensão social assumiu uma importância táctica e estratégica. Nas
palavras do autor:

[…] a dimensão social fala acerca da […] relação com as populações e com
as autoridades civis, e acerca das mensagens que devem chegar ao povo,
tanto na África portuguesa como nos países vizinhos. (2005:74).

A percepção da importância do contacto estreito com a população conduziu a uma


ampliação da doutrina no sentido de incluir os seguintes programas nas operações
psicossociais113:

. Social – Ensino
- Assistência sanitária
- Desenvolvimento económico da agricultura e da criação de gado
- Melhoramentos das infra-estruturas locais
. Comunicações
. Autodefesa das localidades e aldeias (Cann, 2005:76).

Neste quadro foram realizadas campanhas de assistência médica e promoção socio-


económica, construíram-se escolas nas quais se promoveu o ensino do português:

[...] um dos objectivos era levar os militares, o Movimento das Forças Armadas às
populações e apoiá-las no desenvolvimento, na tomada de consciência nos problemas

112 A intervenção de José Manuel Barroso no programa Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º

D, 19/4/1994, SIC, corrobora este filão na génese da Dinamização Cultural. Luís Salgado de
Matos no artigo “A Igreja na Revolução em Portugal (1974-1982)” afirma, sem hesitações, que
“estas campanhas eram a aplicação a Portugal dos métodos de guerra psicológica usados na
Guerra Colonial […]” (2001: 102). No mesmo sentido ver também Barreto (s/d: 275).
113 Um outro aspecto da dimensão social da “forma portuguesa de fazer a guerra” residiu nas

operações psicológicas portuguesas - designadas oficialmente APSIC ou, vulgarmente Psico –


destinadas a divulgar os esforços sociopolíticos portugueses junto da população da África
portuguesa como dos países vizinhos (Cann, 2005:76).

64
que elas tinham, não só problemas materiais directos, que eram problemas dos
próprios locais, das estradas, dos caminhos, da água, dos esgotos, enfim, das infra-
estruturas, porque os militares tinham andado na guerra colonial e aí tinham tido
alguma experiência disso. Porque havia lá uma acção que chamava acção psico-
social e isso fazia parte da estratégia da Guerra Colonial, a conquista das
populações, conquistar as populações ao inimigo. Na verdade os movimentos de
libertação eram considerados o inimigo. [...] Então um dos objectivos do governo
fascista, do Estado Maior General era procurar conquistar essas populações para o
nosso lado e, assim, nós nas colónias tínhamos muitas acções dessa psicossocial, não
só do ponto de vista da instrução, ensinar a ler, a escrever, a contar, aquelas coisas,
cuidados de saúde, como também resolver problemas de comunicações, de ligações
entre as populações, entre as terras, etc. Enfim, de contribuir [...] para o bem estar
da população e assim conquistarem a simpatia da população e portanto contribuírem
para a afastar de dar apoio aos seus próprios guerrilheiros, aos movimentos de
libertação. Porque essas populações, como se propagandeava no tempo do fascismo
estavam afastadas de nós. (Vasco Gonçalves)

A atribuição da paternidade deste projecto à capacidade criativa de Ramiro Correia é


apontada frequentemente pelo sector militar que invoca as sessões realizadas no
quadro do esclarecimento do Programa do MFA no seio das próprias Forças Armadas:

[...] Ele era um homem que em termos de ideias era muito, muito criativo. Cada dia
aparecia com novas ideias, com novas dinâmicas. De maneira que acabávamos por
acertar muitas vezes à hora do almoço, assim em cima do guardanapo, o esquema
de como a coisa se havia de fazer.[...]. Ele é que tinha as ideias, depois em termos da
articulação, da concretização, pôr as coisas no terreno, pôr as pessoas, as
máquinas, a logística, como se processava e eu às vezes travava aquela sua
imaginação criadora. A criatividade, a disponibilidade e a generosidade de todos
naquela altura era uma coisa impressionante.

[...] eu julgo que esta ideia do Ramiro de depois ter estendido isto a todos é capaz
de ter nascido de uma ideia logo inicial nossa. Nós tivemos que conquistar todas as
Forças Armadas para o Movimento. [...] Portanto a nossa ideia inicial foi logo
conquistar todos, saiu um Programa, vamos conquistar todos. Era preciso explicar
o processo e explicar as ideias do Programa. [...] É nesta lógica que o Ramiro
Correia concebe as campanhas de esclarecimento e de dinamização. Nós
arrancamos inicialmente com essa ideia para os militares, para integrar os
militares no Programa. Eu julgo que é esse o encosto, o que inspira o Ramiro
Correia na sua concepção das Campanhas de Dinamização em que já são feitas com

65
grande suporte de intelectuais e de artistas de todo o tipo. Ele baseia-se neste
arranque da nossa necessidade de esclarecer os militares nas várias frentes e nos
vários teatros de operações, quer aqui no continente português, quer em Angola e
Moçambique, na Guiné e Cabo Verde também. Por outro lado, [com] os militares
portugueses que havia em missões em países estrangeiros também aconteceu isso.
(Martins Guerreiro - Chefe de Gabinete do Estado Maior da Armada e
posteriormente membro do Conselho da Revolução)

Apesar de ausentes nos discursos oriundos do sector militar, as Campanhas de


Dinamização Cultural têm entretanto, segundo Carrilho, precedentes na época da
Primeira República, aquando da reorganização das Forças Armadas em 1911 que
propôs “por termo à separação entre as Forças Armadas e a sociedade” devendo o
Exército “tornar-se benéfico para todos, colaborando activamente na tarefa de
educação do povo português” (1985: 211). Esta nova atitude promovia a educação no
contexto da própria instituição militar como, no período precedente à I Guerra
Mundial, o Exército também realizara, pela primeira vez, sessões públicas,
especialmente nas sedes de freguesia rurais, destinadas ao esclarecimento das
populações sobre os objectivos do regime republicano. A República defende “um
papel social, mais que militar dentro do Exército devendo [os oficiais] tornar-se
agentes educativos, não só do soldado, mas da Nação” (Carrilho, 1985: 247). Esta
concepção desenvolvida pelo regime republicano aproxima-se dos objectivos que o
MFA delineou para si. Não se referindo ao contexto político da I República, Vasco
Gonçalves, numa sessão de esclarecimento realizada no Sabugo114, concelho de
Sintra, evoca a figura do militar-educador, para enfatizar um dos objectivos da
Dinamização Cultural que consistia na democratização e dinamização das Forças
Armadas:

O militar, antes demais, é um educador, mas os educadores têm que


aprender com aqueles que procuram educar, com aqueles que procuram
ajudar. […] Os militares quando regressam destas sessões, eles próprios
vão mais politizados, vão mais conscientes das suas tarefas, vão mais
democráticos; nós também democratizamos as F.A. com estas sessões de
esclarecimento cívico da nossa população, e fortalecemos a unidade Povo-

114 Sobre esta sessão de esclarecimento capítulo 8.

66
F.A. que é uma condição fundamental do nosso progresso, do nosso
progresso em paz e sem tiros (Gonçalves, 1976: 88).

Situemo-nos agora na esfera “civil”. Na óptica de Vasco Pinto Leite, as Campanhas


de Dinamização Cultural são a materialização de um projecto anterior ao 25 de Abril
de 1974. A sua experiência no âmbito da Federação Portuguesa de Cinema de
Amadores115, da qual foi presidente, é invocada como filão estruturante da
organização desta iniciativa:

Nós semanalmente passávamos pelo país fora, projectávamos vários filmes,


debatíamos. [...] Eu estava habituado e já sabia da importância que tinha pôr as
colectividades, formar grupos e incentivar grupos locais numa dinamização
cultural. Não tinha nada a ver com o MFA nessa altura, nem existia. (Vasco
Pinto Leite)

No debate televisivo referido anteriormente, Vasco Pinto Leite reforça a sua posição
ao descrever, de forma detalhada, as etapas iniciais da criação do projecto de
Dinamização Cultural:

[...] O Projecto de Dinamização Cultural é um projecto nacional. As Forças


Armadas intervieram posteriormente. [...]. Existiam já vários focos, vários
núcleos de dinamização cultural, como por exemplo os cine-clubes que
tiveram uma acção preponderante nos anos 60 e 70 e talvez anos 50 ainda,
a música com intervenções extremamente dinamizadoras como o Zeca
Afonso, o José Mário Branco, o Luís Cília, o Manuel Freire e tantos outros,
o Adriano Correia de Oliveira. Os amadores de cinema [...], fizeram
autênticas campanhas de dinamização ao longo do país, projectando filmes
e discutindo filmes. Simplesmente esse tipo de dinamização era uma

115Esta Federação foi fundada em 1970, ano da aprovação dos seus estatutos, apesar de ter
iniciado o processo de criação em 1966. Segundo Vasco Pinto Leite, numa mesa redonda
organizada pela revista Cinéfilo, o seu objectivo principal consistia numa acção de
regionalização do cinema através do “estabelecimento de grupos de actividade (critico, ensino
do cinema, prática do cinema) […]. Os problemas fundamentais das regiões e
correspondentes populações seriam transmitidos por elas próprias e não através de cineastas
visitantes nem sempre integrados na essência dos problemas. Por isso lutamos para pôr à
disposição desses locais, câmara e material cinematográfico para fazerem os seus próprios
filmes, concretizando por isso “de dentro” a formulação dos seus problemas”. (Cinéfilo, N.º 36,
15/6/1974, p. 11). A actividade da Federação caracterizou-se sobretudo pela cedência de
películas, empréstimos de equipamentos, e pela deslocação aos locais projectando cinema,
visando a formação de novos núcleos.

67
dinamização que essencialmente punha projectos. [...] a dinamização a
seguir ao 25 de Abril nasce por causa disto.
[...] Logo a seguir ao 25 de Abril no Ministério da Comunicação Social,
onde era director-geral o Dr. Piteira Santos, formou-se uma chamada
Comissão de Cultura e Espectáculos, e era o Comandante Ramiro Correia
que estava à frente, que reuniu lá precisamente estes núcleos [...]. Eu estava
lá como representante da Federação de Cinema e Audiovisuais, havia os
cineclubes e havia muitos outros núcleos representados. Depois fui
chamado a funções, de facto oficiais, no II Governo Provisório pelo Major
Sanches Osório, como ministro, que me convidou. E então sim, disse então
ao Ramiro: - vamos então a isto, vamos projectar uma dinamização cultural
nacional. Não estávamos a pensar em termos militares nenhuns116.

No quadro do sector civil da CODICE, as Campanhas de Dinamização Cultural são


referidas enquanto um projecto bicéfalo, onde o sector militar e uma estrutura do
Estado, a Direcção-geral da Cultura Popular e Espectáculos, partilham a autoria do
projecto.

Marcelino Vespeira, colaborador da CODICE, tendo vindo a ser um dos


coordenadores do sector das Artes Plásticas, recorda com muito entusiasmo o convite
encetado por Ramiro Correia:

Eu estava em casa do André Infante e encontrei lá o Ramiro Correia que


me convidou para ir trabalhar para a Dinamização Cultural e eu disse que
funcionário público nunca mais, o que eu gostava era de fazer guerrilha
cultural e o Ramiro ficou doido com isto e disse que era isso que eu ia
fazer, ficava a dirigir a parte gráfica e tinha total liberdade, podia chamar
quem quisesse (Cruz, 1999: 174).

Já outros protagonistas civis, nomeadamente os que vêm a colaborar nas áreas do


Teatro e da Educação117, constroem os seus discursos tendo como ponto de partida o
convite encetado por Vasco Pinto Leite.

116 Intervenção de Vasco Pinto Leite no programa televisivo Dinamização Cultural. O fracasso do
4.º D, 19/4/1994, SIC.
117 Entrevista a Vítor Esteves (2000), José Capinha Gil (2002), Conceição Lopes (2000).

68
[...] desde o início foi algo também entre militares e uma estrutura do Estado, que
era a então Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, que se chamava
assim Cultura Popular e Espectáculos. E não posso deixar de referir o papel, de
para além do Ramiro Correia, do Vasco Pinto Leite, nesse época, porque ele que era
director-geral percebeu, de uma forma superior e não evidente para a época,
esclarecida, [...] a materialização deste processo entre civis e militares. (Vítor
Esteves, coordenador do sector do Teatro – CODICE)

Corroborando parcialmente esta versão “civil”, Delgado da Fonseca, na época


Comandante do Esquadrão de Polícia Militar da Região Militar do Porto e
responsável pela Dinamização na Região Militar Norte, esclarece:

A ideia de fazer Dinamização Cultural vem de agentes culturais, não foi uma
iniciativa dos militares. Os militares já estavam no terreno naturalmente. Agora
dar o nome de dinamização cultural e dar-lhe a forma dinamização cultural e criar
a instituição prropriamente dita era uma proposta dos agentes culturais. Artistas,
pintores, gente do teatro. Portanto quando se decide fazer as Campanhas de
Dinamização Cultural a primeiro coisa foi constituir as comissões locais, regionais
e nacionais […] para a dinamizção cultural, para não serem só feitas por militares,
mas por agentes culturais e políticos que se quisessem envolver. […] O problema
que surgiu logo foi como fazer essas comissões. E lembro-me, por exemplo porque
fui para lá tratar do assunto, de ter feito três ou quatro reuniões até às tantas da
madrugada a partir pedra com os artistas todos do Porto na [Cooperativa] Árvore
[…] e não se chegava a conclusão nenhuma! De forma que o ramo militar, que
vínhamos de África e tínhamos o sentido prático das coisas: - vamos nós e quem
quiser venha atrás! (Delgado da Fonseca, Comandante do Esquadrão de
Polícia Militar da Região Militar do Porto em 1974 — 1975 e responsável
pela Dinamização na Região Militar Norte)

O director-geral da Cultura Popular e Espectáculos de então assegura que os


objectivos e organização iniciais foram subvertidos no dia da conferência de
imprensa, pautando-se o projecto da Dinamização Cultural por um “triunfalismo
militar” 118:

118Intervenção de Vasco Pinto Leite no programa televisivo Dinamização Cultural. O fracasso do


4.º D, 19/4/1994, SIC. No mesmo programa Vasco Pinto Leite, afirmaria que a dinamização
não foi “cultural”: “ […] eu penso que a evolução da dinamização, que eu não chamaria de
cultural, o que está errado aqui e é abusivo é chamar cultural. […] há uma dinamização de

69
No dia da conferência de imprensa, que foi de manhã, à hora do almoço vou para
casa, almoçar, e na rádio ouço as entrevistas posteriores à conferência de imprensa
em que os militares [...] dão a ideia que aquilo era tudo dirigido por eles, tudo
forjado por eles e mandado por eles daí para a frente. Fiquei furioso porque isso era
grave e além disso não percebi o que se tinha passado. Não foi assim que foi
aprovado aquele organigrama e vim depois para o Palácio Foz, à tarde,
desesperadamente tentei falar com o Ramiro Correia e consegui. [...] E ele deixou
soltar esta frase no fim: “Neste momento devo dizer-lhe que este organigrama foi
ultrapassado”. Passou-se no dia 25. E isso foi determinante para o que se passou
daí para a frente. (Vasco Pinto Leite)

A partir desta data a Direcção-geral da Cultura Popular e Espectáculos perde


influência política no contexto desta iniciativa, limitando-se a prestar apoio à
organização das actividades promovidas pelo sector militar e a proceder à escolha de
colaboradores no sector cultural que viriam a participar nas Campanhas. Vasco Pinto
Leite119 assinala que houve alguma resistência ao arranque do Programa de
Dinamização Cultural nestes moldes por parte da então Ministra dos Assuntos Sociais,
Maria de Lurdes Pintassilgo e de alguns sectores ligados ao Ministério da Educação e
Cultura que defendiam uma preparação mais consistente desta iniciativa. Vitorino
Magalhães Godinho, Ministro da Educação e Cultura no II Governo Provisório, dá
conta deste posicionamento num texto publicado na Vida Mundial a 30 de Janeiro de
1975:

[...] desde Outubro que as Forças Armadas se lançaram nas chamadas


campanhas de dinamização cultural. Iniciativa que era uma surpresa: pois
os Ministérios da Educação e dos Assuntos Sociais não tinham preparado a
animação sócio-cultural e não estavam muito melhor apetrechados para a
educação permanente? E esta não tem de ser cuidadosamente programada
e levada a efeito por pessoal bem treinado? Compreendia-se que as Forças
Armadas planeassem e executassem, em cooperação com os movimentos
políticos, amplíssima campanha de esclarecimento cívico e de doutrinação
dentro dos princípios que enformaram o 25 de Abril: embora não devam
em tal missão sobrepor-se aos partidos e a outras associações políticas.

esclarecimento cívico e acção cívica extremamente meritória que as Forças Armadas fizeram,
isto tem que ser reposto aqui, recolocado, cultural não. Houve deturpação logo no princípio.”
119 Entrevista gravada, 2001.

70
Dado o equívoco de origem na finalidade, não admira que tais sessões,
meritórias pela intenção, não atinjam o nível cultural (mesmo atendendo à
fraquíssima preparação das nossas gentes) nem a qualidade didáctica que
deveriam atingir [...]. (Godinho, 1976: 40:41).

Meses mais tarde, Ramiro Correia responde, em entrevista exclusiva à ANI (Agência
Noticiosa de Informação), a um conjunto de criticas erigidas contra a Dinamização
Cultural, nomeadamente às oriundas do Ministério da Educação e Cultura:

Entretanto, sempre quero salientar, em referência à acusação de as nossas


Campanhas de Dinamização colidirem com os objectivos específicos do
Ministério da Educação e Cultura, que, em primeiro lugar me parece que
os nossos objectivos não poderiam nunca colidir com os outros, dado que,
fundamentalmente estamos a servir os interesses do povo português.
Em segundo lugar – e considerando – que na realidade existem outros
sectores que estariam mais indicados e teriam mais responsabilidades
numa dinamização cultural – a verdade é que nenhum tomou a iniciativa
de o fazer. […]
Por conseguinte, a acusação de as Forças Armadas terem encetado uma
acção cultural passando por cima dos ministérios existentes para esse
efeito, é perfeitamente deslocada. Aliás, a maneira como, a nível
ministerial, se considera uma dinâmica de cultura parece-me bastante
desfasada das actuais realidades nacionais. Pensa-se quase em termos de
cultura de consumo e nós pensamos em termos de cultura popular. Tem de
ser o próprio povo a construir-se a si próprio e não através daquilo que lhe
querem dar120.

Importa salientar que, exceptuando a invocação da Acção psico-social pelos militares,


na maioria das narrativas actuais sobre este acontecimento se encontra ausente a
alusão a modelos ou experiências nacionais ou internacionais inspiradoras do
Programa de Dinamização Cultural121. Situando-se num quadro ideológico de esquerda,

120Diário de Notícias, 8/3/1975, p. 9.


121Em diferentes momentos o boletim Movimento publicou extensos artigos sobre experiências
internacionais congéneres: “O Peru – Uma Revolução Original” (N.º 4, 12/11/1974. pp.6-7);
“A Revolução Argelina” (N.º 6, 10/12/1974, pp. 4-5); “Argélia: o triunfo da Revolução
Agrária” (N.º 10, 11/2/1975,pp. 8 e 6); “Inventar o Futuro. Um texto de Danilo Dolci sobre a
Experiência de Dinamização Sócio-Cultural na Sicília” (N.º 11, 25/2/1975, pp. 4 -5); “O MFA
em Cuba” (N.º 21, 17/6/1975, p. 3).

71
a maioria dos protagonistas que assumiram posições de coordenação desta iniciativa
acentuam a sua singularidade e a contribuição da sua experiência pessoal122 para a
mesma, esta sim marcada por diferentes referentes ideológicos.

Para o médico Joaquim Mendes Robalo, aspirante miliciano responsável pelo postos
de consulta instalados no concelho de São Pedro do Sul em Maio de 1975, a sua
participação nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA foi
motivada por um factor subjectivo:

Na verdade, em contacto com esta realidade humana […] senti-me atraído


por esta forma de fazer, também, a Revolução.
As pessoas olhavam-nos e recebiam-nos com tanta confiança e uma
esperança tão grande que me parecia uma quase traição, deixa-los, de
novo, abandonados, depois de lhe termos criado perspectivas de uma vida
melhor123.

No mesmo sentido, num texto intitulado “Análise Global da Campanha de


Dinamização Cultural”, publicado no boletim Movimento em Março de 1975, é
destacada a negação de modelos inspiradores, fazendo-se a apologia da originalidade
da iniciativa no quadro de um “humanismo português”:

Não seguimos modelos pela simples razão que não os havia; podemos de
facto dizer que os propósitos e acção destas Campanhas reflectem uma
mentalidade própria, um humanismo português, a que não falta um certo
idealismo, mas que pensamos ser uma contribuição nacional para a causa
da Paz e Democracia124.

Contudo, apenas um dos entrevistados, que viria a coordenar o sector de Artes


Plásticas da CODICE, não negligenciando a pluralidade de experiências que se

122 Sobre as referências históricas e ideológicas do sector intelectual ver capítulo 14.
123 Vouga Livre, 5/6/1975, p. 3.
124 Movimento, N.º 12, 11/3/1975, p. 3. Este texto encontra-se reproduzido em Correia et al

(s/d-a, 54:58) com a data de 21 de Fevereiro de 1975.


Em Abril de 1974, por ocasião da assinatura da Plataforma de Acordo Constitucional («Pacto
MFA-Partidos»), esta publicação ao defender a “opção socializante de desenvolvimento da
sociedade portuguesa” reforça a ideia de rejeição de qualquer “modelo histórico específico”
insistindo “na busca de soluções originais, de acordo com as nossas próprias singularidades
históricas que todo o processo vem manifestando e que tem como elemento fundamental a
aliança POVO-MFA.” (Movimento, N.º 14, 8/8/1975 pp. 1 e 3).

72
encontram na génese da Dinamização Cultural, nomeadamente o trabalho
desenvolvido pelas diferentes associações culturais durante o regime anterior,
identifica como modelo inspirador das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica, a experiência dos Comités de Defesa da Revolução cubanos:

O movimento associativo cresceu muito e houve que transpô-lo para este projecto.
Havia ainda um certo conhecimento que era um ponto de partida relativamente aos
chamados CDRs de Cuba, que eram grupos dinamizadores, de alfabetização, de
animação, de recolha de elementos culturais em várias áreas. O conhecimento ia-se
transmitindo e procurava-se adaptar à realidade portuguesa. (Rodrigo de Freitas,
coordenador do sector de Artes Plásticas – CODICE)

De forma análoga, a imprensa estrangeira da época, que acompanhou de forma


intensa125 esta iniciativa, não hesita em contextualizar o caso português no quadro de
outros contextos políticos internacionais. O jornal francês Liberation, pública um
debate, protagonizado por Jean Paul Sartre, Pierre Victor e S. July, em torno da
Dinamização Cultural, onde este último afirma que os militares tomaram como
modelo político a revolução cubana (1959):

[…] en ce qui concerne la dynamisation culturelle, les militaires ont en tête


le modèle cubain. Le problème, c’est que l’armée n’est pás assez
nombreuse, em terme de qualité d’hommes pour constituer des brigades.
[…] Il faudrait donc un brassage armée-etudiants. […] A partir de là, ils
constituent des brigades avec tous les problèmes: alphabétisation,
medicine, etc. Leur modele est la brigade cubaine126.

Um artigo da revista Esprit, intitulado “La «Revolution Culturelle» au Pays de


Salazar” evoca a revolução cultural chinesa (1966-1976) e o movimento de
“consciencialização de massas” ocorrido no Brasil nos anos 60 salvaguardando,
contudo, as especificidades da experiência portuguesa:

125 Para além da imprensa, muitas foram as equipas de televisão que acompanharam a

Dinamização no terreno, das quais se destacam: NBC (canal americano), BBC (canal inglês),
televisão sueca, australiana, cubana, francesa, espanhola (TVE) e da RDA (Livro Branco da 5ª
Divisão 1974-75, 1984: 1363). Importa, ainda, salientar o trabalho de reportagem fotográfica de
dois fotógrafos da Agência Magnum em Castro Daire, no âmbito da Campanha de
Dinamização no distrito de Viseu em 1975. As fotografias de Guy Le Querrec (entrevistado
por Sérgio Trefaut em Um Outro País – Memórias, Sonhos, Ilusões …Portugal 1974/1975, 1999) e
de Jean Gaumy encontram-se disponíveis em http://www.magnumphotos.com.
126 Liberation, 24/4/1975, p. 2.

73
Comme en Chine, ce sont les soldats qui vont vers les paysans et qui leur
parlent. Comme dans le Brésil des annés 60-63, leur role se limite à éveiller
leur conscience sociale et à leur faire sentir la nécessité de la vie politique.
Contrairement aux Chinois, les militaires portugais ne proposent ni le
programme ni l’ideal d’un parti d’un parti contre un autre parti, ou contre
une tendence à l’interior d’un parti. […] Les militants de la révolution
culturelle portugaise vont plus loin qu’autrefois les Brésiliens; ils refusent
seulement de proposer le marxisme d’une seule école. Les equipes sont
d’ailleurs composées des soldats (sergents, ajudants, aspirants, enseignes,
sous-lieutenants, lieutenants) proches des groupes politiques différents,
communistes, marxistes independents ou gauchistes, plus souvent
partisants d’un socialism à la portugaise: celui qu’ils inventeront127.

Ao referir-se à formação da CODICE, Sánchez Cervelló, um dos principais estudiosos


do período em análise, afirma, que esta terá sido influenciada não só pela experiência
da Guerra Colonial, via Acção Psico-social, como também pela experiência da
revolução cubana128, mais particularmente pelas brigadas de alfabetização e pelos
Comités de Defesa da Revolução (1996-b:263-264).

Já alguns autores da área da educação, cujos trabalhos de investigação abrangeram o


período de transição democrática, defendem que as Campanhas de Dinamização
Cultural do MFA tinham grandes afinidades com as campanhas de alfabetização
protagonizadas pela Pró-UNEP no Verão de 1974 e com a discussão realizada pelo V
Governo Provisório sobre o Plano Nacional de Alfabetização129 (Stoer, 1986).

127 Esprit, Junho, 1975, pp. 1038-1039.


128 A alusão à experiência política cubana é, por exemplo, feita numa sessão de esclarecimento
dirigida aos moradores da freguesia do Alto Pina em Lisboa, onde foi exibido um filme do
Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos. Um dos militares que orientou a
sessão afirmou: “o processo cubano tinha muito de semelhante com o português, sobretudo
por se tratar de um processo revolucionário de libertação do povo. […] O processo cubano foi
violento; o nosso, tal, como enuncia o Programa do MFA, deve ser processado sem
convulsões internas.” (Diário de Notícias, 9/4/1975, p. 4).
129 Stoer cita a obra de Rona Fields, The Portuguese Revolution and The Armed Forces Movement,

Nova Iorque, Praeger, 1975 e o trabalho de Lisete de Matos, Alfabetização e Educação de Adultos
no período compreendido entre Abril de 1974 e a Actualidade, GGEP, Ministério da Educação e
Investigação Cientifica, Junho, 1979. Sobre as diferentes perspectivas sobre os modelos
subjacentes às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA ver também
Ambrósio (1992).

74
As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica, enquanto uma das
propostas da agenda revolucionária, terão que ser concebidas como resultado da
confluência de projectos individuais e colectivos. Foram sendo reformuladas ao
longo da sua vigência de acordo com a experiência e conhecimento das realidades
nas quais se propuseram intervir, como também foram o reflexo do próprio rumo do
processo de transição democrática, caracterizado pela indefinição, por hesitações
relativas ao sentido da mudança social, pela confusão ideológica, pela sobreposição
de estratégias políticas, pela tensão entre os vários protagonistas, nomeadamente no
seio do MFA.

Capítulo 7 | A Comissão Dinamizadora Central


Outubro de 1974 – Novembro 1975

No decorrer do processo revolucionário assistiu-se a uma reconfiguração das


estruturas militares marcada pelo aparecimento de novas figuras, algumas de
carácter transitório, que espelhavam o papel activo dos militares na luta política130.
Neste contexto, surgiu a 5ª Divisão131 do Estado Maior General das Forças Armadas
por iniciativa de Francisco da Costa Gomes, CEMGFA, cujas funções se
enquadravam no âmbito da Acção Psicológica e das Relações Públicas. Uma directiva
emanada deste organismo no início de Julho de 1974 estabelece as competências
desta nova estrutura, das quais destaco as que permitem enquadrar de forma mais
directa as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA.

6. À 5ª Divisão (Relações Públicas) compete: […]

130Sobre o redimensionamento do EMGFA ver Ferreira (1992).


131A 5ª Divisão do EMGFA foi criada oficialmente pelo Decreto-lei n.º400/74 de 29 de Agosto
de 1974 (Sánchez Cervelló, 1996b). Contudo, o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 faz referência
ao início da sua actividade em Junho de 1974 (1984: 19). Foi suspensa por ordem do Conselho
da Revolução no dia 25 de Agosto de 1975.
Segundo Ferreira (1992), a 5ª Divisão inspirava-se na orgânica de campanha do Exército
americano durante a II Guerra Mundial, cujo 5.º Departamento se destinava a manter o
vínculo entre o governo militar e a administração dos assuntos civis nos territórios que iam
sendo libertados dos regimes fascistas.

75
b) Manter permanentemente informado o CEMGFA e os restantes órgãos
do EMGFA sobre a situação psicológica dos diversos grupos humanos na
Metrópole e no Ultramar, com interesse para as Forças Armadas; [...]
d) Promover acções de informação com vista à:
Consciencialização dos elementos das Forças Armadas em ordem ao
cumprimento das missões que a nação lhes confie;
Criação de uma imagem favorável das Forças Armadas na opinião pública
nacional;
Aceitação e apoio pela população das actividades de âmbito da defesa
nacional ou de operações militares específicas [...]. (Livro Branco da 5ª
Divisão 1974-75, 1984: 24).

A 5ª Divisão/EMGFA, segundo Sánchez Cervelló (1996b:250), reveste-se de um papel


pouco actuante durante o período em que Spínola foi Presidente da República,
exceptuando-se a elaboração do primeiro número do boletim do MFA, Movimento132.
É neste número que esta estrutura revela as missões que a si própria se atribuía,
zelando pelo cumprimento do Programa do MFA, revelando um objectivo claro de
esclarecimento político no quadro da instituição militar133.

132 O primeiro número foi publicado a 9 de Setembro de 1974 e o último data de 14 de Agosto
de 1975. Esta publicação era da responsabilidade do Centro de Esclarecimento e Informação
Pública da 5ª Divisão. Segundo Veiga (2002): “O corpo de redactores era maioritariamente
oriundo dos centros da 5ª Divisão, nomeadamente da Comissão Dinamizadora Central
(CODICE) e do Centro de Esclarecimento e Informação Pública (CEIP). No conjunto do corpo
redacional encontramos, também, várias figuras conhecidas do período, como, Vasco
Lourenço, Ramiro Correia, Franco Charais, Almada Contreiras ou Duran Clemente, entre
outros. Importa referir que nenhum artigo se encontra assinado, o que impossibilita esclarecer
o grau de participação de cada autor durante a evolução do boletim […]. “ (Veiga, 2002:65).
133 No boletim Movimento, Nº 1 de 9 de Setembro de 1974 são definidas as principais missões

da 5ª Divisão: “- Elaborar e difundir directivas, planos e ordens relativos ao cumprimento do


Programa do MFA e coordenar e superintender a sua execução;
Manter permanentemente informado o Chefe do EMGFA sobre a atitude dos grupos
representativos militares e civis em relação ao cumprimento do Programa do MFA;
Promover acções de informação, orientar e superintender a sua execução utilizando para o
efeito os meios correntes da comunicação social, o SIPFA (Serviços de Informação Pública das
Forças Armadas) e outros órgãos que sejam postos à sua disposição com vista a:
- consciencializar os elementos das FA e militarizadas, em ordem a uma perfeita integração no
espírito do Programa do MFA;
manter informadas as FA e eventualmente a população civil quanto à forma como é cumprido
o Programa do MFA;
consolidar o vínculo de confiança e mútua identificação criado em 25 de Abril, entre Povo e as
Forças Armadas.

76
Neste sentido, num despacho do CEMGFA, Francisco da Costa Gomes134, datado de
25 de Setembro de 1974, mas distribuído para execução após o 28 de Setembro de
1974, enfatiza a necessidade do surgimento de novas missões para as Forças
Armadas uma vez que se encontravam na fase final das responsabilidades
operacionais no Ultramar, havendo a necessidade de redução dos seus efectivos
determinando “[…] o estudo e planeamento da “acção cívica” para que a 5ª Divisão em
ligação com os três Ramos das Forças Armadas deverá entrar em contacto com os
Ministérios de Coordenação Interterritorial, da Educação e Cultura, dos Assuntos
Sociais e Equipamento Social e do Ambiente.” (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75,
1984: 30). Este documento é elucidativo do esforço de conjugação com as acções de
Dinamização Cultural que entretanto foram sendo preparadas no contexto de alguns
Ministérios, referindo–se o Livro Branco da 5ª Divisão à colaboração da “Direcção-
Geral da Cultura (Ministério da Comunicação Social)” (1984: 31).

A 5ª Divisão, através do seu chefe, Coronel Robin de Andrade, após a recepção deste
despacho, envia um ofício dirigido ao Estado Maior do Exército, ao Estado Maior da
Armada e ao Estado Maior da Força Aérea informando da missão de acção cívica a
desenvolver no âmbito da “reconstrução nacional”135, delineando a actuação das
Forças Armadas nos seguintes termos:

a. A curto prazo
Participação na Campanha de Dinamização Cultural.
Apoio ao MEC, no respeitante à resolução da explosão escolar verificada
no ensino superior.
Empenhamento de meios técnicos em:
actividades de salvamento

- Proceder a estudos e formulação de doutrina, organizar consultas, colóquios, debates sobre


assuntos de natureza sócio-militar.”
134 Costa Gomes, em entrevista a Manuela Cruzeiro, sublinha que 5ª Divisão “pretendia ter

actividades de acção psicológica junto das populações dando-lhes a conhecer o papel das
Forças Armadas, além de constituir um importante elo de ligação. Foi sobretudo formada
com a ideia de auxiliar as populações mais carentes e dar-lhes ao mesmo tempo, um
conhecimento cívico dos deveres e direitos de cada cidadão, a começar pela instrução.
(Cruzeiro, 1998:327).
135 Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6388. Este

ofício não se encontra datado. Como Robin de Andrade é nomeado chefe da 5ª Divisão a 3 de
Outubro de 1974, este documento deverá ter sido produzido no início de Outubro de 1974.
(Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6388).

77
auxílio sanitário
cooperação com as autoridades locais no que concerne a:
abertura de estradas e caminhos
arranjo de arruamentos
substituição de “bairros de lata”
electrificação de aldeias
outras obras de interesse local
b. A médio prazo
Campanhas de alfabetização
Participação em empreendimentos mais vastos de natureza social136.

Esta hierarquização de objectivos prende-se, segundo Robin de Andrade, com as


dificuldades de reestruturação das Forças Armadas pelo que “parece prudente não
exigir demasiado aos seus quadros tropas, dispersando-os por actividades exteriores
à organização, enquanto não se solidificar, em novos moldes, a sua estrutura.”. Note-
se que esta centralização inicial de objectivos é igualmente reveladora da concepção
de “missão de reconstrução nacional” partilhada pelo sector militar, onde se assiste a
um recentrar de Portugal sobre si próprio, chamando o MFA a si a tarefa de
reconstrução do país. Para além da missão magna das Campanhas de Dinamização
Cultural, é contemplado o apoio à resolução de um dos problemas de maior
dimensão que afectava o sector do ensino no período subsequente ao 25 de Abril de
1974 – o elevado número de estudantes candidatos ao ensino superior - o que viria a
desembocar no Serviço Cívico Estudantil137 e ainda o melhoramento de infra-

136Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6388.


137Apesar da intenção inicial de apoio ao MEC, na resolução do grande afluxo de candidatos
ao ensino superior, tal não se virá a verificar nos moldes sugeridos inicialmente por este
ministério. Segundo relatório de José Faria Leal, delegado da 5ª Divisão para o
acompanhamento desta questão, em reuniões realizadas no início do mês de Novembro de
1974 terá sido sugerido um envolvimento directo das FA na organização de “Serviço Cívico
Nacional”, uma vez que eram a única entidade com capacidade de enquadrar um tão grande
contingente de indivíduos. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em
organização); caixa 6319). Relativamente a esta questão Robin de Andrade, chefe da 5ª
Divisão, emite um parecer desfavorável, justificando: “1. Dificuldades que as FA neste
momento têm quanto à sua reestruturação tornam muito inconveniente “incorporar” tantos
indivíduos, ainda mais antes da idade normal do cumprimento do serviço militar e dos dois
sexos. Além disso, as FA poderiam ser acusadas de tentativa de organização de juventudes
fascistas.; 2. Quando ainda não está devidamente montado todo o esquema militar puro,
adaptado às novas circunstâncias, julga-se muito arriscado enveredar-se por caminhos deste
tipo que podem ser uma “aventura” [...].”Robin de Andrade refere, ainda, a questão do
pagamento de uma remuneração que poderia criar um desconforto no seio das FA. (Arquivo

78
estruturas, acção que se tornou a face mais visível do trabalho militar no processo
português de transição para a democracia. O chefe da 5ª Divisão sublinha, ainda, a
necessidade de auscultar a disponibilidade dos três ramos das Forças Armadas, bem
como enfatiza a criação no âmbito da 5ª Divisão de um grupo de trabalho.

É neste quadro que se assiste à formação da Comissão Dinamizadora Central no


início do mês de Outubro de 1974138. Esta estrutura é instituída oficialmente por uma
Directiva da 5ª Divisão/EMGFA com a finalidade de “preencher o vácuo cultural e
de informação política existente em todo o País, com maior incidência em certas
zonas”139. À CODICE estava atribuída a missão de lançar e coordenar as Campanhas,
no âmbito da missão geral de Acção Cívica a desenvolver pelas Forças Armadas,
contando com nove oficiais, três de cada ramo das Forças Armadas, coordenados
pelo 1.º Tenente–Médico Ramiro Correia140.

Nesta directiva são definidos os objectivos finais das Campanhas de Dinamização


Cultural e Acção Cívica:

a) Coordenar e apoiar, imediatamente, todas as associações culturais do


País de modo a ser possível uma rede cultural em todo o território, rede
essa que será a base de uma futura vida cultural do povo português.
b) Actuar politicamente, com uma presença efectiva de militares junto da
população, a qual permitirá o esclarecimento das razões que levaram o País
à situação lamentável em que o encontrámos, com base no esclarecimento

Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319). Este assunto foi
posteriormente encaminhado para o Ministério da Defesa Nacional, uma vez que se
enquadrava fora das competências da 5ª Divisão.
138 Os documentos consultados e as entrevistas realizadas não permitiram apontar a data

exacta de criação desta estrutura.


As primeiras instalações da CODICE foram num corredor no Palácio Foz, em Lisboa, onde
funcionava o Ministério da Comunicação Social, tendo transitado posteriormente para a Rua
Castilho (Correia et al, s/d –a: 19).
139 Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 2. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo

Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
140 Ramiro Correia assume a direcção da CODICE até Março de 1975, momento em que

integra, como membro da Armada, o Conselho da Revolução, criado pela Lei 5/75 de 14 de
Março. Da equipa inicial fizeram parte, pela Marinha, o Capitão-Tenente Pessoa Guerreiro,
Capitão-Tenente Engenheiro Manuel Begonha. Pelo Exército integraram esta comissão o
Major Moniz Barreto, o Major Cação da Silva e o Capitão Estrela Loureiro. A Força Aérea foi
representada pelo Capitão Faria Paulino, o Alferes Luís C. Martins e o Alferes Frederico
Soares.

79
do Programa do MFA, e possibilitará a discussão das vias do futuro,
criando condições para uma ampla participação do povo na vida
nacional141.

Prevendo o Programa de Dinamização Cultural uma actuação em todo o território


nacional, foram constituídas em cada Região Militar do Continente (Norte, Centro e
Sul), Açores e Madeira, Comissões Regionais que integrariam três elementos das
Forças Armadas (ver organigrama 1), representantes das associações culturais e
organismos de Estado. O Programa previa ainda a constituição de comissões a nível
distrital e, em cada distrito, de subcomissões com o objectivo de viabilizar a
“descentralização cultural e interessar no processo MFA o número mais elevado que
for possível de cidadãos”142. Ramiro Correia, em entrevista ao jornal Margem Sul
publicada a 23 de Novembro de 1974, clarifica a estrutura organizativa das
Campanhas:

O País encontra-se dividido em várias regiões que correspondem a regiões


militares: partimos então dessas regiões pois que nos interessa aproveitar
os meios de que as Forças Armadas dispõem.
Em todas as regiões existem Comissões Dinamizadoras Regionais que são
constituídas por organismos locais (nomeadamente associações culturais) e
também por elementos das Forças Armadas. Estas Comissões
Dinamizadoras Regionais têm por missão dinamizar toda a sua região,
constituindo por sua vez comissões distritais.
Estas comissões visam entre outras coisas fazer o levantamento da região a
que pertencem no tocante às possibilidades e necessidades no campo
cultural, e também no aspecto económico e social, criando desse modo uma
visão de conjunto que permita uma actuação inserida na realidade da
população.

141 Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 1. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo

Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”). Este documento é reproduzido em Correia et al
(s/d-a) como sendo a 1ª Directiva da CODICE, assinada por Ramiro Correia enquanto
coordenador da CODICE, Robin de Andrade (Chefe da 5ª Divisão) e Costa Gomes (Chefe do
EMGFA). Contudo, a versão do mesmo documento a que tive acesso tem como signatários
apenas Robin de Andrade e Costa Gomes.
142 Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 3. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo

Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).

80
A maneira como isto se vai processar: vamos utilizar todos os meios de
animação cultural (cinema, teatro, música, artes plásticas) procurando
motivar as populações a tomar contacto com formas de expressão de que
estiveram afastadas, muitas vezes desde que nasceram (há pessoas que
nunca viram um teatro ou foram ao cinema, por exemplo). E através dessa
congregação de pessoas e dessa motivação, interessá-las num processo de
participação na vida portuguesa, participação essa que não será apenas
pela apetência por novas formas de expressão, como também pelo
esclarecimento sobre o que se está a passar entre nós (Correia et al, s/d –a:
34-35).

O sector militar da CODICE, como foi referido anteriormente, dispôs da colaboração


da Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos e do seu director-geral, Vasco
Pinto Leite, que viria a proceder à admissão e requisição de colaboradores que
constituiriam a componente civil da CODICE, uma vez que este departamento estatal
não possuía um quadro técnico suficiente para satisfazer as necessidades do Programa
de Dinamização Cultural que englobava áreas como a Dança, a Música, o Cinema, o
Teatro, as Artes Plásticas, o Circo.

A primeira fase das campanhas, corresponde ao período em que os militares


integraram a 5.ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas, que era a
divisão que tinha a ver com o esclarecimento público, e trataram de fazer um
Programa da Dinamização Cultural. Não só o programa, mas textos de apoio.
Então a 5.ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas, constitui a
Comissão Dinamizadora Central, chefiada pelo Ramiro Correia. [...]. Depois, uma
vez feito esse Programa, os elementos da Comissão Dinamizadora Central
dividiram o país em zona norte, zona centro e zona sul e foram ao encontro das tais
entidades que tinham importância em cada uma destas zonas, para começarem a
lançar, juntamente com a população civil esta ideia da dinamização e
fundamentalmente também com os militares na quadrícula. Sabe que o Exército
está distribuído por todo o terreno, a Marinha não tanto, e a Força Aérea está nas
bases, mas o Exército está em todo o terreno, era preciso envolver também os
militares do exército nesta acção [...]. (Manuel Begonha)

O estabelecimento de um “rede cultural” em todo o país, através da renovação das


associações culturais locais, constituía uma das prioridades da Dinamização Cultural.
Contudo, como afirmou Ramiro Correia, “não houve aquela explosão cultural que se
poderia esperar” (Correia et al, s/d –a: 32), apontando como justificação principal o

81
facto de “ a vida cultural existente fosse de negação e não de afirmação” (Correia et
al, s/d –a: 32). Desta forma, o MFA, projectado para uma posição de vanguarda, cria
os seus próprios meios de penetração visando colmatar a ausência de instituições
transmissoras de cultura, procurando actuar como mediador cultural.

Na óptica de Eduarda Dionísio143 as Campanhas foram o primeiro sintoma de que “a


revolução também seria cultural”, congregando ideias que iam desde a “«arte para o
povo» até ao florescimento das «vanguardas», passando pela reabilitação da arte
popular ou a divulgação dos «grandes autores»” (1994: 452). Estas ideias tiveram
uma importante circulação na época. Num artigo publicado no Diário de Notícias
intitulado “Pela Arte na Revolução” pode ler-se:

A Revolução será incompleta se não for acompanhada por uma arte


revolucionária. A arte por seu turno só será revolucionária se, sem
desprezar o rigor estético, corresponder aos interesses reais e aspirações
das massas populares. Estas depois de culturalmente emancipadas,
deverão tomar nas suas mãos a condução efectiva do processo de criação
artística, a reformulação da história e da vida, o claro entendimento dos
fenómenos que directamente a envolvem. Música, cinema e teatro, bailado
e pintura devem mergulhar as suas raízes no combate quotidiano do povo
trabalhador e descobrir aí o caminho que deve seguir cada palavra, cada
traço, cada imagem, ou gesto144.

E logo a partir do início de Maio de 1974, o MFA procura o apoio dos intelectuais
portugueses (Correia et al, s/d – b: 168-169), constituindo-se uma equipa denominada
“Comissão de Cultura e Espectáculos” (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984: 101)
no quadro do Ministério da Comunicação Social na vigência do I Governo Provisório,
coordenada por Ramiro Correia145:

Logo a partir de Maio começámos a estabelecer contactos junto de diversas


associações culturais: cine-clubes, grupos de teatro amador, a Sociedade de

143 Para a autora, a entrada de Vasco Pinto Leite para a Direcção-Geral da Cultura Popular e
Espectáculos e a de João de Freitas Branco para a dos Assuntos Culturais marca o início da
preocupação do governo relativamente ao estabelecimento de uma política cultural. Ver
também Dionísio (1993).
144 Diário de Notícias, 21/6/1975, p. 13.
145 Sobre este assunto ver testemunho de Vasco Pinto Leite em Dinamização Cultural. O fracasso

do 4.º D, 19/4/1994, SIC.

82
Escritores, etc. Apelámos no sentido de esses grupos se reorganizarem e, ao
nosso lado, ajudarem naquilo que pretendemos, e que é, fundamental para
o nosso País: a revolução também cultural146.

Em Julho de 1974, Ramiro Correia passa, por indicação da Armada (Miragaia et al,
s/d) a colaborar directamente na Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos.
A partir desta data assiste-se a um período de estabelecimento de contactos com o
sector intelectual e com associações culturais de várias zonas do país, no sentido de
promover e cimentar uma colaboração no quadro das Campanhas de Dinamização147.

A reunião realizada no Palácio Foz em Lisboa é recordada por alguns protagonistas


como a reunião “fundadora” de uma nova atitude face à intelectualidade portuguesa.
Neste processo de mudança de regime, urgia pensar e construir um projecto cultural
nacional, onde pela primeira vez era atribuído aos intelectuais um claro
protagonismo. O dever simétrico de retribuir ao MFA uma dádiva encontra-se
subjacente aos discursos do sector intelectual da CODICE, que coloca a sua
participação nas Campanhas de Dinamização no quadro de uma relação de troca
como se, e no trilho de Marcel Mauss (1988 [1950]), a recusa de um convite fosse
sinónimo de recusa de uma aliança:

Quando fomos convidados para as Campanhas do MFA ficámos bastante


contentes. Convém não esquecer que o MFA era nessa altura [...] a grande linha.
Tinha sido através do MFA que tínhamos ganho a nossa independência, a
liberdade, a saída do fascismo. [...] Tínhamos que ter esse agradecimento ao MFA.
(João Mota, actor/encenador; colaborador no sector do Teatro – CODICE)

Importa salientar que o grupo intelectual é particularmente enfático ao afirmar que


as Campanhas de Dinamização Cultural não foram um movimento exclusivamente
militar, sendo a sua participação apologizada nos discursos construídos em torno
desta iniciativa. Contudo, esta parceria é concebida como uma alteração radical no
quadro geral da transição de regimes. De novo, a excepcionalidade do caso

146Entrevista de Ramiro Correia à ANI publicada no Diário de Notícias, 8/3/1975, pp. 1 e 9.


147Em Lisboa realizou-se uma reunião com representantes dos vários sectores culturais. Entre
20 de Outubro e 18 de Novembro de 1974 foram promovidos encontros no Porto onde se
realizou uma reunião na Cooperativa Árvore com representantes de diversas associações
daquela região, em Coimbra, em Torres Novas, em Vila Real, em Faro, em Ponta Delgada e no
Funchal (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984).

83
português é invocada, não só por ter sido protagonizado por militares, como também
por estes terem preocupações de âmbito cultural148, uma vez que o sector militar era
tido como tradicionalmente avesso às artes no sentido lato:

A Dinamização Cultural tem uma contradição. Contradição maior é que artistas e


militares é coisa que não é gerível, não é possível fazer cultura com os militares
atrás. Em Portugal foi possível com algum trabalho cultural independente e
autónomo. // [...] Enquanto que os artistas pretendiam apenas continuar as suas
obras de arte como tinham feito na resistência e como continuaram a fazer depois
das campanhas. Os militares tinham alguma pressa, e alguma razão em ter alguma
pressa, em sedimentar os conceitos de representatividade, da participação
democrática das pessoas [...]. Portanto, havia uma certa contradição entre as duas
coisas. Se uma é do campo do pensamento lógico e racional, os artistas eram do
campo do pensamento divergente. Portanto, se os militares eram revolucionários
[...] e arriscaram a sua vida por uma revolução fantástica. Nós, os civis, arriscámos
um pouco a nossa vida [...] maravilhados pelo Maio de 68, mais interessados num
movimento de descentralização cultural que André Malraux tinha iniciado em
França das casas da cultura. (José Capinha Gil)

A referência à “descentralização cultural”149 é dominante nos discursos dos


responsáveis da Dinamização Cultural, reflectindo-se na própria orgânica de
funcionamento das Campanhas. Será este objectivo que fará convergir a

148 Neste sentido refira-se o apelo directo do então Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves no I
Congresso dos Escritores Portugueses realizado a 11 de Maio de 1975: “Eu penso que a nossa
Revolução necessita dos senhores. É indispensável o trabalho dos intelectuais. […]. É um
convite, é um pedido, é uma solicitação que o Conselho da Revolução vos faz; venham para o
pé de nós contribuir para a Revolução do Povo Português. É essa a missão que aqui me traz.
[…]
Eu, de facto, gostei imenso de ouvir dizer que querem colaborar com a Dinamização Cultural
das Forças Armadas, era isso que eu estava para vir pedir. Era que fossem para a nossa
dinamização cultural.” (Gonçalves, 1976:203-205-210)
149 O Centro Cultural de Évora, inaugurado no dia 30 de Janeiro de 1975 com a estreia da peça

A Noite do 28 de Setembro da autoria do dramaturgo francês Richard Demarcy, foi considerado


a primeira iniciativa estatal no sentido da descentralização cultural. Num texto emitido, por
ocasião da sua inauguração, é defendido que o Centro Cultural de Évora constitui “o
acontecimento mais importante surgido na vida teatral portuguesa depois do 25 de Abril.
Trata-se da primeira medida concreta tendente a pôr de pé os mecanismos que permitam
efectivar esse belo programa de que, por toda a parte, todos falam abundantemente, embora
quase sempre só como se de um voto piedoso se tratasse: a descentralização cultural.”
(Avante, 6/2/1975, p. 9). A criação de “centros de teatro e animação cultural” a nível distrital
foi uma proposta apresentada por Vasco Pinto Leite em Novembro de 1974 que, para além de
Évora, incluía Coimbra, Braga e Viseu e numa fase posterior Faro, Vila Real e Castelo Branco.
(Notícias da Covilhã, 30/11/1974, p. 4).

84
intelectualidade de esquerda para este projecto do MFA partilhando, de forma
voluntária, com os militares a responsabilidade na construção da nação e oferecendo
às populações as suas produções culturais.

Enquadrados pela designação de “intelectuais”, o sector civil da CODICE, constitui


um grupo heterogéneo oriundo das diferentes áreas culturais estabelecidas no
próprio Programa de Dinamização Cultural, tendo como denominador comum o
objectivo da descentralização cultural. Se para alguns a descentralização cultural era
concebida nos moldes de André Malraux, isto é, privilegiando o desenvolvimento do
acesso e difusão das obras de arte (Monnier, 1999), outros distanciavam-se desta
concepção. Vítor Esteves, um dos coordenadores do sector do Teatro da CODICE,
numa entrevista ao jornal Sempre Fixe em 1974, define a experiência francesa como
um acto de colonização, afirmando que “o que nós pretendemos não é uma
descentralização nesse sentido. É o lançamento das bases fundamentais; a
dinamização do que existe; a revitalização (para mim o termo correcto) para que
venham, daqui a algum tempo, a existir núcleos culturais na província, mas que não
seja uma imposição.” Vítor Esteves coloca a ênfase na dinamização (estabelecendo a
diferença com a animação cultural):

E dinamizar significa aproveitar o que já existe, transformá-lo e dar-lhe


perspectiva. O que não quer dizer alienar aquilo que as pessoas já têm. O
que queremos é dar instrumentos às pessoas para que elas se possam
assumir150.

Como foi referido anteriormente, a descentralização cultural não foi proposta


exclusiva da CODICE. Wallenstein refere-se a um “clamor unânime” que reclamava a
indispensabilidade da “animação cultural, descentralização cultural, animação sócio-
cultural e dinamização cultural” (1974: 78) oriundo de sectores diversificados da vida
cultural portuguesa e do próprio governo provisório151. Este projecto foi bem

Sempre Fixe, Suplemento ao N.º 17, 23/11/1974, p. 17.


150
151Wallenstein refere-se especificamente à Resolução do Conselho de Ministros publicada no
Diário do Governo, I Série, n.º 233 de 7 de Outubro de 1974 que cria a Comissão Interministerial
para a Animação Sócio-Cultural no quadro do Ministério dos Assuntos Sociais; ao Relatório
da Comissão Consultiva para a Política Cultural publicado a 12 de Maio de 1974; às
declarações do Sindicato dos Trabalhadores de Teatro; à Declaração da Sociedade Portuguesa

85
acolhido no meio artístico, apesar de se encontrar envolto em algum cepticismo
quanto à sua prática152, constituindo uma das apostas da Revolução para “reanimar
os portugueses culturalmente” e “arranca-lo do seu paradismo” (Wallenstein, 1974).

No Programa de Dinamização Cultural é referenciada a utilização de “um filme, teatro,


ou qualquer outro meio de animação cultural”153 como modo de actuação e
motivação das populações, tornando o encontro com os militares mais seguro e
menos árido154. Para o sector militar a utilização inicial de “objectos culturais”
integrava uma estratégia de aproximação às populações tornando atractiva a
mensagem do MFA, ainda que pensada no âmbito de um modelo itinerante de
Campanhas, reformulado posteriormente com a fixação no terreno de meios técnicos
e culturais. Entretanto, para os protagonistas “civis” a sua participação foi desde o
início percebida como uma oportunidade de partilhar os objectivos e as práticas do
que estavam a fazer naquele momento porque defendiam que as formas de
linguagem eram universais, isto é, que todo o objecto artístico, desde que
esteticamente universal, era percebido por todas as camadas da população155. Sobre
esta questão, Manuela de Freitas, actriz co-fundadora da Comuna, numa entrevista
evocativa dos 30 anos do 25 de Abril de 1974 afirma: “A Ceia, que fizemos em eiras,

de Autores, referindo manifestos diversos onde inclui os do alunos do Conservatório


Nacional e do PCP.
152 Disso dá conta Rocha de Sousa num artigo intitulado “Acção Cultural Descentralizada”,

(Seara Nova, Dezembro, 1974, pp. 7-8). Segundo o autor: “Compete à sociedade desenvolver
não apenas a distribuição dos objectos de arte mas também as vias de educação das pessoas,
facilitando-lhes alcançar um conhecimento até agora apenas centralizado nas classes cujo
poder económico lhes permitia um acesso mais directo à cultura e às fontes de ensino.[...] O
artista não pode, em última análise, degradar a forma das suas construções, conquistadas por
vezes à força de muita reflexão e inteligência, para os conduzir linearmente ao seio de um
mundo subdesenvolvido. Esse mundo é que tem de ser remetido, pela educação e promoção
intelectual dos indivíduos, às linhas avançadas da contemporaneidade – e é nesse sentido, em
suma, que deve ser compreendida a descentralização da cultura e a mobilização social e
politica dos artistas” (1974:8). Na imprensa da época surgem tomadas de posição das várias
áreas culturais relativamente a esta questão.
153 Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão

Dinamizadora Central, s/d [1974], p. 2. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional


(em organização); caixa 6388).
154 Entrevista a Manuel Begonha, 2000.
155 Sobre as diferentes “inspirações” dos intelectuais que aderiram a este projecto ver sub-

capítulo 14.1.

86
celeiros, centros paroquiais, é o mesmo que fizemos num palácio em Florença e nos
maiores teatros de Budapeste e da Polónia. Não cedíamos em nada.”156

O processo de transição democrática marca o início de um período de profunda


transformação das relações entre os actores, o texto e o público, assistindo-se a um
debate e reflexão sobre a actividade teatral. A mudança não passava só por se poder
representar os autores “banidos” como Bertolt Brecht157 (Melo, 1993). A questão do
público revela-se fulcral e o objectivo de muitos grupos profissionais e amadores
consistiu em levar o teatro a todas as camadas da população, chegando-se a defender
“a invasão das vilas e aldeias”158 como prática teatral descentralizada. Neste sentido,
João Mota refere:

[...] o 25 de Abril trouxe a festa, o teatro estava na rua; e depois dos


cinquenta anos de fascismo, era preciso fazer aquele teatro [...] de
intervenção política, porque às gentes que não sabem ler nem escrever, é
preciso dizer-lhes que existe outro modo de viver, que são portugueses e
falam a mesma língua, que têm direitos e deveres. Este foi um teatro muito
interessante que se fez durante dois anos e que produziu coisas
verdadeiramente extraordinárias (O Texto e o Acto, 32 Anos de Teatro (1968-
2000), 1984:156).

O jornal Diário de Notícias dá conta deste novo posicionamento do sector teatral. Com
o título “O teatro ao serviço do MFA e da Democracia” refere os trabalhos para a
reestruturação das actividades teatrais presididos por Vasco Pinto Leite, no quadro
dos quais foi criado o Conselho Nacional de Teatro que, através das suas
subcomissões, acompanha um conjunto de reformas para este sector, prevendo a

156Público, 18/4/2004, p. 45.


157 Imediatamente a seguir ao 25 de Abril as obras de Brecht são divulgadas um pouco por
todo o país pelos grupos de teatro independente e amador interessados naprocura de um
teatro político e de uma mensagem revolucionária. Segundo Melo (1993), as peças mais
representadas foram A Excepção e a Regra, O Terror e a Miséria no III Reich e As Espingardas da
Mãe Carrar. Sobre este assunto ver Porto & Menezes (1985).
158 Carlos Fragateiro defende que o 25 de Abril abriu novas perspectivas de pesquisa e

propiciou a prática de um teatro libertador. Concebendo a cidade como sinónimo de


centralismo propõe “ [...] invadir as cidades, vilas e aldeias da província, interligar-se ao
quotidiano dos habitantes desses lugares, será tarefa urgente de um teatro que se queira novo
e que esteja decidido com todas as forças a abandonar os comodismos burgueses e a cortar
com determinados circuitos.” Carlos Fragateiro, 1975, “A intervenção teatral”, Manifesto, N.º
5, Lisboa, Janeiro. 1975, p. 36.

87
colaboração com o MFA em sessões de esclarecimento. Note-se que à data desta
notícia, 2 de Outubro de 1974, a conferência de imprensa de apresentação das
Campanhas de Dinamização Cultural e Esclarecimento Cívico ainda não se tinha
realizado, pelo que esta iniciativa ainda é formulada de forma vaga. Contudo, o
papel do teatro é valorizado: “Pode dizer-se que todos os actores, profissionais e
amadores, e autores serão [...] mobilizados para levar às terras mais esquecidas o
primeiro alertamento de democratização, com vista à integração das populações na
vida cívica nacional e a sua consciencialização perante o acto eleitoral que se
aproxima. [...] Depois das armas floridas – as armas do teatro, que de maneira
inequívoca e pela primeira vez entre nós, vão mostrar quanto pode e quanto vale.”159

Neste quadro, as Campanhas de Dinamização Cultural tiveram uma boa


receptividade no contexto dos grupos de teatro independente e amador, que tornam
pública a sua posição relativamente a esta iniciativa, atribuindo ao Teatro um papel
de relevo no âmbito da animação e descentralização cultural. Wallenstein defende
que as Campanhas:

[…] têm o primeiro mérito de dar às coisas o seu devido nome, isto é,
subtrair a política ao limbo das coisas duvidosas em que tem jazido entre
nós. E desta clareza, caso se mantenha depois de eleita em Março próximo a
Assembleia Constituinte o teatro tem muito a aproveitar, pois legitima uma
zona na qual lhe cabe particular pertinência. [...] A partir do contacto com tão
diversas populações, com a maior parte das quais jamais contactou [...],
poderá o teatro concretizar-se implantar-se nas pessoas, no território,
desmarginalizar-se em relação às influências do exterior que quase
exclusivamente o têm sustentado, descobrir um caminho verdadeiramente
próprio e autêntico (Wallenstein, 1974:79).

Importa sublinhar que subjacente à ideia de descentralização encontra-se a noção de


autenticidade, uma noção hegemónica que marca o campo discursivo deste período.
O encontro com o povo, via “descentralização cultural”, seria para o Teatro uma “via

159Diário de Notícias, 2/10/1974, p. 7. Durante o processo de transição a imprensa nacional dá


conta das estreias de peças de vários grupos teatrais realçando que estes se encontram “à
disposição da Campanha de Dinamização Cultural do MFA” (Diário Popular, 1974, 1975).

88
de descolonização” (Wallenstein, 1974:79). permitindo a construção de uma nova
prática teatral, mais pura.

O projecto do Teatro consistiu em duas coisas. Uma era no quadro das campanhas
pôr a circular, confrontarem-se com públicos diferentes as companhias de teatro,
que nessa época se centravam em Lisboa, [...] com outros públicos e também que as
companhias de teatro reflectissem a realidade do país de certo modo.[…] Por outro
lado, chamar também à coacção os grupos de teatro amador que existiam e tinham
importância específica na altura, chama-los também a participar com espectáculos
durante as Campanhas. (Vítor Esteves)

O entrosamento entre a questão do público e a descentralização cultural é primordial


para este sector. Nas suas construções discursivas “povo” é substituído por “público”
e a sua proposta de descentralização cultural, sendo um projecto nacional, procurava
fazer a apologia do local. Disso dá conta um dos textos de apoio produzidos por este
sector onde a actividade com os grupos de teatro amador é conceptualizada como
uma forma de “desbloqueamento político-cultural” que só era exequível através do
desenvolvimento “das manifestações culturais locais de raízes populares, através do
apoio técnico e pedagógico às Cooperativas, Associações, Grupos de Teatro,
manifestações culturais dos Órgãos Unitários Base do Poder Popular, Centros
Culturais ou ainda outra forma de intervenção cultural”160.

A actividade do sector do Teatro consistiu na programação e selecção dos grupos161


que acompanharam as Campanhas e ainda no apoio técnico ao teatro amador. Este
sector foi ainda responsável pela produção de textos de apoio e pela recolha de peças
de teatro junto das comunidades destino das Campanhas.

Na Dinamização Cultural do MFA colaboraram destacados grupos de teatro


independente tais como Comuna, Cornucópia, Grupo de Teatro de Campolide,

160 CODICE – Secção de Teatro, Textos de Apoio, s/d. (Arquivo Histórico do Ministério da

Defesa Nacional (em organização); caixa 6319). Neste caderno, onde se invoca António Pedro
(Pequeno Tratado de Encenação) e o encenador alemão Manfred Wekwerth, são contempladas
algumas fases do trabalho teatral (ensaios de leitura, encenação e ensaios de marcação),
encontrando-se em anexo um conjunto de notas sobre a construção artesanal de projectores.
161 Para relação dos grupos de teatro e das peças representadas no quadro da Dinamização

Cultural ver anexo I. Importa sublinhar a relevância que alguns destes grupos,
nomeadamente Comuna e Cornucópia, atribuem à sua participação nas Campanhas de
Dinamização na actualidade. Nos livros comemorativos de aniversário ou de balanço da sua
actividade esta experiência é referida com destaque (Sousa et al 1998; Reis & Reis 2002).

89
Teatro Português de Paris, Os Bonecreiros, Casa da Comédia, Teatro Infantil de
Lisboa, Teatro Experimental do Porto e ainda do grupo espanhol La Cuadra162,
contando com inúmeros contributos de grupos de teatro amador. O Segredo de
Montemuro163, da autoria do dramaturgo brasileiro Alfredo Nery Paiva, foi uma das
peças originais escritas no âmbito da actividade do sector do teatro.

A preocupação destes grupos residia na qualidade estética dos objectos artísticos,


reforçando a ideia de que não assistiram a nenhum dirigismo164 durante o processo
de organização inicial das Campanhas, que decorreu de Outubro de 1974 a Março de
1975.

[...] Isso é muito importante. Não havia nenhum dirigismo, nem nenhuma
encomenda. As pessoas representavam o que representavam. Quem pensa que se
mandava representar Brecht, ou representar Almeida Garret está completamente
enganado. O que interessava não eram os autores era o processo, o processo em si.
Isso só numa fase posterior é que deve ter havido algumas encomendas dessas, mas
mesmo assim tenho algumas dúvidas, porque felizmente em toda a fase original,
estavam pessoas que eram criadores independentemente do regime [...]. Desde
quando é que o João Mota, o Luís Miguel Cintra aceitavam encomendas?
Enquanto eu lá estive não houve encomendas, nem dirigismo cultural. As
referências eram as referências do que se estava a fazer no momento. Uma das
virtudes da Dinamização Cultural era não haver dirigismo cultural. E isso deve-se
ao Ramiro Correia, ao Vasco Pinto Leite e a outras pessoas. [...] Porque isso era

162 Este grupo, oriundo de Sevilha, participou na Dinamização Cultural do MFA por proposta
do grupo de teatro Comuna.
163 Paiva, Alfredo Nery, 1975, O Segredo de Montemuro, CODICE/Sector de Animação Teatral,

Campanha de Acção Cívica de Viseu, Póvoa de Montemuro. (Arquivo particular de Manuel


Cruz Fernandes). Esta peça, que tem como base os acontecimentos em torno da construção de
uma estrada no concelho de Castro Daire. A Estátua” de Jaime Salazar Sampaio e “A
Barragem 1975” de João Marcos são referenciadas no Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75
(1984:150) como sendo criações originais produzidas no quadro das campanhas.
164 Esta questão foi abordada em diferentes momentos pelos principais responsáveis pela

Dinamização Cultural e pelos decisores políticos como o Primeiro-Ministro, Vasco Gonçalves,


num dicurso por ocasião do I Congresso de Escritores Portugueses (Gonçalves 1976:208-209.)
Sobre este assunto as palavras de Ramiro Correia são claras: “A Arte não deve estar ao serviço
da Revolução. A Arte é, em si própria, Revolução. E se a Arte é, em si própria, Revolução, que
lugar existe para os dirigismos em Arte? Onde está o escritor, o escultor, o pintor, o cineasta
que se viu neste País, impedido de trabalhar a sua obra devido a monolitismos culturais do
MFA ou dos organismos governamentais? […]” (Correia et al, s/d – b: 169). A entrevista a
Luís Cília (2004) também reforça esta ideia.

90
fazer aquilo que as pessoas que estiveram na dinamização lutaram anos contra, que
era haver um dirigismo cultural no sentido estrito do termo. (Vítor Esteves)

Às Campanhas foram também chamadas as Artes Plásticas que, conjuntamente com


o Teatro, constituíram um dos sectores mais activos no quadro da Dinamização
Cultural165. A ligação dos artistas plásticos à Dinamização Cultural teve como
embrião o Movimento Democrático de Artistas Plásticos (MDAP), que já tinha
confirmado a sua posição face à nova conjuntura histórica através da sua intervenção
no dia 28 de Maio de 1974, no Palácio Foz em Lisboa. Sob o slogan “a arte fascista faz
mal à vista”, da autoria de Vespeira, este grupo ocultou com panos negros e amarrou
com cordas a estátua de Salazar da autoria Francisco Franco e o busto de António
Ferro166.

Subimos clandestinamente as escadarias do Palácio Foz, que segundo a nossa


classificação anos antes, nós, os surrealistas chamávamos aquilo o Quartel da
Demagogia a Cores por causa das exposições. Eu sentia-me à vontade porque
nunca tinha exposto do SNI, nunca. // […] o João Abel Manta foi entreter o Raul
Rêgo [Ministro da Comunicação Social]. E eu disse: não o deixes vir à janela!. […]
E tapámos aquilo tudo, tudo amarrado. Mas sem um beliscadura! Depois

165 A supremacia destes dois sectores é evidente nas construções discursivas dos diferentes
protagonistas. Quando questionados sobre a participação do grupo intelectual na
Dinamização Cultural, o Teatro e as Artes Plásticas surgem como os sectores mais dinâmicos
e com uma participação mais activa.
166 Entrevista a Vespeira (2000) e a Rodrigo de Freitas (2000). No decorrer do happening, o

MDAP distribuiu o seguinte comunicado: “Casaca de cerimónia – foi assim que Salazar tratou
a Arte (vide livro de António Ferro, Salazar, 1933). E no jardim do Palácio Foz – “Quartel da
demagogia a cores” como há muitos anos foi alcunhado pelos artistas – a estátua de Salazar
continua um passado que se quer ausente.
O Movimento Democrático de Artistas Plásticos não é partidário da destruição de obras de
artes; ainda [enquanto] símbolos condenáveis deverão guardar-se como documentos
históricos de uma política que não deve ser silenciada para jamais ser esquecida ou repetida.
A estátua de Salazar do escultor Francisco Franco, embora seja símbolo de uma nefasta
ditadura, não pode de modo algum continuar presente num edifício público responsável pela
democratização do país.
Hoje, “28 de Maio” – 48º aniversário do nascimento do fascismo – a comissão central do
MDAP resolveu ocultar a estátua, cobrindo-a com um pano negro e amarrando-a com cordas.
O “mestre” da política “orgulhosamente sós” ficará protegido dos livres olhares portugueses
que abertamente querem estar acompanhados.
É ao mesmo tempo uma destruição simbólica e um acto de criação artística num gesto de
liberdade revolucionária. A arte fascista faz mal à vista” (Diário Popular, 29/5/1974, p. 14).
Assinaram este documento Fernando de Azevedo, Helena Almeida, João Abel Manta, João
Moniz Pereira, João Vieira, Jorge Vieira, Lima de Carvalho, Nikias Skapinakis, Nuno San
Payo, Pomar, Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Vespeira e Virgílio Domingues.

91
colocámos uma faixa com a inscrição do MDAP como se fosse uma condecoração.
Estávamos a cumprir o destino porque este ditador dizia orgulhosamente sós e
agora estava orgulhosamente às escuras que era para não ter contágios. (Vespeira,
artista plástico, sector de Artes Plásticas – CODICE)

Alguns dias depois, no dia 10 de Junho de 1974, o MDAP promove uma Jornada de
Solidariedade com o MFA que seria transmitida em directo pela RTP167. Vespeira e
quatro outros artistas plásticos, Rogério Ribeiro, Nikias Skapinakis, José Aurélio e
João Vieira foram à televisão na companhia de Ramiro Correia anunciar esta
iniciativa de homenagem ao MFA, indiciando o comprometimento das Artes
Plásticas com a revolução.

Sob uma aura de festa, a Jornada de Solidariedade com o MFA, foi descrita deste
modo por Ernesto de Sousa: “Um caixão deitado ao Tejo, o enterro do fascismo; as
canções “heróicas” de Lopes Graça; um espaço destinado a ser pintado-por-toda-a-
gente, a “cegada” da Comuna … […]”168. Pontuada por várias intervenções169, este
evento foi inaugurado com a realização de uma pintura colectiva, intitulada 48
Artistas, 48 Anos de Fascismo uma alusão aos anos da ditadura iniciada a 28 de Maio
de 1926. A tela com 4,5 m x 24 m foi então dividida em 48 quadrados entregues por
sorteio aos primeiros 48 artistas plásticos170, que aderiram ao MDAP, exceptuando o

167 Esta iniciativa teve a sua transmissão televisiva bruscamente interrompida, por ordem do
Governo, a dez minutos de terminar quando a Comuna, depois de ter caricaturado o
almirante Américo Tomás e Marcelo Caetano, se dispunha a caricaturar o cardeal Cerejeira
(Gonçalves, 1992). Este foi considerado o primeiro acto de censura no pós-25 de Abril.
Rodrigo de Freitas, um dos coordenadores do sector das Artes Plásticas da CODICE, relembra
que Júlio Pomar ao tomar conhecimento desta situação “pegou nos pincéis atou-os à pintura
que fez […] e pintou no painel «A Censura existe».” (Entrevista gravada, 2000).
168 Ernesto de Sousa, “O Mural de 10 de Junho ou a passagem ao acto”, Colóquio Artes, n.º 19,

2ª série, 16º ano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Outubro. 1974, p. 46.
169 A jornada contou com a participação do Coro da Juventude Musical Portuguesa, do Coro

da Academia de Amadores de Música dirigido por Lopes Graça, do Grupo de Música


Contemporânea dirigido por Jorge Peixinho, da pianista Maria João Pires, de um sexteto de
jazz composto por elementos do Hot Club e da Banda da Armada. Na área do teatro, para
além da Comuna, colaboraram, o Teatro de Rua (com Maria do Céu Guerra e Henriqueta
Maia), o Grupo Teatral do Campolide Atlético Clube e o Teatro de Marionetas Francisco
Esteves (Diário Popular, 11/6/1974).
170 Participaram neste painel, entre outros, Sá Nogueira, João Abel Manta, António Palolo,

Jorge Martins, Manuel Baptista, Costa Pinheiro, João Vieira, Júlio Pomar, Fernando de
Azevedo, Vespeira, Maria Velez, Menez, José Escada, Nikias Shapinakis, Rogério Riberiro.
Sobre este assunto ver Ernesto de Sousa, “O Mural de 10 de Junho ou a passagem ao acto”,
Colóquio Artes, n.º 19, 2ª série, 16º ano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Outubro. 1974,
pp. 44-47

92
primeiro quadrado que foi atribuído a Teresa Dias Coelho em homenagem ao seu
pai, o pintor Dias Coelho, assassinado pela PIDE. Sob o mote “Flor-Liberdade/ Fogo-
Imaginação/ Força-Unidade/Arte – Revolução”, quadra presente no cartaz da
autoria de Vespeira realizado no âmbito desta jornada, esta iniciativa ensaia um
conjunto de actos semelhantes que propunham uma nova relação entre a arte e o
público. No painel predominou uma linguagem abstracta e neo-figurativa com o
recurso à palavra, como foi o caso de Vespeira e de Júlio Pomar (Ginga, 2000).

A ideia da pintura colectiva partiu de Vespeira171 que já tinha participado em outras


iniciativas semelhantes com o grupo surrealista. Contudo, mais importante do que a
qualidade estética, a tónica era colocada no carácter colectivo da acção, pressuposto
presente em outras realizações semelhantes realizadas no âmbito das Campanhas de
Dinamização Cultural e Esclarecimento Cívico do MFA172.

Nesta data foram estabelecidos contactos para uma futura colaboração com o MFA,
vindo o MDAP a confirmar a sua posição de apoio no dia 6 de Novembro de 1974
(Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984), momento a partir do qual alguns dos seus
elementos integram a CODICE coordenando o sector de Artes Plásticas173. No mês
seguinte realiza-se, na Sala dos Espelhos do Palácio Foz, o Encontro Nacional de
Artistas Plásticos que oficializa o comprometimento destes com a Dinamização
Cultural do MFA174:

1974. Esta obra foi destruída num incêndio em Agosto de 1981. Esta iniciativa contou ainda
com as intervenções escultóricas de José Aurélio e de Clara Semide.
171 Sobre Vespeira ver Cruz (1999), Ginga (2000); Santos (2000) e Almeida & Almeida (2006).
172 Para além da pintura mural de Vila Chã, realizada na festa de inauguração do

estabelecimento da rede eléctrica, dos balneários públicos e de outros melhoramentos naquela


localidade, destacam-se a pintura no edifício da Caixa Geral de Depósitos, em Viseu, nos dias
5 e 6 de Abril de 1975 que contou com a colaboração dos professores da ESBAP Armando
Alves, Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, José Rodrigues, Jorge Pinheiro e ainda com
Vespeira, Maria Gabriel, Eurico Gonçalves, Fernando Cruz e Espiga Pinto. (Vida Mundial, n.º
1857, 14/4/1975, 7:8). Foram ainda realizadas durante o ano de 1975 pinturas murais em
Lisboa, no Mercado do Povo, executada por professores e alunos da Escola Superior de Belas
Artes, em Évora com a participação, entre outros, de Sá Nogueira e Vespeira e na Figueira da
Foz (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984).
173 Este sector foi coordenado numa fase inicial por Rodrigo de Freitas e Moniz Pereira, a

quem se juntaram posteriormente Vespeira e Álvaro Patrício.


174 Entrevista a Rodrigo de Freitas (2000) e a José Loureiro (2002). Para lista de adesões ver

Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984: 145).

93
E portanto, o Ramiro Correia reuniu-nos lá e disse: “precisava de fazer qualquer
coisa no campo das vossas artes, das Artes Plásticas, sei lá cartazes, enfim que
dessem a conhecer às pessoas o que é o MFA porque sabe aquela frase célebre que
uma imagem vale mais do que mil palavras, gostaríamos que vocês fizessem
qualquer coisa para a gente começar a distribuir, enfim, colar esses cartazes nas
paredes”. E portanto, eu fiz esses cartazes mais directos, que eles gostaram logo,
porque eram coisas que se percebiam logo, era chamado o boneco de traço grosso.
(João Abel Manta, artista plástico, colaborador do sector das Artes Plásticas
– CODICE)

O tratamento gráfico da revolução foi coordenado pelo sector de Artes Plásticas da


Comissão Dinamizadora Central e contou com a colaboração de destacados artistas
plásticos entre os quais Vespeira e João Abel Manta175. Foram produzidos cartazes
(ver Anexo II) calendários, autocolantes, bandeiras, bandas desenhadas, brochuras e
selos dos CTT, objectos de pequenas dimensões, para facilitar a sua divulgação e
transporte.

O processo de transição democrática não provocou uma revolução estética176, nem


como afirma Dionísio “fez dizer a nenhum artista (como o Maio de 68 a Godard) que
a “arte morreu” (1994:453). Com larga experiência no campo das artes gráficas,
actividade que exercia desde 1942, Vespeira é um dos artistas plásticos mais
comprometidos com a Revolução, enquadrando o trabalho produzido nesta
conjuntura no seu percurso artístico, não apontando rupturas estéticas.

175 Importa referir também os trabalhos de Maria Velez, Justino Alves, Moura George,
Henrique Ruivo, Armando Alves, Rodrigo de Freitas, Artur Rosa e Fernando Cruz.
176 A propósito desta questão, Ernesto de Sousa, a partir de dois cartazes, realizados no

quadro das Campanhas de Dinamização do MFA da autoria de Artur Rosa (ver anexo II) e de
Vespeira, questiona o seu revolucionarismo estético, afirmando “Não é verdade que o tão
(justamente) conhecido cartaz de Vespeira poderia servir para a publicidade de uma
companhia de aviação ou de tal e tal marca de perfume? Que o cartaz de Artur Rosa poderia
servir muito bem para anunciar uma marca de, por exemplo, automóveis? concluindo “E
como poderia ser de outra maneira, se o 25 de Abril apanhou a maior parte de nós apenas
ocupados a resistir ao desgaste de uma sociedade insonsa e de mera sobrevivência? (Vida
Mundial, N.º 1866, 19/6/1975, p. 6).

94
O que fizemos tinha a ver com a linguagem de
cada um. No meu caso tinha que ver com as
minhas coisas gráficas. No caso do João Abel tinha
a ver com os cartoons que ele fazia. Outras faziam
coisas mais populares, como é o caso do Rogério
Amaral que fez um cartaz com a cabeça de um
camponês. O meu propósito e iniciação na arte
pública é fundamentalmente imaginativa e
carregada de improvisos e de coisas fugidias, sem
levar especificamente uma mensagem para A, B ou
C. Não havia um propósito estético. […] O que
interessava era sermos anti-fascistas e estarmos na
rua a fazer coisas. (Vespeira)
Fig. 3 | Flor – Libertação/Fruto-
Democracia/Semente-Socialismo/Forças
O contributo de Vespeira para o movimento de Armadas – Raízes de uma Revolução
Cartaz. Vespeira, 1975
Artes Plásticas pós-25 de Abril foi também (Arquivo particular Rodrigo de Freitas)

notório ao nível concepção de cartazes. Esta


expressão, propagandística e efémera, foi amplamente utilizada no período de
transição democrática como veículo de transmissão das mensagens da revolução às
populações. Segundo Ginga, Vespeira “distinguiu-se por evidenciar uma melhor
adaptação da expressão artística às exigências gráficas do cartaz.” (2000: 59), sendo
autor de três cartazes177, nomeadamente o que lançou o símbolo do MFA, o cartaz de
maior tiragem da época. É de forma entusiasta que Vespeira alude à sua relação
como os militares do MFA, recordando que Ramiro Correia o denominou de “Major
Vespa”, por ser, entre eles o mais velho e que aceitou a sua proposta de “fazer
guerrilha cultural”178.

Já a colaboração de João Abel Manta com a CODICE caracterizou-se por uma relação
mais distanciada, mas não menos comprometida e entusiasta com a revolução,
assinando quatro cartazes que ganharam grande notoriedade179. “Um artista de

177 Vespeira concebeu no ano de 1975 o cartaz de apelo ao voto no quadro das eleições para a
Assembleia Constituinte (Povo-Voto/Voto-Povo) e ainda um subordinado ao tema “poder
popular” (Poder Popular –Unidade Revolucionária).
178 Entrevista a Vespeira, 2000.
179 A obra de João Abel Manta produzida no quadro da transição democrática é numerosa,

tendo colaborado em jornais como o Diário de Notícias, O Jornal e o Diário de Lisboa. No quadro
das Campanhas de Dinamização Cultural foi autor dos seguintes cartazes: “MFA-Povo/Povo-

95
atelier”, assim o caracterizou Rodrigo de Freitas, um dos coordenadores do sector de
Artes Plásticas. Como cartoonista, interpreta a relação Povo-MFA no quadro de um
trabalho de intervenção política realizado durante o Estado Novo descrito desta
forma por Cardoso Pires: “Nenhum pintor daqui e de agora resumiu com tantas
subtilezas a temperatura social e politica do fascismo agonizante, raros, raríssimos,
com o prestígio e a obra de João Abel Manta, resistiram e apostaram com ele na
intervenção” (in Manta 1975:6). E é esta “temperatura social “medida em tom
humorístico e revestida de uma crítica amável que encontramos nos seus cartazes e
desenhos.

As intervenções plásticas realizadas no quadro da CODICE evidenciam uma nova


concepção da obra de arte que surge, agora, como um acto colectivo e sempre
partilhável com as populações, onde as pinturas murais180 ou colectivas e os cartazes
assumem especial relevo. A noção de partilha encontra-se também presente na
necessidade dos artistas plásticos exporem o trabalho desenvolvido durante o Estado
Novo, onde muitas das suas obras foram proibidas. O PREC constitui, assim, um
momento privilegiado de contacto entre os artistas e a população, facto a que não é
alheio o conjunto de exposições panorâmicas e retrospectivas realizadas durante este
período181. Gonçalves atenta que a nova situação política permitiu a “revisão dos
méritos” e a “reinserção social das suas mensagens” (1992:326). Em Correia et al é
enaltecida a colaboração dos pintores, dos grupos de teatro e também das bandas de
música, afirmando-se que foram estes “quem mais se empenhou no contacto directo
e na descoberta de novas formas de aproximação com o povo” referindo-se o carácter
sedutor das linguagens por estes utilizadas (s/d-a:93).

“Alargar o cinema às classes populares” foi uma das medidas anunciadas pelo
Sindicato dos Trabalhadores do Filme num documento programático da autoria de

MFA” (1974), “MFA – Sentinela do Povo” (1975), “Povo-Vasco-MFA” (1975). Foi ainda autor
de um cartaz editado pela CODICE e pelo Sindicato dos Bancários intitulado “Nova Banca ao
Serviço do Povo” (1975).
180 Para análise detalhada ver Aurélio (1999).
181 Das iniciativas desta índole destaca-se em Junho de 1974 a exposição Maias para o 25 de

Abril, resultante de um conjunto de obras proibidas pela PIDE reunidas por Mário Cesariny.
Lima de Freitas, Cruzeiro Seixas e Manuel Filipe divulgam os seus desenhos neo-realistas
realizados na década de 40. Em 1975 foi publicado um álbum de desenhos de Álvaro Cunhal
realizados na prisão durante os anos 50. Uma retrospectiva de Dias Coelho, assassinado pela
PIDE em 1962, teve lugar na Sociedade Nacional de Belas Artes em 1975 (Gonçalves, 1992).

96
Fonseca e Costa e Luís Galvão intitulado “Definição de uma Política Cinematográfica
que sirva os Princípios Enunciados do Programa do MFA”182. Este sindicato183, que
contava com um importante núcleo de realizadores identificados com o Cinema Novo,
empenhava-se na construção de uma nova concepção de imagem escolhendo como
aliado o MFA. A aproximação e interpelação às populações concretizava-se na
proposta de criação de “Grupos de Acção e Animação Cinematográfica”. Cada grupo
seria constituído por um equipa técnica reduzida, um realizador e um oficial do MFA
e dotar-se-ia de uma carrinha contendo material de filmagem, de iluminação, de
projecção e de um conjunto de filmes nacionais e estrangeiros a projectar nas diversas
localidades do país. Procurava-se igualmente filmar “todos os aspectos humanos e
sociais, relacionados com o local ou localidade em questão, e que se prestassem a
uma contribuição para o conhecimento da realidade portuguesa da actualidade”184.

Os Cineclubes foram contactados pela Comissão de Cultura e Espectáculos do MFA


logo após o 25 de Abril de 1974, no sentido de explicar o significado da Revolução,
tendo como veículo o cinema. A acção a desenvolver preconizava “a constituição de
brigadas de penetração como meio de informação e formação, visando o
desmantelamento de um estrutura opressora das populações”185. No Encontro
Nacional dos Cine-Clubes realizado em Aveiro em Maio de 1974186, foi então
debatida a possibilidade de concretizar uma campanha de animação política, cultural
e cinematográfica à escala nacional, através da utilização de brigadas móveis187.

182 Ver Cinéfilo, N.º 34, 1/6/1974, pp. 5-6. Sobre panorama cinematográfico ver Dionísio (1993)
e Costa (2002).
183 Posteriormente foi designado por Sindicato dos Trabalhadores da Produção do Cinema e

Televisão.
184 Cinéfilo, N.º 34, 1/6/1974, p. 15. O programa-tipo destas sessões desenvolvia-se em 4

pontos: “1) Apresentação política feita pelo oficial do MFA; 2) Projecção de curtas metragens
de esclarecimento político, económico e social; 3) Projecção de um filme de longa metragem
de ficção; 4) Debate, orientado pelo realizador e pelo oficial do MFA, com inquéritos sobre
cinema e situação político-social”.
185 Informação N.º 1 da Comissão Consultiva da Cinemateca Nacional (Ministério da

Comunicação Social). [data manuscrita: Julho de 1974], p. 1. (Centro Documentação 25 de


Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa CIASC Central VII, Pasta CIASC Central, Doc. Recolhida II,
Cineclubes).
186 Celulóide, N.º 198, Junho, 1974.
187 Eduardo Geada, 1974, “O Futuro do Cinema em Portugal,” Vida Mundial, 21/6/1974, pp.

14-16 e 37.

97
Estas propostas procuravam a transformação da realidade portuguesa através da
imagem numa dupla perspectiva: a da sua construção, visível no acto de documentar
o país188 e a da sua interpretação. O trabalho a desenvolver pela área do Cinema foi
então enquadrado formalmente com a criação de uma comissão consultiva189 com o
objectivo de acompanhar o processo de formação das brigadas e de obter os meios
necessários. Integraram esta comissão, um representante de cada Cine-clube (ABC,
Barreiro, Católico, Imagem, Universitário, Vila Franca de Xira), dois elementos da
Associação dos Críticos, dois do Sindicato dos Trabalhadores do Filme e ainda dois
representantes da Federação de Cinema de Amadores190.

A CODICE viria a integrar a imagem nas Campanhas de Dinamização Cultural e


Acção Cívica, utilizando-a como meio de motivação do diálogo nas sessões de
esclarecimento.

Muitos filmes, também passámos muitos filmes, gostavam muito. Era um ecrã
banal com panos. Não eram filmes quaisquer...eram filmes com alguma carga
política. E depois filmes portugueses que as pessoas gostavam muito e que ainda
hoje gostam: A Canção de Lisboa, por exemplo. (Manuel Begonha)

188 Esta vontade é particularmente enfática na mobilização de meios e pessoas que saíram à
rua para filmar o 1º de Maio de 1974, resultando no filme colectivo do Sindicato dos
Trabalhadores da Produção de Cinema e Televisão As Armas e o Povo. Eduardo Geada dá
conta da preparação deste documentário: “ […] Formaram-se dez equipas de cinema que,
trabalhando simultaneamente de manhã à noite, nos pontos estratégicos da cidade filmaram
[…] a manifestação colectiva da população de Lisboa e dos arredores que acabou na marcha
triunfal em direcção ao estádio da FNAT. Enquanto uma das equipas se deslocava
propositadamente à ilha da Madeira com a finalidade de recolher imagens das manifestações
da população madeirense junto do Palácio de São Lourenço […] onde se encontravam
Marcelo Caetano, Américo Tomás […], o Sindicato solicitava aos correspondentes da RTP em
vários pontos do País a sua colaboração para a recolha de material fílmico. […]. O material
filmado […] destina-se à execução de um filme colectivo que se propões a mostrar a alegria do
povo português não só no Primeiro de Maio mas desde a noite gloriosa do 25 de Abril, início
irreversível da queda do regime fascista.” (“Por um cinema livre”, Vida Mundial, 10/5/1974.
p. 34.).
Paralelamente à “alegria do povo português” as imagens do país escondido são agora
reveladas, por exemplo, através dos testemunhos de mulheres que, perante a câmara e as
perguntas insistentes de Glauber Rocha, descrevem os seus quotidianos familiares e as suas
carências em termos de habitação.
189 A Comissão consultiva funcionava junto da Cinemateca Nacional, tendo como elo ao

Ministério da Comunicação Social o director desta.


190 Informação N.º 1 da Comissão Consultiva – Cinemateca Nacional (Ministério da

Comunicação Social), [data manuscrita: Julho de 1974], p. 2. (Centro Documentação 25 de


Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa CIASC Central VII, Pasta CIASC Central, Doc. Recolhida II,
Cineclubes).

98
Ao Sector do Cinema coube, então, a responsabilidade de obter e seleccionar os
filmes a serem enviados para as Campanhas de Dinamização (ver anexo III), bem
como de comprar as máquinas de projecção191. Segundo Abílio José Vieira
Marques192, um dos coordenadores desta área, o convite para colaborar com a
CODICE inseria-se numa perspectiva de interpretação da imagem e não na sua
construção. Utilizando a metáfora da “libertação da palavra”, afirma que os
objectivos deste sector situavam-se no quadro da “educação para o diálogo e para a
discussão” através da imagem, onde a experiência do movimento cine-clubista, que
desde a II Guerra Mundial foi assumindo grande destaque no panorama
cinematográfico nacional (Granja, 2002; Henry, 2001), foi convocada:

O que se pode dizer da utilização de Las Hurdes ou de filmes como os mineiros da


Bolívia ou filmes da Colômbia que se escolheram para passar, não era para imitar
um modelo […] não havia nenhuma ideia de espelho através de um confronto com
uma realidade semelhante. Não era uma táctica de conquista, mas uma estratégia
de conhecimento, de tomada de conhecimento de consciencialização. Procurava-se
fazer despertar o sentir social, […] fazer despertar uma consciência de direitos.
(Vieira Marques, coordenador do sector de Cinema – CODICE)

Paradoxalmente, o Cinema, na perspectiva da construção da imagem, aproveitado


pelos regimes políticos e servidor de ideologias sobretudo na União Soviética e
posteriormente pelos regimes autoritários da Itália, da Alemanha e pelo Estado Novo
em Portugal (Torgal 2001), é preterido em favor da televisão. O programa ideológico
da Revolução requeria urgência e proximidade e, passado um ano do 25 de Abril de
1974, são vários os cineastas que tornam público o desmerecimento do Cinema por
parte do MFA. Eduardo Geada193 apresenta a sua critica nas páginas do Celulóide:

Porém se é verdade que os homens do M.F.A, aproveitando esta última


sugestão [a criação de Grupos de Animação Cinematográfica proposta pelo
Sindicato dos Trabalhadores do Filme], iniciaram em Outubro de 1974 uma

191 O sector do Cinema colaborou com diferentes embaixadas que cederam cópias de filmes
das quais se destacam França, Cuba, Holanda. Foram ainda adquiridos um conjunto de filmes
ao Animatógrafo Produção de Filmes. O Livro Branco da 5ª Divisão dá conta, ainda, da cooperação
com o Instituto Português do Cinema e com a Federação Portuguesa de Cinema e
Audiovisuais.
192 Entrevista gravada, 2001.
193 Este realizador é autor da reportagem A Revolução está na Ordem do Dia, que acompanha a

Campanha de Dinamização efectuada pela Academia Militar na região da Guarda em 1975.

99
monumental missão de esclarecimento político e apoio social às
populações da província, por meio das suas campanhas de dinamização
cultural – intensificadas a partir de Janeiro de 1975 – também é verdade
que, inexplicavelmente e uma vez mais, o cinema, como processo criador
de agitação e documentação foi esquecido.
Mas não foi esquecida a Televisão, cujas equipas, em circunstâncias por
vezes difíceis, acompanharam os oficiais e os soldados na sua tarefa
pacífica. […]
Se Lenine dizia que o cinema era de todas as artes [a] mais importante para
a Revolução é porque não dispunha de uma cadeia de televisão, parecem
insinuar os homens do M.F.A. cada vez mais inclinados a optar por um
dirigismo cultural que defenda os interesses da consolidação
democrática194.

A televisão parecia, assim, corresponder de forma imediata e eficaz aos objectivos e


ao ritmo de uma revolução urgente.

João Lopes também se associa a este movimento de crítica, afirmando num


depoimento à Vida Mundial que a “frente cultural não foi considerada […] prioritária
pelo MFA. Estou convencido de que os cineastas, como os pintores, os escritores,
todos os produtores artísticos têm um papel a desempenhar nesta revolução, como
parte integrante do aparelho de produção ideológica da revolução – que ainda não
existe”195. Ao mesmo tempo que reclama um “lugar” na revolução, este cineasta
afasta-se de uma via “didáctico-populista” para o Cinema.

Ao nível da exibição cinematográfica também são tecidas críticas oriundas de um dos


coordenadores do Sector do Cinema da CODICE. Para Vasco Granja196 o trabalho das
equipas de Dinamização parece insuficiente197. Autor da secção “Cinema Rural” da
revista Vida Rural publica nos meses de Julho a Setembro de 1975 um conjunto de
artigos que denunciam a fraca difusão do cinema em contexto rural, defendendo a

194 Eduardo Geada, 1975, “O Cinema Português e a Revolução”, Celulóide, N.º 212, Junho.
1975, pp. 7-8.
195 “Revolução – Ano I, Para onde vai a Cultura Portuguesa”, Vida Mundial, 8/05/1975, p. 31.
196 Segundo Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, Vasco Granja foi um dos colaboradores do

sector do Cimema até Fevereiro de 1975 (1984:151).


197 Vasco Granja, “Cinema Rural uma Arte Elitista?”, Vida Rural, 19/7/1975, pp. 28 e 33 e “As

Cinematecas Ambulantes”, Vida Rural, 06/09/1975, 25:26.

100
implementação de “cinematecas ambulantes”. Para Granja, o Cinema “tem uma
grande capacidade de mobilização revolucionária”, contudo defende que, para além
da abolição da censura, a situação da exibição cinematográfica não teve qualquer
modificação assinalável.

Contudo, importa referir que a 16 Junho de 1975 é nomeada uma chefia interina para
coordenar a Secção de Fotografia e Cinema do Centro de Esclarecimento e
Informação Pública da 5ª Divisão/EMGFA, cujo objectivo, entre outros, assentava na
realização de reportagens, filmes e slides para a dinamização cultural e outras
actividades das Forças Armadas. Esta nova estrutura procurava enquadrar um
trabalho já realizado nesta área, nomeadamente os programas televisivos do MFA
que vinham a ser transmitidos pela RTP desde Novembro de 1974198. Num relatório
de balanço da actividade desenvolvida nesta área, algumas das críticas erigidas
contra o papel da imagem no processo revolucionário parecem ter sido levadas em
conta pela 5ª Divisão/EMGFA:

A Fotografia e o Cinema, dadas as suas triplas funções formativa,


informativa e recreativa e a possibilidade das suas perspectivas culturais e
artísticas são veículos poderosos e instrumentos de intervenção directa que
poderão auxiliar nas funções atrás referidas, influenciando positivamente a
opção de parte do povo português conquistando-o em definitivo para a sua
Revolução.
Importa apenas que, dentro de uma estratégia geral, sejam correctamente
orientadas, planificadas e coordenadas as secções de Fotografia e Cinema
(Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:207).

Importa sublinhar que, se nas áreas do Teatro e das Artes Plásticas a colaboração com
a CODICE permitiu o desenvolvimento e experimentação de novas linguagens de
relacionamento com as populações, na área do Cinema o trabalho desenvolvido foi
mais contido, cingindo-se aos pressupostos iniciais do Programa de Dinamização
Cultural do MFA.

198 Segundo o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984:202) estes programas eram da
responsabilidade da 5ª Divisão/EMGFA e foram coordenados pelos então capitães Jorge
Alves (até Abril de 1975), Duran Clemente (CEIP, Centro de Esclarecimento e Informação
Pública) e Faria Paulino (CODICE) em articulação com a RTP cujos técnicos asseguravam a
sua montagem. De Novembro de 1974 a Agosto de 1975 foram realizados 28 programas.

101
A contemplação da Música pelo MFA é saudada por Mário Vieira de Carvalho, que
concebe o projecto da CODICE como um “plano de emergência” face ao “estado de
subdesenvolvimento cultural do País”199. Na sua perspectiva a Música poderia ajudar
numa tomada de consciência colectiva e, para tal, era forçoso que os diversos
organismos musicais, intérpretes e compositores se colocassem à disposição da
revolução. E foi em resposta ao apelo do MFA que José Afonso e Francisco Fanhais se
dirigiram à CODICE no sentido de colaborarem nas Campanhas, não tanto como
músicos, mas como “veículos de informação”:

Ouvimos falar nas Campanhas de Dinamização do MFA. Um dia telefona-me o


Zeca e diz: - E se colaborássemos nesta? Como é que era? Estás nessa? // - Então
não estou?// E fomos ter com o Faria Paulino. Fomos à 5ª Divisão que era ali na
Rua Castilho, no Edifico do Grão Pará. […] Pusemo-nos à disposição da 5ª
Divisão. O que é que nós podemos fazer? // - Vocês vão lá integrem-se, digam,
conversem com as pessoas, oiçam-nas.[…] Ali éramos […] veículos de informação,
pensando que com o nosso estatuto de artistas, entre aspas, fosse mais fácil de
veicular a mensagem. […] // Nós não estávamos ali para ir cantar um dia em cada
terra. Fomos mais disponíveis para o que viesse a acontecer. […] Estávamos assim
despertos para as coisas mas livres, libertos de qualquer compromisso de impor o
que quer que fosse da nossa categoria artística. […] // O nosso trabalho consistiu
em integrarmo-nos naquilo que as brigadas estavam a fazer […]. Ou por
deficiência nossa, ou porque as coisas tivessem um bocado compartimentadas, nós
tivemos pouca ligação às outras actividades que se estavam a desenrolar integradas
nessas brigadas. [… ]// Lembro-me de um militar que estava ligado à música e que
restaurou uma banda local e que nós, o Zeca e eu, assistimos à primeira exibição
dessa filarmónica. Foi um grande orgulho para a terra, nós estávamos num sítio a
ver a banda passar, literalmente a ver a banda passar. E eles passavam em baixo
todos orgulhosos com os seus instrumentos, com a sua música certinha e as
pessoas rejubilavam, como em todo lado rejubilam quando passa uma banda.
(Francisco Fanhais, músico)

Para além de um trabalho de descentralização musical, coadjuvado pela participação


activa de muitas instituições e músicos200 em concertos realizados por todo o país, a

199 Mário Vieira de Carvalho, 1974, “A Música na Sociedade Portuguesa”, Vida Mundial,
N.º1837, 28/11/1974, p. 54.
200 Nas Campanhas de Dinamização Cultural participaram muitas entidades tais como as

Orquestras Sinfónicas de Lisboa e do Porto, a Orquestra Gulbenkian, a Orquestra Sinfónica

102
agenda da CODICE contemplava um projecto de formação musical. Este sector
coordenou a intervenção das bandas militares201 num trabalho de motivação junto
das camadas mais jovens da população no sentido de evitar o desaparecimento das
bandas locais. Carlos Paredes, um dos coordenadores deste sector, preparava um
“imaginoso programa para a aprendizagem e divulgação da Música” em contexto
rural (Correia et al, s/d – a:94), que consistia na organização, em livro, de um novo
método para a aprendizagem da guitarra, com as posições desenhadas e ainda com a
indicação para os coros (Navarro,1976).

O Circo foi uma presença assídua nas Campanhas de Dinamização, cuja coordenação
foi da responsabilidade de Faria Paulino, elemento da CODICE pela Forças Aérea, e
de Teresa Ricou. Para além da preparação e coordenação dos espectáculos, este sector
de intervenção da CODICE apoiou, já na sua fase final, a fundação de uma
cooperativa de artistas circenses202, que “visava a criação de condições sociais e
culturais […] de modo a dignificar a vida dos artistas de circo” (Livro Branco da 5ª
Divisão 1974-75, 1984:152), tendo ainda promovido a criação de uma Escola de Circo.
A actividade circense é olhada pela primeira vez a nível oficial através da CODICE
que lhe reconhece uma forte capacidade dinamizadora que recupera para o seu
Programa de Dinamização Cultural. A linguagem do Circo era um veículo privilegiado
para a mensagem política, uma vez que a mímica permitia uma aproximação directa
à população analfabeta do país.

Teresa Ricou afirma que o Circo, ao integrar as Campanhas de Dinamização Cultural,


procurou ter uma função social assumindo uma mensagem política203.

Nacional e a Orquestra Filarmónica de Lisboa. O maestro Lopes Graça e o Coro da Academia


de Amadores de Música, o compositor Jorge Peixinho, Olga Prats, António Vitorino de
Almeida, Silva Pereira, Luís Cília, José Afonso, Francisco Fanhais, Manuel Freire, Brigada
Víctor Jara, Adriano Correia de Oliveira, entre outros, deram a sua contribuição ao Programa
de Dinamização Cultural.
201 Participaram a Banda da Marinha, a Banda da Força Aérea, Banda Militar “Alerta Está”;

conjunto musical “Boinas Verdes” e o grupo musical do 1.º Grupo de Comp. de


Administração Militar de Espinho.
202 É na última conferência de imprensa da CODICE, realizada a 22 de Novembro de 1975, que

é anunciada a criação da cooperativa Companhia do Grande Circo Popular (Diário de Notícias,


24/1/1974, p. 2) cuja estreia, prevista para o dia 29 do mesmo mês, foi cancelada devido aos
acontecimentos do 25 de Novembro de 1975. A par do circo, procurou-se ainda promover o
ensino e formação de teatro de fantoches (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:152).
203 Entrevista a gravada, 2002.

103
Com a cumplicidade com as outras áreas, Cinema, Artes Plásticas, eu da minha
parte levei uma coisa um bocadinho ousada, uma coisa um bocadinho pós-moderna
na altura. Enfim, a história de uma mulher … Primeiro eu enquanto mulher
assumia-me como mulher palhaço. Isso era uma coisa já ousada. Depois, o meu
discurso no espectáculo, no diálogo, era fora do comum. Eu tinha uma cultura
urbana, vinha de Paris por isso apresentava uma coisa diferente. Como considerá-
la, se pós-moderna, se vanguardista, se urbana, não sei. […]. Eu fazia passar a
mensagem [política], porque o circo só como circo não passaria. O circo sempre
andou de terra em terra. Eram as lantejoulas, era o brilho, era a luz e tudo
continuava na mesma. Mentira! Isto não está com luz, não está com brilho, gente!
(Teresa Ricou, coordenadora dos sector do circo – CODICE)

Já a actividade da área da Dança consistiu na divulgação de espectáculos em


articulação com algumas instituições que se dispuseram a colaborar com o MFA, tais
como o Grupo Gulbenkian de Bailado204 e o grupo de bailado Verde Gaio, não tendo
sido regida por nenhum plano especificamente elaborado para este sector.

A CODICE dispôs ainda de um sector de apoio literário, coordenado por Modesto


Navarro205, cujo trabalho residiu na elaboração de crónicas, artigos e reportagens
publicados nos diversos órgãos de comunicação social, na produção de bandas
desenhadas e pequenas histórias ilustradas. Em 1975 foi criada a colecção
“Realidades da Revolução”, que se destinava “a mostrar os pequenos-grandes
acontecimentos desta revolução. […] De uns e outros acontecimentos vamos tentar
captar exemplos que sirvam para ajudar a combater os inimigos das classes
trabalhadoras e da revolução socialista.”206.

204 A primeira colaboração realizou-se na Academia Militar em Novembro de 1974, onde


elementos do Grupo Gulbenkian dançaram excertos de Giselle, A Bela Adormecida, Quebra
Nozes, Petruchka e O Messias (Diário de Noticias 25/11/1974). Este grupo apresentou ainda as
seguintes obras: Hossana para um Tempo Novo de Armando Jorge, O Triunfo de Afrodite de
Milko Spanemblek e Inter-ruptos de Carlos Trincheiras. Diário Popular, 7/1/1975 e 24/1/1975.
205 Modesto Navarro assina em 1974 e 1975 um conjunto de artigos e reportagens no Diário de

Noticias, no Sempre Fixe, na Seara Nova e no Século Ilustrado, onde recolhe elementos relativos à
realidade sócio-económica do país, acompanhando algumas Campanhas de Dinamização.
Desta recolha resultou os livros de sua autoria Vida ou Morte no Distrito de Viseu, Gravar a
Aliança Povo-MFA (1976) e Perspectivas de Libertação no Nordeste Transmontano (1975).
206 CODICE, 1975, O fim de Duarte Pacheco em Vila Flor. (Arquivo Particular Ramiro Morgado).

104
Foram ainda publicados Textos de Apoio207 e Manuais de Medicina Preventiva208
para orientação das equipas de dinamização no terreno.

A CODICE procurou, ainda, constituir uma comissão para promover uma campanha
de alfabetização “que não se destinasse apenas a ensinar a ler mas sobretudo a
interpretar” (Correia et al, s/d-a: 93). Contudo, a falta de apoio estatal é invocada
para a não concretização desta dimensão da Dinamização Cultural.

Importa, ainda, sublinhar que o organigrama anexo ao Programa de Dinamização


Cultural contempla uma área indefinida denominada “Outras”, destinada a incluir
campos de intervenção não previstos inicialmente, mas que foram legitimados pela
experiência adquirida e pelas solicitações de alguns organismos do Estado. No
primeiro caso, insere-se a intervenção na área da Saúde e da Veterinária209 através da
inclusão nas equipas de dinamização de técnicos especializados que procederam ao
levantamento das principais necessidades das populações nestes domínios. No
âmbito da Saúde foram também constituídas equipas sanitárias que realizaram
consultas gratuitas às populações210.

No segundo caso insere-se a colaboração da CODICE com a Secretaria de Estado da


Emigração na realização de “missões”211 junto das comunidades de emigrantes

207 Visando a uniformização da “linguagem política” foram publicados 19 textos com 4 linhas
temáticas principais: reprodução de textos considerados fulcrais para o processo de transição
como os discursos de Vasco Gonçalves, comunicados do COPCON e do Conselho da
Revolução, resultados das Assembleias do MFA e respectiva análise da situação politica
nacional. As eleições para a Assembleia Constituinte e a interpretação dos seus resultados em
termos regionais constituem outro núcleo temático. Assuntos como “O que é a Politica” (com
definições de democracia, socialismo e comunismo) e a lei dos Baldios foram igualmente
contemplados nestes Textos de Apoio. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Associação 25
de Abril. Caixa Forças Armadas – 5ª Divisão. Pasta EMGFA, 5ª Divisão, Comissão
Dinamizadora Central e Fundo Comunicados e Panfletos, Caixa Forças Armadas EMGFA – 5ª
Divisão, Pasta EMGFA, 5ª Divisão, Comissão Dinamizadora Central).
208 No que concerne à intervenção na área da Saúde foi editada no ano de 1975 uma colecção

intitulada “Textos de Esclarecimento Popular” que incluía uma brochura das Brigadas de
Dinamização para a Saúde sobre higiene alimentar e corporal (Arquivo Histórico do
Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319.2).
209 Nesta área a CODICE contou com a colaboração da Escola do Serviço Veterinário Militar.
210 As primeiras campanhas realizadas na Guarda, Castelo Branco e Minho beneficiaram,

desde logo, do trabalho destes técnicos.


211 As primeiras sessões de esclarecimento junto das comunidades de emigrantes tiveram

lugar no final de Novembro de 1974. Para análise mais detalhada ver sub-capítulo 8.1. e
cronologia (anexo V).

105
portugueses na Europa numa tentativa de aproximar os emigrantes portugueses da
“revolução”, através de uma informação e esclarecimento de todo o processo.

Ainda no âmbito da colaboração da CODICE com alguns sectores do Estado, destaca-


se o trabalho com a Secretaria de Estado da Agricultura na Campanha de
Dinamização Agrícola, permitindo a primeira aproximação desta estrutura da 5ª
Divisão/EMGFA à questão da terra. Esta temática constitui uma das discussões
centrais da sociedade portuguesa212 nos meses subsequentes ao 25 de Abril de 1974
para a qual contribuíram diferentes cientistas sociais, agrónomos, políticos e
jornalistas. Na imprensa surgiram diferentes artigos sobre a reforma do mundo rural
partilhando uma linha de argumentação comum: o esquecimento e
“subdesenvolvimento” a que foi votada a sociedade rural portuguesa durante o
período das diataduras213. Também para a 5ª Divisão/EMGFA a reforma agrária
reveste-se de uma importância fulcral traduzida nas múltiplas abordagens que o
boletim Movimento fez desta temática214:

As questões relacionadas com a agricultura constituem neste País em


reconstrução, sem sombra de dúvida, um dos maiores problemas que o
Povo e os actuais governantes têm que enfrentar. E se noutros campos da
actividade económica as alterações têm de ser profundas e a resolução dos
problemas tem de ser atacada corajosamente, a gestão agrária exige para

212 Ao longo dos últimos 30 anos, a reforma agrária constitui um dossier fértil de pesquisa para
várias áreas disciplinares, do qual se destacam os trabalhos de Baptista (1978, 2001 e 2004);
Carvalho (1984); Barreto (1989; s/d); Barros (1981; 1986), Caldas (1978), Fernandes (1997a;
1997b; 2002; 2006).
213 Ver, por exemplo, artigo de Eugénio Castro Caldas intitulado “A sociologia rural deveria

condicionar as decisões para a acção no domínio agrícola”, Diário de Notícias, 1/10/1974, 7:8 e
de Afonso Praça publicado na Vida Mundial, 28/11/1974, 35:37 com o título “Estrutura
Agrária, A Reforma Tem Medo dos Latifúndios”. Sobre este assunto importa referir os
debates promovidos pelo Conselho Cultural da Especialidade de Engenharia Agronómica e
pelo Centro de Estudos de Economia Agrária da Fundação Calouste Gulbenkian sobre a
reforma da estrutura da sociedade rural portuguesa, nomeadamente sobre o projecto do
Decreto-lei de Arrendamento Rural durante o mês de Novembro de 1974. (Vida Mundial,
14/11/1974, 42:43; Sempre Fixe, 16/11/1974, p. 15). Sobre a política agrária no período
considerado ver ainda entrevista a Fernando Oliveira Baptista realizada por Freire e Rosas
(1998), Baptista (1978) e Freire (2002).
214 Ver Movimento Nºs 4 (12/11/1974, p. 3, 8), 5 (26/11/1974, pp. 3, 7), 7 (24/12/1974, pp. 8, 6),

8 (17/1/1975, pp. 3, 6), 9 (28/1/1975, pp. 4:5), 25 (14/8/1975, pp. 5:6) O boletim dá ainda a
conhecer experiências de outros países como é o caso da Argélia, com um artigo intitulado
“Argélia: o Triunfo da Revolução Agrária” (Movimento N.º 10, 11/2/1975, pp. 8, 6) e aborda a
questão agrária sobre o prisma do cooperativismo (Movimento Nº. 9, 28/1/1975, 4:5, N.º 14,
8/4/1975, p. 8 e N.º 15, 22 de Abril de 1975, p. 8).

106
além de coragem, o estudo profundo (que está por fazer) da realidade, em
ordem a um diagnóstico rigoroso que permita desencadear o processo de
uma verdadeira reforma agrária – todo um conjunto de elementos que até
ao momento ainda não apareceram à luz.
[…] O Governo Provisório inscreve no ponto 4 – Política Económica e
Financeira, que ao Governo Provisório compete a «dinamização da
agricultura e reforma gradual da estrutura agrária»
Chegou efectivamente o momento de olhar para a agricultura em Portugal
com vontade de começar a resolver alguns dos seus problemas215.

Inspirada na Dinamização Cultural do MFA216, é anunciada em Dezembro de 1974217


a Campanha de Dinamização Agrícola, tendo duração prevista até Março do ano
seguinte218. Foram constituídas comissões regionais que procuravam articular o seu
trabalho com as equipas das campanhas de dinamização promovidas pelo MFA.
Segundo o director-geral dos Serviços Agrícolas, o objectivo basilar desta iniciativa
consistia em:

[…] dar um contributo ao esclarecimento das populações rurais sobre as


medidas de política agrária já tomadas ou em curso, das quais pela
importância que têm na vida dos agricultores, se salientam o
arrendamento, os baldios, incultos subaproveitados, etc., bem como
recolher sugestões, anseios e necessidades das populações no sentido de
elaboração democrática de uma política verdadeiramente ao serviço das
camadas mais desfavorecidas219.

A 10 de Março de 1975, o Diário Popular220 contabiliza as sessões efectuadas desde o


início do ano (cerca de 241), tendo as equipas de dinamização agrícola colaborado
com o MFA nas campanhas de dinamização entretanto realizadas, visando o
esclarecimento sobre o conjunto de medidas governamentais preconizadas para este
sector.

215 Movimento Nº 4, 12/11/1974, p. 3.


216 Segundo declarações do director-geral dos Serviços Agrícola citadas pela Vida Rural,
25/1/1975, p. 19.
217 Vida Rural, 21/12/1974, p. 5.
218 Foram definidos como prioritários os distritos de Braga, Bragança, Castelo Branco, Guarda,

Viseu, Viana do Castelo e Vila Real. (Vida Rural, 21/12/1974, p. 5).


219 Vida Rural, 25/1/1975, p. 19.
220 Diário Popular, 10/3/1975, p. 14.

107
Na altura os instrumentos legislativos eram diários. Era um caudal vertiginoso.
Era um caudal de tratamento, mas a sua transplantação, a capacidade de aplicação,
a agilidade da estrutura não existia. E depois havia a estrutura legal, e como as
estruturas intermédias elas próprias não tinham sido modificadas e, por
conseguinte, tinham pouca capacidade para actuar neste sentido, nós actuávamos
aí. […] Por exemplo, saiu a primeira lei que defendia os rendeiros. O rendeiro era
uma figura jurídica que não existia, existia apenas no contrato pessoal, era um
ajuste pessoal e que a todo o momento, sem qualquer defesa, o dono da terra podia
suspender. E nós, tinha saído a lei há pouco tempo e nós fomos postos perante a
situação na chamada zona de Penha Garcia, uma área muito grande dois mil e tal
hectares pertence ao chamado Conde de Penha Garcia e na altura punham-se os
problemas sobre a legalidade dessa situação, onde umas dezenas de rendeiros
estavam a ser expulsos, como dantes. E nós fomos lá. É claro nós não podíamos
substituir o poder ou o governo instituído, porque havia um governo provisório,
mas rapidamente o nosso papel foi: sim senhor, há este problema então vamos ver.
[…] E então começámos a actuar não só em termos de falar com as pessoas
normalmente como se tem qualquer conversa, o mais informal possível ou resolver
problemas locais que às vezes eram complicados, mas bastava um colóquio ou já até
criar as condições para que determinadas figuras legislativas ou um novo quadro
legal fosse de facto respeitado. (Manuel Madeira, Aspirante; Engenheiro
Agrónomo; CODICE – Gabinete de Apoio Técnico - Departamento
Agricultura)

Segundo Fernando Oliveira Baptista (2001:196), durante os primeiros governos


provisórios, as iniciativas de política agrária que tiveram maiores consequências nas
zonas de agricultura familiar foram a política de preços221, com impacto directo logo

221Sobre as consequências da política de preços junto dos agricultores ver Carvalho (1984).
Neste estudo, Agostinho Carvalho procedeu à análise da evolução dos preços dos principais
factores de produção (adubos, rações para animais e gasóleo) e de seis produtos agrícolas com
grande relevância no Centro e Norte do país (vinho, leite, batata, carne de bovino, material
lenhoso e resina) nos anos de 1974 e 1975, concluindo: “A política de preços praticada entre
Maio de 1974 e Agosto de 1975 conduziu na quase totalidade dos produtos estudados, […], a
uma diminuição das receitas monetárias originadas nas explorações dos pequenos e médios
agricultores da região a Norte do Tejo, comparativamente às que tinham obtido em 1973.”.
(1984:198). O descontentamento dos agricultores face à quebra de rendimentos obtidos é
manifestado nas sessões de esclarecimento. Neste sentido, atente-se às preocupações de um
agricultor e às palavras de um elemento do MFA numa sessão realizada na Casa do Povo de
Macedo de Cavaleiros a 10 de Janeiro de 1975, no âmbito da Operação Nortada:
“– Um médio lavrador, deixe-me dizer-lhe que é que traz mais de metade do país em pé,
porque trabalha às vezes desde das quatro da manhã até à meia noite, sempre a labutar e não

108
no ano subsequente ao 25 de Abril de 1974 e a elaboração de um diploma legal sobre
o arrendamento rural, que viria a ser promulgado já com o IV Governo Provisório em
funções.

Note-se que a Agricultura, Veterinária e Saúde constituirão áreas que a CODICE


continuará a privilegiar na sequência da sua reestruturação, sendo criado, como se
verá, um Gabinete de Apoio Técnico no âmbito do novo objectivo delineado: a Acção
Cívica.

7.1. | A Acção Cívica

No dia 8 de Março de 1975, Ramiro Correia revela uma viragem na orientação que as
Campanhas de Dinamização Cultural tinham tomado até ali:

O primeiro objectivo visado pelas Comissões Dinamizadoras das Forças


Armadas está praticamente terminado. Nesta primeira fase, que
consideramos mutuamente muito proveitosa, pretendemos sobretudo levar
a voz da revolução até ao mais remoto canto de Portugal.
A segunda fase, que vamos iniciar será caracterizada por uma caminhada
de acção cívica das Forças Armadas. Todos os anos são incorporados
elementos técnicos de vários sectores: médicos, economistas, agrónomos,
veterinários, regentes agrícolas, etc. Todos estes elementos terão um papel

tem abono de família, nem qualquer protecção nenhuma. Ainda agora se debate o problema
da azeitona, que não tem muitas vezes onde meter o azeite, porque não tem, colhe pouco, e
não lhe vale a pena onde meter, e não há quem lhe compre a azeitona. […] portanto esse
médio lavrador aqui de Trás-os–Montes e da região de Bragança estamos ainda quase todos
com as batatas em casa, mandamos para o Porto cartas a dizer para as comprar e dizem que
as não querem por preço nenhum. De forma, há um grande problema que é a lavoura de
Trás-os-Montes, e aqui todos nós de Macedo de Cavaleiros nos estamos a debater. […]
- Na realidade, os seus problemas são os problemas da maioria do povo português, povo
agricultor. Não há dúvida nenhuma que há especulações, há tentativa de levar o médio
agricultor, o que trabalha a terra, aquele que realmente produz a ficar numa situação de
desvantagem. Posso-lhe dizer que o Boletim do Movimento, o jornal que sai de vez em
quando, por isso com uma sequência quinzenal […] refere medidas no combate à especulação
e à alta do custo de vida. Pergunta-me o senhor, naturalmente está a fazer uma nova
pergunta, então se o Governo no Boletim até já decretou medidas contra a inflação, contra a
alta do custo de vida, contra vamos lá … Então pergunta, porque não melhorou? Exactamente
porque o canal económico nacional neste momento, ainda é um canal económico capitalista, é
um canal económico que não está de maneira nenhuma orientado produtor-consumidor.”
(RDP - Arquivo Histórico, AHD 5251, faixa 5, 10/01/1975).

109
importante a desempenhar nesta segunda fase da campanhas de
esclarecimento, mas então dentro de uma óptica de maior definição política
no sentido de mobilizar os portugueses na construção da sociedade que
todos nós queremos222.

Contudo, as alterações preconizadas são precipitadas com o 11 de Março de 1975.


Esta data marca a última e mais conturbada etapa do processo de transição
democrática português, onde se assiste ao confronto entre as diferentes facções do
MFA e os respectivos blocos político-sociais que as apoiam (Rezola, 2002:186),
desencadeando a então discutida institucionalização do MFA, sendo criado o
Conselho da Revolução através da Lei 5/75, de 14 de Março223.

No que concerne às Campanhas de Dinamização Cultural, esta tentativa falhada de


golpe militar224 protagonizada pelo sector da direita com o apoio de António de
Spínola, propícia um reforço desta acção do MFA225, apoiada pelo seu sector
gonçalvista que, na óptica de Reis (1992:40), saiu beneficiado com este acontecimento.
Este historiador, numa obra datada de 1994, reforça esta ideia afirmando que “O
caminho estava doravante aberto aos sectores mais radicais do MFA, que assim viam
justificadas as suas opções por uma maior firmeza revolucionária e pela necessidade
de converter o MFA no motor de todo o processo” (1994:29). No mesmo sentido,

222 Entrevista à ANI publicada no Diário de Notícias, 8/3/1975, p. 9.


223 Segundo Rezola o Conselho da Revolução ”herdando as competências anteriormente
atribuídas à Junta de Salvação Nacional, ao Conselho de Estado e ao Conselho dos Chefes
Estados-Maiores das Forças Armadas, e enquanto órgão representativo do MFA, passa a
ocupar um lugar de destaque na estrutura constitucional revolucionária” (2002:46). Sobre este
assunto ver da mesma autora O Processo de Transição para a Democracia em Portugal e o Conselho
da Revolução, Tese Doutoramento, FCSH-UNL, Lisboa, 2003.
224 Correia Jesuíno, na época Ministro da Comunicação Social, afirma no dia subsequente ao

11 de Março: “Eu queria acentuar, desde já, de que não se tratou de um golpe militar
representativo ou sintomático de divisões profundas que existam no seio das Forças Armadas
e em que, portanto, um grupo muito significativo de elementos das Forças Armadas se
opusesse aos Movimento das Forças Armadas e ao programa em curso.
O golpe foi desencadeado por um grupo minoritário perfeitamente localizado. […]
O povo português mais uma vez sobe dar uma lição de civismo de que nos orgulhamos.
Portanto, sob um duplo aspecto da vigilância e do civismo, o povo contribui, decisivamente,
para que o dia 11 de Março fosse um dia de vitória para o MFA. E foi uma derrota para todas
as tentativas contra-revolucionárias.” (Diário de Notícias, 13/3/1975, p. 8). Sobre este assunto
ver Reis (1994: 11-12; 1992:38-40).
225 Segundo o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, a derrota “da ala conservadora/spinolista, a

11 de Março, parecia abrir perspectivas favoráveis, a nível do poder político-militar, para a


imediata conversão das campanhas de dinamização cultural em autênticas campanhas de
Acção Cívica de apoio material e directo às populações.” (1984:109).

110
Correia et al (s/d-b) sublinha que o MFA a partir do 11 de Março “define-se
ideologicamente […], como movimento militar não partidário aliado das classes
trabalhadoras na construção do socialismo” (s/d-b:134).

Os acontecimentos do 11 de Março de 1975 mereceram um amplo esclarecimento do


Ministro da Comunicação Social Correia Jesuíno que, logo no dia 12, realiza uma
conferência de imprensa onde apresenta uma nova dimensão da Dinamização
Cultural226 - a Acção Cívica – fundamentada em Correia et al (s/d-a) pelas
experiências das acções anteriores fazendo-se a apologia das campanhas de longa
permanência caracterizadas pela fixação de meios técnicos e culturais:

Entretanto, o tempo para a explicação do que fora o 25 de Abril, é


rapidamente ultrapassado, tal a dinâmica que caracterizou este período do
processo de transformação. Largos sectores da população fazem a sua
opção, tornando difícil aos militares manterem-se em campanhas apenas
com acções verbais e pouca capacidade de concretização. O aparecimento
de uma nova fase – dinamização cultural e acção cívica – reflecte a urgência
que se sentia em consolidar o que fora dito, com acção práticas,
movimentando o enorme potencial humano e material das Forças
Armadas, tornando rentável a sua utilização, arrastando ainda a pesada
máquina do Estado, através da pressão que os militares exerciam no
terreno pelo exemplo, e criando necessidades, em muitos sectores
tradicionalmente imobilistas (s/d-a: 53).

Na mesma obra é, ainda, defendido que este novo modelo “seria a via mais correcta
para uma ligação Povo-MFA” e que proporcionaria “o surgimento dos embriões da
organização popular” (Correia et al s/d-a: 59) através da criação das Comissões de
Aldeia, de Bairro e de Moradores227.

226 Neste sentido Correia Jesuíno afirma: “Foi decidido intensificar a acção cívica das Forças

Armadas. Este ponto relaciona-se com as nossas Campanhas de Dinamização Cultural, tendo
chegado à conclusão de que estão, realmente a resultar muito benéficas. Estão a resultar numa
acção muito positiva de esclarecimento das populações e devem, inclusivamente, ser
alargadas no sentido de uma acção cívica, portanto, de uma ajuda real às populações” (Diário
de Notícias, 13/3/1975, p. 8).
227 A constituição destas comissões será enquadrada, como se verá, pelo Documento-Guia Povo-

MFA aprovado em Julho de 1975 na Assembleia do MFA (AMFA) que procurava estabelecer
formas de democracia directa, instaurando um projecto de poder popular.

111
Esta “mudança de rumo”228 (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984: 109) é
formalizada dias mais tarde num outro acto público, agora promovido pela CODICE,
onde paralelamente se anuncia a campanha “Beira Alta”229, a primeira a testar o novo
modelo de actuação. As palavras de Ramiro Correia, agora membro do Conselho da
Revolução, alicerçam-se no desvelar de um país até então desconhecido:

Como sabem nós começámos em Outubro as nossas Campanhas de


Dinamização Cultural e esclarecimento cívico da população. Achámos que
era fundamental essa acção junto da população por motivos vários: por um
lado porque nós, efectivamente, não conhecíamos bem o País que
tínhamos, não nos deixavam conhecer o País e, portanto, não se pode fazer
uma revolução em país nenhum quando não se conhece a realidade desse
país; em segundo lugar, e devido a razões várias, nós sabemos que a
população portuguesa vivia muito afastada dos acontecimentos que se
passavam em Portugal e era preciso chegar a todos os pontos e levar uma
voz para dizer que era preciso que todos os portugueses participassem na
construção do País; por outro lado, também era necessário que a sigla
MFA-Povo, a união MFA-Povo passasse de palavras para actos e nós
pudéssemos evitar que, em qualquer circunstância, a vida portuguesa, todo
um futuro de um povo pudesse ser resolvido num gabinete, num golpe
dito militar, sem a participação directa das massas populares […]230.

Contudo, só em Maio de 1975231, é que o Movimento232 publica um documento de


estudo intitulado “Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos”, o qual anuncia a
reformulação da CODICE, que se dota de mais valências, potencia os meios
disponibilizados pelas Forças Armadas, amplia e fortalece o seu campo de

228 Diferentes jornais nacionais dão conta desta nova proposta da CODICE. O Diário de
Notícias, que chama este assunto para primeira página, coloca a tónica na reconstrução
nacional e no desejo do MFA em construir “um regime em plena liberdade” (18/3/1975, p. 1).
Já no Diário Popular o destaque vai para a disponibilização dos meios das Forças Armadas à
“sociedade portuguesa” (17/3/1975, p. 20).
229 Sobre esta acção ver capítulo seguinte.
230 Diário Popular, 17/3/1975, p. 20.
231 O anúncio do reforço da “Acção Cívica” nesta data prende-se com a preparação e

realização das eleições para a Assembleia Constituinte a 25 de Abril de 1975.


232 Movimento N.º 18, 20/5/19975, pp. 4 e 6. Importa referir que o mesmo texto encontra-se

reproduzido em Correia et al (s/d – a: 76-80) e no Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75: (1984:109-


112) com a data de 12 de Maio de 1975.

112
intervenção, medidas corporificadas numa nova estrutura denominada “Acção
Cívica”, enquadrada ideologicamente pela antítese Socialismo/Capitalismo:

A fim de harmonizar um esclarecimento cívico com a dinamização cultural


e simultaneamente solucionar algumas carências mais prementes da
população criou-se uma estrutura capaz de utilizar os meios das FA’s,
surgindo assim um terceiro factor que é a Acção Cívica.
Na verdade, existem necessidades básicas que não se compadecem de
longos planeamentos, como a falta de estradas, de água, de saneamentos,
de electrificação, a falta de organismos capazes de darem respostas ao nível
concelhio, a falta de comissões populares e muitas outras associações que
num ou noutro sector poderiam através de uma tomada de consciência
colectiva ajudar a dar sequencia às reformas Governamentais.
Num país que caminha para o Socialismo a atitude do povo terá que
reflectir uma opção. Não poderemos prolongar o conformismo de fazer
uma Revolução beneficiando dos confortos do capitalismo. Por outras
palavras torna-se necessário que os nossos técnicos, o nosso pessoal se
regionalize, abandonando os centros urbanos e inicie a caminhada até às
aldeias.
A Acção Cívica não é mais do que a resultante de experiência acumulada
no terreno, pelos técnicos militares que vão chegando onde quer que se
tornem necessários, tornando assim produtivos e criadores os meios
humanos e materiais de que dispõem233.

Neste sentido foram criados vários gabinetes: o Gabinete de Apoio Técnico, o


Gabinete de Apoio à Dinamização Cultural, Gabinete de Apoio à emigração e
relações com os novos países africanos, Gabinete de Coordenação da Informação,
Esclarecimento e meios de comunicação e por fim o Gabinete de Organização das
Campanhas. Estabelecendo a analogia com o organigrama anexo ao Programa de
Dinamização Cultural (ver organigrama 1) é possível verificar que a nova organização
centra-se no aparelho militar do MFA, abandonando a coordenação partilhada com
alguns organismos do Estado (como o Ministério da Comunicação Social e a
Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos), esbatendo-se também a
independência dos diferentes sectores culturais bem com a subalternização da sua

233 Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 4.

113
actividade. Procurava-se, desta forma, uma autonomia de acção através da criação de
uma estrutura intermédia que encaminharia as situações detectadas nas diferentes
localidades do país para os ministérios respectivos. A grande tónica é agora colocada,
como se verá, na colaboração e articulação com alguns organismos do Estado.

Esta nova estrutura espelha uma atitude mais pragmática corporificada na


constituição dos diferentes gabinetes, revestindo-se de importância fulcral o Gabinete
de Apoio Técnico. Este era constituído por diferentes departamentos (Agricultura,
Pescas, Economia, Engenharia, Saúde, estando ainda prevista a intervenção na área
da Justiça) responsáveis pelo estudo dos relatórios oriundos das diferentes
Comissões Dinamizadoras existentes em todas as regiões militares e pelo
encaminhamento para os Ministérios respectivos, fazendo ainda a articulação em
sentido inverso, isto é, informando todos os militares sobre as reformas e legislação
governamental e dotando-os de apoio logístico ou técnico.

Com a Reforma Agrária na agenda do MFA, o Departamento de Agricultura deu


continuidade ao trabalho já desenvolvido nesta área pela CODICE, procurando
preparar e esclarecer as populações para um pacote legislativo que enformava a nova
política agrária para as zonas de agricultura familiar situadas no Norte e no Centro
do país. Em colaboração com o Instituto de Reorganização Agrária (IRA) e com o
Serviço de Apoio ao Desenvolvimento Agrário (SADA)234, o trabalho deste
departamento reflectia, assim, a politica do IV Governo Provisório preocupado em
“melhorar a situação económica da agricultura familiar e possibilitar-lhe uma maior
autonomia face aos detentores dos patrimónios fundiários, que tradicionalmente
detinham o controlo do quadro institucional e as posições preponderantes na
regulação da vida económica, a nível local” (Baptista, 2001:197), procurando inverter
o descontentamento que a política de preços tinha despoletado. Neste sentido, o
trabalho das equipas de dinamização centrou-se em torno das seguintes medidas:
apoio às cooperativas agrícolas e extinção dos grémios da lavoura, intervenção ao
nível da comercialização de produtos agrícolas e gados, extinção de foros e
devolução dos baldios às populações, lei do arrendamento rural, lançamento do
Crédito Agrícola de Emergência, implementação de seguro das culturas e gados,

234“Resumo das Actividades Concretizadas no Sector de Apoio Técnico”, cit in Correia et al,
(s/d-a:245).

114
introdução do sistema de segurança social, informação e esclarecimento dos
agricultores e apoio à organização de associações que os representassem235. No
âmbito da Reforma Agrária assinalou-se, ainda, a indispensabilidade da construção
de infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento das zonas rurais (Correia et al,
s/d-a: 168-169). Na óptica de Manuel Carlos Silva e Marga von Toor, estas medidas
eram objectivamente favoráveis aos camponeses que “fazendo pouco ou nulo uso
destas possibilidades legais, acabariam praticamente por não extrair daí qualquer
benefício.” (1988: 52).

A actividade deste departamento adquiriu maior relevância durante a campanha


“Maio-Nordeste”236, alicerçada num trabalho preparatório de levantamento e
caracterização sócio-económica, política e religiosa da região onde se viria a
desenvolver a esta acção: o distrito de Bragança.

De facto, a Reforma Agrária interpelava de forma distinta as explorações familiares


do Norte e Centro do país e os latifúndios do Sul, o que se traduziu na própria
actuação do MFA, não só no plano retórico, mas também ao nível das intervenções e
apoios fornecidos no quadro deste processo. Apesar de se ter realizado uma
campanha de dinamização de pequena dimensão em três concelhos do Algarve,
denominada Operação Povo Culto 237, a Sul a intervenção da CODICE caracterizou-se
sobretudo pela realização de sessões de esclarecimento. Contudo, esteve prevista
uma campanha de dinamização para o Alentejo que viria a ser cancelada com o 25 de
Novembro de 1975. Segundo Correia et al (s/d-a) esta campanha destinava-se “não
só a garantir as sementes e adubos às Cooperativas Agrícolas, mas também fornecer-
lhes técnicos de contas, agrónomos e meios de engenharia civil para o levantamento
de barragens de terra (s/d-a: 68).

A diferente estratégia de actuação do MFA face às regiões do país com estruturas


agrárias distintas é notada por Barreto (s/d) que, ao abordar a relação dos militares
com a Reforma Agrária, alude à Dinamização Cultural do MFA afirmando:

235 No Movimento Nº. 25 (14/8/1975, pp. 5-6) é publicado um artigo intitulado “A Agricultura
no Norte do País” onde estas medidas são apresentadas. Para análise detalhada ver Baptista
(2001: 197-207).
236 Para análise detalhada ver próximo capítulo.
237 Sobre esta acção ver capítulo seguinte.

115
No Norte e no Centro são campanhas de grandes dimensões, envolvendo
centenas de pessoas durante vários dias. Nas regiões rurais do Sul e no
Alentejo, onde os partidos de esquerda e os sindicatos são bem mais fortes,
as campanhas são mais modestas: dispensam os blindados, não têm o
mesmo cenário guerreiro que tinham no norte e traduzem-se geralmente
em «sessões de esclarecimento» efectuadas conjuntamente com civis. […]
A convicção de que os camponeses do Norte e do Centro não se sentiam
muito atraídos pelas ideias revolucionárias foi também um encorajamento
para os militares. Os seus aliados de esquerda rejubilaram: uma
aproximação política directa, nessas regiões, teria sido talvez mais difícil.
No Sul, o caso era bem diferente e o MFA esteve politicamente menos
presente, isto é, menos activo em «campanhas de dinamização» (s/d: 275 e
278).

Já as referências ao trabalho do Departamento de Pescas238 são muito ténues. No


documento de estudo “Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos” e em Correia et
al (s/d-a:245) é mencionado, contudo, o apoio a este sector no sentido de promover a
organização dos pescadores em cooperativas239. Outro dos departamentos
implementados pela CODICE, o Departamento de Economia, procurava uma
colaboração estreita com a Secretaria de Estado do Planeamento dos Recursos
Humanos para o apoio ao Plano Nacional de Emprego, através da criação de
comissões regionais de emprego240.

238 Em algumas fontes consultadas (Correia et al, s/d-a), o Gabinete de Pescas encontra-se
associado ao de Agricultura, não sendo considerado um gabinete autónomo.
239 Dentro desta área foi, ainda, desenvolvido o “projecto da rede nacional de frio” que visava,

segundo Manuel Begonha, a criação de “armazéns frigoríficos no litoral, onde se iam guardar
as coisas trazidas do litorsl, e no interior o peixe era distribuído e o mesmo relativamente aos
Açores” (Entrevista gravada 2000).
240 Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 4. Em Abril de 1975 surge o Dec.-lei 203-C/75 (Morais &

Violante, 1986) que aprova as bases gerais dos programas de medidas económicas de
emergência no qual se inclui não só o Programa Nacional de Emprego, mas também o
Programa de preços de bens alimentares essenciais, o Programa de Reforma Agrária, o
Programa de controlo dos sectores básicos industriais e o Programa de Transportes e
Comunicações”.
Num comunicado à imprensa da Comissão Executiva Permanente do Programa Nacional de
Emprego, onde são apresentados um conjunto de empreendimentos que visam a criação de
34000 postos de trabalho, é nítida a critica à burocracia e “inércia” do aparelho de Estado no
sentido da concretização destes projectos (Comissão Executiva Permanente-Programa
Nacional de Emprego, s/d [1975}, Comunicado à Imprensa, p. 4, Arquivo particular de Manuel

116
No âmbito da “Acção Cívica” foram sendo realizadas algumas acções na área da
Engenharia e da Saúde, destacando-se, ainda, o início da colaboração da CODICE
com a Direcção-Geral dos Desportos241:

Assim a Engenharia Militar já abriu juntamente com a população estradas


em Sesimbra, no distrito da Guarda, onde trabalha neste momento, fez
levantamentos em Castelo Branco, Viseu e Bragança. Evidentemente em
articulação com o Ministério da Administração Interna e Junta Autónoma
das Estradas, se irão concretizar a curto prazo os levantamentos
efectuados. […]
Decorre neste momento uma campanha no distrito de Viseu onde se
utilizam máquinas dos Serviços Florestais, para resolver pequenos
problemas como a abertura de caminhos, etc. Planeia-se ainda uma
operação no distrito de Bragança, onde se procurará adaptar terrenos para
práticas desportivas no âmbito da colaboração com o ENDO242, para além
da abertura de estradas e saneamento.
No que se refere ao Departamento de Saúde foi efectuada uma experiência
de medicina preventiva e ambulatória com 18 médicos e enfermeiros
militares no distrito de Viseu […]. A sua acção destina-se também a
dinamizar e apoiar os serviços de saúde locais243.

Note-se que a actividade das áreas da Engenharia e Saúde foram marcantes para as
populações que delas beneficiaram, sendo enfatizada no seu discurso actual sobre a
Dinamização Cultural. No campo da Engenharia foram construídas acessibilidades

Madeira). É neste contexto que surge a parceria com a CODICE, através do Departamento de
Economia, procurando agilizar as Comissões Regionais de Emprego.
241 A colaboração da Direcção-Geral dos Desportos será notória na campanha “Maio-

Nordeste” realizada no distrito de Bragança.


242 O Encontro Nacional do Desporto (ENDO), que teve lugar em Lisboa entre os dias 6 e 9 de

Março de 1975 por iniciativa da Direcção-geral dos Desportos, procurou repensar as


finalidades do desporto no contexto da transição democrática portuguesa. Segundo entrevista
aos membros da Comissão Executiva do ENDO, esta iniciativa tinha como objectivos
imediatos: “1 – Promover o debate de ideias em torno de uma nova definição de desporto; 2 –
Desmistificar o desporto que não deve estar ao serviço de políticas de fachada ou minorias,
mas antes passar a ser um direito pessoal e colectivo das populações; 3 – Desenvolver e
conjugar esforços que permitam promover uma renovação desportiva de acordo com os
condicionalismos do momento; 4 – Mobilizar toda a estrutura já existente e dinamiza-la no
sentido da sua própria renovação; 5 – Fazer com que o Encontro Nacional do Desporto
Português seja um encontro de portugueses através do desporto.” (Desportos. Revista da
Direcção-Geral dos Desportos, N.º 1, Março 1975, 35.36).
243 Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 4.

117
(estradas, caminhos, pontes), recintos desportivos, tendo-se promovido o saneamento
básico e a electrificação de algumas localidades. Segundo Correia et al (s/d-a:245), os
distritos onde estas acções foram mais manifestas foram Bragança, Viseu, Castelo
Branco, Guarda, Lisboa, Setúbal e Faro.

Foto 1 | Covelo de Paiva, 1975. Anotações de Cruz Fernandes no âmbito do projecto de electrificação do concelho de
Castro Daire (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes).

A intervenção na área da Saúde constituiu uma das tarefas preferenciais da CODICE


desde o começo da sua actividade, enquadrada num contexto político marcado por
um conjunto de reestruturações neste sector, constituindo o Serviço Nacional de
Saúde e Sistema de Segurança Social duas grandes promessas da agenda
revolucionária244. Neste sentido, as medidas políticas adoptadas procuravam
promover uma saúde de proximidade, alargando a rede de assistência médico-
sanitária a todo o país, dando continuidade a projectos iniciados no marcelismo.

A actividade do Departamento de Saúde da CODICE encontra-se descrita num dos


documentos que constitui o anexo da obra MFA, Dinamização Cultural e Acção Cívica

244Sobre as políticas de Saúde em Portugal durante o período em análise ver Carapinheiro &
Pinto (1987).

118
(s/d-a), onde se procede, também, a uma breve análise de alguns aspectos do sistema
de saúde em Portugal:

Através das suas Campanhas de Dinamização e Acção Cívica tem a


CODICE sentido bem de perto a grave situação em que se encontra a
assistência médica em grande parte do País.
Apesar de existirem a nível Concelhio um mínimo de estruturas materiais
(Centro de Saúde, Hospital Concelhio, Postos Clínicos da Previdência e
Casas do Povo), a verdade é que estes se encontram em condições de
subaproveitamento em virtude de não existirem os trabalhadores da saúde
indispensáveis ao seu bom funcionamento.
A dimensão do problema não permite a sua solução apenas com meios
humanos militares, pelo que a nossa colaboração deve orientar-se
fundamentalmente para a concretização das medidas revolucionárias que
se torna indispensável emitir neste sector.
Apesar de ter sido já emitida legislação tendente à integração dos Serviços
de Saúde, medida indispensável à criação do Serviço Nacional de Saúde, a
verdade é que dinâmica de tal processo esbarra constantemente nos
condicionalismos já referidos e em interesses particulares, não se tendo
verificado por tal motivo qualquer alteração significativa na orientação da
maioria dos Serviços.
Continuam pois em más condições de assistência médica a generalidade os
portugueses enquanto grande parte dos pequenos e médios agricultores
continuam mesmo sem direito a qualquer tipo de assistência médica e
medicamentosa […]245 .

245“Estado Maior General das Forças Armadas, 5ª Divisão, Dinamização Cultural – Acção
Cívica, Sector da Saúde” cit in Correia et al (s/d-a:235). Neste sentido foram consideradas
urgentes as seguintes medidas: “1.º – Adopção de medidas revolucionárias, que garantam o
direito a todos os portugueses, a assistência médica e medicamentosa e a segurança social. 2.º
– Adopção de um critério de contribuição para o funcionamento da saúde, que faça pagar aos
que estão em condições de o fazer. 3.º – Criação das Administrações Distritais de Saúde, de
acordo com a legislação recentemente emitida, às quais competirá a requisição de técnicos de
saúde (médicos, enfermeiros, etc.) e os meios materiais, ao Poder Central (Secretaria de
Estado da Saúde). 4.º – Dar capacidade à Secretaria de Estado da Saúde para recorrer à
mobilização civil de trabalhadores da saúde, com vista a satisfazer os pedidos das
Administrações distritais. 5.º – Nacionalização dos hospitais das Misericórdias como mediada
indispensável à integração dos Serviços de Saúde a nível concelhio. 6.º- Nacionalização da
Indústria Farmacêutica.” (“Estado-Maior-General das Forças Armadas, 5ª Divisão,
Dinamização Cultural - Acção Cívica, Sector da Saúde” cit in Correia et al, s/d-a: 235-236).

119
Assim, a CODICE, potenciando a sua estrutura organizativa, procurou fortalecer a
intervenção neste domínio, tendo as equipas de médicos e enfermeiros246 levado a
cabo campanhas de medicina preventiva e curativa, dotando alguns hospitais de
meios técnicos e humanos, destacando-se o trabalho realizado em Sernancelhe,
Penedono e São Pedro do Sul no âmbito campanha realizada no distrito de Viseu247.

Fernando Leitão, aspirante médico, ao descrever os objectivos e o trabalho destas


equipas, alude ao confronto com uma realidade encenada:

No meu caso específico [as Campanhas de Dinamização] serviram para fazer um


levantamento, dentro da medida do possível, da situação médica e, sobretudo,
sanitária de algumas zonas do país mais afastadas, nomeadamente do interior, e
viemos constatar que muitas coisas que estavam escritas, nomeadamente
vacinações, não eram feitas. Previam-se, diziam-se que tinham sido feitas e, depois,
nós localmente constatávamos que isso não tinha acontecido. Fizemos vacinações
em massa em sítios mais recônditos. Posso-me lembrar de Castro Daire e no
distrito de Bragança também. Disso demos conhecimento ao pai do actual
Presidente da República, que era o Director-geral de Saúde na altura. Fui eu
próprio que dei conhecimento que, de facto, havia situações graves, porque o
conhecimento que existia ao nível da Direcção-geral da Saúde é que tinham sido
feitas essas vacinações, porque eram feitas nas sedes de concelho e, depois, nas
aldeias mais distantes não havia visitas de saúde pública. Não havia nada de nada.
// Este trabalho serviu também para fazer o recenseamento dos deficientes das
Forças Armadas que não estavam referenciados como tal, nem sequer recebiam
pensões, e isso foi feito. // E foi este o objectivo primordial, fazer uma auscultação e
talvez até, depois, mais tarde o Serviço Médico à Periferia248 se tenha baseado nesse
nosso trabalho inicial. (Fernando Leitão, Aspirante-médico. CODICE –
Gabinete de Apoio Técnico – Departamento Saúde)

Para além do Gabinete de Apoio Técnico e respectivos departamentos, importará


aludir aos restantes gabinetes249 e respectivas funções. Ao Gabinete de Apoio à

246 Aquando da adopção do modelo socialista para a revolução, estas equipas foram
denominadas de “Brigadas de Educação para a Saúde”.
247 Sobre estas acções ver capítulo 8 desta dissertação.
248 Sobre o Serviço Médico à Periferia ver capítulo 4.
249 Ao longo do texto “Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos” estas estruturas ora são

referenciadas como “Gabinetes” ora como “Departamentos”. (Movimento N.º18, 20/5/1975, p.


6).

120
Dinamização Cultural competia um trabalho de articulação com os diferentes
ministérios, organismos de Estado e associações culturais visando apoiar “as
iniciativas que levem à desejada Revolução Cultural”250. O objectivo da
descentralização é, assim, sustentado numa óptica da indispensabilidade de
revitalização cultural do povo. Toda esta actividade, que se pretendia assídua das
equipas de dinamização no terreno, necessitava de um reforço dos meios técnicos e
humanos, o que conduziu à criação do Gabinete de Organização de Campanhas,
responsável pela sua organização e montagem.

Já o Gabinete dedicado à emigração251 e relações com os novos países africanos surge


com um duplo objectivo. Por um lado, através de um discurso vitimizador do povo,
tendo como filão central a temática da emigração, pretendia dotar com
oportunidades idênticas “as massas trabalhadoras fora do país, vítimas do
fascismo”252. Por outro, procurava promover a troca de experiências com os países
africanos, ex-colónias portuguesas, em processos de transição política, numa atitude
de gratidão já que a questão africana esteve na origem da sublevação das Forças
Armadas e, como é referido no Movimento, “da luta dos seus povos pela sua
liberdade, muito devemos a nossa”253. Neste sentido, é referida uma acção em São
Tomé e Príncipe.

Por fim, o Gabinete de Coordenação da Informação, Esclarecimento e Meios de


Comunicação procurava divulgar a actividade da CODICE aproveitando os meios
militares e de comunicação social disponíveis.

250 Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 6.


251 Ver análise detalhada destas acções no sub-capítulo 8.1.
252 Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 6.

Procurando a “integração do emigrante no Processo Revolucionário” é elaborado por este


departamento um plano de acção no Verão de 1975 que definia, entre outras, as seguintes
premissas: “a) Necessidade de protecção estatal e auto-protecção do emigrante como defesa
de si próprio e da Revolução;
b) Necessidade de informação correcta para o emigrante português no estrangeiro; […]
e) O Aparelho de Estado serve os cidadãos, como razão própria da sua existência”. (Livro
Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:164). Foram considerados prioritários países como a França,
Bélgica, Holanda, Inglaterra e Luxemburgo, Canadá, Estados Unidos da América e
Luxemburgo, propondo-se a criação de “federações de associações”.
253 Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 6.

121
Todavia, esta nova estrutura, que inaugura a Acção Cívica, só é oficializada no dia 15
de Julho de 1975 pela 2ª directiva da CODICE, agora actualizada e enquadrada por
dois documentos fulcrais que marcam o processo de transição português254: o Plano de
Acção Política do MFA, aprovado em plenário do Conselho da Revolução a 20 de
Junho de 1975, e o Documento Guia da Aliança Povo-MFA, aprovado na Assembleia do
MFA a 8 Julho de 1975255.

7.2. | O Poder Popular

O Plano de Acção Política do MFA, conhecido como PAP, é, em rigor, um “segundo


Programa do MFA” (Rezola, 2002), aglutinando segundo Sánchez Cervelló os seus três
sectores (copconistas, gonçalvistas e moderados) e respectivas facções civis (1995:203).
O MFA assume-se como Movimento de Libertação do Povo Português, defendendo
um processo de descolonização interna, possível através da construção de uma
sociedade socialista, concebida como uma “sociedade sem classes, obtida pela
colectivização dos meios de produção, eliminando todas as formas de exploração do
homem pelo homem e na qual serão dadas a todos os indivíduos iguais
oportunidades de educação, trabalho e promoção, sem distinção de nascimento, sexo,
credo religioso ou ideologia”256. Porém, o PAP não deixa de acentuar a “via
pluralista” para a construção da nova sociedade, onde o papel dos partidos políticos
é defendido “não só pela sua acção pedagógica de consciencialização e de
mobilização das massas, mas também como veículos transmissores da expressão

254 Na directiva N.º 2/75 considera-se que os anteriores documentos emanados da CODICE se
mantêm validos no essencial, “devendo os novos pontos que se apresentam ser interpretados
como complementares e actualizadores” (Correia et al, s/d-a: 84).
255 Para análise destes dois documentos ver Rezola (2003:522-561) onde a autora dá conta da

ambiguidade destes documentos e da reacção por parte das diferentes forças politicas aos
mesmos.
256 Movimento N.º 23, 11/7/1975, p. 4. O PAP procurou ser um documento conciliador,

reflectindo o esforço das diferentes correntes do MFA para encontrar uma plataforma de
acordo entre si que agregasse as forças políticas que lhes eram afectas. Segundo Carrilho, este
documento denota um ”esforço de redacção destinado a cerzir vários fragmentos dificilmente
combináveis num único tecido discursivo. Ao mesmo tempo que garantia o respeito pelo
pluralismo político, incluindo a existência de partidos que não defendessem a área socialista,
e afirmava a opção ocidental, com a permanência da NATO, fazia concessões óbvias à
esquerda revolucionária. Por exemplo, a referência aos actos eleitorais era ambígua, “não se
admitindo que venham a constituir um obstáculo” ao processo revolucionário. Logo a seguir
falava-se nas “organizações populares” que “constituirão o embrião de um sistema
experimental de democracia directa” (1994:62).

122
popular, auscultada sob várias formas,
incluindo a via eleitoral”. A aliança Povo-MFA
é agora reforçada esclarecendo-se que:

[…] o MFA pretende que todo o Povo


Português participe activamente na sua
própria Revolução, para o que apoiará
decididamente, e estabelecerá ligações, com
todas as organizações unitárias de base, cujos
objectivos se enquadrem na concretização e
defesa do Programa do MFA para a
construção da sociedade socialista. Essas
organizações populares constituirão o
embrião dum sistema experimental de Fig. 4 | Poder Popular. Unidade Revolucionária
Autocolante. Vespeira 1975.
democracia directa […]257.
(Arquivo particular Marcelino Vespeira)

Este documento, nos seus pontos 4.2. (Inércia


da máquina do Estado), 4.3. (Descentralização Administrativa), 4.4. (Ligação do MFA
às estruturas populares unitárias de base) e por fim o seu último ponto, intitulado
“Informação e Dinamização”258, é lido pela CODICE como uma aproximação às suas
propostas (Correia et al, s/d-a:83).

Contudo, como é referido em Correia et al (s/d-b: 179) “o PAP nada resolveu”, sendo
ultrapassado por um outro documento, o Documento Guia da Aliança Povo-MFA,
aprovado pela aliança entre gonçalvistas e copconistas com a oposição dos
moderados. Este documento, informalmente designado como “Documento do
COPCON” (Carrilho, 1994:63), define a estrutura que irá nortear a “Aliança Povo-
MFA” apresentando três linhas fundamentais - “a do MFA, a Popular e a
Governamental”259 - institucionalizando os órgãos de “poder popular” ancorados em
organismos de base como as comissões de moradores, as comissões de trabalhadores,
os conselhos de aldeia, as cooperativas, as Ligas de Pequenos e Médios Agricultores,
as Colectividades e outras associações:

257 Movimento N.º 23, 11/7/1975, p. 4.


258 Movimento N.º 23, 11/7/1975, p. 5 e 6.
259 Movimento N.º 24, 25/7/1975, p. 5.

123
[…] 2.1.2. As comissões de Moradores, Comissões de Trabalhadores e
outras organizações de base popular formarão Assembleias Populares
Locais, de Freguesia ou por outra área a definir.
2.1.3. Destas Assembleias Locais se formam as Assembleias Municipais e
assim sucessivamente até à Assembleia Popular Nacional260.

Este documento, ao subalternizar as forças políticas (Ferreira, 1993:216), terá


consequências profundas ao nível da coligação governamental, levando o PS e PPD a
abandonar o IV Governo Provisório precipitando-se o Verão Quente261, com
manifestações e confrontos vários. Apesar do seu insucesso, Boaventura Sousa Santos
realça a importância do Documento Guia da Aliança Povo-MFA, uma vez que “a
participação popular na vida do Estado é constituída a partir da base, de modo
coerente e global. Por outro lado, as Forças Armadas são radicalmente reestruturadas
de modo a incorporar essa participação.” (1992:62).

Importa sublinhar que Ramiro Correia foi um dos “obreiros” do Documento-Guia262


(Rezola, 2004: anexo II, p.16) e na época já tinha sido nomeado Chefe da 5 ª
Divisão/EMGFA263, pelo que não é de estranhar os reflexos deste documento nas
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA que, pelas suas
características organizativas, vieram a constituir um instrumento fulcral de apoio à
formação do “poder popular”. Assim, a 2ª Directiva da CODICE, preconiza como
objectivos fundamentais:

[…] 1. Dinamização cultural e esclarecimento político, dentro da opção


socialista definida.
2. Apoio e dinamização das associações populares unitárias.

260 “Documento Guia da Aliança Povo-MFA” publicado no Movimento N.º 24, 25/7/1975, p. 5.
261 No período que ficou conhecido como Verão Quente as divisões entre os militares do MFA
vão-se agudizando. Um grupo de oficiais publica o Documento dos Nove que acabará por
“constituir uma plataforma comum para todos os que, insatisfeitos com a crescente
hegemonia do PCP e do gonçalvismo, preconizavam uma alteração no rumo tomado pelo
processo revolucionário” (Rezola, 2002:59).
262 Para este militar “O Documento Guia do Projecto de Aliança Povo-MFA, constitui hoje, e

constituirá por alguns anos, um documento fundamental para a Revolução Portuguesa”


(Correia et al, s/d-b: 184).
263 Foi nomeado em Julho de 1975 (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:427), sendo para o

efeito graduado em capitão-de-mar-e-guerra.

124
3. Apoio e divulgação das directivas, reformas ou projectos, dos
organismos do Estado, que numa perspectiva de interesse nacional,
tenham reflexos no desenvolvimento regional.
4. Colaboração com os representantes dos vários organismos de Estado, de
modo a que junto às Comissões Dinamizadoras se constituam pólos de
uma estrutura regional com progressiva autonomia.
B. EXECUÇÃO
1. Deve entender-se a Dinamização Cultural como um projecto de criação
de uma rede cultural que, em cada localidade, constitua um pólo de
desenvolvimento e apoio à criatividade popular. Deverá, na medida do
possível, ser dado auxílio técnico apenas para orientar o desenvolvimento
de qualquer tipo de associação cultural. […]
3. O apoio e dinamização das associações populares unitárias deverá ser
feito de acordo com o que se indica abaixo, frisando-se contudo que será
necessário não impor esquemas, mas actuar com a elasticidade suficiente
para não colidir com a iniciativa popular.
a. Fomentar e dinamizar todo o tipo de associação popular que permita a
construção do socialismo e compreensão colectiva do processo
revolucionário tais como comissões de moradores, de bairro, de aldeia, ou
trabalhadores.
b. Incrementar a reunião de Assembleias populares, que interessem os
habitantes na resolução dos problemas locais, discussão da formação de
sindicatos e Ligas de pequenos e médios agricultores.
c. Fomentar iniciativas para melhor integração de sectores específicos
como: sectores de ensino, agricultores, pequenos comerciantes,
funcionalismo público, jovens e mulheres
d. A ligação ao Movimento das Forças Armadas das organizações
populares unitárias deverá ser feita de acordo com o projecto aprovado em
Assembleia do Movimento das Forças Armadas
4. Considerando a necessidade de criar a nível regional, comissões que
dentro do programa de descentralização político-administrativa, integrem
representantes dos vários organismos de Estado, deverão estes, sempre
que possível, trabalhar coordenados com as Comissões (sub-comissões)
Dinamizadoras.
5. Os relatórios efectuados pelas equipas de Dinamização Cultural, deverão
referir dentro de cada região, quais as necessidades da população, que
poderão eventualmente vir a se transformados num projecto de

125
investimento, que garanta postos de trabalho a título permanente[…]
(Correia et al, s/d-a: 84-85).

Esta nova estrutura é graficamente representada por dois organigramas anexos à


directiva que, quanto às funções da CODICE, não divergem da estrutura apresentada
no documento “Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos” apresentada em Maio
de 1975.

Como é possível observar no organigrama 3, uma das mudanças introduzidas foi a


colaboração dos diferentes Gabinetes de Dinamização264 (do Exército, da Armada e
da Força Aérea) e do COPCON265, que se constitui como um importante apoio militar
à CODICE.

264 A politização dos quartéis foi um dos objectivos principais definidos pela instituição

militar, assumido a 5ª Divisão/EMGFA esta função desde a sua criação. Às campanhas de


dinamização cultural foi atribuído um papel capital na concretização deste objectivo como já
foi referido anteriormente. Com o 11 de Março de 1975 surgem novos órgãos político-
militares sendo criado o CR, a AMFA, órgãos de cúpula que coordenariam as Assembleias
delegadas do MFA no Exército, na Armada e na Força Aérea. As modificações militares não
afectaram só a sua estrutura, mas também a doutrina constituindo-se o Gabinete de
Dinamização do Exército (GDE) e o Centro de Sociologia Militar numa primeira fase e,
posteriormente, os Gabinetes de Dinamização da Armada e da Força Aérea (Sánchez
Cervelló, 1996b:258-262). O GDE criou os Gabinetes de Dinamização de Unidade (GDU) e as
Assembleias de Unidade (ADU) cujos elementos por vezes coincidiam com os delegados da
CODICE. Esta acabaria por se estender a todas as unidades militares para apoiar as
Campanhas de Dinamização e Acção Cívica. Sobre este assunto ver Carrilho (1994: 60-61) e
Sánchez Cervelló (1996b:258-264).
265 Na óptica de Correia et al a colaboração com o COPCON, no âmbito das campanhas, não se

terá revelado positiva. Apesar do seu empenho é defendido que “o pessoal enviado à Maio-
Nordeste, nem sempre deixou de criar problemas pela sua identificação partidária” (s/d-a:68-
69).

126
Organigrama 2 | Comissão Dinamizadora Central. «Anexo A» à Directiva 2/75. (Correia et al s/d-a: 87)

Organigrama 3 | Comissão Dinamizadora Central. «Anexo A» à Directiva 2/75. (Correia et al s/d-a: 88)

A grande alteração reside nos novos conteúdos enxertados, presentes na


responsabilidade, agora atribuída, de fomentar a organização popular, numa
tentativa de adequar o Documento Guia da Aliança Povo-MFA ao mundo rural, através

127
da criação dos conselhos de aldeia266, considerados os “órgãos do poder popular no
campo”:

“[…] uma das tarefas da Dinamização Cultural no Norte do País é a partir


dos embriões de trabalho colectivo das populações incentivar e criar as
condições para a organização ao nível de toda a aldeia ou lugar […] 267.

Esta estrutura e funções manter-se-ão, no essencial, até à extinção da CODICE a 26 de


Novembro de 1975. Contudo, os diferentes acontecimentos que vão pontuando o
processo de transição democrática vão-se reflectindo na própria trajectória da

266 Em alguns documentos esta estrutura surge referenciada como “comissão de aldeia”.
267 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7. Com base na experiência da campanha “Maio-
Nordeste” e da campanha da Academia Militar que decorria no distrito da Guarda são
publicados, no Movimento, os estatutos dos Conselhos de Aldeia (Definição, Funções, Eleição e
Composição):
“I – Definição
A comissão de aldeia é um órgão revolucionário a nível local, eleito em eleição directa por
todos os maiores de 18 anos da aldeia e empossada pelo MFA.
É também o corpo político da aldeia com o poder de representar o povo junto da freguesia e
demais órgãos administrativos
II – Funções
1 – Divulgar, defender e basear-se no programa e outros documentos aprovados pelo MFA.
2 – Representar o povo junto à freguesia, às câmaras, autarquias e demais órgãos
administrativos.
3 – Decidir a nível local sobre a exploração das terras, águas, serviços públicos (saúde,
saneamento, educação, caminhos e transportes, electricidade, comercialização de produtos,
criação de cooperativas, ajuda aos pobres, aproveitamento de bens móveis e imóveis).
4 – Fiscalizar a realização de obras e a aplicação dos dinheiros públicos.
5 – Fiscalizar os preços cobrados por médicos, veterinários, transportes, comércio e senhorios.
III – Eleição e Composição
1 – As comissões de aldeia são eleitas e empossadas na presença do MFA durante as
Campanhas de Dinamização actualmente em curso […]
3 – Os membros são exonerados a qualquer momento, por maioria simples desde que deixem
de cumprir o Programa do MFA e as funções administrativas acima indicadas.
4 – O exercício começa a partir do momento da sua posse pelos elementos do MFA.
Paragrafo único. Os indivíduos (homens ou mulheres) que forem eleitos para as comissões de
aldeia, não podem concorrer às Juntas de Freguesia. ”( Movimento N.º25, 14/8/1975, p. 7). Em
Correia et al é referenciada a criação de vinte e duas Comissões de Aldeia nos concelhos de
Sernancelhe e Penedono e sete no concelho de São Pedro do Sul no âmbito da “Operação
Beira Alta” que decorreu no distrito de Viseu (s/d –a:110 e 114). Ainda no âmbito desta
campanha o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 refere a eleição de 75 comissões de aldeia no
concelho de Castro Daire (1984:126). Já no quadro da campanha “Maio-Nordeste” alude-se à
“criação de algumas dezenas de comissões populares” (s/d–a:165). Ainda nesta obra são
saudadas outras a “iniciativas populares” não promovidas pela CODICE, como é o caso de
um conjunto de obras realizadas no distrito de Aveiro (s/d-a: 97-100). Sobre as comissões de
aldeia ver ainda levantamento efectuado por Navarro (1976).

128
CODICE. Tal é o caso da suspensão da 5ª Divisão/EMGFA268, decidida pelo
Conselho da Revolução a 25 de Agosto de 1975, justificada pela necessidade de
reestruturação (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:85).

Neste contexto, a CODICE mantém as suas funções de coordenação, prosseguindo as


campanhas que decorriam nos distritos de Bragança e de Viseu269. Num comunicado
das equipas de dinamização cultural e acção cívica, que trabalhavam neste último
distrito, afirma-se que a suspensão “é anti-democrática […] visto não terem sido
ouvidos nem os militares empenhados no trabalho da dinamização, nem a as
populações, nem a Assembleia do MFA”270. Já em Correia et al (s/d-a) é defendido
que esta medida conferiu à CODICE “maior independência e personalidade própria”
uma vez que:

A imagem criada em torno da 5ª Divisão marcou partidariamente a


CODICE. Muitos militares sentiam por todo o país dificultada a sua acção
pelos ataques que na altura sofriam muitos órgãos progressistas (s/d-a:
132).

268 Segundo Carrilho (1994-a:65), o encerramento da 5ª Divisão integrava a estratégia do sector


do MFA liderado pelo designado Grupo dos Nove de isolar o grupo afecto a Vasco Gonçalves e
mais próximo do PCP.
A Vida Mundial dá conta da suspensão da 5ª Divisão/EMGFA apresentando aquelas que
foram as opiniões mais desfavoráveis erigidas contra esta estrutura: “a Quinta estaria a fazer
propaganda de Vasco Gonçalves, a Quinta seria comunista, a Quinta não correspondia às
necessidades «publicitárias» propagandísticas do MFA.” (Vida Mundial, 4/9/1975, p. 21). Já a
Vida Rural recorda saudosamente a 5ª Divisão como o “porta-voz lúcido e admirável da
revolução portuguesa” (Vida Rural, 13/9/1975, p. 6).
269 Em Outubro de 1975, a Campanha “Maio-Nordeste” é suspensa por ordem do CEMGFA,

ficando no terreno as campanhas que decorriam no distrito de Viseu centradas no hospital de


Sernancelhe e em Castro Daire. Como é mencionado em Correia et al (s/d-a), o comandante
da Região Militar Centro, o brigadeiro Charais, apesar de não concordar com a coordenação
desta campanha pela CODICE “não cedeu às pressões de direita, procurando prestigiar a
acção dos militares no terreno, o que já não acontecia na Campanha “Maio-Nordeste” da
parte de Pires Veloso” (Correia et al, s/d –a:69).
270 Neste mesmo comunicado são, ainda, propostas um conjunto de medidas: “ - A suspensão

da medida que visa extinguir a 5ª Divisão; - Que o problema seja discutido ao nível das
assembleias das unidades militares, comissões de trabalhadores, de aldeia e de moradores; -
Que desta discussão surjam modificações ou um novo plano de dinamização; - Que
entretanto as campanhas já existentes continuem e sejam apoiadas pelo governo e unidades
militares; - Que para este debate ao nível de unidades seja proveitoso, que a 5ª Divisão
apresente um documento que demonstre a validade da dinamização e os que tentaram
extingui-la apresentem um documento com as suas críticas e alternativas” (Comunicado das
Equipas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do Distrito de Viseu, 29/8/1975, p. 2. Arquivo
Particular de Manuel Cruz Fernandes).

129
A CODICE continuou em funções, apesar de considerar limitado o seu campo de
acção, tendo sido nomeada uma comissão para a reestruturação da 5ª
Divisão/EMGFA, na qual esta se iria integrar. Meses mais tarde, num documento
emanado da “5ª Divisão (em reestruturação)”, são oficializadas as novas orientações
deste órgão, importando destacar o seu esvaziamento político e ainda facto da
coordenação das acções ser deslocada para as unidades e regiões militares
correspondentes a cada zona de intervenção271:

A 5ª Divisão é reduzida às dimensões normais de um órgão do EMGFA,


encarregado da informação pública e das tropas, das relações públicas e
assuntos civis, não tendo funções de natureza estritamente política as quais

271 Com o objectivo de melhorar a actividade das unidades territoriais no campo do agora
designado “apoio socio-económico às populações”, que corresponde a uma reformulação da
Dinamização Cultural e Acção Cívica, o na época Comandante da Região Militar Norte,
brigadeiro Pires Veloso, assina um documento onde define as suas competências: “1. A
eficiente execução de campanhas de apoio socio-económico determinadas superiormente; 2. A
realização, por iniciativa própria e em ligação com o escalão superior, de outras campanhas
de apoio socio-económico, julgadas oportunas numa perspectiva local; 3. O estreitamento de
relações adequadas com as populações e as autoridades civis;
2. Princípios de Actuação: […]
a. Respeitar a vontade das populações;
b. Coordenação, para efeitos de planeamento e de execução, com as Autoridades Civis e com
os autênticos representantes das populações, desde que já estejam eleitos.
c. Criar, desenvolver e manter um rentável clima de aceitação dos militares por parte das
populações e granjear a sua confiança;
d. Nunca prometer nada às populações sem ter a certeza absoluta de poder cumprir
integralmente;
e. Agir sempre com a maior correcção, isenção e tão elevado quanto possível grua de
eficiência;
f. Levar as populações a colaborar voluntariamente e entusiasticamente nos empreendimentos
a realizar;
g. No âmbito militar os comandantes das Unidades Territoriais serão sempre os responsáveis
pelo planeamento e condução das campanhas de apoio socio-económico decorrentes nas áreas
da sua jurisdição, mesmo quando operam forças militares estranhas à sua Unidade.
h. Para actuação, em cada região, deverão ser preferencialmente seleccionados elementos
delas naturais.“ Pires Veloso refere ainda a constituição “desejável”de cada equipa: “1 regente
agrícola, 1 agente técnico de engenharia, 1 enfermeiro, 1 professor primário e 1 agente de
relações públicas […]”. Instruções Provisórias para as Actividades de Apoio Socio-Económico às
Populações, 24/11/1975, p. 1 e 2 (Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes). Importa
sublinhar a crítica velada às Campanhas de Dinamização e Acção Cívica do MFA presentes
neste documento.
Também Manuel Cruz Fernandes, militar responsável pela campanha realizada em Castro
Daire, distrito de Viseu, viria a elaborar um trabalho que procurou ser um contributo para a
estruturação da Acção Cívica com base na experiência neste concelho (Documento s/ título,
s/d [1976], Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes).

130
competem aos órgãos de soberania previstos na plataforma MFA-Partidos
e a estabelecer na Constituição Política. […]
7. Conceito de Acção Cívica das Forças Armadas
a) Centrar a Acção Cívica na realização de tarefas de apoio aos organismos
civis locais (administrativos e órgãos populares de base);
b) Actuação descentralizada das Unidades e Regiões Militares na
respectiva Zona de Acção, e sem prejuízo da respectiva operacionalidade;
[…]
d) Realização de actividades de apoio geral em áreas específicas, pelo
aproveitamento de meios próprios das Forças Armadas272.

Face ao seu funcionamento precário, e não se identificando com as directrizes da


nova estrutura que a tutelava, a CODICE decide colocar-se sob as ordens do
COPCON, decisão anunciada em conferência de imprensa no dia 22 de Novembro de
1975273:

Como chefe na altura da CODICE, também dei uma conferência de imprensa onde
decidi, na conferência de imprensa, que é uma coisa extraordinária em termos
militares, que já não queria depender mais hierarquicamente do General Costa
Gomes, que era na altura o meu chefe directo, e que queria passar para as ordens
do Otelo. Fui chamado pelo General Costa Gomes, que me disse que me dava dez
dias de prisão, apresentei-me no dia 24 de Novembro para cumprir os dez dias de
prisão, mas na Marinha mandaram-me embora dizendo - Vá-se embora e tal, que
isto está um bocado complicado, depois logo se vê. (Manuel Begonha)

Neste acto público é distribuído um comunicado que justifica esta decisão da


CODICE que não pretendia “a sua sobrevivência a qualquer preço”274:

272 Nota N.º 13/RAC/DE, assinada pelo adjunto do CEMGFA, Brig. Pil, Av. Francisco Dias da
Costa Gomes, s/d [13/1/1976], p. 1 e 3 (Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes).
273 Na conferência de imprensa estiveram também presentes os capitães José Loureiro e Faria

Paulino e o Alferes Oliveira. Na época Manuel Begonha afirmou: “Não é rebeldia. É um


desabafar. Pensamos que não temos o direito de navegar nestas águas. Não nos ligamos a
figuras nem pela via oportunista, seja a quem for. Estamos ligados à esquerda militar mas não
nos ligamos a qualquer «controle» político ou partidário”. Diário de Notícias, 24/11/1975, p. 2.
Sobre esta decisão da CODICE, Natália Correia escreveu em Não Percas a Rosa. Diário e Algo
Mais (25 de Abril de 1974 – 20 de Dezembro de 1975: “Conferências de imprensa da CODICE da
extinta ex-5ª Divisão, na qual este testículo militar do PCP declara pendurar-se na virilha do
Copcon, que reconhece como único corpo militar revolucionário” (2003:350).
274 Palavras de Faria Paulino (Diário de Notícias, 24/11/1975, p. 2).

131
A Comissão Dinamizadora Central considera que tem havido por parte da
generalidade dos responsáveis pelos organismos militares, falta de
iniciativa e de responsabilidade revolucionária para porem
inequivocamente ao serviço da Revolução os poderes e meios de que
dispõem, não assumindo compromissos afirmados, perante o povo
português o que se pode considerar de negligência grave, porquanto:
Tem-se verificado uma tentativa constante de asfixia económica e
administrativa da CODICE, materializada na morosidade ou negação de
despachos de acordo com as propostas de trabalho, que tornam irrealizável
o projecto que se anexa e na ignorância sistemática ao bloqueio imposto
pelas entidades responsáveis pela atribuição de meios materiais e
humanos, evitando a extinção directa da CODICE por razões politicamente
evidentes e, para além das conotações partidárias constantemente
atribuídas aos elementos que a integram, tem-se tentado retirar-lhe
autonomia, quer pela subordinação a uma 5ª Divisão reestruturada em
moldes alheios ao espírito dos seus componentes, quer pela regionalização
das actividades compreendidas no quadro da dinamização, submetendo-as
ao controlo de Unidades de quadrícula ou Regiões Militares politicamente
afastadas da linha revolucionária que se julga correcta […] (Correia et al,
s/d-a:133-134).

Este documento critica duramente a nova 5ª Divisão/EMGFA, sendo afirmado que


todas as iniciativas nas quais a CODICE se tinha empenhado foram usurpadas:

Assim e porque se entende que a Comissão Dinamizadora Central só


poderá ter uma acção consequente se tiver autonomia para desenvolver a
sua criatividade, não se considera viável a sua integração na nova 5ª
Divisão do EMGFA onde lhe são drasticamente limitados os seus meios de
intervenção político militar, a qual só será possível se integrada num
Comando e numa organização militar revolucionários, tendo os elementos
que a integram decidido: […]
Não admitirem que se despreze, minimize, e desvirtue a luta que o povo
explorado trava, nos campos, nas fábricas ou no mar, ante a placidez de
militares ditos revolucionários que a observam do conforto dos seus
gabinetes.
Colocarem-se sob as ordens e ao serviço do COPCON, único centro de
decisão político-militar que consideram capaz de responder

132
revolucionariamente a acções que visem inequivocamente, a construção da
sociedade socialista (Correia et al, s/d-a:134-135).

Nesta data a CODICE promovia a organização de uma coluna militar de viaturas e


lanchas que subiriam os rios Tejo e Sado para transporte de sementes, adubos e
maquinarias, planeava uma campanha de dinamização na região do Alentejo para
reforço da Reforma Agrária275 e preparava uma campanha de alfabetização. Para
além destas iniciativas, esta Comissão dava continuidade à produção e distribuição
de cartazes, à realização de espectáculos teatrais, procurando ainda, promover
intercâmbios culturais com os países socialistas e apoiar a criação da Companhia do
Grande Circo Popular276.

Esta decisão parece representar a derradeira aposta da CODICE no sentido de


defender o seu projecto num contexto político cada vez mais adverso, reforçada com
a apresentação do documento Proposta de Acção Político – Militar277. Este preconizava a
“defesa da Revolução”, tal como foi concebida pelo núcleo do MFA que gravitou em
torno de Vasco Gonçalves e do PCP, onde se defendia um trabalho de acção cívica
centrada nas unidades militares em articulação com as organizações de base. Para
enaltecer a necessidade da proposta apresentada, Manuel Begonha afirma nesta
conferência de imprensa que “a Acção Cívica, o segundo objectivo nunca foi à frente”
e que a “imagem” das Campanhas “começou a degradar-se, e hoje está praticamente
diluída”. Assim:

Esta proposta assenta em três postulados fundamentais:


1.º) A defesa da Revolução não tem preço;
2.º) A defesa da Revolução exige um poder militar forte;
3.º) A defesa da Revolução exige um poder político corajoso
A. Desenvolvimento da acção

275 Sobre esta campanha o capitão-tenente Manuel Begonha declarou: “Vamos para o Alentejo

e não vamos receber aplausos. Estivemos em zonas ditas difíceis. Não começámos pelo mais
fácil…” (Diário de Notícias, 24/11/1975, p. 2).
276 Ver nota n.º 202.
277 Segundo entrevista realizada a Manuel Begonha (2000), esta proposta já deveria estar a ser

preparada, pelo menos, desde Agosto de 1975. Em Correia et al onde este documento é
reproduzido, na parte dedicada à “Ocupação Politico-Militar Imediata do Distrito da Guarda”
é referido o saneamento das cooperativas apontando-se um período ideal para a execução
desta medida: entre 14/7/1975 e 16/10/1975 (s/d-a:232). Desta forma, conclui-se que este
documento é pelo menos anterior a 14/7/1975.

133
2.º) A defesa da Revolução exige uma forte cobertura e estanquecidade das
fronteiras. […] Sugere-se a criação de um corpo de defesa das fronteiras,
constituído por elementos com espírito revolucionário, homens ou
mulheres que seriam militarizados.
Nas múltiplas funções em que se encontram empenhados os militares das
Comissões de Dinamização espalhados por todo o país, torna-se necessário
reforçar a autoridade militar de modo a permitir que se defendam os
interesses das classes trabalhadoras, contra as agressões do capital, agindo
frequentemente com total impunidade e arrogância.
Será necessário força revolucionária para dirigir correctamente a luta
contra todas as formas de caciquismo e manipulação.
3.º) Um poder político revolucionário terá de assumir a responsabilidade
de descentralizar os meios técnicos, isto é, deverá enviar para todo o país
elementos que nos vários sectores apoiem as iniciativas locais ou criem
pólos de desenvolvimento económico, social, político e cultural. Este poder
político para as exercer necessita que se defina uma política do MFA, clara,
objectiva e sem ambiguidades.
B. Execução
1.º) Considera-se fundamental tornar operativas e reais as estruturas de
ligação POVO-MFA. Para tal as organizações unitárias de base, como as
comissões de moradores, comissões de trabalhadores e comissões de
aldeia, deverão ser dotadas de meios técnicos e financeiros que as
prestigiem e as tornem eficazes aos olhos da população.
As Unidades Militares através da Acção Cívica poderão vir a ser elemento
decisivo nesta fase da Revolução se convenientemente apetrechadas. […]
2.º Considera-se fundamental uma política de descentralização que permita
a zonas menos favorecidas do país um maior desenvolvimento. […]
3.º Considera-se muito importante a formação de quadros políticos quer
militares, quer civis. […]
4.º A emigração necessita de ser conquistada para a Revolução […] (Correia
et al, s/d-a: 136-138).

Tal como os documentos anteriores, a Proposta de Acção Político – Militar procura ser
legitimada pelas “experiências recolhidas, quer através de relatórios das várias
Comissões Dinamizadoras actuando por todo o País, quer através do contacto directo
em numerosos tipos de acção, ou ainda resultantes de troca de informações nas
Assembleias de Delegados das Comissões de Dinamização” (Correia et al, s/d-a:135).

134
Mais uma vez a CODICE surgia como intérprete de um país que afirmava conhecer,
propondo uma “acção cívica, centrada nas unidades militares e difundindo através
das organizações unitárias de base” (Correia et al, s/d-a:135). Contudo, se os outros
documentos procuravam espelhar o equilíbrio instável entre as várias facções do
MFA, os partidos políticos e os movimentos sociais, já este extrema as formas de
acção, propondo, inclusive, uma “ocupação político-militar” do distrito da Guarda que,
posteriormente, se estenderia aos distritos de Viseu e Bragança (Correia et al, s/d-
a:229-230). A escolha destes distritos é justificada por terem sido os últimos a serem
percorridos pelas campanhas, defendendo-se que as experiências da Academia
Militar no distrito da Guarda e da campanha “Maio Nordeste” teriam ensinado “que
é urgente não abandonar esses distritos mas, pelo contrário, mobilizar para eles meios
militares e civis com suficiente capacidade para, sem demoras, porque estamos nas
vésperas das colheitas e da necessidade de escoamento dos produtos colhidos278,
ganhar o campesinato pobre desses distritos para a revolução e neutralizar com essa
arma os caciques (inimigos da revolução) que através do descontentamento
instrumentalizam os camponeses” (Correia et al, s/d-a:229).

A Proposta de Acção Político – Militar é relembrada pelo seu autor, Manuel Begonha,
na época responsável máximo da CODICE:

[…] Já estava definido que não haviam mais campanhas dentro do que estávamos a
fazer. Ia-se aproveitar os gabinetes de dinamização, para no terreno se poder, pelo
facto dos militares ocuparem o território todo em rede, ir aos vários locais. E iam as
necessidades todas em relatório e esses relatórios existiam todos à data da extinção
da 5ª Divisão. Eram relatórios dos gabinetes de dinamização para dizer: nesta terra
falta não sei o quê, então nós queríamos mobilizar os meios, depois entretanto
meteu-se o [Carlos] Fabião que eu fui falar com ele e já não nos deu os meios
militares, da engenharia militar foram coarctados (Manuel Begonha)

De facto, três dias depois eclode o 25 de Novembro e, no dia seguinte, é extinta a


CODICE. Os seus representantes nas várias unidades militares, nas Campanhas de

278Neste sentido são apresentadas as seguintes operações: Operação “escoamento de vinho”,


Operação “escoamento de cereais”, Operação “escoamento da batata”, Operação “carnes”,
Operação 2saneamento das cooperativas”, Operação “abastecimento de águas”, Operação
“abertura de estradas”, Operação “electrificação”, Operação 2vigilância da fronteira”,
Operação “emigrantes” e Operação “desalojados das colónias” (Correia et al, s/d-a: 230-231).

135
Dinamização Cultural e em cargos de chefia “foram presos, licenciados ou enviados à
situação militar de onde haviam sido requisitados” (Correia et al, s/d-a: 141). A
Proposta de Acção Político – Militar não se efectiva, permanecendo, contudo, no terreno
as equipas que trabalhavam nos concelhos de Castro Daire e Sernancelhe.

O 25 de Novembro, data, não corresponde a um corte tão radical como


eventualmente se poderá parecer. Há um corte radical porque as organizações
acabaram, embora a Comissão Dinamizadora Central tivesse continuado, tipo
comissão liquidatária279 com algumas funções mas nada que se parecesse com o
que foi feito no passado. Foi investigada várias vezes a mando do General Eanes.
Mas felizmente a nível contabilístico as coisas correram todas bem, desapareceu
uma ou outra máquina de filmar, mas isso não foi para minha casa, foram
entregues às associações do terreno e lá ficaram. // Portanto na minha perspectiva
o 25 de Novembro já se vinha a desenvolver há muito tempo, portanto...no mínimo
a partir de Agosto, portanto o entusiasmo para as campanhas e os meios foram
objecto de uma acção geral, que nós também fomos alvo e que nos coarctaram e nos
limitaram muito os recursos. […] a partir de uma dada altura nós não percebemos
o que é que se estava a passar. Mas á medida que se caminhava para o 25 de
Novembro começam os meios a ser retirados e hoje, com o que se está a escrever, é
que nós estamos a perceber onde é que estávamos metidos...fomos apanhados
também por ingenuidade. […] Digamos que todo o processo estava moribundo e o
25 de Novembro mais não foi que concretizar esse estado, embora, se isso não
tivesse ocorrido mais coisas se poderiam fazer. Mas na minha opinião pessoal, face
à situação político-partidária que se vivia no país, a intenção inicial das
campanhas estava feita, porque era exactamente divulgar o Programa do MFA no
terreno, pôr os militares no terreno. E a partir daí com a presença cada vez mais

279Da Comissão Liquidatária da CODICE fez parte Rodrigo de Freitas, responsável pelo seu
relatório final datado de datado de 31 de Janeiro de 1977 (Arquivo Histórico do Ministério da
Defesa Nacional (em organização); caixa 6318.)
Foi colocado no EMGFA por ser o elemento civil mais antigo e por os militares afectos a esta
estrutura se encontrarem numa situação profissional incerta.
Rodrigo de Freitas refere que a dificuldade deste trabalho, no qual esteve empenhado durante
um ano, residiu na falta de exigência de formalidades por parte da CODICE no que concerne
à atribuição de verbas para as diferentes actividades: “se chegava uma equipa de médicos que
estava a tratar a brucelose na região de Viseu. Vinham cá baixo fazer um ponto da situação,
buscar material, vacinas, etc. Precisavam de dinheiro e as contas que apresentavam eram em
papelitos, ou feitos por eles ou por pessoas que mal sabiam ler nas tasquinhas onde comiam.
Arranjavam-se os 10 contos os 20 contos e eles lá iam….E justificar isto? De facto o tempo era
um factor essencial. O tempo era o inimigo a vencer. Tínhamos que ganhar tempo? E para o
ganhar não podíamos estar à espera destes formalismos”. (Entrevista gravada, 2000).

136
importante dos partidos, já não cabia muito aos militares, esse espaço estava-se a
reduzir naturalmente. Portanto, eu penso realmente que teriam mais seis meses e
não haveria muita hipótese de continuar, a menos que o país inflectisse, outra vez,
para uma área mais revolucionária, com um contra-golpe qualquer, mas era
realmente muito difícil. (Manuel Begonha)

Procurando gerir actividade voluntária e a disponibilidade de um grupo heterogéneo


de pessoas, a CODICE foi uma figura híbrida no quadro da instituição militar, sendo
o reflexo das novas atribuições e missões que o 25 de Abril de 1974 reservou para esta
instituição. Foi-se metamorfoseando ao longo do processo revolucionário procurando
dar resposta às exigências de uma transformação social e política apressada e
urgente. Enquanto estrutura de coordenação nacional das Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica procurou uma articulação com o aparelho de
Estado280, com quem, através da Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos,
partilhou a coordenação inicial do Programa de Dinamização Cultural.

Em termos organizacionais é possível traçar um itinerário desta estrutura, que


durante a sua curta vigência (um ano, um mês e um dia), apresenta dois momentos
principais, no decorrer dos quais se assiste à metamorfose das Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica281. O primeiro situa-se entre 25 de Outubro de
1974 e 14 de Julho de 1975. O segundo momento compreende o período de 15 de
Julho de 1975 a 26 de Novembro de 1975. A estes momentos correspondem diferentes
objectivos e formas de actuação que, por vezes, se anteciparam à oficialização das
mudanças no seio da estrutura coordenadora. Tal é o caso da Acção Cívica, dimensão
acrescentada e posta em prática subsequentemente ao 11 de Março de 1975, que viria
a ser desenvolvida num documento de estudo, tornado público em Maio de 1975
(Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos), o qual anunciava a reformulação da
CODICE, só oficializada a 15 de Julho de 1975 pela sua 2ª Directiva.

280 A CODICE esteve representada nos seguintes organismos do Estado: Conselho de

Informação, no Instituto Português de Cinema, na Secretaria de Estado da Saúde, na


Presidência da Comissão Executiva Permanente da Comissão Nacional de Emprego, na
Secretaria de Estado da Emigração (Correia et al, s/d-a:70) e na Comissão Interministerial
para os Assuntos Culturais.
281 Os momentos definidos são estabelecidos a partir da apresentação oficial da CODICE em

Outubro de 1974, isto é, optei por um critério organizacional em detrimento de um critério


político, não sendo considerado para o efeito o seu período preparatório deste projecto,
concebido por alguns protagonistas como a 1ª fase das Campanhas.

137
Assim, o primeiro momento da CODICE é orientado por dois documentos principais,
o Programa de Dinamização Cultural e o texto Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos,
que fundam modelos de actuação distintos: o itinerante e o modelo da longa
permanência.

Norteadas pelo Programa de Dinamização Cultural, as campanhas caracterizam-se pelo


levantamento das principais necessidades das populações, procurando efectivar a
descentralização cultural. O MFA, através do trabalho coordenado pela CODICE,
acaba por ser visto como um “partido operacional”, funcionando como “centro de
expectativas” (Carrilho, 1994-a:61).

Contudo, a dificuldade em fornecer uma resposta às inúmeras solicitações da


sociedade civil, face à ausência de meios disponíveis para o efeito, colocava em causa
a legitimidade do próprio MFA. A necessidade de uma atitude mais pragmática e
urgente está na base da reorganização das Campanhas de Dinamização Cultural, às
quais é acrescentada uma nova dimensão trazida pelo documento Acção Cívica: Passar
das Palavras aos Actos que funda as campanhas de longa permanência. Estas
apresentam um desenvolvimento faseado, optando-se pela fixação dos meios
necessários aos diferentes terrenos de acção.

A adequação do projecto de “poder popular” à sociedade rural marca o segundo


momento da CODICE, fundado pela sua 2ª Directiva que, para além de formalizar as
mudanças já em curso, actualiza as suas linhas orientadoras com base no PAP e no
Documento-Guia.

Neste período, de “partido operacional”, o MFA, através da nova estrutura da


CODICE, parece metamorfosear-se numa figura paralela ao próprio aparelho de
Estado (ver organigrama 2). Apesar de se defender que o novo esquema
organizacional não pretendia sobrepor-se aos organismos do Estado282, “mas evitar

282Em jeito de balanço a relação com os diferentes organismos de Estado é alvo de crítica em
Correia et al: “Ao nível governamental e apesar dos esforços em vários campos e da
transmissão da experiência adquirida por elementos que trabalhavam directamente com a
população, fornecendo actualizada a temperatura política do país, as concretizações eram
poucas. Recordem-se os elementos fornecidos teriam possibilitado uma intervenção estatal
oportuna e correcta nos sectores agrícola, pescas, meios energéticos e minas, habitação, saúde,
turismo, construção escolar, desporto, construção civil, cultural, económico e mesmo de
carácter militar, que talvez num futuro venham a ser utilizados.” (s/d-a:70).

138
uma duplicação de tarefas”283, a CODICE reestrutura-se instituindo novas áreas de
intervenção no sentido de agilizar a “pesada máquina do Estado” e, desta forma,
fornecer uma resposta urgente às solicitações da sociedade civil, incorporando na sua
organização os seus problemas principais. As Campanhas de Dinamização Cultural e
Acção Cívica foram-se transformando em referente administrativo ao qual acorriam
as populações mobilizadas. À CODICE chegavam inúmeros pedidos, queixas, sendo
esta pressionada pelos “de baixo” a assumir uma posição mais pragmática face a um
Estado paralisado. Por outro lado, como refere Palácios (2003:59), o facto de o sector
politizado dos capitães do MFA resistir a “ceder a sua revolução” a outras instâncias
institucionais, contribui para perpetuação da crise de Estado, apoiando-se na
mobilização popular como referente de legitimidade.

Segundo Manuel Cruz Fernandes, militar responsável pela campanha realizada em


Castro Daire no período subsequente ao 11 de Março de 1975, “nada estava a
funcionar e o Estado éramos nós”, afirmando ainda:

O país estava fechado. E estava tão fechado que os próprios poderes que vinham do
antecedente tinham recuado, digamos, deixado de actuar. Quando digo poderes,
digo juízes, Procurador da República, as guardas, as polícias. E quando havia
qualquer coisa, o MFA que fizesse. Éramos responsáveis por um Estado e sozinhos,
na corda bamba, porque uma pessoa não sabe tudo. Há coisas que eu fiz, de juiz, de
polícia, como representante do Estado, do Ministério Público que se não tivessem
sido bem feitas eu respondia sozinho por elas. (Manuel Cruz Fernandes.
Capitão-Engenheiro de Transmissões; responsável pela campanha
realizada no concelho de Castro Daire e Vila Nova de Paiva em 1975)

A análise do seu arquivo pessoal permite uma aproximação ao tipo de solicitações


que lhe eram feitas284, com é o caso do seguinte abaixo-assinado:

Ás Forças Armadas, Brigada de Dinamização Cultural no Concelho de


Castro Daire

283Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 4.


284Ao nível das infra-estruturas os pedidos eram frequentes e variados: pedido de intervenção
junto de uma empresa transportes para que as camionetas alterassem o seu percurso, para
captação de água para rega dos campos, pedidos para electrificação de algumas povoações,
para abastecimento de água, abertura e arranjo de estradas e caminhos. Num outro domínio,
encontram-se pedidos de auxílio para questões legais, como por exemplo, para a rectificação
de limites de propriedades.

139
Os abaixo-assinados, todos naturais e moradores nesta povoação de
Folgosa, freguesia e concelho de Castro Daire, em Assembleia magna do
povo, realizada hoje, deliberaram por unanimidade solicitar às Forças
Armadas, a resolução urgente dos melhoramentos de imperiosa
necessidade, a seguir designados:
1.º - A instalação da rede eléctrica na via pública (e ao domicilio) cujo
problema vem este povo insistindo há longos anos perante as autarquias
locais, de nada lhe tendo valido, não obstante ter já entregue a importância
de Esc. 3.000$00 (três mil escudos), conforme junto e que se destinava a
custear as despesas inerentes
2.º – Abertura de uma estrada, desde a capela de Folgosa à povoação da
Granja, servindo assim as aspirações das duas povoações que também já há
muitos anos se vêm debatendo denodadamente, sem que as entidades
competentes lhes dessem o indispensável apoio financeiro. Para esta obra
foram vendidos alguns baldios da Junta de Freguesia de Castro Daire sitos
nesta povoação de Folgosa, com prévia autorização da Junta de
Colonização Interna e cujos utentes dos respectivos baldios desta
povoação, se privaram dos mesmos para que o produto das vendas fosse
destinado exclusivamente à abertura em causa, importando o montante da
venda em mais de cem mil escudos (100.000$00) que ainda nesta data se
encontra na posse da Junta de Freguesia.
Todos os signatários e restantes habitantes estão dispostos a contribuir com
a sua cota parte de trabalho que lhe for exigida.
Castro Daire, 27 de Abril de 1975285.

Neste sentido, importa convocar a obra de Boaventura Sousa Santos (1992), O Estado
e a Sociedade em Portugal (1974-1988) na qual, ao caracterizar o “Portugal em
Transe”286, aponta a paralisia administrativa do aparelho de Estado287 como uma
característica que confere um carácter excepcional ao processo de transição política
português, defendendo que a crise revolucionária produziu um Estado dual:

[…] de um lado, as estruturas, as práticas e as ideologias administrativas


tradicionais mantidas quase intactas apesar de suspenso o seu

285Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes.


286Tomando aqui de empréstimo o título da obra coordenada por Medeiros Ferreira (1993).
287 Num artigo posterior Santos (1993) recorre à expressão “Estado de reserva” para

caracterizar a paralisia do estado no quadro da revolução portuguesa.

140
funcionamento normal; do outro lado, as importantes transformações
institucionais que impunham ao Estado um papel novo e mais decisivo no
processo de acumulação e na direcção global da economia, um papel tão só
ensaiado e ainda de contornos políticos vagos (1992:35).

Esta dualidade estendeu-se assim a todos os sectores do Estado, que incapaz de dar
resposta às novas solicitações e aos novos problemas, cria instituições paralelas288,
menos burocráticas que visavam acompanhar o Estado na sua adaptação às novas
condições, encontrando respostas institucionais e administrativas face à eclosão dos
movimentos sociais (Santos, 1992). Este é o argumento principal que percorre
igualmente as investigações de alguns cientistas políticos que colocam a tónica na
“desestruturação” do aparelho de Estado (Schmitter, 1999) ou na “crise da
autoridade” do Estado (Palácios 2003), o que terá proporcionado uma “janela de
oportunidades”, na expressão de Durán Muñoz (1997), para a emergência dos
movimentos sociais. Neste sentido, a proposta reestruturação da CODICE poderá ser
interpretada à luz deste movimento de criação de novos organismos.

Refira-se que a justificação das mudanças e novas propostas empreendidas nos dois
momentos definidos, assenta na apologia do contacto directo com as populações
rurais, permitindo ao MFA advogar-se como “locutor legítimo” (Bourdieu, 1998
[1982]) do povo português e apresentar-se como depositário daquilo que James Scott
(1998) designou de metis, ao problematizar as razões do fracasso de alguns projectos
de engenharia social. Metis para Scott seria, assim, o conhecimento local, um
conhecimento prático, o know-how (1998:6) cuja exclusão inviabilizou, na sua óptica,
projectos empreendidos por Estados autoritários para beneficiar os quotidianos das
populações, isto é, falharam por desconhecimento das realidades que pretendiam
modificar.

Num contexto político antagónico, este tipo de conhecimento é invocado para


justificar as mutações que as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA vão sofrendo durante o processo de transição para a democracia. Todos os

Como exemplo Santos (1992:35) refere os seguintes casos: no âmbito do Ministério da


288

Habitação a inclusão do SAAL no Fundo de Fomento de Habitação; no Ministério da


Agricultura a criação do Instituto de Reorganização Agrária (IRA) onde foram incluídos os
CRRA e o Serviço de Apoio ao Desenvolvimento Agrário (SADA).

141
documentos referidos reclamam o conhecimento local como garante da sua
exequibilidade. Recorde-se, por exemplo, o último ponto do Programa de Dinamização
Cultural (Inteligência Política de actuação) onde é referida a sua ancoragem aos
problemas efectivamente vividos pelas populações, “considerando que cada
comunidade possui uma cultura própria que não deve ser agredida”289 ou ainda,
aquando da aplicação da 2ª Directiva da CODICE, a alusão à implementação dos
órgãos de poder popular na sociedade rural “a partir dos embriões de trabalho
colectivo das populações”290.

Capítulo 8 | “O MFA à procura de um país”. Trajectos

As sessões inaugurais do Programa de Dinamização Cultural foram realizadas no


distrito de Lisboa, no Cacém e em Mafra291, um dia após a conferência de imprensa
no Palácio Foz292. Na região Norte do país, o arranque desta iniciativa verificou-se a
10 de Novembro de 1974 com a realização de um conjunto de sessões em Valbom
(concelho de Gondomar). Estas acções assinalaram o ensaio do modelo itinerante das
Campanhas de Dinamização Cultural onde o trabalho das Comissões Regionais e
Distritais adquire visibilidade:

Foi decidido fazer campanhas itinerantes, ou seja, pegava-se numa unidade militar
sedeada no terreno, organizava-se aqui em Lisboa uma campanha destinada a esse
local e, para evitar erros e confrontos com a população de cada local, fazia-se uma
preparação o melhor possível das pessoas que iam para essas zonas. (Manuel
Begonha)

289 Estado-Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388).
290 Movimento N. º25, 14/8/1975, p. 7.
291 Estas sessões enquadravam-se, também, num outro objectivo. Enquanto não se iniciava o

ano lectivo no ensino secundário oficial, o MEC promoveu sessões esclarecimento junto dos
estudantes. Esta iniciativa teve o apoio da Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos,
que forneceu o material técnico necessário à projecção de filmes e slides, e das Forças Armadas
que as aproveitavam para ir testando e preparando as Campanhas de Dinamização Cultural e
Acção Cívica. (Movimento N.º 5, 26/11/1975, p. 5). Nestes moldes foram realizadas sessões na
Moita, Lourinhã, Olivais, Lisboa e Loures. Ver cronologia anexa para programa detalhado
destas sessões.
292 Diário de Notícias, 26/10/1974, p. 5.

142
Assim, após a implementação da CODICE como estrutura coordenadora central,
procurou-se agilizar a estrutura regional, partindo das já existentes regiões militares
e da divisão administrativa do país em distritos. Um ofício oriundo da Região Militar
de Coimbra, enviado aos Comandos Militares e Comandos de Unidades desta zona
em Novembro de 1974, permite uma aproximação aos trabalhos prévios de
constituição destas estruturas. Partindo do pressuposto de que existem zonas onde a
Dinamização Cultural é mais premente, e reconhecendo a escassez de meios
humanos e materiais, são solicitadas um conjunto de informações sobre os seguintes
aspectos:

- Áreas prioritárias de acção;


- Características das localidades […]293
- Meios disponíveis nomeadamente:
-Recintos utilizáveis nas sessões de esclarecimento;
- Máquinas de projectar, filmes, meios de transporte, etc.;
- Grupos culturais ou recreativos dispostos a colaborar ou que haja
interesse reactivar (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:106).

Em Dezembro de 1974, os trajectos do MFA pelo país passam a ser também


protagonizados por estas Comissões Dinamizadoras294 responsáveis pelas sessões de
esclarecimento a realizar na sua área de influência295. Estas estruturas tinham uma
composição mista, isto é, espelhavam o mesmo tipo de organização da cúpula (ver
org. 1), integrando elementos das Forças Armadas, de estruturas estatais e das
associações culturais e desportivas locais que se dispunham a participar nesta
proposta do MFA.

[…] as pessoas foram inteiramente “voluntárias”, a título gracioso, porque não


haviam ajudas de custo, as pessoas dormiam no chão, onde calhava, ninguém se

293 Este aspecto prende-se com uma das linhas mestras do Programa de Dinamização Cultural,

nomeadamente a “Inteligência Política de Actuação” (ver capítulo 9).


294 Em Janeiro de 1975, estavam instituídas todas as Comissões Regionais, Distritais e

Concelhias em cada Região Militar do continente e ilhas (Correia et al, s/d –a:29).
295 Relativamente a este assunto, o ponto 10 do Programa de Dinamização Cultural enfatizava a

necessidade das sessões de esclarecimento e animação cultural disporem sempre da


colaboração de militares das unidades geograficamente mais próximas das localidades onde
estas eram realizadas (Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 2. Arquivo Histórico do Ministério
da Defesa Nacional (em organização); caixa 6388).

143
promoveu, eu comecei as campanhas como capitão-tenente e acabei capitão-tenente.
(Manuel Begonha)

Nos Açores e Madeira estas comissões estavam igualmente instituídas296, processo


para o qual contribui uma viagem preparatória da CODICE e da Direcção-geral da
Cultura Popular e Espectáculos a estes arquipélagos, no âmbito da qual se procedeu
a um levantamento das infra-estruturas, das associações culturais e das diferentes
“disponibilidades”, militares e civis, para participar nas Campanhas de Dinamização.

A partir desta data, a colaboração da Comissão Interministerial para os Assuntos


Culturais297 começa a ser mais assídua, tal como a dos organismos de Estado
referidos anteriormente que nomeiam representantes para acompanhar as sessões de
esclarecimento. Como afirmou um elemento da CODICE, do “organigrama da
Comissão Dinamizadora se passou à prática, mobilizando-se o maior número de
pessoas para esta campanha”298.

296 Sempre Fixe, 30/11/1974, p. 16 e Vida Mundial, 14/12/1974, p. 5.


297 A Comissão Interministerial para os Assuntos Culturais (dependente do Ministério dos
Assuntos Sociais) foi criada pelo Conselho de Ministros a 27 de Setembro de 1974, em
resposta à “necessidade de estimular a participação das populações locais no processo do seu
próprio desenvolvimento e dinâmica global da vida sócio-cultural em que estão integradas”
(Diário do Governo, I Série, N.º 233, 7/10/1974, p. 1179).
Numa primeira fase, a CIASC integrou representantes do Ministério da Administração
Interna, Economia, Equipamento Social e Ambiente, Educação e Cultura, Assuntos Sociais e
Comunicação Social passando posteriormente a ser constituída por representantes de todas as
Direcções-Gerais ou Departamentos Centrais do Estado (Texto s/ título, CIASC, 1975. Centro
Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central. Pasta AF CIASC
Central, Estrutura Orgânica, Documentos”).
Esta comissão acompanhou de forma continuada as Campanhas de Dinamização Cultural,
integrando um representante do MFA na sua estrutura e fazendo-se também representar na
CODICE. A CIASC colaborou ainda na “Operação Atlântida” realizada no arquipélago dos
Açores em Março de 1975. (CIASC, [1975], Relatório-Sintese da Actividade Desenvolvida pela
CIASC de Outubro de 1974 a Dezembro de 1975. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida
Ferreira. Caixa “CIASC Central. Pasta AF CIASC Central, Estrutura Orgânica, Documentos”).
298 Vida Mundial, 14/12/1974, p. 5.

144
Fig. 5 | Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica: zonas de incidência299

O distrito da Guarda foi o destino da primeira acção organizada em torno do modelo


itinerante, tendo sido considerada uma “experiência piloto” que permitiu reunir um
conjunto de informações basilares para a organização das acções subsequentes. Para
alguns protagonistas, esta campanha cristalizava as orientações originais do Programa
de Dinamização Cultural, que se mantiveram até à Campanha realizada no distrito de
Viseu que teve início em Março de 1975:

299Para a realização desta figura foram consultadas as seguintes fontes: Arquivo Histórico da
Rádio Difusão Portuguesa (AHD 5243 – faixa 6, 08/01/1975; AHD 5251 – faixa 5, 10/01/1975;
AHD 5392 – faixa 6, 13/03/1975); Arquivo Ministério da Defesa Nacional - em organização
(Caixa 6388; Caixa 6319; Caixa 6589); Centro Documentação 25 de Abril – Universidade de
Coimbra (Fundo Aida Ferreira, Caixa “CIASC – Centro D. Rec. - Din. Cult., Comissão Reg.
Faro”; Caixa "Campanhas de Dinamização Cultural, Distrito de Coimbra (Fotocópia de
alguma documentação existentes no governo civil), Governo Civil de Coimbra"; Caixa
“CIASC Regiões – Ilhas, Açores”); Biblioteca Nacional do Desporto – Instituto do Desporto de
Portugal (Desportos. Revista da Direcção Geral dos Desportos, Lisboa); Arquivo particular de
Manuel Madeira. Publicações periódicas: A Aurora do Lima, A Guarda, A Vanguarda, A Voz das
Beiras, Beira Baixa, Correio do Minho, Diário de Notícias, Diário Popular, Flor do Tâmega, Jornal da
Beira,Mensageiro de Bragança, Movimento, Boletim Informativo das Forças Armadas, Notícias da
Covilhã, O Caminhense, O Cavado, O Correio do Planalto, República, Sempre Fixe, Voz de Lamego,
Vouga Livre, Vida Mundial. Consultaram-se ainda: Correia, et al (s/d-a); Cruzeiro & Coimbra
(1997), Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984); Morais & Violante (1986).

145
[…] a verdade começa na Guarda. A Guarda é a primeira e é aquela que encerra
em si os pressupostos que estiveram na origem das Campanhas: […] a
acessibilidade das artes, a participação dos artistas. (Vítor Esteves)

Ao distrito da Guarda não é atribuída nenhuma particularidade específica para


justificar o início da acção do MFA nesta zona do país. O interesse pelas populações
do distrito da Guarda é explicado por Ramiro Correia, em entrevista à RTP, pelo
facto de estas se encontrarem arredadas de qualquer esclarecimento político, de
maneira análoga a outras regiões do território nacional, citando, também, este militar
o Minho e Trás-os-Montes como zonas “que se encontram mais desfavorecidas nos
aspectos que nós queremos apoiar”300.

Esta campanha, protagonizada pelos alunos dos cursos de oficiais e sargentos


milicianos da Escola Prática de Administração Militar, decorreu entre 25 de
Novembro 1974 e 7 de Dezembro do mesmo ano301.

[…] estávamos nós na Escola Prática de Administração Militar. Quando eu digo


nós, digo eu e os meus camaradas militares na altura, milicianos estávamos a fazer
a especialidade de administração militar, e como em qualquer outra especialidade
tínhamos que fazer uma campanha de campo ou uma semana de campo, que
normalmente seria um acampamento com uns exercícios militares […] Isso seria
ao fim ao cabo o final dessa especialidade. Eu, mais uns camaradas, uns
economistas e outros de outra formação, pusemos a questão: e se fossemos, em vez
de fazer semana de campo propriamente, formalmente, militarmente, fizéssemos
uma de divulgação junto do interior, na província onde de facto a situação na
altura ainda estava bem longe de haver um esclarecimento profundo do que se
tinha passado nas zonas urbanas propriamente ditas. […] na maior parte dos casos
era como se nada tivesse ainda acontecido. (Manuel Madeira)

Queiroz de Azevedo, coordenador desta campanha, acedeu à proposta dos seus


instruendos conduzindo-a à 5ª Divisão/EMGFA que a integra no quadro do
programa de Dinamização Cultural:

300 Filme N.º 1978, s/d [1974]. Filmoteca, Centro de Audiovisuais do Exército – Ministério da
Defesa Nacional.
301 Na cronologia anexa encontra-se referenciado, de forma detalhada, as actividades

promovidas no âmbito desta acção, bem como a referência às localidades visitadas.

146
Eu era major e director de instrução. E quando chegou à fase dos exercícios de
campo, nós íamos treinar a emboscada, o sentido e defesa das populações, tudo
coisas operacionais, para matar gente. E para já o pessoal começou a ter uma certa
consciência e dizia: “Queremos acabar com a guerra e vamos aprender estas
coisas”. A nós também nos repugnava estar a perder tempo com coisas daquelas e
apresentei isto superiormente. (Queiroz de Azevedo, director de instrução –
EPAM)

Com sede no Regimento de Infantaria 12, na cidade da Guarda, os exercícios de


campo percorreram todo o distrito. Esta acção, protagonizada por cerca de 200
instruendos, dispôs ainda de 5 equipas médicas sanitárias e enfermeiros da Marinha.
Foram constituídas cinco brigadas (Guarda, Sabugal, Trancoso, Pinhel e Gouveia),
cada uma orientada por um capitão, que integravam uma equipa sanitária e
dispunham de material de engenharia. Foram realizadas cerca de 70 sessões de
esclarecimento e, na área da Saúde, foram efectuadas cerca de mil consultas gratuitas.
Algumas localidades beneficiaram de melhoramentos ao nível das acessibilidades, da
construção de infra-estruturas básicas302 e do estabelecimento da rede eléctrica (Livro
Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984: 121).

Outro dos objectivos delineados para esta campanha, e que se manteve até à
realização das eleições para a Assembleia Constituinte, consistiu no esclarecimento
sobre o processo eleitoral, apelando ao recenseamento das populações, objectivo
legitimado e valorizado em tom pedagógico no boletim Movimento de 24 de
Dezembro de 1974:

- Votar eu? Eu não sou um malandro! O meu partido é o trabalho!


Assim respondeu o Emílio quando lhe dissemos que, por ter 20 anos, iria
ter que se recensear para poder votar em Março.
Para Emílio, o 25 de Abril ainda não significava o fim de uma longa
colonização mental. O Emílio não tinha ido a nenhuma das sessões de
esclarecimento cívico que os militares da E.P.A.M. iam promovendo por
todo o distrito da Guarda. […] Em Gonçalo não há Emílios. Em Gonçalo o

302No âmbito desta campanha destaca-se a construção de um cemitério na localidade de


Sintrão e a instalação de pontões para travessia de cursos de água em duas povoações. (Filme
N.º 1978, s/d [1974]. Filmoteca, Centro de Audiovisuais do Exército – Ministério da Defesa
Nacional; Vida Mundial, 14/12/1974, p. 6).

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Povo tinha votado em Humberto Delgado. As pessoas ainda se lembram
das cargas da GNR de quem se tinham habituado a fugir desde pequenos.
Em Gonçalo depois do 25 de Abril houve despedimentos. E hoje uma
cooperativa. Em Gonçalo a reacção não passou nem passará303.

Note-se que esta campanha ensaia uma tipologia de actuação, que se manterá nas
Campanhas posteriores, nomeadamente no que concerne aos primeiros contactos
com a Igreja304. A aproximação à estrutura eclesiástica das zonas onde se propunham
intervir, nomeadamente às dioceses e aos párocos locais, constituiu uma das
principais preocupações das equipas de dinamização. Este comportamento
adequava-se à última linha do Programa de Dinamização Cultural (“Inteligência política
de actuação”) que defendia que “cada comunidade possui uma cultura própria que
não deve ser agredida”305. Contudo, na imprensa são reveladas as resistências
oriundas da igreja católica, nomeadamente em Manteigas por parte do director do
Colégio Nossa Senhora de Fátima, que “no decorrer da sessão de esclarecimento que
aí teve lugar, mostrou estar com os elementos do clero que parecem determinados
em não querer sair do obscurantismo”306.

A partir desta campanha os responsáveis da Dinamização Cultural do MFA


fundamentam um edifício argumentativo sustentado pelo revelar das realidades que
vão encontrando e que são amplamente divulgadas no boletim Movimento307. Sob o
título “Fortalecer as Raízes da Madrugada” é apresentado o balanço desta campanha,
apoiado por um “Editorial” que enquadra a iniciativa no âmbito de um processo de
reconstrução nacional.

Para os capitães responsáveis pelas diferentes equipas de dinamização que


trabalharam no distrito da Guarda, a receptividade das populações foi muito

303 Movimento, Nº 7, 27/12/1974, p. 3.


304 Todos os protagonistas entrevistados no contexto desta investigação enfatizaram a
importância dos primeiros contactos com as estruturas religiosas como garante do sucesso do
trabalho dos grupos de dinamização cultural.
305 Estado-Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão

Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional


(em organização); caixa 6388). Esta linha do Programa de Dinamização Cultural será
desenviovida no capítulo 9.
306 Sempre Fixe, 17/12/1974, p. 15.
307 A tiragem inicial deste boletim foi de 40000 exemplares, tendo atingindo posteriormente os

130000 (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:190).

148
positiva. No mesmo sentido, Carlos Paulo, actor do grupo de teatro Comuna
descreve de forma entusiástica sua participação nesta experiência piloto,
nomeadamente a representação da Ceia em Trancoso:

A primeira campanha foi importante porque nós antes estávamos proibidos de


viajar pelo país, os espectáculos eram feitos em Lisboa e muito pouco saímos da
cintura industrial […]. Depois já tínhamos a percepção que o teatro poderia ajudar
as pessoas a tomar consciência de determinadas coisas. O espectáculo era
considerado elitista por alguma crítica e que as massas não iriam perceber. E
fomos, lá está, vamos experimentar! Como é que nós sabíamos? Aqui em Lisboa
tínhamos esgotado o espectáculo. E porquê que temos que achar que as pessoas na
província lá por terem menos acesso à cultura não entenderiam? Vamos
experimentar. E foi muito bonito. Não havia sítio para fazer. A Ceia era feita numa
mesa enorme com cinco metros e com duas bancadas laterais. No quartel dos
bombeiros, se cabia a mesa não cabia ninguém. Era tanta gente. Estavam não sei
quantos graus negativos e nós fazíamos descalços. E fizemos na rua num fim de
tarde e foi uma coisa deslumbrante. O João [Mota] pensou que quando
acabássemos o espectáculo já era de noite, então pôs uns projectores na mão de
pessoas do público e disse: - quando começar a escurecer eu vou acender as luzes e
vocês apontam para os actores. Foi uma experiência extraordinária, centenas de
pessoas ao frio […] que viram o espectáculo como se fosse uma cerimónia, uma
missa, um silêncio, jovens, novos, velhos tudo misturado. […] (Carlos Paulo,
actor; colaborador no sector do Teatro – CODICE)

Com o título “Brigadas do MFA Constroem a Democracia com o Povo da Beira


Alta”308, o Diário de Notícias refere o êxito desta campanha, onde cerca de sete mil
pessoas participaram numa sessão de esclarecimento. No entanto, os protagonistas
militares desta campanha acentuam a necessidade de continuidade da acção nesta
zona com equipas mais numerosas e mais bem preparadas do ponto de vista
técnico309. De facto, a questão da criação e preparação dos quadros foi visto, pelos
próprios militares, como uma fragilidade na concretização do Programa de
Dinamização Cultural:

Diário de Notícias, 4/12/1974, p. 12.


308

Filme n.º 1978, s/d [1974]. Filmoteca, Centro de Audiovisuais do Exército – Ministério da
309

Defesa Nacional.

149
Ora todo um trabalho desta grandeza era para nós um trabalho gigantesco, nós
não tínhamos quadros suficientemente preparados e em número suficiente e isso foi
logo uma das debilidades fundamentais nossas […]. Tínhamos muitos e muitos
militares que, embora fossem guiados por nobres ideais, por esperanças, enfim por
aspirações que eram legitimas, por uma grande generosidade, não estavam
preparados do ponto de vista político e social porque, por exemplo, não tinham
conhecimento, não sabiam apreender o verdadeiro estado de espírito das
populações. E a gente tinha que perceber qual o verdadeiro estado de espírito das
populações para poder exercer sobre elas uma acção benéfica, […] nós tínhamos
que ter um respeito por toda aquela mentalidade das populações que nós íamos
encontrando e que pretendíamos transformar. (Vasco Gonçalves)

A questão dos meios não se colocou na campanha que parte para a região de Trás-os-
Montes a 6 de Janeiro de 1975, prolongando-se até dia 21 de Janeiro do mesmo ano.
“Operação Nortada”310 foi o nome de código escolhido para esta acção, que se
desenvolveu nas regiões de Bragança, Vila Real, Lamego e Viseu. Tal como a
anterior, obedeceu ao modelo itinerante, inserindo-se no quadro de um exercício
final, desta vez, do curso do Batalhão de Comandos N.º 11 chefiado pelo, então,
major Jaime Neves, comandante do Batalhão de Comandos do Continente. Segundo
Manuel Begonha, que participou nas sessões de esclarecimento realizadas em Murça,
Miranda do Douro e Viseu, a “Operação Nortada” foi a campanha mais bem
preparada em termos militares311:

A campanha dos comandos, a Nortada, serviu para combater a ideia que os


militares depois do 25 de Abril eram militares muito indisciplinados, muito mal
uniformizados e os comandos tiveram um comportamento, dentro de algumas
limitações que há da rapaziada nova andar à solta nas terras, enfim...[…] mas o
regimento em si foi uma coisa excepcional, muito bem uniformizados, muito bem
comandados, muito bem enquadrados e as pessoas realmente nunca tinham visto
um aparato militar daqueles. Também serviu para eventuais focos reaccionários,
que se tivessem escondido à espera de algum auxílio de Espanha, percebessem que

310 Segundo o Diário de Notícias, a primeira fase da “Operação Nortada”, cujo o aúncio surge
dias antes na imprensa, corresponde ao “transporte das tropas em aviões […] e por estrada,
de Lisboa para o Porto e dali para Bragança” (Diário de Notícias, 4/1/1975, p. 11).
311 Foram disponibilizadas 56 viaturas (entre as quais 22 carros blindados “Chaimite”),

helicópteros e um avião.

150
os militares andavam por ali com capacidade pelo menos de mostrar a bandeira.
(Manuel Begonha)

Para os responsáveis pela Dinamização Cultural do MFA, foram razões operacionais


que determinaram a escolha do destino desta campanha (Correia et al, s/d-a: 52),
continuando a defender que não elegeram zonas prioritárias de intervenção, uma vez
que “para nos apercebermos da miséria em que vive o povo português basta andar
de eléctrico em Lisboa”312.

A opção por esta região foi fundamentada pela necessidade de confrontar os 400
instruendos com as condições adversas de uma região caracterizada por um relevo
acidentado e pelas baixas temperaturas dos meses de Inverno. Na conferência de
imprensa de apresentação da “Operação Nortada”, realizada no dia 3 de Janeiro de
1975, Jaime Neves afirma:

[…]esta campanha visa executar exercícios de instrução e aperfeiçoamento


operacional […]. Como complemento serão realizadas acções de
dinamização cultural e contactos informais com as populações, com vista
ao esclarecimento sobre o actual momento, visando cimentar a união do
povo com as Forças Armadas313.

Esta apresentação pública serviu igualmente para informar as populações, da região


de Trás-os-Montes e da Beira Alta, para os movimentos militares que aí iriam
decorrer, evitando desta forma a surpresa das mesmas314. Foram constituídas quatro
equipas “mistas” (civis e militares), nas quais se integraram o grupo de teatro
Comuna, o grupo La Cuadra315 e alguns técnicos da Secretaria de Estado da
Agricultura e do Instituto do Vinho do Porto, que procuraram informar as
populações sobre o associativismo e o cooperativismo agrícola.

312 Declarações de Manuel Begonha ao Diário de Notícias, 16/1/1975, p. 11.


313 Diário de Notícias, 4/1/1975, p. 11.
314 Foram igualmente contactadas as estruturas de poder local no sentido de desenvolverem

uma campanha de informação, preparando desta forma, a chegada da “Operação Nortada”.


315 Segundo Carlos Paulo inserção deste grupo na “Operação Nortada” prendeu-se com o

facto de esta [campanha] ir actuar numa zona muito ligada à “fronteira, […] onde havia
muitos movimentos, muita guerra, desde a guerra civil [espanhola], muito contrabando, para
eles [portugueses] olharem a Espanha com outros olhos e de se sentirem também honrados; -
agora são os espanhóis que vêm cá. Não foi em vão! Tudo isso tinha da nossa parte um
intuito, de olhar o outro com outra abertura.” (Entrevista gravada, 2004).

151
Ao contrário da campanha realizada no distrito da Guarda, a “Operação Nortada”,
mobilizou fortemente a atenção da imprensa local e regional, tendo ocupado por três
vezes primeira página do Diário de Notícias, duas delas em dias consecutivos
(9/1/1975, 10/1/1975 e 18/1/1975). Se algumas notícias colocavam a tónica na
grandeza militar desta acção, descrita como “a maior operação de comandos jamais
realizada em Portugal”316, e no esforço físico dos soldados, que a pé percorriam a
região, outras procuravam denunciar as condições de vida das populações do
nordeste transmontano. Afonso Praça descreve, desta forma, Trás-os-Montes nas
páginas da Vida Mundial:

Região tradicionalmente abandonada, a província de Trás-os-Montes


apresenta ainda muitas localidades que continuam à espera do 25 de Abril,
dominadas, como sempre estiveram, por senhores (ou famílias) de
mentalidade e práticas feudais, mergulhadas na ignorância mais completa,
narcotizadas, em muitos casos por ideias religiosas medievais317.

A imprensa regional e religiosa acolhe esta campanha com um entusiasmo inicial. No


Correio do Minho é referido que a zona de Trás-os-Montes registou um “desusado
movimento”318 com a passagem da “Operação Nortada”. No mesmo sentido, o
semanário da Diocese de Lamego, Voz de Lamego, destaca o movimento de
“Chaimites e outros veículos de combate” que conferiram “outra vida” à cidade. Este
jornal destaca ainda a importância das sessões de esclarecimento e o trabalho dos
militares:

Nada de exigências despropositadas, mas sim uma disponibilidade pelo


bem comum.
Após a exposição feita pelos oficiais que orientavam as sessões, seguia-se o
diálogo, com as respostas a perguntas formuladas por quem desejasse.
Aparecia ali de tudo; dúvidas sinceras, pergunta de verruma, afirmações
tendenciosas, acusações verrinosas e falsas, perguntas de certo nível e
outras infantis. Até a “Voz de Lamego” e a classe eclesiástica, que apesar
das suas naturais limitações e deficiências, não têm sido quem menos tem
feito a favor da região, até essas foram alvo de ressentimentos já ressessos.

316 Dário de Notícias, 9/1/1975, p. 9.


317 Vida Mundial, 16/1/1975, p. 14.
318 Correio do Minho, 11/1/1975, p. 3.

152
A todos, os pacientes militares procuraram dar uma resposta que
satisfizesse a esses seus interlocutores319.

Contudo, é no mesmo semanário que se inverte este tom com a publicação no final
do mês de Janeiro de um artigo da autoria, do pároco A. Rafael, que é amplamente
difundido por outros jornais regionais320. Aqui são elaboradas duras críticas aos
oficiais do MFA, tomando como mote as suas declarações aos diferentes jornais e à
RTP:

[…] o clero do Nordeste, que para nada foi contactado em relação à


referida operação, se viu – na televisão da mesma – alvejado como por
inquiridores... que o não inquiriram, e classificado como por sindicantes…
que não lhe fizeram sindicância, mas julgam tê-lo observado
suficientemente. O que sei é que, desta forma, o clero nordestino se viu
amarrado publicamente ao pelourinho da “reacção” por aqueles mesmos a
quem nós, padres – misturados com o povo, dispostos a ouvir e a aprender
como qualquer homem do povo - demos a honra de “conselheiros e
mestres” de democracia.
E as fustigadelas caíram impiedosas à medida que o dedo acusador ia
apontando com gesto… muito natural:
- ao lado de um povo ainda feudalizado, um clero de mãos dadas com a
nobreza local (os senhores das terras, os caciques, os exploradores);
-Um clero obscurantista e que faz do comunismo o velho papão […];
- clero que classificamos em duas categorias: um clero mau e um clero bom,
um que ataca o comunismo e outro que o defende […]321.

Importa assinalar que neste artigo é utilizada uma retórica análoga à dos militares do
MFA, valorizando-se a relação de proximidade entre a igreja e o povo:

Os srs. oficiais passaram por algumas das nossas terras, viram a miséria e
abandono, e tiveram pena; por isso muito louvavelmente querem voltar e
apraza a Deus, que sim. Voltarão, mas não virão para ficar, para
“comungar” dia e noite aquela pobreza e abandono. Nós padres […]

319 Voz de Lamego, 23/1/1975, p. 8.


320 A título de exemplo, este texto intitulado “Um padre e a Nortada” foi publicado no dia 30
de Janeiro na Voz de Lamego (pp. 4-5) e parcialmente reproduzido no Mensageiro de Bragança de
7/2/1975 pp. 3 e 9.
321 Voz de Lamego, 30/1/1975, p. 4.

153
viemos para ficar. Nós não temos somente pena deste povo: nós
partilhamos as suas penas … Estamos com o povo, somos povo!322

A “Operação Nortada”, através da mediatização de que foi alvo, abriu um espaço de


debate onde a igreja e os notáveis locais, fazendo uso da imprensa regional, e, no caso
do clero, dos boletins paroquiais e do espaço ritual da missa, asseveram as suas
posições relativamente à Dinamização Cultural e ao processo de transição em geral,
ancorando-se num discurso regionalista e anticomunista323. De facto, as campanhas
de dinamização cultural não foram um terreno pacífico, tendo sido palco de
inúmeras críticas e oposições, ao que não foi alheia a escolha dos seus destinos: as
comunidade rurais do norte e interior centro do país, zonas de minifúndio e de
elevada prática católica. Para o Luís Salgado de Matos, nenhum indicador socio-
económico justificava a actuação das campanhas nestes locais, defendendo que “o
Norte interior não era mais atrasado do que o Alentejo” (2001:102).

Durante esta “operação” foram promovidas 240 sessões de esclarecimento324,


marcadas por uma adversidade inicial. A sessão de esclarecimento realizada no dia 8
de Janeiro de 1975 no ginásio do Liceu de Bragança, caracterizou-se por alguma
instabilidade motivada por um conjunto de perguntas em torno de questões político-
partidárias325 que surpreenderam os próprios militares, que mais tarde viriam a
reconhecer que a situação teria sido propiciada “pelo desconhecimento que tinham

322Voz de Lamego, 30/1/1975, p. 4.


323Ver sub capítulo 15.2. onde estas temáticas são analisadas.
324 Delgado da Fonseca, responsável pela Comissão Regional de Dinamização do Porto,

afirma que em muitas sessões optaram pelo sistema de perguntas escritas “para pôr as
pessoas mais à vontade” (Avante, 6/2/1975. p. 10). Desta situação dão igualmente conta os
registos sonoros do Arquivo Histórico da RDP (AHD 5243 – faixa 6, 08/01/1975),
325 No decorrer da sessão de esclarecimento, o MFA foi questionado sobre o seu

posicionamento face aos futuros resultados das eleições para a Assembleia Constituinte, sobre
o facto de no distrito de Bragança e da Guarda existirem partidos que se auto-intitulava “o
partido das Forças Armadas” (PPD e PDC) e sobre a pressão que alguns patrões exercem
sobre os seus trabalhadores, no sentido de os conduzir à inscrição no partido no qual este
milita. Estas duas últimas perguntas, atribuídas pela imprensa a um elemento da LUAR
(Diário de Notícias, 9/1/1975, p. 9), suscitaram a contestação de um militante do PPD, o que
gerou alguma instabilidade. (RDP - Arquivo Histórico, AHD 5243 – faixa 6, 08/01/1975).
Importa salientar que a passagem da “Operação Nortada”pelo distrito de Bragança mereceu a
atenção do jornal Avante que evoca o “clima reaccionário” que se vivia no distrito (16/1/1975,
p. 8).

154
do meio”326. Já em Valpaços, foi a posição do clero face aos partidos de esquerda,
nomeadamente face ao PCP, que propiciou um aceso debate. Um dos intervenientes
assegurava que “alguns padres utilizavam os sermões dominicais para fazer
propaganda anticomunista”327, o que levou o capelão dos comandos, numa tentativa
de amenizar a assembleia, a expor o posicionamento do MFA face a esta questão328.
Em Macedo de Cavaleiros, a discussão foi motivada pela situação laboral do
complexo agro-industrial do Cachão329, marcada por um contexto de despedimentos.

A colaboração do Teatro nesta campanha foi, igualmente, conturbada na fase inicial.


Na sessão realizada em Bragança, a Comuna solicitou a suspensão da sua actuação
uma vez que “se havia manifestado uma tendência reaccionária na assembleia.”330.
Este grupo, tal como os La Cuadra, não acompanhou a “Nortada” até ao fim,
terminando as suas actuações no dia 15 de Janeiro nas localidades de Tarouca e da
Régua. A imprensa dá conta do pouco sucesso dos seus espectáculos em algumas
localidades, tendo sido aplaudidos noutras. Sobre a colaboração deste grupo de
teatro na Nortada, em declarações ao Diário de Notícias, Manuel Begonha afirmava:

No aspecto de dinamização foi importante trazer a Comuna e La Cuadra


cujas representações para além da sua função específica, tinham uma
função de esclarecimento e inclusivamente permitiram-nos levar este
género de teatro a zonas onde a população nunca vira uma peça de teatro
com excepção das transmitidas pela televisão, cujo sentido fortemente
alienante foi sobejamente conhecido. O teor das peças era motivante e
tinham um aspecto político importante331.

326 Diário de Notícias, 14/1/1975, p. 17. Esta situação levou os militares à realização de uma
reunião com os representantes de alguns partidos políticos (PPD, PCP, e PS) que lhes deram a
conhecer as principais dificuldades que encontravam nesta região.
327 Diário de Notícias, 11/1/1975, p. 13 e Correio do Minho, 12/1/1975, p. 1.
328 Para o major capelão Bártolo Ferreira, que acompanhou toda a campanha, procurando

esclarecer sobre as questões religiosas, algumas teses comunistas eram irreconciliáveis com a
doutrina social da Igreja, salientando, contudo, que existiam pontos de contacto entre ambas.
O capelão condenou, ainda, o facto de o clero fazer propaganda política apelando ao dever de
informação de cada cidadão sobre os diferentes partidos políticos.
329 Esta situação específica constituirá uma das prioridades da campanha “Maio-Nordeste”,

que se irá realizar entre Maio e Outubro de 1975, que já obedece, como se verá, a uma
reestruturação da tipologia de acção das campanhas.
330 Diário de Notícias, 9/1/1975, p. 9.
331 Diário de Notícias, 15/1/1974, p. 11.

155
O mesmo militar recorda com entusiasmo a participação da Comuna:

Os grupos de teatro, […] por exemplo a Comuna, foram à borla, dormiam no chão,
é preciso ter em atenção que não havia interesse material nenhum, era preciso ver
que era uma perspectiva diferente da de hoje. […] o João Mota da Comuna armou
o palco no meio de uma aldeia. A malta pensava que o teatro era uma coisa
estática. […] // Na zona de Mirandela teve muita piada, as assistências para as
cenas da Comuna. Nunca mais vai haver tanta gente. Eles faziam aquilo quase à
noite quando calhava, à luz de velas e caracterizavam-se no palco. As pessoas
nunca tinham visto a mudança da pessoa para o actor o que deslumbrava as
pessoas. E depois o João Mota, que tem um sentido pedagógico muito grande, e
como eles queriam levar toda a gente e não podiam deixar as crianças em casa [...],
e a dada altura os miúdos começavam a chorar e eles ficavam muito envergonhados
porque sentiam que estavam a perturbar. O João Mota dizia: isto não tem
problema nenhum, isto também é para eles, não se incomodem. E as pessoas
ficavam muito sensibilizadas com isso e depois assistiam ao teatro completamente
deslumbrados. (Manuel Begonha)

Segundo o Diário de Notícias e o Diário Popular, as sessões de esclarecimento


decorreram, numa fase posterior, sem sobressaltos, continuando, contudo, os
militares da “Nortada” a enfrentar assembleias muito heterogéneas nas suas
manifestações. A dificuldade dos homens do MFA em responderem a questões
políticas delicadas foi identificada em Correia et al (s/d–a: 29) como um dos
principais problemas332 com que a Dinamização Cultural se deparou, procurando-se
tornear esta questão através da dotação das diferentes comissões dinamizadoras de
dados políticos, da clarificação dos objectivos destas acções, através dos meios de
comunicação disponíveis e, por fim, através da proposta de um conjunto de
pressupostos doutrinais difundidos pelo boletim Movimento.

Nos pontos de situação que foram sendo realizados por Jaime Neves ao longo da
campanha, a par da referência aos êxitos dos exercícios operacionais, é notória a
preocupação relativamente à continuidade desta acção no terreno, sublinhando a
necessidade de ,no futuro, as equipas serem acompanhadas de meios técnicos, como

332Na mesma obra é, ainda, apontado como obstáculo a incapacidade de criação de quadros e
as crescentes “lutas pela conquista do poder” que “iriam afectar a qualidade e a quantidade
dos militares dispostos a empenharem-se” nas campanhas (Correia et al, s/d –a: 29).

156
a engenharia militar. Desta forma, para além de se proceder a um levantamento das
principais carências das diferentes comunidades, era possível resolver, de forma
imediata, algumas solicitações tal como tinha acontecido na campanha anterior. Este
militar sublinha, ainda, que após o “primeiro desbravamento das gentes colonizadas
do Nordeste, que infelizmente não chegou a todos os locais, é natural que os partidos
políticos de esquerda não sintam as dificuldades de penetração de que se vinham
queixando.”333.

Importa sublinhar que a eficácia do modelo itinerante parece começar a ser posta em
causa pelos próprios militares. No livro MFA, Dinamização Cultural, Acção Cívica é
igualmente sublinhada a importância da “Operação Nortada” enquanto uma
experiência que permitiu repensar a tipologia de actuação:

Verificou-se que, em termos de esclarecimento, uma acção que não permita


a fixação dos militares no terreno, embora motive a discussão aberta, não
realiza factos concretos, permitindo a rápida exploração dos erros
cometidos e a consequente recuperação pelas forças reaccionárias. No que
se refere à Dinamização Cultural provou-se que, embora com aspectos
positivos, a simples passagem de um meio de animação como o teatro ou o
cinema, mesmo em terras que raramente tiveram essa oportunidade, pouco
vai deixar como semente que desperte o interesse para o ressurgimento de
actividades locais. […]
A linguagem utilizada durante esta campanha não foi, por vezes, a mais
correcta. Uma população com dezenas de anos de falta de prática política,
ficou por vezes com uma ideia pouco clara do que pretenderiam os
militares (Correia et al, s/d –a: 41 e 44).

O modelo de actuação subjacente à “Operação Nortada” foi igualmente alvo de


apreciações negativas nas páginas da imprensa local334, tendo sido, ainda,

333Diário de Notícias, 14/1/1975, p. 17.


334O semanário Notícias de Chaves publica um artigo no início do mês de Janeiro apelando a
uma continuidade deste tipo de iniciativas: “Vemos muita gente condoída por tudo quanto a
Nortada em boa hora detectou, mas continuamos a não ver nada de concreto para salvar da
miséria esta pobre gente. […] mas que em próximas incursões a tropa traga já máquinas que
abram caminhos, que facilitem trabalhos de captação de água potável e com a ajuda generosa
das populações se possa rapidamente efectuar a electrificação das aldeias que ainda não
sabem o que é a alegria e o conforto da electricidade.

157
aproveitado pela igreja no sentido de enformar o conjunto de críticas avessas às
campanhas, como ficou expresso no artigo do pároco A. Rafael referido
anteriormente.

A última sessão de esclarecimento realizada no âmbito da “Operação Nortada” foi


em Viseu no dia 19 de Janeiro, continuando os exercícios operacionais335 no terreno
até dia no dia 21. O encerramento desta acção contou com a presença de destacadas
figuras do MFA336 e dos altos responsáveis da CODICE, Ramiro Correia e Manuel
Begonha.

Durante os quinze dias em que a “Nortada” percorreu as zonas de Trás-os-Montes e


Beira Alta, os seus protagonistas, foram hábeis na construção e divulgação de uma
paisagem discursiva sobre o mundo rural português, caracterizável pela sua
ambiguidade, procurando legitimar a estratégia delineada pelo MFA para estas
zonas do país. Tal é particularmente expressivo nas declarações de Otelo Saraiva de
Carvalho à agência noticiosa cubana, Prensa Latina, onde reitera que “Há algumas
localidades onde nunca chega um jornal, onde as pessoas têm de caminhar cinco
quilómetros para irem buscar água, onde os habitantes tem um vocabulário inferior a
500 palavras”337.

O boletim Movimento é, de novo, o arauto dos resultados da Dinamização Cultural.


Se na análise da campanha realizada no distrito Guarda a tónica era colocada no
binómio “fascismo/caciquismo”, agora convoca-se a figura da “reacção” para
referenciar o principal obstáculo, a força adversária por excelência ao trabalho das
equipas que protagonizaram a “Operação Nortada”. Já anteriormente, Manuel
Begonha tinha atribuído os insucessos verificados em algumas localidades a um

O povo de Trás-os-Montes, por tudo o que tem sofrido, pode e deve exigir prioridade para
estes benefícios a que tem real direito.” (Notícia de Chaves, 8/2/1975, p. 3).
335 Foram ainda realizados treinos de guerrilha urbana em Viseu, exercícios aquáticos no rio

Vouga, terminando a acção em Castelo de Bode.


336 Otelo Saraiva de Carvalho, comandante-adjunto do COPCON, que já se havia deslocado a

Mirandela dias antes (permanecendo apenas uma hora nesta vila no sentido de proceder à
apreciação da actividade dos militares) foi uma das presenças nesta sessão. (Diário de Notícias,
11/1/1975, p. 13). Importa referir ainda a participação dos conselheiros de Estado e membros
da Comissão Coordenadora do MFA, capitães Pinto Soares e Vasco Lourenço do Exército,
Major Pereira Pinto da Força Aérea e comandante Almada Contreiras da Armada. (Diário de
Notícias, 18/1/1975, p. 1).
337 Diário de Notícias, 23/1/1975, p. 3.

158
“reaccionarismo defensivo”, e que esta acção teria permitido “tirar a temperatura
política do povo desta região dita atrasada”338. Contudo, o MFA parece ter ganho
alguma vantagem face ao seu “inimigo” ao veicular a eficácia das sessões de
esclarecimento que parecem ter “incomodado a reacção”339.

Importa destacar que ao longo do período de vigência das campanhas, o MFA,


enquanto “locutor legítimo” (Bourdieu, 1998 [1982]:19) de uma “vanguarda política
das Forças Armadas”340, procede à construção de uma retórica assente numa
capacidade cirúrgica de circunscrição dos seus adversários, que se vão
metamorfoseando, mantendo-se, contudo, em campos semânticos análogos.

Ainda no mês de Janeiro de 1975 têm início duas campanhas que terão como destinos
o distrito de Castelo Branco e a zona do Alto Minho. Ambas as operações, apesar de
obedecerem ao mesmo esquema organizativo das anteriores, estabeleceram como
móbil principal a caracterização e o levantamento das carências das populações,
procurando responder de forma imediata a questões que não necessitassem de uma
grande mobilização de meios. Mais uma vez, a imprensa é convocada para a
apresentação destas campanhas. Ramiro Correia aproveita o momento para fazer a
apologia do trabalho das equipas de dinamização, defendendo as razões para a
continuação da “missão”:

Está a ter um trabalho intenso junto das populações, nomeadamente nas


rurais, ou seja, aquelas que estavam realmente muito afastadas de uma
informação correcta, a fim de as despertar para uma vida comunitária e de
permitir que, logo que se tomem medidas políticas adequadas à
reconstrução do país, essas populações possam compreender, na sua
dimensão real, as medidas que se tomam e participar de maneira activa na
reconstrução do País. […]
A experiência que temos recolhido das acções de dinamização cultural é
bastante positiva. Por um lado temo-nos apercebido da verdadeira
dimensão dos problemas do País, das carências, do estado de
despolitização e dos anseios das próprias populações, que, por vezes, têm
carências primárias. Por outro, de certas situações de dependência, não

338 Diário de Noticias, 16/1/1975, p. 11.


339 Movimento, N.º 9, 28/1/1975, p. 3.
340 Movimento, N.º 7, 24/12/1974, p. 1.

159
apenas económica, mas mesmo social e até mental das populações em
relação a certos movimentos. […]
Este é o motivo […] por que as Forças Armadas não podem abandonar a
sua actividade de esclarecimento cívico junto da população, pelo contrário,
têm de incrementar, passando de uma fase de improvisação para uma fase
de organização. Tudo tem de ser repensado, mas sem a pretensão de
praticar «colonialismo cultural»341.

A “Operação Castelo Branco” decorreu entre os dias 24 de Janeiro342 e 2 de Fevereiro


de 1975343, tendo sido protagonizada por equipas compostas por elementos dos três
ramos das Forças Armadas, incluindo médicos, engenheiros, agrónomos,
economistas e veterinários que percorreram os doze concelhos deste distrito. À
semelhança das campanhas anteriores, para Castelo Branco partiram alunos das
diferentes escolas de ensino militar. É com grande entusiasmo e exactidão, que
Fernando Simões, na época aluno da Escola Naval, narra a sua partida para Castelo
Branco:

De madrugada, partimos da Marinha para a EPAM, aqui na Alameda das Linhas


de Torres […]. Aquilo estava mais ou menos organizado com pés e cabeça, ou seja,
havia grupos bem distribuídos, cada elemento por cada função. E da EPAM,
saímos para Castelo Branco com um grupo, num jeep militar do Exército,
constituído por um condutor que era um praça, um alferes de Salvaterra [do
Extremo], eu, um marinheiro já velho, um homem forte e velho e mais um colega
meu, um segundo colega meu. Foi esta a constituição daquele jeep que foi direito a
Castelo Branco. Saímos daqui por volta das 8 da manhã com as ordens. […] E o
alferes, que era o responsável pelo grupo, distribuiu quem por quem. E porque
aquilo era uma conversa para um dia inteiro, uma viagem de partir às 8 da manhã

341 Diário de Notícias, 24/1/1975, p. 3. Esta conferência de imprensa foi amplamente divulgada
nos jornais nacionais. Ver também Dário Popular, 23/1/1975, p. 21 e Avante 30/1/1975, p. 9.
342 Apesar desta data marcar o arranque oficial desta campanha, no dia 23 teve lugar em Vila

Velha de Rodão um espectáculo da banda militar Alerta Está. No Livro Branco da 5ª Divisão
1974-75 (1984: 123) é esta a data que é referenciada como o início desta acção. Contudo, uma
aproximação a este distrito já havia sido realizada no dia 1 de Dezembro de 1974. O jornal
local Beira Baixa dá conta de uma reunião “estrutural e de estudo de conjunto” no Governo
Civil de Castelo Branco que contou com as presenças dos elementos coordenadores regionais
do MFA, do MEC, do Ministério dos Assuntos Sociais e da Secretaria de Estado da
Agricultura. (Beira Baixa, 14/12/1974, p. 2).
343 Segundo o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 algumas equipas permaneceram mais tempo

no terreno a fim de concluir as obras iniciadas. Tal foi o caso do grupo responsável por
Proença-a-Nova (1984:123).

160
e chegar às 9 da noite […], eu vou com ele [alferes] para Salvaterra […]. Ele tinha
lá os avós e eu vou jantar e durmo lá também. E porquê? Porque isto são amizades
que são feitas pelo caminho, empatias […]. (Fernando Simões, aluno da Escola
Naval)

Segundo a imprensa nacional e regional, as sessões culturais e de esclarecimento


realizadas no âmbito da “Operação Castelo Branco” foram muito participadas pelas
populações. As notícias publicadas faziam, frequentemente, referência à exiguidade
dos espaços escolhidos para a sua realização, manifestamente insuficientes para
acolherem todas as pessoas que a elas se dirigiam.

Esta campanha contou, ainda, com diferentes contribuições do sector teatral, das
quais de destacam, para além do grupo La Cuadra que já tinha participado em acções
anteriores, Os Bonecreiros e o Teatro Português de Paris. Integrado nesta acção,
esteve também o grupo musical Alerta Está dirigido pelo maestro Sílvio Pleno.

No outro dia de manhã fomos para Castelo Branco para uma reunião com o bispo e
com a hierarquia religiosa do distrito. E aqui começa o cuidado […]. Para a
reunião foram convocadas […] todas as pessoas que iriam ter responsabilidade do
que se ia passar, são convocados todos os oficiais e tudo o que seria a hierarquia
religiosa correspondente […]. Recordo-me da reunião, numa mesa muito comprida
daquelas de concílio, nos Paços Episcopais de Castelo Branco. Aquilo quase que
parecia um concílio. De um lado os militares, do outro lado os religiosos. E
recordo-me sobretudo do ambiente. Era tenso mas cordial. Percebi que havia
problemas, havia culpa. […] A linguagem conservadora que eu ouvi da boca
daquele bispo, obviamente subjacente estava a reacção de alguns padres
reaccionários. A nossa preocupação foi informá-los. (Fernando Simões)

Apesar desta reunião preparatória, a “Operação Castelo Branco” distinguiu-se por


um confronto entre as estruturas religiosas locais e distritais e alguns dos elementos
do MFA, decorrente da decisão de nacionalizar o Colégio Diocesano de Proença-a-
Nova344. Segundo um comunicado dos padres do Arciprestado de Proença-a-Nova,
no dia 29 de Janeiro de 1975, após uma longa sessão de esclarecimento, os militares
do MFA decidiram “em nome do povo”:

Esta situação é referida por Franco (1989) na análise da relação entre a Igreja e o poder na
344

conjuntura revolucionária, nomeadamente no quadro da questão da liberdade de ensino.

161
a) o saneamento do director e de um outro professor e a proibição de
entrada dos mesmos no edifício do Colégio.
b) a nacionalização do Externato, prometendo a sua oficialização em Liceu
de Proença-a-Nova;
c) a nomeação de uma comissão directiva efectiva, integrada por 7
elementos, pessoas todas elas estranhas ao actual corpo docente. Com
excepção de um elemento.345

Esta medida foi acerrimamente criticada pela igreja que, através da imprensa do
distrito e dos periódicos das regiões do Minho, Bragança, Lamego e Viseu346, que lhe
eram afectos, procedeu a uma amplificação do caso, contestando “o processo de
assalto perpetrado pelos representantes do MFA”, asseverando que “com estranheza,
com injustiça, a Igreja foi tratada como exploradora do Povo, à qual nem sequer se
reconheceu o direito de ser ouvida, sendo posta frente a «factos consumados,
irreversíveis» – como disseram os representantes do MFA”347.

Também o jornal Avante publica uma notícia sobre o acontecimento, onde defende a
posição do MFA neste processo:

O 25 de Abril foi acolhido em Proença-a-Nova com um silêncio fúnebre.


[…]
Mas a campanha de dinamização do MFA andou pelas Beiras, passou por
Proença-a-Nova, desmistificou ídolos com pés de barro, levou ao povo a
coragem de arrancar a mordaça e trazer para a rua os problemas tanto
tempo sentidos e reprimidos.
O desenrolar dos acontecimentos do Colégio Diocesano de Proença-a-Nova
é um exemplo elucidativo. […]
Primeiro os ataques ao MFA partiram de elementos inexpressivos da
reacção em regiões visitadas pelas equipas do Movimento; depois
intervieram no debate dirigentes de partidos políticos; agora quem
pretende colocar o MFA no banco dos réus é uma autoridade eclesiástica?
[…]

345 Comunicado publicado no jornal Beira Baixa, 8/2/1975, p. 4.


346 A notícia da nacionalização deste colégio e acontecimentos subsequentes foi publicada,
entre outros, no Diário do Minho, 10/2/1975, p. 1, no Mensageiro de Bragança, 14/2/1975, p. 13,
no Jornal da Beira, 14/2/1975, p. 10 e na Voz de Lamego, 24/2/1975, p. 5 e 6/3/1975, p. 4.
347 Comunicado publicado no semanário Beira Baixa, 8/2/1975, p. 4.

162
O MFA é acusado de desvirtuar os factos, de ter ocupado ilegal e
arbitrariamente um colégio que era um modelo de escola democrática. […]
E não serão métodos repressivos os castigos aplicados aos alunos, que iam
desde agressões físicas até aos maiores vexames, como por exemplo, serem
pendurados nas portas de cabeça para baixo ou serem postos em exposição
amarrados em cadeiras, no colégio ou na praça da vila? Serão isto métodos
pedagógicos adequados a um modelo de escola democrática?348

Este acontecimento foi, de facto, pautado por diferentes momentos, dos quais se
destacam a tomada de posição da equipa de Dinamização Cultural em Proença-a-
Nova, que considerou que a estrutura eclesiástica local enveredou por um “ataque
calunioso e reaccionário ao MFA”, pretendendo “levar as pessoas menos avisadas a
concluir que […] se vive um clima de anarquia e de desordem sem ninguém que a
controle”349, as indefinições do o pároco de Proença-a-Nova350, os comunicados das
dioceses de Portalegre e Castelo Branco351, a detenção do director do Colégio352,

348 Avante, 13/3/1975, p. 6.


349 Carta da equipa de Dinamização Cultural em Proença-a-Nova, assinada pelo aspirante
médico Fernando Leitão e pelo 1.º Sargento da Armada José Marcelino Pinto Francisco
publicada no jornal Beira Baixa, p. 15/2/1975, p. 4.
350 Segundo o semanário Beira Baixa, no dia 5 de Fevereiro de 1975 a equipa arciprestal de

Proença-a-Nova decidiu, em reunião, redigir um comunicado sobre esta questão assumindo a


responsabilidade de o distribuir pelas diferentes paróquias, o que não aconteceu na paróquia
de Proença-a-Nova. Segundo o pároco da equipa arciprestal o referido padre ainda “leu um
aviso às missas dominicais no qual lhe [comunicado] põe reservas, argumentando uma
«omissão» do mesmo.” (Beira Baixa, 15/2/1975, p. 4).
351 No primeiro comunicado, a diocese, responsável pela abertura este colégio há 12 anos,

defende que a medida do MFA terá sido apoiada por três professores que tinham sido
afastados deste estabelecimento de ensino no ano lectivo de 1973/1974. Neste documento, o
MFA é destituído de qualquer legalidade neste processo, afirmando esta diocese que o
número de pais e de encarregados de educação presente na referida sessão de esclarecimento
(cerca de 50) não eram representativos dos 600 alunos do colégio, nem das 5000 pessoas
residentes na paróquia: “Nem podia esperar-se presença significativa, uma vez que a sessão
anunciada à última hora pela rádio (8 da manhã do mesmo dia 29) e numa outra reunião não
fora anunciada para tratar do problema do Colégio, mas sim como uma sessões de
esclarecimento cívico.
Era um dia de trabalho, num meio rural, às 14.30 horas, numa Paróquia dispersa por meia
centena de pequenas povoações e com um diâmetro de mais de 20 quilómetros. […] A vinda
de propósito para a sessão, de antigos alunos residentes em Castelo Branco e Abrantes, em
transportes providenciados pelas F.A. mostra à evidência como tudo estava previamente
orquestrado, pelos três antigos professores, pelo presidente da Comissão Administrativa da
Câmara Municipal e pelos elementos do MFA, em ordem de consumar um plano,
cuidadosamente elaborado.”(Notícias da Covilhã, 22/2/1975, p. 9).
352 Segundo comunicado dos Serviços Diocesanos de Informação de Portalegre esta detenção

foi ordenada pelo Capitão Calvinho, responsável pela equipa de Dinamização Cultural do

163
culminando com uma manifestação dos pais e encarregados de educação dos alunos,
no dia 27 de Fevereiro de 1975, seguida da eleição de uma nova comissão de gestão
do Colégio, tendo sido readmitidos os professores saneados353. O “caso do Colégio
Diocesano de Proença-a-Nova”, como outros análogos, constitui um terreno propício
à construção de uma argumentação hostil ao MFA por parte da igreja católica.
Referindo-se à sua experiência no âmbito desta campanha e das realizadas na região
de Viseu e da Guarda em que também participou, José Vermelho, afirma:

Havia um trabalho, normalmente feito pela igreja e pelos caciques, em que as


pessoas eram mal informadas sobre o Movimento [MFA], sobre o que se passava
aqui [Lisboa], as coisas eram potenciadas, se alguma coisa corria mal eram
demasiadamente potenciadas. As pessoas tinham muito receio às suas coisas, aos
seus bens, tinham muito receio em relação aos seus familiares que aqui se
encontravam em Lisboa, às pessoas que estavam lá fora. Era uma economia que
dependia muito das remessas dos emigrantes. (José Vermelho, alferes)

Refira-se que ao contrário das anteriores, a “Operação Castelo Branco” não mereceu
qualquer destaque no Movimento354. No se decurso, a temática da Dinamização
Cultural é focada a partir do destaque atribuído à campanha que decorria, em
simultâneo, na região do Minho e à dinamização interna das Forças Armadas,
questão esta considerada por alguns militares entrevistados como um dos grandes
benefícios da Dinamização Cultural do MFA. Para os redactores do Movimento, após
um período de definitiva implementação e consolidação das campanhas, o MFA
deveria dedicar-se “à sua própria dinamização, isto é, auto-dinamizar-se”355.

MFA de Proença-a-Nova que terá, posteriormente, posto a circular um panfleto “no qual
ataca e põe a ridículo o Bispo da Diocese”. Ver Beira Baixa, 22/2/1975, p. 1 e 4, Notícias da
Covilhã, 8/31975, p. 5.
353 Após a eleição o Capitão Calvinho, apesar das resistências dos manifestantes, tomou a

palavra dizendo que “a 5ª Divisão da qual dependia iria fazer um inquérito à actuação dos
elementos do MFA que estiveram em Proença-a-Nova e também ao Colégio.” (Beira Baixa,
08/3/1975, p. 1, 4 e 8, Notícias da Covilhã, 15/3/1975, p. 9).
354 O mesmo acontece em Correia et al (s/d –a). Quanto à “Operação Verdade” esta obra

reproduz o artigo publicado no Movimento, n.º 11, 25/2/1975, p. 3.


355 Acrescentando ainda: “Tem sido dito e constatado, por todos aqueles militares que têm

participado nas Campanhas de Dinamização Cultural, que para além dos largos resultados
obtidos junto das populações, a maior vitória tem sido para as próprias F.A. que têm
aprendido com o Povo, que estão mais esclarecidas politicamente, têm mais exacta noção da
situação real e do atraso do nosso Povo como consequência do meio século de fascismo.

164
A quarta campanha, denominada “Operação Verdade”, iniciou-se na região do Alto
Minho no dia 31 de Janeiro de 1975, tendo-se prolongado até ao dia 9 do mês
seguinte. A escritora Alice Vieira, que na época colaborava com Diário Popular
assinando uma coluna intitulada “Ontem vimos…”, saúda o trabalho das equipas de
dinamização partindo de um comentário ao Programa do Movimento das Forças
Armadas356, transmitido pela RTP, dedicado à acção do MFA naquela região:

[…] a sequência de imagens nos minutos iniciais onde, sem uma só


palavra, apenas por imagens, e pela sua alternância, nos é dado o ambiente
verdadeiro, contrastando com o «cartaz turístico» da região: por um lado,
os arcos luminosos do fogo de artifício caindo sobre o rio, a música dos
ferrinhos e dos bombos, os ranchos folclóricos do tempo do D. Pedro
Homem de Melo, os brincos de filigrana, as arrecadas e os cordões de ouro
enchendo o peito das minhotas sorridentes e estilizadas – por outro lado as
crianças à chuva, guiando os bois, as charruas abandonadas a um canto, os
currais dentro das casas (ou vice-versa). E a mentira da paisagem tentando
esquecer a crueza dos problemas: a emigração, os homens que não voltam,
as mulheres que os esperam numa quase resignada semi-viuvez357.

Tal como as anteriores, esta campanha foi preparada pela CODICE, tendo sido
instalado o seu centro director em Arcos de Valdevez. Foi protagonizada pelo
Regimento de Caçadores Pára-quedistas, pela Base Aérea Nº. 3, por dois capelães358 e
pela Direcção de Saúde da Força Aérea. A frequente interpelação das populações

O contacto com as realidades humanas, económicas e políticas por todo esse país, dão aos
militares uma consciência de “justiça social” que jamais se apagará das suas mentes e os
tornará irredutíveis no processo revolucionário em que estão a participar em estreita união
com as massas trabalhadoras. […] As F.A. têm de virar-se para dentro, isto é, fazer um esforço
de Dinamização Interna com uma preocupação prioritária ao esclarecimento político dentro
das próprias unidades militares. Isto é fundamental para tornar mais coesas as F.A. e mais
conscientes os militares que terão agora de entrar numa fase mais avançada de apoio às
populações.” (Movimento, N.º10, 11/2/1975, p. 2).
356 Com o objectivo de divulgar e esclarecer o seu Programa, o MFA, depois de ter iniciado a

publicação do boletim Movimento, optou pela transmissão de programas na Emissora


Nacional e no Rádio Clube Português. Quinzenalmente apresentava o seu programa na RTP.
(Movimento, N.º 11, 25/2/1975, p. 3).
357 Diário Popular, 26/2/1975, p. 6
358 Esta acção procurou, também, uma aproximação com as estruturas religiosas regionais

tendo-se realizado durante o mês de Dezembro de 1974 duas sessões de esclarecimento


destinadas aos sacerdotes da Diocese de Braga. Uma das sessões foi participada por cerca de
250 padres. (O Cávado, 28/12/1974, p. 6)

165
sobre questões agrárias levou ainda à integração de engenheiros e regentes agrícolas
nas equipas de dinamização359.

No âmbito cultural, a “Operação Verdade” contou com a participação de um grupo


de palhaços, da Banda da Força Aérea, do conjunto Boinas Verdes e do rancho
regional de Merufe, tendo sido realizadas diversas sessões de cinema. Após ter
apresentado a Ceia II nas campanhas precedentes, a Comuna, leva ao Minho a peça
Era uma Vez, adaptada de uma obra de Alfredo Nery Paiva360, que viria a participar
na campanha realizada Castro Daire.

As oito equipas constituídas percorreram, assim, as 80 freguesias minhotas361 dos


concelhos de Monção, Melgaço, Arcos de Valdevez e Ponte da Barca 362. A imagem
paradoxal do Alto Minho, descrita por Alice Vieira, espelha o objectivo capital desta
campanha: a circunscrição dos “problemas existentes”. À semelhança da “Operação
Castelo Branco”, a “Operação Verdade” procurou desvelar realidades e quotidianos,
apresentando o Movimento uma relação das principais carências desta região:

- Assistência sanitária inexistente ou insuficiente. (Consultas ao domicilio


3500$00 a 4500$00 ou mais). Ainda há mortalidade maternal, instalações
hospitalares em ruínas).
- Inexistência duma rede rodoviária capaz […]

359 Vida Rural, 22/2/1975, p. 18. Esta publicação dá ainda conta de algumas preocupações

expressas pelos agricultores do Minho: “Em Ponte da Barca havia feira de gado quando lá
chegaram os homens da «Acção Verdade». O negócio não ia de feição para a meia centena de
feirantes que lá se encontrava: - Somos á roda de 50 aqui – disse um deles – e pergunte a
qualquer um se o 25 de Abril já lhe trouxe algum benefício. A lavoura está na mesma. Os
preços que praticamos são iguais. Entretanto aumentou o arroz, o bacalhau está pelos olhos
da cara e o azeite e o açúcar. Também agora temos de pagar os adubos mais caros. […] – É
preciso ter mão nisto – sugeriu um outro feirante – e nós temos fé que os militares hão-de
resolver esses problemas todos e nós cá estamos para conversar com eles e apresentar-lhes os
nossos problemas.”(Vida Rural, 22/2/1975, p. 18). No mesmo sentido o jornal regional O
Cávado, ao noticiar a realização desta campanha coloca a tónica na questão da rentabilidade
do sector agrícola e no cooperativismo agrícola, referindo: “Cooperativas de vinho, fruta,
gado, leite, etc., fariam com que a lavoura adquirisse nova dimensão garantindo aos
lavradores um nível económico elevado e permitindo que o país pudesse ser abastecido in
loco, sem recorrer ao estrangeiro” (8/2/1975. p. 2).
360 Este livro, intitulado Fábula Era Uma Vez foi publicado em Portugal pela Centelha em 1976.
361 Ver cronologia em anexo.
362 Diário de Notícias, 30/1/1975, p. 3.; Diário Popular, 31/1/1975, p. 9.

166
- Infra-estruturas escolares insuficientes ou deficientes. (crianças para irem
à escola têm que percorrer caminhos quer faça chuva ou sol meia hora e
mais e não têm na escola abrigos, aquecimento nem cantinas).
- Agricultura minifundiária, muito dividida, pouco rentável, com má
colocação dos produtos. (Associativismo comprometido por campanhas
contra-revolucionárias e pelo pouco esclarecimento da população.
- Inexistência de distribuição de energia eléctrica e água […]
- Forte emigração […]
- Inexistência de industrias.
- Total dependência da população duma agricultura de subsistência, do
pastoreio e da emigração.
- Limitadíssima actividade cultural (1 grupo folclórico, 3 bandas de música)
- Desconhecimento ou desconfiança pela situação política do pós-25 de
Abril.
- Analfabetismo, e relutância em enviar os filhos à escola para ajudarem
nas lides do campo […].
- Regionalismo exacerbado e em alguns casos violento, derivado duma
ausência de conhecimento da realidade e de ódios herdados, mal definidas
já as suas origens
- Hábitos alimentares e de vida incongruentes, mas justificados pelo limite
das possibilidades económicas e pela rotina imposta pelo duro trabalho do
campo. […]
A realidade é resumindo, é uma vida sem ambições, é um mourejar
constante, é o repetir de gestos e hábitos dum pai, dum avô, dum
antepassado longínquo363.

O balanço difundido pelos diferentes jornais regionais e nacionais das 70 sessões de


esclarecimento e dos 20 espectáculos realizados, refere o “êxito total”, acabando esta
operação por ser apelidada de “Acção Amizade”364. O sucesso desta “operação”, de
acordo com um artigo do Diário de Notícias, reside no facto de a população da região
do Minho “não ser tão impenetrável como poderia imaginar-se, às tentativas de
desenvolvimento do ponto de vista cultural, cívico e político”365.

363 Movimento, N.º 11, 25/2/1975, p. 3.


364 Diário de Notícias, 10/2/1975, p. 10.
365 Diário de Notícias, 10/2/1975, p. 10.

167
Na primeira página da edição de domingo de 16 de Fevereiro de 1975, a Vanguarda
refere-se, da seguinte forma, ao trabalho das equipas de dinamização e ao ambiente
proporcionado:

Desde o dia 31 de Janeiro até 9 do corrente, a nossa vila e concelho e ainda


os concelhos de Ponte da Barca, Monção e Melgaço, foram fortemente
galvanizados por uma movimento desusado que muito influenciou e
alertou as suas gentes. Foi a «ACÇÃO VERDADE». […]
Todo o povo deste concelho recebeu euforicamente os homens que querem
ajudar o povo a construir um Portugal novo. Pode dizer-se que, com a
chegada de quatro helicópteros, que aterravam em qualquer lado, vários
saltos em para quedas, sessões de esclarecimento no Cine-Alameda,
Pavilhão Gimno-Desportivo, Banda de Música da Força Aérea, toda a
gente desta vila e concelho, esteve em festa.
Todos os párocos sem excepção, avisaram o seu povo da chegada dos
militares, pelo que não houve surpresa para ninguém. Os capelães
militares, informaram com verdade o clero de Arcos e Ponte da Barca,
reunido, com aviso prévio, na Matriz desta vila.
Houve bailes, concertos, exibições de «A COMUNA» a que grandes
multidões acorriam sempre com grande entusiasmo. […]
O seu esclarecimento ao clero foi frutuoso, porque todo ele viu que se não
tratava dum partido ou do apoio a qualquer partido político, até porque
apenas todos tinham em vista em vincar bem a necessidade de
consciencializar o povo no seu direito de voto, arma que todos devem
aproveitar para se defender com consciência
Muitas aldeias expuseram as suas maiores carências.
Falou-se de tudo, pode dizer-se, inclusivamente da agricultura rotineira
dos nossos lavradores. […]
O Capitão Freitas de Oliveira foi ouvido e acolhido com carinho.
As Forças Armadas amam o Povo e o Povo já se acostumou a ter em conta
toda a acção deste movimento.
Foi já com uma certa saudade que o povo viu partir os militares, no dia 10
do corrente366.

366 A Vanguarda, 16/2/1975, p. 1.

168
Durante o mês de Fevereiro a CODICE e as suas estruturas regionais e distritais
continuam a promover sessões de esclarecimento em todo o país (ver cronologia em
anexo). Entre o dia 13 e o dia 23 de Fevereiro de 1975, o Minho é novamente palco de
mais uma acção do MFA, desta vez denominada de “Operação Alvorada”, que
trabalhou nos concelhos de Ponte de Lima, Caminha, Vila Nova de Cerveira e
Paredes de Coura367. Esta campanha foi executada pelo destacamento n.º 12 dos
Fuzileiros Navais, pertencente à Força de Fuzileiros do Continente com base no
Alfeite, que ficou aquartelado na Praia da Foz do Rio Minho:

Este destacamento era comandado pelo 1º Tenente Teixeira Rodrigues, que


desde logo ganhou as simpatias do povo desta localidade. Assim soldados
envergando a sua tradicional farda multicolor, apareceram nos cafés,
pastelarias, etc., ou passeando pelas ruas acamaradando com o povo. […]
os fuzileiros levaram a efeito no Cine Teatro José António Pires, um
espectáculo recreativo […]. Aquela casa de espectáculos esgotou a lotação e
tornou-se necessário não permitir a entrada de mais pessoas para evitar
qualquer possível acidente.
O espectáculo foi de pleno agrado da assistência que não deixou de
aplaudir e manifestar o seu total apoio às Forças Armadas368.

Abrangendo os concelhos de Tavira, Castro Marim e Alcoutim é lançada, no dia 23


de Fevereiro, a “Operação Povo Culto”369. Protagonizada pelo CISMI (Centro de
Instrução de Sargentos Milicianos), no âmbito dos exercícios finais do curso de
sargentos milicianos do 4.º turno de 1974, esta campanha desvela, agora, o Portugal
“a Sul”, que é descrito por um jornalista radiofónico que acompanhou acção da
seguinte forma:

Na aldeia de Giões, concelho de Alcoutim, a verdadeira face de um


Algarve, só conhecido pelo seu clima, beleza das suas praias e esplendor
do seu sol. Todo um conjunto que só serviu o capitalismo através da
exploração turística. Mas a verdadeira face do Algarve, essa foi ignorada
do povo, de todo o país digamos assim, que foi a maneira de viver da gente

367 Diário de Notícias 25/2/1975, p. 11; A Aurora do Lima, 28/2/1975, p. 1; O Caminhense,


5/3/1975, p. 1.
368 O Caminhense, 5/3/1975, p. 1.
369 Diário de Notícias, 3/3/1974, p. 10.

169
do interior. Essa gente humilde, hospitaleira e trabalhadora que é o povo.
O povo que agora está a tomar contacto com as realidades do país através
de operações militares como é o caso aqui no sul do país da Operação Povo
Culto, Acção Cívica em curso pelos militares do CISMI na serra do
Sotavento Algarvio, um contacto povo-militares na escola de Giões
permitiu um esclarecimento e diálogo que virá abrir perspectivas novas à
população de uma aldeia que vive em situações inacreditáveis no século
XX. O Povo de Giões vivia até hoje completamente despolitizado, ignorado
de tudo e de todos370.

Importa sublinhar que as Operações “Povo Culto” e “Alvorada” não se encontram


referenciadas nas principais fontes disponíveis sobre as Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA371. No caso da “Operação Alvorada”, a imprensa
local372 (que notícia esta acção na primeira página) e nacional são unânimes em
afirmar o seu sucesso, fazendo, no entanto, alusão à necessidade do seu
prolongamento por um período de tempo mais longo, face à “despolitização dos
meios rurais”373.

O mês de Fevereiro de 1975 é ainda marcado por um reforço do apoio do Primeiro-


Ministro Vasco Gonçalves à Dinamização Cultural numa sessão de esclarecimento
realizada no Sabugo (concelho de Sintra), onde profere uma comunicação ao país,
amplamente divulgada pelos diferentes órgãos de comunicação social. São abordadas
diferentes temáticas das quais se destacam a análise da conjuntura política, o
associativismo, o processo de saneamento, a descolonização, a institucionalização do
MFA, o Programa Económico Social e o cooperativismo. Vasco Gonçalves inicia o
discurso louvando a acção cívica das Forças Armadas e a sua importância para os
militares que as protagonizam:

De facto, na verdade, é aqui que eu me sinto em minha casa, entre as


Forças Armadas e o nosso Povo.

370 RDP – Arquivo Histórico, AHD 5251 – faixa 4, 13/03/1975.


371 Não foram objecto de análise em Correia et al (s/d-a), no Livro Branco da 5ª. Divisão, 1974-75
(1984), nem no boletim Movimento.
372 A Aurora do Lima, 28/2/1975, p. 1.
373 Diário de Notícias 25/2/1975, p. 11.

170
Eu procurei vir aqui a uma sessão de dinamização das Forças Armadas
precisamente porque quero manifestar publicamente quanta esperança e
confiança nós temos nesta acção cívica desenvolvida pelas Forças Armadas
no seio, em particular, das classes trabalhadoras.
Nós não vimos aqui com instintos paternalistas, nós não vos vimos trazer a
solução para os vossos problemas, […], nós vimos aqui aprender convosco,
ajudar-vos e aprender convosco, repito, porque é no contacto directo com
as populações que as F.A. avaliam das suas necessidades concretas e não
na teoria dos livros. Os militares ao deslocarem-se pelo País contactam com
a massa de que eles próprios são feitos (Gonçalves 1976: 87-121).

No primeiro dia de Março de 1975 arranca oficialmente a “Acção Atlântida”,com


duração prevista até 17 de Março do mesmo ano374. Esta acção do MFA no
arquipélago dos Açores resulta de uma viagem preparatória realizada em Novembro
de 1974375. Numa circular datada de 20 de Fevereiro de 1975, o Major Cação da Silva,
responsável pela “Operação Atlântida”, enquadra esta acção num objectivo de
reforço à actividade desenvolvida localmente pelas três Comissões Distritais e Sub-
comissões da ilha das Flores376. Este documento apresenta uma planificação
detalhada das actividades a desenvolver em todas as ilhas do arquipélago, sendo as
três equipas de esclarecimento constituídas por três oficiais, na sua maioria
milicianos, de cada ramo das Forças Armadas, por elementos da tripulação da
Fragata “Almirante Magalhães Corrêa”377, um elemento da Direcção-Geral da
Cultura Popular e Espectáculos, quatro elementos da Comissão Interministerial para

374 CODICE, Circular N.º 1, 20/2/1975, p. 1 -2. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa
Nacional (em organização); caixa 6319). Segundo o Livro Branco da 5ª. Divisão 1974-75,
(1984:125), a data referenciada para a conclusão desta campanha é 20 de Março de 1975.
375 Importa referir que desde o mês de Dezembro de 1974 a Comissão Distrital de

Dinamização promoveu sessões de esclarecimento, bem como procedeu ao levantamento das


principais carências das comunidades. A primeira acção deste tipo foi realizada na Ilha
Graciosa. (CIASC, “Diário de viagem da equipa do CIASC que acompanhou a 1ª fase da
«Acção Atlântida»”(Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC
Regiões – Ilhas, Açores).
376 No âmbito da “Acção Atlântida”cabia a estas estrutura a responsabilidade de assegurar o

transporte terrestre em cada ilha, a definição dos locais de actuação e respectivo anúncio
público, a participação em sessões de esclarecimento nas suas áreas geográficas e ainda
assegurar o alojamento e alimentação aos elementos intervenientes. CODICE, Circular n.º 1,
20/2/1975, p. 1 e 3. Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização);
caixa 6319. Sobre esta campanha ver também Livro Branco da 5ª. Divisão 1974-75 (1984):125.
377 Segunda a referida circular esta fragata partiria de Lisboa rumo à Ilha das Flores

transportando alguns dos elementos que iriam participar nesta campanha e material de apoio.

171
a Animação Sócio-Cultural378, veterinários e um médico militar. No âmbito teatral,
estava prevista a participação de Os Bonecreiros, do Teatro Português de Paris379, do
grupo As Marionetes de S. Lourenço e o Diabo, de uma dupla de palhaços, do Grupo
Cultural da Fragata Almirante Magalhães Corrêa e da orquestra militar Alerta Está.

As ilhas das Flores e do Corvo foram as escolhidas para o início da “Acção


Atlântida”, opção justificada por Cação da Silva numa reunião com todos as
entidades envolvidas, realizada no Ministério da Comunicação Social a 26 de
Fevereiro de 1975, relatada pela equipa do CIASC: “a razão […] foi de ordem
psicológica. A ilha do Corvo chega a estar dois meses isolada do exterior; Flores,
apesar de ter uma base francesa tem, igualmente muito poucas comunicações e as
que existem são extremamente condicionadas pelo tempo”380.

Na campanha dos Açores foram preparados todos os meios logísticos que


ajudassem a campanha a materializar-se. Era preciso que os navios transportassem
por um lado, o material de apoio cultural, textos, livros, mas por outro, o material
que era necessário para construir a ponte, para fazer a escola. Portanto, os sacos de
cimento, os cabos eléctricos, isso tinha que ir pelos navios, tinham primeiro que ir
numas corvetas até aos Açores e depois tinha que haver uma lancha de
desembarque que fizesse esse trabalho entre ilhas. Era necessário preparar isso. E
foi isso que eu tratei com o Ramiro Correia. (Martins Guerreiro)

A “Acção Atlântida” foi, de facto, dotada de um avultado número de meios oriundos


da Força Aérea, do Exército e da Marinha, prevendo-se o transporte de 81 pessoas (50
militares e 31 civis). Segundo a imprensa nacional, foram realizadas 80 sessões de
esclarecimento, abrangendo cerca de 25 mil pessoas381. Contudo, esta campanha foi

378 Esta Comissão elaborou um relatório detalhado desta campanha que inclui, na segunda
parte, um “Diário de viagem da equipa do CIASC que acompanhou a 1ª fase da «Acção
Atlântida»” (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Regiões
– Ilhas, Açores).
379 No relatório do CIASC, este grupo teatral não se encontra referenciado como tendo

participado nesta campanha, apesar de constarem na sua planificação inicial.


380 “Diário de viagem da equipa do CIASC que acompanhou a 1ª fase da «Acção Atlântida»”

(Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Regiões – Ilhas,
Açores).
381 Diário de Notícias, 18/3/1975, p. 2. Esta acção foi alvo de uma reportagem televisiva tendo

sido apresentada nos programas de televisão do MFA a 3/5/1975, 8/5/1975 e 3/7/1975. Livro
Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984:202).

172
interrompida devido ao 11 de Março de 1975, não cumprindo os objectivos
delineados, tendo percorrido as ilhas do Corvo, Flores, Faial, Terceira e Pico382.

O 11 de Março ocorreu quando estava nos Açores. Andávamos pela ilhas a


divulgar. […] Eu estava no Faial, na Horta, quando foi o 11 de Março. Nós depois
interrompemos a campanha e viemos numa fragata. (Manuel Madeira)

A última campanha a ser realizada sob égide do modelo itinerante foi a “Operação
Cávado”, que se propôs percorrer o concelho de Barcelos entre os dias 10 e 16 de
Março de 1975 (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:136). Esta campanha não terá
sido interrompida com o 11 de Março, uma vez que a RDP difunde uma sessão de
esclarecimento realizada no dia 12 na freguesia de Balugães383.

Contudo, as dificuldades que pautaram as campanhas itinerantes, e em diferentes


momentos diagnosticadas pelos seus protagonistas, procuram agora ser
ultrapassadas com a proposta de um novo modelo de actuação, que começara a ser
discutido na Assembleia dos Delegados da Dinamização384. Como refere Manuel
Begonha:

[…] chegámos à conclusão que tinha alguns inconvenientes. A campanha passava,


as pessoas interessadas apareciam, as não interessadas saíam e as forças
reaccionárias camufladas ou não, porque haviam partes de um lado e do outro,
faziam uma campanha negativa, mal as Forças Armadas se fossem embora e
portanto achámos que isso não tinha muito interesse, então resolvemos

382 Segundo uma mensagem interna da 5ª Divisão/EMGFA dirigida ao Estado-Maior da

Armada e ao Estado-Maior da Força Aérea, a continuação da “Acção Atlântida” esteve


prevista no período entre 10 de Abril e 21 de Abril de 1975 abrangendo as ilhas de S. Jorge, S.
Miguel e Santa Maria. 5ª Divisão/EMGFA, Mensagem, Nº 5/DEC, s/d. (Arquivo Histórico do
Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319). Tal não se veio a verificar
havendo um centramento das campanhas no território continental.
383 RDP – Arquivo Histórico. AHD 5392, faixa 6, 13/03/1975.
384 Segundo Correia et al (s/d-a:54) ter-se-á realizado no Centro de Sociologia Militar, no mês

de Março, a primeira assembleia dos delegados da dinamização visando a discussão de novas


linhas de acção. Esta reunião teve também como objectivo, para além, da coordenação das
várias comissões dinamizadoras existentes no continente e nos arquipélagos dos Açores e da
Madeira, a apresentação dos respectivos relatórios, tendo sido apresentado um documento de
análise global das campanhas de dinamização. Não foi possível datar a realização desta
assembleia. Contudo, pela data do documento de balanço apresentado, 20 de Fevereiro de
1975, e sua publicação no Movimento, N.º 12 de 11/3/1975, esta reunião deverá ter tido lugar
antes do 11 de Março de 1975. Além do mais, o próprio Ramiro Correia em entrevista à ANI a
8 de Março de 1975, faz referência à segunda fase das Campanhas de Dinamização Cultural.
(Diário de Notícias, 8/3/1975, p. 9).

173
evoluir.[…]. Foi decidido a fixação no terreno de meios técnicos e culturais, ou
seja, não se andava com uma unidade militar a partir de Freixo de Espada a Cinta
até Braga, passando por muitas terras, fazendo uma sessão, mas fixavam-se.
(Manuel Begonha )

Com o título “Numa Via Democrática de Reconstrução Nacional, O MFA Deseja


Construir um Regime de Plena Liberdade”, o Diário de Notícias385 destaca, em
primeira página, o arranque da primeira acção que acabaria por vir a testar a nova
tipologia de acção norteada pela Acção Cívica.. No distrito de Viseu386, a “Operação
Beira Alta” tem início no dia 18 de Março de 1975.

Aqui trabalharam doze equipas, constituídas por cerca de 15 elementos, em


colaboração com o Regimento de Infantaria N.º 14 e com as diferentes forças de
segurança – Guarda Nacional Republicana (GNR) e Polícia de Segurança Pública
(PSP). Para além de elementos especializados nas áreas da engenharia, electrotecnia,
economia e agronomia, estas equipas integravam “brigadas médicas” compostas,
cada uma delas, por um médico e um enfermeiro que teriam a seu cargo o
esclarecimento sanitário, nomeadamente a prevenção da cólera. As palavras do
aspirante médico Luciano, na conferência de imprensa de apresentação desta acção,
são ilustrativas do trabalho que se procurava realizar:

Nós vamos incidir em aspectos de prevenção primária tais como a


vacinação, higiene materno-infantil, a prevenção da cólera e outros pontos.
Temos a consciência que nós não queremos ter uma actuação
exclusivamente tecnicista, nós temos consciência que o problema da saúde
é um problema político, como tal terá que ter uma resolução política,
acreditamos e queremos através do Serviço Nacional de Saúde que estes
problemas vão de facto resolver-se, e em última análise nós junto das
populações tentaremos sensibilizá-las e mobilizá-las no que respeita,
portanto, aos problemas da saúde e da sua comparticipação na resolução
dos mesmos387.

385 Diário de Notícias, 18/3/1975, p. 1.


386 Ver concelhos percorridos na cronologia em anexo.
387 RDP – Arquivo Histórico. AHD 5362, faixa 7, s/d [17/3/1975].

174
A importância da inclusão destes técnicos388 nas equipas de dinamização, reforçando
à acção das unidades militares locais, é saudada pelo major Lopes Furtado,
coordenador da Comissão de Dinamização Regional Centro, à qual se encontrava
afecta a CODIDI de Viseu:

Entrou-se na fase antecipadamente prevista como segunda oportunidade


do progresso em que estamos empenhados. A comissão central
dinamizadora enviou-nos equipas técnicas para reforçar as nossas próprias
equipas e a missão consiste agora em fazer um levantamento «in loco» dos
problemas detectados na primeira fase deste contacto com as populações.
Far-se-ão relatórios circunstanciados sobre as soluções previstas por esses
técnicos, que serão enviados à central, que, por sua vez, em conjunto com a
aparelhagem do Estado, concretizará essas soluções […]. Há que salientar,
no entanto, que nesta segunda fase se entrou já num plano concreto e
objectivo de actuação em alguns sectores, como é o caso das brigadas para
a educação e saúde389.

Também o Jornal da Beira dá as boas vindas à “Operação Beira Alta” nos seguintes
termos:

Neste momento, o nosso Distrito está a ser percorrido por numerosas


brigadas de Dinamização Cultural compostas por elementos das Forças
Armadas, GNR, etc.
Que obtenham os melhores resultados, pois as nossas gentes precisam de
quem lhes abra caminhos de promoção e progresso integral, sem nunca
esquecer contudo, que o homem não é só corpo, mas também espírito390.

Esta campanha desenvolveu-se em duas fases. A primeira que se prolonga até ao dia
3 de Abril391, é pautada por um intenso trabalho na área da saúde, de levantamento

388 No que se refere ao trabalho nas áreas da saúde e agricultura, este era preparado

previamente pela CODICE através de ofícios enviados às respectivas Secretarias de Estado no


sentido de as suas delegações distritais apoiarem o trabalho destes técnicos. (Ofícios N.º
363/DGPCE-CDC/75 e N.º 364/DGPCE-CDC/75 de 5/3/1975. Arquivo Histórico do
Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319).
389 Diário de Notícias, 22/3/1975, p. 3.
390 Jornal da Beira, 21/3/1975, p. 3.
391 Segundo a imprensa nacional esta acção foi retomada após a celebração da Páscoa. Importa

sublinhar que a campanha realizada em Castro Daire e Vila Nova de Paiva mantem-se de
forma continuada no terreno não sofrendo qualquer interrupção. (“Relatório de Actividades

175
das necessidades locais e de esclarecimento sobre acto eleitoral que viria a decorrer a
25 de Abril de 1975. Para o capitão Luz, que coordenava a acção no distrito de Viseu,
as “condições em que vive a população de Covas do Rio já justificaria, só por si, uma
revolução”392. De facto, as observações realizadas pelos os protagonistas desta
campanha ancoram-se na denúncia das comunidades encontradas, descritas como
“pobres”, “isoladas”e “abandonadas”, considerando, todavia que, na generalidade, a
receptividade das populações foi positiva:

No Granjal [concelho de Sernancelhe], onde não estava programada


qualquer sessão nesta etapa antes da Páscoa, a população saiu para a
estrada esperando pelas equipas do MFA. Os habitantes sabiam que as
equipas iam passar por ali, em direcção a outra terra, e entre aclamações
pediram-lhes a sua presença com tanto entusiasmo que uma sessão
imprevista não pode deixar de ser ali feita393.

As resistências também são assinaladas. Mais uma vez se alude à acção dos caciques
e da igreja local como responsável pela “ignorância”destas populações e se refere
recurso ao boato, assente na retórica anticomunista, para dificultar a acção dos
militares:

Começaram a inventar, por exemplo, e a convencer o povo de que o nosso


cartaz que aparece com um cravo vermelho é um símbolo do comunismo.
Ora, sendo um facto de que nesta zona impera o anti-comunismo, é
enorme o tempo gasto em fazer ver às populações que o MFA é
apartidário, e , depois, dizer-lhes que se deixem de assustar com papões,
porque quem os quer assustar, são, afinal quem sempre os explorou394.

Numa outra localidade do distrito, em Santa Comba Dão, é relatada uma situação
com contornos idênticos:

da Equipe de Dinamização de Castro Daire”. Documento manuscrito. Arquivo particular de


Manuel Cruz Fernandes).
392 Diário de Notícias, 29/3/1975, p. 3.
393 Palavras do tenente Dias publicadas no Diário de Notícias, 20/3/1975, p. 3.
394 Declarações do primeiro-tenente da Armada Gonçalo, ao enviado da ANI, publicadas no

Diário de Notícias, 20/3/1975, p. 3.

176
[…] dizia-se que as Forças Armadas tinham andado a espalhar cartazes do
Partido Comunista, o que sendo nós apartidários, era obviamente
impossível. Pois nós conseguimos detectar o autor do boato.
Entretanto, a população conversando connosco confessava que não tinha
realmente visto nenhum de nós a colar a colar esses cartazes395.

Com o aproximar das eleições, as oposições da notabilidade e do clero local vão-se


tornando mais visíveis. As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA ao actuarem, de forma continuada em alguns concelhos do Centro-Norte do
país, constituirão um dos alvos preferências das críticas oriundas destes sectores.
Estas resistências intensificar-se-ão nos meses seguintes através da mobilização das
populações expressa nas manifestações anticomunistas (Pinto, 1999 e Silva, 1987).

Note-se que o tempo de duração calculado inicialmente para esta campanha era de
duas semanas. Contudo, as exigências das realidades encontradas, sobretudo na área
da saúde, precipitam a já pensada fixação dos meios técnicos no terreno:

Durante 2 semanas reuniram adultos e crianças, mães de facto e mães em


potência. Fizeram educação sanitária. Falaram de higiene escolar, de
higiene materno-infantil, de alimentação, de vacinas. Aqui e ali a
população, surpreendida com o ineditismo de serviços médicos gratuitos,
pedia um favorzinho duma consulta, dum curativo. Aqui e ali evacuava-se
um doente. Por toda a parte ia explicando o que seria um Serviço Nacional
de Saúde possível. […] Falava-se do direito à saúde e choviam queixas.
Inquiria-se das necessidades e era um assombro de carências. Água
canalizada e esgotos eram, por toda a parte, luxos orientais. Aqui, era a
estrada ou o telefone que faltavam, ali o posto médico, além a electricidade
ou a Escola. Registava-se e dava-se conhecimento. Por vezes, quando
possível, fazia-se. E então sim, acreditavam. Não neles, ainda não, mas nos
outros, nos militares. E encomendava-se ao MFA como a um santo
patrono. […] Mas ao fim de 15 dias os 80% de mortalidade infantil no
distrito de Viseu ainda não se tinha alterado (Correia et al, s/d-a:103-104).

Declarações do sargento Malta, enfermeiro da Marinha, ao enviado da ANI, publicadas no


395

Diário de Notícias, 20/3/1975, p. 3.

177
A pintura mural realizada no edifício da Caixa Geral de Depósitos na cidade de
Viseu marca o recomeço da 2ª fase da campanha “Beira Alta”396. O carácter festivo
desta iniciativa é sublinhado por Ernesto de Sousa nas páginas da Vida Mundial:

Os artistas plásticos lá foram com o MFA até Viseu, pintar paredes…397 Foi
uma festa!...A que não faltaram certas resistências reaccionárias. Mas a
vitória foi deles e, de todos os populares que colaboraram na pintura da
Caixa Geral de Depósitos de Viseu398.

Para além da pintura mural, esta iniciativa contou com a participação do Grupo de
Teatro de Campolide que representou a peça Fulgor e Morte de Joaquim Murieta de
Pablo de Neruda no Largo da Sé daquela cidade que, segundo o boletim Movimento,
“foi observada e vivida em profundo silêncio e com uma atenção desmedida”399 por
cerca de duas mil pessoas400, apesar da resistência inicial do padre daquela paróquia.

O facto de nós vencermos o padre. Ele lá foi dar missa, mas não estava lá ninguém.
O largo estava cheio de malta a gritar: - Viva a Revolução, a liberdade, o 25 de
Abril! Aquilo tremia, o chão tremia. Foi assim durante dois dias… (Vespeira)

Em sentido inverso o Jornal da Beira nota um afastamento das populações face ao


conjunto de iniciativas promovidas pelo MFA, colocando ainda a tónica no seu
esforço em esclarece-las sobre os objectivos desta campanha:

[…] Voltou ao distrito de Viseu o MFA, com um vasto programa de sessões


de esclarecimento e dinamização cultural que se estendeu à quase ou
mesmo à totalidade das freguesias.
Carros, autocarros, aviões, helicópteros deram sinal de presença entre nós
dessas brigadas, agora enriquecidas com a participação da PSP e da GNR.
Nas Escolas Complementares e Secundárias de todo o Distrito se processou
diálogo com alunos e professores, orientadas por elementos das Forças
Armadas, esclarecendo dos objectivos da Campanha.

396 Esta iniciativa ocorreu no dia 5 de Abril de 1975. Ver os artistas plásticos que colaboraram
na cronologia em anexo.
397 Destacado no original.
398 Vida Mundial, 17/4/1975, pp. 7-8.
399 Movimento, N.º 18, 20/5/1975, p. 4.
400 Dário Popular, 11/4/1975, p. 3.

178
Na tarde de sábado, último, bandas sonoras, ranchos folclóricos e grupos
de teatro exibiram-se em diversos locais da Cidade. Pelo que nos foi dado
observar, as massas populares, talvez por ser fim-de-semana, estiveram
bastante alheadas destas realizações, o que foi pena401.

Os trabalhos desta fase viriam a organizar-se, segundo o Livro Branco da 5ª Divisão


1974-75, (1984:126), em três “experiências–piloto” realizadas em Castro Daire e Vila
Nova de Paiva, Sernancelhe e Penedono e em São Pedro do Sul. A escolha destes
concelhos foi efectuada após um “amplo debate”, tendo-se optado, por um lado, por
“dar prioridade às populações rurais mais carenciadas” e por outro, construir uma
base social de apoio aos designados “partidos progressistas” num distrito
considerado avesso ao projecto político do MFA.

Difícil foi seleccionar a zona de acção. Dever-se-ia optar por regiões mais
gritantemente desprotegidas ou reforçar centros de assistência sub-
funcionantes por carências de pessoal? Eleger zonas de economia
predominantemente rural ou antes um dos escassos pólos industriais do
distrito? Ir para onde uma população mais esclarecida aderia confiante à
proposta socialista do MFA ou enfrentar a reacção nos concelhos em que o
boato e a calúnia mais fervilhavam na boca dos senhores e lacaios?
Dispersar os efectivos, multiplicando os focos de intervenção ou formar-se
um a equipa única, necessariamente mais eficaz, não só em relação ao
trabalho médico, mas também de resistir às arremetidas constantes dos
bisonhos caciques?
Após amplo debate, uma ideia-mestra teve o apoio geral: as dificuldades
no campo da Assistência Médica só seriam ultrapassadas com a
mobilização e organização populares. Formar-se-iam comissões de saúde e
de melhoramentos. Apoiar-se-iam técnica e financeiramente as lutas dos
camponeses. Estimular-se-ia o associativismo. Far-se-ia esclarecimento
político – dado que a influência e possibilidades dos partidos progressistas
eram diminutas procurando subtrair milhares de trabalhadores à
influência da direita (Correia et al, s/d-a: 104-105).

Na perspectiva do militar, que dirigiu os trabalhos nos concelhos de Castro Daire e


Vila Nova de Paiva, o arranque desta segunda etapa não terá sido bem sucedido.

401 Jornal da Beira, 11/4/1975, pp. 8 e 5.

179
Para além do grupo que coordenava, neste distrito actuaram de forma mais
centralizada as equipas de São Pedro do Sul e de Sernancelhe e Penedono402,
consideradas a posteriori como “experiências-piloto”:

Algures não começou a correr muito bem. Penso que levavam muito marxismo na
linguagem. Supunha que assim era, na medida em que as pessoas começaram a vir
embora. Uma equipa recolhe, a outra recolhe e isso era um sintoma que algo não
estava bem. São Pedro do Sul aguentou-se um bocadinho mais. Depois quem se
aguentou muito foi Sernancelhe. Era uma equipa só de médicos. Mas encontraram
um individuo que era dono da farmácia, tinha um jornal e era padre que começou a
desdizer tudo e mais alguma coisa e a fazer uma campanha terrível contra os
médicos.[…] Eram médicos generosos, generosíssimos. Tratavam das pessoas com
todo o carinho e com toda deferência que as pessoas nunca tinham visto, e que
pensavam que não tinham direito […].Eu tenho um volume com assinaturas de
pessoas que queriam lá os médicos e mesmo assim foi a penúltima a sair. Não
tinham um líder capaz de fazer face à situação. (Manuel Cruz Fernandes)

Em Março de 1975, este capitão procede ao levantamento das questões mais urgentes
de cada aldeia403 dos concelhos que tinha sob a sua responsabilidade. Nos seus
cadernos de apontamentos anotou, com pormenor, as principais carências e os
pedidos das populações, que iriam mobilizar a atenção das equipas de dinamização
durante um período superior a um ano.

Com início a 19 de Março de 1975404, a campanha realizada em Castro Daire e Vila


Nova de Paiva, descrita como “Uma acção sócio-cultural” (Correia et al, s/d-a:119),
foi a que mais tempo permaneceu no terreno e a mais abrangente, uma vez que

402 Exceptuando a acção levada a cabo em São Pedro do Sul, que se prolongou até Setembro
de 1975, as restantes campanhas permaneceram no terreno após o 25 de Novembro de 1975.
(Ver cronologia).
403 As situações diagnosticadas são diversificadas: detecção da brucelose no concelho,

necessidade de electrificação, abastecimento de água, abertura e arranjo de estradas e


caminhos, deficiente rede de transportes públicos, as más condições médico-sanitárias. Cruz
Fernandes foi anotando os pedidos das populações, dos quais se destacam: intervenção junto
de uma empresa de transportes para que as camionetas alterem o seu percurso, para captação
de água para rega dos campos, pedido de auxílio face à existência de praga nas culturas do
feijão. Noutro domínio o pedido de auxilio para questões legais como, por exemplo, na
resolução de conflitos relacionados com limites de propriedade (Caderno de apontamentos 1
– 20/03/1975 a 07/04/1975. Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes).
404 Relatório de Actividades da Equipe de Dinamização de Castro Daire. Documento manuscrito.

Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes. Importa sublinhar que em Correia et al (s/d-
a:120) vem referida, incorrectamente, a data de 18 de Maio de 1976 como inicio desta acção.

180
procurou actuar num conjunto diversificado de sectores, ao contrário das
experiências realizadas nos concelhos de São Pedro do Sul, Sernancelhe e Penedono
que se centraram, como se verá, na área da saúde.

Inicialmente foram constituídas quatro equipas, uma das quais médico-sanitária


(Correia et al, s/d-a:120), que se instalaram na vila de Castro Daire405. Estes grupos
foram reforçados, em diferentes momentos, por outros militares, nomeadamente
veterinários da Escola do Serviço Veterinário Militar, aquando da detecção da
brucelose e topógrafos que procederam aos levantamentos necessários à elaboração
dos projectos de electrificação, saneamento, arruamentos e serviço de água em 14
aldeias406. Neste concelho trabalharam, igualmente, técnicos do IRA, que para além
do esclarecimento das populações no que concerne à medida do crédito agrícola,
prestaram auxílio num conjunto de trabalhos infraestruturais. Esta campanha contou
com a colaboração de vários grupos de teatro e de diferentes músicos407 tendo sido o
cinema uma presença assídua.

Foto 2 | Equipa de dinamização, Castro Daire, 1975 Foto 3 | Manuel Cruz Fernandes, Castro Daire, 1975.
(Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes) (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)

De acordo com um relatório de actividades redigido por Cruz Fernandes, a primeira


etapa desta acção consistiu, para além do referido diagnóstico das carências das

405 Inicialmente as equipas foram alojadas no edifício da PSP e no Hospital da Misericórdia


que não se encontrava a funcionar. Posteriormente utilizaram, quando o hospital foi
reactivado, o edifício do estabelecimento prisional.
406 Entrevista a Manuel Cruz Fernandes, 2003.
407 Participaram, entre outros, o Teatro de Campolide, o Teatro Infantil de Lisboa, o Teatro de

Amadores de Alenquer, o grupo de fantoches de Francisco Esteves. Luís Cília e Carlos


Paredes actuaram em algumas aldeias de Castro Daire, para além dos grupos locais e da
Banda da Marinha.

181
populações408, num trabalho de esclarecimento político face ao aproximar das eleições
para a Assembleia Constituinte409.

Para além de uma intensa intervenção no domínio das infra-estruturas (construção


de estradas, caminhos, melhoria da rede de transportes, estudos de rega, projectos de
electrificação), para o qual contou com a colaboração do IRA, esta equipa interveio
nas áreas da educação (que beneficiou de um subsídio do MEIC), o desporto e saúde
(reactivando o Hospital da Misericórdia), bem como ao nível da criação de comissões
de aldeia, procurando apoiar a Comissão Administrativa da Câmara Municipal em
algumas medidas que operariam um corte com as políticas locais do regime
anterior410.

Importa sublinhar, que esta campanha se distinguiu pelo importante trabalho das
equipas veterinárias militares no combate à brucelose e à tuberculose bovina411.
Numa primeira fase, fez-se uma campanha de esclarecimento com projecção de
filmes “que mostravam os sintomas da doença, e os perigos, os prejuízos que
causavam, a transmissibilidade para o homem e os efeitos neste.”412. Num segundo
momento, a população foi convidada apresentar os seus animais para se proceder às
recolhas para análise e posterior vacinação:

408 Neste sentido foi elaborado um “inquérito tipo” destinado à população escolar visando um
mais sólido conhecimento do concelho que incluía as seguintes questões:
“N.º de pessoas em casa // N.º de divisões em casa //N.º de camas em casa //Que luz usa
de noite//Quantos andam a estudar//Quantos irmãos são //A que horas sais de casa para
estudar // A que horas chegas a casa//Que distância andas para apanhar transportes// Vive
em casa própria// Gado: Quantas vacas // Quantas ovelhas //Quantas cabras // Quantos
porcos // Tens pinhais // Tens terras// De quem são as terras que teu pai fabrica”. (Caderno
de apontamentos Inicio – 28/04/1975 Fim – 09/05/1975 (Acidente). Arquivo particular de Manuel
Cruz Fernandes)
409 Relatório de Actividades da Equipe de Dinamização de Castro Daire. (Documento manuscrito.

Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes).


410 Aqui destaca-se a abolição do imposto municipal sobre prestação de trabalho e a dispensa

dos médicos municipais.


411 Para além da intervenção nesta área, importa sublinhar que estas equipas actuaram ao

nível da assistência clínica, assistência cirúrgica, higiene, associativismo agrícola. (Relatório das
actividades desenvolvidas pela Equipe Veterinária Militar, no âmbito da Dinamização Cultural em
execução no concelho de Castro Daire, assinado pelo veterinário militar Armando, Pires
Remondes, 27/10/1975. Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes).
412 “Respostas a um Questionário Anónimo Recebido pela Equipa de Dinamização de Castro

Daire”, p. 6. (Arquivo particular de Manuel da Cruz Fernandes). As respostas a este


questionário foram publicadas no Diário de Notícias, 24/11/1975, p. 13 e permitem aceder a
um balanço da actividade desta equipa.

182
As doenças contagiosas do gado tem uma grande importância porque as
pessoas que vivem, sobretudo nos meios agrícolas como o vosso nos meios
rurais, em contacto muito estreito com os animais. Porque os estábulos se
encontram muito próximo das vossas casas é evidente que aí existe uma
grande fonte de contágio que é preciso evitar que continue a existir. E por
isso mesmo nós além de tratarmos dos vossos gados propomos fazer uma
coisa que é saber quais os vossos animais que possam estar infectados com
esta doença. Mas também vos queria dizer mais. Quando nós nos
propomos a fazer isto, propomos fazer o seguinte. Em vez destas acções
serem obrigatórias e impostas pela força da lei […] a proposta que eu trago
aqui é diferente. É que sejam os senhores de livre vontade a tomarem um
caminho desses. E então dizerem assim: - sim senhor, nós queremos e
vamos fazer isto voluntariamente porque entendemos que é vantajoso. […]
Depois responderei as perguntas que me quiserem fazer, e que eu
eventualmente saiba responder, mas também vos mostrarei um filme que
não é feito cá em Portugal, que é um filme feito nos Estados Unidos da
América , feito para uso dos agricultores como vós, agricultores com
características diferentes, e para que acreditem que esta preocupação
existe não só aqui entre nós, mas existe noutros países mais avançados do
que o nosso, e que neste momento todo a gente se encontra lutando contra
esta doença […]413.

413Sessão de esclarecimento em Vila Seca pelo tenente-coronel veterinário, António Mário


Ribeiro, s/d. (Cassete áudio. Arquivo particular de Manuel da Cruz Fernandes)

183
Foto 4 | Sessão de esclarecimento em Cabril, Castro Daire, 1975. (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)

Em Maio de 1975 chega a Castro Daire uma outra equipa, enviada pela CODICE, que
aqui desenvolveria um intenso trabalho na área da Educação, Formação e Teatro.
Conceição Lopes414, na época educadora de infância, era um dos elementos deste
grupo e relembra com emoção a sua experiência:

414 Conceição Lopes, José Capinha Gil e Francisco Albuquerque integravam a parte civil da
CODICE, nas áreas do Teatro e da intervenção com os professores, coordenadas por Vítor
Esteves. Segundo Conceição Lopes este grupo fazia a Dinamização Cultural a partir da
estratégia da intervenção teatral (entrevista gravada, 2000). Importa sublinhar que um dos
resultados deste trabalho foi a peça da autoria de Alfredo Nery Paiva intitulada O Segredo de
Montemuro escrita com base na experiência da construção de uma estrada de acesso à
localidade de Povoa de Montemuro. A peça era protagonizada por 8 personagens. Na parte
dedicada à “Sugestão para o Cenário” pode ler-se: “1 – Tapete como indicativo da estrada que
irá sendo desenrolado à medida que a construção avança.
2 – Mesa e cadeira que representarão a escola, escritório do Senhor Doutor, Câmara, etc.
3 – Três mulheres de preto que permanecerão em cena durante todo o espectáculo. Cada qual
por sua vez demonstrará alegria sempre que se apresentarem os obstáculos concernentes ao
símbolo que representa. A medida que os obstáculos vão sendo vencidos, elas irão retirando
as peças do vestuário negro, surgindo assim, aos poucos, a roupa colorida que trazem por
baixo. A última peça a ser retirada, com a vitória do povo, será o lenço da cabeça, libertando
os cabelos.” Paiva, Alfredo Nery, 1975, O Segredo de Montemuro, CODICE/Sector de Animação
Teatral, Campanha de Acção Cívica de Viseu, Póvoa de Montemuro. (Arquivo particular de

184
O meu trabalho foi sobretudo pensar, conceber estratégias de intervenção que
integrassem os professores e também as crianças, a intervenção com as crianças
como estratégia de intervenção comunitária. E isto porquê? O alvo fundamental, a
finalidade era não só explicar, e portanto não estou a informar, estou a explicar a
informação, do que é que se estava a passar, as transformações ao nível do país,
nomeadamente o que era o 25 de Abril em termos de facto, e que mudanças e que
possibilidades é que isso tinha trazido ao uso da palavra, à determinação e
expressão do pensamento e a ousadia das pessoas poderem assumir o que pensaram
e sobretudo até ter consciência desse património, que na generalidade não era
usado, portanto isso era das grandes riquezas, vulgo o uso da liberdade, ou seja a
construção, a aprendizagem do uso da liberdade. Esta era uma das grandes
finalidades da minha intervenção. (Conceição Lopes, Educadora de Infância;
colaboradora da CODICE)

De facto, os civis e militares que trabalharam em Castro Daire colocam a tónica na


grandeza do trabalho realizado, constituindo esta experiência um marco basilar no
seu percurso biográfico.

Contudo, no dia 13 de Outubro de 1975 a equipa de dinamização divulga um


comunicado suspendendo a sua actividade neste concelho. Esta decisão foi motivada
pela tentativa de prisão, atribuída ao COPCON, de João Duarte Oliveira415, elemento
da elite política de Castro Daire, que durante o Estado Novo tinha desempenhado
funções de relevo ao nível da estrutura do poder local, tendo assumido a presidência
da Câmara Municipal de Castro Daire durante 12 anos, cargo que tinha abandonado
em 1974:

Diziam que eu era coronel do ELP ou do MDLP, não sei bem, que fazia prática de
tiro na serra com elementos do ELP. Diziam que eu, quando estive na Câmara, que
cometi muitas irregularidades, que cometi muitas injustiças. […] Isso era tudo
inventado por ele. Isso era um pretexto. Eles queriam-me levar preso. […] // Os
sinos tocam a rebate, o povo junta-se todo, comunicam para as povoações e vêm

Manuel Cruz Fernandes). Esta peça nunca foi levada à cena devido aos acontecimentos do 25
de Novembro de 1975 que conduziu à retirada desta equipa do concelho.
415 Este advogado, que na altura deste episódio era Conservador do Registo Civil e Predial de

Castro Daire assumiu funções políticas de relevo durante o Estado Novo das quais se destaca,
entre outras, a de deputado à Assembleia Nacional (1965 – 1973) pelo distrito de Viseu e de
Presidente da Câmara Municipal de Castro Daire entre os anos de 1962 e 1974. Ver anexo IV
para biografia resumida. Este assunto será retomado no sub capítulo 15.2.

185
grupos numerosos, habitantes das aldeias, alguns deles armados. Porque lhes
comunicaram que estavam a prender o Dr. João. […] Eles diziam: - o senhor tem
que ir connosco, tem que ir preso. // Eu disse: - sim, senhor. Chego à porta, o povo
atira-se a eles e agarra-se a mim e mete-me dentro de casa. E eles fugiram todos
diante da minha casa. Uns cobardes inacreditáveis. […] Entretanto vim à janela e
falei ao povo e não me deixavam falar. E eu disse: - Um momento. Peço-lhes
silêncio. Estes homens querem levar-me com eles preso.// - Não vão, não vão –
diziam. // Mas eu quero ir. Porque eu estou perfeitamente inocente. Claro se fosse
hoje eu não dizia isto. Mas naquele tempo a inocência não servia para nada. A
culpa era revolucionária. Eles é que sabiam quem era culpado e quem não estava.
Mesmo que não tivesse culpa nenhuma, para eles era culpado. (João Duarte
Oliveira - advogado e presidente da Câmara Municipal de Castro Daire
entre 1962-1974)

No mesmo dia da tentativa de prisão416, a facção afecta a este notável local coloca em
circulação um comunicado intitulado “Não aos métodos da PIDE” visando a
mobilização da população do concelho para uma manifestação de apoio:

Castrenses: Chegou a hora de provarmos a nossa dignidade de cidadãos.


A nossa liberdade está em perigo.
As Forças Armadas, que nós, de braços e coração abertos recebemos em 25
de Abril de 1974, divididas entre si, entregam o poder e a força bruta das
armas a grupos irresponsáveis e minoritários, lançando-nos, a todos nós
portugueses numa guerra que infelizmente pode rebentar de um momento
para o outro. Mais, castrenses, já estamos em guerra. Já perdemos a
liberdade. Estamos mais pobres do que nunca. […]
É neste ambiente, onde já ninguém se entende e respeita, que aparecem na
nossa vila carros pomposos com indivíduos não fardados armados de
pistolas e metralhadoras a assaltarem uma casa às quatro horas e meia da
madrugada de hoje, dizendo-se do COPCON. Por métodos mais que
pidescos, nove indivíduos, entre os quais uma mulher, entram à força,
violam o domicilio e intimidade de familiares, tudo revistam, apoderam-se
do dinheiro que encontram, levam papéis e documentos, e pretendem, sem
explicações, levar preso o Dr. João Duarte Oliveira.

416Este episódio foi noticiado em diferentes jornais nacionais (Comércio do Porto, Diário
Popular, Jornal de Notícias, República, Diário de Notícias, A Luta) e em alguns jornais regionais
como na Voz de Lamego no qual este episódio assume um dos destaques da primeira página.

186
Não fosse a força espontânea das centenas de pessoas que logo se juntaram
e seria mais um a somar aos milhares de presos políticos que, contra todos
os princípios de justiça, aguardam julgamento.
Castrenses, todos à manifestação pela LIBERDADE, pela JUSTIÇA, pela
DIGNIDADE HUMANA, que se realizará hoje, ás 16 horas em Castro
Daire, com concentração no jardim […]417.

Nos seus cadernos de apontamentos, Cruz Fernandes descreve como foi mobilizada a
população para a manifestação, onde se alude ao relevante papel do PPD:

Os sinos tocaram ao Senhor de Fora e a sirene também. A população


impediu que o cidadão João Duarte Oliveira saísse. Posto a funcionar o
boato que tinham sido Cruz Fernandes e Araújo os demandantes.
11/10/1975 – Saíram para o campo fazendo propaganda com carros e
altifalantes para o povo se juntar na vila para protestar de apoio ao Dr.
João.
Telefonaram a todas as pessoas que tinham carros particulares para os
porem ao serviço das pessoas que queriam ou podiam ir e que depois
fossem receber à comissão organizadora de apoio.
Para impressionar produziram um comunicado que falava de roubos e
violências. O procedimento de tocar os sinos fez parte do processo
preconizado pelas BAT [Brigadas Anti-Totalitárias] (ELP). Posto a circular
o boato que não haveria paz enquanto não saíssem as Forças Armadas.
Chamada por nós a atenção para os perigos de irritação das populações e a
responsabilidade que para eles daí adviria. […]
11/10/1975 – Tarde. Chegada e concentração das populações […]. A
convocação foi feita para o jardim mas depois fez-se no coreto.
Depois seguiu-se o deslocamento a Viseu de 97 carros […]. Aí pediram ao
RIV para a equipa de Dinamização ser retirada. Deram um prazo de 24
horas. […]
11/10/1975 – Reunião da equipa com decisão da posição tomada.
Produzido comunicado sem referências às pressões exercidas pelo PPD.
[…] Recolhidas informações via RMC, de que o Brig. Otelo tinha
conhecimento e informou de que havia razões muito importantes para o

417Não aos Métodos da Pide. Comunicado, 10/10/1975 (Arquivo particular de Manuel Cruz
Fernandes).

187
prenderem [João Duarte Oliveira]. Marcada reunião para o dia seguinte no
Quartel General da RMC com o Brigadeiro Charais e com a equipa de
Castro Daire. Produzimos um comunicado que havia sido acordado em
C[astro] D[Aire] no dia anterior.”
12/10/1975 – Regresso a Castro Daire para dar conhecimento aos partidos
reunidos do que tinham decidido […]418.

A equipa de dinamização decidiu suspender as suas actividades no concelho face à


“a instabilidade psicológica a que tal acto conduziu as populações” e pelo facto de
estas não terem sido devidamente elucidadas “no sentido de claramente se
demonstrar nenhuma relação haver entre a equipa de Dinamização e os elementos
armados […]”419. Na sua óptica, o facto de ser atribuído ao COPCON a
responsabilidade deste episódio, afectava a própria imagem das Forças Armadas, isto
é, a sua própria credibilidade420. Após reuniões de análise e balanço com o
Comandante da Região Militar Centro e com a CODICE é decidido retomar a
campanha.

Em relatório subsequente, relativo ao período de 10 de Outubro a 10 de Novembro


de 1975, enviado ao Comandante da Região Militar Centro, uma das equipas de
dinamização salienta o trabalho que tem efectuado para recuperar o “prestígio
perdido com o caso da prisão do Doutor Oliveira”, salientando que a “reacção tem
tentado explorar o sucesso, tendo-o conseguido em parte”421. Este documento revela,
ainda, as tensões e receios sentidos pelos militares face ao avanço das forças contra-
revolucionárias, como que antevendo o 25 de Novembro de 1975. No seu último
ponto, evocando D. Afonso Henriques e a importância que este monarca atribuiu aos
Fronteiros-Mor, é sugerido o fecho “com ocupação militar”422 de Castro Daire, Vila

418 Caderno de apontamentos INÍCIO 08/10/1975, FIM 03/11/1975 (Arquivo particular de


Manuel Cruz Fernandes).
419 Comunicado da Equipa de Dinamização de Castro Daire, 13/10/1975 (Arquivo particular de

Manuel Cruz Fernandes).


420 Como mais tarde é afirmado no questionário anónimo recebido por esta equipa já referido,

a tentativa de detenção terá sido responsabilidade dos órgãos governamentais competentes.


“Respostas a um Questionário Anónimo Recebido pela Equipa de Dinamização de Castro
Daire”, p. 9 (Arquivo particular de Manuel da Cruz Fernandes).
421 Relatório da Equipe N.º 2 – Castro Daire, 6/11/1975, p. 1 (Arquivo particular de Manuel

Cruz Fernandes).
422 Relatório da Equipe N.º 2 – Castro Daire, 6/11/1975, p. 4. (Arquivo particular de Manuel

Cruz Fernandes). Importa sublinhar que já em Junho de 1975, após o acidente de viação

188
Nova de Paiva, Sernancelhe e Penedono, para o qual solicitam uma entrevista para
apresentação pormenorizada da proposta. Neste sentido, o responsável pelas equipas
de Castro Daire, afirma:

Ao aproximar-se o 25 de Novembro sentia-se e havia confrontos e desenhavam-se


coisas muito graves que se iam passar. O meu pessoal detectou uma camioneta
vinda de noite com a matrícula de Braga 50 km, como se usava nessa altura, e
entrou numa garagem do domínios do Dr. João. E nós ficámos perfeitamente
convencidos que aquela camioneta tinha armas. Foi nessa altura que recebemos
ordens para distribuir armamento ao pessoal, fazer vigilância nocturna, passou a
haver uma escala de serviço durante a noite, até que se deu o 25 de Novembro.
Nós, com quatro ou cinco dias de antecedência sentíamos que qualquer coisa estava
num crescendo muito grande. […] De repente, os sinais de trânsito nas estradas
começaram a aparecer furados de bala de um lado ao outro. Eu até tenho
fotografias disso, onde escrevi: O ELP prepara-se. E isso coincidiu com o acirrar e
o surgir de coisas de esquerda como os SUVs. (Manuel Cruz Fernandes)

Também Conceição Lopes relata com alguma tensão o dia em que abandona Castro
Daire:

Aliás quando houve o 25 de Novembro nós fomos perseguidos, perseguidos e


ameaçados fisicamente, podíamos ter morrido lá, em Castro Daire. Eu podia ter lá
ficado, eu saí metida num táxi, escondida. Aliás o Capitão Fernandes dizia: - não
sei o que é que se passa em Lisboa. Aqui não vos posso defender, não chegam os
reforços militares de Viseu portanto a gente tem que se dispersar. Não sei se, estou
a dar um testemunho de memória, sei que era um senhor do MDP-CDE, acho eu,
tenho uma vaga ideia, que me transportou num táxi, no meio dos sinos a rebate em
Castro Daire, foi uma situação muito traumatizante, muito, muito, muito eu
acabei no hospital. Porque entretanto os ELP’s que estavam a aparecer, ali era
mesmo um centro de ELP’S forte e nós éramos facilmente identificados. Estavam
controlados porque a dinamização povo-MFA tinha conseguido, era muito forte.
Na altura há esta tensão, não se sabe, os outros apanham o terreno e paralisam,
também estas coisas eram muito novas, não queria dizer que as pessoas tinham que

sofrido por Cruz Fernandes, que segundo notas do próprio terá sido provocado com a
finalidade de o “eliminar”, a equipa que se manteve no terreno durante o período em este que
se encontrou hospitalizado elabora um “Plano de Segurança” para enfrentar situações de
emergência (Caderno de apontamentos Inicio – 28/04/1975 -Fim – 09/05/1975 (Acidente),
Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes).

189
mudar não, mas… depois os outros mais facilmente instrumentalizados
avançaram e nós fugimos, aliás fomos retirados, senão éramos linchados lá,
linchados mesmos. [… ] Eu durante muito tempo não conseguia passar em Castro
Daire, sequer. Ao nível emocional não é por isso dos ELP’S, mas a entrega, e os
meninos que passaram lá, e que viveram essa experiência, foi uma coisa
extraordinária.

Esta campanha resiste ao 25 de Novembro de 1975, permanecendo no terreno a


equipa militar que deu continuidade aos trabalhos iniciados. Entretanto a
reestruturação da 5ª Divisão estava em curso, e muito embora não se tenha
abandonado a ideia da Acção Cívica, foram preconizadas algumas alterações, entre as
quais a atribuição da coordenação das actividades em torno das Unidades
Territoriais e Regiões Militares. Esta transição de responsabilidades associada ao
prestígio que o responsável pela experiência de Castro Daire gozava no seio da 5ª
Divisão (em reestruturação) contribui para a permanência da equipa de dinamização
neste concelho423. Num ofício elaborado pelo Chefe da 5ª Divisão, brigadeiro
Francisco Abreu Riscado, a coordenação desta campanha é muito elogiada:

Informa-se que na visita levada a cabo pelo Chefe e mais dois oficiais da 5ª
Divisão aos trabalhos realizados e em curso no concelho de Castro Daire, a
cargo da equipa de dinamização chefiada pelo Capitão Eng. Tra. Manuel
Cruz Fernandes, se verificou o seguinte:
a. É notável a actuação do referido oficial e da sua equipa no respeito ao
apoio das populações o que é atestado, em especial, pelos numerosos
troços de estradas construídos que passaram a permitir a ligação de 27
povoações a estradas nacionais.

423Não consegui obter a data exacta do terminus desta acção. Contudo, numa directiva datada
de 21 de Abril de 1976, assinada pelo então Chefe da Região Militar Centro, Franco Charais, é
referido que a colocação de Cruz Fernandes, responsável pelo trabalho desenvolvido em
Castro Daire, naquela região militar pretendia “por um lado empregar em proveito de toda a
Região a prática adquirida por este Oficial e por outro, cessar a intervenção directa da 5ª
Divisão na Acção Cívica na área das Unidades da Região, transferindo a responsabilidade
dessa acção para os Comandos das Unidades.” Em nota manuscrita Cruz Fernandes escreverá
“Aqui está a morte da Dinamização”. (Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes).
Também num ofício assinado pelo Adjunto do CEMGFA, dirigido ao Estado-Maior do
Exército (datado de Agosto de 1976), corrobora a duração desta campanha por um período
superior a um ano: “1. Julga-se que a mais prolongada experiência de Acção Cívica teve lugar
na região de Castro Daire onde permaneceu durante mais de um ano uma equipa militar que
foi variando de composição ao longo do período” (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa
Nacional (em organização); caixa 6318).

190
As estradas construídas pareceram aos visitantes reunir características
muito apreciáveis, sobretudo se se tiver em conta que foram realizadas por
pessoal não especializado.
b. Para os resultados obtidos foi decisiva a dinamização das populações
que se organizaram por forma a contribuírem com um trabalho de
angariação de fundos. Doutro modo não teria sido possível a uma equipa
que no máximo atingiu os 18 elementos ter obtido resultados tão
assinaláveis424.

Embora com características e objectivos diferentes, é realizada uma outra campanha


no distrito de Viseu que se centra nos concelhos de Sernancelhe e Penedono. Descrita
em Correia et al (s/d-a) como uma “acção médico-sanitária”, foi protagonizada por
uma equipa constituída por cinco médicos e quatro enfermeiros que aqui se
instalaram em Maio de 1975. Subdividiram-se em duas equipas fixas, que
asseguravam o trabalho no, agora reactivado, Hospital da Misericórdia de
Sernancelhe425 e três equipas móveis, que actuaram nas diferentes aldeias destes
concelhos426. Segundo o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, foram efectuadas cerca de
3000 consultas, 988 urgências, 420 consultas domiciliárias e 36 partos (1984:126). Estas
equipas trabalharam em Sernancelhe e Penedono até Dezembro de 1975 num
contexto socio-político conturbado, ocorrendo a sua retirada definitiva a 16 de Janeiro
de 1976, motivada pela mobilização da população pelo padre local427. Importa
assinalar que na óptica do pároco e das elites locais, o Hospital da Misericórdia de

424 Ofício 54/FAC/DE – Pº 413.00 do brigadeiro Francisco Abreu Riscado (Chefe da 5ª

Divisão) dirigido à Direcção da Arma de Transmissões, 29/1/1976. (Arquivo particular de


Manuel da Cruz Fernandes).
425 Segundo Correia et al este hospital, apesar de possuir condições materiais para funcionar,

encontrava-se subaproveitado sendo utilizado pelo médico local para algumas consultas. Em
Maio de 1975 este hospital foi reactivado “com serviço de banco equipado com material e
medicamentos dos Serviços Militares de Saúde e um serviço médico e de enfermagem
permanente. […] O trabalho no hospital consistia […] no assegurar de um serviço permanente
de urgências […] e um de consulta diária de medicina, além das consultas semanais das
seguintes especialidades: pediatria, psiquiatria e ginecologia-obstetrícia. […]”(s/d-a:108). A
partir de meados de Julho instalou-se uma unidade de partos, tendo sido criado um pequeno
laboratório de análises. O trabalho realizado era gratuito.
426 Estas equipas para além das consultas domiciliárias, desenvolveram um trabalho em torno

do despiste de casos psiquiátricos, ministraram cursos de primeiros socorros e apoiaram os


serviços de saúde locais com os quais iniciaram um programa de Medicina Escolar. Procuram
ainda implementar Comissões de Aldeia.
427 Voz de Lamego, 12/2/1976, p. 5. Ver também intervenção deste pároco no programa

Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC, 19/4/1994. Este assunto será retomado no sub-
capítulo 15.2.

191
Sernancelhe terá sido “ocupado” pela equipa médica do MFA sem consulta prévia
dos responsáveis por esta unidade de saúde:

[…] Pois eles ocuparam tudo sem prevenirem ninguém. Eles vieram pura e
simplesmente e instalaram-se ali. A direcção não foi ouvida para isso. Claro era
uma terra pequena e na altura até por circunstâncias diversas só tínhamos cá um
médico... Mas esse médico trabalhava no Hospital. Não muito, mas trabalhava
alguma coisa, aquilo que era possível. E nem o médico consultaram. Instalaram-se
e só depois é que falaram com ele. Depois de estarem instalados. E eles nunca
internaram ninguém porque todas as camas estavam ocupadas por eles. Chegou a
haver ali 40 viaturas militares. […] Dormiam ali. Estavam ali. Comiam, dormiam,
era ali. O Hospital foi pura e simplesmente ocupado por eles. Eles tinham aí uma
equipa que eles diziam que eram enfermeiros e médicos. Suponho que alguns
seriam. Mas outros não eram. Vieram com o rótulo de médicos sem serem médicos,
outros com o rótulo de enfermeiros sem serem enfermeiros. (Cândido de
Azevedo; pároco de Sernancelhe)

As resistências oriundas destes sectores expressas na retórica anticomunista e na


crítica à capacidade técnica dos médicos, aliadas às consequências da extinção da
CODICE têm os seus reflexos no trabalho das equipas que aqui actuavam e que, face
à sua redução, não respondiam de forma eficaz às necessidades das populações. De
forma a garantir a continuidade do trabalho realizado, foi proposta a vinda dos
médicos do Serviço Médico à Periferia, convocando-se uma assembleia para informar
desta situação, tendo ainda sido nomeado um grupo de trabalho que assegurasse esta
transição e promovesse a eleição de uma comissão instaladora do Hospital. Em
resposta, a Direcção da Misericórdia convoca uma reunião com todas as freguesias
do concelho no ginásio da Escola Secundária procurando, também, debater os
problemas do sector da saúde no concelho. Esta reunião culmina com o cerco ao
hospital encabeçado por Cândido de Azevedo428. Se para o pároco esta acção,
relembrada como “a nossa tomada da Bastilha”429, foi protagonizada por cerca de mil
pessoas que, segundo a imprensa regional gritavam palavras de ordem como “O
Hospital não é quartel, nem hotel”, “Médicos civis sim, médicos militares não!” ou

428 Numa reportagem publicada em 2003 na Única, revista do jornal Expresso, intitulada “O
Mundo do Padre Cândido”, este pároco é apresentado como “o espanta comunistas”. (Única,
revista do jornal Expresso, 25/4/2003, p. 104).
429 Entrevista a Cândido de Azevedo, 2000.

192
“Fora os comunistas”430, para Correia et al a “multidão”431 de Cândido de Azevedo
era constituída por cerca de 20 pessoas “afectas aos caciques locais” (s/d-a:116):

[…] durante horas, lá estiveram na portaria, gritando, insultando,


provocando, ameaçando. Na primeira linha o cura arruaceiro lá estava,
vomitando obscenidades e calúnias, afrontando o cravo vermelho dos
cartazes do MFA como símbolo do comunismo. Em auto de fé, manda
queimar todas essa propaganda “comunista” a que consegue lançar mão,
nomeadamente cartazes que ensinam normas de higiene e prevenção da
doença. […]
O hospital voltou ao que fora durante anos: um centro de medicina privada
e pouco mais. […] Se a organização popular enfraqueceu em regiões onde
agora a reacção dita a lei, a semente persiste nas consciências despertas.
Muitos homens e mulheres aprenderam a conhecer o adversário e a
resistir-lhe. A luta continua, também, nas terras da Beira Alta ( Correia et al
s/d-a:116-117).

Sublinhe-se que a experiência de Sernancelhe é considerada em Correia et al (s/d-a)


como uma derrota da Dinamização Cultural, ao contrário de Cândido de Azevedo
que se auto-denomina de “padre ganhador”432.

Com objectivos idênticos decorreu a acção realizada no concelho de São Pedro do Sul
centrada em três postos de consulta médica que funcionaram de Maio a Setembro de
1975 nas localidades de Macieira, Covas do Rio e Covas do Monte. Contudo, a par do
trabalho na área da saúde433, deu-se início aos trabalhos de abertura de estradas e

430 Voz de Lamego, 1/1/1976, p. 7.


431 Entrevista a Cândido de Azevedo, 2000.
432 Entrevista a Cândido de Azevedo, 2000. É com entusiasmo que Cândido de Azevedo

relembra os artigos que escreveu sobre este episódio. Num deles, publicado na Voz de Lamego,
dá conta de uma ”grande revelação” que espelhava a acção pouco benéfica das campanhas de
dinamização cultural: “ […] na altura da manifestação em vinte e um de Dezembro, o Povo
ainda não sabia, pois, se o soubesse, teria ido ao extremo no castigo dos blasfemos que nos
enchem de indignação e horror. Num Crucifixo, que arrancaram da parede duma enfermaria
do Hospital, hastearam uma bandeira do MFA, que enfiaram entre a cruz e o Crucificado,
saindo o arame da haste em local e posição indecorosa e de autêntico sacrilégio.” Voz de
Lamego, 12/2/1976, p. 5. Uma fotografia deste crucifixo é apresentada por Cândido de
Azevedo no programa Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC, 19/4/1994 como prova
legitimadora da sua posição face às Campanhas.
433 Em Macieira, onde o médico responsável passou a residir, efectuavam-se consultas

gratuitas diárias. Em Covas do Rio e Covas do Monte a visita deste médico era semanal
realizando-se a consulta no edifício da escola primária. Foram igualmente distribuídos

193
melhoramento de acessos, ao planeamento de algumas infra-estruturas promovendo-
se ainda a constituição de comissões de aldeia434. Estas comunidades beneficiaram
ainda da presença de técnicos agrícolas que procuraram esclarecer “os camponeses
sobre técnicas de cultura, cooperativismo, a próxima devolução dos baldios e as
novas possibilidades de exploração dos terrenos comunais” (Correia et al, s/d-a:114).

Foto 5 | Covas do Rio, 1975. Jornalista russo Foto 6 | Covas do Rio, 1975.
entrevista a equipa de dinamização. (Arquivo particular José Carlos Chã de Almeida)
(Arquivo particular José Carlos Chã de Almeida)

Para o médico Joaquim Mendes Robalo, responsável pelos postos de consulta, as


condições de vida destas aldeias foi determinante para as eleger para uma acção mais
urgente. Em entrevista ao jornal Vouga Livre afirma:

Perante um mar de imenso de carências de toda a ordem, que íamos


encontrando, chegámos à conclusão que só um Serviço Cívico Militar

medicamentos gratuitamente. O apoio nesta área estendeu-se a outros locais do concelho. O


13º programa televisivo do MFA de 15/5/1975, realizado por Hélder Mendes, apresenta uma
reportagem onde se vê as equipas militares a transportar um doente da aldeia do Fujaco
(Excerto esta reportagem apresentado no programa televisivo Dinamização Cultural. O fracasso
do 4.º D, 19/4/1994, SIC).
434 Foram eleitas comissões de aldeia nas três povoações e ainda em Sul. No caso de Covas do

Rio a comissão de aldeia orientou os trabalhos de construção da estrada possível através da


repartição dos custos pelas aldeias de Covas do Rio e Covas do Monte, cujos habitantes
também ajudaram na sua construção. O IRA forneceu a máquina e o MFA o motorista para a
mesma (República, 22/4/1975, p. 9). Segundo Correia et al (s/d-a:114) a estrada ficou
inacabada devido à retirada da máquina escavadora por decisão da Direcção dos Serviços
Florestais.

194
poderia começar a dar algumas respostas imediatas aos vários problemas
encontrados. Entre estes, os da saúde surgiram com particular acuidade.
Com efeito, a sociedade capitalista, donde viemos, fez da saúde pública um
rico negócio. A saúde só era garantida a quem tinha possibilidades
económicas para a pagar. […]
Veja-se por exemplo o norte da freguesia de Sul, a freguesia de Covas do
Rio, a freguesia de São Martinho das Moitas e a freguesia do Candal. São
quase quatro freguesias sem um médico, sem um enfermeiro, agravado
tudo isto pela quase inexistência de caminhos e outros meios de
comunicação (telefone, etc.)435.

Relativamente às condições de trabalho denuncia a sua precaridade, assinalando,


contudo, que se sentia “muito feliz” com o trabalho realizado:

[…] Repare: a casa que habito foi o povo desta terra que a pôs à minha
disposição.
Prepara-se mesmo para construir uma casa para o “seu” médico.
O Consultório, quer dizer, aquilo a que nós pomposamente chamamos de
consultório, tem um divã que funciona de mesa de observações.
Foi o Povo que a ofereceu. Tem um tacho para ferver seringas. Foi o Povo
que a ofereceu. Tem um fogareiro para ferver as seringas. Foi o Povo que o
deu.
Não tem mais nada. É o consultório do Povo. Pobre como ele436.

Com o aproximar do Verão Quente o trabalho no concelho de São Pedro do Sul torna-
se irregular, reflexo da limitação dos meios disponibilizados e do próprio rumo do
processo de transição política, levando o médico a abandonar estas aldeias,
transferindo-se para a equipa que ainda se encontrava em Sernancelhe.

Sob o lema “Trabalhar com o Povo – Construir a Revolução”, a Campanha “Maio-


Nordeste” parte para o distrito de Bragança a 17 de Maio de 1975. Na óptica da
CODICE este distrito revestia-se de algumas especificidades que justificariam a sua
escolha. A primeira, de “ordem estratégica”, justificava-se pela grande extensão de
fronteira com Espanha, local de refúgio de alguns elementos do ELP e do MDLP

435 Vouga Livre, 6/5/1975, p. 3.


436 Vouga Livre, 6/5/1975, p. 3.

195
(Correia et al, s/d-a:147)437. A segunda advinha das orientações da CODIDI de
Bragança que, já no seu relatório de Fevereiro de 1975, sublinhava a necessidade de
apoio àquela região, nomeadamente junto dos pequenos e médios agricultores.

Centralizada na cidade de Bragança, a “Maio-Nordeste” é apresentada nas páginas


do Movimento como sendo “totalmente diferente das anteriores”438. Esta
especificidade é também assinalada em Correia et al (s/d-a:149) que a ancora nos
ensinamentos decorrentes das experiências realizadas até então. Estes teriam
permitido um avanço qualitativo no trabalho de Dinamização e Acção Cívica
manifesto nos trabalhos prévios de preparação desta campanha. O modo de actuação
seguido, que de forma improvisada acabou por caracterizar as campanhas
precedentes, é agora preparado com exactidão439.

A coordenação das actividades foi centralizada num Centro Director, instalado no


aquartelamento de Caçadores 3 na cidade de Bragança, onde se encontravam
representantes da CODICE, das Comissões Dinamizadoras regionais e distritais e
ainda dos Gabinetes de Dinamização do Exército, da Armada e Força Aérea,
responsáveis pelo enquadramento e articulação da campanha com os diferentes
organismos nacionais e regionais. O Centro Director agregava gabinetes técnicos
especializados nos principais problemas do distrito: agricultura, medicina e
engenharia. Em cada um dos 12 concelhos existia uma delegação do Centro Director
que coordenava as equipas que lhe estavam adstritas.

Protagonizada por 230 oficiais, sargentos e praças dos três ramos das Forças
Armadas440 e da GNR, da PSP e da Guarda Fiscal, esta campanha, tal como a anterior,

437 De facto alguns dias após a chegada do MFA a Bragança, aparecem as primeiras inscrições
do ELP em vários locais da cidade, nomeadamente na sede do MDP/CDE. (Diário Popular,
27/5/1975, p. 6).
438 Movimento, N.º 24, 25/7/1975, p. 10.
439 Para colmatar uma lacuna várias vezes diagnosticada, a preparação da “Maio-Nordeste”

incluiu um curso de Formação das equipas que iriam para o terreno realizado no Centro de
Sociologia Militar. As matérias abordadas foram: Tarefas socio-políticas dos militares;
Agricultura (com especial incidência na lei do arrendamento rural, reforma agrária, serviço de
apoio ao desenvolvimento agrícola); situação político-económica nacional; saúde pública;
Programa Nacional de Emprego; reconversão das autarquias locais; Cultura popular.
(Movimento, N.º 18, p. 6).
440 As equipas foram auxiliadas por um destacamento de técnicos da Arma de Engenharia. A

Força Aérea prestou a sua colaboração ao nível médico-sanitário enviando médicos e


enfermeiros.

196
desenvolveu-se de uma forma faseada, prolongando-se a primeira etapa até ao dia 31
de Maio de 1975. Neste período, 27 equipas, distribuídas por sete zonas, procederam
ao levantamento das necessidades mais urgentes das populações, elaborando
relatórios que viriam a ser estudados pela CODICE, visando garantir uma maior
eficácia das etapas subsequentes.

Na primeira de 15 reportagens sobre esta campanha, publicadas no Diário de


Notícias441, o desvelar de “um outro país” é sublinhado:

Um ano depois de Abril, algum tempo menos depois da “Nortada”, o MFA


chegou a Trás-os-Montes. O País real, dentro de outro País. […] No
Nordeste Transmontano encontraram – em vez do “pitoresco” publicitado
pelos governantes fascistas – a miséria. De pão, de cultura, de habitação, de
saúde. De tudo! Descobriram um País. Real. Novo. Doloroso. Decidiram a
reconstrução. De braço dado com o
povo. Olhando-o como gente e não
apenas como palavra ambígua
utilizada de Fernão Lopes a Salazar.
[…]442.

Note-se que por esta altura a CODICE


inicia a sua colaboração com a Direcção-
Geral dos Desportos443 que envia três
dos seus técnicos que, conjuntamente
com a sua delegação em Bragança,
promovem uma campanha de
divulgação e educação desportiva,
acompanhada da montagem de recintos
desportivos, apoio na formação de
conselhos desportivos de freguesia,
colaborando também as equipas Foto 7 – Crianças com o jornal Desporto Novo que alude à
participação da Direcção-Geral dos Desportos na
Dinamização Cultural. Oferta Francisco Albuquerque
militares no esclarecimento das

441 Estas reportagens, de Mário Contumélias (texto) e Rui Homem (fotografias), são
publicadas entre 30/5/1975 e 19/6/1975.
442 Diário de Notícias, 30/5/1975, p. 3.
443Desporto Novo, 23/5/1975, p. 1 e 6/6/76, pp. 8, 10 e 11.

197
populações destas zonas:

As campanhas envolviam vários organismos oficiais, desde médicos, enfermeiros,


assistentes sociais e pessoas ligadas à agricultura […]. E nessas equipas, a
Direcção-Geral dos Desportos também foi integrada utilizando o desporto,
digamos, como veículo de dinamização das populações locais. […] Ficámos
sedeados em Vinhais, no quartel da Guarda Nacional Republicana. E daí
acompanhávamos as várias equipas. Portanto, havia grupos de militares que
visitavam várias regiões e nós íamos com eles. O nosso papel era normalmente
procurar contactar os pais, contactar o padre, que era sempre uma figura
fundamental para cativar a sua simpatia para que ele, digamos, aderindo pudesse
também cativar a população. E também a nossa função era desde promover
actividades, portanto juntávamos os miúdos, organizávamos convívios
desportivos, até à implantação de parques infantis de autoconstrução. Portanto,
nós tínhamos planos de autoconstrução e com a ajuda dos pais e de algumas
autoridades locais fazíamos parques infantis para as crianças. […]

A organização era muito naif, muito naif. A Direcção-geral dos Desportos dizia:
vocês podem contar com x bolas de futebol, x bolas de andebol, com x bolas de
basket, tantas tabelas e levávamos esse material para cima e portanto estávamos
circunscritos ao material, que era pouco. Nós fazíamos muito trabalho ao nível da
autoconstrução, tentar que as populações, elas próprias encontrassem o seu espaço
e retirar um pouco a ideia que era preciso ter muita coisa para ter condições.
Bastava terraplenar e para isso havia as máquinas da engenharia militar, que
terraplenavam, depois as balizas eram três paus, portanto não era preciso muita
coisa. (Francisco Carreira da Costa, Técnico da Direcção-Geral dos
Desportos)

Na época, o mesmo técnico, em entrevista ao jornal Desporto Novo da Direcção-Geral


do Desportos, descreve com minúcia o trabalho da equipa, deslumbrando-se com a
reacção das crianças:

Fomos encontrar uma aldeia chamada Nogueira, situada a cerca de seis


quilómetros da cidade, mas que, apesar disso, denota o atraso a que foram
votadas todas as aldeias do distrito de Bragança. […]
Os técnicos, vindos dos serviços centrais da DGD, conjuntamente com os
técnicos da delegação de Bragança, fizeram uma animação desportiva em
que os miúdos da aldeia, pela primeira vez, tomaram o contacto com uma

198
bola de mini-básquete ou de voleibol. Até aí eles só conheciam a trapeira e
a bola feita de jornais. A outra, a que salta, era qualquer coisa mágica!444

O balanço da primeira etapa da campanha “Maio-Nordeste” é efectuado num


plenário geral realizado a 3 de Junho de 1975 onde as diferentes equipas salientam “o
melhor acolhimento por parte das populações das aldeias”, ao contrário das cidades
e de outros centros mais povoados. Mais uma vez são diagnosticadas as principais
necessidades que gravitam em torno das acessibilidades, abastecimento de água,
assistência médica e na falta de esclarecimento em torno das políticas para o sector
agrícola (Correia et al, s/d-a:159).

A segunda fase, que decorre entre o dia 1 e 22 de Junho, as equipas são instaladas nas
periferias, e procuram incentivar a criação das estruturas de poder popular
(comissões de moradores e aldeia), debatendo-se, todavia, com um grande
condicionamento dos meios disponibilizados. Num documento do Centro Director
resultante de uma reunião com os delegados concelhios, realizada entre os dias 20 e
22 de Março de 1975, são apontados os êxitos e os fracassos desta etapa:

[…] Êxitos: 1 – explicação ao povo dos objectivos do Socialismo.


2 – Criação de algumas dezenas de comissões populares.
3- Remoção de casos graves (doentes).
4 – Intervenção em cooperativas para integrá-las no espírito da Revolução.
5 – Algumas iniciativas de trabalho colectivo (parques infantis, centros de
convívio em casas que foram ocupadas445)
Fracassos: Dependem de 3 factores:
1 – Conservadorismo do Distrito onde a dinamização em termos
ideológicos é difícil. Nota-se por este facto um certo choque cultural das
equipas com o meio.
2 – Falta de material principalmente de propaganda da Campanha.
3 – Falta de capacidade de resposta a todos os níveis (Governo Central,
Distrital e Concelhio) face às necessidades das populações446.

444 Desporto Novo, 6/6/76, p. 10.


445 O Diário de Notícias (30/5/1975, p. 3) dá conta da ocupação de um palacete em Vinhais,
propriedade de D. Francisca Pessoa, desabitado há cerca de dois anos.
446 Centro Director, Campanha Maio-Nordeste, Bragança, 22/6/1975, p. 4 (Arquivo particular

Manuel Madeira).

199
Neste documento é, ainda, salientada a reduzida adesão da população às ideias do
MFA, sublinhando-se que “o povo não é facilmente mobilizado por ideologias mas
sim por objectivos concretos, mostrando as populações grande interesse e
preocupação em ver alguns problemas resolvidos”447. Neste sentido, são apontadas as
principais fragilidades deste distrito que, uma vez resolvidas contribuiriam para um
melhor aceitação da Dinamização Cultural e Acção Cívica no distrito de Bragança:

a) Escoamento da produção agro-pecuária.


Esta questão é vital para que as populações do Distrito possam apoiar sem
reservas o MFA, pois nota-se que caso não venham a ser tomadas medidas
urgentes de salvação das últimas colheitas […] e das que se avizinham
teremos uma grande inquietação popular.
b) Política de preços
Houve um aumento de preços do açúcar, bacalhau, adubos, pesticidas,
alfaias e materiais de construção enquanto que as colheitas sofreram uma
desvalorização de preços agravando-se ainda mais a dificuldade de
comercialização dos excedentes de produção. (Este problema está a ser
encaminhado para uma resolução)
c) Assistência médica
Falta de pessoal, mau aproveitamento do existente, burocracia,
desinteresse e incompetência dos responsáveis, falta de esclarecimento das
populações quanto aos seus direitos.
d) Meios de equipamento social
Energia eléctrica, estradas, saneamento, tratamento de águas, etc. sofrem o
entrave do centralismo burocrático, mas deve-se estimular a população a
resolver os seus problemas sem esperar por decisão dos órgãos superiores.
e) Classes sociais
Neste distrito, essencialmente agrícola, não há muitos latifundiários,
praticando-se uma agricultura atrasada tecnicamente e de minifúndio. Os
mais ricos são alguns comerciantes (intermediários), profissionais liberais e
antigos senhores absentistas e decadentes.
A reacção apoia-se nestes grupos, no clero, numa boa parte do
professorado e do funcionalismo público. O “cacique” não é forçosamente
um reaccionário e os mais pobres não são forçosamente revolucionários. Os

Centro Director, Campanha Maio-Nordeste, Bragança, 22/6/1975, p. 1 (Arquivo particular


447

Manuel Madeira).

200
esquemas válidos no sul não podem ser mecanicamente transportados para
esta região sob pena de cometerem graves erros.
f) Diversões
O povo é sensível ao teatro, cinema, música e desportos, sendo nossa tarefa
estimular todas as formas existentes, pois são uma forma de organizar as
populações448.

São estes aspectos e preocupações que vão nortear a 3ª fase desta campanha que,
iniciada a 23 de Junho viria a ser suspensa por ordem do CEMGFA a 8 de Outubro de
1975.

Era uma intervenção, então mais dirigida no contexto das transformações das
estruturas de Estado e aí por exemplo: Lei dos baldios. Não a íamos aplicar
directamente, mas criarmos as condições para discutir a aplicação. […] // Havia
que transformar os grémios e estabelecer comissões liquidatárias. Localmente não
havia nada a acontecer. Não havia [risos]. Se em algumas áreas as forças sociais
locais os transformavam, ali não. […] // Simultaneamente existia um organismo
do Ministério da Agricultura que era o SADA, Serviço de Apoio ao
Desenvolvimento Agrário, que tinha grandes dificuldades de actuação e portanto
nalgumas áreas. Houve uma certa colagem, ou nós ao SADA ou eles a nós, para se
reunir sinergias que operassem estas transformações, mas no caso foram
essencialmente as questões das estruturas do sector agrícola. // Era, de facto, uma
campanha de paralelismo e extensão do aparelho de Estado, a estrutura, como ela
era pensada, os grupos, as pessoas de várias especialidades. (Manuel Madeira)

De facto, a “Maio-Nordeste” adquiriu alguma especificidade devido à importância


atribuída ao sector agrícola. Em colaboração com o SADA449 procurou aplicar as

448 Centro Director, Campanha Maio-Nordeste, Bragança, 22/6/1975, p. 2. (Arquivo particular


Manuel Madeira).
449 Num relatório elaborado por uma das equipas do SADA cuja actividade se centrou nos

concelhos de Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Vila Flor e Alfandega da Fé é referida a


importância da colaboração com a “Maio-Nordeste” nos seguintes termos a colaboração com
o MFA: “O início da actividade da nossa equipa foi a 15 de Maio do ano em curso.
A partir desta data e aproveitando a presença da operação “Maio-Nordeste” o nosso trabalho
foi coordenado de forma a conseguir-se uma cobertura de todos estes concelhos com a
presença do MFA. […] A presença do MFA foi a todos os títulos benéfica, na medida em que
consegui o saneamento das direcções da Cooperativa Agrícola de Macedo de Cavaleiros,
Alfandega da Fé e Vila Flor. O SADA colaborou com a finalidade de esclarecimento das
populações adstritas às mesmas cooperativas.
Na experiência adquirida com contactos e reuniões, podemos dizer que a presença do MFA
serviu de desbloqueador das populações sendo bastante positiva a sua presença nesta zona

201
medidas da Reforma Agrária450 destinadas à zona Norte e Centro do país. Desta
forma, foram apoiadas as cooperativas agrícolas e comissões liquidatárias dos ex-
grémios da lavoura, a comercialização de produtos agrícolas e gados promovendo,
ainda, o esclarecimento das novas medidas legislativas que enquadravam os terrenos
baldios.

A democratização das cooperativas agrícolas foi uma das medidas promulgadas pelo
IV Governo Provisório, que procurava estende-las aos pequenos e médios
agricultores, criando mecanismos que lhes possibilitassem dirigir e administrar estas
instituições451. Segundo Baptista (2001:201), o controlo das cooperativas agrícolas, que
enquadravam a actividade das explorações, constituía um dos alicerces do domínio
das famílias ligadas aos patrimónios fundiários sobre as comunidades rurais. Na
tentativa de proteger os interesses dos pequenos e médios agricultores, o MFA
interveio no saneamento das Cooperativas de Macedo de Cavaleiros, Alfandega da
Fé e Terra Fria, bem como no Complexo Agro-Industrial do Cachão, procurando
potenciar o seu funcionamento. Neste domínio a intervenção do MFA centrou-se
ainda na reformulação de algumas comissões liquidatária dos ex-grémios da lavoura
(Correia et al, s/d-a:172)452.

No que concerne aos baldios, importa sublinhar que ao longo da história, estes
terrenos, foram alvo de constantes tentativas de usurpação por parte do Estado ou
dos “grandes senhores”, constituindo um símbolo de resistência das populações
rurais, sobretudo em regiões de minifúndio (Rodrigues, 1987). Durante o Estado

do Nordeste.” (Equipa do SADA, 19/9/1975, Relatório da Actividade do SADA nos concelhos de


Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Alfandega da Fé e colaboração Prestada ao MFA, p. 1, manusc,
Arquivo particular Manuel Madeira).
450 No relatório referido na nota anterior, datado de Setembro de 1975, alude-se à Reforma

Agrária afirmando-se que ”o avanço tem sido bastante lento, tendo contudo sido ocupada
uma propriedade em Cortiços-Macedo de Cavaleiros”. Equipa do SADA, 19/9/1975, Relatório
da Actividade do SADA nos concelhos de Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Alfandega da Fé e
colaboração Prestada ao MFA, p. 3, manusc, (Arquivo particular Manuel Madeira). Sobre este
assunto ver Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC, 19/04/1994.
451 Este diploma teve uma taxa de execução muito reduzida no Norte e Centro do país e foi

uma das medidas estatais que encontraram maior oposição nesta região (Baptista, 2001:202).
452 Segundo relatório do Centro Director da Campanha “Maio-Nordeste” as direcções de

cooperativas, as comissões liquidatárias dos ex-grémios da lavoura, encontravam-se “na


maior parte, nas mãos de elementos não concordantes com o processo. Quando são elementos
progressistas têm o aparelho de estado a amarrar-lhes as mãos” (Campanha Maio-Nordeste.
Relatório do Centro Director da Campanha Maio-Nordeste, Bragança, 14/8/1975).

202
Novo a intensificação das acções de contestação foram o espelho de uma política
florestal453 que retirou às comunidades rurais cerca de 320 000 hectares baldios, dos
quais florestou cerca de 90 por cento (Baptista, 2001). Com o 25 de Abril454, o debate
em torno desta questão é retomado sendo apropriado pelo MFA como símbolo da
opressão das comunidades camponesas, ao mesmo tempo que permite introduzir
uma outra discussão centrada em torno da colectivização da propriedade e do
trabalho 455.

No dia 12 Agosto de 1975 o Centro Director volta a reunir. No seu relatório é


evidente a preocupação face às resistências com que se debatem as diferentes
equipas456, questionando-se a continuidade e a importância da campanha para “o
desenvolvimento do processo revolucionário no distrito”. Neste documento é ainda
referido o aumento daquilo que designam de “escalada revolucionária”457,
manifestando-se nos “ataques verbais e físicos”, em provocações isoladas feitas de
formas directa aos próprios militares, bem como através da circulação de panfletos e
colagem de cartazes pelo ELP, pelo MDLP458 e pelo CAT (Comité dos Anti-fascistas

453 Sobre a contestação da política florestal no Estado Novo ver Freire (2004).
454 Em Agosto de 1975, o V Governo aprovou um diploma que consagrava a devolução dos
baldios às populações. Contudo, o VI Governo Provisório viria a travar a sua saída, só
entrando em vigor as medidas legislativas que enquadravam aquela devolução em Janeiro de
1976 (Baptista, 2001).
455 Sobre este assunto ver capítulos 13 e 14.
456 Neste sentido importa referir as alusões que o já citado relatório de uma equipa do SADA

faz sobre as movimentações contra esta campanha: “ […] Logo que a situação política
começou a alterar-se começaram a surgir as primeiras provas de antipatia, não propriamente
das populações mas sim dos caciques locais, padres, pessoas influentes como profissões
liberais e outras, intermediários de produtos agrícolas, funcionários públicos não saneados e
comprometidos com o regime deposto, retornados, saneados (muito poucos), grandes
agrários e outros que montaram um esquema devidamente sincronizado de forma a lançarem
no ridículo a actuação da campanha Maio-Nordeste, no que auxiliaram muito também certos
partidos políticos que através da sua carência de quadros ou de alguns quadros (muitos)
identificados com o regime deposto que não procedendo de forma a politizar e esclarecer as
populações rurais, apenas serviram para arregimentar e deturpar todo o processo. (Equipa do
SADA, 19/9/1975, Relatório da Actividade do SADA nos concelhos de Mirandela, Macedo de
Cavaleiros, Alfandega da Fé e colaboração Prestada ao MFA, p. 1:2, Arquivo particular Manuel
Madeira).
457 Segundo Carreira da Costa com o aproximar do “Verão quente”, caracterizado por um

processo de mobilização marcado pelo assalto às sedes dos partidos à esquerda do Partido
Socialista, a vários sindicatos e ainda pela visibilidade das acção do ELP, saíram indicações
para que os membros das equipas andassem sempre acompanhados. (Entrevista gravada,
2002)
458 Atente-se a uma comunicado do MDLP que circulava no distrito de Bragança: “Hoje já

todos sabemos que a Reforma Agrária Não passa de ocupações selvagens que reduzirão ainda

203
Transmontanos) 459. São ainda referidos os assaltos às sedes de partidos políticos e o
lançamento de boatos contra os vários organismos governamentais, deturpando a
índole do trabalho realizado460.

Criou-se no país algum sentimento de hostilidade. Em Vinhais começou a dizer-se


que tinham sido os comunistas que tinham construído o parque infantil e então a
população, e isto é interessante analisar como as mesmas pessoas, que de uma
forma extremamente benévola, solidária, construíram aquilo para os filhos deles, as
mesmas pessoas, porque alguém lhes disse e era mentira, era mentira porque, se
estavam membros do partido comunista não sei, eu pessoalmente não pertencia ao
partido comunista. Portanto não era o caso, e os próprios irracionalmente
destruíram aquilo que era dos filhos. // A hostilidade comunista das populações era
mais do que evidente e manifestava-se nas ruas, nas conversas. Nós, nunca nos
sentimos directamente hostilizados, mas sentia-se nos cafés. […] Nós tivemos lá
dois períodos. No segundo período em que fomos já se sentia a hostilização com os
próprios militares. (Francisco Carreira da Costa)

Carreira da Costa recorda, hoje num discurso onde o riso emerge, o sentimento de
medo que viveu em Bragança, onde a produção de um clima de insegurança era, de
facto, eficaz:

Quando o ELP ataca, nós começámos também a ter medo. E lembro-me


perfeitamente que uma vez por razões de segurança, aconselharam-nos a sair do
quartel da GNR e fomos para uma pensão. Estávamos em Vinhais. Saímos do

mais o pais à miséria; organizadas pelo Partido Comunista que para isso utilizou traidores
portugueses treinados em Moscovo e Praga! […]
Que as lutas partidárias e os traidores do MFA que obrigaram ao exílio ou mantém presos
camaradas cuja honra de militares e patriotas é inatacável, conduziram o povo português
para a miséria e para o ódio fratricida, do qual só tira proveito o comunismo internacional.
- Que é chegada finalmente a hora de libertar Portugal, acabando com a exploração da
Maioria pela Minoria.
Se és patriota e democrata verdadeiro … Prepara-te …
O Movimento Democrático pela Libertação de Portugal conta contigo! Na tua rua… No teu
emprego… na tua fábrica… na tua vila, os militantes do MDLP contam com a tua força e
determinação na hora próxima. Combate por uma democracia Social Pluralista e Livre! Sê um
português digno de ti próprio! Viva Portugal” Com Spínola Venceremos!” (Comunicado, s/d
[1975], Arquivo particular de Júlio Carvalho).
459 Para além do CAT, surgiu também em Bragança, o Movimento de Libertação do Povo

Transmontano que se movimentaram no sentido de expulsar a “Maio-Nordeste” do distrito


(Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC, 19/04/1994. Intervenção de Júlio Carvalho).
460 Centro Director, Campanha Maio-Nordeste, Bragança, 14/8/1975, p. 3. (Arquivo particular

de Manuel Madeira).

204
quartel da GNR em Vinhais e fomos para a cidade de Bragança para uma pensão.
E lembro-me perfeitamente que na altura dizia-se que o ELP ia atacar e então nós
ouvimos um barulho nas escadas da pensão, para cima, para baixo. E nós próprios
estávamos assustados. Será que eles sabem que está aqui gente do MFA e nos vão
atacar. E [risos] eu estava no quarto com o Dr. Manuel de Brito e barricamo-nos.
Mas nunca houve nada. (Francisco Carreira da Costa)

Apesar destas oposições a campanha continua o seu trabalho. Contudo um outro


factor de contestação emerge motivado pela presença de 40 elementos do COPCON
em Bragança. Com o título “Bragança não quer dinamização bolchevista”, o jornal O
Cávado461 dá conta desta situação. Já o Mensageiro de Bragança chama para título a
movimentação popular que deu origem à saída destas “milícias civis armadas” da
cidade:

Foi com surpresa e indignação que a população de Bragança teve


conhecimento da recente chegada de cerca de 40 homens fardados de
militares armados, diz-se, sob as ordens do COPCON. […]
Então temos cá o BC 3, ainda por cá estão os militares das “Campanhas de
Dinamização” e da “Operação Maio-Nordeste”, afectos à felizmente extinta
5ª Divisão, e vem-nos mais um corpo de milícias disfarçadas de militares?
[…] Quais são, concretamente, os objectivos desta força militarizada, que
mais não faz lembrar que outras “milícias” que existiram cá e lá com
objectivos sinistros e de tão triste memória? […] Perante isto, a cidade
agitou-se. E moveu-se em direcção à Praça da Sé, lugar de convívio ameno
nas horas de lazer, mas também de vibração e ponto de partida para
decisões inabaláveis nas horas de grandes opções. […]
O que é certo é que a decisão e firmeza da gente bragançana, manifestada
directamente ao comandante do BC 3, para servir de porta-voz, tinha que
resultar.
E resultou memo, porque os tais 40 «esconjurados», como alguns lhes
chamavam, abalaram definitivamente com armas e bagagens para outros
bandos (?), no passado dia 8462.

461 O Cávado, 20/9/1975, p. 3.


462 Mensageiro de Bragança, 12/9/1975, p. 12.

205
A contestação das populações e dos partidos políticos dominantes será determinante
para a suspensão da campanha “Maio-Nordeste” a 8 de Outubro pelo Chefe de
Estado-Maior, General Costa Gomes, que segundo o Diário de Notícias463, terá sido
solicitada pelo então Comandante da Região Militar Norte, brigadeiro Pires Veloso,
que desde o início discordou da presença do COPCON em Bragança:

[…] Quando eu cheguei e assumi o comando os problemas eram muitos e


eu procurei-me inteirar-me deles. Havia um que me preocupava, pois
diziam que havia um grupo de militares no Nordeste Transmontano que
fazia dinamização cultural mas que era de tal maneira negativa que o povo
não gostava deles. Entretanto passam-se uns dias e eu fui chamado ao
então general Otelo Saraiva de Carvalho. Então o que é que ele me queria.
Disse-me que havia em Bragança um grupo de cerca de trinta homens que
estavam a fazer um trabalho belíssimo de dinamização cultural, mas o
povo a determinada altura não aceitava e eles eram obrigados a estar
fechados dentro da pensão porque não podiam sair. De maneira que ele
pediu-me para eu diligenciar no sentido de eu receber cá mais outros trinta
homens, uns homens de categoria, uns operários de fábricas, altamente
politizados que podiam fazer um trabalho de dinamização cultural no
nordeste transmontano. Portanto, disse ele que vinham fardados, que eram
graduados em sargentos e oficiais e que tudo ia rolar sobre esferas. E
cheirou-me a chamusco. E então disse-lhe: - Meu general aguente aí uns
dias porque eu estou há pouco tempo, vou estudar bem o problema e eu
resolvo – minhas palavras.
E vim-me embora para o Porto procurei saber o que se passava. Primeiro
apercebi-me que esse grupo nem eram militares, o grupo que já lá estava464.

463Diário de Notícias, 22/10/1975, p. 13.


464 Importa sublinhar que no programa Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC,
19/04/1994, é referido a presença de elementos civis fardados, alguns deles membro do PRP.
No Verão de 1976 o Mensageiro de Bragança publica um artigo intitulado “Lembrando a
tristemente célebre Operação Maio-Nordeste”. Partindo do Relatório sobre o 25 de Novembro
elaborado por uma Comissão de Inquérito, onde é referido o envolvimento do COPCON, este
jornal transcreve um excerto deste documento que faz referencia à “Maio-Nordeste”: “ […]
Intervenção na Maio-Nordeste: (I) Quando, em princípio de Agosto, a campanha de
dinamização denominada de “Maio-Nordeste” que decorria no distrito de Bragança sob a
orientação da CODICE (da ex-5ª Divisão), começou a ser localmente contestada civil e
militarmente, o COPCON tentou aproveitar a oportunidade com o objectivo de recuperara a
situação e ensaiar a aliança POVO-MFA em campo prático, aliás, sem êxito. Para o efeito
contratou irregularmente cerca de 40 civis, na sua maioria militantes de várias facções

206
Depois por aquilo que o Otelo me disse vi também que eles não seriam
militares. Mesmo que fossem havia outra maneira de tratar com eles. Mas
de qualquer modo também não serviam, porque mesmo que fossem
militares estavam a criar uma divisão entre a população e as Forças
Armadas. E havia já quando eu cheguei, havia já um fosso profundo entre
militares e povo. O que eu não compreendo nem aceitava de maneira
nenhuma.
Então o que é que eu fiz. Não gostei do que o Otelo me disse na altura...
Pensei, decidi, como militar que não gosta de palhaçadas, e corri com eles.
Dei-lhes 24 horas para saírem da região militar465.

Se a suspensão da campanha “Maio-Nordeste” foi objecto de crítica negativa nas


páginas do Diário de Notícias, onde se alude ao facto das diferentes Comissões de
Aldeia do concelho de Mirandela se manifestarem contra esta decisão, ou em grandes
artigos de fundo onde são descritos os benefícios que esta trouxe às populações de
Trás-os-Montes466, o Mensageiro de Bragança apresenta uma contra-imagem. Para além
de questionar as tomadas de posição das referidas Comissões de Aldeia, refere que
“depois de termos percorrido a maior parte das aldeias do distrito de Bragança, nada
observámos de novo e de interesse que se tivesse efectuado”467.

Para a equipa militar que trabalhou no concelho de Bragança a sua partida iria
implicar “a destruição de toda a organização popular, e o que é mais grave, que o
preconizado no programa do MFA, APOIO ÀS CLASSES MAIS DESFAVORECIDAS,
não será levado à prática, pois todos os organismos estatais, na sua generalidade,

politicas, nomeadamente do PRP-BR [Partido Revolucionário do Proletariado-Brigadas


Revolucionárias] aos quais forneceu equipamento militar, munições e cartões de identificação
irregulares. […]
(2) Em meados de Setembro de 75, quando outro grupo idêntico de 43 elementos se preparava
para reforçar o primeiro, aquela anómala situação foi denunciada em Bragança, o que veio a
provocar não só a recolha imediata dos falsos militares, como o cancelamento da campanha.
[…] “ (Mensageiro de Bragança, 2/7/1976, p. 6).
465 Entrevista a Pires Veloso no programa Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC,

19/04/1994. Importa sublinhar que uma das primeiras medidas de Pires Veloso foi mandar
recolher às unidades de origem a maior parte dos oficiais milicianos empenhados nas
campanhas de dinamização (Tavares, 2001:53), o que teve consequências não só ao nível da
“Maio-Nordeste” mas também ao nível das outras campanhas que ainda decorriam no
distrito de Viseu.
466 Diário de Notícias, 18/10/1975 (p. 8), 22/10/1975 (p. 13), 23/10/1975 (p. 2).
467 Mensageiro de Bragança, 31/10/1975, p. 5.

207
estão mais ou menos enfeudados às classes privilegiadas que manobram a
organização recebida do fascismo e não destruída.” (Correia et al, s/d-a:186).

Por fim, as últimas campanhas organizadas regressaram a regiões já visitadas pela


Dinamização Cultural: Castelo Branco e Guarda.

No dia 2 de Julho de 1975468 é apresentada no Palácio Foz a “Campanha de Unidade e


Dinamização”, que se realizaria nos concelhos de Castelo Branco, Oleiros, Sertã e Vila
de Rei. A grande diferença desta acção relativamente aquelas que a antecederam,
residia na participação de trabalhadores de diferentes empresas e sectores da
sociedade civil oriundos da zona industrial de Lisboa, visando “resolver a
contradição cidade-campo”.

Um grupo de trabalhadores da Guerin foi trabalhar para o campo e fez uma data de
parques para crianças, fez trabalhos...Estava-se a desenvolver a ideia de haver uma
ligação às associações de trabalhadores dos grandes centros industriais de Lisboa e
da cintura industrial, de irem para o campo com os meios que nós fornecíamos,
para desenvolverem exactamente esta capacidade. (Manuel Begonha)

Do programa que norteou esta campanha destacam-se os seguintes pontos:

1) Os objectivos desta campanha são predominantemente constituir a


unidade das massas populares, de todos os trabalhadores e da população
em geral, na luta pelo Socialismo e pelo reforço da aliança Povo-MFA. […]
2) Propõe-se contribuir para resolver a contradição cidade-campo agravada
no nosso país pelo fascismo, que favoreceu a existência de estilo e níveis de
vida diferentes de satisfação das necessidades principais da vida humana
(saúde, instrução e cultura, comunicação, habitação, alimentação, etc.)
conforme se tratava do Povo vivendo nos centros urbanos e áreas
industrializadas ou em áreas predominantemente rurais.
Nesse sentido, a sua acção orientar-se-á pelos objectivos seguintes:
a) Através da constatação das necessidades concretas das populações meter
mãos à obra em tarefas de auxílio real, que envolvam trabalho técnico e

Importa sublinhar que no dia 21 de Junho de 1975 se tinha realizado uma conferência de
468

imprensa no Governo Civil de Castelo Branco para informar as entidades e populações locais
dos objectivos desta campanha. (Notícias da Covilhã, 20/6/1975, p. 7).

208
braçal que se traduzirá em realizações visíveis […] para tentar ir na prática
concreta ao encontro dessas necessidades.
b) Desenvolver o espírito de cooperação, chamando as pessoas da
localidade a participarem no esforço colectivo […].
c) Dinamizar culturalmente as populações, através de grupos de teatro,
projectos de filmes, debates, manifestações artísticas, etc., que despertem a
atenção de pessoas para problemas de índole cultural para os quais até hoje
ainda não foram motivadas. […]
e) Demonstrar na prática que as populações das aldeias mais distantes e
isoladas não estão, na verdade, separadas do resto do país e do mundo
procurando integrá-las no processo revolucionário em curso, pela via que
essas mesmas populações decidirem seguir, sem imposições de ideias que
violem a sua consciência colectiva.
f) Dinamizar os próprios participantes da campanha para se integrarem
pela prática numa via de unidade de igualdade efectiva pelo Socialismo, o
que só será possível a todo o povo português, através do conhecimento
vivo e profundo dos problemas concretos do nosso povo e pela humildade
necessária para aprender com aqueles com quem vão viver durante a
campanha […] 469.

Para além da Comissão de Trabalhadores da Guerin (com o apoio material da


Fundação Calouste Gulbenkian), nesta campanha, que teve início a 13 de Julho de
1975 prolongando-se até ao dia 30 de Setembro do mesmo ano, colaboram também
técnicos de saúde e regentes agrícolas470.

Dois dias depois tem início a última campanha a partir para o terreno. Ao distrito da
Guarda chegam os alunos da Academia Militar que, sob o lema “Trabalhar com o
Povo, Construir a Revolução”, aí permanecem durante três semanas. Coordenada
pela CODICE e pela Academia Militar, esta campanha foi protagonizada por cerca de
500 indivíduos, entre efectivos da Academia Militar, da Força Aérea, da GNR, da
Guarda Fiscal, das Unidades da região e elementos civis não só da Academia Militar

469 Notícias da Covilhã, 20/6/1975, p. 7 e 11.


470 Ver cronologia em anexo onde se referenciam as participações de índole cultural.

209
mas também oriundos de quadros técnicos das autarquias locais e outros organismos
do Estado471.

No acto público de apresentação da campanha foi contextualizada a sua importância


na reestruturação do ensino nesta Academia:

Parece fora de dúvida que os programas que vinham seguidos nesta casa
não satisfaziam as exigências para a formação dos oficiais que, nesta altura,
pretendemos e necessitamos. E que se pretende que sejam verdadeiros
militantes do MFA. Por isso , optou-se nesta fase de transição por um
programa intensivo de dinamização, pois se mantivéssemos a vida
tradicional desta casa correríamos o risco de mandarmos para as Escolas
Práticas, ou seja, de pormos a comandar oficiais que no mínimo, e à
partida, estariam impreparados para essa missão. […]
Neste final de ano lectivo, o mestre vai ser o povo, do qual nos vamos
aproximar colaborando na sua organização colectiva e na realização de
tarefas concretas que venham ao encontro das suas reais necessidades472.

Já Manuel Begonha centra o seu discurso no reconhecimento dos erros cometidos,


que designou como “erros de falta de inteligência política”473, manifestos na ausência
de um trabalho prévio de caracterização dos terrenos de actuação, o que foi efectuado
no âmbito desta campanha, como nas que decorreram no período subsequente ao 11
de Março de 1975.

O jornal A Guarda descreve com pormenor o trabalho realizado pelos jovens oficiais e
pelas populações dos diferentes locais: abastecimento de água, electrificação e
reparação de escolas primárias, construção de estradas, lavadouros, tanques,
chafarizes e ginásios rurais. Ajudaram na ceifa das searas, no combate aos incêndios e
ainda na criação de Comissões de Aldeia474. No âmbito da animação cultural,
realizaram-se exposições de pintura, sessões de pintura infantil, projectaram-se

471 Diário de Notícias, 15/7/1975, p. 2.


472 Diário de Notícias, 15/7/1975, p. 2. Importa sublinhar que no âmbito desta acção foi
produzido um boletim intitulado Trabalhar com o Povo construir a Revolução pela Academia
Militar (Arquivo particular Rodrigo de Freitas; Arquivo Histórico do Ministério da Defesa
Nacional – em organização; caixa 6319).
473 Declarações de Manuel Begonha na conferência de imprensa de apresentação desta

campanha publicadas no Diário de Notícias, 15/7/1975, p. 2.


474 A Guarda, 25/7/1975, p. 6.

210
filmes e slides, tendo-se ainda impulsionado os hábitos de leitura com a colaboração
da Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian475.

No âmbito desta experiência a Academia Militar publicou um boletim intitulado


Trabalhar com o Povo Construir a Revolução476. No seu último número é feito um
balanço do trabalho realizado interpelando-se a sua importância:

Terá valido a pena?


A resposta cabe a nós Academia Militar que viemos aprender e viver
convosco, e a vós.
Para nós foi extremamente válida, porque a consciência que aqui
adquirimos ou reforçámos, irá ajudar, os futuros ofícios do Exército e da
Força Aérea, no desempenho das suas funções numas Forças Armadas que
se pretendem ao serviço das classes mais desfavorecidas, logo do Povo. A
vossa resposta não a pedimos. Ela será dada no futuro e sentiremos que a
missão foi cumprida se ao longo e árduo caminho que teremos que
percorrer na Revolução, vos virmos unidos, coesos, infatigáveis em tomar o
poder nas vossas mãos […]477.

8.1. | Outros trajectos

O esclarecimento das comunidades de emigrantes portuguesas constituiu desde o


início, uma das preocupações centrais do MFA que, através da CODICE, organiza
“missões” a vários países da Europa, sendo criado, aquando da sua reestruturação,
um gabinete para apoiar as actividades promovidas nesta área478.

Uma das primeiras acções realizou-se no dia 2 de Dezembro de 1974 em Pantin479, um


subúrbio operário de Paris, integrada num fim-de-semana cultural daquela

475 Academia Militar, Trabalhar com o Povo Construir a Revolução, N.º 8, 2/8/1975, p. 3
476 Foram publicados oito números deste boletim pela Academia Militar (Arquivo particular
Rodrigo de Freitas; Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional - em organização;
caixa 6319).
477 Academia Militar, Trabalhar com o Povo Construir a Revolução, N.º 8, 2/8/1975, p. 3.
478 Ver capítulo 7.1. onde é abordada a actividade deste gabinete.
479 Estas missões realizaram-se desde o final de Novembro de 1974 a Junho de 1975

colaborando a CODICE, em alguns casos com a Secretaria de Estado da Emigração. Os


destinos foram, para além da região de Paris, Alemanha, Bélgica Luxemburgo, Holanda,

211
localidade. Para os responsáveis da
CODICE o grande objectivo destas
acções repousava no desfazer “da
imagem retorcida” que os emigrantes
tinham de Portugal e do processo
revolucionário:

Merece, […] salientar que se


desfizeram muitas dúvidas
traduzidas em perguntas ingénuas
mas que reflectem a imagem
distorcida de Portugal que lhes
chega lá longe. Um dos presentes,
por exemplo, perguntou se “a
casinha que estava cá a construir ia
ser destruída” baseando a questão Fig. 6 | Emigrante. Unidos Venceremos.| Postal
Armando Alves 1975
no facto de ainda não ter vindo a Fonte:http://www.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=
Galeria&album=PostaisMFA
Portugal depois do 25 de Abril e as
infiltrações reaccionárias e
informações tendenciosas serem uma constante nas suas zonas de trabalho,
provocando essas dúvidas. A falta de informação é de tal ordem de
grandeza que houve necessidade do coordenador do programa fazer o
historial do Movimento das Forças Armadas o que não se faz nas sessões
em Portugal por ser já sobejamente conhecido480.

No mesmo sentido, Delgado da Fonseca alude à ampla participação nestas


iniciativas, reforçando a necessidade de esclarecimento:

Mandaram-me a Paris, aos emigrantes fazer dinamização cultural. Durante uma


semana fiz 28 sessões de dinamização cultural nos arrabaldes de Paris. Milhares de

Inglaterra, Suiça, Alemanha, Suiça, RFA. O Brasil não foi incluído face à grande dimensão
deste país e por limitação dos meios disponíveis (Diário de Notícias, 24/1/1975, p. 3).
Quanto aos EUA, Ramiro Correia, em reunião do Conselho da Revolução onde se abordou a
posição dos emigrantes açorianos face à nova situação política em Portugal, terá proposto
uma deslocação a este país no âmbito da Dinamização Cultural do MFA. (CR, Acta da reunião
de 11/4/1975. Arquivo Mário Soares, 02975.005, im. 4). Segundo Stoer, os EUA foi o único
país que recusou a entrada destas missões (1984:177).
Ver a data das diferentes missões na cronologia em anexo.
480 Vida Mundial, 14/12/1674, p. 6.

212
pessoas. Estava lá a nossa comunidade toda em peso para fazer perguntas.
Queriam saber como é que era, como é o novo regime, o que é que a gente tem que
fazer? (Delgado da Fonseca)

Se para alguns militares a importância destas sessões residia no esclarecimento da


nova situação política, para outros esta assentava no estabelecimento de um contacto
até então vedado:

Em Roterdão falámos para cinco mil pessoas. O laço não existia até aí… Foi o
começo de quebrar isso, obviamente que estava lá tudo. Os emigrantes queriam
saber o que é que se passava. Era quase a mesma atitude que nas aldeias. As
pessoas saíram das aldeias para ir para um gueto, não digo um gueto, mas para um
ambiente relativamente fechado. (Manuel Madeira)

Note-se que a temática da emigração constitui um dos filões argumentativos


utilizados na condenação da política do Estado Novo. Os emigrantes, para o MFA,
eram como “camponeses deslocados” que corporizavam as fragilidades deste regime.
Na óptica de Correia et al, o afastamento geográfico, motivado por uma economia
débil, conduzia quotidianamente à perda “da universalidade da cultura portuguesa,
onde a própria língua se esquece de geração em geração” (s/d-a:63).

O jornal A Aurora do Lima notícia, em primeira página, as sessões de esclarecimento


em Paris através da publicação de uma carta de um emigrante português:

Louvável a iniciativa do MFA de ter enviado a Paris, para actuarem na


região parisiense um grupo de dez oficiais, que na primeira semana de
Dezembro promoveram diversas sessões de esclarecimento junto dos
emigrantes portugueses, sobre o Programa do Movimento das Forças
Armadas. Assisti a três sessões de esclarecimento e não há dúvida que se
colheram frutos, pois muitos emigrantes, aqueles que não compram o
jornal porque custa 1 Franco e oitenta, não estavam informados da
evolução portuguesa e ainda por cima, de uma certa camada reaccionária
que por aqui prolifera, que junto do emigrante o convidam a não enviar as
suas economias para Portugal, deturpando tudo aproveitando-se do
analfabetismo da grande maioria, e estando em primeiro lugar os bancos
portugueses aqui acreditados. […]
Nas referidas sessões de esclarecimento pelos elementos das Forças
Armadas, que se apresentaram fardados, depois de termos apreciado com
emoção o filme do 25 de Abril […]. Todas elas decorreram com elevado

213
espírito democrático, e no final cravos vermelhos foram distribuídos e os
vivas a Portugal e à democracia sendo cantada por todos a canção do Zeca
Afonso, «Grândola, Vila Morena»481.

Capítulo 9 | Inteligência Política de Actuação.


Tipologia e formas de acção

Foto 8 | Povoação do concelho de Castro Daire, 1975 (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)

A última das linhas mestras do Programa de Dinamização Cultural recebeu a


designação de “Inteligência Política de Actuação” e era o reflexo da vincada
preocupação por parte do MFA com a conduta daqueles que viriam executar este
Programa, espelhando também a opção de intervenção a partir da “comunidade”
possuidora de “uma cultura própria que não deve[ria] ser agredida”. O trabalho de

481 Aurora do Lima, 10/1/1975, p. 1.

214
esclarecimento ancorar-se-ia, então, nos “problemas efectivamente vividos por essa
comunidade”482, orientação que encontrou eco nos pressupostos de intervenção do
sector civil da CODICE:

Enquanto palhaço, quando chegava às aldeias procurava sentir o que estava ali em
causa. Não havia batatas por causa da chuva, não havia azeite, não havia escolas,
condições sanitárias … E eu depois punha isto dentro dos meus sketches, integrava
e assim chamava a atenção das populações, tentava dialogar com eles, partilhar
com elas […]. (Teresa Ricou)

Com um trabalho mais continuado no terreno, Conceição Lopes refere a importância


da construção de uma relação de confiança com as populações na preparação da sua
intervenção:

A estratégia que tínhamos da intervenção, tínhamos também ao nível da equipa,


que era duas coisas: por um lado partilhar o conhecimento, para já entre cada um e
aquilo que tínhamos adquirido, ou seja, por o conhecimento, ter um conhecimento
comum, não é assim tão simples como isso. E depois era passar de um
conhecimento comum para um conhecimento em comum. O conhecimento comum,
para isso tínhamos que falar, ouvir, partilhar, explicar, partilhar dúvidas, receios,
dificuldades e ajudávamo-nos mutuamente, feito ao nível do grupo […]. Depois
íamos fazendo com as pessoas que iam estando, confiando e íamos alargando estas
reuniões sempre, e depois íamos construindo o conhecimento comum. // Só
poderíamos ter algo em comum se tivéssemos partilhado, se as pessoas percebessem
quem é quem, o que está a fazer, para onde é que vai e passava muito nas
Campanhas e na preparação por quem é que eu sou, onde estou, onde é que vou,
muito pela afirmação biográfica. Essa era a forma, era pela relação, pelo lado
invisível da comunicação, pelas relações positivas que se criavam e se
desencadeavam e se motivavam, menos por aquilo, a explicação só vinha depois da
relação de confiança estar criada. E essa relação no rural, as pessoas são prudentes,
desconfiam, aliás tinham tudo para desconfiar e têm, mas nessa altura, quem são
estes? O que vêm fazer? Agora vêm-me dizer, afinal que eu sou importante e que
eu sou capaz. (Conceição Lopes)

Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 3. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo


482

Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).

215
Importa sublinhar que esta “linha mestra”, desenvolvida na primeira directiva da
CODICE, parece antecipar, desde logo, as resistências esperadas:

a. Ponderar com atenção a forma de apresentação dos problemas, de


maneira a não criar rejeição, utilizando a favor dos argumentos
apresentados as grandes motivações presentes na população.
b. Procurar mostrar que política483 é simplesmente a discussão dos
problemas que se vivem diariamente, procurando conseguir uma maior
felicidade e bem estar para todos.
c. Pensar que “atentado” contra as características do grupo-alvo visado é
campo aberto às manobras da reacção.
Exemplos de motivações que podem vir a ter que ser consideradas:
- Sentimento religioso
- Apego à terra
- Respeito pela autoridade
- Estabilidade e segurança
d. Insistir que não há qualquer problema religioso em Portugal
- absoluta liberdade religiosa
e. Afirmar o respeito pela propriedade que deve ser colocada ao serviço de
produção de riqueza e bem-estar do povo.
f. Garantir a decisão das FA’S de respeitar o Programa do MFA484.

Como ficou demonstrado no capítulo anterior, cada campanha constitui uma


experiência única com contornos diferentes face ao momento político em que ocorreu
e de acordo com aqueles que a tornaram exequível. Como sublinhou Oliveira
(2004:119), na época a designação “campanhas”485 compreendia um conjunto de
acções diversas, desde a realização de pinturas murais, espectáculos teatrais, acções
realizadas pelas unidades militares locais ou preparadas a nível central pela

483 Sublinhado no original.


484 Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 8. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo
Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
485 Importa sublinhar que a figura das campanhas, enquanto modelo de actuação, foi comum

a outras iniciativas como as Campanhas Alfabetização e Educação Sanitária da Pró-Unep e o


Movimento Alfa, já referidas, o que hoje gera alguma confusão. Quando, por vezes, referia o
meu trabalho, muitas pessoas me diziam que tinham participado nas “campanhas” que eu
estava a estudar, quando, de facto tinham participado nas campanhas de Alfabetização e
Educação Sanitária, não distinguindo as diferentes iniciativas.

216
CODICE. Contudo, existiam algumas preocupações que foram comuns a um modus
operandi definido com rigor nos documentos iniciais da CODICE, que se mantiveram
nas diferentes fases das campanhas, nomeadamente a constituição e competência das
comissões e sub-comissões dinamizadoras486, a credenciação dos “elementos civis”
pelo Ministério da Comunicação Social e pelas Forças Armadas, bem como a
obrigatoriedade do esclarecimento da situação política e do Programa do MFA ser da
exclusiva responsabilidade do sector militar487.

Após um trabalho de preparação logística da responsabilidade da CODICE as


equipas estavam em condições de avançar para o destino escolhido, onde iriam
trabalhar conjuntamente com diferente entidades previamente contactadas e com as
comissões dinamizadoras regionais. Este trabalho de preparação consistia no pedido
de meios técnicos e humanos às diferentes estruturas das Forças Armadas, na
solicitação de apoios a entidades estatais diversas - como por exemplo às delegações
concelhias e distritais da Secretaria de Estado da Agricultura e Saúde, aos Governos
Civis, às diferentes forças militarizadas (GNR e PSP)488 – no agendamento de
reuniões com as estruturas eclesiásticas locais, na preparação dos materiais de apoio
e nos contactos com o sector intelectual.

Importa salientar que na fase inicial da Dinamização Cultural algumas unidades das
Regiões Militares já tinham dado início ao trabalho de esclarecimento pelo que a
posterior articulação entre a CODICE e as estruturas militares regionais foi
controversa, como notou Delgado da Fonseca489:

486 Estas comissões deveriam incluir militares das unidades locais próximas das zonas onde as
sessões decorreriam.
487 Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974]. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida

Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização Cultural,
Comissão Dinamizadora Central”).
488 Conjunto de ofícios da CODICE dirigidos à Secretaria de Estado da Agricultura, à

Secretaria de Estado da Saúde, ao Governo Civil de Viseu ao Chefe do Estado Maior do


Comando da GNR e PSP, ao Chefe de Estado Maior do Exército, Chefe de Estado Maior da
Força Aérea, Chefe de Estado Maior da Armada, ao Comandante da EPAM, ao Chefe de
Estado Maior da Região Militar de Coimbra no período de Fevereiro e Março de 1975.
(Arquivo Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319).
489 No mesmo sentido foi a sua intervenção no programa Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º

D, 19/4/1994, SIC, reforçada pela posição de José Manuel Barroso que destrinça as acções
levadas a cabo pelas unidades militares locais e as campanhas organizadas a nível central.

217
Os militares que envolvemos na campanha das várias unidades da Região Militar
[Norte] tinham uma característica mais ou menos comum. Primeiro alguns eram
capitães que tinham larga experiência de comando de tropas […] e havia
milicianos originários da região e portanto conheciam a linguagem. Portanto nesta
fase nunca houve o mais pequenino problema, nunca houve o mais pequeno
problema. Depois começou a haver directivas cada vez mais apertadas, cada vez
mais dirigidas vindas aqui de Lisboa. E sobretudo começaram os movimentos
políticos aqui de Lisboa a quererem intrometer-se, a quererem ser eles a ir fazer as
coisas. Foi o caso das campanhas do Nordeste feitas pelo Otelo e toda a extrema-
esquerda militante e folclórica aqui de Lisboa que, citadinos a 100% sem saberem
nada de nada, se lançaram em operações no interior do território. […] Eram
operações militares organizadas que não tinham nada a ver com estas operações de
quadrícula que nós estávamos a fazer.[…] Caem em zonas rurais, gente a fazer
discursos extremamente agressivos, politicamente ideologizados, sem perceberem
nada de nada da vida daquela gente. E aí começam a surgir conflitos e começam
também entrar outras forças, nomeadamente os padres. Porquê? Porque esta gente
vai daqui com esse discurso e começa a agredir quem lá está […]. Eu, por exemplo,
não tive nunca problemas em nenhuma sessão organizada por nós na Região
Militar Norte, nenhuma, nenhuma. […] E, no entanto, fomos culpados de tudo e
mais alguma coisa […] fundamentalmente pela reacção provocada por esta gente
que foi lá para cima, contra a nossa vontade e contra a vontade de Comandante-
Geral. (Delgado da Fonseca)

O anúncio das sessões de esclarecimento era geralmente difundido através da


distribuição de panfletos esclarecedores dos seus objectivos, acompanhado da
colagem de cartazes com o Programa do MFA, tendo a imprensa local um papel
importante na divulgação do calendário e do programa das sessões de
esclarecimento490. Referindo-se ao trabalho realizado no distrito de Viseu, o

490Os contactos com os órgãos de comunicação locais eram oficializados com uma reunião
com os seus responsáveis no sentido de difundirem a agenda da Dinamização Cultural. Disto
é exemplo o encontro realizado entre a CODICE, nas pessoas de Ramiro Correia e Manuel
Begonha e a imprensa regional do distrito de Castelo Branco, muito bem acolhido por um dos
jornais da região. O Notícias da Covilhã descreve em tom valorativo os conteúdos da reunião:
“Sem minimizar qualquer outra actividade da campanha de dinamização, consideramos
muito significativo o encontro com a Imprensa Regional do distrito realizado em Castelo
Branco. […] O 1.º Tenente Ramiro Correia situou as campanhas de dinamização cultural no
actual processo político e focou a importância da Imprensa Regional, dizendo a propósito da
imprensa regional do distrito de Castelo Branco: «é uma imprensa de que temos tido menos
queixas».” (Notícias da Covilhã, 01/1/1975, p. 1).

218
coordenador da Comissão Dinamizadora Regional de Coimbra, major Lopes Furtado
dá conta do trabalho de preparação feito pelas Comissões Dinamizadoras Regionais:

Temos neste distrito 303 freguesias e para cada uma delas é necessário um
trabalho que envolve, na prática, um dia ou dois em que as equipas vão em
missão de aviso e preparação dos locais para a sua actuação. Aí contactam,
por exemplo com os professores, o padre, elementos da junta de freguesia e
da própria população, colam cartazes, etc., a seguir efectua-se a sessão
anunciada, mas a equipa chega muito antes da hora prevista para essa
sessão, no intuito de, em contacto directo nas ruas, com a população,
derrubar completamente qualquer barreira de desconfiança que pudesse
existir. As sessões, por sua vez, realizam-se sempre à noite, e é já de
madrugada que os rapazes regressam. No dia seguinte, há que proceder à
elaboração do relatório que inclui todas as queixas e denúncias colhidas
durante a sessão.
Por conseguinte, cada sessão de esclarecimento ocupa um mínimo de três
ou quatro dias […]491.

As sessões de esclarecimento eram realizadas em espaços diversos de acordo com as


infra-estruturas disponíveis - salões paroquiais, sociedades recreativas, escolas,
espaços desportivos municipais, instalações da Casa do Povo, eiras, etc.492 e, quer nos
documentos de época493, quer nos relatos dos entrevistados, é sublinhada a boa
receptividade das populações e a numerosa comparência às mesmas.

Na fase inicial aparecia toda a gente. E era um espectáculo espantoso. Lembro-me


de muitas circunstâncias. Só para lhe citar uma que tenho mais na memória. Num

491 Diário de Notícias, 22/3/1975, p. 3.


492 Importa sublinhar que muitas vezes os entrevistados aludiam aos espaços nos quais eram
realizadas as sessões para caracterizarem o atraso do país.
493 A título de ilustração atente-se às impressões de um colaborador da Voz de Lamego a uma

sessão de esclarecimento realizada em Pendilhe, concelho de Vila Nova de Paiva: “A equipa


[…] trabalhou particularmente a população de Pendilhe […], um trabalho em profundidade
procurando auscultar as necessidades locais e estudo das medidas mais urgentes. […]
realizou-se uma sessão de esclarecimento em que os militares de um modo muito simples
dialogaram com o povo que acorreu em massa. […] // Julgo interessante anotar que os
militares não se contentaram com o falar com a massa; mas, a dada altura, disseminaram-se
pela assembleia e conversaram aqui e acolá durante um período de tempo relativamente
longo, o que lhes permitiu descortinar questões e preocupações importantes que, não sei
porquê, mão tinham ainda sido abordadas.// Se podemos falar em ligação do MFA com o
Povo, eu vi-a concretizada ali, no meio da simplicidade e também, porque não dize-lo?, da
preocupação e da esperança.“ (Voz de Lamego, 24/5/1975, pp. 2, 6).

219
dia de chuva torrencial, numa aldeia entre Penafiel e o Porto, ali no meio daquelas
matas […], organizaram a reunião numa vacaria. Puseram as vacas fora e fizeram
a reunião na vacaria que estava completamente cheia de gente, jovens, mulheres,
velhos, toda a gente da aldeia e puseram-nos a nós a falar na manjedoura.
Normalmente eram sessões muito directas. Normalmente havia uma pequena
exposição e depois as pessoas começavam as fazer perguntas. A característica mais
espantosa daquela época e que revela todos os movimentos sociais era que toda a
gente fazia perguntas. E nós lá íamos respondendo dentro de uma lógica de formar
politicamente, mas não partidariamente. Embora depois houve evoluções porque às
tantas a direita desapareceu e só havia esquerda e portanto o discurso, quer a gente
quisesse quer não, era sempre um discurso de esquerda. Nos primeiros três quatro
meses, só na Região Militar do Porto, realizámos mais de mil, duas mil sessões
deste género. (Delgado da Fonseca)

Se a adesão das populações às sessões de esclarecimento é referenciada com


unanimidade nos diferentes materiais trabalhados nesta investigação, já a sua
participação no período de diálogo é caracterizado de forma divergente. Francisco
Simões alude às “assembleias mudas” e à dificuldade em estabelecer o diálogo494,
situação amplamente descrita nos “Relatórios de Acção” que os militares
responsáveis pelas diferentes Comissões Dinamizadoras preenchiam no final de cada
sessão. De facto, a necessidade de conferir a forma como decorriam as sessões de
esclarecimento e a necessidade de “diagnosticar” o país é particularmente visível na
estrutura destes relatórios495. Assim, para além da data e localização da sessão, o
“Relatório de Acção” compreendia o registo das seguintes informações: “Programa
Executado”, “Entidades e Associações que Colaboraram”, “Resumo da Impressão
Geral”, “Resultados da Sessão”, “Motivações da Assistência”, “Problemas e
Dificuldades Encontrados”, “Erros Cometidos e a Evitar”, “Factores a Ter em Conta
Noutras Sessões”; “O que ficou da Acção” (“Colectividades Interessadas”;

494 Esta situação foi, também, referida no relatório que a equipa da CIASC elaborou aquando
da sua participação na “Acção Atlântida” (Açores, “Acção Atlântida”, Centro Documentação 25
de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa CIASC – Regiões - Ilhas, Açores).
Muitas vezes era de forma anónima que as perguntas chegavam “à mesa”, redigidas num
papel. (RDP – Arquivo Histórico, AHD5243 – faixa 6, 8/1/1975).
495 Foram consultados os relatórios de acção disponíveis no Arquivo do Ministério da Defesa

(em organização) e no Centro Documentação 25 de Abril, Fundo Aida Ferreira e ainda os


reproduzidos no Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984).

220
“Colectividades a Formar”; “Indivíduos Dinâmicos e Com Interesse Para a
Campanha”) e “Observações”.

Como é asseverado num documento produzido no quadro da campanha “Maio-


Nordeste” as equipas deveriam ter sempre presente “a responsabilidade de
representatividade do MFA“ (ci in Correia et al, s/d-a:160) e, desta forma, adoptar
uma conduta irrepreensível, o que passava, por exemplo, por um adequado uso do
uniforme militar pela não utilização de qualquer arma496.

Eu nunca andei com armas, nunca. Primeiro eu não queria e depois também fui
instruído: - Essas coisas não há! A não ser que haja alguma provocação. Porque
isso é intimidação. Nunca na vida, ninguém entrou dentro de uma povoação com
armas na mão ou à cinta. Estavam lá guardadas. Nós às vezes vínhamos às tantas
da manhã lá de não se sabe de onde, sem luz, sem nada, […] e eu não tinha uma
arma, não tinha nada. […] // […] a gente tinha fardas de trabalho, tinha um
camuflado […] e tinha uma farda para situações mais formais. Para avaliar o
cuidado com que tudo era feito, um dia fui aconselhado, não obrigado, a vestir esta
farda formal sempre que tivesse uma reunião pública. […} E isto tem razão de ser
porque nós tentávamos passar a mensagem que queríamos que as pessoas
acreditassem que nós estávamos ali porque eram eles que mereciam que nós ali
estivéssemos. […] Nós aparecíamos assim todos bonitinhos, todos barbeadinhos,
como deve ser. Eles gostavam, porque havia uma retribuição. (Francisco Simões)

Vindo do sector civil da CODICE, José Capinha Gil aponta preocupações análogas:

[…] houve sempre algum cuidado, talvez inocente, talvez juvenil, de não
chocarmos muito com as tradições locais, nomeadamente com as tradições
religiosas e talvez por isso nós pertencíamos a uma esquerda, chamada uma
esquerda católica ou esquerda revolucionária porque isso permitia-nos intervir
delicadamente nesses meios com uma certa pureza e uma certa tranquilidade. O
que não fez com que não houvesse, como é que eu hei-de dizer, na verdade
momentos críticos, houve momentos difíceis nomeadamente com o aproximar do
25 de Novembro. É bom as pessoas terem a ideia, como eu disse há pouco, se existe
democracia em Portugal, houve muitos jovens que se sacrificaram e quando se fala
hoje de stress da guerra colonial, talvez se devesse falar um pouco do stress da

496 A entrevista de Geraldo Lourenço (2002) reforça também esta preocupação.

221
guerra, que foi uma guerra de paz mas que foi uma guerra de consolidação da
democracia em certas zonas do país. (José Capinha Gil)

A opção pelo modelo “fixo” de campanhas implicou uma maior exposição das
equipas de dinamização pelo que o seu comportamento seria responsável pelo êxito
parcial da sua intervenção. Referindo-se ao trabalho desenvolvido pelas equipas de
dinamização no concelho de Castro Daire, o seu responsável sublinha a opção por
uma “vida de monge” fundamentada por razões económicas497 que acabou por se
transformar numa estratégia favorável no contacto com as populações:

O nosso hotel era a cadeia, que tinha sido abandonada, e umas instalações no
tribunal. Nós estávamos onde o Estado não pagava nada e aproveitávamos […]
Era uma vida um bocado de monge. […] Água quente não existia.[…] Nos
primeiros tempos comíamos nas escolas do secundário, e nessa altura as comidas
deixavam muito a desejar, mas era isso que nos serviam. E comíamos no meio dos
miúdos! (Manuel Cruz Fernandes)

O cumprimento do Programa de Dinamização Cultural pressupunha, desta forma, um


comportamento modelar “indispensável a uma Revolução Cultural” (Correia et al,
s/d-a: 242) que viria a ser sistematizado num documento da CODICE datado de 18
de Agosto de 1975. Nesta fase “quente” do processo de transição era defendido que
cada equipa de trabalho fosse uma “escola transparente”:

Escola porque os trabalhadores da equipa deverão aprender a trabalhar de


uma forma que ultrapasse a simples rotina do «trabalhar, comer e dormir»
mas sim num ambiente revolucionário desde as relações entre todos e cada
um dos elementos até à maneira de aproveitar os tempos livres, pela
elaboração de jornais de parede, projecção de filmes, teatro, debates, etc. //
Os militares deverão ser instalados sempre que possível na própria aldeia
onde trabalham para um mais perfeito contacto com a população. […]
O trabalho Povo-MFA é uma arma de dois gumes.
Deve trabalhar-se mas trabalhar-se bem.

497Importa sublinhar que mesmo antes da adopção do modelo fixo, a contenção de gastos foi
sempre acautelada. Neste sentido atente-se às afirmações de Geraldo Lourenço: O dinheiro que
nós levávamos era os nossos vencimentos militares. Todo o militar tem direito a almoço e jantar e para
isso o Estado desembolsa um x. Era com essa dotação que nos era atribuída que nós suportávamos a
nossa alimentação no terreno. O Estado não dava mais. Portanto, nós tínhamos que ter uma maneira
economicista. As coisas tornavam-se fáceis porque as pessoas lá no terreno também nos ajudavam.

222
Se não houver uma orientação racional do trabalho, os tempos mortos
existentes serão explorados pelas forças contra-revolucionárias e a arma
pode voltar-se contra os que a utilizam.
Uma forma de avaliar a eficiência e a disciplina destas equipas e por
conseguinte do Exército será de vez em quando dar um prazo austero para
executar determinada tarefa, como se fosse uma situação de guerra.
Deverá existir uma grande austeridade económica. Os militares são
considerados um exemplo pela população. É necessário que cada militar
seja um trabalhador. É indispensável que cada trabalhador seja um
Revolucionário.
O ambiente que se conseguir criar nesta Escola será aproveitado pelos
soldados e também pela população porque esta ESCOLA É
TRANSPARENTE498.

Também a linguagem499 utilizada e os conteúdos políticos das sessões de


esclarecimento procuraram ser acautelados tendo em conta as características
específicas dos locais a “dinamizar”. Atente-se às palavras de Manuel Madeira
relativamente à “Acção Atlântida”:

É claro que nos Açores havia uma particularidade. Vamos lá, contactar com
isolamento. E depois é claro, tínhamos que ter o cuidado, teríamos que ter um
cuidado redobrado, por um lado pelo fecho, não é que as pessoas fossem mais
tradicionais que as daqui, talvez mais, mas o isolamento dava-lhe um arreganho

498 “Estado Maior General das Forças Armadas 5ª Divisão, Dinamização Cultural e Acção

Cívica, Acção Político-Militar, Aditamento”, Lisboa, 18/8/1975, cit in Correia et al (s/d-a:242-


243). Maiúsculas no original.
Como notou Oliveira (2004:132), a preocupação com as populações abrangeu áreas muito
específicas. Para além das orientações citadas, este documento incluía ainda recomendações
na área da alimentação, nomeadamente a modificação dos hábitos alimentares: “é também
indispensável numa revolução cultural a modificação dos hábitos alimentares.
Para isso propõe-se que em vez de serem pagas as despesas de alimentação em tabernas onde
se come mal, seja atribuído um quantitativo que cada equipa administrará autonomamente.
- É necessário um cozinheiro que saiba tirar o melhor efeito dos alimentos acessíveis na aldeia
e tantas vezes de valor alimentar ignorado […]. É necessário explicar o papel do leite na
alimentação bem como os efeitos do álcool. (“Estado Maior General das Forças Armadas 5ª
Divisão, Dinamização Cultural e Acção Cívica, Acção Político-Militar, Aditamento”, Lisboa,
18/8/1975, cit in Correia et al, s/d-a:243). Ainda sobre esta questão, recorde-se o curso de
formação ministrado às equipas da “Maio-Nordeste” que abordava uma diversidade de
temas.
499 Os Textos de Apoio produzidos pela CODICE, que fixavam as posições políticas da 5ª

Divisão/EMGFA, como também, apresentavam, de forma pedagógica, os diferentes conceitos


a utilizar constituíram uma ferramenta de preparação das equipas.

223
maior e eram sociedades fechadas como ainda o são e viaja-se sempre pior nestas
circunstâncias do que em outras. E a Igreja fez uma pressão muito grande. Foram
desenvolvidas [as sessões] com uma certa contenção. (Manuel Madeira)

No mesmo sentido Geraldo Lourenço afirma:

A maior parte das pessoas quando a linguagem era um bocadinho mais sofisticada
já não a compreendia. E nós tínhamos que ter a capacidade de descer – e permita-se
aqui a vaidade – de descer à linguagem e compreensão daqueles povos. E isso foi
muito bom, foi realmente muito útil. (Geraldo Lourenço)

Mas quanto a esta questão os protagonistas entrevistados no quadro da presente


investigação manifestaram posições discordantes. Para Cruz Fernandes, a primeira
etapa da campanha “Beira Alta” não terá corrido como o esperado porque as pessoas
envolvidas “levavam muito marxismo na linguagem”500. Também Francisco Carreira
da Costa referindo à sua experiência na campanha “Maio-Nordeste” assevera:

E se quer que lhe diga, cometeram-se erros dramáticos. Eu hoje pergunto-me, isso
não sei se lhe interessa, houve cenas que eu assisti que eu hoje interrogo-me se foi
ingenuidade da parte de alguns militares, ou se era boicote efectivo. Lembro-me de
uma sessão numa escola primária em que nós fomos recebidos à moda de Salazar
com as criancinhas todas da aldeia de bata branca, com as bandeirinhas de
Portugal que nós vemos nos filmes, como eu fiz quando era novo, como nós éramos
obrigados a desfilar para os políticos. Fomos recebidos como se não houvesse
diferença. // E depois houve a sessão e havia o quadro, ainda estava o quadro do
Almirante Américo Tomás. Portanto, estava o crucifixo e o quadro. E chegou um
militar que ia connosco à escola e ante toda a gente e disse assim: // - Tirem o
quadro, tirem o crucifixo e tirem o quadro do Almirante Tomás porque agora o
santo que há é o S. Marx. / /Eu estava lá e fiquei estarrecido, fiquei estarrecido. E
na altura discutimos se tinha sido falta de preparação política. Eu hoje estou
convencido de que não foi falta de preparação política. Eu acho que no meio
daquela confusão toda, havia mesmo militares que conscientemente estavam a fazer
a contra-revolução. […] // Diria-lhe que muitas dessas pessoas que iam para as
campanhas eram de um radicalismo perfeitamente impróprio para aquelas pessoas,
para uma situação política que era muito mais retrógrada do que é hoje. Portanto,
hoje nós reagiríamos, ou as pessoas reagiriam aquilo, mas hoje eles sabem o que é a

500 Entrevista a Manuel da Cruz Fernandes, 2002.

224
democracia. Agora, para pessoas que tinham vivido num determinado regime ir
com um discurso perfeitamente radical, perfeitamente deslocado. Eu chamava-lhe
mais um discurso completamente desfasado da realidade. (Francisco Carreira da
Costa)

Com uma outra perspectiva de análise, Delgado da Fonseca, no seguimento das


críticas que elaborou às campanhas organizadas “por Lisboa”, alude ao
desconhecimento por parte de alguns militares envolvidos relativamente às
populações que procuravam esclarecer:

Numa sessão de dinamização numa aldeia lá de cima, vai daqui um rapaz aqui de
Lisboa com um grande escaparate de forças, juntam a aldeia toda e começam a falar
com eles. Deitam um grande discurso extremamente ideológico, muito aguerrido.
E depois, no meio das perguntas e das respostas surge de lá um camponês que sai
de lá detrás, vem cá para a frente e diz: // - Senhor militar o que é isto. Abre a mão
e diz: - O que é isto?. // - Isso, isso é trigo! // Acabou a guerra. Foram-se todos
embora porque não era trigo, era centeio! (Delgado da Fonseca)

Ainda no quadro do sector militar, Cruz Fernandes, numa leitura retrospectiva,


aponta os principais erros da Dinamização Cultural:

Nós levámos ideias muito avançadas a serem semeadas num terreno muito
atrasado. Ou seja ir para uma terra de padres, digo padres porque eles
simbolizavam um status quo, não é por outra razão, […] era uma mistura que era
muito difícil. // Por outro lado, se uma vez ou outra, apareceu um indivíduo com
as minhas características, saído justamente da massa daquela gente, com as
mesmas vivências infantis, chamar rigorosamente o nome às coisas o nome que
elas tinham, falávamos do coração, de igual para igual, isto eliminava
imediatamente a rejeição. Podiam fazer o que quisessem que a população não
embarcava nisso. Eu era dos deles, eu falava com a voz deles, sentia como eles
sentiam e envolvia-me. // A ideia generosa da dinamização tinha provavelmente
uma mancha, o começo de uma coloração, poderia ter dado numa convergência
muito totalitária e nessa altura eu seria uma daqueles que teria sido rejeitado, se eu
tivesse tomado a outra ponta, dos marxismos […]. Muitas pessoas que conheci
tinham uma formação universitária muito boa, mas com uma linguagem que
nitidamente não colava naquele sítio. […] // Não sei se isto terá o peso para si que
tem para mim. Se uma população inteira de uma aldeia e que nunca saiu de lá sem
ser a pé […], mesmo quando foi a enterrar nunca saiu de lá sem ser às costas,
então um dia quando o meio de transporte lhe chegou à beira de casa […,] está

225
aberta a porta. […] Cada coisa ficou no lugar que a população decidiu que ficava.
Aquela é a nossa estrada! […] Aquele é o nosso 25 de Abril! (Manuel Cruz
Fernandes)

No quadro do sector civil também surgiram críticas à actuação de alguns militares


envolvido na Dinamização Cultural. Carlos Paulo recorda as razões que levaram a
Comuna a propor a separação do seu espectáculo das sessões de esclarecimento
estritamente militar:

Quando vamos para a primeira campanha oficial, que foi para Lamego, uma das
coisas que nós definimos foi separarmos a parte cultural da parte militar porque
aconteceram muitos disparates. Hoje podemos falar com uma certa distância e
perceber. Ali estavam destacados dois ou três tipos mais interessados e com outro
tipo de perspectiva, mas a maioria chegava ali e prometia mundos e fundos às
populações e nós não queríamos ser cúmplices. E depois acabava tudo em grandes
festanças […]. E não nos interessava. Aí tivemos uma reunião com o Otelo em
Lamego e dissemos: - Nós queremos fazer isto em separado. Vão vocês fazer a vossa
campanha de dinamização e nós fazemos no dia seguinte o teatro. […] Havia ali
um bocado de demagogia e populismo, etc. […] // Eles não aceitaram. Acharam
que nós estávamos a ter uma atitude elitista em relação a eles e nós explicamos que
não. […] Em Lamego conseguimos fazer isso. Depois perceberam que era melhor
nós irmos na véspera e eles no dia seguinte porque mobilizávamos mais as pessoas.
Depois, a do Minho também porque havia duas pessoas que nos defenderam: o
[Faria] Paulino e o Ramiro [Correia]. // Embora eu continue a dizer que a
experiência foi fantástica, foi extraordinária. O problema é que foi de tal modo forte
e quer o ramo militar quer o ramo cultural que acompanhou, as pessoas do cinema,
do bailado e teatro, percebemos a força que isto tinha, e a chamada 5ª Divisão
aproveitou politicamente a força disto e quis tornar isto numa coisa completamente
diferente. (Carlos Paulo)

As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA não foram, de facto,


um terreno pacífico, tendo sido o alvo de inúmeras críticas e oposições quer internas,
quer oriundas dos diferentes quadrantes da sociedade civil. Nas palavras de Eduardo
Lourenço, que as apelidou de “chaimitização pedagógica”501, estas apesar de terem

501Também José Manuel Barroso, aludindo às campanhas enquanto propaganda ideológica,


designa-as de “Dinamitação Cultural” (Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, 19/4/1994,
SIC).

226
“boas intenções” foram realizadas de “forma apressada e na maioria das vezes
folclórica” (Lourenço, 1976:147). Aliada a esta “urgência”, também a questão da
partidarização da Dinamização Cultural constitui um tema controverso.

Capítulo 10 | O MFA não tem partido

A preocupação em não conotar a Dinamização Cultural com qualquer partido


político esteve presente nos momentos iniciais da concepção deste projecto. Esta
orientação encontrava-se definida numa outra “linha” mestra Programa de
Dinamização Cultural e Esclarecimento Politico denominada “isenção partidária”, que se
desenvolvia em quatro alíneas:

a) O MFA não tem partido


b) Aceita todos os partidos que se não oponham ao programa do MFA
c) Os boatos do comprometimento partidário não tem fundamento
d) Queremos construir uma autêntica democracia
- respeito pelos direitos humanos
-justiça social
- justa repartição da riqueza do País502.

O apartidarismo e a defesa contra possíveis vínculos partidários foram,


efectivamente, questões reforçadas nos diferentes actos públicos de debate e
apresentação do Programa. No encontro na Cooperativa Árvore no Porto realizado
em Outubro de 1974, Ramiro Correia foca estes assuntos afirmando que a “isenção
partidária e o respeito pelo MFA” constituem um dos eixos coordenadores do
trabalho das equipas de dinamização, não afastando a possibilidade de actividades
políticas paralelas porque “Toda a gente pode ser comunista ou socialista ou
qualquer coisa, não há problema. Simplesmente, nesta campanha que nós
executamos e nestes meios que nós pomos à disposição, nós, por uma questão de
honra, uma vez que nos comprometemos num processo perante o País, não podemos
realmente alinhar em coisas partidárias. Só alinhamos em acções pluri-partidárias,

Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 7, 8. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo


502

Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).

227
em acções portanto comuns” (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984: 104). Dois
meses mais tarde, em entrevista à revista Flama, afirma que “as pessoas são
informadas apartidariamente mas politicamente ”num quadro de preparação prévia
para o futuro trabalho dos partidos políticos. A politização foi, assim, um objectivo
fulcral durante todo o período de vigência das Campanhas:

Nós pretendemos evitar que, “a priori”, o


trabalho dos partidos políticos nas várias
localidades seja mal recebido ou que ocasione
perturbações de maior. Pretende-se, pois, pôr
as pessoas a um nível de esclarecimento que
permita que o aparecimento das linhas
programáticas dos partidos seja estudado,
cuidadosamente analisado e, então sim, que a
escolha seja fruto de uma opção consciente.
Portanto, a ida das Forças Armadas, dentro
da sua isenção partidária, às várias
localidades, permitirá pensamos, uma
abertura política. E entendemos que a
construção da futura via política portuguesa
Fig. 7 | Voto, Povo, Povo Voto. Cartaz.
vai ter origem e vai nascer, precisamente, da Vespeira 1975.
(Arquivo particular Rodrigo de Freitas)
maneira como os portugueses vão votar.
Pensamos, portanto, que a nossa presença e a
verdade com que vai ser feito este esclarecimento despertará no espírito de
todos os portugueses aquela consciencialização para a construção de um
país novo e que se pode exprimir neste momento, basicamente, através do
seu voto”(Correia et al, s/d-a:38:39).

Manuel Begonha quando interrogado sobre esta questão é peremptório em reforçar a


isenção partidária do trabalho desenvolvido pela CODICE, o que se veio a verificar
pelo próprio trajecto desta estrutura:

É curioso que se veio a repor que também não eram umas campanhas tão
partidárias ou tão más como isso, já que a CODICE não foi extinta como foi a 5ª
Divisão. (Manuel Begonha)

228
Vasco Pinto Leite503 reforça a questão do apartidarismo das Campanhas de
Dinamização, evocando as intenções de Ramiro Correia que, na sua óptica, procurou
que esta iniciativa fosse participada por todas as forças do leque partidário:

Eu sou testemunha que o comandante Ramiro Correia, comigo


variadíssimas vezes me disse que era indispensável, eu concordei com ele
100%, aliás as campanhas no início tinham objectivos completamente
apartidários, queria trazer absolutamente o mais possível de forças
políticas ligadas ao PSD e outros partidos, que se integrassem no Programa
do Movimento das Forças Armadas. Eram as intenções dele. […] A
dinamização cultural favoreceu muito, quanto a mim, o próprio PS, porque
falava do socialismo. O Socialismo era um dos objectivos do Programa das
Forças Armadas504.

As Campanhas procuravam, desta forma, cumprir uma das suas missões que
consistia no esclarecimento do Programa do Movimento das Forças Armadas, que
estabeleceu como medida imediata a convocação, no prazo de doze meses, de uma
Assembleia Nacional Constituinte, eleita por “sufrágio universal, directo e
secreto”505, preparando o país para o processo eleitoral que culminaria com as
eleições para a Assembleia Constituinte realizadas a 25 de Abril de 1975. Na óptica
dos seus organizadores as Campanhas de Dinamização surgem

como uma necessidade sentida de rapidamente arrastar as camadas mais


imobilistas e condicionadas pelos factores de obstrução tradicionais, para
transformar o golpe de estado em revolução (Correia et al s/d- a: 9).

No entanto, como assinala Correia Jesuíno, a Dinamização Cultural, “que em larga


medida era o próprio símbolo do MFA, pôs em prática um tipo de democracia
directa, a nível de processos mas, a nível de conteúdos veiculava uma pedagogia
ambígua sobre as regras do jogo democrático” (cit in Stoer 1986: 179). Este
posicionamento dúbio é expresso quer na exortação acerca da importância do

503 No mesmo sentido são suas declarações ao jornal Sempre Fixe por ocasião da viagem
preparatória das Campanhas de Dinamização aos arquipélagos dos Açores e Madeira em
Novembro de 1974 (Sempre Fixe, 30/11/1974, p. 16).
504 Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, 19/4/1994, SIC.
505 Programa do Movimento das Forças Armadas, s/d, [1974]:1. (Arquivo Histórico do Ministério

da Defesa Nacional (em organização); caixa 6355).

229
processo eleitoral, quer na política de carácter anti-eleitoralista e de crítica aos
partidos políticos506. Nas páginas do boletim Movimento surgem a partir de Janeiro de
1975, um conjunto de artigos que enformam esta ambiguidade.

As eleições não vão encontrar as soluções para os grandes problemas


nacionais; essas soluções poderão encontrar-se pela verdadeira inserção
das forças políticas progressistas no processo revolucionário e pela
colaboração franca e aberta com o MFA em todas as medidas de carácter
revolucionário que seja necessário tomar507.

No final de Janeiro de 1975, a CODICE, ao apresentar os itinerários da dinamização


cultural, partilha a experiência retirada da “Operação Nortada” que agora finalizava.
Nesta conferência de imprensa, Ramiro Correia mencionou que no final das sessões
de esclarecimento os militares eram frequentemente confrontados com “a pergunta
trágica: Em que partido é que devemos votar?”508, referindo o Diário de Notícias que
este alto responsável da CODICE aludiu à “amargura sentida pelos homens do MFA
ao verificarem a dificuldade de opção com que se debate a população em muitas
zonas do país”509.

Em Março de 1975, no referido boletim, debate-se o futuro da Dinamização Cultural


no quadro de uma análise global de todo o processo. Aqui é assumida uma crítica
acesa aos partidos políticos fundada na sua falta de quadros em algumas regiões, na
preocupação excessiva com a “luta eleitoralista” e na utilização das elites locais por
algumas forças partidárias510. Contudo, a preparação política das “camadas mais
imobilistas” surge como uma tarefa delicada, como uma realidade que sai “do
mundo do seu viver quotidiano”511.

506 O Ministério da Comunicação Social, em comunicado de esclarecimento de declarações


proferidas pelo Ministro Correia Jesuíno numa reunião com os órgãos de informação
estrangeiros, assinala que o MFA “não considerava o comportamento dos partidos […] como
verdadeiramente construtivo na medida em que punham interesses sectoriais à frente dos
interesses globais da população portuguesa” (Diário Popular, 14/4/1975, p. 15).
507 Movimento, N.º 8, 14/1/1975, p. 1.
508 Diário de Notícias, 24/1/1975, p. 3.
509 Diário de Notícias, 24/1/1975, p. 3. Esta situação é focada igualmente por alguns dos

militares entrevistados no âmbito desta investigação.


510 Movimento N.º 12, 11/3/1975, p. 3.
511 Movimento N.º 12, 11/3/1975, p. 3.

230
Esta foi a dolorosa realidade que encontraram pelo interior do país, as
Campanhas de Dinamização Cultural.
Como empurrar estes Portugueses para os caminhos de uma vida com
dignidade humana, se os partidários políticos os não visitam, os não
esclarecem ou simplesmente lhes manipulam o voto? Como fazer
participar estes Portugueses na definição dos seus próprios destinos, se
eles mesmos se fecham aos partidos políticos e muitas vezes os
apedrejam?512

Importa sublinhar, que o desvelar da realidade política nacional, possível através da


acção das equipas de dinamização, contribui para o reforço desta estratégia política,
que culminou com a apologia do voto em branco nas eleições para a Assembleia
Constituinte513. A campanha institucional teve início com um slogan militar: “Voto
uma arma do Povo”. Porém, o envolvimento militar no processo eleitoral foi,
segundo Sanchez Cervelló, pautado por um conjunto de manobras beneficiadoras de
determinados partidos de esquerda (ver Sanchez Cervelló 1995: 199). A tendência
gonçalvista e copconista minimizaram o acto eleitoral e, ao tomar conhecimento das
sondagens desfavoráveis aos seus aliados (PCP, MDP/CDE, FSP e MES), encetaram
uma campanha pelo voto em branco.

Votar em branco não é crime nem traição. Ao fazê-lo estamos a escolher,


estamos livremente a dizer o que pensamos e que sentimos, cumprindo o
nosso dever de patriotas sem violentarmos a nossa consciência, nem
voltarmos essa arma contra nós próprios514.

Utilizando a retórica de um “nós lúcido” e dirigindo-se aos portugueses enquanto


uma “comunidade política” (Smith, 1997 [1991]), estas facções defendem que votar é
um dever “nacional”e “patriótico”e que a dificuldade na escolha da opção partidária
não deveria impedir a ida à urna, porque era imperioso “informar a comunidade a

512 Movimento N. º12, 11/3/1975, p. 3.


513 Note-se que as Campanhas de Dinamização não foram suspensas durante o período de
campanha eleitoral. Sobre isto Ramiro Correia afirmou: “as Comissões de Dinamização
prosseguirão as suas Campanhas junto da população, apesar das pressões que certos partidos
exerceram no sentido de serem suspensas durante o período eleitoral.” (Diário de Notícias,
8/3/1975, p. 9).
514 CODICE, [1975], Texto de Apoio, Como não fazer o Jogo da Reacção e Votar pela Revolução.

(Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Associação 25 de Abril. Caixa Forças Armadas – 5ª


Divisão. Pasta EMGFA, 5ª Divisão, Comissão Dinamizadora Central).

231
que pertencemos da nossa dificuldade, através da entrega do boletim de voto em
branco”515.

A estratégia do voto em branco saiu derrotada de umas eleições participadas por 91,7
por cento do eleitorado português. Contrariando a orientação política do MFA, foram
declarados nulos ou brancos 6,94 por cento dos votos (Sánchez Cervelló, 1995:200).
Segundo Reis (1995), os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte
marcam o agudizar de um confronto entre forças políticas e sociais que gravitava em
torno do modelo de sociedade a edificar: o modelo “sócio-económico de orientação
socializante, num molde político de democracia pluralista representativa de
legitimação eleitoral, e um modelo sócio-económico de orientação socialista
colectivista, num molde político de vanguardismo populista de legitimação
revolucionária sob a égide do MFA” (1995:566). A partir deste momento, o MFA
transforma-se numa força de oposição.

Os partidos políticos reservaram alguma cautela inicial relativamente ao Programa de


Dinamização Cultural e Esclarecimento Politico, encarando-o com algum cepticismo e
desconfiança. Segundo Correia et al (s/d-a), o PCP colocava a tónica na incapacidade
de execução do projecto e não na intenção dos militares. O jornal Avante acompanha
com regularidade e num tom valorativo as diferentes acções, destacando a sua
importância no quadro do processo revolucionário. Outros partidos que Correia et al
situam no campo “da esquerda revolucionária, acompanharam a trajectória da
dinamização cultural até ao desenvolvimento das organizações unitárias e poder
popular.” (s/d-a:37.) Ao PS é atribuído um total descrédito na Dinamização Cultural,
encabeçando a liderança das críticas conjuntamente com o MRPP. A posição do PS é
conceptualizada, de novo, como uma injustiça, uma vez que “parece querer esquecer
que nas primeiras eleições os seus resultados sobretudo no norte do país, muito
ficaram a dever aos constantes apelos ao socialismo em todas as campanhas”
(Correia et al, s/d-a: 37). Segundo os protagonistas da Dinamização ambos os
partidos beneficiaram com esta acção do MFA uma vez que viram facilitada a

515Movimento nº 14, 8/4/1975, p. 3. Vasco Gonçalves reforça esta opção, afirmando ao Diário
de Notícias que” Mais vale entregar um voto em branco do que ir votar sem consciência.”
(Diário de Notícias, 25/4/1975, p. 3).

232
penetração em muitos locais que lhe eram avessos face à retórica anticomunista e
anti-socialista promovida pelo Estado Novo (ver Faria, 1995).

A acção do PPD e do CDS é descrita como difamatória e caracterizável pelas


dificuldades que ergueram ao trabalho das equipas de dinamização. Numa fase mais
aguda do processo revolucionário, correspondente ao chamado Verão Quente de 1975,
estas duas organizações partidárias tecem duras críticas ao MFA no quadro da
Assembleia Constituinte. A 7 de Agosto de 1975, o então deputado do CDS, Diogo
Freitas do Amaral reclama que o MFA se proclamou “o motor da política portuguesa;
chamou a si o poder; marginalizou os partidos; transformou em revolução socialista
o que até fora uma revolução democrática […] multiplicou as suas sessões de
propaganda, sob a etiqueta de «dinamização cultural»”516.

Costa Andrade, na época deputado do PPD pelo círculo eleitoral de Bragança, invoca
a sua naturalidade transmontana, para reprovar a acção da campanha “Maio-
Nordeste”:

[…] a dinamização não exibe saldo positivo (para além do folclore de


camuflados pensados para a paisagem da guerra colonial em África, do
divertimento constante de helicópteros e jeeps) como e sobretudo a
dinamização provocou o dano historicamente irreparável de tanto
traumatismo, de tanto choque que fez com que Trás-os-Montes e a
Revolução se virassem de costas. Ao afirmar isto temos em vista denunciar
o descrédito profundo em que esta dinamização colocou a Revolução517.

Contudo, importa salientar que nem todas as críticas oriundas das forças partidárias,
colocavam a tónica na utilização das Campanhas como meio de reforço da estratégia
político-partidária do MFA, nomeadamente dos seus sectores radicais identificados
com o núcleo apoiado por Vasco Gonçalves alicerçado na Armada (ver Sánchez
Cervelló, 1999) e na 5ª Divisão do EMGFA. Para o MES, o conceito de cultura

516 Diário da Assembleia Constituinte, N.º 28, 8/8/1975, p. 705. Disponível em URL:
http://debates.parlamento.pt, 26/1/2005, 26/1/2005.
517 Diário da Assembleia Constituinte, n.º 53, 26/09/1975, 1554:1555. Disponível em URL:

http://debates.parlamento.pt, 26/1/2005.

233
também constitui o centro de debate. Um documento518 datado de 1974 apresentado
para discussão no I Congresso deste partido colocava a questão das campanhas da
seguinte forma:

Assim é que, por um lado, se lançou, com acentuada impreparação,


campanhas maximalizantes (das ‘campanhas de alfabetização’ às
campanhas de ‘dinamização cultural ‘ do MFA), se nomeia a própria
‘revolução cultural’ e por outro se introduzem, a nível legislativo, tímidos
arranjos. […] Lisboa vai à província ensinar, no pressuposto idealista que
pouco tem de aprender e que a falada ‘cultura do povo’ é mais folclore que
outra coisa. Em vez de se estudarem e preverem tentativas originais de
intercomunicação e interparticipação, tende-se para o limite de que a
cultura burguesa e cultura são termos sinónimos e que é à primeira que
todos devem ‘ascender’ ou dela que todos devemos ‘descer’. O resultado
foi o caos, ou projectos reformistas ou interclassistas, como as famosas
campanhas, que ainda agora redundam em mascarada, a encobrir outros
objectivos e tentativas de ditatorialismo culturista-partidário sem real
projecto revolucionário (cit in Dionísio, 1993:185).

O posicionamento dos partidos políticos face à Dinamização Cultural enformou,


assim, uma discussão marcada por um conjunto de dissonâncias ainda não
dissipadas. Conotadas com uma forte presença de intelectuais de esquerda e de
militares afectos ao Partido Comunista, as Campanhas de Dinamização foram um
espaço de manipulação partidária dos diferentes flancos do espectro político, que
utilizaram os seus sucessos e insucessos, amplamente noticiados pelos meios de
comunicação social, para afirmar o seu posicionamento face ao MFA, nomeadamente
no período posterior ao 11 de Março de 1975, marcado pelas tensões entre as forças
político-militares e os partidos políticos.

Apesar de não ser o objectivo desta investigação a relação entre as Campanhas de


Dinamização Cultural e Acção Cívica e os partidos políticos, esta questão surge nas

518Este documento foi subscrito, entre outros, por Jorge Sampaio, César de Oliveira, Nuno
Brederode dos Santos, João Bénard da Costa, João Cravinho.

234
narrativas do sector intelectual que evoca as pressões partidárias, mais
especificamente do PCP519, como justificação para o seu afastamento.

A determinada altura tive que me demitir, aquilo estava a levar um rumo,


estávamos a ser manipulados pelo PC e eu vi-me embora. Ali não entrava jogos
partidários. Mas na verdade é que eles tinham a maioria e era o estalinismo. Eu
não posso trabalhar com estalinistas. Nunca tinha trabalhado, porque é que ia
agora depois do 25 de Abril trabalhar … Estalinismo, nunca. Nunca perceberam
isso. Só arranjei inimigos e chatices. (Vespeira)

Não se referindo a nenhum partido político em particular também José Capinha Gil
refere o afastamento de alguns intelectuais:

É bom ter a ideia que houve artistas que participaram nesses movimentos mas
quando se sentiram cercados pelo poder politico partidário e pelo poder militar se
revoltaram também. Ainda hoje se vê pela actuação dos artistas, dos poetas, dos
cantores que não somos propriamente carneiros ao serviço da propaganda ou seja
do que for. E apesar de haver alguns artistas com uma convicção política, com um
passado político muito forte e com respeito político de certos líderes, nós nunca
fomos muito fáceis de dominar. (José Capinha Gil)

Importa sublinhar que a análise da descrição da actividade dos vários sectores da


CODICE apresentada no Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984) permite aferir que
houve uma reestruturação dos seus colaboradores no mês de Fevereiro mas
sobretudo em Março de 1975, nomeadamente nas áreas do Teatro, Música e Cinema.
Este período, que abrange ao 11 de Março de 1975 e o consequente ingresso de
Ramiro Correia no Conselho da Revolução520, é marcado pelo reequacionamento das
formas de actuação, assistindo-se ao abandono do modelo itinerante, num contexto
marcado pelo “modelo socialista”. A mudança de chefia da CODICE e a crescente
radicalização do processo político é notada nos discursos actuais de alguns dos seus
colaboradores:

519 João Mota e Carlos Paulo (entrevistas gravadas, 2004) apontam igualmente a ingerência
deste partido para justificar o seu afastamento das Campanhas. Boaventura Sousa Santos
(1992:61), acautelando uma generalização, alude ao controlo partidário por parte do PCP e ao
afunilamento ideológico ao analisar as campanhas enquanto dimensão simbólica da aliança
Povo-MFA.
520 Ramiro Correia passa a fazer parte do Conselho da Revolução por designação da Armada

no dia 17 de Março de 1975, tomando posse no dia 20. A direcção da CODICE será assumida
por Manuel Begonha.

235
Considero que nas campanhas de Dinamização Cultural, sobretudo até à saída do
Ramiro Correia para o Conselho da Revolução, houve sempre uma preocupação
estética e uma preocupação ética, isto é, não havia necessariamente encomendas ou
mesmo censura. […] E enquanto o Ramiro Correia esteve na Dinamização
Cultural tal não se passou. São os critérios universais da comunicação. Com
evidentemente muito empenhamento, muita abertura e muita esperança na
transformação da sociedade, mas durante esse período, pelo menos no período em
que eu lá estive, corresponde mais ou menos ao período em que ele esteve, havia
uma grande preocupação de comunicação e uma grande preocupação humanista e
não uma confrontação de territórios ou de ideologias. // No período em que há uma
tendência ideológica marcada é o período subsequente ao Ramiro Correia ir para o
Conselho da Revolução. […] Entendo que as Campanhas foram importantes, que o
Ramiro Correia perdeu o sonho que tinha, de um processo revolucionário que não
cometesse os erros de outros processos, e que portanto, o processo de transformação
da sociedade fosse o mais lato possível, o mais completo possível em que a
comunicação e a arte estivessem desde o início presentes, em que a tomada de
palavra e de territórios dos sujeitos não fosse mecânica, mas que correspondesse a
um enriquecimento das pessoas e das colectividades e aí, penso que o Ramiro
Correia no dia em que aceitou ir para o Conselho da Revolução, sem ter dado
continuidade, ele próprio a este processo perdeu e com ele perdeu o processo e as
pessoas. (Vítor Esteves)

Os militares entrevistados ou mantiveram o silêncio quanto a esta questão, ou


enfatizam o apartidarismo do Programa de Dinamização Cultural e Esclarecimento
Politico afirmando que todos os partidos beneficiaram com o trabalho das equipas de
Dinamização Cultural que procuram preparar o país para o processo eleitoral.

236
parte III
Imagens do povo na revolução
Capítulo 11| Portugal, anos 70

Foto 9 | Mamouros, Castro Daire, 1975. (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)

O país que as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA


desvelaram era o resultado do tempo longo das políticas de um regime ditatorial que
se prolongou por quarenta e oito anos (1926-1974). Contudo, Portugal já
experimentara, desde os anos 60 do século XX, um novo ritmo de mudança. É a partir
desta altura que se “desenham, de modo convergente e rápido, as profundas
transformações sociais que, de maneira mais compassada, outros países europeus
tinham experimentado no após-guerra […]” (Barreto, 1996:35). Barreto assevera,
ainda, que estas mudanças económicas e sociais são coadjuvantes na explicação da
eclosão da revolução política de 1974 (1993:38).

Em traços largos nesta década a industrialização e o sector terciário crescem,


assistindo-se à diminuição da população rural e agrícola, intensificando-se as
migrações dos campos para as cidades, diminuindo as taxas de natalidade e
mortalidade infantil. Todavia, existem, como notou Barreto (1996), especificidades na
evolução social, económica e política que conferiram um carácter singular à evolução

238
do país: o aumento da emigração521, após um interregno na Segunda Guerra Mundial
e anos subsequentes, e a Guerra Colonial travada, desde 1961, em territórios
africanos. No primeiro caso, o aumento da emigração teve impactos profundos no
mundo rural português: despovoamento de algumas áreas do país, e consequente
envelhecimento das populações rurais, abandono das terras, aumento de salários,
falta de mão-de-obra e a aceleração da transformação tecnológica da agricultura
(Baptista 1996). A guerra colonial constitui outra das singularidades da evolução do
país, contrariando o imobilismo das décadas anteriores, com a deslocação de
milhares de jovens para o ultramar. Porém, estas tendências de mudança, que se
estenderam às áreas da educação e da saúde522, não contrariaram o atraso e a pobreza
relativa do país (Barreto, 1996:39). Apesar da “primavera marcelista” e dos seus
planos reformadores523, esta tentativa de “auto-reforma do Estado Novo” (Rosas,
1999:27) frustrou-se principalmente pela inviabilidade de pôr fim à guerra colonial524.

No plano económico, os anos 70 foram marcados por inúmeras dificuldades e


contradições, algumas de carácter estrutural525, agravadas pela crise internacional
provocada pelo impacto do choque petrolífero de 1973 e a consequente recessão
económica internacional que veio interromper o longo ciclo de prosperidade
europeia do pós-guerra (Rosas, 1999:13). À data da eclosão do golpe militar em 1974,
e numa perspectiva internacional, Portugal era um dos países menos
desenvolvidos526 e o mais antigo império colonial europeu, garante da sua posição
semi-periférica na região europeia do sistema mundial (Santos, 1993:20). Segundo

521 O crescimento da emigração foi acompanhado pela a alteração dos países de destino,
assumindo o continente europeu um lugar de destaque.
522 Estes dois sectores dão igualmente sinais de expansão. Na educação assiste-se ao

alargamento do sistema educativo e ao aumento do ensino secundário e superior. Na saúde


verifica-se o crescimento do sistema de saúde pública e o dos serviços de segurança social.
523 Note-se que em 1970 Marcelo Caetano proclama a passagem do “Estado Novo” ao “Estado

Social”. Para uma análise detalhada do marcelismo (1968-1974) ver diferentes contribuições
reunidas em Rosas & Oliveira (2004).
524 Como apontou Lains (2003:242) do ponto de vista económico, a guerra colonial conduziu a

que os gastos com as colónias assumissem o valor de 26 % do orçamento público em Portugal


entre 1961 e 1974. Na década de 1960 o custo global das guerras em África correspondeu a 8%
do Produto Interno Bruto (PIB).
525 Uma análise detalhada da economia portuguesa neste período foi feita por Mateus (2001) e

Franco (1994).
526 Para valores precisos nas diferentes áreas ver estudo coordenado por António Barreto

(1996). Ver também análise de Rona Fields (1976:36-67) sobre as condições socio-económicas
de Portugal em 1974.

239
Corkhill (2004), o país mantinha, assim, “as suas deficiências estruturais: falta de
mão-de-obra qualificada, emigração em massa, uma agricultura atrasada e
marginalizada do processo de mudança, hiperconcentração de empresas industriais e
financeiras e uma pesada máquina burocrática, dirigista e, por vezes, ineficiente e
corrupta, que deitaram a abaixo a economia nos mais ínfimos pormenores.”
(2004:230-231).

As condições de saúde e higiene eram precárias, tendo Portugal uma alta incidência
de doenças há muito erradicadas noutros países europeus. O movimento das
populações do campo para as cidades aumentou os índices de pobreza nas áreas
urbanas, agravada pela ausência de uma política habitacional adequada. Apesar de
ter perdido peso na economia e na sociedade, em 1974, cerca de dois quintos da
população do continente ainda vivia em explorações agrícolas (Baptista, 2001:133). Os
níveis de escolaridade eram baixos e a pobreza endémica era um dos aspectos da
vida social portuguesa (Fields, 1976), a par da existência de uma polícia política
repressora e de um forte domínio da Igreja que procurava regular a família, uma das
pedras angulares da ideologia do Estado Novo (Almeida & Wall 2001). Em síntese, e
na formulação de Fields:

This […] was the soil out of which the MFA Revolution grew. The apathy,
depression, grief, and pain were elements sown by a political-economic
system which maintained law and order in Portugal for 50 years (1976:65).

Contudo, esta não foi a imagem que o Estado Novo arquitectou do país. Para a
construção de um universo simbólico que “ideologicamente facilitasse o
funcionamento sem sobressaltos do sistema político que pretendia impor” (Félix,
2003:211), o regime dotou-se, a partir dos anos 30 do século XX527, de diferentes
organismos528 que vão executar a sua política folclorista, centrada nos conceitos de

527Para análise do Estado Novo nesta década ver Rosas (1987).


528A política cultural desenvolvida pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) – que
em 1944 se transforma em Secretariado Nacional de Informação (SNI) – constitui, desde os
anos 90, um profícuo campo de estudos como comprovam os trabalhos de Heloísa Paulo
(1994) e de Ramos do Ó (1999). Também Daniel Melo (2001) contribui para este campo de
estudos analisando, para além do SPN/SNI, o papel de outras instituições governamentais
através da actividade de organismos como a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho
(FNAT), a Junta Central das Casas do Povo (JCCP) e o Ministério da Educação Nacional.

240
nação e de tradição, que visava a construção de um consenso529 nacional
neutralizador dos seus conflitos globais (Branco, 1999). De facto, a cultura
hegemónica estadonovista que procurava “explicar aos portugueses a identidade de
si”530 debelou resistências e suscitou o aparecimento de outras. Tal como notaram
Castelo-Branco & Branco (2003) suprimiram-se as estruturas do movimento operário
independente bem como as suas expressões culturais nos espaços públicos531,
coincidindo a ilegalização das lutas de classe com a “emergência de uma imagética
ruralizante que, neste contexto de ausência de competição pelo espaço público, nele
se torna hegemónica”532 (Castelo-Branco & Branco, 2003:11).

Neste contexto, importa ainda referir as diferentes contribuições reunidas em Castelo-Branco


& Branco (2003) sobre o processo de folclorização em Portugal neste período.
529 Nas palavras de Ramos do Ó: “A organização do momento do consenso – ou se se preferir

a expressão consagrada pelo marxismo: o momento da hegemonia – correspondeu , na


doutrina salazarista, a uma subordinação da acção política às leis sem tempo da moral e cujos
preceitos remetiam para a constante invocação da religião dominante, do passado histórico,
da expressão mínima da organização social e, por fim, do trabalho.” (1999:27).
530 Palavras de António Oliveira Salazar citadas por Ramos do Ó (1999:30).
531 Os autores salientam a extinção da retórica de agitação com a supressão de símbolos e

práticas como bandeiras vermelhas, comemorações, marchas, petições, greves, convívios, o


debate político, entre outros (Castelo-Branco & Branco 2003:11).
No mesmo sentido, Santos Silva refere-se ao período do Estado Novo como um “momento
capital no processo de construção social da «cultura popular», no qual o “País urbano da
República se desmorona” bem como “a acção e a expressão política e cultural das camadas
médias e das elites urbanas” (Silva 1994:112). Para o caso da regulação da festa religiosa pela
Igreja e pelo Estado ver importante análise de Sanchis (1983).
532 Tal não significou a ausência de culturas de resistência como demonstrou Godinho (2001)

para o caso do Couço, que se manifestaram noutros domínios como as Artes Plásticas e a
Literatura com o neo-realismo, a Música (de que é exemplo a obra do compositor e maestro
Fernando Lopes Graça) que enformaram práticas e discursos não alinhados que procuravam
desmontar a harmonia social propagandeada pelo regime. A versão hegemónica da nação foi
também contrariada pelo Inquérito à Habitação Rural promovido pelo Instituto Superior de
Agronomia, cujos resultados foram publicados nos anos 40 e pelo Inquérito à Arquitectura
Popular em Portugal organizado pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos na década de 50
como sublinha o trabalho de Leal (2000). Note-se que todo este movimento gravitou em torno
do paradigma ruralizante.

241
Capítulo 12 | O povo do MFA

Foto 10 |Povoação do concelho de Castro Daire, 1975 (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)

Com a revolução, este país que “se embelezava ordeiramente para si próprio” (Brito,
1995:11) é surpreendido por um novo ciclo de buscas e apropriações. A imagem
coreografada da nação dá lugar a uma contra-imagem reveladora de um país em
transformação marcado por fortes carências socio-económicas, resultado das políticas
de um Estado autoritário, agora derrotado. O Portugal democrático é, assim,
construído numa relação de oposição com o regime anterior, assumindo o conceito
de “povo” um carácter estruturante e paradoxal no universo e estratégia simbólica
desenvolvidos pelos agentes e protagonistas das Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA. Esta iniciativa acentua, assim, a dimensão inventada
(Hobsbawm & Ranger 1994 [1983]) ou imaginada (Anderson, 1991) dos processos
culturais533. Como afirma Perez Ledesma (1997):

533Numa outra perspectiva Gérard Noriel (2001) reitera que os trabalhos que privilegiaram
“os elos com a antropologia” sobre a questão nacional surgidos desde os anos 80, pautados
pela rejeição dos “pressupostos da história política clássica” colocam um excessivo acento nos

242
Las tradiciones, las naciones, las clases y los pueblos, el género y los
movimientos sociales, y hasta los héroes y los líderes políticos se nos
presentan ahora como el resultado de procesos de construcción cultural; de
«invenciones», si se quiere utilizar un término de espectacular éxito en la
bibliografia histórica de la última década (1997:10-11).

O sentido que o “povo” adquire depende de uma problemática teórica precisa,


reequacionada de modo a permitir a construção de um problema científico que, no
presente caso, procura esclarecer o universo de sentidos e a forma como este conceito
se reifica numa das propostas da agenda revolucionária. Nesta linha, e na esteira de
muitos autores que problematizaram este conceito534, a sua eficácia reside na sua
historicização (Thompson, 1998; Silva, 1994), uma vez que constitui um conceito
discriminatório, revestindo-se de um carácter ambíguo que, de acordo, com as
diferentes conjunturas históricas inclui ou exclui determinada categoria da população
ou classe social (Julliard, 1992; Monas, 1989) não podendo, como afirmou Brito, “ser
pensado e existir sem o discurso que o designa” (1995:22). Pierre Bourdieu contribuiu
igualmente para este debate conceptual com dois textos (1983;1996). Em “Los usos
del ‘pueblo’” (1996) reitera que “povo” e “popular” são “una de las apuestas de lucha
entre los intelectuales. El de ser o de sentirse autorizado para hablar del “pueblo” o a
hablar para (en el doble sentido) el “pueblo”, puede constituir, de por si, una fuerza
en las luchas internas en los diferentes campos, político, religioso, artístico, etc.”
(1996:152). Bourdieu salienta, assim, que as diferentes representações do “povo”
emergem de uma relação que depende da posição ocupada em cada campo pelos
actores sociais envolvidos, reenviando para o papel axial que este conceito assume na
legitimação das ideologias (cf. Burke, 1981 e David, 1996).

discursos ou nas representações. Segundo o autor estas abordagens podem “caucionar uma
visão idealista da história” (2001:39), não permitindo, por exemplo, compreender o papel da
imigração na história contemporânea. Para complementar a abordagem antropológica Noriel
propõe o desenvolvimento de análises de “carácter sócio-histórico, combinando a história, a
sociologia e o direito.” (2001:39).
534 Para além dos historiadores ingleses referidos no texto, também a escola francesa debateu

com acuidade os conteúdos que este conceito foi adquirindo nas diferentes contextos e
conjunturas históricas. Neste sentido, importa referir para além de Julliard (1992), que
trabalhou no período este conceito numa fatia de tempo alargada que cobre a Revolução
Francesa até às comemorações do seu bicentenário, David (1996) que trabalhou o período
medieval até ao final dos anos 50 do século XX, Roger Chartier (2002) que analisa este
conceito a luz do Antigo Regime. Neste quadro importa, ainda, aludir à importante
contribuição de Bolléme (1986) e mais recentemente de Dupuy (2002).

243
Michel Foucault descreve em As Palavras e as Coisas (1998) o quadro “Las Meninas”
do pintor espanhol Velázquez aludindo, através da análise dos diferentes elementos
e personagens da representação, à relação de cumplicidade que o pintor constrói com
o espectador que perscruta a obra. Neste sentido, e como ficou demonstrado nos
capítulos anteriores, também os protagonistas da Dinamização Cultural foram hábeis
na construção e divulgação535 de uma paisagem discursiva sobre Portugal,
procurando uma relação de cumplicidade com os actores sociais envolvidos para que
a sua “visão do mundo social”, no sentido de Bourdieu (1998 [1982]), fosse eficaz.
Entendidas como parte integrante de um projecto político, as Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA procuravam “produzir e impor
representações […] do mundo social, capazes de agir sobre esse mundo ao mesmo
tempo que agem sobre a representação que dele fazem os seus agentes.” (Bourdieu,
1998 [1982]:135).

Garantir a eficácia de uma visão do mundo subjacente a um projecto revolucionário


tornou central o conceito de “povo”536 enquanto colectivo nacional e indiferenciado
no período da transição democrática portuguesa537. Tal como Smith referindo-se ao
modelo étnico de nação538, o “povo” surge nesta conjuntura como “tribunal retórico

535 Como ficou demonstrado no capítulo 8, as campanhas de dinamização foram objecto de


uma cobertura mediática intensa.
536 A título de exemplo, importa sublinhar que as palavras de ordem utilizadas em

manifestações, as manchetes da imprensa nacional e os slogans presentes em cartazes alusivos


às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA colocam em evidência a
centralidade desta categoria: “O Povo está com MFA”, “O MFA e a Luta pela Libertação do
Povo Português” (Diário de Notícias, 29/10/1974, pp. 7:8), “Voto: uma arma do povo (o que
toda a gente deve saber)” (Diário de Notícias, 25/11/1974, p. 7), “Trabalhar com o Povo,
Construir a Revolução” (autocolante utilizado nas viaturas militares na Campanha Maio
Nordeste, 1975, Arquivo particular de Rodrigo de Freitas); “Povo, Vasco, MFA; Força, Força
Companheiro Vasco, Nós Seremos a Muralha de Aço” (cartaz Abel Manta/CODICE, 1975,
Arquivo particular de Rodrigo de Freitas), “A Cultura é a Liberdade do Povo” (cartaz Maria
Velez/CODICE, 1975 Arquivo particular de Rodrigo de Freitas), “Façamos um País Novo,
Forças Armadas e Povo” (Cartaz-calendário Henrique Ruivo/CODICE, 1974, Arquivo
particular de Rodrigo de Freitas), “Unidade Povo-MFA” (cartaz Amaral/ CODICE, 1975,
Arquivo particular de Rodrigo de Freitas), “MFA, Sentinela do Povo” (Abel Manta/CODICE,
1975, Arquivo particular de Rodrigo de Freitas). Alguns destes cartazes encontram-se
reproduzidos no anexo II deste trabalho.
537 Disso é exemplo a expressão “aliança povo-MFA”, estruturante na estratégia discursiva do

MFA.
538 O caso em análise combina, como se verá nos capítulos seguintes, elementos das duas

modalidades discursivas sobre a nação definidas por Anthony Smith (1997 [1991]). Partindo
da formulação de Friedrich Meinecke que, em 1908, distinguiu Kulturnation e Staatsnation, isto

244
de última instância” (1997 [1991]:26) em nome do qual se justifica uma acção política.
Personifica o princípio espiritual da democracia constituindo um conceito político
englobante, é o “povo-nação” destinado a transcender todas as distinções sociais
(Julliard, 1992:185)539 e, neste sentido, é um conceito “interclasses” (Smith 1997
[1991]:26).

Entendido como “todos os portugueses”, o “povo” é resgatado como principal aliado


de um projecto político que procurava propor e legitimar uma revolução integradora,
sendo o MFA o intérprete das “aspirações e interesses da esmagadora maioria do
Povo Português” justificando a sua acção “em nome da salvação da Pátria”540, tal
como é referido no Programa do Movimento das Forças Armadas. Todavia, este
documento revela também níveis de hierarquização desta categoria, fazendo-lhe
corresponder “as camadas da população até agora mais desfavorecidas“541
introduzindo ainda um novo elemento as “classes trabalhadoras” cujos interesses
pretendia defender com uma “nova política social”542.

Esta estratégia discursiva, simultaneamente inclusiva e exclusiva, encontra-se


presente no período de lançamento das Campanhas, sendo paulatinamente
abandonada, adquirindo a ideia de “povo” conteúdos específicos à medida que esta
iniciativa se desenrola, lidos não só a partir dos lugares que percorreu, dos discursos
dos seus protagonistas, como também dos documentos que foram legitimando as

é, a nação enquanto comunidade cultural largamente passiva e a nação política activa e


independente (1997 [1991]): 22), Smith avança com dois modelos de identidade nacional: o
modelo cívico-territorial e o modelo étnico. No primeiro caso, os elementos que o concorrem
para a definição de nação são o território histórico, uma comunidade político-legal, a
igualdade dos seus membros e a ideologia e cultura cívica comuns. Já a concepção étnica da
nação enfatiza a existência de uma comunidade de descendência comum assumindo a cultura
vernácula um papel preponderante.
539 Julliard trabalha o conceito de “povo” e as figuras sociais que lhe correspondem no

contexto da Revolução Francesa. O autor identifica o “povo-nação”, que engloba toda a


população superando as clivagens de ordem ou de classe, “povo-tiers état” que elimina os
privilegiados, o “povo dos trabalhadores”, que constitui uma visão mais restrita do anterior,
mais social e menos jurídica e o povo “des brás nus e des miseraux” que é um grupo residual
que parece ameaçar a própria ordem social (1992.191-192).
540Programa do Movimento das Forças Armadas, s/d, [1974]:1. (Arquivo Histórico do Ministério

da Defesa Nacional (em organização); caixa 6355).


541Programa do Movimento das Forças Armadas, s/d, [1974]:2. (Arquivo Histórico do Ministério

da Defesa Nacional (em organização); caixa 6355).


542 Programa do Movimento das Forças Armadas, s/d, [1974]:3. (Arquivo Histórico do Ministério

da Defesa Nacional (em organização); caixa 6355).

245
suas modificações ao longo do processo de transição543. Num movimento análogo ao
“do it yourself kit”, na expressão do sociólogo Orvar Löfgren (1989) ou, ao “sistema
IKEA” nas palavras de Thiesse (2000) esta iniciativa assentou, assim, num processo
de escolha dos grupos sociais que constituem a “comunidade política” (Smith, 1997)
portuguesa. Desta forma, a “ressemantização” do conceito de povo espelha um
“recorte da realidade”, validando uma mundividência que congrega identidades. De
forma análoga a Oliven (1992) aludindo aos conceitos de nação e tradição:

[…] são […] categorias para classificar pessoas e espaços e, por


conseguinte, formas de demarcação de fronteiras e estabelecer limites. Elas
funcionam como pontos de referência básicos em torno dos quais se
aglutinam identidades. Identidades são construções sociais formuladas a
partir de diferenças reais ou inventadas que operam como sinais
diacríticos, isto é, sinais que conferem uma marca de distinção (1992:26).

“O que é a Política” constitui o título de um dos Textos de Apoio publicados sob a


chancela da CODICE para orientação das equipas de Dinamização Cultural no
terreno, constituindo um documento modelar para trabalhar o espectro das
diferentes acepções da palavra “povo” e das figuras sociais que lhe correspondem no
quadro da iniciativa que aqui me ocupa. Ao longo do texto são apresentadas
definições de democracia (democracia burguesa e democracia popular), socialismo
(socialismo burguês e proletário) e comunismo. Outra das definições que importa
fixar é a de “povo”:

O que é o Povo? Será que todos os habitantes de Portugal pertencem ao


Povo? Um operário, um camponês, um empregado de escritório, um
empregado de comércio, etc., pertencem efectivamente ao Povo. Mas os
capitalistas pertencem ao Povo? Claro que não, estes homens não são
Povo, mas sim exploradores do Povo. A nosso ver também não
pertencem ao Povo todas aquelas pessoas cujo trabalho consiste em
oprimir e explorar os trabalhadores por conta de capitalistas […].

543As mudanças e reestruturações foram analisadas na Parte II deste trabalho na qual se


procede também se procede à identificação das zonas do país percorridas.

246
Então o que é o Povo? Entendemos que só pertencem ao Povo aquelas
pessoas que criam riquezas ou que para isso contribuem. Povo é
portanto o conjunto dos trabalhadores de um país.544.

Este documento é revelador não só da centralidade e da ambiguidade que a categoria


de “povo” adquiriu no período em análise, como também denuncia a tentativa de
hierarquização dos seus graus de pureza. Numa sessão realizada numa freguesia de
Barcelos, um dia após o 11 de Março de 1975, um elemento do MFA, ao aplicar os
conteúdos deste texto, assegura:

[…] o 25 de Abril deu oportunidade do povo, a partir de agora, tomar nas


suas mãos o destino deste país. É por isso que nós temos que avançar na
construção da sociedade democrática, mas uma democracia autêntica, não
podemos deixar-nos enganar com palavras. Temos que saber bem o que
queremos.
[…] os militares do MFA para além de terem arriscado todo o seu prestígio
e até as suas próprias vidas no 25 de Abril, já o provaram no 28 de
Setembro, provaram-no ontem que estão dispostos a lutar até à última,
estão dispostos a que de batalha em batalha, de vitória em vitória, na
guerra final seja uma vitória do povo trabalhador. E para nós povo
trabalhador são os operários, são os pescadores, são os jornaleiros, são os
rendeiros, são os pequenos e médios camponeses, são os pequenos e
médios comerciantes, são os pequenos e médios industriais, os outros, os
exploradores, esses não545.

O MFA defende, ainda, num artigo sobre a agricultura portuguesa, que as classes
mais “exploradas durante a longa vigência do regime deposto” são “as classes
trabalhadoras braçais – os operários e camponeses”546.

Os excertos acima transcritos apresentam um consenso em torno da representação de


“povo” difundida pela esquerda militar e civil no quadro da transição democrática

544 Comissão Dinamizadora Central, Texto de Apoio 9. O que é a Política?. (Centro


Documentação 25 de Abril. Fundo Comunicados e Panfletos, Caixa Forças Armadas-EME,
Pasta EME, Gabinete de Dinamização do Exército, Diversos). Ver no sub-capítulo 15.2. a
reacção da imprensa regional a este documento.
545 RDP – Arquivo Histórico – faixa 6, AHD5392, 13/03/1975.
546 Movimento, n.º 4, 12/11/1974, p. 3.

247
portuguesa, onde este surge como sinónimo de trabalho547, assente na retórica
socialista da luta de classes. Constitui uma figura definida por oposição, por aquilo
que não representa e, neste caso, não representa as “classes exploradoras”. Neste
período o “povo” surge como um importante actor histórico situando-se na
intersecção de duas das figuras identificadas por Julliard (1992:191-192) no quadro da
Revolução Francesa: o “povo-tiers état” que elimina os privilegiados, sendo a fórmula
na qual se mais se reconhece a esquerda francesa, e o “povo dos trabalhadores”, que
constitui uma visão mais restrita da concepção anterior, mais social.

Contudo, os discursos e as práticas subjacentes às Campanhas de Dinamização


Cultural e Acção Cívica do MFA, permitem avançar um pouco mais na
problematização deste processo de selecção e manipulação de categorias, e concluir
que são os camponeses548 e a ruralidade a Norte que são resgatados pelo MFA, no
quadro desta iniciativa, para representar o “povo”, permitindo uma aproximação ao
país real e autêntico. Desta forma, os operários e o universo urbano são afastados da
paisagem discursiva sobre Portugal, o que pode ser lido à luz da análise
desenvolvida por Lebovics (1992) sobre o papel assimétrico que camponeses e

547 Disto é exemplo um artigo publicado no jornal Avante sobre a Reforma Agrária: “É o
mesmo rosto dos camponeses pelas diversas terras do País. De sul a norte, igual
envelhecimento precoce, semelhante fadiga acumulada durante longos anos de trabalho
árduo, de privações, de miséria e isolamento. É igual o ritmo extemporâneo das rugas, o jeito
das mãos talhadas nos mesmos gestos de amanhar a terra, semear e colher insuficiências,
semelhante o subdesenvolvimento material e cultural. Igual, pois, ainda que variável no grau,
o peso da herança terrível de 48 anos de opressão económica e política. […]” (Avante,
10/7/1975, p. 12).
548 A problematização em torno da definição de “camponês” na teoria antropológica reflecte a

própria história da disciplina e a forma como foi construindo o seu objecto de estudo uma vez
que o campesinato fundou o novo arquétipo do “ethnographic other” (Kearney, 1996:5) que
se afasta dos “primitivos”. Cf. Wolf (1976 [1966]) para distinção entre camponeses e
primitivos.
A concepção de “folk society” de Robert Redfield constitui um marco na análise
antropológica sobre os camponeses, nomeadamente sobre as relações campo-cidade, a partir
do qual um conjunto de autores orientou criticamente os seus estudos sobre a sociedade rural
em diferentes contextos geográficos. Os camponeses fascinaram a esquerda académica ao
desafiarem as certezas do marxismo-leninismo clássico para quem o protagonista da
mudança era o proletariado industrial. Destes destacam-se Eric Wolf, com o qual partilho as
características gerais que concorrem para a definição do camponês enquanto categoria
conceptual: “Farm and household tend to coincide; production and consumption are closely
integrated; the division of labour runs along lines of sex and age within the household.
“(2001b:255). Para análise da evolução na problematização do conceito na obra do autor ver
Ribeiro & Feldman-Bianco (2003).

248
operários desempenharam na guerra cultural em torno da imagem de França no final
dos anos 30 do século XX.

No Programa de Dinamização Cultural, documento fundador desta iniciativa, o


universo rural não é convocado de forma directa. A tónica é sobretudo colocada no
país enquanto todo, sendo também referenciada a necessidade de intervenção em
zonas específicas do território nacional. Assim, a indispensabilidade do trabalho da
CODICE repousa, na situação de “subdesenvolvimento cultural” do país “com maior
incidência em certas zonas”549, esboçando-se já uma hierarquia dos lugares a
percorrer. Esta duplicidade encontra-se igualmente presente nos discursos proferidos
pelos principais responsáveis das Campanhas de Dinamização Cultural no seu acto
inaugural. Ramiro Correia defende por um lado o objectivo de “ir a todos os lugares,
levar as nossas vozes, levar as ferramentas que permitam interessar todos os
portugueses na construção do país”, sublinhado todavia que “a 10 km fora das
cidades ninguém sabe o que se passou no país devido à situação de indigência
política em que nos encontrávamos”550. Também Vasco Pinto Leite, ao mesmo tempo
que enfaticamente afirma “que só há uma cultura”, remetendo para o povo na sua
feição englobante, refere que se constituirão “centros culturais na Província”551 no
quadro do projecto de descentralização cultural, elemento mobilizador da adesão do
sector intelectual às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica.

Ultrapassada esta fase inicial, onde a tónica ora é colocada no país enquanto todo, ora
é referenciada a necessidade de intervenção em zonas específicas do território, os
documentos posteriores, parecem evidenciar um consenso relativamente à opção
pelo “Portugal dos campos” como destino privilegiado da sua acção, surgindo o
“povo” como sinónimo de cultura camponesa.

Também, aquando da sua reorganização, apresentada nas páginas do boletim


Movimento, em Maio de 1975, a centralidade deste universo é reforçada. O

549 Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388).
550 RDP – Arquivo Histórico, AHD5847 – faixa 5, 25/10/1974.
551 Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, Programa de Dinamização Cultural,

s/d [1974], (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central
VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).

249
documento, “Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos”, que fundamenta esta
reestruturação e inaugura a “Acção Cívica”, finaliza com um apelo à mobilização
nacional, surgindo agora um claro reconhecimento que “o país do MFA” era o
Portugal rural, com a definição da palavra de ordem “rumo ao campo”552, reforçando
a ideia inicial do texto onde se fazia a apologia da “caminhada até às aldeias”:

[…] Num país que caminha para o Socialismo a atitude do povo terá que
reflectir uma opção. Não poderemos prolongar o conformismo de fazer
uma Revolução beneficiando dos confortos do capitalismo. Por outras
palavras, torna-se necessário que os nossos técnicos, o nosso pessoal
qualificado se regionalize, abandonando os centros urbanos e inicie a
caminhada até às aldeias.
[…] Devemos rapidamente abalar estruturas baseadas em visões
distorcidas, herdadas dum passado próximo e avançar, através de uma
grande mobilização nacional, com a palavra de ordem, rumo ao campo553.

Também, no desenvolvimento das propostas delineadas na 2ª Directiva da


CODICE554 que, reflectindo o Documento Guia da Aliança Povo-MFA, procurava
fomentar os órgãos de “poder popular”, o universo rural é novamente considerado
através da invocação da “aldeia”:

1. Os órgãos de base do poder popular no campo são os conselhos de


aldeia. […] uma das tarefas da Dinamização Cultural no Norte do País é a
partir dos embriões de trabalho colectivo das populações incentivar e criar
as condições para a organização ao nível de toda a aldeia ou lugar […]555.

Por fim, na Proposta de Acção Político- Militar, o último documento emanado da


CODICE, a grande linha de força reside em “ganhar o campesinato pobre […] para a
revolução” através da “ocupação politica-militar do distrito da Guarda556, que, com
ligeiras alterações poderá ser aplicada a Bragança e Viseu” (Correia et al, s/d-a:229-
230). A escolha destes distritos é justificada por aí terem sido realizadas as últimas

552 Em diferentes momentos, o boletim Movimento, reforçou a relevância da intervenção em


contexto rural nos artigos que publicou sobre as diferentes campanhas.
553 Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 6.
554 Sobre este documento ver sub-capítulo 7.2. deste trabalho.
555 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7.
556 Itálico no original.

250
campanhas, e desta forma garantir um apoio continuado às populações, mas também
por uma “urgência” que decorria do ciclo anual de produção, nomeadamente com o
aproximar das colheitas da batata, cereais e do período da vindimas, e posterior
necessidade de escoamento dos produtos.

Como ficou demonstrado nos capítulos anteriores, apesar de se terem realizado


sessões de esclarecimento em contextos urbanos e industriais557, e ainda junto das
comunidades de emigrantes portugueses na Europa, as Campanhas de Dinamização
Cultural foram concebidas de forma organizada e planeada para as zonas do Norte e
Centro de Portugal, não sendo excluído o arquipélago dos Açores, cuja justificação
obedeceu à mesma linha retórica: o “subdesenvolvimento” cultural e político destas
áreas e pela acção dos caciques laicos ou eclesiásticos, estruturas emblemáticas do
poder local no Estado Novo. Neste sentido, no encontro na Cooperativa Árvore no
Porto a 20 de Outubro de 1974, Ramiro Correia alude directamente a estas regiões,
acrescentando o arquipélago da Madeira e algumas zonas do Algarve:

Com um aparato mais militar vai haver uma campanha intensiva em certas
zonas. São zonas em que realmente o «facho» tem certa preponderância e
nós vamos atacar nessas zonas. […] Aí vamos utilizar meios mais
poderosos, digamos, no sentido de mostrar que algo mudou neste País e
que a autoridade já não se mantém naqueles meios obscurantistas que
existiam (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 1984:102).

Note-se que os protagonistas entrevistados no quadro desta investigação, quando se


referiam ao país e à possibilidade de transformação que as Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica proporcionaram, invocam de forma directa o
universo rural por considerarem que o Portugal da “província” ou das “aldeias” se
encontrava mais afastado do projecto revolucionário. Estes foram os terrenos eleitos
de actuação, a partir dos quais elaboraram imagens sobre o mundo rural, em
concreto sobre as zonas de agricultura familiar do Norte do país. Neste sentido,
Fernando Simões, na época aluno da Escola Naval, afirma:

Eu em 1974 encontrei lugares e aldeias sem nada, sem electricidade, sem água,
mas com um padre. Pessoas cépticas, cépticas em relação a qualquer mensagem: -

557 Cf. cronologia em anexo.

251
os meus amigos têm o direito de protestar. […] A canga era tão pesada, durante
tantos anos… Eu compreendia isso e as pessoas que estavam comigo
compreendiam isso. (Fernando Simões)

João Abel Manta referindo-se aos objectivos da Dinamização Cultural sublinha:

O grande objectivo era um objectivo prático, quer dizer, a sensação que eu tinha é
que havia grupos de alferes que iam para o campo, e tentavam resolver, quer dizer,
está-se a dar agora uma imagem um pouco intelectual deles, mas eles no fundo
queriam resolver problemas básicos, quer dizer da agricultura, ensinar os tipos,
ensinar os miúdos a lavarem-se, quer dizer, dizerem às mães para catarem os
piolhos dos filhos, quer dizer, coisas práticas. Duvido muito que em determinados
locais rurais, que houvesse muito essa ideia de que você tem que saber quem é o
Darwin ou o Picasso, não é. Coitados dos desgraçados, eles queriam era saber como
se planta uma batata e um grelo. (João Abel Manta)

O debate em torno dos terrenos a “dinamizar” acabaria, também, por repousar na


dicotomia Norte-Sul558, tão profusamente utilizada nos discursos pós-revolucionários
(ver Brettel, 1979). Apesar da realização de uma campanha de pequena dimensão em
três concelhos do Algarve, a Sul a intervenção da CODICE não foi considerada

558 Este movimento de apropriação bipartida do país circulou nos diferentes sectores da
sociedade portuguesa encontrando-se igualmente presente no cinema documental produzido
na década de 70 (Leal et al:1993), onde se convocam duas zonas de Portugal com pressupostos
e resultados distintos: Trás-os-Montes e Alentejo. Referindo-se à conjuntura do 25 de Abril de
1974, Joaquim Pais de Brito afirma que: “[…] Trás-os-Montes aparece [...] como a arca das
tradições, das raízes, das referências identitárias, que naquele momento conturbado, se
tinham perdido. Ia buscar-se à província mais recôndita (Trás-os-Montes) o passado, qualquer
que ele fosse. […] Ao Alentejo vai-se buscar qualquer coisa que é verdadeiramente o inverso
disto. No Alentejo há uma clara busca de futuro, uma busca quase ansiosa de futuro. […]
fazem-se filmes sobre as ocupações de terras, fazem-se filmes sobre o modo como o futuro
estava a ser construído.” (Leal et al, 1993:104:105). Também Antropologia Portuguesa denotou
uma “preferência” pelo Norte camponês enquanto terreno de investigação, no qual o conceito
de comunidade assumiu uma eficaz funcionalidade (Godinho, 2002), em detrimento do Sul,
exceptuando-se aqui o trabalho de Cutileiro (1977 [1971]), Almeida (1995) e mais
recentemente Godinho (2001) e Fernandes (2006). Sobre as análises do Sul de Portugal
tomando o Mediterrâneo como “conceito de referência” ver Leal (2001), onde o autor
apresenta uma reflexão em tornos dos trabalhos de Jorge Dias, Orlando Ribeiro e José
Cutileiro.
Esta a representação da sociedade dividida em duas grandes regiões antagónicas é possível
de ser reencontrada em contextos geográficos e históricos distintos. Neste sentido, Oliven
(1992:15-16) alude ao contexto italiano, na formulação de Gramsci em A Questão Meridonal,
onde as diferenças entre o Norte e o Sul são apresentadas como sendo devedoras a causas
biológicas (“os sulistas são seres biologicamente inferiores”), afastando desta forma o peso
das causas económicas ou sociais.

252
prioritária, caracterizando-se sobretudo pela realização de sessões de esclarecimento
e “gestão de conflitos”, como reforça Manuel Madeira:

O país estava, e ainda está, com a nova dinâmica populacional: é uma questão
litoral e interior. Na altura, embora o litoral tivesse um papel importante, era o
Sul/ Norte. Mas a questão vai por aí um bocado porque se considerava que nas
zonas urbanas, embora houvesse dinamizações nas zonas urbanas, mas a outro
nível isto era quase como gerir problemas do que propriamente campanhas de
dinamização, na cintura industrial... Assim, como no Alentejo era mais de gerir
conflitos das ocupações do que propriamente campanhas de dinamização, não fazia
sentido. Havia uma dinâmica naquelas populações, viveram situações atrozes
durante muito tempo que levava aparentemente e, à partida, essas zonas não
constituíam um muro, um obstáculo à implantação do Programa das Forças
Armadas, enquanto que no Norte, particularmente o Norte interior era tido pelo
modo como as pessoas se comportavam, mas também devido à sua formação
intelectual e psicológica e pelo poderio também das forças, aí podemos chamar
retrógradas, as forças, os representantes mais retrógrados da Igreja e de outros
sectores da sociedade, as populações constituíam uma barreira, um obstáculo, não
digo obstáculo mas uma resistência bastante forte. (Manuel Madeira)

As diferenças entre o Norte e o Sul559 são convocadas na alusão à capacidade


mobilizadora dos portugueses em torno do projecto revolucionário, isto é, servem
para tematizar o “potencial revolucionário” (Brettell, 1979) destas duas grandes
regiões do país. O Sul parece, assim, obedecer a uma linha retórica enaltecedora da
dimensão política do povo, ancorada na retórica socialista da luta de classes, sendo
justificada pelos protagonistas desta iniciativa pelo facto da “população [se
encontrar] mais próxima do 25 de Abril, mais politizada”560. No caso do Norte, este
surge como “não revolucionário”, constituindo um locus a partir do qual se criticam
os múltiplos atrasos do país e, por conseguinte, se justifica indispensabilidade da
intervenção da CODICE:

559 Importa sublinhar que os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte
reforçaram esta imagem bipartida do país uma vez que no Norte se concentrou a grande base
de apoio social-democrata, ao passo que o Centro e o Sul votou maioritariamente no PS e PCP
(André & Gaspar 1989).
560 Entrevista a Manuel Begonha, 1999.

253
Nós tínhamos um corrupio de comissões de trabalhadores, de sindicatos, de todas
as estruturas representativas da vida económica a passarem na CODICE. Ora, a
realidade no interior era outra. Aqui havia, na região de Lisboa e Vale do Tejo e
Alentejo e até também no Algarve podemos dizer que havia pessoas já com
consciência, com capacidade que depois iam buscar apoios aos militares, isto são
regiões mais desenvolvidas no terreno da participação, pela própria natureza das
coisas, pelos níveis de desenvolvimento que essas regiões têm. Há outras regiões
que estavam completamente paradas no tempo, onde se vivem situações até de
feudalismo. A serra da Gralheira, por exemplo, eu que sou transmontano e fui
criado em Trás-os-Montes, houve situações que fui encontrar no distrito de Viseu
que eram altamente chocantes, que tinham a ver com uma visão, sei lá, velha,
completamente parada no tempo. (Modesto Navarro)

De facto, a divisão ideológica entre o Norte e o Sul de Portugal ancora-se nos


contrastes substantivos entre estas duas regiões, onde o regime de propriedade e a
consciência de classe assumem uma importância de destaque. Godinho no seu
trabalho Memórias da Resistência Rural no Sul (2001) sintetiza estas diferenças:

No primeiro vive a maioria da população camponesa, com uma estrutura


fundiária de pequena ou memo microscópica de propriedade, e com
situações de grande hibridismo na relação com a terra e o trabalho.
Constrangidos desde os anos de 1930 com as políticas que conduzem ao
processo clássico de evolução do capitalismo, depois de um plenum
atingido nos anos de 1950, encetam migrações, após sucessivas medidas
privarem os mais desprotegidos do acesso aos terrenos baldios ou a outras
estratégias de escape. No sul, caracterizado pela grande propriedade, os
campos das classes são extremados, e os grupos intermédios de seareiros
pequenos rendeiros não chegam ao mitigar das tensões criadas pela
concentração da terra nas mãos de alguns e pela miséria no lado de muitos.
Nos campos do sul, pelas características da forma de exploração de terra, a
grande concentração de massas de trabalhadores distancia a situação que é
vivida no norte, em que a dispersão, pelas formas de exploração familiar, é
regra, e em que os interesses de cada casa, como unidade de produção e
reprodução, se opõe aos das outras (2001:91).

254
A estas diferenças na estrutura fundiária, geradoras de contrastes económicos e
movimentos sociais distintos561, Brettell (1979) associará o papel da emigração na
problematização das razões que estariam na base desta representação antagónica de
Portugal e do seu “potencial revolucionário”. Enquanto que no Sul os assalariados
rurais viriam a integrar o proletariado urbano português com as migrações para o
litoral, os camponeses integrariam o proletariado de países estrangeiros, no quadro
do qual a sua politização seria escassa. A emigração, ao afastar os indivíduos dos
proletariados nacionais e estrangeiros, debilitaria a sua “experiência de classe”
(Thompson 1989), tal como o minifúndio e a posse de terra (1979:185).

Neste contexto, e obedecendo à mesma linha de argumentação, esta dicotomia é


reforçada por uma outra – a relação “operário – camponês“562, por vezes lida nas
alusões à relação entre a “cidade“ e o “campo, ou às assimetrias entre o litoral e o
interior do país. Veja-se como no Editorial do Movimento de 11 de Março de 1975,
intitulado “Resolver a Contradição Cidade-Campo”, são concebidas as Campanhas
de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA:

Sobre o pano de fundo global em que, neste país, se desenrolam os


conflitos sociais resultantes das contradições do tipo de sociedade em que
nos inserimos, outras lutas, a refele[c]tiram contradições, de outra ordem
afloram – e a para as quais há que se estar desperto.
Uma das contradições, patente a todos nós, e que assume relevo
fundamental, é o fosso existente em Portugal entre o campo e as cidades.
Embora essa distorção fosse conhecida, e até considerada como uma
fatalidade histórica, as campanhas de dinamização cultural levadas a efeito
pelas Forças Armadas revelaram-na em toda a sua grandeza. Essas
campanhas mostraram bem a verdadeira face de um amplo interior
colonizado até à exaustão, pelas metrópoles litorais, onde se acolhem e
montam os quartéis-generais, os herdeiros dos terratenentes por quem, na
reconquista, foi distribuído o território nacional.
Em termos de superfície reflecte-se no nosso País, a contradição global dos
países ricos face aos países pobres. É como se nos encontrássemos perante

561 Veja-se Baptista (1978; 2001) para as diferentes “recepções” das medidas da política agrária
no período em análise e das dinâmicas geradas e Fernandes (2006) para uma análise local das
mesmas.
562 Ver segunda parte do sub-capítulo 14.2. onde este assunto é retomado.

255
um imperialismo (de segunda ordem, mas não menos caustico), das
cidades sobre o campo, em que este – representado pelo campesinato e
pequenos proprietários – se vai auto-exaurindo (na medida em que é
utilizado em relações nítidas de espoliação) como força de trabalho que
alimenta as cidades. […]
Constituindo a população do interior de Portugal a classe mais
desfavorecida da população portuguesa, é nela, que prioritariamente,
pensa o Programa do Movimento das Forças Armadas.
Grande parte das mais valias que vêem sendo arrecadadas pelos elementos
das classes dominantes devem dirigir-se, em primeiro lugar, para o campo,
melhorando radicalmente as condições de vida do interior.
É toda uma estratégia de desenvolvimento a rever. E é na resolução desta
contradição que devem fixar-se imediatamente os responsáveis. Se assim
não for, se essas mais valias continuarem a ser prioritariamente atribuídas
ao país urbano, corre-se o risco de aprofundar o fosso entre o Portugal-
litoral e o Portugal-interior.
Então o campo não compreenderá a justiça da revolução e ficaria em
condições de, empurrado pela reacção (por aqueles que não estão
interessados e, qualquer espécie de justiça e apenas pretendem não perder
os chorudos privilégios que auferem) ficariam em condições de, repetimos,
se levantar contras as cidades fazendo voltar atrás o processo
revolucionário em que nos encontramos empenhados. E a história ensina-
nos que, em Portugal, nenhuma revolução venceu a médio prazo, porque
nunca foi capaz de ultrapassar o seu carácter urbano e, pelo seu espraiar
interior transforma-se de facto em movimento popular.
A comparticipação activa dos trabalhadores portugueses (dos campos e
das cidades), no desenvolvimento das linhas de orientação do Programa de
Política Económica e Social – retirando dele todo o dinamismo progressista
que contém – será a todos os títulos importante para a resolução das
contradições diversas nomeadamente a campo-cidades) da sociedade em
que ainda vivemos. […]
O desenvolvimento do processo revolucionário exige que se tenha em
conta o país real: ou seja, a necessidade de resolver as contradições da

256
sociedade portuguesa, não apenas a nível de explorado-explorador, mas
também a nível país litoral (rico) – país interior (pobre)563.

Esta dicotomia é particularmente manifesta na Proposta de Acção Político – Militar564


que a CODICE apresentou já em pleno Verão Quente:

[...] deslocar para as zonas rurais operários que conduzam e reparem


máquinas agrícolas, levando assim ao campesinato a maior politização dos

centros fabris urbanos (Correia et al, s/d-a:137).

No mesmo sentido, recorde-se ainda que a campanha realizada nos concelhos de


Castelo Branco, Oleiros, Sertã e Vila de Rei em Julho de 1975 mobilizou trabalhadores
de diferentes empresas e sectores da sociedade civil oriundos da zona industrial de
Lisboa, tendo delineado como um dos seus objectivos “resolver a contradição cidade-
campo” 565.

Contudo, diferentes autores, como Hobsbawm (1989 [1983]), Herzfeld (1986), Wolf
(2001a e b), Verdery (1991) e, mais recentemente, Hardt e Negri (2005), têm
assinalado o desconforto que os camponeses têm colocado aos diferentes projectos de
mudança política e social em diferentes contextos históricos. Para o modelo marxista,
que nas suas diferentes “versões” foi hegemónico no período em análise, os
camponeses encontravam-se claramente definidos como “não revolucionários” e
“conservadores”, tal como são descritos no Manifesto Comunista (Marx e Engels cit
in Wolf, 2001b)566. Os camponeses não tinham lugar no projecto socialista e eram
concebidos como um grupo transitório que tenderia a desaparecer (Baptista, 2006:91
e Viola, 2004:195). Do ponto de vista político, como assinala Vigreux (2004), no século
XIX o termo camponês assume uma conotação pejorativa próxima da visão de Marx

563 Movimento, N.º 12, 11/3/1975, p. 1.


564 Ver sub-capítulo 7.2. no qual este documento é trabalhado no quadro das transformações
da CODICE.
565 Notícias da Covilhã, 20/6/1975, p. 7.
566 Atente-se também para abordagem que Marx faz do campesinato francês sobre domínio de

Napoleão: “Cada uma das famílias camponesas quase se basta a si própria, produz
directamente a maior parte do que consome e adquire os seus meios de subsistência mais por
troca com a natureza do que com a sociedade. O minifúndio, o camponês e a família; ao lado
um outro minifúndio, um outro camponês e uma outra família. […] Deste modo a grande
massa da Nação Francesa é constituída pela simples adição de grandezas do mesmo nome,
pouco mais ou menos da mesma maneira que um saco cheio com batatas forma um saco de
batatas“ (1975 [1869]:142-143).

257
“do saco de batatas”. Contudo, a palavra adquiriu uma conotação inversa na viragem
do século, nomeadamente a partir de 1903, quando as teses bolcheviques
reconheceram ao mundo rural, operários agrícolas e pequenos camponeses, uma
vocação revolucionária (2004:451), reforçada com o triunfo da Revolução de 1917. De
facto, como assinala Viola a “revolução operária ocorrera numa nação agrícola, onde
o proletariado industrial representava pouco mais de três por cento da população, ao
passo que o campesinato representava pelo menos 85 por cento” (2004:195).

Na realidade, as representações e as leituras do camponês feitas no quadro das


Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica MFA parecem surgir da
intersecção deste dois pontos de vista, aos quais acresce o encantamento e
valorização da cultura nacional, abrindo assim, um campo discursivo dissemelhante
e paradoxal no qual convivem imagens “monumentalizadoras” e
“desmonumentalizadoras” da ruralidade (Leal & Branco, 1995).

Importa sublinhar que, por um lado, o conservadorismo é justificado pelo resultado


das políticas de um regime, que “falsificou” o país autêntico e verdadeiro,
desculpabilizadoras do seu comportamento “não revolucionário”. Ambiguamente, o
camponês, utilizado pelo Estado Novo para veicular e fazer circular uma imagem
pacífica e harmoniosa da nação567, parecia ameaçar o projecto político do MFA. O que
fazer para integra-lo na reconstrução do país? As Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA parecem responder a esta questão uma vez que
surgem, também, com o objectivo de despertar os camponeses para a sua vocação
revolucionária, tornando-os cúmplices na construção do país, porque era necessário:

567 Note-se que a antropologia portuguesa coadjuvou na construção desta imagem


harmoniosa do mundo rural nomeadamente com os trabalhos de Jorge Dias, Vilarinho da
Furna, uma aldeia comunitária (1948) e Rio de Onor, Comunitarismo Agro-pastoril (1953), onde a
conflitualidade era pouco enfatizada, imagem esta tão cara ao Estado Novo. Com a
publicação dos trabalhos de Cutileiro (1977 [1971]), O’Neil (1984), Pina-Cabral (1986) e Brito
(1996) opera-se uma ruptura teórica relativamente às propostas de Jorge Dias, desarmando a
”ideologia” da igualdade.
Também Riegelhaupt (1981:137), na esteira das propostas de James Scott e de Eric Wolf,
chama a atenção para o facto da historiografia portuguesa insistir na “visão elitista” de que a
passividade era a “predilecção «natural» dos camponeses”. Contudo, como demonstraram
Freire, Fonseca & Godinho (1999), os camponeses desenvolveram continuadas formas de
resistência e de agitação durante o Estado Novo.

258
[…] pôr em contacto tudo aquilo que está diferenciado, tudo aquilo que
está em planos diferentes. Só quando o povo falar todo a mesma língua
– a mesma língua que vise determinados objectivos que são a felicidade
do povo português – uma maior justiça, uma maior evolução social,
enfim uma maior igualdade económica, soa quando assim for, é que
estará completo o trabalho. […]
Porque o que nós visamos, o ideal que hoje queremos alimentar e
cimentar, é precisamente o de fazer encontrar-se um povo que caminha
para o futuro a passos cada vez mais gigantescos. É isso a Dinamização
Cultural (Correia et al, s/d-a:76).

Neste sentido, as campanhas cumpririam, também, uma função homogeneizadora


procurando transformar os “camponeses em cidadãos” portugueses tomando aqui de
empréstimo o título da obra do historiador americano Eugen Weber568 (1983 [1976]).
O MFA procurou esclarecê-lo, apelando ao voto nas eleições para a Assembleia
Constituinte, que se viriam a realizar a 25 de Abril de 1975.

Sublinhe-se que a ambiguidade desta paisagem discursiva parece ancorar-se


precisamente na escolha dos “camponeses” como centro mobilizador de práticas e
discursos, entrando em linha de convergência com o regime que lhe antecedeu, o
qual recorreu a uma imagética ruralizante na legitimação do seu projecto político.
Como referem Marx (1975 [1869]) e Gramsci (Crehan, 2004), a ruptura cimenta-se
também numa relação com o passado a partir da qual é possível aceder à
inteligibilidade da mudança. No quadro das campanhas este passado é
conceptualizado numa dupla perspectiva, embora complementar. Por um lado, o
encontro com um passado velado, agora redescoberto, é enfatizado na apologia do
país autêntico e verdadeiro. Por outro, evoca-se um passado opressor, marcado por
recuos e insucessos, tomado agora como elemento de ruptura no processo de
“reconstrução do país”. Note-se que apesar da natureza fracturante das construções
discursivas daqueles que protagonizaram esta iniciativa, legível na forma como
tematizaram o país através dos novos conceitos utilizados e do recurso a diferentes
mecanismos retóricos, estas exprimiram-se, também, com um stock de imagens e
concepções já existentes, dando-lhes outro sentido, procurando, desta forma, garantir

568A obra original intitula-se Peasants into Frenchmen. Contudo a edição que disponho é a
francesa, sendo esta que constará na bibliografia.

259
a sua eficácia569. Os camponeses são assim “ressemantizados” e “reinventados” à luz
de uma mundividencia “revolucionária” na qual se entretecem diferentes de imagens
que ora se confrontam, ora se complementam, num processo de carácter polissémico,
com intensidades diferentes de acordo com quem as constrói, que analisarei de
seguida.

569Como afirmam Castelo-Branco & Branco (2003:15) para o caso do folclore, a passagem do
autoritarismo para a democracia não significou uma ruptura ao nível dos conteúdos,
verificando-se uma continuidade. A bibliografia em torno da dicotomia continuidade vs
ruptura nas mudanças de regime é assinalável (ver Faure, 1989; Lebovics, 1992 e Peer, 1998).
Para o caso português, Leal (2000:47) sublinha a continuidade entre a I República e Estado
Novo ao nível da etnografia e da concepção de cultura popular. Do ponto de vista
historiográfico ver ainda Lucena (1989).

260
Capítulo 13 |Camponeses "reinventados" I. A contra-pastoral
revolucionária

Foto 11 | Picão, Castro Daire, 1975. Anotações manuscritas de Manuel Cruz Fernandes
(Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)

No número comemorativo dos 30 anos do 25 de Abril de 1974, O Inimigo Público,


suplemento humorístico do jornal Público, publica um artigo sobre a acção das
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA no concelho de Nisa,
intitulado “Todos ao salão paroquial para aprender etiqueta revolucionária”. O
artigo, com a ironia característica deste suplemento, notícia que “O MFA envia o 2.º
Tenente de Artilharia Pereira para explicar a Revolução ao campesinato que, ano e
meio depois do 25 de Abril, ainda não percebeu o que se passa”. O mesmo militar
“vai projectar acetatos para, de forma simples e acessível, explicar que o MFA
acendeu a luz sobre a longa noite fascista [...]. O quadro programático do MFA para

261
Nisa inclui lições de etiqueta revolucionária à mesa. Por exemplo: talheres de carne e
peixe é fascizante; comer tudo à colherada é que é igualitário”570.

O tom caricatural desta notícia serve de mote para introduzir a problemática deste
capítulo. Uma das grandes linhas de força subjacentes às Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA assenta na utilização dos camponeses
como categoria da população que permite aceder a uma representação do país
enquanto reflexo dos malefícios do Estado Novo. Camponeses e “fascismo”571
constituem o eixo de um edifício argumentativo fundador de uma imagem que será
estruturante no universo de sentidos que a ruralidade adquiriu no quadro desta
iniciativa.

Tal era aquele mundo! […] Havia um anúncio que tinha umas pessoas que se
encontravam por detrás de uma tela. Viam-se as mãos, viam-se algumas formas. E
eu tenho a impressão que em Castro Daire, como em muitos outros locais, as
pessoas viviam por detrás dessa membrana. (Manuel Cruz Fernandes)572

Ao analisar os discursos produzidos por Salazar, José Gil assegura que a linha
retórica que os caracteriza repousa na “produção do silêncio” (1995:42). Convocando
e invertendo o título desta obra, Salazar: a retórica da invisibilidade, importa sublinhar
que durante o processo de transição para a democracia em Portugal, imperou a
retórica da visibilidade que se alimentou e dialogou com os conteúdos de um
passado ditatorial, denunciando-o e tornando-o público, pondo em “contacto dois
países”573. Como afirmou Eduardo Lourenço neste período assiste-se à “tentativa

570 Inimigo Publico, Público (suplemento) N.º 5143, 23/04/2004, p. 3.


571 Apesar de referenciarem frequentemente os “48 anos de fascismo”, que medeiam os “dois
golpes militares emblemáticos […] da nossa contemporaneidade recente” (Rosas, 1994:10) – a
implementação da Ditadura Militar a 28 de Maio de 1926 e o 25 de Abril de 1974 - os
protagonistas quando fazem alusão ao “fascismo” referem-se ao período correspondente ao
advento do “Estado Novo” e das suas instituições em 1933-1934 até à sua queda em 1974.
Importa sublinhar que nunca fizeram alusões directas a Marcelo Caetano, identificando o
período das ditaduras com Oliveira Salazar.
“Fascismo” surge neste trabalho como um conceito “nativo” pelo que optei por utilizar aspas
quando a este me refiro não entrando nos debates da historiografia portuguesa sobre a
natureza fascista do Estado (ver por exemplo Rosas, 2001 e Pinto, 1992).
572 Recorrendo a uma imagem semelhante, Rui Simões em Bom Povo Português (1980) recorre à

Alegoria da Caverna de Platão para referenciar a “penumbra” dos tempos do regime de


Oliveira Salazar e Marcelo Caetano.
573 Entrevista a Manuel Madeira, 2000.

262
frenética de deslocar a imagem fascista da realidade nacional presente e passada, de
destruir pela raiz o que se supunha mera pintura superficial574 do País” (1988:44).

De facto, procurou-se fomentar uma mobilização “anti-fascista” através da circulação


da denúncia, particularmente evidente na exposição itinerante Portugal, Um Ano de
Revolução, 1974-1975575, co-organizada pela 5ª Divisão/EMGFA através da CODICE,
cujo catálogo contou com a colaboração de Ramiro Correia, entre outros:

48 anos de fascismo. 14 anos de guerras coloniais. 32% de analfabetos. 10%


de população emigrada. Milhares e milhares de mortos e inválidos de
guerra. Índices sanitários dos mais baixos da Europa. Problemas
dramáticos de habitação. Economia desastrosa. Prestígio internacional
nulo. Repressão. Tortura. Censura. Corrupção.
Foi neste clima de tragédia que na madrugada de 25 de Abril o MFA e o
Povo iniciaram a árdua caminhada para a construção da sociedade
socialista em Portugal. […]
O facto de o fascismo português ser, porventura, o mais estéril, o mais
atrasado, o mais feudal dos fascismos, poderá proporcionar-nos a
possibilidade de construir uma sociedade sem grandes convulsões. Poderá
(Portugal, Um Ano de Revolução, 1974-1975, 1975).

Nesta passagem não se exalta um passado idílico, mas um passado opressor. A


linguagem576 utilizada identifica o “fascismo” como o inimigo que urge erradicar no
âmbito de um “projecto de reconstrução nacional”577, sinónimo de “desfascização”578.

574 Itálico no original.


575 Da sua comissão organizadora fizeram parte a Associação Portugal-RDA, o Ministério da
Comunicação Social, da Educação e Cultura, dos Negócios Estrangeiros e ainda a Secretaria
de Estado da Emigração. Esta exposição foi inaugurada a 26 de Abril de 1975 na Galeria de
Belém, tendo sido apresentada em Berlim no dia 1 de Agosto. No território nacional passou
por Évora, Braga, Figueira da Foz, Caldas da Rainha, Lagos e Faro. (Livro Branco da 5ª Divisão
1974-75, 1984: 148-149).
576 Aqui linguagem é entendida num sentido amplo, na esteira de Figes e Kolonitskii (1999),

referindo cantigas, textos, bandeiras, cartazes, emblemas, slogans. Os autores incluem ainda o
rumor, monumentos, vestuário, linguagem corporal, demonstrações ritualizadas pelas
multidões, paradas e outras cerimónias que representem ou mostrem a obediência à ideia de
revolução.
577 Título do Editorial do Movimento N.º 6, 10/12/1974, p. 1.
578 Referindo ao “saneamento”, designação atribuída ao movimento de depuração política que

se seguiu ao colapso do Estado Novo, Costa Pinto alude à combinação do “anti-fascismo” e


“anti-capitalismo” que, não se limitando à esfera política, tornou a ruptura portuguesa mais
clara” (Pinto, 1999:30).

263
Como afirma Elster (1998), nos processos de transição do autoritarismo para a
democracia, os novos regimes ajustam contas com os seus passados pré-
democráticos579. E neste sentido, as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA, a par dos outros movimentos congéneres580, assumiram um
importante papel na denúncia do legado fascista (Pinto, 2004:100).

Para nós as Campanhas de Dinamização foram uma forma de nós falarmos do 25


de Abril às pessoas e dizermos o que representava para nós a revolução […].Nós
falávamos daquilo que tínhamos vivido. //- Eu estive no estrangeiro, tive três anos
lá fora, não podia voltar cá, se voltasse cá era preso. Eu tive muitos amigos que
foram presos. // O Zeca [Afonso] dizia a mesma coisa. Denunciávamos as nossas
vivências e aquilo que tinha sido para nós a mudança magnífica, o ter acontecido o
25 de Abril. O nosso objectivo era caucionar com a nossa presença e com o nosso
testemunho a importância do 25 de Abril. (Francisco Fanhais)

Este objectivo encontra-se desde logo presente no Programa de Dinamização Cultural


que, como foi assinalado anteriormente, hierarquizou um conjunto de linhas mestras,
sendo a primeira a “Luta anti-fascista”581 desenvolvida nos seguintes termos na

Num outro registo, Eduardo Lourenço afirma que com a revolução procurou-se “impor uma
nova imagem de Portugal […] na aparência oposta à do antigo Regime, mas cuja estrutura e
função eram exactamente as mesmas: instalar o País no lisonjeiro papel de país revolucionário
exemplar, dotado de Forças Armadas essencialmente democráticas, considerando os cinquenta anos
precedentes como um parêntesis lamentável, uma conta errada que se apagava no quadro histórico para
recomeçar uma gesta perpétua na qual o salazarismo tinha sido uma nódoa indelével. O salazarismo
desaparecia como um pesadelo, como uma mortalha imposta a um Povo intrinsecamente
democrático […]” (19992:58-59). Itálico no original.
579 Como nota Boaventura Sousa Santos (1992, 1993) apesar do objectivo do 25 de Abril ter

residido na destruição do Estado fascista, na prática foram suprimidas as suas “características


explicitamente fascistas: a polícia política, os tribunais políticos, as prisões políticas, o sistema
de partido único e as milícias paramilitares civis. Fora isto, o aparelho de Estado, com os seus
cinquenta anos de ideologia, recrutamento, formação, e comportamento autoritários,
manteve-se quase intacto” (1993:26).
Para uma perspectiva comparada sobre a verdade e justiça nos processo de transição para a
democracia ver Brito, González-Enriquez & Aguilar Fernández (2004).
580 Sobre este assunto ver capítulo 4.
581 Também a segunda linha mestra “Esclarecimento do Programa do MFA” alude de forma

directa à destruição das características fascistas do Estado:


[…] - Saneamento da política interna […]: Elementos ligados ao fascismo (conscientes e
inconscientes) – sanear uns recuperar outros, sem ódios nem vinganças; Preparação das
eleições. […]
- Extinção da DGS […]: O direito ávida privadas; o direito de discordar.
- Controle das operações económicas e financeiras […]: a economia como arma mais eficiente
da reacção, dado o ordenamento do fascismo: Necessidade de desenvolvimento económico.
- Abolição da censura […]: O direito à verdade.

264
Directiva da 5ª Divisão/EMGFA que institui a CODICE e as Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA:

a) Fascismo: ditadura de uma minoria privilegiada, apoiada pelo grande


capital, sobre a Nação
b) Revolução do 25 de Abril é progressista:
Desenvolvimento e maior justiça social;
c) Elementos beneficiados pelo regime anterior pretendem que a situação
regresse. Necessidade de vigilância contra as manobras divisionistas.
d) Necessidade de acreditar nas FA que garantem que se não volte à
situação anterior
e) Construção de democracia: Respeito pelos direitos da pessoa humana582.

Recorrendo a uma retórica de combate, que assenta na avaliação positiva daquilo que
os inimigos desqualificam ou segregam (Neiburg, 1997:25), os protagonistas das
Campanhas procuravam impor sua visão sobre o mundo social propondo novos
modos de integração do “povo” na sociedade portuguesa. Ao longo do seu período
de vigência, a CODICE procedeu à construção de uma retórica assente num processo
de circunscrição dos seus adversários, sendo a partir do regime deposto que se
“imaginou” a nação (Anderson, 1991) democrática, “desmonumentalizando” o
Portugal dos campos. Esta representação assume uma posição axial sendo transversal
à tríade de imagens em debate, uma vez que legitima a mudança e permitir organizar
posições entre mundividências distintas da sociedade, entre um “nós” e um “eles”.

O excerto supra citado ilustra, também, a forma como MFA, enquanto “locutor
legítimo” (Bourdieu, 1998 [1982]) deste processo de transição política, e as diferentes
estruturas a ele afectas, recorreram a uma “estratégia de auto-apresentação
positiva”583 (Dijk, 2005:24), num discurso valorização de si com o objectivo de criar

- Saneamento […]: A institucionalização de fórmulas de reclassificação de pessoal que


expurgue de reaccionários o aparelho de Estado e instaure uma hierarquia de competência.
[…]”. (Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 6 (Centro Documentação 25 de Abril.
Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”). Para as outras linhas mestras ver capítulo 5.
582 Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 5 (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo

Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
583 Neste processo de construção das representações de “si” e do “outro”, os protagonistas

recorrem frequentemente à utilização de antagonismos. Disso é exemplo a entrevista de

265
um elo de cumplicidade com a população ancorado numa relação de confiança com
as Forças Armadas, que ficaria celebrizada na expressão “aliança Povo-MFA”. Tal
como observou Molero (2002), na sua análise dos discursos do presidente
venezuelano Hugo Chávez, o sujeito emissor do discurso - no presente caso o MFA
surge como um sujeito colectivo -, apresenta-se como um agente de mudança, ao
passo que ao seu oponente político - o “fascismo” e os “elementos beneficiados pelo
regime anterior”584 - são atribuídas as causas do processo de degradação do país.

De facto, através do nexo “camponeses-fascismo” é possível diagnosticar o Portugal


“desmonumentalizado”, surgindo o campo como um lugar a partir do qual se enceta
a crítica do atraso585 do país, próxima do género contra-pastoral586 definido por
Williams (1990 [1973]:27-55). Este refúgio metafórico, no qual a ruralidade se
encontra associada a um universo de sentidos fortemente negativo, é recorrente nos
textos da época principalmente até ao 11 de Março de 1975, momento a partir do qual
a tónica é, também, colocada no anti-capitalismo587 face à opção pelo projecto

Ramiro Correia ao Diário de Notícias, na qual para legitimar as propostas descentralizadoras,


alude aos “centralismos fascistas” (Diário de Notícias, 1/5/1975, p. 13).
584 Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 5 (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo

Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
585 Lains (2003) chama a atenção para a centralidade da ideia de atraso económico na

historiografia portuguesa cujas razões históricas remontam ao século XVIII por altura da
restauração e preservação da independência. O autor referencia a vertente política da retórica
do atraso económico aludindo a Antero de Quental e Oliveira Martins afirmando, também,
que esta surge como “arma de arremesso na crítica da política contemporânea” (2003:18) em
diversas análises sobre ditadura militar (1926-1933) e sobre Estado Novo.
586 Como o próprio nome indica este género estabelece-se numa relação de oposição semântica

relativamente à pastoral, género cuja génese Williams situa na Antiguidade Clássica e que se
caracteriza por uma sedução citadina pelo campo, visto como um espaço de virtudes onde a
adversidade é depurada.
Sobre esta temática ver também a obra incontornável de Leo Marx (2000 [1964]) que ao
examinar a ideologia pastoral americana identifica uma “contra-força” que reforça o carácter
idílico pretendido pelo escritores analisados, recorrendo o autor ao termo “forças anti-
pastorais” para caracterizar a literatura americana sua contemporânea: “[…] Neverthelss, the
term counterforce is aplicable to a good deal of modern American writing. The anti-pastoral
forces at work in our literature seem indeed to become increasingly violent as we approach
our own time. For it is industrialization, represented by images of machine technology, that
provides the counterforce in the American arhetype of pastoral design” (2000 [1964]):26.
587 A par do “fascismo”, a partir desta data serão também o socialismo e o “anti-capitalismo,

os filões centrais dos discursos do MFA o que reflecte uma alteração da sua estratégia política,
fundando uma outra imagem da ruralidade que analisarei mais à frente. Como viria a afirmar
o então Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves referindo-se às cisões no seio do MFA: “Na fase
da luta anti-fascista directa, actuou-se com coerência e unidade, e o próprio processo se

266
socialista. Já os discursos produzidos na actualidade pelos protagonistas da
Dinamização Cultural e Acção Cívica não reflectem esta nuance, organizando-se em
torno da retórica do atraso, interpretando as realidades encontradas como resultado
das políticas do Estado Novo.

O atraso surge, então, como sinónimo de “subdesenvolvimento” adquirindo uma


posição central na época, na sua versão cultural, política e económica. Neste sentido,
vejam-se às declarações de Ramiro Correia no quadro de uma entrevista ao jornal
Sempre Fixe a 21 de Dezembro de 1974:

Arrancar um País ao sub-desenvolvimento económico, cultural e também


político, constitui obra complexa, de envergadura e a longo prazo. A
história não se faz a curto termo. [...]
Está fora de dúvida que em 25 de Abril as Forças Armadas encontraram o
País numa situação de depauperamento. Além dos problemas decorrentes
da guerra colonial, ainda tínhamos os problemas de uma sociedade
subdesenvolvida, económica e culturalmente, como consequência do
fascismo. E de um dos tipos de fascismo mais obscurantista que tem
existido na história. [...]
Herdámos um país em que Lisboa era a capital macro-céfala e o resto do
País vivia completamente vazio, pela emigração, pelo sub-
desenvolvimento absoluto. Estamos a procurar agora – e isso tem que ser
feito com o povo, pois não podem ser apenas as Forças Armadas – uma
descentralização que procure regionalizar o desenvolvimento económico,
social e cultural.588

encarregou de isolar e eliminar os que o contrariavam. As dificuldades agudizaram quando a


questão principal passou da destruição do fascismo para a construção do socialismo. (Chefe
do Estado Maior da Armada; Centro de Dinamização e Esclarecimento da Armada, 1975,
“Aliança Povo/MFA. Documento de Análise Política apresentado na AMFA 8/9 de Julho de
1975 pelo Primeiro–Ministro Vasco Gonçalves e Aprovado na Generalidade”, p. 2. (Arquivo
particular de Manuel Madeira).
588 Sempre Fixe, 21/12/1974, pp. 1 e 5.

267
13.1. | Cultura e “fascismo” ou o “o mito do bom camponês”

Contudo, relembre-se que a CODICE e o seu documento fundador são criados para
debelar o “subdesenvolvimento cultural” do país legitimando a proposta de
descentralização cultural. Dias antes da apresentação oficial do Programa de
Dinamização Cultural, os seus responsáveis promoveram um encontro na Cooperativa
Árvore, no Porto, com as associações e representantes do sector da cultura desta
região do país. Por esta ocasião, Ramiro Correia afirmou:

As F.A. têm consciência de que a situação cultural do povo português neste


momento, pode impedir o desenvolvimento necessário do processo de
democratização do país, em curso. Por isto nós verificámos que haveria
necessidade de intensificar a nossa acção neste sector. […] Parece-nos que
isto é importante porque esta democratização só pode ser conseguida
através da colaboração do povo. Já desde o início quando logo após o 25 de
Abril equipas do MFA se dirigiram a vários Ministérios, uma delas foi para
o MCS. […] E essa equipa designou-se como Comissão da Cultura e
Espectáculos. Abolimos a palavra popular. Não é inocente a abolição da
palavra «popular». Logo necessariamente com aquela abolição, nós
demonstrámos a nossa rejeição absoluta da política cultural fascista.
Porque quando o fascismo falava em cultura popular, era com aquela
mentalidade com que nós vamos ao jardim zoológico. Eram uns tipos que
andavam aos saltinhos, que andavam nas cantorias e portanto era, havia
uma cultura elitista e uma cultura popular. Nós rejeitamos inclusivamente
isso. Achamos que a cultura é um suor do povo, é um trabalho e é dentro
destes parâmetros que tem que ser equacionada em Portugal (Livro Branco
da 5ª Divisão 1974-75 1984:101-102).

No mesmo sentido, num artigo publicado no Movimento que noticia a recém-


apresentada Dinamização Cultural é afirmado:

Os fascistas cantavam (e cantam) as virtudes do bom povo português e


daquilo a que chamavam Cultura Popular, onde viam iluminadas todas as
raízes profundas da raça589.

589 Movimento, N.º 4, 12/11/1974, p. 1.

268
No Editorial deste mesmo número deste boletim esta ideia é reforçada:

[…] A cultura é sempre condicionada pela sua época e representa a


humanidade na medida em que corresponde às ideias e aspirações, às
necessidades e esperanças de uma determinada situação histórica, cria
também uma procura constante de desenvolvimento.
A cultura é uma arma perigosa para os sistemas opressivos, pois que leva a
uma compreensão dos fenómenos sociais, que cria nos homens necessidade
de alterá-los. A medida que se dá o progresso da ciência e da técnica, as
sociedades têm também que ir acompanhando este desenvolvimento de
modo a adaptarem-se às novas relações de produção.
Esta a razão de se ter vivido durante 48 anos no obscurantismo e
concomitantemente o desenvolvimento do País ser dos mais baixos da
Europa. Havia que manter as relações de produção no estado em que
estavam, para não haver necessidade de alterar as relações sociais e,
portanto perderem-se os privilégios adquiridos.
Cultivava-se o mito do «bom camponês», ao qual restava «saber ler e
escrever, para ser feliz…».
A cultura era restringida a elites localizadas em centros privilegiados, e
desligados dos problemas reais590.

Meses mais tarde, no I Congresso dos Escritores Portugueses realizado em Maio de


1975, o então Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, no seu apelo à participação dos
intelectuais portugueses na construção do Portugal democrático e socialista, afirma:

Eu julgo que a missão fundamental hoje dos escritores é tornar letrado o


nosso povo, não só o povo que é analfabeto, mas mesmo os outros que
precisam de ser letrados, levar o conhecimento ao povo, levar o
conhecimento às pessoas […]
Mas levar uma cultura ao povo, que ele entenda, não é abastardar, não é
abastardar o escritor, não é pedir-lhe que abastarde a forma, de maneira
nenhuma […].
Parece-me que é tornar letrado o nosso Povo, explicar ao nosso Povo o que
tem sido a vida dele, os problemas que tem à frente para vencer, o que é a

590 Movimento, N.º 4, 12/11/1974, p. 1.

269
Revolução, o que é a vida quotidiana neste momento da situação
revolucionária […].
São os senhores que têm que fazer a cultura. Não é o Conselho da
Revolução que vai fazer cultura, nós não temos lá intelectuais. São os
senhores que têm de fazer a cultura (Gonçalves 1976:204, 206, 207, 209).

Referindo-se à cultura popular, não propõe a supressão de adjectivações, procura


antes dotar o conceito de conteúdos concordantes com uma ordem reclamada
socialista, desmontando o conceito a partir do ponto de vista do regime anterior:

[…] há outro termo que às vezes assusta certas pessoas ao ouvirem falar de
cultura popular; julgam logo que é a cultura do «faduncho» ou do folclore
de 3ª categoria; não é nada disso. Quando se fala em cultura popular,
aquilo que nos caracteriza é de facto o interesse pelas classes mais
desfavorecidas da população (Gonçalves 1976:210-211).

De facto, os documentos preambulares que enquadraram a Dinamização Cultural e


as declarações proferidas na época pelos seus responsáveis sugerem a apropriação do
conceito de cultura591 e das suas ramificações, como o conceito de cultura popular na
tematização do estado de decadência do país592, ilustrando a sua utilização por parte
de diferentes agentes políticos (Klimt & Leal, 2005:6) que os manipulam na
legitimação das suas agendas.

Como ficou demonstrado na Parte II deste trabalho, as Campanhas antes de


adquirirem um carácter mais pragmático com a implementação da Acção Cívica,
delinearam como objectivo uma intervenção na área da cultura, granjeando o
interesse de diferentes intelectuais. Como sublinharam Verdery (1991:89) e Faure
(1989:135), as diferentes linguagens artísticas espelham os movimentos da sociedade
e são recuperados ou proibidos pelos poderes. Todos os novos regimes e novas

591 Este conceito em torno do qual se edificou a Antropologia (Geertz, 1996 [1973]: 19],

transpôs as fronteiras cada vez mais porosas da disciplina, circulando e integrando o stock de
ideias de públicos variados e não académicos (Wolf, 2001c: 399). Como sublinhou Marshal
Sahlins: “La cultura, el vocablo mismo o algun equivalente local, está en los lábios de todo el
mundo. (cit in Kuper (2001:20).
592 Ao mesmo tempo que este conceito é empregue na “desmonumentalização” do país, é

também recuperado para o magnificar, como ser verá no próximo capítulo, não possuindo
esta paisagem discursiva margens seguras uma vez que convoca o mesmo conceito
perspectivado sob os seus diferentes universos de significado.

270
ordens políticas tentam captar os intelectuais e os seus “talentos” na legitimação da
sua liderança, e o MFA, através das suas Campanhas de Dinamização, não foi
excepção.

Uma das características que mais distingue esta paisagem discursiva é a sua
ambiguidade. Sublinhe-se que ao mesmo tempo que é afirmado que a “cultura não se
impõe; a cultura nasce do povo” sendo a Dinamização Cultural uma tarefa de “levar
ao povo o que é do povo”593, os protagonistas desta iniciativa acabam por propor uma
transformação deste estado de “subdesenvolvimento cultural” desculpabilizado pela
herança do regime deposto que “fazia chegar ao povo uma cultura enlatada que
servisse um fim político” (Correia et al, s/d-a:17). A proposta da CODICE ancorava-
se em ideias e práticas unificadas a partir de uma cultura “anti-fascista”, dotando o
povo de condições para “activar” as suas práticas culturais, através do projecto de
descentralização cultural. Desta forma, atente-se às palavras de Vasco Pinto Leite, no
já referido encontro na Cooperativa Árvore realizado no Porto:

[…] a cultura existe e no fundo é preciso activá-la para que ela apareça.
Mas a cultura não se leva nas algibeiras, a cultura tem é que ser transmitida
pelas populações de cada região. […].
Pretendemos fazer espectáculos, espectáculos dos quais resulte um
esclarecimento progressivo cultural e político e do debate desse
espectáculo muita coisa surge, muita coisa se esclarece precisamente de
dentro para fora. Depois vamos utilizar o cinema, a rádio, a televisão, o
teatro, as artes plásticas, os escritores, enfim, toda uma gama de
actividades culturais que cada um dos que vive esses problemas está em
condições de sugerir ideias, diversos tipos de programas que poderemos
utilizar em cada local (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:103).

No contexto de uma narração negativa da nação o projecto de descentralização


cultural serviu também para pensar o atraso cultural do país e criticar a “política
cultural fascista”. E são as palavras de Mário Dionísio, transcritas da revista Litoral,
que são resgatadas na Introdução ao livro MFA, Dinamização Cultural e Acção Cívica
para enquadrar as Campanhas na Revolução Cultural que se pretendia operar no
país:

593 Movimento, N.º 4, 12/11/1974, p. 1.

271
[…] A necessidade duma Revolução Cultural passou a estar em todas as
bocas. Não há discurso ou artigo que não se lhe refira. Revolução e Cultura
não poderão separar-se. [...]
O primeiro problema a pôr é sem dúvida este: porque nos preocupamos
com a Cultura em plena Revolução? Que papel é o seu depois da queda do
poder fascista? A que vem misturá-la com actos decisivos e de maior
importância, de carácter político e económico, como a melhoria de
condições de vida das classes trabalhadoras, controlo da produção, reforma
agrária? A reposta só pode ser uma: é que a Revolução não visa apenas
alterações económicas, aumento do bem-estar social, visa também uma
transformação de mentalidade tão indiscutivelmente necessária que, sem
ela, a Revolução não atingirá os seus objectivos máximos…
… O obscurantismo e o abastardamento de toda a cultura que o fascismo
promoveu tornam urgente a actuação no campo cultural em termos de
dinamização, o que só por si exclui qualquer ideia de transmissão passiva
de conhecimento ou de influências artificiais concebidas, num sentido ou
noutro, e impõe uma interpenetração de todas as formas de cultura: no
ensino, oficial ou não, na criação popular e na «elite», na investigação em
todos os aspectos. E, nelas todas, em todos os sectores e em todos os níveis,
o estímulo e a defesa do espírito crítico e da verdadeira participação
(Correia et al, s/d-a: 16:17).

Neste conjunto de passagens é possível identificar a polissemia do conceito de


cultura numa alusão clara à grande trave mestra do discurso do MFA: o “fascismo”.
Reflexo dos grandes acontecimentos que marcaram a história europeia, o conceito de
cultura constitui um importante tópico de debate ao longo século XX em áreas
distintas (Mulhern, 2000), assinalando os diferentes teóricos a sua ambiguidade e
complexidade. Zigmunt Bauman (1989:81) reitera, contudo, que a trivialidade que a
ideia de cultura adquire na nossa contemporaneidade contrasta com um tempo, o
século XVIII, no qual foi objecto de descoberta e indagação. Nas palavras do autor:

The concept of ‘culture’ was not coined until the eighteenth century. There
was nothing before in the learned language, not to mention everyday
language, which even remotely resemble the complex world-view which
the word culture attempts to capture. This fact is shocking; it is also
puzzling and intriguing to a contemporary reader, to whom the
‘fashioning’ of humans by their societies is one of the trivialities of

272
existence. Today’s triviality, nevertheless, was once a discovery, and one
which truly revolutionized the way human life was perceived (1989:81).

Raymond Williams (1977) explica esta complexidade através da contextualização


histórica do próprio conceito, destacando a emergência da ideia de “civilização”594
forjada no Iluminismo. Neste sentido, o conceito surge associado à ideia de progresso
e de desenvolvimento, a algo que se conquista como resultado de um processo
educativo:

‘civilization’ […] expressed two senses which were historically linked: an


achieved state, which could be contrasted with ‘barbarism’, but now also
an achieved state of development, which implied historical process and
progress (Williams, 1977:13).

Segundo Crehan (2004), o significado da palavra é, também, herdeiro do surgimento


das diferentes formas de nacionalismo no século XIX na Europa, num movimento
“nativista” de um conjunto de países (Burke, 1981:217), alguns sob domínio
estrangeiro, que procuravam revivificar a cultura tradicional no processo de
consolidação das nações modernas. Este movimento viria a dotar o conceito de outro
significado, central para a Antropologia595, no qual cultura surge como a “forma de
vida de um povo”. O surgimento deste movimento encontra-se relacionado não só
com o Iluminismo, mas também com a emergência do Romantismo que, ao opor-se
ao primeiro, tornava central a ideia de tradição. Como reiterou Wolf (1999), a maioria
dos conceitos fundadores das Ciências Sociais emergiram de lutas pela distribuição e

594Cf. problematização de Bauman (1989: 81-95) sobre esta questão.


595 A versão antropológica do conceito foi-se sofisticando teoricamente como resultado das
transformações aceleradas da contemporaneidade. De acordo com Dirks, Eley & Ortner
(1994:4-5), a noção de cultura tem sido objecto de novos entendimentos decorrentes da sua
articulação com os fenómenos históricos e com o poder, o que implicou necessariamente o
diálogo com outros campos disciplinares. Os autores apontam três caminhos na
problematização desta metamorfose. O primeiro relaciona-se com a sua expansão a partir da
concepção de discurso de Michel Foucault e da noção de hegemonia de Gramsci. O segundo
assenta na desconstrução da ideia de durabilidade associada ao estudo das “sociedades
tradicionais” reforçando a necessidade de incorporar uma perspectiva diacrónica na análise
das configurações culturais. Finalmente, a terceira perspectiva propõe uma versão alternativa
às ideias de coerência e consistência interna que se encontravam subjacentes ao conceito. A
nova proposta reside na perspectivação da cultura nas suas dissonâncias, isto é, como
discursos múltiplos coexistindo com outros campos de interacção e conflito.

273
controlo do poder sintetizando da seguinte forma a tensão entre “Razão” e
“Tradição”, ideias estruturantes do pensamento moderno ocidental:

Revolutionary and Imperial France asserted dominance over Europe in the


name of rationalism, secularism, and equality; the Germanies responded
with traditionalizing and «spiritual» countermovements in the name of
«culture» (1999:64)596.

Para além dos dois núcleos de significados referidos, cultura surge no final do século
XIX e no início do século XX como produto da actividade intelectual, sobretudo
artística, para ser consumido por audiências especializadas aproximando-se da noção
de “high culture”, reconduzindo o conceito de cultura ao saber, “um processo no
decorrer do qual o indivíduo pensante estimula as faculdades do espírito” (Rioux,
1998 :17).

Na esteira de Williams, agora em Keywords: a Vocabulary of Culture and Society (1983),


importa deter-me nesta tripla significação597 uma vez que é possível identifica-la na
paisagem discursiva em análise, nomeadamente no debate em torno da versão
cultural do atraso, alicerçada na rejeição da política cultural do regime político
anterior marcada pela crítica à dicotomia cultura popular-cultura de elite.

A crítica ao movimento folclorista do Estado Novo598 subjacente aos discursos de


Ramiro Correia, de Vasco Gonçalves e ao artigo do Movimento, discordantes quanto à
utilização do termo “cultura popular” face à sua conotação com o regime deposto,
têm eco nos discursos actuais dos protagonistas da Dinamização Cultural, nos quais
o seu posicionamento face ao que equacionam como folclore e cultura popular funda
um campo discursivo fortemente negativo.

596 Ver também pp. 285-291 onde o autor retoma esta discussão na análise da relação entre
cultura e poder.
597 Williams reitera que é a diversidade e sobreposição de significados que é significante. A

complexidade de significados envolve uma argumentação complexa sobre as relações entre


desenvolvimento humano geral, uma forma de vida específica e as realizações e práticas da
arte e da inteligência.
598 Cf. Branco (1999) para critica ao movimento folclórico em Portugal protagonizado por

Fernando Lopes Graça e Jorge Dias. Sobre este assunto ver ainda Branco & Castelo-Branco
(2003).

274
O nosso papel foi dinamizar esse potencial humano que, de facto, foi ostracizado
por um sistema social que impedia que as pessoas fossem valorizadas. Portugal era
o folclore, era aquela dimensão de bilhete-postal para o urbano ver. (Conceição
Lopes)

Também Manuel Begonha, referindo-se aos objectivos da Dinamização Cultural e às


realidades encontradas, assume uma posição “anti-folclore”:

Entretanto aquilo que nós encontrámos não era surpresa! Porque ninguém ia com
a ideia de folclore […].Era o contrário o que se pretendia era puxar o povo para a
revolução e fazer deles o agente fundamental da revolução. (Manuel Begonha)

Neste sentido, folclore e cultura popular599 surgem como o resultado de um processo


de “abastardamento” da cultura pelo Estado Novo nas palavras de Mário Dionísio
citadas. Apreciada a partir do ponto de vista do “outro”, cultura aproxima-se
também do sentido antropológico clássico, constituindo objecto de debate a partir do
qual que se tematiza o “povo-vítima”, concebido como “objecto de folclore”600:

[...] a nível local, as coisas que eram exibidas, ou o teatro amador que era feito,
como a banda tocava e o que é que tocava, e o rancho folclórico era muitas vezes
condicionado pela igreja, pelo padre, pelo presidente da câmara, pelo cabo da GNR.
//A destruição da cultura popular, foi feita muito antes, condicionada e
direccionada, para as vias que lhes interessava. O teatro popular, de denúncia, de
crítica social, etc., foi destruído e é irrecuperável, aquilo que eram tradições das
aldeias. […] As vestes não correspondiam nada à etnografia e às tradições locais e
eles imprimiam os seus ritmos, as suas visões de bonitinho, de pitoresco,
esvaziando de sentido aquilo que entroncava e enraizava na vida das pessoas.
(Modesto Navarro)

Nestes trechos é possível identificar o cruzamento entre a concepção marxista


ortodoxa de folclore e a perspectiva gramsciana601. Para os teóricos marxistas
ortodoxos, o folclore seria uma extensão do “ópio das massas”, um meio sinuoso

599 O significado atribuído a estes conceitos, nomeadamente ao de cultura popular, rivalizará


com um outro universo de sentidos, num discurso de valorização das culturas locais
problematizado no capítulo seguinte.
600 Movimento, N.º 9, 28/1/1975, p. 3.
601 Faço esta distinção porque apesar de inscrito no quadro do Marxismo Ocidental, António

Gramsci, conjuntamente com outros pensadores (ver Santos, 2006:80) entre os quais os da
Escola de Frankfurt, aprofundou criticamente o marxismo, sofisticando-o conceptualmente.

275
muitas vezes utilizado pelas classes dominantes para manter as classes subalternas
sob o seu poder. Nesta linha, o folclore deveria ser eliminado num processo de
libertação dos “oprimidos”: os camponeses e o proletariado urbano (Dundes,
1999:133). Gramsci acrescentaria outra perspectiva ao afirmar que o folclore constitui
uma forma de aceder à visão do mundo dos “subordinados “. Num texto intitulado
“Observações sobre folclore” reunido em Selections From Cultural Writings, reitera:

Pode dizer-se que, até agora, o folclore tem sido estudado sobretudo como
elemento «pitoresco» … Em vez disso, o folclore deveria ser estudado
como «concepção do mundo e vida» implícita em grande medida, em
estratos da sociedade determinados (no tempo e no espaço) e em oposição
às concepções «oficiais» do mundo […] (cit in Crehan 2004:122).

No contexto da paisagem discursiva em debate os protagonistas da Dinamização


Cultural, ao apresentarem de forma depreciativa a concepção de cultura estadonovista,
acabam por valorizar602 o “potencial humano”, a “vida das pessoas”, ou seja, a
concepção do mundo dos subordinados, negando uma “cultura restringida a elites
localizadas” desligada “dos problemas reais”.

Sublinhe-se que estas ideias são o eco da visão da esquerda portuguesa sobre o
Portugal dos campos reencontráveis nos escritos de Lopes Graça603, mais
especificamente em A Canção Popular Portuguesa (1974) onde o compositor associava a
música popular à ruralidade e autenticidade604, estabelecendo a oposição entre o
“folclore autêntico” e a “contrafacção folclórica”:

602 Como se verá no capítulo seguinte estes conceitos são reciclados de dotam-se de novos
conteúdos num processo de valorização da ruralidade.
603 Sobre o compositor ver Castelo Branco & Toscano 1988.
604 Esta visão era partilhada com Michel Giacometti que viria a sustentar o Plano de Trabalho

e Cultura no ano seguinte já no tempo acelerado da revolução. Como nota Leal (1995b):
“Michel Giacometti, juntamente com Lopes Graça, foi uma das vozes desse processo de
contra-emblematização da cultura popular. O campo em que ambos trabalharam – o da
música popular de expressão rural – é a este respeito particularmente significativo. Como
uma das expressões mais visíveis da acção do Estado Novo no domínio da cultura assentava
na chamada «música folclórica», tratava-se de combater o inimigo no seu próprio terreno,
valorizando estratégias de recolha e análise do «potencial progressista» inscrito na música
popular. E a essa luz que pode ser analisado o peso o peso que nas recolhas e análises de
Lopes Graça e Giacometti têm as canções de trabalho, ou o modo como, ao referirem a música
popular de inspiração religiosa, os autores enfatizam a sua pertença a um universo de

276
[...] o folclore entrou decididamente na berra. [...]
Por toda a parte se formam «ranchos folclóricos», os fornecedores do
repertório musical ligeiro inundam o mercado com os seus «arranjos
folclóricos», as vedetas da rádio brilham no estilo «folclórico», os
restaurantes anunciam «pratos folclóricos» , há os trastes e adornos
caseiros folclóricos – enfim, o folclore invadiu tudo, o folclore tornou-se
uma tineta, uma doença, um modo de vida.
Ora o folclore que se reconhece que se apregoa como tal (e aqui referimo-
nos directamente ao folclore musical, talvez a mais insigne desta folclorite
aguda), o folclore que sai do seu âmbito próprio, que são os campos e as
aldeias, e exorbita das suas funções próprias, que são as de exprimir a vida
e os trabalhos do homem rústico, esse folclore assim posto em evidência e
assim utilizado deixa precisamente de ser folclore para se transformar em
divertimento banal ou servir de mero cartaz turístico; do mesmo modo que
o folclore que se fabrica em série, e de que se tira patente, nunca foi de toda
a evidência folclore, mas puro negócio, pura especulação comercial.
Cremos que vai sendo altura de reagir contra este uso e abuso de do
folclore, libertando-o de toda a casta de deturpações e apropriações
ilegítimas. E isto em todos os seus domínios (Graça, 1974:13-14).

Também a convocação do dualismo “cultura popular-cultura de elite” enquanto


apanágio do dispositivo cultural do Estado Novo, vem legitimar o Programa de
Dinamização Cultural acentuando a necessidade da proposta de descentralização
cultural, e do contacto entre artistas e população, na qual o conceito de cultura se
afasta da óptica antropológica, privilegiando os outros universos de significação já
identificados: produto de um processo educativo ou de uma actividade intelectual.

Estes matizes de sentidos que o termo cultura adquiriu na época são também
identificáveis nas interpretações sobre o “Portugal fascista” dos protagonistas da
Dinamização Cultural entrevistados:

[…] o Estado Novo preocupava-se em vigiar o povo, em ordená-lo, infelizmente em


não o educar. Quando digo Estado Novo, não gosto de dizer todas as pessoas do
Estado Novo, o regime salazarista sobretudo, apostava como os regimes

concepções autónoma da Igreja.” (1995b:55). Sobre o Plano de Trabalho e Cultura ver capítulo
4.

277
hitlerianos, do Mussolini ou do Hitler, apostavam em que o povo não fosse
educado. (José Capinha Gil)

Ao explicar a opção tomada na concepção dos cartazes que desenhou no quadro


desta iniciativa João Abel Manta é cáustico nas apreciações sobre o estado de
“subdesenvolvimento cultural” expressão propalada no Programa de Dinamização
Cultural605:

A minha ideia, quer dizer, a minha arte, a minha maneira de fazer pintura não tem
muito a ver com aquilo. As coisas que faço em termos de pintura, ou o que estou a
fazer agora, são coisas com um carácter mais transcendente. A minha pintura não
é uma pintura de bonecos de traço grosso. Mas comecei a pensar se começo a fazer
coisas transcendentes, como o cartaz da Vieira da Silva, esta gente não percebe
nada, não é? Se eu tiver que desenhar um soldado e um camponês tenho que lhe
pôr um barrete. Adoptei esse sistema e sob certos aspectos talvez tenha sido
criticado por certos críticos que diziam que havia uma inteligência subjacente no
povo, que entendia essas coisas. Eu nunca acreditei minimamente nisso,
principalmente um povo inculto como era o nosso. (João Abel Manta)

Referindo-se aos objectivos do sector do Teatro no quadro da proposta de


descentralização cultural, Vítor Esteves cruza os dois universos de significação:

Do ponto de vista da instrução a maioria tinha a 4.ª classe, se tivesse. Do ponto de


vista da cultura era muito reduzida, entendendo por cultura, um conjunto de
vivências e informações; como informação era reduzida, portanto a cultura era
necessariamente reduzida, neste sentido, cultura/instrução. (Vítor Esteves)

Contudo, importa sublinhar que a partir da primeira campanha, realizada na zona da


Guarda em Novembro de 1974, assiste-se à mudança da tematização do atraso, que
apesar de contemplar a importância da participação do sector intelectual, irá
diagnosticar os “outros atrasos” que a ditadura propiciou, sendo a partir da esfera
política e económica que se concebe e se enceta a crítica do país, subalternizando a
versão cultural presente nos pressupostos iniciais das Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA.

605Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388).

278
13.2. | O que estava “por detrás da tela”? A face visível do
“fascismo”

Este debate vai, então, organizar-se em torno de temáticas particulares reveladoras


da competência dos agentes envolvidos que fazem a apologia dos aspectos positivos
das suas propostas, contribuindo para a construção de um estereótipo do mundo
rural português. Neste sentido, num balanço sobre a primeira campanha intitulado
“Fortalecer as Raízes da madrugada”, publicado no boletim Movimento, podemos ler:

A revolução não é a simples mudança do poder de um grupo político e


económico para outro. Não. A revolução portuguesa é a restituição ao
povo português de tudo aquilo que tem sido espoliado ao longo das
gerações: a dignidade, a justiça social, a dimensão humana. […]
Agora sabemos todos como é difícil a vida nestas terras. Estrada.
Assistência sanitária. Escolas. Agricultura. Indústria. Emigração. Todo um
duro trabalho de reconstrução à nossa frente.
Somos um povo antigo. Temos uma longa história. Já ultrapassámos
inúmeras dificuldades. E falámos de trabalho e de justiça social. De
cooperativismo e de eleições. Das escolas e dos doentes. Da opressão que
sofremos e de um futuro diferente. E trabalhamos juntos. A luz. O
cemitério. Os tratamentos e as consultas. Os troços de estradas. O cinema.
O teatro. As bandas. A música erudita. O circo. E aprendemos muita coisa.
Sabemos bem que no Distrito da Guarda se torna urgente uma acção
decidida para libertar o povo. Vimos e ouvimos os caciques, os ex-ANP, os
ex-Pides, alguns elementos reaccionários do clero solidamente implantados
nas comunidades, explorando a boa fé e o pouco esclarecimento do povo
para, a coberto de mascaradas “democráticas”, o enganarem. […]
Esclarecemos o povo.
E ficámos esclarecidos: […]
- Existem ameaças físicas e um clima de tensão social anti-democrático
mantido pelas estruturas fascistas
- As estruturas fascistas não estão desmontadas jogando com as
dificuldades dos partidos democráticos, as indecisões das forças
revolucionárias, e o pouco esclarecimento político do povo.
- As forças fascistas pensam aproveitar a situação de atraso político e de
dependência económica, para manobras que culminarão no voto do povo
contra os interesses do povo.

279
Sabemos que a realidade política do Distrito da Guarda se estende a outras
regiões do País. E estamos bem conscientes do perigo que representa no
caminho da democratização em que estamos intransigentemente
empenhados606.

Este artigo encontra-se acompanhado por um outro que sublinha a importância da


continuidade desta iniciativa como o ilustra o próprio título – “A Luta tem de
Continuar” – retirado do texto da Ceia II, peça representada pela Comuna no quadro
desta campanha:

[...] O MFA foi esclarecido dos problemas, dos anseios. A Dinamização foi
também trabalho concreto. O cemitério de Sintrão, o pontão em Vila
Garcia, o trabalho junto dos estudantes em Gouveia, a discussão política na
Guarda, este trajecto que leva a assentar a dinamização cultural e o
esclarecimento cívico em bases concretas.
E depois de ajudar a população a resolver os seus problemas, a tomarem
conhecimento dos diversos bloqueamentos que impediam as pessoas a
unirem-se, a trabalhar, a tomarem o futuro nas suas mãos, é nessa altura
que se atinge a compreensão do que é o fascismo e do que será o futuro de
Portugal.
Assim se aprende que a política deixou de ser algo que vem do gabinete de
Lisboa, de cima, toda preparada, levada a Trancoso ou Pinhel pelo sorriso
melífluo do senhor que «mandava no País» [...]
Hoje, percebeu-se que o estado de atraso em que estão certas zonas não é
fruto de qualquer fatalidade, de sermos um «país Pobre»”, mas sim fruto
de uma vontade deliberada de uma política fascista a quem este estado de
coisas servia. [...]
Para os elementos reaccionários seria essencial que o Povo Português
continuasse na ignorância em que 48 anos de fascismo o deixaram. Por isso
estas experiências de dinamização cultural vão abalar, aonde ainda
existam, o cerne mesmo do edifício reaccionário. [...]
Precisamos de nos alimentar do que nos foi roubado durante demasiado
tempo: liberdade de pensar, liberdade de tomar o futuro nas nossas
próprias mãos, liberdade de viver, afinal.

606 Movimento, nº 7, 24/12/1974, p. 3.

280
Liberdade também de ver os espectáculos que a comissão dinamizadora
central levou à Guarda. O da “comuna”, por exemplo, tinha sido proibido
de sair de Lisboa pela censura fascista (aqui duplamente reveladora: como
censura e como tentativa de segregação: Lisboa podia ver mas a Província
não podia).
É que, como se diz no início da “ceia” (que se passa à volta de uma mesa):
- Esta mesa é o nosso país. É o lugar onde o homem sofre, trabalha, ama e
luta. Os senhores sentados à mesa são os que oprimem e exploram o Povo,
são os que jogam com a vida do Povo para seu proveito. Enquanto esta
mesa estiver posta, quer dizer, enquanto o Povo sofrer e não tiver
conquistado os seus direitos, a luta tem que continuar607.

Nestas passagens, o MFA para além de afirmar a sua verdadeira “compreensão do


que é o fascismo”, proporcionada pelo contacto estabelecido com as populações,
cogita, também, o “atraso” das comunidades rurais a partir das estruturas do poder
local do Estado Novo: caciquismo608 e Igreja. Estes são perspectivados como
adversários609 a combater face aos obstáculos que colocavam ao projecto
revolucionário, como também são convocados na construção de um discurso
desculpabilizador do “apoliticismo“ (Riegelhaupt, 1979) do camponês610.

607 Movimento n.º 7, 24/12/1974, p. 6.


608 Segundo Silva & Toor (1988), o caciquismo é uma forma de patocinato político que implica
que determinados notáveis locais exerçam poder através de contactos mantidos com o
aparelho municipal e com os líderes partidários concelhios, distritais e nacionais (1988:55).
Sobral & Almeida, defendem que o caciquismo, longamente identificado com a vida política
portuguesa, referencia um conjunto de comportamentos variados: influência política,
corrupção eleitoral, compadrio, favor, cunha (1982:649).
609 Caciquismo e igreja são, por vezes, identificados com a figura da “reacção”. Como reitera

Veiga (2002) neste período a reacção vai-se metamorfoseando, surgindo constantemente com
novas roupagens. Nas palavras do autor: “Construía-se assim um sistema com uma grande
amplitude de «entradas» – da direita à extrema esquerda – no qual o resultado redundava
sempre num «inimigo»” (2002:71).
Importa sublinhar que uma vez que as regiões destino das campanhas eram caracterizadas
por uma forte implantação destas estruturas, o discurso sobre elas procurava fazer a destrinça
entre o “povo” e a “reacção” tal como é explicitado num dos artigos do Movimento: “[...] O
povo explorado não é reaccionário. É ver o esforço em tentar perceber, em ter confiança, em
procurar informação, em tentar perder o medo, em falar, apesar da geada, apesar dos filhos,
apesar da multidão como em Miranda do Douro.
Ah! Mas o seu medo ainda é fundamentado, como o do homem em Sanfins do Douro, que
antes de contar os seus anseios, garantiu que o patrão, pelo que iria dizer não lhe daria a jorna
na próxima apanha da azeitona. [...]” (Movimento N.º 9, 28/1/1975, p. 3).
610 Recorrendo ao trabalho de José Cutileiro (1977) que argumenta que a “calma política” de

Portugal se devia ao controlo da informação, da educação, do acesso à função pública e de

281
Como assevera Manuel Carlos Silva em Resistir e Adaptar-se. Constrangimentos e
estratégias camponesas no Noroeste de Portugal (1997), na sociedade portuguesa,
predominantemente agrária até meados do século XX, a “população campesina, na
sua maioria, mostrou na arena pública, por mediação da Igreja e dos seus
representantes locais, uma considerável “anuência passiva”611 para com a elite
governante salazarista”(1997:30).

Na verdade, o reclamado afastamento do camponês da esfera política durante o


regime ditatorial de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano, bem como o reforço do
clientelismo de base partidária propiciado com o 25 de Abril, constituiu uma
preocupação central do MFA face ao seu já referido empenhamento no processo
eleitoral. Neste sentido como divulga o Movimento ao noticiar a Operação “Nortada”:

[...] é preciso vencer o que 48 anos de fascismo nos legaram: atitude de


submissão, repulsa pela «política» e mesmo porque não dizê-lo – um certo
reaccionarismo, em alguns inconsciente, mais patente nesta zona do país
do que noutras, baseado em figuras carismáticas, em “pessoas
importantes” da aldeia que utilizam com total despudor a mentira e a
ameaça e os instintos mais primários das pessoas para conseguir leva-los a
aceitar como verdadeiros esses pseudo-democratas.
Que as sessões de esclarecimento são eficazes prova-o o facto de
incomodarem a reacção ao ponto de se terem feito perguntas nas sessões

uma rede policial à escala nacional, Riegelhaupt acrescenta a um outro elemento: “natureza
eleitoral não competitiva do sistema político”. A autora, citando Philip Schmitter, defende que
as eleições serviam mais para evidenciar o descontentamento das elites do que para mobilizar
a população (1979:519). Deste modo, o Estado Novo terá aperfeiçoado um sistema que
encorajava activamente a apatia política da população.
611 O autor sublinha que esta “anuência”, perspectivada a partir da óptica do camponês,

poderia ser concebida como uma forma de resistência silenciosa. Contudo, verificaram-se
conflitos, como as contestações campesinas contra a proibição da produção e venda do
designado “vinho americano”, os protestos locais contra a apropriação estatal ou particular de
baldios, a destruição de pastagens em consequência da plantação de pinheiros e eucaliptos,
que Silva afirma que deveriam ser “esclarecidos pela pesquisa historico-sociológica.”
(1997:30). De facto, dois anos mais tarde surgia o trabalho de Freire, Fonseca & Godinho
(1999) que procurou abordar as formas de resistência de rotina e as formas de acção colectiva
no contexto rural português entre 1926 e 1974.
Na mesma linha, Dupuy (2002), partindo da análise do discurso científico sobre o povo,
nomeadamente da historiografia francesa, defende, à excepção de Michelet, que esta
subavaliou a capacidade do povo de expressar um verdadeiro projecto político. O autor
analisa um período cronológico alargado (do século XVIII ao século XX) procurando
demonstrar a “politica do povo”.

282
de esclarecimento que foram telefonadas de Lisboa para serem postas por
algum representante «local»612.

No mesmo sentido, considere-se as observações do capitão Manuel Cruz Fernandes


responsável pela campanha realizada em Castro Daire, relativas à manutenção das
relações verticais de dependência detalhadamente anotadas nos seus blocos de
apontamentos:

a. Obscurantismo mitológico do povo em geral


Actividade perniciosa do clero, sua ignorância política e desinteresse pelas
realidades sociais. Sua incapacidade de compreensão da dinâmica da
revolução. Seu divórcio em relação ao processo.
Métodos fascistas, de caciquismo, pressões sociais, recurso à posição social,
ao lugar, etc. para a adesão ao voto das populações, anunciando-lhe
tempos apocalípticos, aconselhando-lhe a renúncia a agressão ao
esclarecimento político. […]
d. A miséria generalizada em que os povos se encontram e a sua resignação
criminosamente preparada e mantida:
- ao nível da igreja promete-se a eternidade de resignação e da exploração
psicológica e física
- ao nível dos partidos com a ameaça dos partidos do diabo, que roubam
crianças, matam os velhos, roubam a religião, etc613.

Segundo Pinto (2004), Portugal neste período conheceu uma “conjuntura de


polarização rara” decorrente da “mobilização antirevolucionária da província”
(2004:89) sustentada pela hierarquia da Igreja católica, pela mobilização paroquial em
articulação com a notabilidade local. De facto, as referências à forma como padres e
caciques controlavam a participação política camponesa abundam nesta paisagem
discursiva, sendo transversal às descrições de todas as Campanhas. Atente-se às
considerações de Correia et al (s/d-a) sobre a Campanha de Sernancelhe:

Rica. Rica e marcante foi, para estes profissionais de saúde, certamente a


experiência colhidas nos 15 dias – era a duração prevista da campanha – de
contacto directo, sem barreiras, com o «bom povo» de Spínola, o «pobre

Movimento, N.º 9, 28/1/1975, p. 3.


612

Caderno de apontamentos 1 – 20/03/1975 a 07/04/1975, (Arquivo Particular de Manuel Cruz


613

Fernandes).

283
mas honesto povo» de Salazar, o na realidade ignorante e humilhado povo
trabalhador dos campos da Beira Alta, durante séculos explorado por
morgados e caciques, senhores de toga, de sotaina, de bata branca e outros,
muitos outros, que o rol dos amigos do produto do trabalho alheio é tão
grande, que o camponês não lhe sabe o número ou o nome, mas conhece-
lhe as manhas e ganância. Conhece ou começa a conhecer (Correia et al,
s/d-a:103).

Obedecendo à mesma linha retórica, mas acrescentando elementos que tomam como
referente a Idade Média614, a notícia sobre a pintura colectiva realizada em Viseu,
aquando da Operação “Beira Alta”, ilustra similarmente os danos que a ditadura
provocou:

Atitude extremamente importante para o meio avesso e pouco habituado a


este tipo de iniciativas, porque demasiado retrógrado e fechado, afeito a
figurinos e a modelos antiquados, que não são apenas os do fascismo mas
também e mais concretamente os do feudalismo. [...]
A cidade antiquíssima, das mais bonitas que tenho conhecido. A
população, mantendo-se num lamentável grau de atraso, é muito pouco
esclarecida; dir-se-á que vive adormecida e quase inteiramente voltada
para o passado. Trata-se de uma população ainda virgem, facilmente
manobrada pela reacção. Acontece, porém, que por vezes parecem querer
romper com fronteiras seculares que lhe foram impostas. Pelo menos,
assim nos pareceu num primeiro contacto assaz difícil615.

Esta visão negativizada do povo é comum aos discursos actuais daqueles que foram
protagonistas da Dinamização Cultural que descrevem um Portugal “assustado” e
“conformado”:

As pessoas eram muito assustadas, porque não houve uma dinamização cultural a
sério, [...] porque as pessoas não sabiam muito bem ao que nós íamos. Nós éramos
umas figuras meio exóticas no meio daquilo tudo. Eu tinha a sorte de ser uma
figura muito grata porque era uma mulher cómica e que levava muita alegria e
fazia muitas palhaçadas e, por isso, não tinha uma cariz muito político. [...} O

614 O recurso às analogias com a Idade Média foi alvo de críticas difundidas sobretudo pela a
imprensa local.
615 Movimento, N.º 18, 20/5/1975, p. 4

284
circo sempre foi o circo. Com revolução ou sem revolução. [...] Era um Portugal
muito pobre, muito abandonado, à dimensão de Salazar. [...] Era um povo muito
conformado [...], muito dependentes do ditador [...] (Teresa Ricou).

Justamente em muitas das entrevistas, a par de ser enfatizado o êxito das diferentes
intervenções, é também referida a adversidade inicial das populações:

As populações eram pouco receptivas. Lembro-me inclusive de termos ido de


helicóptero a uma aldeia ali para a zona de Castro Daire, se não estou em erro e só
à noite é que conseguimos contactar com a população. Porque a população teve
medo de nós, pensavam que nós éramos alguns bichos. Mas foram as crianças,
como sempre, que primeiro estabeleceram contacto connosco e através delas
conseguimos entrar em contacto com os pais e acabámos por consegui fazer as
vacinações que queríamos fazer naquela zona. (Fernando Leitão)

Procurando caracterizar o mundo rural português, o então responsável do Gabinete


Técnico da Agricultura da CODICE, numa continuidade discursiva com os
documentos da época destaca o comportamento da notabilidade e clero locais:

Era uma miséria, numa forma mais desumana, um domínio psicológico total pela
igreja, por dois ou três senhores, havia uma subjugação psicológica, física e
psicológica das pessoas. (Manuel Madeira)

Geraldo Lourenço reportando-se à sua experiência na região de Castelo Branco refere


os atritos, que qualifica como situações de excepção, entre os elementos das equipas e
alguns interlocutores locais, responsabilizando os párocos pelas resistências
oferecidas:

Entre a 1 e as 5 da tarde íamos visitar a terra onde íamos a seguir, avisar a escola,
[...] o cabo de ordens, o da Junta de Freguesia e dizíamos: - amanhã à noite vimos
aqui fazer uma sessão de esclarecimento. Pode ir ver se arranja um salãozinho. //
Alguns não nos queriam receber. Perguntavam: -Quem são os senhores? O que é
que o senhor vem aqui fazer? Não conheço ninguém! Vocês aqui não representam
nada, coisa nenhuma! [...] //Houve uma altura em nós nos tivemos que impor: -
Nós estamos a convidá-lo para participar. Se não quiser ir não vai, não pedimos
autorização coisa nenhuma! Se o senhor quiser fazer parte do processo faz se não é
excluído imediatamente. O senhor tem que perceber que o seu caciquismo
terminou aqui e agora. Se o senhor tem capacidade e mentalidade para fazer uma
reconversão de tudo aquilo que se passou até aqui, se não tem perdeu o comboio
aqui mesmo. //Mas isto eram casos excepcionais e, por vezes, não eram bem eles

285
que reagiam. Era o padre que estavam atrás deles. Os padres foram a pior coisa que
encontrámos no terreno. [...] // Naqueles povoados e aldeias pequeninas, onde até
há muita gente, as pessoas dentro das assembleias estavam caladas. Praticamente
nem piavam. Aquilo acabava sempre por volta da meia-noite, uma, duas da manhã
e às vezes éramos assaltados no caminho. As pessoas metiam-se de bicicleta à nossa
frente. E então vinham-nos contar o que é que se passava porque lá dentro tinham
medo de falar porque estava lá o senhor padre, porque estava lá o senhor cacique e
se eles dissessem alguma coisa iam sofrer porque eles lhe deviam favores, lhe
tinham emprestado dinheiro, tinha sido padrinho do seu filho. (Geraldo
Lourenço)

Já Modesto Navarro contextualiza historicamente o atraso político do país:

Com 48 anos de fascismo, e não é só 48 anos, é todo um passado da nossa história,


1383-85, 1640, 1820. Há depois a República desgraçada, não é, 1910 e tal. Há
pequenas iluminações na história portuguesa, e todo este povo habituou-se a viver
na obscuridade, no silêncio, na morte, na não diferença. (Modesto Navarro)

Perspectivado a partir do ponto de vista do “outro”, a constatação da despolitização


do camponês permite aos agentes da mudança política construir imagens sobre a
decadência do país, ao mesmo tempo que, contraditoriamente, irão produzir imagens
rivais que glorificam a sua capacidade de mobilização, como pretendo demonstrar no
próximo capítulo.

Para além destes tropos, a versão “desmonumentalizadora” da ruralidade recorrerá a


um outro: a economia camponesa. A sobrevalorização desta dimensão surge
escorada na alusão à concepção de cultura defendida por Bento de Jesus Caraça na
conferência A Cultura Integral do Individuo, Problema do Nosso Tempo (1933) que o
Movimento publica na sua “Página Cultural”, dedicada “à divulgação de temas
reconhecidos pela redacção de interesse cultural”:

A aquisição de cultura significa uma elevação constante, servida por


florescimento do que há melhor no homem e por desenvolvimento sempre
crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do
quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, uma
palavra, a conquista da liberdade.
E para atingir esse cume elevado, acessível a todo o homem, como homem,
e não apenas a uma classe ou grupo, não há sacrifício que não mereça

286
fazer-se, não há canseira que deva evitar-se. A pureza que se respira no
alto compensa bem a fadiga da ladeira.
Condição indispensável para que o homem possa trilhar a senda da cultura
– que ele seja economicamente independente. Consequência – o problema
económico é, de todos os problemas sociais, aquele que tem que ser
resolvido em primeiro lugar. Tudo aquilo que for empreendido sem a
resolução prévia, radical e séria, desse problema, não passará, ou de uma
tentativa ingénua, com vaga tinta filantrópica, destinada a perder-se na
impotência, ou de uma mão-cheia de pó, atirada aos olhos dos incautos616.

Esta concepção, particularmente cara ao MFA uma vez que enaltecia a dimensão do
“problema económico”, é reforçada, meses mais tarde, nas páginas da mesma
publicação onde a opção pela componente mais pragmática das Campanhas é
justificada do seguinte modo:

Encontram-se as Forças Armadas por todo o País, a desenvolver uma acção


de dinamização cultural, enquanto que por outro lado procuram
consolidar e desenvolver as conquistas obtidas no campo económico.
Torna-se portanto necessário fazer a articulação de um processo de
melhoria das condições materiais de vida dos portugueses, com uma
revitalização cultural, num momento com uma dinâmica revolucionária,
em que os avanços no caminho do socialismo se conseguem por saltos,
tornando difícil a sua compreensão se não acompanhadas por uma
aceleração do esclarecimento político.
Sabemos que o interesse por uma via cultural só poderá ter plena
justificação numa sociedade onde o homem não tenha carências básicas a
satisfazer tanto no aspecto económico, social ou político617.

Note-se que no quadro de uma matriz revolucionária, que procurava implementar


um conjunto de reformas estruturais, o atraso económico diagnosticado pelas
Campanhas de Dinamização Cultural foi utilizado não só para ilustrar os danos do

616 Movimento, N.º 6, 10/12/1974, p. 8. Transcrição da conferência de Bento de Jesus Caraça A


Cultura Integral do Indivíduo, Problema Central do Nosso Tempo (1933:39-40) realizada na
Universidade Popular Portuguesa a 25 de Maio de 1933 promovida pela União Cultural
“Mocidade Livre” que viria a ser publicada no mesmo ano (Caraça, 1933:39-40).
617 Movimento, N.º 15, 22/4/1975, p. 2.

287
regime autoritário, como também para legitimar e potenciar618 a indispensabilidade
de algumas das suas propostas, nomeadamente no quadro das estruturas agrárias.
Neste sentido, vejam-se as reflexões emanadas do Centro Director da campanha
“Maio-Nordeste” já citadas:

[...] Neste distrito, essencialmente agrícola, não há muitos latifundiários,


praticando-se uma agricultura atrasada tecnicamente e de minifúndio. Os
mais ricos são alguns comerciantes (intermediários), profissionais liberais e
antigos senhores absentistas e decadentes.
A reacção apoia-se nestes grupos, no clero, numa boa parte do
professorado e do funcionalismo público. O “cacique” não é forçosamente
um reaccionário e os mais pobres não são forçosamente revolucionários. Os
esquemas válidos no sul não podem ser mecanicamente transportados para
esta região sob pena de cometerem graves erros619.

Publicado no início do Verão de 1975, neste excerto, marcado pela divisão ideológica
entre o Norte e o Sul, os conceitos de “cacique”, “reaccionário” e a relação entre
“pobreza” e “revolução” surgem flexibilizados, verificando-se uma dificuldade em
encontrar uma retórica adequada ao contexto da agricultura de minifúndio. Contudo,

618 Jornais como o Diário de Notícias, Expresso, Diário de Lisboa e República citavam
recorrentemente os artigos publicados no Movimento, amplificando desta forma a mensagem
do MFA (Veiga, 2002).
619 Centro Director, Campanha Maio Nordeste, Bragança, 22/6/1975, p. 2 (Arquivo particular

Manuel Madeira).
Os elementos enunciados no trecho encontram-se sintetizados no documentário intitulado
Sever do Vouga, uma experiência (1971) da autoria de Paulo Rocha, cineasta que inaugurou o
chamado “cinema novo”. Pela voz de Alexandre O’Neill é introduzida a problemática da
agricultura em Portugal, estabelecendo-se as diferenças entre o tipo de produtos cultivados
nos campos do norte e do sul, aliados a uma descrição do tipo de propriedade. A câmara
centra-se num momento de comensalidade de uma família de agricultores. A voz off de
O’Neill canaliza o sentido da imagem interrogando: “Poderão elas ter um nível melhor de
vida?” A resposta vem a seguir: “só através de uma mudança do seu modo de vida,
começando pelo abandono da forma primitiva como cultivam as suas terras, fazendo com que
produzam bem mais do que actualmente”.
Este documentário procura explicar a situação da agricultura portuguesa, marcada pela
emigração, pela parca produção de gado e leite, pela pouca rentabilidade económica das
terras associada à utilização de “alfaias primitivas”, acessos e transportes débeis e uma
população desanimada perante “(...) um trabalho árduo com poucas esperanças de entrar na
velhice.” O realizador acompanha o trabalho de um engenheiro agrónomo na instalação de
uma cooperativa. Aqui o documentário adquire uma nova dinâmica. A contrastar com a
nostalgia da primeira parte, as imagens musicadas por Lopes Graça, adquirem novo ritmo.
De novo a voz de Alexandre O’Neill: “Cultivar a terra é colaborar não apenas com os
vizinhos, é ter o conhecimento e a vontade de trabalhar para o progresso de todos.“ (Filme N.º
1977. Sever do Vouga – Uma experiência, 1971).

288
uma aproximação foi tentada principalmente através do “dossier” dos baldios, uma
das medidas do pacote legislativo relativo às novas politicas agrárias para as zonas
de agricultura familiar situadas no norte e no centro do país.

Desta forma, as debilidades das populações rurais foram diagnosticadas, também a


partir da política florestal do Estado Novo e do seu impacto na economia camponesa,
destacando-se o debate em torno dos baldios apropriado como símbolo da opressão
destas populações:

O roubo dos baldios destruindo os seus padrões económicos e


consequentemente culturais, é um caso exemplar dos processos utilizados
pelo regime que vigorou durante 48 anos. Assim se perdeu uma tradição
de gestão comunal. Assim se perdeu a prática da mútua de gado, do «touro
e bode» da aldeia, do regime colectivo das regas, dos pastos comunais.
Toda essa quebra violenta de pensar e viver colectivamente alimentou a
filosofia individualista que torna essas populações presas fáceis do
caciquismo e do obscurantismo que não cessa de alimentar essas práticas
negativas (Correia et al, s/d:111- 112).

A preocupação em esclarecer sobre esta questão foi particularmente manifesta na


campanha “Maio-Nordeste“ que se dotou de alguma especificidade devido à
importância atribuída ao sector agrícola. O Texto de Apoio N.º 19, da responsabilidade
da CODICE, inteiramente dedicado aos baldios ilustra a importância que assunto
assumiu620:

Os baldios eram terrenos comunitários. […] A ocupação deu-se contra a


vontade dos povos, embora nuns casos os Serviços Florestais tenham
chegado a um certo entendimento com eles, e noutros casos não o tenham
feito ou conseguido, procedendo então à demarcação com auxílio das
forças repressivas. […]

620Os baldios ao mesmo tempo que possibilitam aceder a uma imagem negativa do
camponês, permitem igualmente introduzir uma outra discussão – a colectivização da
propriedade e do trabalho - basilar no quadro da opção pelo projecto socialista, uma vez que
“o baldio era já uma propriedade tradicionalmente colectiva”. Sobre este assunto ver sub
capítulo 14.2.

289
A economia de montanha foi destruída. Talvez o seu fim não estivesse
longe, por outras causas, mas o que de facto acabou com ela foi a ocupação
pelos Serviços Florestais. […]
A política encetada pelo Governo Provisório tem dois aspectos que
interessa considerar na análise da questão “baldios”. São eles o princípio
da satisfação das classes até agora mais desprotegidas, e a via socialista
para Governo do Povo.
“2. Satisfação das classes desfavorecidas
Sem dúvida nenhuma que as populações serranas – as primeiras
interessadas nos baldios – são daquelas mais desprotegidas durante o
longo regime fascista. Nota-se que, na década de trinta, algumas dessas
comunidades tão pouco utilizavam moeda nas suas trocas: prova de que
estavam num estádio de civilização muito atrasado; e as suas condições de
vida […] foram agravadas pela forma como se operou a ocupação dos
baldios621.

De facto, organizado em torno das débeis condições de vida dos camponeses, esta
visão testemunhadora do país real, agora despojado dos efeitos cénicos do
“fascismo”, ou da “mera pintura artificial” nas palavras de Lourenço já evocadas,
será deliberadamente hiperbolizada visando apresentar Portugal aos portugueses:

Como sempre, e mais uma vez, constatou-se a penúria das condições


materiais e culturais em que a população é obrigada a exercer o seu
quotidiano [...].
Saídos da noite fascista, a maioria dos portugueses desta zona [Minho]
vivem num ambiente crepuscular, em que o sol da verdadeira e plena

621CODICE, [1975], Texto de Apoio N.º 19, Baldios (Arquivo particular Manuel Madeira). No
mesmo sentido, atente-se a um artigo publicado no Movimento: “A questão dos baldios põe-se
me termos “quentes” desde a década de 40 quando os Serviços Florestais, por força de Lei n.º
1971 começaram a ocupar os baldios serranos, e a florestar. Deu-se então aquilo que se pode
chamar uma autêntica ocupação colonialista: os povos não foram ouvidos, as suas justas
reclamações foram ignoradas, armas foram utilizadas contra o povo, a florestação fez-se sem
atender aos legítimos interesses locais, a sua economia de montanha foi pura e simplesmente
destruída sem se tratar de a substituir por outras qualquer.
Os Serviços Florestais apressaram o desaparecimento, talvez inevitável, dessa economia – mas
bem adaptada à magreza dos recursos da montanha. Destruíram-na, e, em lugar do leite e da
carne que revertiam para o povo, ficaram as árvores, que reverteram para o Estado. Foi
realmente usurpação.
Tudo isto se fez à boa maneira fascista, consciente ou inconscientemente. […] A política
florestal, como todas as outras, crescendo à sombra e metendo as raízes no fascismo, deu os
piores frutos.[…]” Movimento, N.º 7, 24/12/1974, p. 8. Sublinhados meus.

290
liberdade só agora começa a surgir, por detrás das nuvens sombrias do
obscurantismo cultural e político, do subdesenvolvimento, do
depauperamento económico, na recusa da participação colectiva no
trabalho revolucionário, quer por sujeição económica ou política, quer por
desconhecimento da sua força. Flagelada pela emigração que desenraíza
famílias, ou as separa, a população adormece nos lençóis pagos com
francos, habita casas multicolores pagas com marcos e alimenta-se de
dólares. [...]
Esta realidade, que infelizmente é única e não foi inventada por nós, surge
aos militares que se vêem envolvidos em acções de dinamização cultural622.

Recorrendo a uma retórica anti-bucólica, o MFA auto-valoriza o seu conhecimento do


país autêntico, surgindo as campanhas como uma iniciativa que simultaneamente
identifica e resolve as carências socio-económicas, próximo dos propósitos de uma
“engenharia social”. Neste sentido, atente-se a um outro artigo intitulado
“Dinamização é Revolução”:

As Campanhas de Dinamização Cultural e Esclarecimento Cívico têm


mostrado a triste realidade da situação degradante e infra-humana em que
vivem muitos portugueses.
Nas nossas aldeias parece que o tempo parou. [...] o analfabetismo, a
doença, uma alimentação desequilibrada, as casas apodrecendo como os
anos, eis o que nos mostra a radiografia s[o]cial de grande parte do nosso
povo.
O obscurantismo e a ignorância a que um regime impôs o viver desta
gente, leva-nos na História a alguns séculos de distância e evidenciam-nos
um crime de monstruosas proporções.
A electricidade, a assistência médica, as estradas e a própria escola ainda
não são realidades na vida de muitos portugueses.
Quando se faz o balanço das conquistas já alcançadas com a nossa
Revolução, temos que reconhecer que ela dá ainda os primeiros passos em
muitas das nossas aldeias e que é urgente que ela penetre no espírito e no
corpo de cada elemento da nossa comunidade. [...]
Nesse sentido é tarefa essencial que se descentralize a Revolução e que faça
com que ela penetre em todas as vilas e aldeias de Portugal [...]623.

622 Movimento, n.º 11, 25/2/1975, p. 3.

291
Reforce-se esta imagem voltando aos cadernos disponibilizados por Manuel da Cruz
Fernandes onde se encontram presentes as suas inquietações, as questões que foi
resolvendo e as realidades que o chocaram. Relativamente a uma aldeia de Castro
Daire escreve em 25 de Março de 1975, logo no início da acção neste concelho:

Rapariga de 40 anos, nua da cintura para baixo, enjaulada. Tem um irmão


polícia, que assusta a mãe que dizendo que lhe matam. Parece que o
problema é de herança. Ninguém a visita624.

O discurso legitimador das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do


MFA assentou na constante denúncia das realidades encontradas tornando-as
visíveis, próximo do olhar de Luís Buñuel em Las Hurdes. Tierra sin Pan (1933). Este
documentário é inclusivamente convocado por um dos responsáveis da CODICE ao
descrever as aldeias da freguesia de Covas do Rio, no distrito de Viseu:

Os núcleos populacionais são diminutos, não ultrapassando os 300


habitantes, e nalguns casos, escassas dezenas. Vivem da agricultura e o
milho é a cultura de maior significado económico, pois que as restantes se
destinam a consumo próprio. Esbulhada a população dos seus baldios
pelos Serviços Florestais, a pecuária que há 20 ou 30 anos era importante
fonte de receita do camponês tornou-se irrelevante. […] A propriedade é
de reduzidas dimensões, possuindo cada família várias leiras. A dieta é
pobre, por monótona e carenciada.
A habitação, de granito ou xisto e com cobertura de lousa é, na maioria dos
casos desconfortável. […] Não existe distribuição de água ao domicílio,
rede de esgotos e transportes públicos. A nenhuma aldeia da freguesia de
Covas do Rio se pode chegar de outra forma que não a pé. As aldeias de
Covas do Rio não têm electricidade e quanto a telefone, há um único posto
público na sede de freguesia. As ruas, sem pavimento, atapetadas de urze
putrefacta, os mostos transportados às costas por veredas e desfiladeiros,
escolas em ruínas, habitações em que homens e animais têm abrigo

Movimento, n.º 11, 25/2/1975, p. 3.


623
624Caderno de apontamentos 1 – 20/03/1975 a 07/04/1975 (Arquivo Particular de Manuel Cruz
Fernandes).

292
comum, recordam ao visitante citadino, o documentário de Buñuel sobre as
Hurdes. (Correia et al, s/d:112- 113) 625.

Esta iniciativa procurou galvanizar a nação para o projecto revolucionário recorrendo


os seus protagonistas à produção de narrativas sobre o país numa intenção quase
fotográfica que sugere o realismo das fotografias produzidas no quadro da Farm
Securituy Administration (FSA)626 na América dos anos 30, sob os auspícios das
políticas propostas pelo ”New Deal”. Como referiu, Arthur Rothstein, um dos
fotógrafos da FSA, a ”tarefa era documentar os problemas da Depressão de modo a
justificar o pacote legislativo do ‘New Deal’ criado para aliviar esses mesmos
problemas” (cit in Calado, 2000:15). De certa maneira, o ”New Deal” possui algumas
afinidades com a iniciativa do MFA que aqui me ocupa, uma vez que a par do
trabalho legislativo e pragmático procurou também tornar visível a América da

625 Esta descrição de Ramiro Correia aproxima-se da visão da ruralidade subjacente ao


Inquérito à Habitação Rural organizado pelo Instituto Superior de Agronomia cujos resultados
viriam a ser publicados nos anos 40 do século XX. Para Eugénio Castro Caldas, na
apresentação geral do Alto Minho, as aldeias “(...) constituem conjuntos de aspecto pobre,
senão miserável. (...) Retalhados de caminhos de piso irregular, encharcados de águas (...),
atravancados de lenhas e estrumes – passeio de homens e animais e recreio de crianças sujas,
piolhosas e assustadiças que precocemente saem do berço, a gatinhar, para acompanhar
porcos e galinhas – estes aglomerados populacionais oferecem o espectáculo de quase todas
as condições de que os homens se rodeavam em tempos primitivos.” (Castro Caldas in Basto
1943:74 cit por Leal 2000:152). Para análise detalhada ver Leal (2000).
626 Franklin Roosevelt procurou regulamentar e reformar os vários grupos produtivos e

económicos visando resolver os diferentes conflitos de uma sociedade capitalista em crise.


Para a divulgação das medidas que constituíam o “New Deal” as artes, no sentido lato, foram,
também, convocadas destacando-se a literatura, a pintura e a fotografia. As agências federais
proliferaram, destacando-se três que foram particularmente importantes pelo seu papel de
apoio aos artistas plásticos: a “Civil Works Administration” (CWA), a “Works Progress
Administation” (WPA) e a “Resettlement Administration” (RA). No que concerne à fotografia
esta última agência assumiu especial relevo. Criada oficialmente em 1935, tinha como
objectivos a concessão de empréstimos a agricultores pobres, a assistência e apoio a projectos
de reflorestação, a renovação e fertilização dos solos, a ajuda a famílias para reinstalação em
áreas de “economia sustentável” e a criação de acampamentos para trabalhadores migrantes.
Paralelamente o seu responsável, Rexford Guy Tugwell, professor de economia da
Universidade de Columbia em Nova Iorque, cria uma Divisão de Informação designada
“Secção de História” que visava documentar a América através da fotografia. Em 1937 esta
secção passa para o Ministério da Agricultura onde adopta o nome de Farm Security
Administration (FSA). Com a entrada dos EUA na II Guerra Mundial (1942) a FSA muda
novamente de responsável ficando adstrita ao “Office of War Information”, a agência
governamental de propaganda (Calado 200). Sobre a FSA para além da bibliografia citada ver
consultar também o site da Library of Congress,
http://memory.loc.gov/ammem/fsahtml/fadocamer.html, para aceder às colecções de
fotografias dos mais destacados fotógrafos da FSA. Sobre o papel da designada “arte federal”
nos Estados Unidos da América ver ainda obra de Harris (1995).

293
Grande Depressão através da objectiva de um conjunto de fotógrafos como Dorothea
Lange, Jack Delano, entre outros. Como escreve Brannan, o objectivo do projecto
fotográfico da Farm Security Administration consistia em: “ [...] not just to record
facts, but to make a difference” (2006:9) e, citando um membro da equipa da FSA,
Edwin Rosskam:

Every one of us had been hired not just for talents he may have possessed,
but for his commitement, his compassionate view of the hard life so many
people were struggling against (2006:9).

Neste sentido, como reitera Calado:

A fotografia da FSA reflectia um certo ‘Zeitgeist’ – o espírito dos anos de


1930s na América – uma certa ideologia, uma certa maneira de ver o
mundo. Mesmo artistas tão apolíticos como Walker Evans, cultivadores
duma fotografia limpa e neutra, produziam imagens com as quais se
identificavam as gentes de esquerda (Calado, 2000:17).

Passados entre 25 a 30 anos desta conjuntura histórica, os protagonistas entrevistados


no quadro do presente trabalho são mais interpretativos e reflexivos quando
testemunham sobre o país que a revolução surpreendeu. São parcas as referências
directas ao “fascismo” ou ao regime de Salazar e Caetano, recorrendo-se tenuemente
ao mecanismo retórico do contraste entre o passado autoritário e o agora, também já
pretérito, tempo da revolução.

As suas descrições centram-se numa ruralidade plena de adversidades onde o


destaque é atribuído à “pobreza económica”627, como o relato de Geraldo Lourenço.
Sentado junto da mesa da sua sala de jantar, a recordação da experiência vivida no
distrito de Castelo Branco é feita com grande comoção emergindo, por vezes, o choro
entre as suas palavras:

A campanha no terreno começava assim: de manhã visitávamos as escolas


primárias. Tenho histórias das escolas primárias... Se eu fosse falar delas...
Assistimos a coisas perfeitamente incríveis. Nem queira saber! Ainda hoje quando
falo nelas fico comovido.[...] A Beira Baixa tem uma particularidade que me

627 Entrevista a Conceição Lopes, 2000.

294
marcou de uma maneira extraordinária. Tinha a maior floresta em pinheiros [...] e
o rendimento daquela gente era maior ou menor mediante o maior ou menor
número de pinheiros e da sua capacidade de negociar a bica da resina. [...] Por
outro lado, encontrávamos imensos filhos sem pai e imensas mulheres sem maridos
que eram emigrantes. E porquê que eram emigrantes? Para procurarem uma vida
melhor, mas fundamentalmente para fugir à guerra colonial. [...] // Só lembrar-me
disto fico transtornado! Naquela zona de Oleiros, Sertã, Vila de Rei, toda aquela
zona que vai de Ferreira do Zêzere até Oleiros é uma zona de muitos pinheiros e
também de imensos medronhos. E então toda aquela gente fazia aguardente de
medronho, que é uma aguardente extraordinária, tinham alambiques, eram
técnicos perfeitos a fazer aquilo, já vinha dos seus avós. Mas sendo uma potencial
riqueza que eles tinham, era a morte cerebral da maior parte daquelas pessoas, e foi
isso que me comoveu. // Quando nós íamos às escolas e víamos as professoras a
ensinar os miúdos a ler. As professoras perguntavam-nos: - Que idade é que vocês
dão a estes miúdos. // - Seis, sete anos. // - Não, este tem catorze e este tem quinze.
// Completamente atrofiados. E sabe porquê? Porque aquela gente levantava-se de
manhã. Os pais tinham emigrado, deixavam os filhos entregues aos avós e as
pessoas viviam do que lhes dava o campo. E as avós iam para o campo e tinham que
levar os miúdos dentro de canastras, que eram um tipo de berço que eles usavam
naquela altura. E os miúdos choravam porque as comodidades não eram boas,
porque se calhar até tinham fome, estavam mal alimentados e, então eles usavam
uma técnica para calar as crianças. Pegavam num bocadinho de pano branco,
chamavam-lhe uma trouxa, e punham um bocadinho de açúcar dentro e metiam
aquilo na boca da criança a chorar, mas primeiro embebiam em aguardente. E as
crianças ficavam alcoolizadas. E as professoras não conseguiam convencer as avós
a fazerem o contrário. Oh! E aquelas crianças nunca foram nada. Nem cresciam,
nem física, nem intelectualmente. Por isso aos treze, catorze anos andavam na 2ª
ou 3ª classe, percebe? Aquelas crianças eram castradas à nascença. Isto era uma
coisa terrível. // Começámos a combater isto, a conversar com as próprias crianças
da escola [...] e nas próprias assembleias. E então começámos a criar uma outra
vertente: era a de saber depois na aldeia, quem é que tinha crianças a seu cargo e
começámos a visita-las. E a partir de determinada altura começámos a fazer ver
que era preciso as Campanhas de Dinamização, em cada grupo, ir pelo menos um
médico.628 (Geraldo Lourenço)

628Importa sublinhar que na brochura intitulada “Unidos, A Saúde na Revolução”,


produzidas no quadro da Dinamização Cultural, mais especificamente para acompanhar a

295
Também, a descrição mais especializada do médico de Fernando Leitão toca em alguns
dos temas focados por Geraldo Lourenço:

Um país do Terceiro Mundo. Mas muito do Terceiro Mundo. Posso lhe dizer que
doenças erradicadas no início do século eu vi-as, o que para a minha formação
técnica foi bom, mas ao mesmo tempo foi negativo, São situações que não deveriam
existir: tétanos com fartura lá em cima em Trás-os-Montes. Uma prática que era
usual naquela região era nas feridas, por bosta de boi. Isto é inconcebível! // Vi
doenças, como desproteinizações graves como se via no Biafra, porque em vez de
darem leite às criancinhas, o leite era para alimentar os bezerros, e às criancinhas
dava-se sopas de vinho e biberões com vinho branco como eu vi em bebés. Lembro
de ver miúdos com cirroses hepáticas alcoólicas com três anos. Vi coisas
indescritíveis pelo atraso. [...]// Certas doenças, como a lepra que só existe em
sociedades muito atrasadas, não é? Pontualmente pode haver casos de contacto,
mas fora disso isso significava falta de higiene e eu vi casos, vi na Beira. [...]// As
campanhas serviram para constatar o atraso em que o país se encontrava.
Estávamos a uma grande distância da Europa civilizada, entre aspas, sobretudo o
interior do país. (Fernando Leitão)

Para alguns protagonistas, as Campanhas possibilitaram uma aproximação a um país


desconhecido como Fernando Simões para quem o “real era assustador” o fez
perceber as razões do fenómeno da emigração. Esta temática constitui um dos filões
desta paisagem discursiva permitindo pensar o “povo-vítima”, tendo sido criado,
relembre-se, no quadro da CODICE um Gabinete dedicado à Emigração.

A escuridão estava lá. A necessidade de dinamização era óbvia a todos os níveis


[...]. Eu estive em sítios que para se fazer uma assembleia tinha que ser com um
gerador para se ter luz. Onde os animais faziam as necessidades para o chão, em
terra batida, Foi uma queda no real e era um real assustador. Teoricamente eu
sabia porquê que as pessoas saíam daqui. [...] Miséria era aquilo! [...] Era um
Portugal muito atraso, muito atrasado. (Fernando Simões)

acção da Brigadas de Educação para a Saúde, se encontram presentes conselhos sobre higiene
e alimentação, contemplando–se o esclarecimento sobre o consumo de vinho e outras bebidas
alcoólicas: “Temos que acabar para sempre com o velho “slogan” fascista de que beber vinho
é dar de comer a um milhão de portugueses” pois que se ele servia, os interesses dos grandes
viticultores, prejudicava por outro lado, intelectualmente milhares de compatriotas nossos
empurrados pelo uso indiscriminado do álcool, para o mundo marginal dos diminuídos.”
Textos de Esclarecimento Popular. Unidos. A Saúde na Revolução [1975], p. 16 (Arquivo Histórico
do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319.2).

296
Também, Manuel Madeira, apesar de ser oriundo do Alentejo, o confronto com a
ruralidade “a norte” teve nele um efeito perturbador:

Era chocante, era chocante. Quer dizer, para mim que sou alentejano e sei o que
era o mundo rural alentejano, com aquela divisão da propriedade e a miséria que
daí decorria. Era a imagem que eu tinha do mundo rural até essa altura.
Entretanto com esta campanha deparei-me com um mundo rural diferente, talvez
não a existência de gente sem terra. Muitas das vezes com um bocadinho aqui e
acolá mas em que a miséria e o estado de deficiência era qualquer coisa atroz […].
// Em Lisboa era o problema colonial e acabava por ser esse o grande problema.
Mas depois quando confrontadas com as situações como aquelas que nós
encontrámos, as pessoas ficavam completamente fora delas. E muitas modificaram
completamente a sua forma de estar perante as coisas e tornaram-se
militantemente dinamizadores e a favor das transformações sociais. Eram situações
de tal ordem desumanas que não era possível escamotear, não era possível admitir
que existissem neste século.[...] Era a miséria na sua forma mais desumana. […]
falta de infra-estruturas a todo o nível, a falta de electricidade, a falta de caminhos,
a falta de água, a água não tratada, o analfabetismo, esta conjugação, era de facto
algo atroz. […] De facto, este país tinha situações gritantes, ainda as tem é certo,
aldeias onde só de helicóptero é que se conseguia lá ir, na zona da serra da Freita e
da Gralheira. [...] [Covas do Monte] era um buraco! O helicóptero para chegar lá.
E eu fui lá de helicóptero e era uma descida terrível porque são covas terríveis
Eram as terras onde a cabra mata o lobo e os mortos matam os vivos. O que é que
isto quer dizer? [o relevo] Era tão alcantilado, que eles, quando alguém morria
tinha que ser levado às costas, e um dia o caixão caiu em cima de um e matou-o. E
a cabra, naquele alcantilado, o lobo não conseguia apanhar a cabra. Isto dá uma
ideia dos extremos que ali se viviam. (Manuel Madeira)

Concatenando a problemática dos baldios com a emigração, afirma:

Foram ocupados os baldios pelos Serviços Florestais. [...] passados estes anos ainda
era uma das questões que nos era posta com muita frequência , ainda era um
problema, a ocupação dos baldios. Não foi por acaso que foram mortos guardas
florestais e os fogos. [...] Foram parte do sustento das pessoas, parte da emigração
ainda se desenvolveu mais por causa disso, e conduziu os que ficaram a uma
miséria terrível. (Manuel Madeira)

De facto, mesmo para quem o atraso do país era familiar, o tom denúncia encontra-se
sulcado nos seus relatos. Evocando as suas raízes transmontanas e minhotas,

297
respectivamente, Modesto Navarro e Manuel Cruz Fernandes afirmam no mesmo
sentido:

Havia regiões que estavam completamente paradas no tempo, onde se viviam


situações até de feudalismo. A serra da Gralheira, por exemplo. Eu que sou
transmontano e fui criado em Trás-os-Montes, houve situações que fui encontrar
no distrito de Viseu que eram altamente chocantes, que tinham a ver com uma
vida, sei lá, velha, completamente parada no tempo .// […] a aldeia da Pena, onde
se refugiavam há anos, há séculos as pessoas que cometiam crimes iam para lá,
eram intocáveis. Covas do Rio, são aldeias onde a gente chega e os animais vivem
misturados com os seres humanos, não há nem sequer aquela separação que eu
encontrei em aldeias de Trás-os-Montes na fronteira com Espanha. Por exemplo,
lembro-me de uma aldeia com telhados de colmo, aquelas lojas, mas por cima as
pessoas viviam. Ora, em Covas do Rio de facto, a mistura das crias com os porcos,
as galinhas na rua, a rua era lodo, era porcaria da pior, as pessoas com mascarras,
tinham manchas na cara de quem não se lavava há 15 ou 20 dias, mas manchas de
sujidade por todo o corpo, na cara sobretudo, nos braços nas mãos, toda uma vida
que não indiciava nada de consciência, da necessidade disto ou daquilo, de limpeza,
de saúde e essas coisas todas. (Modesto Navarro)

O relato Manuel Cruz Fernandes reenvia também para uma temporalidade estática:

Eu nasci há sessenta e um anos numa aldeia daquelas. Aquilo eram retratos da


minha infância. Era como se a minha infância tivesse parado. […] Vi muita gente
descalça em Castro Daire, a carregar os molhos de lenha. Eu tenho aí uma
fotografia que é uma velhota, com uma idade que já não devia fazer coisa nenhuma
com um feixe de lenha na cabeça e em pano de fundo o tribunal, como símbolo do
país do Primeiro Império à custa de prolongar aquilo. O choque é propositado
(Manuel Cruz Fernandes)

Já Conceição Lopes interpreta o país a partir de uma situação de pobreza económica,


enfatizando uma ruralidade simultaneamente abandonada e “resistente” face às
adversidades de um regime ditatorial:

[…] a ruralidade era isolada, abandonada. [...] o olhar relativamente ao rural era
coitadinhos, pobrezinhos, tão tristinhos, tão infelizes. [...] // A pobreza era
económica, não pobreza conceptual. O que havia era um povo abandonado e que
nesse abandono consegue não desistir de existir [...]. As escolas eram um horror, o
frio, um desconforto enorme, mas as pessoas teimam pela sua ousadia de viver
naquele meio agreste. [...] // Eu ia de manhã para as escolas, aliás os militares

298
deixavam-nos todos distribuídos eu ficava nas escolas e depois andava a pé o dia
todo. E depois eram já os miúdos e os professores que nos ajudavam a ir de um sítio
para o outro e andar quilómetros. Aliás os miúdos andavam no Inverno, já tinha
começado o frio, aquilo era muito violento andar de escola para escola, aliás a vida
daquelas pessoas era mesmo muito violenta. […]

Referindo-se aos destinos das Campanhas de Dinamização sublinha ainda:

O norte e centro foram privilegiados pela razão de que estavam mais abandonados,
precisavam mais de construir e ouvir a sua própria voz. Estavam como que
encolhidas a um canto de si próprias a falar pela voz dos outros. (Conceição
Lopes)

De facto, estas construções discursivas sobre a ruralidade desvelam um país


coarctado e ”abandonado” onde o sofrimento do camponês é enfatizado no quadro
de uma luta contra o ”subdesenvolvimento”, na qual os militares e o sector civil da
CODICE afirmavam o seu papel face os problemas sociais, políticos, económicos da
sua contemporaneidade, numa continuidade com o olhar neo-realista sobre o
mundo, reflexo das propostas do “realismo socialista”.

Paradoxalmente, estas imagens negativas da nação rivalizaram com outras que fazem
o elogio da ruralidade a partir da valorização das culturas locais, concebidas já não
como “tradições esvaziadas de sentido”, retomando as palavras de Modesto Navarro,
mas como a “expressão autêntica dum povo”629. Esta “monumentalização” do
camponês far-se-á, também, através do reconhecimento da sua capacidade de
mobilização política visando conquistar a sua cumplicidade para o projecto
revolucionário.

629Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, Programa de Dinamização Cultural, s/d


[1974], (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI,
Pasta Documentação Recolhida Dinamização Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).

299
Capítulo 14 | Camponeses “reinventados” II. A pastoral
revolucionária

Foto 12 | Carvalhosa, Castro Daire, 1975. Anotações manuscritas de Manuel Cruz Fernandes
(Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)

Ao justificar o título de uma das suas obras, Les sens des autres630, no quadro de um
conjunto de interrogações sobre o objecto, o projecto antropológico contemporâneo e
a “morte do exotismo” (1996:12), Marc Augé alerta para a sua dupla significação, na
qual o “outro” é conceptualizado como objecto de sentido, mas também como sujeito,
confrontando-nos, desta forma, com as interpretações produzidas pelos indivíduos
ou pelos grupos, isto é, com as suas “teorias nativas” recuperando Neiburg (1997).
Augé chama, assim, a atenção para o facto de os “outros”, a quem a antropologia
procura dotar de sentido, definirem, também eles, os seus outros.

630A edição que disponho desta obra é a sua tradução castelhana (1996) que assumiu o título:
El sentido de los outros. Actualidad de la antropología. A data original é 1994.

300
No contexto da designada “antropologia repatriada” (Marcus & Fischer, 1986:153) e
da consequente morte do exotismo não doméstico631, a antropologia confrontou-se
com a circulação do seu stock conceptual fora das suas fronteiras, junto de públicos
diversificados. Na verdade, os “outros”, para além de definirem os seus “outros”,
captam e apropriam-se dos conceitos antropológicos.

A investigação vertente é disso exemplo. Os protagonistas das Campanhas de


Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA manifestaram uma “sensibilidade
antropológica”632 ao produzirem discursos sobre o país, descrevendo-o e
interpretando-o no quadro de conjuntura particular, recorrendo aos conceitos
fundadores da Antropologia, como “cultura” - já introduzido no capítulo anterior - e
“outro,” dupla conceptual que assume neste capítulo um papel axial. Desta forma,
atente-se ao relato de Conceição Lopes sobre as virtualidades desta iniciativa:

Outro dos segredos das Campanhas do MFA é que tinham uma cultura do outro.
O outro era o povo. Era a cultura na visão antropológica da existência do outro,
que sabe, que tem uma história de vida, que as suas opções são sempre as suas
melhores opções. Podem não ser as melhores opções para o geral, [...] mas só poderá
saber isso se conviver com pessoas que lhe dêem a ver, por dádiva, por fraternidade
e não por tolerância. (Conceição Lopes)

Veja-se, agora, a descrição da realidade beirã, nomeadamente da “economia


pecuária”, contidas no Relatório da Equipa de Veterinária Militar, assinado pelo
Tenente Coronel Veterinário, Armando António Pires Remondes, referente à sua
actividade no concelho de Castro Daire entre os meses de Junho e Setembro de 1975:

Actuámos num concelho do centro-norte do País, eminentemente rural,


zona de minifúndio, onde o tractor raramente se sobrepõe à tracção animal,
por via das características geográficas dominantes: Terrenos de declive
acentuado e de reduzidas dimensões, separados por vales de regadio

631 Lila Abu-Lughod (1991) reitera que o exotismo é uma operação discursiva, e não um
atributo inerente a determinadas culturas, pelo que a sua transposição no quadro da
“anthropology at home” (Jackson, 1987) assegura a identidade disciplinar da antropologia.
632 De forma análoga João Leal (2000:151), no quadro da análise do Inquérito à Habitação Rural,

utiliza a expressão “etnografia espontânea” para nomear a informação sobre a habitação e as


más condições de vida das populações rurais contida nesta obra.

301
permanente, onde o bovino de trabalho pasta em liberdade, nos intervalos
da lavoura.
Além da espécie bovina, poderemos observar ovinos e caprinos,
geralmente agrupados em pequenos rebanhos, implantados nas encostas
de Montemuro, aproveitando a “erva leiteira” da Primavera e a vegetação
arbustiva nas restantes estações do ano. Como produção consequente,
aparece o saboroso queijo, fresco ou curado, e a carne, cujas características
de sapidez, nunca será por demais estimar.
Famoso pela qualidade do presunto a que dá origem, o porco “bízaro”,
alimentado “à lavagem” durante todo o ano, completa a economia
pecuária do camponês desta região; a “salgadeira” é, praticamente, a única
fonte de proteína animal do pequeno e médio agricultor; “carne fresca”, só
nos dias de mercado, numa vinda à vila, ou para doente a quem o médico
vaticinou como imprescindível à cura ...
Terras de Castro Daire, sem Veterinário há cerca de oito anos, onde as
espécies pecuárias são efectivamente super estimadas pelas razões que
apontei, não poderiam ficar indiferentes à nossa presença. Percorremos
milhares de quilómetros por caminhos incómodos e difíceis, atendendo os
proprietários que a nós, diariamente recorriam. O camponês é sensível,
sobretudo, à prestação de serviços donde resultem efeitos imediatos; tudo
o resto, por bondoso que seja, não passará de “castelo em campo de areia”
que cedo cairá por terra ...633

De facto, as Campanhas de Dinamização assumiram a forma de “revolução portátil”


procurando uma aproximação à “cultura do outro” percorrendo o “Portugal das
aldeias” na tentativa de o conhecer e transformar, reclamando uma metis (Scott,
1998:6) que foi justificando as suas mutações. Em diversos momentos o cuidado em
adaptar as propostas revolucionárias às especificidades do país foi sublinhada pelos
seus altos responsáveis situando os propósitos da Dinamização Cultural no quadro
de um “humanismo português”634. Também Ramiro Correia na longa entrevista ao
jornal Sempre Fixe afirma:

633 Armando António Pires Remondes (Escola do Serviço Veterinário Militar), Relatório,
Lisboa, 27/10/1975, pp. 1, 2. (Arquivo particular Cruz Fernandes)
634 Movimento, N.º 12, 11/3/1975, p. 3.

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Vamos construir este País de acordo com parâmetros nacionais. As vias do
futuro não podem ser inventadas, têm que ser profundamente enraizadas
nas verdades de cada país. (...) Nós partimos de uma situação concreta que
é Portugal. Não podemos inventar um país, temos o País que temos, e é a
partir dele que temos de trabalhar635.

Relembre-se, ainda, o último princípio do Programa de Dinamização Cultural –


Inteligência Política de Actuação – no qual é afirmado que “cada comunidade possui
uma cultura própria que não deve ser agredida” e que o processo de democratização
deveria processar-se “a partir dos problemas efectivamente vividos por essa
comunidade”636. Deste posicionamento dá conta o já referido relatório da Equipe
Veterinária Militar:

[...] Adaptar a nossa conduta à cultura do povo para o qual,


voluntariamente actuámos, respeitando opiniões, convenções, costumes de
tradições, foi nossa preocupação constante637.

No mesmo sentido convergem os discursos da maioria dos protagonistas


entrevistados. Enfatizam a “intocabilidade” da cultura camponesa, afirmando
frequentemente o “respeito” pelos quotidianos das populações:

Os pontos fulcrais [da nossa intervenção] era o respeito pelas pessoas, pelas
comunidades e pela maneira como elas são. Isso, era digamos, era um dos pontos
sagrados, intocáveis […]. (Fernando Simões)

Modesto Navarro sublinha também esta ideia:

[...] no essencial não foi desrespeitada a matriz, as raízes culturais das pessoas. Foi
levado às pessoas aquilo que as pessoas não tinham. (Modesto Navarro)

635Sempre Fixe, 21/12/1974, p. 5.


636 Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388). Esta linha mestra do Programa de Dinamização Cultural foi
analisada no capítulo 9.
637 Armando António Pires Remondes (Escola do Serviço Veterinário Militar), Relatório,

Lisboa, 27/10/1975, pp. 1. (Arquivo particular Cruz Fernandes).

303
Da parte dos altos responsáveis da CODICE esta premissa procurou ser acautelada
com o conhecimento prévio da “etnografia” de cada local. Neste sentido Manuel
Begonha refere:

Antes de cada campanha fazia-se uma preparação e tentava-se que as pessoas


falassem a linguagem de cada sítio com termos próprios segundo as zonas onde
íamos, isto é, uma certa introdução à etnografia.

Referindo-se ao modelo de campanhas itinerantes afirma:

Bom, numa segunda fase foi decidido fazer campanhas itinerantes ou seja pegava-
se numa unidade militar sedeada no terreno, organizava-se aqui em Lisboa uma
campanha destinada a esse local. E para evitar erros e confrontos com a população
de cada local fazia-se uma preparação o melhor possível das pessoas que iam para
essas zonas. Convidavam-se pessoas da zona para dar uma perspectiva cultural,
económica, da própria fala, por exemplo, nessas terras não dizem “25$00”, mas
“uma nota”, pormenores culturais que era preciso conhecer para não dar a ideia
que eram um “chico esperto” de Lisboa que ia impor seja o que for. O que se
pretendia era conversar e mostrar a realidade dos militares, qual era o interesse que
os militares tinham na revolução. (Manuel Begonha)

Se no capítulo precedente a “sensibilidade antropológica” se encontrava subjacente


às imagens “desmonumentalizadoras” (Leal & Branco, 1995) que corroboravam o
diagnóstico do “subdesenvolvimento” do país, neste surge associada ao elogio e
atracção pela ruralidade, pelo que convoco o conceito de “pastoral” (Marx, 2000
[1964]; Williams, 1990 [1973]). Paradoxalmente, na paisagem discursiva em debate, as
narrações negativas da nação convivem com outras que a magnificam e nas quais o
país obscurecido pelas ditaduras é interpretado numa óptica diametralmente inversa.
Ao referir-se à construção e à inauguração de uma estrada em Montemuro, concelho
de Castro Daire, Manuel Cruz Fernandes relata um episódio partilhado por ele e pelo
compositor Carlos Paredes, no qual sublinha o encantamento pela paisagem beirã:

O Carlos Paredes é um romântico. E justamente quando se inaugurou [a estrada


de] Montemuro, Montemuro não tinha electricidade e, nesse dia, com um gerador
iluminou-se a escola. E acontece uma coisa que é um sonho. Há coisas na nossa
vida que é assim: - eu agora queria estar aqui e ter aqui uma pessoa, há sempre
uma pessoa que gostamos de ter por perto. Eu queria que alguém visse aquele
espectáculo. // Montemuro, como todas as terras e as serras que não têm luz
eléctrica, tem uma certa magia. A luz tira a magia e numa noite completamente

304
escura, via-se lá longe, 60 km em linha recta o perfil da Serra da Estrela. E todo
este vale era luar com aquelas sombras pouco definidas, os espaços pouco definidos,
mas de uma claridade. Dava impressão que se via tudo. E dizia, assim, o Carlos
Paredes para mim: - Já posso morrer! (Manuel Cruz Fernandes)

Neste período de transição política era axial o problema da identidade nacional e


política dos portugueses, constituindo o universo camponês um recurso para os
protagonistas desta iniciativa negociarem identidades e sentidos para o país,
apropriando-se selectivamente de alguns dos seus elementos na produção de novas
discursividades. Seguindo Pécaut (1989) e a sua análise do papel dos intelectuais
brasileiros entre 1925 e 1940, importava:

«Organiser» la nation, telle est l’urgence. [...] forger un peuple, c’est aussi
dessiner la culture susceptible d’assurer sont unité (1989:3).

Nesta tentativa de “organizar” a nação foram arquitectadas sínteses sobre Portugal


que integraram elementos contraditórios que conferem singularidade a esta
paisagem discursiva que, por vezes, parece desafiar os diferentes dossiers teóricos
sobre a articulação entre a identidade nacional e a cultura popular de matriz rural.
Este carácter de coincidentia oppositorum638 (Löwy & Sayre, 1995:9) é passível de ser
identificado nas descrições que do camponês são feitas no contexto de uma
conjuntura de mudança acelerada, que pretende fazer uma ruptura como o passado
dos últimos 48 anos, mas que mantém a mesma categoria utilizada pelo Estado Novo
para pensar a identidade nacional639. A cultura camponesa surge como
estruturalmente empobrecida e oprimida. Contudo, quando despojada dos efeitos
cénicos das ditaduras, retoma a sua pureza inicial, sendo-lhe reconhecida as suas

638 Esta expressão é utilizada pelos autores para descreverem o carácter simultâneo ou
intermitentemente contraditório do fenómeno romântico.
639 Miguel Vale de Almeida (Leal et al:1993) ao referir-se ao centramento de Portugal nele

próprio, naquilo que designa como “obsessão continuada […] por Portugal enquanto tal”
afirma: “ […] essa obsessão é que conduz à busca, tanto da parte da etnologia escrita como do
filme etnográfico, da ruralidade, na perspectiva do reconhecimento das raízes. Este discurso
em torno da ruralidade encontrava-se em duas posições ideológicas absolutamente opostas: a
do Estado Novo e a da oposição neo-realista e, mais tarde, de qualquer oposição ao regime.
Ambas procuravam o mesmo objecto de essência romântica, relacionado com as raízes. […]
Essa obsessão com a ruralidade e identidade nacional resulta de uma cristalização a-histórica,
que recusa a própria mudança que em Portugal estava na altura em curso, com a urbanização
do litoral, a diversificação da economia, a dependência total em relação à economia mundo e
em relação ao aluguer das colónias” (Leal et al:1993:103).

305
raízes e a sua “autenticidade”e, deste modo, o camponês estaria apto a corporificar o
novo projecto de sociedade. As palavras de Modesto Navarro sintetizam esta
ambiguidade:

Eu creio que há aspectos positivos e profundamente negativos no comportamento


popular. As pessoas entendiam que tinha acontecido uma coisa e, portanto, outros
se tinham apossado de facto do poder. Estavam no poder com [a] legitimidade que
radicava na experiência dolorosa deles640 ao longo de anos e anos sem verem coisa
nenhuma. (Modesto Navarro)

A problematização desta característica antinómica e fluida das representações da


ruralidade ganha solidez se a colocarmos em diálogo com o conceito de ”romantismo
revolucionário” proposto pelo sociólogo Michael Löwy e pelo crítico literário Robert
Sayre (1995)641, para quem este tipo de romantismo investe:

[…] na nostalgia do passado pré-capitalista na esperança de um futuro


radicalmente novo. Ao recusar tanto a ilusão de um retorno puro e simples
às comunidades orgânicas do passado, quanto a aceitação resignada do
presente burguês ou o seu aperfeiçoamento por via de reformas, aspira –
de uma forma que pode ser mais ou menos radical, mais ou menos
contraditória – à abolição do capitalismo ou ao advento de uma utopia
igualitária em que seria possível encontrar algumas características ou
valores das sociedades anteriores (Löwy e Sayre, 1995:113).

640 Sublinhado meu.


641 Os autores procuram redefinir e sofisticar o conceito de romantismo alargando o seu
espectro ideológico e temporal sintetizando da seguinte forma a sua concepção de
romantismo: “o romantismo representa uma crítica da modernidade, isto é, da civilização capitalista
moderna, em nome de valores e ideais do passado (pré-capitalista, pré-moderno). Podemos dizer que,
desde sua origem, o romantismo é iluminado pela dupla luz da estrela da revolta e do «sol
negro da melancolia» (Nerval)” (Löwy & Sayre, 1995: 34). Itálicos no original.
Löwy & Sayre defendem que a visão romântica, fundada na segunda metade do século XVIII,
ainda não desapareceu. Na segunda metade do século XX, os autores identificaram
configurações românticas no Maio de 1968 em França e noutros movimentos da época, como
os terceiro-mundistas, nos novos movimentos sociais (movimentos ecologista, pacifismo,
feminismo) e ainda na Teologia da Libertação latino-americana, definindo a seguinte tipologia
do romantismo inspirada nos “tipos ideais” de Weber:
1. restitucionista
2. conservador
3. fascista
4. resignado
5. reformador
6. revolucionário e/ou utópico (Löwy & Sayre, 195:92).

306
Na obra Em Busca do Povo Brasileiro, Artistas da revolução, do CPC à era da TV, Marcelo
Ridenti (2000) importa este conceito para a sua análise do movimento cultural e
político do Brasil dos anos 60, princípio de 70, assegurando que neste período a
utopia revolucionária romântica valorizava:

[...] a vontade de transformação, a ação dos seres humanos para mudar a


História num processo de construção do homem novo, nos termos do
jovem Marx recuperados por Che Guevara. Mas o modelo para esse
homem novo estava no passado, na idealização de um autêntico homem do
povo, com raízes rurais, do interior, do «coração do Brasil», supostamente
não contaminado pela modernidade urbana capitalista. [...]
O romantismo das esquerdas não era uma simples volta ao passado, mas
também modernizador. Ele buscava no passado elementos para a
construção da utopia do futuro. Não era, pois, um romantismo no sentido
da perspectiva anticapitalista prisioneira do passado, geradora de utopia
irrealizável na prática. Tratava-se de romantismo, sim, mas revolucionário.
De fato, visava resgatar um encantamento da vida, uma comunidade
inspirada no homem do povo, cuja essência estaria no espírito do
camponês e do migrante favelado a trabalhar nas cidades [...] (Ridenti,
2000:24-25).

De facto, como nota este autor, é desconfortável caracterizar como românticos os


movimentos da esquerda brasileira naquele período642, na medida em que a sua
grande maioria reivindicava o marxismo-leninismo, que sempre renegou o
romantismo, perspectivado como “passadista e idealista” que procurava “retomar
criticamente o legado iluminista pelas lentes do marxismo.” (Ridenti, 2000:56).
Contudo, Ridenti alega a pertinência deste conceito para caracterizar a maioria da
esquerda política e cultural brasileira nos anos 60 e princípios dos anos 70 que
articula a “busca romântica da raízes populares” com o “ideal iluminista do
progresso” (2000:56).

É possível identificar semelhante articulação na paisagem discursiva em análise, na


qual se destacam certas características românticas na revelação das realidades que a
revolução surpreendeu. A combinação do “anti-fascismo” e do “anti-capitalismo”, a

642Para uma análise da relação entre marxismo e romantismo ver Löwy e Sayre (1997: 133-
172).

307
valorização da cultura popular de matriz rural, cuja autenticidade fora perdida ou
ocultada pela acção do Estado Novo, constituíram filões para imaginar a nação
democrática e “progressista”, num movimento de reconciliação de Portugal com ele
próprio. Como notou Canclini (1997:209), a aproximação ao popular não legitimou
apenas a formação das nações modernas, concorreu também para validar outros
projectos políticos centrados na libertação “dos oprimidos” e na resolução da “luta de
classes”.

14.1. | A autenticidade resgatada

Numa obra de 1997, Regina Bendix explora o conceito de autenticidade no quadro de


uma análise aturada sobre o movimento folclórico alemão e norte-americano. À
semelhança do que identifiquei na problematização do conceito de “povo”, a noção
de “autenticidade”, talvez porque nomeia realidades semelhantes, é, na óptica da
autora, um conceito discriminatório implicando a existência do seu oposto:

[...] identifying some cultural expressions or artefacts as authentic, genuine,


trustworthy, or legitimate simultaneously implies that other manifestations
are fake, spurious, and even illegitimate (Bendix, 1997:9).

Nesta linha, importa sublinhar que as imagens e conceitos que consubstanciaram a


critica à política cultural do Estado Novo, identificadas no capítulo anterior
constituem o reverso de uma autenticidade que as Campanhas acabariam por captar
ao longo da sua curta vigência. As sociedades acreditam que são corrompidas (no
caso em análise pelo “fascismo” e pelo capitalismo) tendo que encontrar o caminho
para a construção de um novo projecto político, assumindo a noção de
“autenticidade” um papel crucial nos projectos de transformação sócio-politica
(Bendix, 1997), sendo objecto de reciclagem nas várias conjunturas históricas,
adquirindo uma nova roupagem. E o MFA, através das suas campanhas,
instrumentalizou esta ideia na sua procura de definição da verdadeira cultura
nacional. Neste sentido, relembre-se o Programa de Dinamização Cultural:

Vale a pena insistir na afirmação de que só há uma cultura: a que for


expressão autêntica dum povo, dos seus costumes, do seu trabalho, do seu

308
sofrimento, das suas carências, dos seus anseios, das suas qualidades, das
suas alegrias643.

Também Vasco Gonçalves no já referido I Congresso dos Escritores Portugueses


realizado em Maio de 1975 salienta:

Essa cultura tem que ser elaborada com o povo. Mas não com um ar
paternalista. Tem de se mergulhar nas raízes da vida popular. Eu cito aqui
em toda a humildade, o que nós militares, temos aprendido nas campanhas
de dinamização popular (Gonçalves, 1976:209).

Desta forma, a “cultura autêntica” incluía agora novos elementos oriundos de uma
concepção marxista do mundo, como “trabalho” e “sofrimento”, numa continuidade
com visão neo-realista sobre a cultura popular, que viu o seu território reforçado
nesta conjuntura com o já referido Plano de Trabalho e Cultura644, que procurava, nas
palavras de Giacometti documentar “a vida e a luta do nosso povo” (cit in Branco &
Oliveira, 1993:18). A nação era, agora, imaginada a partir de um universo semântico
que valorizava a resistência das populações às agruras do autoritarismo.

Mas, a noção de cultura propalada pelos “dinamizadores” também enfatizava a


importância das “raízes” e da “tradição” que formavam um “tecido dado” –
tomando de empréstimo as palavras de Ramos do Ó (1999:73) ao trabalhar a noção
de “tradição” no Estado Novo. Na esteira de Oliven (1992), o êxito de uma ideologia,
e a legitimação de uma visão do mundo implica a unificação dos interesses dos
diferentes grupos sociais, para que a mensagem seja crível. De facto, as construções
discursivas subjacentes às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA tiveram que “gerir” a presença destacada da “tradição” 645.

Entendida como um “conjunto de orientações valorativas consagradas pelo passado”


(Oliven, 1992:21), a tradição é evocada frequentemente nas conjunturas de mudança
social na medida em que há que situá-las numa continuidade com o passado.

643 Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, Programa de Dinamização Cultural, s/d


[1974], (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI,
Pasta Documentação Recolhida Dinamização Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
Sublinhado no original.
644 Ver capítulo 4 e 13.
645 Sublinhe-se a centralidade que estes conceitos adquiriram na “Política do Espírito” de

António Ferro (Ver Ramos do Ó, 1996 e Melo, 2001).

309
Contudo, para o MFA o passado demasiado próximo das ditaduras era um tempo
“interrompido” que falseou a realidade, o que permitia, por um lado legitimar a
mudança política, como referi no capítulo anterior. O que se pretendia pois com a
evocação do passado “pré-ditaduras” era uma aproximação ao Portugal autêntico
não contaminado pelo “fascismo”, isto é, seleccionar um “passado relevante”
(Hobsbawm & Ranger, 1994 [1983]:2) para o contexto político que se
experimentava646. Desta forma, atente-se num excerto da obra MFA, Dinamização
Cultural, Acção Cívica:

Não se pretende levar cultura, mas motivar a população para que recupere
as suas realidades através de uma cultura que um povo antigo como o
nosso, efectivamente possui (Correia et al, s/d-a:17).

A evocação da tradição e do passado no quadro desta iniciativa constitui uma das


âncoras de um discurso com características etnogenéticas647 (Smith, 1997 [1991]). Esta
narração etnogenética da nação é possível de identificar não só na centralidade que o
“povo” assume na retórica política do MFA, já identificada no capítulo 12 deste
trabalho, mas também na importância atribuída aos “costumes e tradições
vernáculas” (Smith, 1997 [1991]:26). No período em análise o arquétipo dos novos
sujeitos históricos e o esquema do país democrático tinham, também, como filão uma
cultura popular ancestral cuja autenticidade fora perdida ou ocultada. Neste sentido,
refiram-se as palavras do Movimento no artigo “Fortalecer as Raízes da madrugada”
sobre a campanha da EPAM realizada na Guarda publicado em finais de Dezembro
de 1974: “Somos um povo antigo. Temos uma longa história”648.

646 A relação entre tradição e mudança social passa incontornavelmente pela obra The
Invention of Tradition de Hobsbawm & Ranger (1994 [1983]): “Revolution and progressive
movements which break with the past, by definition, have their own relevant past, though it
may be cut off at a certain date, such as 1789. However insofar as there is such reference to a
historic past, the peculiarity of ‘invented traditions’ is that the continuity with it is largely
factitious. In short they are responses to novel situations which take the form of reference to
old situations, or which establish their own past by a quasi-obligatory repetition. It is the
contrast between the constant change and innovation of the modern world and the attempt to
structure at least some parts of social life within it as unchanging and invariant, that makes
the ‘invention of tradition’ so interesting for historians of the past two centuries. Hobsbawm
& Ranger (1994 [1983]:2).
647 Ver nota 538 do capítulo 12 na qual apresento a definição do modelo étnico de nação

preconozada por Smith (1997 [1991]).


648 Movimento, Nº 7, 24/12/1974, p. 3.

310
Também na actualidade a ideia da antiguidade do país é recuperada. Conceição
Lopes ao explicar “a estratégia para a intervenção comunitária” que procurou
desenvolver no concelho de Castro Daire afirma:

[...] foi a recolha dos contos, das cantigas de trabalho, dos cuidados ao nível da
alimentação, todo um saber, uma sabedoria ancestral […] que é o conceito de
cultura popular e genuína. (Conceição Lopes)

O reconhecimento da ancestralidade e autenticidade da cultura portuguesa649


constitui então um tecido comum, um património a partir do qual os militares e o
grupo “civil” da CODICE poderiam trabalhar. Os camponeses identificados com a
nação pareciam habitar um espaço ancestral e genuíno resgatado pelo projecto
revolucionário, por isso havia que retomar a “tradição cultural das populações”650,
dinamizando-as porque “elas já existiam”. E aqui a proposta da descentralização
cultural e os seus intelectuais assumiram um papel relevante, na medida em a
concepção de “cultura”651, na versão clássica dos “antropólogos”, se funde com a
ideia do encontro entre duas culturas: a cultura dos “dinamizadores” e
“dinamizados”, ambas condicionadas pelo regime político anterior. Vasco Pinto Leite
numa entrevista na qual dá conta dos trabalhos de preparação da intervenção no
arquipélago dos Açores afirma:

Neste primeiro contacto verificou-se uma coisa que nos abre óptimas
perspectivas: há uma tradição cultural grande, há uma ânsia extraordinária
de retomar essa tradição e já há algumas iniciativas isoladas nesse sentido.
Cito, por exemplo, as bandas de música, algumas experiências de teatro-
amador, grupos de bailado (em São Miguel) e até encontramos um cine-
clube na Madeira. [...]
Temos um ponto de vista que me parece muito correcto: ir ao encontro das
preocupações das populações. Isto é, fazer surgir das bases as formas
autónomas de expressão que estão directamente relacionadas com a
actividade específica de cada grupo social, sem qualquer dirigismo,
pretendendo apenas dinamizar, incentivar, apoiar com alguns meios. Isto

649 Para análise da formação da identidade nacional portuguesa como processo histórico ver
Sobral (2002).
650 Título da entrevista de Vasco Pinto Leite ao jornal Sempre Fixe (suplemento ao n.º 18),

30/11/1974, p. 16.
651 Para os diferentes sentidos do conceito “cultura” ver capítulo anterior.

311
para que as pessoas se organizem e digam quando, quando, como e o que é
que querem fazer. Entendemos cultura como a expressão de vida de um
povo e assim a queremos incentivar 652.

O engagement dos intelectuais653 no projecto de descentralização cultural pautava-se,


assim, pelo apoio às diferentes regiões do país na edificação de “centros culturais”,
sendo também justificada a opção pelo mundo rural através da necessidade de
partilha das suas “artes” com o público não urbano. Se a retórica do MFA apontava
para uma “Revolução Cultural”, entendida como uma grande ruptura, os
protagonistas entrevistados no quadro da presente investigação afirmaram que
procuravam partilhar as suas obras dando continuidade ao trabalho que estavam a
fazer, encontrando nas Campanhas de Dinamização e Acção Cívica e no projecto de
descentralização uma oportunidade para tal654:

Havia uma coisa que para nós era muito importante: a saída de Lisboa. É preciso
não esquecer que nós estávamos proibidos de sair de Lisboa, da sala pequena que
ocupávamos na Almirante Reis, na fábrica de cervejas. […] Para mim foi das
experiências mais importantes conhecer o país real. Nós não conhecíamos ao nível
daquilo que nós oferecíamos e como era recebido.// Havia uma tentativa de
descentralização e queríamos aprender com o povo. Nós fazíamos teatro de
pesquisa e fazemos investigação através da voz, do corpo, das emoções, de
acompanhamento humano, de improvisação. Mas há um lado que é essencial que é
nós fazemos teatro para o povo. Público mais jovem, mais velho, erudito, que não
sabe ler nem escrever. Essa experiência ao nível da investigação é essencial. Só esse
contacto directo é que permite isto. O espectáculo incluía uma parte de diálogo.
(João Mota)

652 Sempre Fixe (suplemento ao n.º 18), 30/11/1974, p. 16.


653 Adopto a definição de intelectual veiculada por Ory & Sirinelli (2004 [1987]): “[...]
l’intelectuel será donc un homme du culturel, créateur ou médiateur, mis en situation
d’homme du politique, producteur ou consommateur d’ideologie” (Ory & Sirinelli, 2004
[1987]: 15). A referência a esta categoria e à sua marcada intervenção política reenvia para a
Questão Dreyfuss, momento fundador da emergência do papel político activo dos intelectuais
com destacadas personalidade como Marcel Proust, E. Zola, Anatole France, Léon Blum a
assinarem o Manifesto dos Intelectuais a 14 de Janeiro de 1898 (ver sobre este assunto Ory &
Sirinelli, 2004 [1987], capítulo 1). Sobre as questões metodológicas que envolvem os
intelectuais como objecto de estudo ver Ramos (2004: 108-112).
654 Sobre a descentralização cultural ver capítulo 7.

312
Desta forma, os dinamizadores culturais procuraram transformar a função social da
arte ao estendê-la a novos públicos, ensaiando formas de comunicação que apelavam
à participação dos espectadores. Este posicionamento radicava na experiência
individual de cada um, pelo que as “inspirações” invocadas para o trabalho
desenvolvido com a CODICE formam uma plêiade diversificada. A partir do
denominador comum que era a descentralização cultural, por alguns concebida nos
moldes de André Malraux, os protagonistas entrevistados referem também outras
experiências que vão desde da Agit -Prop655 às experiências teatrais da América
Latina:

Nessa altura viveu-se em Portugal uma parte do chamado teatro de agitação e


propaganda, o Agit - Prop, que foi vivido noutras épocas e países, na Alemanha,
na Rússia e na Itália, em que o teatro funcionasse também, para além de ser um
elemento artístico fosse também um elemento de agitação e propaganda e que
pudesse confrontar com outra realidade. [...] // Quanto a experiências noutros
países penso que nunca há duas experiências históricas iguais, no entanto pode se
ver aí uma série de coisas, no que se passou na Argélia num determinado
momento, no que se passou na própria União Soviética em determinado momento,
no que se passou em 36 ou seguir, nomeadamente à guerra, em França onde já
existiam as preocupações da chamada descentralização cultural. Nessa altura, de
um certo modo, havia um conjunto de experiências históricas que nenhuma delas
servia de referente, nenhuma delas do ponto de vista do modelo era maioritária,
mas havia experiências anteriores em relação às chamadas grandes transformações
históricas; porque é preciso perceber nas Campanhas de Dinamização Cultural é
que se tratava de uma grande transformação histórica e que essas campanhas,
sobretudo nos primeiros seis meses, tinham a ver com esse pressuposto de
transformação real e cultural do país. (Vítor Esteves)

655 Agit-Prop é um acrónimo formado pela abreviatura de “agitação” e “propaganda” e refere-

se ao movimento de propaganda político-cultural subsequente à Revolução de 1917 na Rússia.


Segundo Clark (1997): “The October Revolution was followed by almost four years of civil
war, which saw an emphasis on “agitational propaganda” or agit-prop, a term that described
the more imediate, emotional techniques of propaganda. Of early agit-prop practices, street
festivals and mass-action dramas revealed a version of public art wihich stressed popular
involvement. Aiming to maintain the momentum of revolutionary enthusiasm in the face of
the hardships of civil war, agit-prop groups sought to create an atmosphere of colourful
celabration” (1997:76-77). Este termo também é aplicável ao tipo de teatro didáctico que terá
influenciado autores alemães como B. Brecht.

313
Já José Capinha Gil invoca a importância do filão latino-americano656, afirmando:

Fizemos exactamente o mesmo que hoje se faz. O Ministro da Cultura ainda há


pouco tempo falou da reabilitação dos cine-teatros, na reabilitação dos teatros de
colectividade, na revitalização das práticas culturais comunitárias, no teatro
tradicional português. Portanto, nós entrámos nesse campo bebendo um pouco da
experiência revolucionária do Brasil, Augusto Boal, da Argentina Osvaldo
Dragen, doutros países, do Chile. Tivemos cá um dramaturgo brasileiro que era o
[Alfredo] Nery [Paiva], que escreveu uma peça da sobre a Serra de Montemuro,
onde hoje existe um grupo de teatro. // Eu durante vários meses, 3, 4, 5 meses
praticamente não dormi e tivemos alguns contactos com os movimentos operários e
rurais do Brasil, do Peru, da Argentina e Espanha no sentido de ver como é que
eles desenvolviam a sua intervenção no campo cultural. Na altura utilizava-se esta
palavra intervenção que eu também não gosto, intervenção cultural, utilizávamos
isso. (José Capinha Gil)

Todas estas heranças e processos de transformação política moldaram o


posicionamento do grupo dos intelectuais. Vítor Esteves, referindo-se aos objectivos
do sector do teatro, sublinha não só este ponto de vista, como alude à importância da
revitalização das artes locais:

A ideia de base era descentralizar, entendendo a descentralização como a


confrontação como novos públicos e com públicos que raramente tinham o acesso
físico e real com este tipo de arte e espectáculos. Para além do teatro popular, no
sentido tradicional do termo das pequenas festas, é verdade que nessa época o
teatro já circulava pouco, embora nos anos 50 e 60 tenha circulado um pouco
mais.[…]. Portanto eram estes dois objectivos, por um lado o teatro social
aproximar de outras realidades e o teatro amador aproximar-se dessa mesma
realidade e fazendo apelos a que os próprios criadores, entendendo como criadores
gente não só encenadores, não só actores, mas mesmo autores de teatro, tomassem
contacto com essa realidade e que assumissem ou experimentassem terrenos de
uma outra escrita e não necessariamente uma escrita tradicional. (Vítor Esteves)

No mesmo sentido, no documento “Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos” que
cria o gabinete de Apoio à Dinamização Cultural pode-se ler:

656Sobre o movimento cultural da América Latina no campo das Artes Plásticas, Teatro,
Cinema ver Canclini (1980). Ver também para o contexto brasileiro Ridenti (2000).

314
É pois levar o Teatro a todo lado, técnicos que auxiliam a sua
implementação, o Cinema, as Artes Plásticas, a Alfabetização, a Dança, o
Canto, enfim, a verdadeira revitalização de tudo o que o povo tem de rico,
próprio, que está diluído, disperso, não apoiado ou descoordenado,
desenvolvendo a criatividade popular657.

Este movimento de ir “ao encontro das populações” implicava, então, um


posicionamento ideológico face aos produtos culturais que se pretendiam partilhar e
que serviriam de “elemento mobilizador”. Nas palavras de Carlos Paulo:

Começámos a perceber, e já tínhamos a experiência disso, que a cultura podia ser


um elemento muito forte, muito importante, de mobilizar as pessoas de juntá-las.
// A campanhas foram fundamentais para nós percebermos que tínhamos que ser
um factor de inquietação, de despertar as pessoas para a discussão, para os
problemas, através do entretenimento, do prazer mas ao mesmo tempo um factor
de unidade, entre as pessoas, mostrar que há elementos comuns para lá da filiação
partidária, elementos comuns que têm que ver com o ser humano. (Carlos Paulo)

O relato de Abílio Vieira Marques sobre os objectivos da área do Cinema é


convergente com o anterior:

A minha convicção, por isso é que eu prestei a minha colaboração [...] é que seja a
inclusão nos momentos de encontro, nas sessões [de esclarecimento], de coisas que
vinham de outros países de outras áreas de cultura através de filmes, seja o
envolvimento de artistas plásticos que normalmente dava origem a murais, quer
seja a intervenção de alguns escritores [...], isto lançou uma pista, um caminho [...]
que eu tenho pena que hoje se tenha abandonado completamente ou quase
completamente que é, não a ideia de uma cultura classista de um grupo - os
trabalhadores, ou a classe média ou as elites - mas uma ideia de interacção. O facto
de nos encontrarmos de diversas origens em torno de um estímulo, essa foi a
intenção da passagem de certos filmes ou de certas peças de teatro, isso era
extremamente importe, interessante e enriquecedor. (Abílio José Vieira
Marques)

Contudo, a glorificação do encontro pretendido entre “dinamizadores” e


“dinamizados” não excluía uma atitude “reguladora” do “desenvolvimento da

657 Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 6.

315
cultura popular”658. Disso dá conta um texto de Dominique Lamotte659 apresentado
como “especialista em cultura popular”, que recebeu o título “O Desenvolvimento da
Cultura Popular. O que devemos aproveitar das experiências alheias”. Em tom de
conselho, os responsáveis por esta publicação, a 5ª Divisão/EMGFA, assumem a
introdução ao texto que espelha algumas alterações face aos pressupostos iniciais do
Programa de Dinamização Cultural, reflexo das já assinaladas mudanças que as
Campanhas sofreram ao longo da sua vigência660 e da opção por uma ordem
reclamada socialista:

Antes mesmo de elaborar programas de alfabetização, teatros populares,


decorações murais, etc., é preciso organizar em toda a parte colectivos de
animação cultural compostos pelas três forças essenciais dum país
orientado para o progresso material e espiritual: as massas populares, até
aí cortadas da cultura, mas cheias de entusiasmo, de sensibilidade e de
aspiração à beleza, os intelectuais progressistas, impacientes por servir o
povo e ricos em conhecimento e imaginação, e os responsáveis políticos a
quem cabe, especialmente, avaliar e tomar as medidas necessárias para o
desenvolvimento da cultura popular. Deste modo, Portugal, podia não só
acelerar a elevação cultural de todo o povo como, aproveitando as
experiências alheias, ser um exemplo eminente para as nações que, por sua
vez, se libertarão do colonialismo ou do imperialismo661.

E o texto de Dominique Lamotte, referindo-se às mudanças de regime “que se deram


nos últimos sessenta anos na União Soviética, na China e na Argélia”, alerta para a
grande dificuldade que se repete nestas conjunturas de mudança que reside:

na distância que separa:


As vanguardas intelectuais que estão há muito ao lado do povo e que
possuem devido à sua situação social privilegiada anterior, um rico capital
cultural e um longo hábito de reflexão sobre a cultura popular;

658 Movimento, N.º 18, 20/5/1975, p. 5.


659 O texto foi publicado no seguimento de uma conferência realizada pela autora no Centro
de Sociologia Militar da 5ª Divisão/EMGFA.
660 Sobre este assunto ver capítulo 7.
661 Movimento, N.º 18, 20/5/1975, p. 5.

316
- Das massas operárias e camponesas, com aspirações culturais intensas
ainda muito esbatidas.
Surgem assim dois perigos:
1) As vanguardas oriundas da cultura burguesa e peritas em pesquisas
ousadas para a liquidação dessa cultura e sua substituição por outra,
verdadeiramente ao serviço do povo, propõem com a febre da vitória, mil e
uma iniciativas. Rapidamente se criam rivalidades neste campo que, por
vezes, vão resultar em extravagâncias. Acontece mesmo que, no meio
desses confrontos entre vanguardas, o povo seja esquecido ou, pior ainda,
se escandalize, como aconteceu, por exemplo em Leningrad, em 1928.
Desejosos de manifestarem o seu apoio à liquidação do analfabetismo e
como modo de oposição "revolucionária" aos costumes burgueses, um
grupo de intelectuais ultra-modernistas, homens e mulheres, fizeram uma
manifestação nus a três quartos. Imagine-se o efeito que teve sobre os
passantes, operários ou camponeses, até então habituados à decência mais
rigorosa!
2) Isto leva-me a evocar o segundo perigo, o de pôr de lado as vanguardas
intelectuais e ter em conta apenas os gostos do povo. Com efeitos, aonde é
que essas classes laboriosas, excluídas das actividades culturais, reduzidas
a alojarem-se e a ocuparem-se no maior desamparo, podiam formar o seu
gosto? Como é que exaustos pela procura do pão quotidiano, tinham
tempo para elaborar com precisão as formas e as técnicas duma nova arte?
[…]
Um outro perigo, mais sério do que o aspecto da vulgaridade artística é a
conservação no espírito das massas de preconceitos tão antigos que
parecem ser válidos e, que portanto, se devem manter. […]
Mas então, seja o movimento cultural conduzido pelas vanguardas
intelectuais ou pelas massas populares ou mesmo pelos responsáveis
políticos, se nenhum pode evitar certos impasses, a quem nos vamos fiar
para avançar depressa e no bom caminho. A resposta está nestas palavras:
a tripla união quer dizer, a união dos três componentes da revolução
social662.

Contudo, à distância de cerca de 30 anos os intelectuais que aderiram a este projecto


do MFA não reflectiram as preocupações centrais assumidas neste texto. Por um

662 Movimento, N.º 18, 20/5/1975, p. 5.

317
lado, sublinham a continuidade das suas propostas estéticas como referi no capítulo
7. Por outro, o encontro com “as massas populares, até aí cortadas da cultura, mas
cheias de entusiasmo, de sensibilidade e de aspiração à beleza”, como propalava a
publicação da 5ª Divisão/EMGFA, potenciou um discurso enaltecedor das culturas
locais ancorado, não só na intenção de “dinamizar” e “desenvolver” as tradições que
durante 48 anos foram manipuladas pelo regime anterior, mas sobretudo no encontro
entre “dinamizadores” e “dinamizados”. A cultura popular na transição democrática
assumiu o papel do “morto”, de que falavam Michel Certaeu e Dominique Júlia
(1990), na medida em que se assiste à produção de um discurso que visava recuperar
algo que se encontrava ameaçado ou em “vias de extinção”.

De facto, inconfortavelmente este período apresenta algumas semelhanças como o


movimento nativista do início da Idade Moderna que fundou a equação “povo-
ruralidade” que foi percorrendo os diferentes períodos da história nacional (ver Leal,
2000; Leal & Branco, 1995; Castelo-Branco & Branco, 2003; Melo, 2001; Silva, 1994;
entre outros) e europeia, marcados por projectos políticos divergentes (Bendix, 1997;
Burke, 1981 e 1998; Faure, 1989; Thiesse, 2000; Thompson, 1998, Williams, 1990
[1973]).

Num pequeno texto resultante da sua contribuição num workshop realizado em 1969
em Oxford, do qual resultou a obra colectiva People’s History and Socialist Theory
(1981), o historiador Peter Burke aponta razões estéticas e políticas663 para justificar a
sedução pelo popular no final do século XVIII e início do século XIX. A primeira
decorre da emergência de uma estética de corte com o classicismo que culmina com o
movimento Romântico no qual o universo camponês é interpretado como parte
integrante da paisagem. Já a justificação política para a descoberta da cultura popular
ancora-se legitimação dos movimentos de libertação nacional ocorridos na Europa no
início do século XIX (Burke, 1981:217). Numa obra posterior, ao abordar a cultura
popular no início da Idade Moderna, Peter Burke refere que os intelectuais
procuraram descobrir o povo, e o povo par excellence eram os camponeses:

663Sobre a dimensão política e ideológica da descoberta da cultura popular ver Canclini


(1997).

318
[...] vinham perto da natureza, estavam menos marcados por modos
estrangeiros e tinham preservado costumes primitivos por mais tempo do
que quaisquer pessoas (Burke, 1998:49).

Esta imagem do “povo” reencontramo-la na Antropologia Portuguesa do século XIX


e início do século XX com Consiglieri Pedroso, Teófilo Braga, Leite de Vasconcelos e
Virgílio Correia (Leal 2000). Este período foi marcado pelo entusiasmo por uma
“alteridade caseira” que configurava um discurso científico sobre o popular. O povo
“rural” constitui uma base sedutora a partir da qual se ergueram as discursividades
sobre o país. Contudo, referindo-se à antropologia portuguesa dos anos 70 e 80 do
século XIX, Leal (1995) sublinha, tal como Burke (1981), a importância dos
pressupostos ideológicos da descoberta do popular:

o povo da antropologia portuguesa […] é um povo depurado e filtrado


pela escassez de contactos directos e que, nessa medida, pode cumprir com
êxito o papel que lhe está reservado no dispositivo ideológico subjacente ao
discurso antropológico então prevalecente (1995-a:130).

Com o advento do Estado Novo, o país surge como um todo harmónico, “Esboçava-
se mais pelo lado pictórico, folclórico e ilustrativo de curiosidades de diferenciação
local, do que enquanto campo de rupturas, oposições, contrastes, anomalias ou
instabilidades” (Brito 1995:11). Assistiu-se, assim, à manipulação do conceito de
cultura popular de matriz rural quer na edificação de uma imagem cenográfica da
nação, quer nos momentos de ameaça à paz social, âncoras que sustentavam a
representação da unidade nacional. Para tal, a etnografia surge como discurso
legitimador do “nacionalismo estado-novista” (Melo, 2001):

Salazar faz a primeira chamada à caça ao tesouro, que é como que um


programa de instrumentalização da ciência (e da cultura e da sociedade); a
salvaguarda dos valores identitários genuínos acarreta como prioridade
«civico-profissional» o estudo da tradição, ou seja, o estudo da etnografia
orientado para uma certa finalidade (Melo, 2001:76).

Neste sentido, como sublinhou Branco (1999), o processo de folclorização português,


concomitante com um discurso científico, é encarado pelo poder político como um
espaço para a construção de um consenso nacional ao qual não é alheio Jorge Dias.
Nos finais da década de quarenta e início da década de cinquenta, importa destacar a

319
visão romântica do país por este preconizada presente no modelo igualitário e
harmonioso com que perspectivou as comunidades rurais. Nos seus trabalhos,
Vilarinho da Furna, uma aldeia comunitária (1981 [1948]) e Rio de Onor, Comunitarismo
Agro-pastoril (1981 [1953]) define a organização social comunitária pela igualdade
entre vizinhos, apontando como factores de continuidade destas comunidades
homogéneas o isolamento geográfico e a manutenção de práticas e modos de vida
tradicionais. O etnólogo defende um comunitarismo arcaico, destacando a posse
colectiva da terra como factor correspondente a uma sociedade igualitária, com
obrigações colectivas e comprovados hábitos tradicionais.

É neste quadro de buscas e apropriações que devem ser encarados os discursos sobre
o povo e a cultura popular produzidos no quadro das Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA. De facto, nesta versão da ruralidade os
protagonistas da Dinamização Cultural assumem uma sedução etnográfica marcada
quer pela especificidade da cultura portuguesa enquanto todo, presente
principalmente nos textos da época, quer pela valorização e defesa das culturas locais
concebidas como um património susceptível de ser partilhado e utilizado como
experiência formadora. Apesar de na época o discurso enaltecedor da cultura
popular ser partilhado por militares e civis, actualmente é expresso de forma mais
enfática pelo sector intelectual e por técnicos civis que intervieram em outras áreas
consideradas pela CODICE. E aqui o conceito de cultura, na óptica daqueles que
colaboraram nas Campanhas, retoma o legado que a antropologia lhe atribui:

[...] tenha a ideia que a nossa perspectiva cultural era a tentativa de fazer um mapa
quase de identidade cultural possível entre as zonas. Tinha a ver com o folclore,
como tinha a ver com o teatro amador. Tinha a ver com a integração.// Há pouco
falou-me de S. Pedro do Sul, um dos homens mais conhecidos de São Pedro do Sul
é o dramaturgo Jaime Gralheiro que fez trabalhos excelentes, ele vivia lá e morava
lá. [...]. Quando havia nas zonas intelectuais que nos podiam apoiar nós
desenvolvíamos os projectos a partir deles em comunhão com as populações. (José
Capinha Gil)

O conceito de “dinamização cultural” convocava, assim, um sistema de


representações que motivava a sociedade a reencontrar a sua identidade cultural, no
qual as culturas locais, nas suas diferentes expressões eram valorizadas numa
semelhança inconfortável com o regime anterior. Os pressupostos das Campanhas de

320
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, apesar de traduzirem uma
revitalização cultural apelando à organização de “centros culturais” na província,
não incluíam a dimensão de investigação científica664 na área do folclore, nem a
relação com as instituições museológicas da época, muito conotadas com a política
cultural do Estado Novo e pela sua utilização do folclore (ver Melo, 2001). As
campanhas foram sobretudo um projecto de redenção do país que permitiu o
diagnóstico das diferenças e do valor do local.

Numa continuidade com a concepção da descentralização cultural enquanto veículo


para chegar a novos públicos, João Mota afirma que as Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica foram a:

Experiência mais importante porque permitiu conhecer o país real. Foi interessante
que o povo adorou a peça, metia-se na peça. Foi o caso da Ceia. O povo-povo que
não sabia ler nem escrever metia-se na peça a meio. A cultura popular tem uma
grande força. (João Mota)

Em convergência com esta imagem positiva do povo, e enquadradas por aquilo que
Ridenti designou de “utopia da integração do intelectual com o povo” (2000:12),
encontram-se as palavras de um técnico da Direcção-Geral dos Desportos. O trabalho
com as populações e associações locais na construção de ginásios rurais foi descrito
como:

uma experiência muito interessante. Éramos jovens acreditávamos na


transformação [...] e para muitos jovens quadros foi uma espécie de descobrir o que
estava para conhecer, sobretudo para mim que era um urbano [...]. Por exemplo,
tive a oportunidade de juntar um conjunto de slides sobre jogos tradicionais [...].
Eu vi jogos, lengalengas ali na raia, que nunca tinha ouvido falar. (Manuel de
Brito. Técnico da Direcção-Geral dos Desportos)

664Canclini referindo-se ao período moderno sublinha que os folcloristas “esforçaram-se para


despertar o povo e iluminá-lo em sua ignorância” (Canclini, 1997: 209), procurando aliar o
projecto científico a um projecto de redenção social.
No caso do período de Vichy, o Musée des Arts et Traditions Populaires dirigido por G.-H.
Riviére assumiu um papel destacado no quadro da primeira dimensão identificada por
Canclini (1997). Ver sobre este assunto Faure (1989), capítulo I. Para o caso português ver
Branco (1995; 1999).

321
Após ter concluído a sua entrevista convidou-me para visionar os registos
fotográficos que tinha captado em Trás-os-Montes, sessão que se realizou alguns dias
mais tarde em sua casa. Os comentários que ia fazendo à medida que projectava os
slides espelhavam o encantamento e o entusiasmo pelos “jogos tradicionais”.
Também Francisco Carreira da Costa, elemento da mesma equipa, sublinha a
“aprendizagem” que as campanhas lhe proporcionaram:

Aprendi muito, sobretudo a respeitar as pessoas e a conhecer uma cultura que


desconhecia. Portanto, nesse aspecto foi muito importante para mim. (Francisco
Carreira da Costa)

Na verdade, a região de Trás-os-Montes exerceu um fascínio nos protagonistas da


Dinamização Cultural. Era a “arca das tradições, das raízes, das referências
identitárias”, retomando as palavras de Brito (in Leal et al, 1993:104:105) já referidas.
Manuel Begonha quando questionado sobre as realidades que mais o surpreenderam
no quadro desta iniciativa destaca Rio de Onor:

Fiquei muito impressionado porque não conhecia Rio de Onor. Achei uma coisa
completamente excepcional. Rio de Onor achei piada por ser uma zona muito
característica.Parece uma zona que só em Portugal é que pode existir, a
construção, a maneira de ser das pessoas, a cultura muito cruzada com a cultura
espanhola. (Manuel Begonha)

Na obra colectiva MFA, Dinamização Cultural e Acção Cívica encontra-se um balanço


da fase final da campanha “Maio-Nordeste” no qual é referida a “luta” travada em
várias povoações do nordeste transmontano ameaçada pelas movimentações do 25
de Novembro de 1975. A aldeia de Rio de Onor é referida como tendo sido apoiada
nas “tradições comunitárias que estavam prestes a ser desmanteladas por elementos
retornados das colónias e emigrantes“ (s/d-a:183)665.

De facto, esta paisagem discursiva é marcada pelo carácter exótico de Portugal. Neste
sentido, Teresa Ricou, recém chegada de Paris, destaca o Nordeste de Portugal,
nomeadamente Miranda do Douro e a recém considerada língua, o “mirandês”666:

665 Como disse no capítulo 2 deste trabalho este episódio foi referenciado por Brito (1996). Esta
questão será retomada no próximo capítulo.
666 O mirandês foi reconhecido como língua oficial desde Janeiro de 1999.

322
Eu fiz Trás-os-Montes e aquela zona toda. Lembro-me de Miranda do Douro que
foi onde eu encontrei aquela coisa muito engraçada que era o mirandês. Esta
linguagem lá de cima, que pouco se entendia,foi uma grande surpresa para mim.
(Teresa Ricou)

Já Carlos Paulo, actor do grupo de teatro Comuna, refere como a forma de


organização comunitária, característica do Norte do país, influenciou a Comuna na
adaptação da obra Era uma Vez do dramaturgo brasileiro Alfredo Nery Paiva que
fizeram especificamente para as campanhas:

Para a [campanha] do Minho levámos um espectáculo que criámos de propósito


para as Campanhas: “Era Uma Vez”. Era uma peça de um livro de um autor
brasileiro que explicava de forma didáctica. A nível de espectáculo teatral era
muito giro. Nós estivemos em zonas como o Soajo, onde as pessoas ainda viviam
em comunidade, ainda de carácter comunitário. A peça começava com isso. Havia
os que trabalhavam o pão e distribuíam pela aldeia toda, havia outros contribuíam
com a farinha, outros trabalhavam a terra contribuíam com o milho para a farinha
e depois o espertalhão que aparece pelo meio e começa a aproveitar-se disto. // Era
muito curioso e foi feito de propósito para isto. (Carlos Paulo)

Referindo-se à colaboração da Brigada Víctor Jara nas Campanhas de Dinamização,


Né Ladeiras interpreta a sua experiência a partir do trabalho de Lopes Graça e Michel
Giacometti:

Participámos com o Movimento das Forças Armadas (MFA) nas


campanhas de dinamização cultural. Foi aí que tomámos contacto com a
música tradicional portuguesa. Começámos a incluir no repertório, não só
músicas chilenas e da América latina em geral, mas também cantares
portugueses. […] Fomos para o interior do país e deparamo-nos com sítios
que nem sequer calculávamos que existiam. […] Ajudávamos as pessoas a
ler, a serem mais esclarecidas, dizendo que havia outros caminhos, que a
época das trevas tinha acabado. Em contrapartida, tínhamos aquilo de
melhor que as pessoas nos podiam dar: a sua cultura, que era também
nossa, só que nós, não tínhamos acesso a ela porque o regime não admitia.
O regime inventou uma coisa que eram as ranchetas. Um grupo de
pessoas, com saias rodadas, tocavam uns acordeões, e era o vira. Mas
nunca ia à raiz. Porque a raiz é muito mais sábia, muito mais poderosa. […]
Foi um mergulho total na cultura portuguesa. […]

323
Quando conheci todas essas mulheres e homens que cantavam, daquela
forma que eu desconhecia e aquelas melodias com influências árabes e
judaicas, parecia-me uma tribo enorme, revia-me nesse ambiente. […]
Muitas vezes […] recolhíamos os temas e depois tentávamos reproduzi-los,
não daquela maneira ortodoxa, mas já com uma ponta de criatividade. […]
Este trabalho começou com o Michel Giacometti, o Lopes Graça e o padre
Mourinho. […] O Michel Giacometti foi uma pessoa muito mal tratada,
mesmo depois do 25 de Abril. Nunca quiseram saber das centenas de
gravações que ele tinha. Foi uma pessoa que fez muito por nós. O Michel
Giacometti é muito lembrado pelas pessoas mais velhas. Ainda se fala
daquele «senhor de cabelos branco e barbas que vinha de burro, às vezes a
neve era tanta, o burro caía e ele continuava a pé».

Quando questionada sobre a região cuja música a mais tivesse marcado, responde:

Há um triângulo especialmente interessante: Trás-os-Montes, Beira Alta e


Beira Baixa. As Beira Alta pelas polifonias que não se cantam em mais
nenhuma parte do mundo. Às vezes parece que não são vozes humanas,
parece que vêm não sei de onde. Trás-os-Montes porque tem uma
influência árabe e judaica nos seus cantares e claro, pela sonoridade da
gaita mirandesa que é deliciosa. Depois, a Beira Baixa porque é um local de
ritmo muito intenso. O ritmo da Beira Baixa sente-se por todo o lado. Basta
dizer que há os adufes, os bombos, e aqueles cantares que parecem vir do
rio Jordão667.

Com uma intenção de registo análoga à de Manuel de Brito, também Manuel Cruz
Fernandes captou um conjunto de imagens, que têm vindo a pontuar esta
investigação, e procedeu a um registo sonoro de alocuções, sessões de
esclarecimento, entrevistas e gravações de várias intervenções de músicos de Alijó do
Douro e de Castro Daire, para registar “a arte do povo”668. Numa sessão de fado

667 Urbi et orbi – jornal on-line da ubi, da Covilhã, da região e do resto Edição N.º 110, Março de
2002. Disponível em URL: http://www.urbi.ubi.pt/020312/edicao/110_neladeiras.html,
24/8/2004.
668 Palavras de Manuel Cruz Fernandes. Cassete áudio, 1975 Arquivo particular de Manuel

Cruz Fernandes.

324
improvisado realizada em Picão, Castro Daire, é dedicado um trecho à acção das
Forças Armadas669:

[...] Quando no arraial respeito todos de lado // E hoje às Forças Armadas


eu dou um viva adorado [...] // Com respeitinho ao fado // Na presente
ocasião [...]// Olha que as Forças Armadas que ao nosso lado estão // É
para prestar respeito por estarem aqui então// Mas elas hoje vieram //
Não dão falas ao desdém [...] Vivam as Forças Armadas // E Viva quem
forças não têm [...]// Vivam as Forças Armadas // São a honra da
nação// Eu adoro as vossas fardas // Estimado capitão // Respeito
quanto valeis // Como a toda a nação [...]670.

Referindo-se ao trabalho desenvolvido nesta região da Beira Alta, Conceição Lopes


sublinha a metodologia adoptada e a sua importância para o trabalho que
desenvolveu posteriormente:

A arte, os jogos tradicionais, as canções populares, foram o caminho, a estratégia


para juntar crianças com os pais e professores a interagirem em voz alta e a partir
daí a professora o que tinha de ensinar, ensinava mas valorizando a cultura. // [...]
isso eram fontes de curriculum, de orientação de educação. Depois construíamos
livros gigantes, faziam-se as exposições, como que devolvendo aos pais, aos avós e
aos visitantes aquilo que era a própria comunidade, quer dizer, aquilo que de facto
eles tinham aprendido. Havia um reforço de identidade, ou digamos, uma
construção de identidade, não sei se era reforço, mais uma construção.// Aliás, os
projectos que desenvolvo, em Serralves, os arquitectos do Parque, os espantalhos
(agora há espantalhos por todo o lado) como síntese de cultura e arte, de relação
com a paisagem, foram criados em 1987. Isto são tudo referências. São
metodologias afinadas, de coisas que se trabalham há quase 30 anos.

E reportando-se ao conceito de “povo” afirma:

Ao nível da equipa, e estou a falar da CODICE, estou a falar de um conceito de


povo, de povo que sabe, que tem uma história, que tem um conhecimento profundo,
que é o conceito do conhecimento dos artefactos de sobrevivência, desde o trabalho,
quer dizer, as soluções que as pessoas encontram no mundo rural é de uma
sabedoria imensa, estou a falar de um conhecimento técnico. E habitualmente há

669 Também Noémia Delgado, no filme As Máscaras (1976) capta uma loa ao MFA em Varges.
670 Cassete áudio, 1975. Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes.

325
um conceito de povo que é de ignorante, de iletrado […]. O conceito de povo era
um conceito de valor, de competência, grupos humanos com uma competência
enorme, quer ao nível técnico, social e cultural. (Conceição Lopes)

Os protagonistas entrevistados no quadro da presente investigação assumiram uma


atitude de protecção da cultura popular de matriz rural abrindo portas a um discurso
de cariz romântico, na formulação de Löwy & Sayre (1995), que procurou encontrar
no camponês um aliado na prossecução do novo projecto político. Baecque (1998),
referindo-se à cultura francesa no período subsequente à revolução de 1789, afirma
que se procurou uma “outra cultura para um novo homem” (1998:196) e que a
linguagem revolucionária assumiu um papel axial neste processo de aculturação:

Esta [linguagem] desde os primeiros meses de 1789, fala com efeito da sua
esperança e do seu entusiasmo, por meio de uma rede de metáforas
extremamente abundantes: imagens da luz vitoriosa sobre as trevas, da
vida a renascer do seio da morte, do mundo reconduzido à sua idade de
ouro, tendo a ordem antiga tomado, por redução simbólica, a aparência de
uma nuvem escura, de um flagelo bíblico, de um mundo reduzido à
escravatura. […] o discurso apoia-se assim nas metáforas para propor um
relato de fractura histórica susceptível de ordenar o curso desenfreado da
história (Baecque, 1998:1997).

Importando a análise de Baecque, as imagens da ruralidade construídas na transição


democrática permitiram à “comunidade revolucionária” (1998:197) representar-se a
si própria e renegociar identidades. E, neste sentido, a “pastoral revolucionária” irá
estender-se a um discurso no qual é reconhecido e valorizado o potencial
revolucionário do camponês expresso de forma mais repetida pelo sector militar.

326
14.2. | Trabalhar com o Povo, Construir a Revolução671

Foto 13| Povoação do concelho de Castro Daire, 1975. Anotações manuscritas de Manuel Cruz Fernandes
(Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)

Em 1975, os músicos José Afonso, Francisco Fanhais e o cineasta Luís Filipe Rocha
disponibilizaram-se para colaborar nas Campanhas com o objectivo de ver a
“revolução acontecer” 672. No périplo pela região de Bragança encontraram uma
aldeia onde lhes foi denunciada a situação laboral das Minas da Ribeira673 marcada
pela memória da prisão de dois dos seus trabalhadores ordenada pela PIDE. Ao
ouvirem esta história tomaram nota de alguns pormenores. Quando regressaram a
Bragança, onde estavam alojados, José Afonso escreve uma canção que dias mais
tarde viria a tocar para os seus habitantes:

671 Slogan do autocolante utilizado nas viatura militares na Campanha Maio Nordeste, 1975.
672 Entrevista a Francisco Fanhais, 2006.
673 A quarta das quinze reportagens que Mário Contumélias escreveu no quadro da campanha

“Maio-Nordeste” referidas na Parte II deste trabalho é dedicada às Minas de Ribeira (Diário de


Notícias, 4/6/1975, p. 15). Também o programa Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC,
19/04/1994 referencia este episódio.

327
Em terras de Trás-os-Montes
Entre Coelhoso e Parada
Uma história verdadeira
Foi ali mesmo contada

Algemado por dois PIDES


Na manhã de vinte e três
Lá vai Manuel Augusto
Sem mesmo saber porquê

Com ele vai Marcolino


Bufo dos Dominadores
Ide às minas da Ribeira
Vereis quem são os Senhores
[…]
Entre Parada e Coelhoso
Ainda reina opressão
Não deixem fugir o melro
Não quebrem vossa união

“Em terras de Trás-os-Montes”674 foi o nome que o compositor elegeu para esta
narração que chamo, agora, para ilustrar a outra dimensão presente na paisagem
discursiva em debate. Ao povo da “Província” vai-se reconhecer a sua aptidão
política para ser recolocado na área da cidadania após o “esclarecimento político”
proporcionado pelo MFA. O camponês foi, assim, convocado como co-agente da
transformação política, social e cultural que o MFA se propunha a realizar num
tempo revolucionário que alimentava a ruptura histórica.

Francisco Fanhais, na entrevista concedida no quadro da presente investigação675,


reforça que o que recorda com mais intensidade da sua curta experiência nas
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA foi a capacidade
generalizada das populações tomarem a palavra, daí decorrendo a importância do
verso “Uma história verdadeira // Foi ali mesmo contada”.

674 Esta canção faz parte do repertório do disco Com as minhas Tamanquinhas (1976).
675 Entrevista gravada, 2006.

328
Através das campanhas esperava-se que o camponês se transformasse num dos
actores centrais da revolução676 a quem era pedido que fosse “um sujeito activo na
sua própria história [...], o motor da sua própria história [...]” como sublinhou
Gonçalves (1976:91) na sessão de esclarecimento realizada no Sabugo. Importava,
agora, esclarecê-lo com o objectivo de o inserir numa ordem reclamada socialista.
Neste sentido, atente-se, agora, aos esclarecimentos prestados por um elemento do
MFA numa povoação da freguesia de Balogãs (Barcelos), um dia após o 11 de Março
de 1975:

Temos que possuir nas nossas mãos a riqueza deste país, somos nós que o
produzimos. Quem constrói o nosso país, quem constrói as fábricas, quem
trabalha os campos, quem é? Será esse povo, possuidor da riqueza deste
país? Não, o 25 de Abril ainda não deu isso, mas o 25 de Abril deu
oportunidade do povo de a partir de agora tomar nas suas mãos o destino
deste país. É por isso que nós temos que avançar na construção da
sociedade democrática, mas uma democracia autêntica. Não podemos
deixar-nos enganar com palavras temos que saber bem o que queremos
[…]
Um país socialista é aquele em que se pretende atingir uma maior
igualdade entre a população, em que não existe exploradores como no
sistema capitalista, em que existe uma planificação da economia, em que as
empresas produzam os bens necessários à população, e não aqueles bens
que efectivamente aumentam os lucros dos capitalistas. […]
Efectivamente o MFA não quer o sistema capitalista. Eu vou-vos dar, talvez
uma informação que ainda não me foi confirmada, foi só por telefone por
um elemento do MFA, mas que eu confio plenamente. Nós até aqui
preconizávamos, definíamos uma via socializante. Hoje de manhã, um

676A entrada do povo como actor histórico, decorrente da conjuntura sócio-política da


Revolução Francesa, fez emergir um conjunto de movimentos de desvelamento deste novo
protagonista que poderá ser observado em inúmeros contextos internacionais. Luísa Tiago
Oliveira (2004) procedeu a um levantamento destas realidades, nomeadamente aquelas que
serviram de referente ideológico ao processo revolucionário português, das quais destaco:
Rússia da segunda metade do século XIX (1860-1881), com a emergência do populismo
enquanto matriz fundadora da “ida ao povo” com objectivos revolucionários; URSS e as
campanhas de alfabetização realizadas entre 1919 e 1939; França de Vichy (1940-1944) com o
Serviço Cívico Rural e as missões etnográficas de movimentos de juventude; China (1966-
1976); Cuba (anos 60 e 70) com a campanha de alfabetização de 1961; Peru e o Serviço Civil de
Graduandos (1972); Somália e o movimento de alfabetização nos anos 70; Etiópia e a
Campanha nacional do trabalho para o desenvolvimento e cooperação (anos 70).

329
elemento responsável do MFA afirmou-me pelo telefone que não mais uma
via socializante, vamos mesmo para uma via socialista. O MFA, depois dos
acontecimentos de ontem [11 de Março de 1975] parece que reconheceu
que era impossível uma colaboração com a reacção, portanto vamos
mesmo para uma via socialist 677.

O esclarecimento político que se procurou realizar assumia um papel fulcral no


combate ao “vácuo” de “informação política”678 que consubstanciou as
representações negativas sobre “apoliticismo“ (Riegelhaupt, 1979) do camponês679.
Mas, a nação desejada pelos protagonistas da Dinamização Cultural alicerçava-se,
também, no paradoxal reconhecimento da capacidade de mobilização política do
camponês e do desenvolvimento da sua cidadania e “consciência cívica”:

[…] a revolução deverá fazer-se acompanhar de uma profunda


Culturização do Povo Português de molde a que o seu saber aumente e a
consciência cívica evolua, Não uma culturização abstracta ou imposta, mas
sim a que resulte da análise das contradições existentes no actual o estádio
da verdadeira Cultura Portuguesa680.

E este apelo percorre insistentemente as páginas do Movimento, como ilustra o artigo


intitulado “Fortalecer as Raízes da Madrugada” sobre a primeira campanha cujo
destino foi distrito da Guarda:

Em 25 de Abril iniciámos um longo e árduo caminho. E encontramo-nos


todos, soldados e povo. Aquela madrugada é nossa. Nosso o futuro. Assim
o decidimos. [...]
Porque é fundamental entender-se este ponto. O MFA não foi à Guarda
para distribuir “benesses”. O MFA foi levar ao conhecimento das pessoas
que hoje todos Podem e Devem participar politicamente no futuro de
Portugal não mais esperar soluções caídas do Céu, raciocínios prontos a ser
consumidos mas que o Povo Português tome o seu futuro entre as suas
mãos.

677 RDP – Arquivo Histórico – faixa 6, AHD5392, 13/03/1975.


678 Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388).
679 Sobre este assunto ver capítulo 13.
680 Movimento, N.º 15, 22/4/1975, p. 2.

330
Em Sintrão o cemitério nunca tinha sido começado por falta de autorização
«dos nossos superiores». Em Sintrão o MFA foi dizer que «os nossos
superiores» era a vontade colectiva do povo de Sintrão. [...]
O fenómeno político esteve sempre presente ao longo da acção de
campanha de dinamização cultural e esclarecimento cívico. Como poderia
estar ausente se foi político o abandono a que durante 48 anos se votou a
Província em Portugal?681

Meses mais tarde, no quadro da “Operação Verdade” publica o Movimento:

[...] a realidade desperta-nos violentamente para a tarefa suprema de


construção revitalizadora que urge empreender, se não quisermos negar o
futuro que ambicionamos, de justiça social e independência nacional. [...]
A revolução triunfante será a realizada pelo Povo Português, em particular
e principalmente pelas camadas da população até agora mais
desfavorecidas e em defesa dos interesses das classes trabalhadoras.
Dentro deste espírito, percorremos os campos da nossa terra, no
conhecimento mútuo das realidades duras da existência dos portugueses. E
mais. Reafirmamos indiscutivelmente que nos mantemos a seu lado na luta
pela construção dum Portugal para todos que estamos fazendo a
aprendizagem de viver a revolução e não vivemos confundidos pelo
esgrimir de ideias belas e de palavras ocas682.

E à medida que as campanhas avançam no terreno o Movimento vai dando conta das
“conquistas” das populações. No quadro da campanha “Beira Alta escreve-se:

Mas há também Covas do Rio, por exemplo, onde se deu agora o primeiro
passo na nova maneira de trabalhar e de viver, a construção da estrada
pela qual passa a resolução dos problemas mais urgentes da aldeias.
Como diziam um dos seus homens:
- «Antes estávamos para aqui como mortos agora sabemos que podemos
ter esperança, que podemos ir para a frente ao lado das nossas Forças
Armadas.»

681 Movimento N.º 7, 24/12/1974, p. 1 e 6.


682 Movimento, N.º 11, 25/2/1975, p. 3.

331
É tão simples como isto: a não ser que não sejamos homens, teremos que ir
para a frente no caminho que encetámos em 25 de Abril de 1974, com
consciência das dificuldades e os pés bem assentes na terra.
A experiência que vivemos de Norte a Sul do País com o povo trabalhador
em especial a que ganhámos nas Campanhas de Dinamização e Acção
Cívica, são um constante acertar da mira no nosso apontar para o alvo que
queremos atingir em Portugal683.

Este enaltecimento do protagonismo do camponês percorria também as sessões de


esclarecimento. Na aldeia de Giões, no âmbito da “Operação Povo Culto”, um militar
do MFA afirma:

A maior parte de nós efectivamente aqueles que tomaram parte do 25 de


Abril e sentem o 25 de Abril têm muito menos idade, não têm 48 anos. Agora
todos aqueles que nasceram sob o sistema, aqueles que viveram sob esse
sistema, pois sentem na carne e mais, não é só na carne, sentem no espírito,
sentem na forma de conviver, no egoísmo, no medo, numa falta de verdade
das conversas que têm diariamente. Temos que vencer essa barreira, temos
que vencer, mas seria necessário que todos nós tomássemos parte do
sistema. Não temos que ter pruridos de ofender este e aquele, não pode ser
assim, temos que ter reuniões, conversas em que fazem parte todos. Não são
só os homens, não são só as mulheres. Homens, mulheres e crianças, porque
eles também têm uma perspectiva do nosso Portugal. O MFA deu a sua
palavra. Teve o seu compromisso, tomado a 25 de Abril, para com o povo de
que essas condições para usufruir de liberdade serão asseguradas. Agora
não é de um momento para o outro, demora o seu tempo. Temos que ter
confiança e mais, não termos qualquer dúvida no nosso espírito, porque
nessa altura não estamos dentro do processo. Temos que ter confiança,
trabalharmos em função dessa confiança684.

Também a intervenção do Capitão Cruz Fernandes por ocasião da comemoração do


1.º de Maio de 1975 na vila de Castro Daire é disso exemplo:

Povo de Castro Daire. Vocês conseguem uma coisa extraordinária que é


levar-nos de surpresa em surpresa. Esta que acaba de se realizar hoje é

683 Movimento, N.º 15, 22/4/1975, p. 2.


684 RDP – Arquivo Histórico – faixa 4, AHD5251, 13/03/1975.

332
mais uma surpresa para nós. A honra que temos merecido a todos os
senhores é de tal ordem que neste momento [...] estou sensibilizado.
Quando se trata de um português que, como os senhores combateu, o
fascismo. Que, como os senhores teve os olhos postos no futuro em nome
de um grande povo que é o nosso, porque é grande de alma e de querer. E
quando realizado uma parte desse querer com o 25 de Abril; quando
segundo as suas ideias - que pensa que foram legítimas - se dirige ao
campo, ao povo e está com ele na revolução. E vê que a semente pegou e
cresceu, e vê que esse povo se antecipa a fazer coisas que nós ainda não
fizemos porque está tudo ainda por fazer. Então só nos resta uma coisa é
convosco dizer: - Povo, a revolução é nossa! Está aí a semente, continuemo-
la. Estejamos unidos porque na unidade e vigilância estará o amanhã de
todos nós. [...] Obrigado Castro Daire!685

Como afirmou Eduardo Lourenço (1992) em o Labirinto da Saudade, “Nenhum povo


pode viver em harmonia consigo mesmo sem uma imagem positiva de si. A
Revolução de Abril restituiu ao cidadão português a plenitude dos direitos cívicos
comuns às democracias ocidentais […] ” (1992:61). De facto, o enaltecimento deste
“retorno do cidadão”686 (Pérez Ledesma, 2000: 2) constitui na actualidade uma das
temáticas principais desta “pastoral revolucionária” que recorre ao conceito moderno
de cidadania687, resultante da Revolução Francesa:

[Os] ideais, digamos assim, eram quase próximos da Revolução Francesa. Mas foi
um bocado isso que levou estrategicamente o Programa de Dinamização Cultural
para além das transformações das estruturas, [incidir] principalmente em termos
de abertura da mente, da forma de pensar, de actuar, de se autonomizar enquanto
pessoas, enquanto decisores. (Manuel Madeira)

685 Discurso de Manuel Cruz Fernandes. Cassete áudio, 1975 Arquivo particular de Manuel
Cruz Fernandes.
686 Esta expressão é cunhada de uma artigo de Kymlicka & Norman (1994) intitulado “The

return of the Citizen” que faz um balanço bibliográfico sobre esta temática (cit in Pérez
Ledesma 2000-a:1) Sobre o debate em torno do conceito de cidadão e a sua evolução histórica
ver Pérez Ledesma (2000 -a: 1:35) e especificamente para o caso europeu ver do mesmo autor
2000-b:115-147.
687 Nas palavras de Pérez Ledesma: “Fue la Revolución Francesa […] la que «inventó» […] el

concepto moderno de ciudadanía, que vino a sustituir al «ideal ciudadano» del mundo
clássico. La invención afectó al menos tres niveles: la ciudadanía legal […]; la ciudadanía
política […] y la ciudadanía nacioanal” (Pérez Ledesma, 2000-b:117).

333
Referindo-se aos objectivos desta iniciativa, Geraldo Lourenço, praça da Armada,
defende que o objectivo da dinamização cultural consistia em:

Levar a todo o país o espírito democrático da Revolução de Abril. [...] Nós íamos
procurar dar às pessoas a capacidade de elas próprias reconhecerem as suas
dificuldades, elegerem os seus homens e as suas mulheres.[...] Nós dizíamos: não
vimos aqui dar-vos nada, não temos nada para vos dar. Viemos trazer a liberdade e
vocês vão-nos dar as vossas amarras. Vocês a partir de agora são livres. (Geraldo
Lourenço)

Estes dois trechos são possíveis de ser lidos a partir da interpretação marxista sobre a
ideia da Revolução Francesa “como momento inaugural de uma época de liberdade,
igualdade e fraternidade, que para se concretizar plenamente, exige uma afirmação
revolucionária dos direitos sociais do individuo e das classes desfavorecidas” (Neves,
2006:185-186).

Perspectivadas como um processo de integração do camponês num novo projecto


político, as Campanhas põem em diálogo diferentes versões da ruralidade, unificadas
por um pólo, agora legitimado, a partir do qual é pensado o país: a cultura socialista.
Volvidos 29 anos, o na época Primeiro-Ministro, sublinha:

Nós não pretendíamos transformar essas populações em socialistas, em


comunistas. Queríamos transformar essas populações em gente democrática, gente
aberta a analisar as situações, arranca-la de toda aquela carga de fascismo que
durante 48 anos tinha pesado sobre elas. (Vasco Gonçalves)688

O MFA procurou, assim, despertar os camponeses para a sua vocação revolucionária,


tornando-os cúmplices na construção do país:

[…] o que se pretendia era puxar o povo para a revolução e fazer dele o agente
fundamental da revolução, porque nós sabíamos que os militares estavam no poder
a prazo. Ninguém estava interessado em ficar no poder e esse poder ia ser
transmitido. O que nós queríamos era que as pessoas ficassem o mais conscientes
possível. (Manuel Begonha)

688 Depois de eu ter desligado o gravador e de continuarmos a conversar, Vasco Gonçalves


afirmou: “As pessoas não sabiam bem o que era o socialismo, mas sabia que era algo de bom”
(Diário de campo, 2000).

334
Mas, este alto responsável da CODICE sublinha também a mudança do
comportamento das mulheres nas sessões de esclarecimento:

O que eu achei, também, muito importante foi o despertar das mulheres, porque
anteriormente, e ainda hoje as mulheres subordinam-se um pouco às opiniões dos
maridos, e não são muito activas politicamente, já são muito mais. Mas na altura
não seriam tanto e, até em zonas como Murça, foi uma coisa excepcional: os
homens puseram-se à frente e as mulheres puseram-se atrás. E a dada altura nós
começámos a discutir com as pessoas, isto numa sessão enorme, e então nós vimos
que aquilo não andava, então as mulheres passaram para a frente e anunciaram aos
maridos: vocês estão sempre a refilar a dizer que estão descontentes mas porque é
que não falam? E foram as mulheres que lançaram uma discussão do mais
interessante que pode existir. E em muitos sítios eram as mulheres... até haviam
zonas que numa sala se punham as mulheres para um lado e os homens para outro
e nós conseguimos que as coisas corressem melhor. Houve cenas de grande
interesse por causa das acções delas, mas de um modo geral eu penso que o que
ficou foi bastante positivo. (Manuel Begonha)

Já o sector civil da CODICE apresenta, no seguinte tom, o conceito de cidadania:

[Procurámos] reconhecer uma valorização que sempre lhe tinha sido negada, era o
trabalho da confiança. […]. O projecto de dinamização cultural do MFA era um
projecto de vontades, não era um projecto de sedução. As pessoas que faziam as
Campanhas tinham a convicção, que de facto este país tinha um sistema social que
tinha mudado, que era um potencial enorme para a afirmação da cidadania,
afirmação local. E isto continua por fazer, o desenvolvimento local, a criação e
sedução de emprego, as motivações para as pessoas construírem a sua qualidade de
vida é tão actual hoje, como já foi iniciado nessa altura e criou-se essas coisas.
(Conceição Lopes)

Explicando as opções pela encenação de determinados textos, José Capinha Gil


esclarece:

[…] nós nunca fizemos peças de teatro que pudessem chocar com a consciência
crítica das pessoas, com o pensamento crítico das pessoas e, portanto, fomos buscar
alguns actores didácticos que era o caso do Bertold Brecht que era o que estava
mais na moda, ou do teatro campesino da América do Sul, ou do teatro brasileiro.
Mas também fomos buscar […] o “Woizec” do [George] Büchner que é uma peça
revolucionária em qualquer altura, fiz “As Histórias para serem Contadas” do
Oswald Dragen que é uma peça revolucionária em qualquer altura. […] Por

335
exemplo, aquela peça, “As Espingardas da Mãe Carrar”, se eu as fizesse hoje se
calhar fazia de maneira diferente, mas na altura foi feita com a consciência clara
que era uma peça que pretendia demonstrar como as pessoas desenvolviam a sua
consciência politica. Portanto os espectáculos, as peças que eram feitas não era,
propaganda imediata, posso usar a palavra inatelista ou inatelistica, não era
propriamente a propaganda imediata “Vota no Guterres” ou na altura “Vota no
Vasco Gonçalves”, era de consciência mais aberta […]. (José Capinha Gi)

Mas a valorização da transformação e o protagonismo dos indivíduos para mudar a


história implicava situá-los nas narrativas de uma história “indígena”. Referindo-se
aos modelos de nação identificados em A Identidade Nacional, Smith defende que
todos os nacionalismos concatenam elementos étnicos e cívicos em vários graus e
formas diferentes (1997 [1991]: 27). O caso em análise é disso exemplo. Se nas páginas
anteriores coloquei a tónica do discurso etnogenético que valorizava a ancestralidade
dos elementos demóticos nas narrativas da nação, agora pretendo sublinhar que a
“pastoral revolucionária”, ao reinserir o camponês na esfera da cidadania, destaca a
sua dimensão política próximo do modelo cívico-territorial definido por Smith (1997
[1991]), marcado pela “ideia de uma pátria”, de “um sentido de comunidade legal e
política” (1997 [1991]:23-24).

Como afirmei na primeira parte deste capítulo, nas representações da ruralidade


produzidas no quadro das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica é
possível identificar a valorização de um passado indígena “relevante” (Hobsbawm &
Ranger, 1994 [1983]). Todavia, este é, igualmente, convocado para legitimar a nação
democrática onde determinados acontecimentos constituem uma check list identitária
na qual a revolução se revê. Na formulação de Ramos do Ó (1987), no quadro da sua
análise da Exposição do Mundo Português, a veneração de um tempo pretérito
assumia um carácter de legitimação e coesão da ordem presente:

o que se pretende […] é uma forte demonstração da unidade e de coesão


do presente. Como este se legitimasse nos tempos que o antecederam e a
eles sucedesse uma forma absolutamente lógica e necessária (1987:178).

Referindo à conceptualização do passado no período democrático e reforçando a


ideia de “coesão” José Mattoso (1998) assegura:

Foi preciso a democratização da sociedade portuguesa, e a perda das


colónias, para que o passado deixasse de ser visto como um tempo

336
gloriosos, ou como uma «idade de ouro». A História passou, então, a poder
narrar um passado real, com ganhos e perdas, com avanços e recuos,
fidelidades e traições, sucesso e insucessos, unanimidades e contradições; e
apesar de tudo como um passado constitutivo da coesão nacional, pelo
simples facto de ser um passado comum e de resultar de uma experiência
vivida em conjunto ou tornada memória colectiva (Mattoso, 1998: 104).

Como sublinhou Oliveira689 (2004) a “invocação da História, nomeadamente nos seus


momentos revolucionários”, é frequente na conjuntura em debate, sendo o 25 de
Abril perspectivado “como acto único e momento inaugural” (Oliveira, 2004:125). No
caso vertente, o passado é utilizado para validar a ordem presente, documentar os
processos de mudança e situar o papel dos portugueses nos momentos
revolucionários, por vezes pouco sucedidos. Disso é exemplo a sessão de
esclarecimento no Sabugo a 20 de Fevereiro de 1975, na qual Vasco Gonçalves690
afirma:

E desejaria focar, ainda, um assunto importante.


Penso que o momento histórico que estamos a viver é um momento
comparável a 1820, a 1836, a 1910. Nessas datas, perspectivas se abriram
ao futuro dos Portugueses e essas perspectivas foram iludidas.
Pois bem! É dever de honra da Forças Armadas e de todas as forças
progressistas e patrióticas do nosso País que não deixem quebrar essa
esperança: que nós desta vez, não percamos nosso futuro. E é preciso
termos a consciência do momento que nós vivemos.
Nós vivemos um momento histórico; um momento como não viveram os
nossos pais, como não sabemos se viverão os nossos filhos!
Estes momentos são raros na História portuguesa. É preciso que
tenhamos consciência disso e é preciso que, tendo a consciência que
somos os construtores do nosso futuro, saibamos dar passos com lucidez.
E dois homens são mais lúcidos que um só (Gonçalves, 1976: 106-107).

689 Ver na mesma obra pp. 125-128 para análise de outras utilizações da História no quadro
desta iniciativa.
690 Na mesma linha retórica ver discurso de Vasco Gonçalves no I Congresso dos Escritores

Portugueses (Gonçalves, 1976: 211-212)

337
No mesmo discurso, Vasco Gonçalves recua mais uns séculos evocando uma outra
data-chave, 1640:

Esses homens que contribuíram para a construção do Novo País ficarão, de


facto na nossa História como ficaram os homens do tempo de D. João I,
aqueles homens que defenderam a independência de Portugal em relação a
Castela; como ficaram os homens de 1640 (Gonçalves, 1976:121).

Esta ideia teve grande circulação na época. José Saramago no prefácio do catálogo da
exposição Portugal, Um Ano de Revolução, 1974-1975 intitulado “Nunca tão perto de
possuir uma pátria”, passa em revista a História portuguesa desde a Lusitânia e
Viriato até ao 25 de Abril de 1974:

[...] No passado, o povo ergueu-se contra opressões, mas não sempre, e não
todo, se tal coisa é possível. Mas quero pensar e afirmo que todos esses
levantamentos prefiguraram isto que é hoje um acordar, uma ondulação de
maré rijíssima que vai sobrepondo vaga sobre vaga até remexer todo o mar
– toda esta ondulosa terra portuguesa de Norte a Sul, de Leste a Oeste, que
procura e vai achar a sua verdadeira configuração. Vejamos agora o nosso
próprio rosto nestes mil rostos fixados em instantes que são os primeiros
da nova história portuguesa.
Enfim se justificaram oitocentos anos de vida e de morte e muito
sofrimento entre a vida e a morte. Enfim se tira a prova real das contas que
o Povo Português veio escriturando enquanto não resgatava a sua própria
terra. E se é certo do que nada do que estou escrevendo tem que ver com a
ciência histórica, é certo também (clara verdade) que em momento nenhum
da sua história aquela parte do povo esteve tão perto de possuir uma
Pátria. […]
Vejamos os soldados, os operários, os camponeses, as gentes das cidades e
dos campos, ouçamos nas gargantas abertas os gritos da Revolução.
Vejamos o trabalho e a construção de tudo. Vejamos o ondular das
bandeiras, os braços erguidos no ar, a força dos punhos, o cântico das
imagens sobre a memória dos sons gigantescos das grandes caminhadas. É
este o Povo Português enfim recolhendo e frutificando a herança dos oito
séculos. Agora são as nossas verdadeiras Descobertas: este ser enfim o que

338
tanto procurámos – Portugal (Portugal, Um Ano de Revolução, 1974-1975,
1975) 691.

As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA procuraram levar


“as ferramentas que permitam interessar todos os portugueses na construção do
país”, tal como referiu Ramiro Correia na apresentação pública desta iniciativa em
Outubro de 1974. Mas à medida que caminhamos na fita do tempo, com a
aproximação das eleições para a Assembleia Constituinte, tornava-se urgente o
protagonismo do camponês num momento tão relevante do processo de construção
democrática. E, desta forma, a descentralização cultural passa também a ser foi
concebida como “um meio de associação”, sendo subalternizada a sua vertente
cultural como anteriormente foi descrito692. Vinca, assim, o Movimento:

[…] deve entender-se na actualidade portuguesa a dinamização cultural


não como um projecto de dar ao País imediatamente um padrão
determinado de cultura mas sim como um meio de associação. Quando
falamos em revitalização das associações culturais, pretendemos vincular
as pessoas à sua realidade local, motivá-las através de uma via associativa
a terem a perspectiva de um objectivo comum. A criação conjunta dos
portugueses, o espírito de reconciliação nacional, o sentimento que estão
empenhados numa revolução patriótica, consegue-se se o processo for
compreendido colectivamente. Será então necessário restituir ao povo
português os valores que o dignificam, paralelamente com a conquista de
novos valores materiais. Mas para não se perder o pé, e distorcer o ideal
prosseguido, necessitamos de atingir a liberdade, dispensarmos as
servidões e assim se entender a dinamização cultural como veiculo que
torne possível recuperar os valores fundamentais, através de um
revolucionar das nossas estruturas e da nossa visão do mundo693.

Agora, no quadro da opção pelo projecto socialista e com as alterações decorrentes da


proposta da “Acção Cívica”, era então atribuído ao camponês um papel que as
narrativas marxistas tradicionalmente olharam com desconfiança694, não lhe sendo

691 Este texto foi reproduzido no jornal Diário de Notícias, 29/4/1975, p. 7.


692 Ver capítulo 13.
693 Movimento, N.º 15, 22/4/1975, p. 2. Sublinhado meu.
694 Sobre esta temática ver capítulo 12.

339
reconhecida a capacidade de “gerir e planear a sua nova hegemonia” (Narin, 1998),
questão axial na “imaginação” da nação democrática.

De acordo com Hardt & Negri (2005), para o modelo marxista o que definia a vida
rural não era tanto a “idiotia mas a incomunicação” (2005:132). Era esta incapacidade
de comunicar que fragilizava a sua aptidão política. Assim, como escreve Marx no 18
Brumário de Louis Bonaparte:

Os pequenos camponeses constituem uma imensa massa cujos


componentes desfrutam todos da mesma situação mas sem estarem unidos
uns aos outros por relações diversas. O seu modo de produção separa-os
uns dos outros em vez de os conduzir a relações recíprocas. Este
isolamento é ainda agravado pelo mau estado dos meios de comunicação
em França e pela pobreza dos camponeses. […] entre os camponeses existe
uma ligação local e uma similitude de interesses que não cria entre eles
qualquer comunidade, qualquer ligação nacional nem qualquer
organização política. Só por isso eles são incapazes de defender os seus
interesses de classe em seu próprio nome, quer por intermédio dum
Parlamento, quer por meio duma Assembleia. Não conseguem ser
representados, têm de ser representados (1975 [1869]:142-143).

Seguindo, ainda Hardt & Negri (2005), os “circuitos de comunicação” que conferiam
à classe trabalhadora das cidades uma superioridade política sobre a massa rural
deviam-se também às condições de trabalho, isto é:

A força do trabalho industrial, que trabalha em equipas que se agrupam


em torno de uma máquina comum, define-se pela cooperação e pela
comunicação, o que lhe permite assumir-se activamente e emergir como
sujeito político (2005:132).

Desta forma, chegamos a um dos debates que animou socialistas e comunistas nos
séculos XIX e XX em torno da “questão agrária” e do papel dos camponeses na
política revolucionária no qual estes, concebidos como uma classe, só
protagonizariam feitos revolucionários se seguissem o proletariado urbano. E as
Campanhas de Dinamização, já numa fase avançada do processo revolucionário,
reflectiram estes pressupostos. Como referiu Silva (1987) todas as organizações de
esquerda, principalmente os partidos comunistas, insistiam na necessidade e na
importância do movimento operário ganhar a adesão do campesinato para uma

340
frente “anti-latifundista e anti-monopolista“695 no quadro da realização da aliança
operário-camponesa (Silva, 1997:410). As Campanhas procuraram, também,
contribuir para a construção desta aliança como se pode verificar na Proposta de Acção
Político Militar, na qual era contemplada a maior politização do campesinato através
da deslocação dos operários para as zonas rurais (Correia et al, s/d-a:137). Este
encontro permitiria, assim, desenvolver a sua consciência de classe. E esta
preocupação encontra-se presente logo no quadro da “Operação Nortada”. Num
artigo intitulado “Caminho Novo que não pode ser abandonado” escreve-se no
Movimento:

Se o 25 de Abril foi feito para nos restituir a liberdade foi feito também
para voltar a dar aos trabalhadores a possibilidade de exprimirem a sua
consciência de classe que nunca morreu durante o fascismo e cujo combate
foi uma das razões da queda do regime anterior696.

O camponês foi, assim, convocado como co-agente do processo revolucionário,


esperando-se que ensaiasse de novas formas de organização económica, cultural, e
política, como é o caso das cooperativas697 e da criação dos conselhos de aldeia, áreas
fomentadas e apoiadas no quadro das campanhas, nomeadamente quando

695 Veja-se para o caso português as propostas de Álvaro Cunhal (1974) na obra Rumo à Vitória.
As trarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional, em particular o capítulo 9 intitulado
“Unidade das Forças Democráticas e Patrióticas, Imperativo da Situação Nacional”.
696 Movimento, N.º 9, 28/1/1975, p. 3. Numa fase já mais avançada do processo revolucionário,

atente-se a um artigo publicado no jornal Avante, “Enquanto no Sul, o ímpeto revolucionário


se fortalece a cada momento de luta, a consciência de classe se tempera com as dificuldades, e
a vigilância revolucionária redobra perante as manobras da reacção, no Norte, os assalariados
e os pequenos e médios camponeses continuam presas dóceis das forças contra-
revolucionárias, o medo dilui uma consciência de classe incipiente, o fatalismo corrói a
esperança, o obscurantismo alimenta a miséria. No Sul os trabalhadores da terra tomaram nas
mãos o seu próprio destino e transformaram-no em cada passo. A reforma agrária é um
instrumento desta transformação que os trabalhadores agarraram convictamente e com ele
vão trabalhando a realidade económica e política de todo o país. No Norte os trabalhadores
da terra têm ainda as mãos atadas no mesmo terror que os amordaçou, durante o fascismo.
No Sul a resistência anti-fascista desenvolvida através de movimentos reivindicativos das
massas camponesas, deus aos trabalhadores uma prática de consciencialização revolucionária,
hoje posta ao serviço do processo revolucionário. No Norte, escassos foram os movimentos
reivindicativos, forte a passividade forjada pela deturpação dos sentimentos religiosos para
legitimar a opressão e a exploração, tremenda a descrença na possibilidade de um mundo
melhor.” (Avante, 10/7/1975, p. 12).
697 Com o objectivo de esclarecer sobre o cooperativismo o Movimento, nos seus dois números

de Abril de 1975 dedica dois longos artigos a esta temática (N.º 14, 8/4/1975, p. 8; N.º 15,
22/4/1975, p. 8-7).

341
orientadas para “Acção Cívica”. Atente-se às palavras de Ramiro Correia que
entende esta dimensão como uma forma de apoio à “fase em que se vai viver em
socialismo” destacando a importância do cooperativismo nas suas diferentes áreas:

Isso implica que teremos de encontrar formas, juntamente com os


trabalhadores, que possibilitem a sua efectiva participação, em todos os
níveis, na construção do socialismo em Portugal. Nos campos
designadamente, temos de estimular o cooperativismo agrícola, as ligas de
pequenos e médios agricultores.
O cooperativismo pode ser uma maneira de coordenar a vontade das
pessoas não apenas para a produção, mas também para a harmonização a
vários níveis em comunidade. A nível sanitário, a nível cultural, a nível
educacional, a todos os níveis através dos quais a comunidade tem de
evoluir e progredir para uma sociedade socialista. […]
Nós queremos que, em Portugal, o caminho para o socialismo seja um
caminho crítico […]. De resto, nós pensamos, que, o caminho para o
socialismo, isto é uma espécie de bola de neve, a pouco e pouco, aprece
sempre mais um, como a imagem do comboio do MFA que tem sido
apresentada. Nós queremos realmente que o comboio do MFA vá pelo País
todo e que cada vez vá metendo mais gente na carruagem, não perdendo a
sua personalidade , não perdendo a sua capacidade crítica, mas
englobando-se num projecto comum, colectivo e de construção do
socialismo698.

Relembre-se uma das alíneas a 2ª Directiva da CODICE699:

Fomentar e dinamizar todo o tipo de associação popular que permita a


construção do socialismo e compreensão colectiva do processo
revolucionário tais como comissões de moradores, de bairro, de aldeia, ou
trabalhadores (Correia et al, s/d-a: 84).

Assim se procurou desenvolver a “associação popular” no mundo rural, através da


criação dos conselhos de aldeia, considerados os “órgãos do poder popular no
campo” e um “órgão revolucionário a nível local”700:

698 Diário de Notícias, 1/5/1975, p. 13.


699 Sobre este documento ver segunda metade do capítulo 7.

342
[…] uma das tarefas da Dinamização Cultural no Norte do País é a partir
dos embriões de trabalho colectivo das populações incentivar e criar as
condições para a organização ao nível de toda a aldeia ou lugar […]701.

De facto, o conceito de metis torna-se novamente útil para pensar estas propostas da
revolução, na medida em que se ancoram nas formas de organização do trabalho das
populações para operar a transformação política. Contudo, caberia às “populações
das aldeias e dos lugares”a tomada de consciência da sua indispensabilidade:

Os conselhos de aldeia não devem ser criados por «decreto», pois terão de
ser as populações das aldeias e dos lugares, a chegar à conclusão pela sua
prática diária e na resolução dos seus problemas concretos de que eles são
essenciais. À «dinamização cultural» e às organizações políticas
progressistas inseridas nas populações, apenas lhes compete criar as
condições necessárias para essa tomada de consciência, aproveitando como
exemplo diversas formas de associativismo e cooperação existentes em
todos os lugares e que são embriões para despertar formas colectivas de
trabalho702.

Aos conselhos de aldeia, enquanto órgãos de base do poder popular no campo era,
assim, atribuído um papel axial no quadro de “uma transformação radical da
sociedade portuguesa” 703:

Alterar as condições de vida dos trabalhadores à volta da solução dos seus


problemas concretos e imediatos [...] e de uma forma colectiva, rompendo
com as estruturas existentes e inoperantes representativas dos interesses
das classes dominantes.
O fomento e a iniciativa da criação destes órgãos é pois uma tarefa decisiva
pois só eles poderão fazer cumprir as leis que interessam às comunidades e
só eles poderão fazer chegar o socialismo aos campos, através da realização
da reforma agrária, de um programa de alfabetização e dinamização da
cultura popular e mobilização das populações704.

700 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7. Sobre este assunto ver sub capítulo 7.2.
701 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7.
702 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7.
703 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7.
704 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7.

343
Mas neste Verão Quente, outros temas eram chamados para debater e fomentar as
formas de organização colectiva. Disso é exemplo a discussão em torno dos baldios.
Estes, ao mesmo tempo que possibilitaram aceder a uma imagem negativizada do
camponês, identificada no capítulo anterior, permitem, agora, a partir de uma outra
característica das populações rurais – o comunitarismo – debater a colectivização da
propriedade e do trabalho:

[...] o baldio era já uma propriedade tradicionalmente colectiva. Portanto o


que importa é que, com a devolução dos baldios aos povos após 30 a 40
anos de usurpação, eles voltem a ter a mesma existência comunitária que
tinham antes.
Oferece-se aqui um campo de luta provavelmente amplo. Na realidade, o
fascismo tudo fez para aniquilar todos os resquícios de comunitarismo, ou
colectivismo, ou associativismo. Daí que surjam muitos oportunistas, até
mesmo utentes legítimos dos baldios, lutando pela divisão destes e
consequente apropriação privada – a mais importante de entre as várias
formas susceptíveis de acabar com o carácter colectivo dos baldios. [...]
Caracterizando-se a floresta por uma reduzida aplicação de mão-de-obra,
ou melhor dizendo de trabalho humano, não poderá esperar-se no sector
florestal uma significativa colectivização do trabalho. [...] Portanto ao falar-
se em colectivização do trabalho, refere-se essencialmente à construção de
hábitos de trabalho comum. Na verdade, tem uma importância muito
grande, para a construção do socialismo, o trabalho comum, isto é, o
estudo colectivo dos problemas, a tomada de consciência comum, as
decisões colectivas, a confiança mútua, e a solidariedade705.

Estas propostas são reforçadas por um outro texto - “A Floresta à Luz do


Socialismo”- divulgado na mesma publicação na qual a devolução dos baldios é vista
como “um processo de levar as populações serranas a trabalhar colectivamente” e,
neste sentido, os baldios são conceptualizados como “a base dum regime socialista
em algumas das mais atrasadas regiões do nosso País”706.

No início deste capítulo destaquei a sensibilidade antropológica subjacente às


construções discursivas em torno da ruralidade no quadro da iniciativa aqui em

705 CODICE, [1975], Texto de Apoio N.º 19, Baldios (Arquivo particular Manuel Madeira).
706 CODICE, [1975], Texto de Apoio N.º 19, Baldios (Arquivo particular Manuel Madeira).

344
debate, argumento que poderá ser lido à luz da análise de Hann (1993) sobre os
modos de relação entre a antropologia e o socialismo. Segundo o autor, os
“primeiros” socialistas denotaram um interesse particular pelos materiais
antropológicos707, nomeadamente Engels na History of The Family, Private Property and
the State (1884). Nas palavras do antropólogo:

Anthropology was called upon provide part of validating charter of the


most influential strand of socialism for, if could be shown that human
beings had once before in their evolution lived in conditions of ‘primitive
communism’, then it might become more difficult to dismiss the prospect
of a communist future for industrial societies as mere Utopian fantasy
(Hann, 1993: 3).

De facto, os protagonistas das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica


do MFA parecem ter lido e interpretado o país que a revolução surpreendeu a partir
de um recorte etnográfico que concorreu para validar algumas das suas propostas.
Contudo, na obra Portugal 1975 - Os Campos, Oliveira Baptista afirma que não se
verificou uma integração efectiva do campesinato como “sujeito, no processo
democrático” (1978:150) e, neste sentido, o despertar dos camponeses para o projecto
socialista parece ter falhado. Nas próximas páginas procurarei uma aproximação aos
discursos locais sobre as Campanhas de Dinamização e Acção Cívica do MFA com o
objectivo de aceder às suas interpretações sobre esta iniciativa.

707Importa sublinhar que o diálogo também foi feito em sentido inverso, isto é, a antropologia
recebeu fortes influências das teorias e ideias socialistas. Ver sobre este assunto Hann (1993) e
artigos reunidos nesta obra que sublinham a contribuição da abordagem antropológica no
estudo do impacto do socialismo a nível local em diferentes contextos geográficos.

345
parte IV
Discurso local sobre as Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA
Capítulo 15| Múltiplas Vozes

Foto 14| Povoação do concelho de Castro Daire. 1975.


(Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)

Walter Benjamin em Theses on the Philosophy of History (1940) atesta que qualquer
imagem do passado, que o presente não reconheça como sua, tende a ser
irrecuperável (cit in Sekula, 2004), porque como afirma Halbwachs (1971 [1941]):“Le
passé devient en partie le présent: on le touche, on est en contact direct avec lui.”
(1971 [1941]:1).

Quando realizei em 1999 as primeiras incursões no terreno, percorri algumas aldeias


da freguesia de Covas do Rio no concelho de São Pedro do Sul (distrito de Viseu),
que fizeram parte do itinerário do MFA no âmbito da campanha “Beira Alta”.
Comecei por Covas do Monte, onde havia realizado trabalho de campo alguns anos
antes e também porque em Correia et al (s/d-a) vinha referido que ali foram
efectuadas “reuniões de aldeia semanalmente” e que era a “necessidade de um
fontanário e a conclusão de uma estrada […] que mobiliza[va] a população” (Correia
et al, s/d-a: 114). Quando perguntei a uma das habitantes desta povoação se
recordava a presença dos militares e a abertura da estrada na sede de freguesia há 24

347
anos atrás, respondeu-me: “eles ainda cá andaram em Abril”. Continuei o meu
périplo pela aldeia e as respostas que obtive aproximavam-se da formulação de
Benjamin, isto é, como se a imagem do passado, que eu ali construía verbalmente não
fosse reconhecida pelos habitantes.

Como referi no início deste trabalho708, e demonstrei no capítulo 8, as Campanhas de


Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA caracterizaram-se por diferentes
intensidades que espelharam o rumo do processo de transição e os diferentes
posicionamentos que a CODICE nele foi assumindo. Os habitantes dos lugares,
aldeias e vilas que fizeram parte do roteiro das campanhas, receberam esta iniciativa
nas suas diferentes formas. Uma sessão de esclarecimento, a estadia de um médico na
povoação, a construção de uma estrada ou a presença continuada das equipas de
dinamização numa sede de concelho produziram diferentes texturas da memória. Se
algumas pessoas não se lembravam, ou emergia dos seus discursos uma memória
residual desta experiência, outras transmitiam-na com intensidade.

Neste sentido, o presente capítulo procura dar conta da visão local das campanhas
que tiveram como destino o Norte e Centro interior do país, sobretudo o distrito de
Viseu e de Bragança709, e diagnosticar as diferentes perspectivas que evidenciam o
envolvimento de cada indivíduo nesta experiência. A óptica agora adoptada não é a
dos decisores ou dos que, no terreno, desenvolveram esta iniciativa, mas a do “povo”
para quem a revolução se confunde com a Dinamização Cultural do MFA.

Procura-se, então, examinar a forma como as Campanhas de Dinamização Cultural e


Acção Cívica do MFA foram recebidas e interpretadas pelas populações, dando-se
legibilidade ao espectro de posições assumidas, isto é, às “múltiplas vozes” (Brettell
1992:198), por vezes convergentes, por vezes discordantes sobre este acontecimento.
Cada testemunho vai, assim, contribuindo para a configuração desta experiência.
Seguindo Brettell (1992):

We forget that a society is made up of a multitude of voices. Too often,


when the events of 1974 that overthrew forty-eight years of a political
dictatorship in Portugal are discussed, it is from the perspective of those

708 Ver capítulo 1.


709Ver capítulo 1 para roteiro do trabalho de terreno extensivo.

348
who were at the center of activity – the military men, the leaders of newly
formed or reactivated political parties, the technocrats, etc. And yet, this
so-called revolution has affected the lives of all Portuguese citizens both
home and abroad, and their interpretations of the outcome are varied and
equally important (Brettell, 1992:198).

Através das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, o mundo


rural foi confrontado com novas discursividades sobre o país, procurando esta
iniciativa legitimar e conquistar a adesão das comunidades camponesas para o
projecto revolucionário, articulando, deste modo, a dimensão nacional da revolução
com a sua dimensão local710. As campanhas colocaram, assim, em diálogo a “grande
tradição” nacional e a “pequena tradição” local, para utilizar a célebre formulação de
Robert Redfield711 (1989 [1956]).

Por vezes, o carácter urgente da ruptura parecia não se coadunar com a lógica
campesina. Como sublinhou, Alfredo Morgado Ferreira, residente em Lamelas de Cá
(concelho de Castro Daire): “Eles queriam uma mudança rápida, mas as mudanças
não devem ser bruscas devem ser lentas”. No mesmo sentido, um habitante de Varge
(concelho de Bragança) afirma:

As pessoas iam tomando a liberdade pouco a pouco. Não foi por eles cá virem que
as coisas melhoraram, apesar deles viram dar um incentivo para que as coisas
andassem mais depressa. (Fernando Tiza)

710 Para análise da dimensão local do 25 de Abril de 1974 ver Reed (1995) e Piselli (1996). Reed
trabalhou o político na aldeia de Belmonte (Concelho de Belmonte) passados 20 anos. Já
Piselli abordou as estratégias económicas de indivíduos e agregados familiares no contexto
das mudanças surgidas em quatro aldeias do concelho de Coimbra passados 15 anos do 25 de
Abril de 1974.
711 Foi na senda deste autor, nomeadamente a partir da obra The Litle Community (1989 [1955]),

que o enfoque na comunidade camponesa, definida como um pequeno todo, homogéneo,


isolado, funcional e auto-suficiente, funda na antropologia a tradição dos estudos de
comunidade que irá contribuir significativamente para o conhecimento do espaço rural.
Numa obra posterior, Peasant Society and Culture (1989 [1956]), retomando a ideia de A.
Kroeber (1948) de “part societies with part cultures”, Redfield apresenta uma revisão dos seus
pressupostos iniciais colocando as comunidades camponesas numa posição intermédia, isto é,
ligadas parcialmente às sociedades urbanas.

349
Também o confronto entre absolutistas e liberais no século XIX712 surge como
referente histórico a partir do qual é interpretada a mudança de regime político:

As pessoas aqui viveram o 25 de Abril de uma maneira desconfiada, própria destas


aldeias mais isoladas. As mudanças nestes meios rurais são sempre recebidas com
alguma desconfiança, não aceitam muito bem. // Mesmo naquele tempo das lutas
liberais e absolutistas, aqui o povo manteve-se fiel ao absolutismo. O povo tem
sempre receio das mudanças, tanto que houve aqui morte e lutas nesse tempo. Até
há aí uma cruz que foi de dois homens que foram ali mortos. [...] Lamego já tinha
aderido à causa liberal, e eles vieram aí deitaram fogo às casas e fizeram umas
patifarias. Depois por vingança, com a guarnição dos absolutistas de Castro Daire
vieram aí [...] e impuseram que fosse duas pessoas de cada casa a matar os dois
indivíduos e mataram-nos à pedrada. E isto vem a propósito de dizer que as
pessoas no 25 de Abril receberam-no com muita reserva, andavam assustados. O
que se vai seguir agora? (Carlos Silvestre, Gralheira, Cinfães)

Na mesma linha:

Tivémos medo do 25 de Abril e agora temos medo da guerra [intervenção dos EUA
no Iraque]. Tínhamos medo que nos tirassem as terras. Os meus avós diziam que
no tempo do Paiva Couceiro houve gente que foi atacada. Tínhamos medo das
revoltas. Tiravam os bens à Igreja. A minha bisavó lembrava-se dos soldados e eu
pensei que no 25 de Abril fosse a mesma coisa. (Amadeu Carvalhoso, Picão,
Castro Daire)

Similarmente a chegada dos militares às aldeias, muitas vezes utilizando o


helicóptero como meio de transporte, é descrita pela referência ao receio de eclosão
de um conflito militar, com contornos pouco definidos, através da alusão genérica à
“guerra”. A conjuntura do 25 de Abril de 1974 é, deste modo, recordada como “uma
época esquisita”, “um ambiente ruim”, expressões que partilham o mesmo universo
de significados dos relatos sobre o comportamento das equipas militares. Para a
antiga professora primária da aldeia de Reriz (Castro Daire):

O Capitão [Manuel da Cruz] Fernandes, que alguns consideravam um homem de


craveira, chegava às escolas, e dizia: Tu, tu e tu venham comigo! E levava as
minhas colegas de helicóptero. Elas chegavam a fazer chichi nas cuecas de medo. //

712 Esta temática será retomada mais à frente neste capítulo.

350
As pessoas queixavam-se de tudo às Forças Armadas. Uma vez vieram-me dizer
que tinham denunciado uma professora. Eu estava de consciência tranquila porque
sabia que não era eu, como depois se verificou.

De facto, em aldeias onde a acção dos militares foi mais ténue e não diariamente
visível, as construções discursivas remetem para um campo semântico negativo lido
a partir de expressões como “só faziam maroteiras”, “andavam para aí de um lado
para outro de helicóptero com as professoras primárias” ou ainda “Não faziam nada,
só queriam era comer e beber“, como afirmou um habitante de Aveleda (concelho de
Bragança)713.

Competindo com estes relatos, surgem outros que elogiam a atitude dos militares e a
sua disciplina: “Eram muito rigorosos e rígidos. Não aceitavam nada para comer, só
presunto de vez em quando”. No mesmo sentido surgem outras narrações que
revelam a importância das forças armadas no “imaginário social português” (Santos
1992) nomeadamente do “tempo primeiro”714, recorrendo à expressão de Boaventura
Sousa Santos, que o autor faz corresponder ao tempo das forças armadas na
sociedade rural, marcado:

pela importância do serviço militar obrigatório nas trajectórias pessoais dos


jovens camponeses e das suas famílias. O universo simbólico deste tempo
sintetiza-se no conteúdo prático e mítico do “ir à tropa” na sociedade rural
(1992:45).

Por diversas vezes foi enfatizada uma proximidade relacional com os militares
alicerçada precisamente neste momento das trajectórias dos jovens. Disso é exemplo
o relato de uma habitante da Póvoa de Montemuro (Castro Daire): “A população
gostava muito deles. Não tiveram medo, eles fizeram o bem. Não íamos fazer mal às
tropas, nem nos assustámos porque os nossos filhos também foram tropas.”

713 A passagem das campanhas em Aveleda no âmbito da campanha “Maio-Nordeste” é

referida no conjunto de reportagens sobre de Mário Contumélias e Rui Homem publicadas no


Diário de Notícias (12/6/1975, p. 3).
714 O autor define três tempos simbólicos da relação entre as forças armadas e a sociedade

portuguesa. Para além do “tempo primeiro” referido no texto principal, Santos define o
“tempo segundo” que corresponde ao tempo das forças armadas “na sociedade liberta e
convulsa de 1974-75” que se sintetiza na expressão “Aliança Povo-MFA” e, por fim, o tempo
terceiro é o” tempo das forças armadas a entrar na CEE, dominado por uma certa
governamentalização das forças armadas a pretexto de as submeter ao poder civil de as
restringir ai seu papel profissional, cumprido em tempo de paz nos quartéis” (1992:46).

351
Também a mobilização e experiência da Guerra Colonial marca os discursos, tal
como referiu João Martins residente em Bustelo (Castro Daire):

Nós precisávamos muito deles. Eles disseram que vinham para trabalhar. Não nos
assustávamos. Eu já tinha sido militar na guerra em Angola. Eu até já tinha
saudades daquele ambiente. E cheguei a desenrascá-los quando eles vinham cá à
noite e indicáva-lhes o melhor caminho. Eu fui militar como eles.

Tal como referi no capítulo 8, na época a imprensa regional noticiou a ampla


participação das populações nas sessões de esclarecimento e a boa recepção às
equipas de dinamização, sobretudo no período que antecedeu as eleições para a
Assembleia Constituinte, momento a partir do qual se vão configurando de forma
mais nítida as oposições da notabilidade local e do clero. Na vila de Castro Daire
recorda-se a grande afluência às sessões de esclarecimento:

As pessoas iam com muita frequência e aderiam. O povo queria saber e confiavam
muito neles. A equipa que aqui esteve era muito simpática, embora gente da
cidade. Talvez até por isso, dado o grau cultural que eles tinham eram humildes
com as pessoas. Não havia rispidez, tratavam as pessoas com muita educação. Eu
gostei muito deles. (António Argentino Lacerda e Oliveira)

Como revelam os excertos acima citados, na época e na actualidade, os discursos


locais sobre as campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA são
extremados e antagónicos, configurando dois campos semânticos opostos em torno
dos quais se polarizam temáticas específicas715.

15.1.|”Veio o Movimento, veio a liberdade”

Nas povoações que percorri durante o trabalho de terreno extensivo as diferentes


transformações operadas a partir do 25 de Abril de 1974 são amplamente
reconhecidas. A valorização e o reconhecimento da mudança de regime político

715O presente trabalho é percorrido por um conjunto de temáticas que vão reaparecendo ao
longo dos capítulos com novas articulações. Neste sentido, o presente capítulo dialoga de
forma intensa com os conteúdos do capítulo 8 no qual analisei os trajectos da Dinamização
Cultural e as diferentes reacções das populações que a imprensa da época foi noticiando.
Neste capítulo, a documentação da época é convocada para reforçar as temáticas que no
presente são evocadas para testemunhar esta experiência.

352
marcam esta paisagem discursiva, onde se recorda “o nascimento de um mundo
novo”.

No mesmo sentido, Horácio da Cunha Pinto (Moinho Velho, Castro Daire) sublinha:
“Nessa altura era um outro mundo. Sentíamo-nos apoiados porque as Forças
Armadas deram-nos força para resolver as coisas”. Para além deste reconhecimento,
também o diagnóstico do “subdesenvolvimento” e do atraso do país, efectuado em
diferentes momentos pelos ”dinamizadores”716, é reforçado afirmando-se que “a
imagem que eles tinham [de nós] era verdadeira”. Daniel Silva, antigo presidente da
Junta de Freguesia de Covas do Rio (São Pedro do Sul) eleito pelo PSD entre os anos
de 1976 e 1989, resume desta maneira a mudança, enfatizando sobretudo a melhoria
das acessibilidades:

Até ao 25 de Abril não tínhamos nada. Depois houve as estradas que foram abertas
pelas Forças Armadas que vieram aqui, até ao alto da serra. Aqui em Covas do Rio
foi uma mudança radical em tudo. Se você soubesse o que nós passávamos para ir
até São Pedro do Sul… // Íamos por caminhos, por carreiros de cabras ou caminhos
de carros de vacas a caminhar até São Pedro. Demorávamos 4 a 5 horas, saímos de
noite e entravámos de noite. Naquela altura já havia uma estrada em Sul, não
havia era dinheiro para ir no carro. // Se você visse as ruas desta localidade em
alturas de chuva, ficava admirada. // Naquela altura não havia dinheiro como há
hoje. Hoje os dinheiros da Comunidade [Comunidade Económica Europeia]
facilitam tudo isto. (Daniel Silva)

Um habitante de Bustelo sublinha:

A vida na aldeia era muito difícil, estávamos abandonados e foi a partir da


Revolução que nos deram atenção. [...] Nós também éramos povo português. Era
uma terra desgraçada!

Neste contexto, a construção de novas acessibilidades e o melhoramento de outras


assumem uma dimensão de relevo face ao isolamento sentido717, sendo os discursos
marcados pela gratidão aos militares, recorrendo-se a expressões “as Forças Armadas

Sobre este assunto ver capítulo 13.


716

Referindo-se aos benefícios das campanhas na área das acessibilidades António Argentino
717

Lacerda e Oliveira, conhecido como António Argentino, na época director da Clube Musical
Recreativo Rerizense, as estradas abertas pelas Forças Armadas ainda hoje são conhecidas
como “os caminhos das Forças Armadas, os caminhos militares”.

353
eram boas pessoas e só fizeram o bem”. Também para uma habitante da Póvoa de
Montemuro, a presença dos militares do MFA é recordada:

Foi o primeiro sinal de progresso. Foi a partir daí que nos começaram a ligar.
Estávamos esquecidos. Antes para enterrarmos os mortos iamos a pé para Pinheiro
[sede de freguesia]. Era uma hora de caminho e tínhamos que pousar a padiola três
vezes. Para ir ao médico tínhamos que ir a pé parte do caminho e, depois, alugar
um carro.

Para Noémia Machado, na época professora primária nesta aldeia, a acção das
equipas de dinamização é descrita da seguinte forma:

As Forças Armadas nunca se nos apresentaram para impor nada. Eles puseram-se
ao nosso dispor. Disponibilizaram-se para nos ajudar. E então aí, como nós
precisávamos das coisas, começámo-nos nós a organizar. Não podemos de dizer que
eles mandaram, eles colaboraram connosco. Nós não temos nada a apontar. Ali eles
beneficiaram-nos porque se não fosse aquela estrada nós continuávamos isolados. //
Houve uma abertura, um desenvolvimento muito diferente do que era
anteriormente. Havia ali uma vontade de ajudar. E as pessoas, que eram muito
carenciadas, aceitaram-nos de braços abertos. As Forças Armadas tinham o ideal
de ajudar as pessoas. Se tinham outras ideias ali não as manifestaram. Nunca se
meteram com a religião. Não impuseram nada. As pessoas aceitaram-nos muito
bem. // O ideal deles era uma ajuda às aldeias que estavam muito isoladas e muito
carenciadas. Eu e a população vimos um debruçar sobre nós, o que nunca tinha
acontecido até ali. Estávamos completamente esquecidos. Vivi aquele tempo com
uma grande alegria porque vi ali nascer uma nova possibilidade de as pessoas
poderem desenvolver-se, poderem deslocar-se, poderem mudar.

Esta “vontade de ajudar” é também reconhecida nas muitas cartas, petições e abaixo-
assinados recebidos pela CODICE, em Lisboa. Dirigidas aos “representantes do
MFA”, ao “Senhor Presidente da Comissão Dinamizadora Central”, ao “Senhor
Chefe da Comissão Dinamizadora Central” ou, ainda, às “Campanhas de
Dinamização Cultural”718, estes documentos dão conta dos inúmeros pedidos das
populações centrados em torno do melhoramento de algumas infra-estruturas,
nomeadamente das acessibilidades. Disso é exemplo uma petição da Comissão

718 Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319.

354
Administrativa da freguesia de Padornelo (concelho de Paredes de Coura) datada de
7 de Fevereiro de 1975:

[...] Através da Rádio e dos jornais temos vindo a saber o vosso importante
programa sobre a campanha de Dinamização Cultural.

Como sabemos que tem dado certas informações, e que até já têm resolvido
algumas dificuldades, nós a Comissão Administrativa da Freguesia de
Padronelo lembramos de contar às Forças Armadas o atraso da vida desta
freguesia principalmente em dois lugares.

São eles “Lamarigo” e “Sobreiro”. Lamarigo que tem 20 casas e que se


encontram completamente isoladas. Não vamos falar de electricidade pois
esse problema ainda resolvemos com candeias de petróleo! O pior é os
caminhos: estamos retirados da estrada um bom bocado, quando faz falta
vir o médico a qualquer doente é um caso sério pois eles recusam-se a faze-
lo visto não quererem pisar lama. Quando tem de ir algum para o Hospital,
que não pode ir a pé, terá de ir no carro de bois, ou então nos nossos
braços!

Para apagar um fogo ou qualquer coisa urgente não [h]á por onde passar
uma ambulância, ou um pronto socorro.

Não podemos utilizar tractores hoje indispensáveis à lavoura pois o


caminho, além do mau piso é estreito e o tractor não pode carregar mato,
lenha, etc! ...O lugar do Sobreiro quase se encontra nas mesmas
circunstâncias, pois esse [h]á oito anos que foi tirado um projecto para um
caminho essencial para esse mesmo lugar e, até ainda se espera o
resultado!

Não precisamos de lucho [luxo], precisamos sim ter com que acodir
[acudir] a uma desgraça que nos pode surgir.

Agora gostaríamos que a campanhas de dinamização cultural, nos dissesse


qualquer coisa sobre este assunto: um conselho, uma ajuda qualquer coisa
que nos oriente neste atrazo [atraso] de vida.

Seria explendido [esplêndido] qualquer coisa agradável da vossa parte


para com o povo de Padornelo, ou seja para com o povo de Paredes de
Coura.

355
Desde já terminamos desejamos-lhes os maiores êxitos na vossa tarefa que
não é nada pequena719.

Localmente as populações também se mobilizavam, dirigindo os seus pedidos aos


responsáveis pelas equipas de dinamização que actuavam nos diferentes concelhos.
Disso é exemplo uma das muitas petições reunidas por Manuel Cruz Fernandes720:

Exmo. Senhor Coordenador da Campanha de Dinamização Cultural do


Movimento das Forças Armadas no concelho de Castro Daire
As populações dos lugares de Castro, Arrifana e Santarém vem pedir apoio
dos vossos serviços, para aproveitamento de água para rega de terras de
cultivo de milho, vinho, feijão e azeite.
A água para regar estas terras vem em rego de terra, numa distância de 600
metros pelo que assim se perde muita água e assim seca muito milho.
Estas povoações têm 20 fogos e 61 utentes.
Os terrenos de regadio com esta água são cerca de 180 hectares.
Estes terrenos produzem cerca de 54.000 quilos de milho, 600 quilos de
feijão, 40000 litros de azeite.
Depois do aproveitamento deste caudal em meias manilhas de betão de
cimento a produção destas terras terão um aumento de 50%.
A captação desta água é feita no Ribeiro da Azenha que até ao lugar de
Castro são 600 metros. O caudal para esta água tem que ser em meias
manilhas de cimento.
Esperando a V. Colaboração na organização deste projecto que vai
beneficiar estas povoações.
A Comissão Administrativa da Junta de Freguesia de Cabril, 29 de Agosto
de 1975
Alfredo Duarte Gomes
Fernando da Silva Fonseca721.

Também na época esta retórica de denúncia encontrava um espaço de projecção na


imprensa regional que, à semelhança dos jornais nacionais722, ia desvelando as

719 Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319.
720 Este responsável pelas equipas de dinamização que actuaram em Castro Daire reuniu um
conjunto de petições e abaixo-assinados com inúmeros pedidos que, para além das infra-
estruturas e acesso, versam sobre áreas como a electrificação, a captação, distribuição e
consumo de água e ainda pedidos de postos públicos de correio e telefone.
721 Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes.

356
principais carências da vida dos campos e a deficiente preparação política do
camponês para abraçar o novo projecto. Com o título “Lavrador quem és tu?”, o
Notícias de Chaves é disso exemplo:

Graças ao MFA o país acordou de um longo e duro cativeiro. Alegria


incontida para a maioria dos Portugueses que já estavam viciados até à
medula, de tão caótico estado de coisas.
O País estava podre, porque a sua população foi-se adaptando, por
absoluta necessidade de sobrevivência, ao regime governamental e a
maioria dos cidadãos nunca puderam respirar o ar puro e livre da sua
condição humana, estavam mergulhados no abismo, sem dele se
aperceberem. Fruto de ambientes incultos e submissos essa maioria que
fazia a força nem sequer poderá ser hoje acusada de pertencer a este ou
aquele sistema de governo, porque apenas um lhe foi imposto, e só agora
que outro se implantou, se dá conta de como essa maioria estava
canalizada.
Naturalmente, portanto que houve alegria incontida, em todas as classes
sociais, deste país renovado. […] Cada classe apressou reuniões e
conclusões; para todas se estudaram processos de defesa dos seus direitos;
nenhuma olvidou a utilidade do sindicato. […]
O lavrador (especialmente o da nossa Região) não está preparado para
enfrentar as actuais circunstâncias. Não tem culpa dessa impreparação,
porque neste meio século de analfabetismo crónico e de subjugação
obrigatória, apenas soube bater palmas quando o requisitavam na praça
pública e dar o seu voto ao parasita máximo da sua área. Por ser assim,
submisso e impreparado, honesto e respeitador tem agora a paga que tanto
o martiriza, de injusta que é. O lavrador, esse elemento social que merecia
estátuas em todas as portas pelo muito que sofreu, não pode ser ignorado,
das reuniões de todas as outras classes. Não pode sofrer mais, nem
continuar no anonimato imbecil. Temos que respeitá-lo com simpatia que
de todos merece723.

Também no Diário de Coimbra, numa notícia referente ao concelho de Castro Daire, é


destacada a importância da presença das equipas de dinamização:

722 Sobre este assunto ver capítulo 8.


723 Notícias de Chaves, 11/5/1974, p. 6.

357
[…] Tem estado a decorrer no distrito de Viseu, uma vasta campanha de
dinamização cultural do MFA, a exemplo do que se tem verificado já
noutros distritos por todo o país.

É englobado por esta campanha o concelho de Castro Daire, que sem medo
de sermos mais papistas do que o Papa, afirmamos será um dos mais
necessitados de trabalho deste género por parte do MFA.

[…] Encontram-se carência de toda a ordem: de luz, água própria para


abastecimento das populações, de caminhos e esgotos724.

A par da denúncia do mau estado das acessibilidades e de carências de infra-


estruturas básicas, alguns destes documentos e relatos referenciam outra das
temáticas que pontuam o discurso local sobre a Dinamização Cultural: a falta de
apoio médico às populações. Neste sentido, a acção médico-sanitária levada a efeito
no âmbito da campanha “Beira Alta”, nomeadamente em algumas aldeias do
concelho de São Pedro do Sul e em Sernancelhe, confunde-se com a representação
que as populações têm do 25 de Abril. O tempo da revolução corresponde ao tempo
da presença das equipas médicas nas suas aldeias e é a partir das campanhas que é
lido e enquadrado o tempo presente, nomeadamente quando se tecem críticas à
deficiente rede de serviços de saúde primários, recorrendo a afirmações como “os
médicos ainda agora cá fazem falta”. Neste contexto, evocam-se episódios marcados
pela grande heroicidade destes médicos presente em expressões como “salvou a
minha filha que estava grávida” ou “Se não fossem eles um homem ia cá morrendo!
Foram eles que trouxeram o médico”como relataram os habitantes de Forca
(concelho de Senancelhe). Em Macieira, São Pedro do Sul, a disponibilidade do “Dr.
Robalo”725 é alvo de apreciações positivas sendo este médico recordado como “um
bom homem”. Para José Rodrigues:

O Dr. Robalo teve aí um tempinho. Não sei precisar quanto tempo foi, mas teve aí
uns meses bons. As pessoas gostavam muito dele, coitado! Até foi aí filmado. Ele
vivia cá, e cá dava as suas consultas. O povo ficou muito contente. Na altura não
tínhamos quem consultasse ninguém. Tudo correu bem.

724 Diário de Coimbra, 5/4/1975, p. 4.


725 Sobre esta acção médico-sanitária e entrevista a Joaquim Mendes Robalo ver capítulo 8.

358
Jaime Gralheiro, na época Presidente da Comissão Administrativa da Câmara de São
Pedro do Sul, corrobora esta perspectiva chamando a si a responsabilidade da fixação
deste médico naquela aldeia:

Depois levámos um médico que era o Dr. Robalo, que se fixou em Macieira, que
nunca tinha tido médico, nem nada. E eu disse:- vocês querem um médico? Eles
pensavam que eu estava a brincar. Mas o médico foi mesmo, foi um herói, mas
aquilo foi durante pouco tempo. Era o espírito de missão, tinha muito a ver com os
médicos sem fronteiras, são rapazes novos, deixaram tudo, abandonaram tudo e
vieram por aí a cima para ajudarem este povo, para estarem com este povo, para
ajudar a libertar este povo. Esse médico veio, e deixou a família lá para não sei
aonde, em Lisboa, e veio por aí a cima e passou viver pobremente, ao nível daquela
gente, numa casita que lá se arranjou, a fazer por ele próprio, e dava consultas a
toda gente daquela serra, Macieira, São Martinho, Covas do Rio, Covas do Monte,
Pena. Toda aquela zona da serra já não necessitava de vir aqui porque tinham
médico lá. E isto que foi para eles uma alegria extraordinária. (Jaime Gralheiro)

Também o “subdesenvolvimento cultural”, que o Programa de Dinamização Cultural se


propunha debelar, encontra eco nas construções discursivas das populações. Para
sublinhar a relevância da Dinamização Cultural o, na época, Director do Clube
Musical Recreativo Rerizense726 alude às deficientes condições que dispunham para
trabalhar durante Estado Novo, nomeadamente as decorrentes da censura dos textos
que pretendiam encenar:

Tínhamos carências de toda a ordem. Subsídios para o teatro não havia. // Antes do
25 de Abril a maior parte das peças de teatro que temos lá para representar estão
todas carimbadas com o carimbo da censura. Depois não se podiam levar à cena,
depois cortavam uma quantidade de texto. Prendiam os actores em palco só porque
deitou umas serpentinas. Era proibido deitar serpentinas no Carnaval. Faziam-se
esses malabarismos terríveis. (António Argentino Lacerda e Oliveira)

726Fundada na primeira década do século XX esta associação dedicou-se na sua fase inicial ao
Teatro alargando a sua actividade ao Cinema. António Argentino colaborou com o cineasta
António Faria no filme Sertório, rodado em Moura Morta (concelho de Castro Daire) no ano
de 1976 e, também, na séria produzida pela RTP O Homem que Matou o Diabo (1979).

359
O apoio ao “desenvolvimento de centros culturais na província”, tal como previa
o Programa de Dinamização Cultural, é testemunhado com grande entusiasmo727:

Como director da associação fui eu que lhes pedi para ir a Reriz porque eles quando
pretendiam fazer umas sessões de esclarecimento pediam-nos a associação
Emprestada, que era a única casa com alguma dignidade e com algum espaço para
as pessoas poderem estar. // Então pedi-lhes, e dei-lhes uma resenha daquilo que
era a associação, e disse-lhes que gostaria que vocês falassem da nossa associação
para incentivar as pessoas para que se inscrevessem como sócias e ajudar-nos a
receber algum apoio do Estado. Havia nessa altura o FAOJ. E então, através deles,
nós recebemos uma iluminação, uma aparelhagem de som, fraquinha, rudimentar
que serviu para nós darmos espectáculos no exterior. Ajudou-nos muito nesse
aspecto. Criámos muitos sócios com a ajuda deles. Nós em termos de associação
beneficiámos muito. Eles conseguiram um bom trabalho e nós continuámos.
(António Argentino Lacerda e Oliveira)

A par do testemunho sobre as condições de vida anteriores ao 25 de Abril de 1974, o


significado local da Dinamização Cultural ancora-se numa outra temática axial para
as comunidades camponesas: o património. Na obra Proprietários, Lavradores e
Jornaleiras, Desigualdade social numa aldeia transmontana (1870-1978) (1984)728, Brian
O’Neill define património como:

[…] em primeiro lugar, a totalidade dos bens materiais de um dado


indivíduo, ou de uma determinada família: a terra, a casa e os bens móveis
(alfaias, mobiliário e gado). Em segundo lugar, património significa as
estruturas mais amplas da herança de propriedade e transmissão do
património (especialmente a terra) ao longo das gerações (O’Neill,
1984:203).

727 Mais fugaz é a memória da intervenção dos diferentes intelectuais talvez pelo carácter
momentâneo da sua intervenção. Apenas a actividade do sector do teatro é referenciada de
forma fragmentada. Virgínia, proprietária de um café em Aveleda, recordou a peça de teatro
que os militares tinham realizado numa eira: “Falaram sobre os partidos políticos e
perguntavam se queríamos a direita ou a esquerda. E alguns respondiam que com a mão
direita se trabalhava melhor”. Na mesma aldeia, uma outra habitante recorda o que a mãe lhe
contara sobre esta representação que versava “sobre a revolução e sobre o Antigo Regime.”
728 O autor aborda as três principais esferas da vida social: a terra (distribuição e posse

desiguais), o trabalho cooperativo (desigualdades relativas à troca de mão-de-obra e de tempo


de trabalho) e, por fim, o casamento e herança, enfatizando ao longo da obra o binómio
património/matrimónio e a sua repercussão ao nível da organização e reprodução sociais
privilegiando ainda a discussão sobre a desigualdade e hierarquia.

360
É sobretudo à luz da primeira dimensão deste conceito que também devem ser
interpretados os discursos locais que magnificam a intervenção das equipas de
dinamização nesta área, aos quais se encontra subjacente a especificidade da
economia campesina organizada em torno da “ética da subsistência” (Scott, 1976).
Neste sentido, em Rio de Onor foi um conflito em torno de uma tentativa de
apropriação individual de propriedades comunais, os “coutos”729, que mobiliza os
seus habitantes num pedido de auxílio às equipas de dinamização que percorriam o
concelho de Bragança. Mariano Preto, que assumiu a gestão da Junta de Freguesia de
Rio de Onor no período subsequente ao 25 de Abril de 1974, descreve em tom
valorativo o “auxílio” do MFA:

Eu acompanhei aqui a acção da Forças Armadas. Veio o Movimento e veio a


liberdade, não é. E nós tínhamos essas lameiras, que nós chamamos o «couto». As
lameiras são da comunidade. E dentro dessas lameiras existem umas parcelas que
chamamos nós os alargos. E esses «alargos» são particulares, pertenciam a uns
donos, a uns vizinhos. Mas o dono só tem direito a possuir esse alargo cada
segundo ano. Este ano fica para o povo e, para o ano, fica para o herdeiro. Mas o
herdeiro só tem direito ao corte do feno. […] Depois de cortado o feno o pasto já
fica para a comunidade. // Deu-se a liberdade e tal e houve umas pessoas que
quiseram apoderar-se da propriedade [...]. O povo não concordou porque aquilo era
uma tradição antiga. Não se sabe porque é que aqueles alargos foram cedidos à
comunidade, talvez fosse pelas águas, porque as represas foram feitas pela
comunidade. Então eles queriam começar a lavrar. E então nós tivemos que
recorrer às Forças Armdas. Fui eu e o Regedor que fomos lá a Bragança [...] onde
trabalhava o Movimento das Forças Armadas. E ficou tudo calmo. Fui tudo
discutido no conselho da aldeia. // A acção das Forças Armadas aqui foi boa, aqui e
em toda a parte. [...] O movimento do 25 de Abril foi realizado pelas Forças
Armadas e foi uma coisa boa. Aqui prestaram-nos um grande auxílio, ficámos
muito gratos porque livraram-nos de um ataque entre vizinhos. Tudo o que as
Forças Armadas fizeram foi bom. (Mariano Preto)

Como aludi no capítulo 2, Joaquim Pais de Brito referencia este acontecimento em Rio
de Onor, Retrato de Aldeia com Espelho (1996) no decorrer da sua análise do conselho e

729 Com o título “O Espírito Comunitário de Rio de Onor Ameaçado pelos Caciques da
Localidade”, a reportagem de Mário Contumélias e Rui Homem noticia este episódio. (Diário
de Notícias, 5/6/1975, p. 3). Relembre-se ainda que, tal como foquei no capítulo anterior, esta
situação é identificada em Correia et al (s/d-a): 183.

361
da gestão conflituosa da propriedade comunal, clarificando, deste modo, alguns dos
seus aspectos:

O próprio regresso da quase totalidade dos emigrantes entre 1974 e 1976 de


alguma forma aparece ligado com as transformações políticas ocorridas no
país, mas o facto de mais radical importância foi a passagem na aldeia dos
militares durante as «campanhas de dinamização» do nordeste. Foi então
que, auscultado o povo, face aos actos individuais de apropriação de
parcelas nos coutos, a maioria se pronunciou pela permanência destes na
posse comunal e foi exercido um efeito disusassor sobre os vizinhos pela
presença dos soldados armados e com a ameaça de virem a ser presos, caso
reincidissem. Assume particular significado o regresso dos emigrantes,
pois, sendo eles os que tiveram de abandonar a aldeia por carências das
casas a que pretenciam (muitos filhos e/ou reduzido património) vão
agora por todos os meios procurar ter acesso aos lameiros comunais na
nova situação que lhes dá segurança dos ganhos conseguidos no
estrangeiro (1996:84-85).

Segundo o antropólogo (1996) este conflito em torno dos alargos ficou documentado
nos versos de um jovem habitante da aldeia. Como afirma Brito “Neles se projecta a
dimensão do conflito e a importância atribuída aos soldados na sua «resolução»”
(1996:85):

RIO DE ONOR

O Povo de Rio de Onor


fica em Trás-os-Montes
é uma terra linda
por ter belos horizontes.

No povo de Rio de Onor


há muitas coisas que ver:
como o relógio da torre
e a água a correr.

Os dois partidos que havia


já deram por terminados
pois ganhou a maioria
com o apoio dos soldados.

Os coutos não se partiram


e continuam igual
destas coisas assim
é que gosta Portugal.

362
Queriam lavrar os alargos
mas não o conseguiram
não foi o povo que disse
mas as leis o não permitiram.
[...]

A união não acabou


e continuará para sempre
nem que se tenha que lutar
contra toda a outra gente.

Ao povo de Rio de Onor


não podem chamar fascista
porque ele sempre foi
um dos mais socialistas.

A gente de Rio de Onor


sempre se empenhará
em viver em sociedade
junto ao MFA.

A aldeia de Rio de Onor


continua a sua glória
só por ficar a vencer
esta grandiosa vitória.

Rio de Onor libertou-se


do seio do terrorismo
e continuará a viver
no antigo socialismo.
(cit in Brito 1996:8)

Retomando as palavras de um dos veterinários que trabalhou no concelho de Castro


Daire: “O camponês é sensível, sobretudo, à prestação de serviços donde resultem
efeitos imediatos”730 e, neste sentido, a pronta resolução de algumas solicitações,
como a disponibilidade em resolver questões de apropriação individual de terrenos
baldios ou de “água de herdeiros” assumiu destacada importância. Também o
trabalho das equipas veterinárias é alvo de apreciações positivas em muitas das
comunidades onde a criação de gado assume um papel fundamental como
complemento da actividade agrícola:

A 5ª Divisão e o Capitão [Cruz Fernandes] foi a coisa mais importante que


aconteceu na minha aldeia, dou-lhes um grande valor. Salvaram-me uma porca e

730Armando António Pires Remondes (Escola do Serviço Veterinário Militar), Relatório,


Lisboa, 27/10/1975, p. 2. (Arquivo particular Cruz Fernandes).

363
os leitõezinhos fazendo uma cesariana. Se não ela morria. (Póvoa do Veado,
Castro Daire)

Também em S. Joaninho (Castro Daire):

As Forças Armadas só fizeram bem às pessoas. Um dia perguntaram-me se eu


precisava de alguma coisa e eu disse que sim, que precisava de uma saca de farinha
para os animais. No dia seguinte tinha cá a saca. Conforme me fizeram a mim
fizeram a outros.

Como sublinhei nos capítulos anteriores, as campanhas procuraram incentivar a


criação de comissões de aldeia visando a resolução e acompanhamento de alguns
assuntos locais. Manuel da Cruz Fernandes, no seu arquivo reuniu algumas actas que
formalizaram estas novas formas de organização política:

Acta

Aos dezoito dias do mês de Outubro de 1975, na aldeia da Desfeita,


freguesia de Pinheiro, concelho de Castro Daire, realizou-se uma
reunião da população com a presença de elementos das Forças
Armadas em Campanha de Dinamização neste concelho, deliberando-
se constituir uma Comissão de Aldeia.

Após a votação livre e secreta ficou a Comissão constituída pelos 5


elementos mais votados, abaixo indicados

Para fazer constar se elaborou esta acta com as assinaturas dos eleitos
e dos elementos das FA presentes731.

Contudo, à distância de cerca de 29 anos a constituição destas comissões raramente é


recordada, exceptuando a Comissão de aldeia constituída na localidade de Póvoa de
Montemuro para acompanhar a construção da estrada de acesso à povoação:

Eles [militares] arranjaram a máquina. De onde veio a máquina eu não sei. [...]
Fizemos uma organização de pessoal. Duas pessoas ficaram de fora porque naquele
tempo na povoação só havia o meu carro e outro de uma pessoa que fazia
transportes. E nós os dois ficámos de fora para irmos buscar o material que era
preciso. Chegámos a ir ao Porto para irmos comprar ferramentas que ficavam mais

731 Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes.

364
em conta. // Então tínhamos uma organização de pessoas, organizávamos as
pessoas do povo. Havia dois que estavam à frente e o resto do pessoal ali estava
para ajudar no trabalho. As Forças Armadas, alguns deles também ajudavam e foi
assim que nós conseguimos aquela estrada.// Organizamos doze pessoas que iam
trabalhar duas a duas. Esses é que estavam à frente do trabalho juntamente com o
senhor da máquina. E depois unidas a essas duas pessoas fez-se uma escala do
pessoal da povoação que cada dia ia trabalhar com aquelas duas pessoas que
estavam à frente. // Eu é que estive à frente de tudo isto, inclusivamente até escrevi
para o Brasil, onde temos pessoas que nasceram na nossa terra a pedir uma ajuda.
Ainda tenho lá uma lista com o nome das pessoas e o que cada um deu para a ajuda
do material e do combustível gasto porque isso foi tudo à nossa conta. (Noémia
Machado)

Já o esclarecimento político realizado é recapitulado com vivacidade. Para um


residente na Póvoa do Veado (concelho de Castro Daire):

A 5ª Divisão e o 25 de Abril ensinaram-me a deixar de viver no fascismo e viver


em liberdade e democracia, a chegar a uma assembleia e falar e defender-me. O 25
de Abril tirou-nos o medo. Tínhamos medo de falar.

Em linha de convergência, António Argentino Lacerda e Oliveira recorda os temas


abordados nas sessões de esclarecimento, nomeadamente o incentivo à organização
de cooperativas agrícolas:

Eles incentivavam nas sessões de esclarecimento para que, em termos agrícolas se


criasse uma cooperativa, que as pessoas se juntassem, não andassem com os
“quelhinhos” a fazer isto e a fazer aquilo, o que quase nunca conseguiram. O povo
estava mentalizado de outra maneira. Isto teria sido muito bom para Reriz, teve lá
e viu, tem uma várzea bastante grande, bonita que podia ser rentabilizada se uma
máquina ali entrasse e fizesse um campo único e cada um iria receber pela parte
que lá tem. // As pessoas não se convenceram. Depois no outro dia, quando eles se
iam embora havia alguém que dizia: - não dá, vamos ser roubados!

António relembra, ainda, as recomendações feitas por Manuel da Cruz Fernandes:

Eles explicavam às pessoas que não sabiam em que regime estavam. Não tinham
noção. Sempre viveram naquilo. Uma pessoa que nasceu na altura do fascismo
como é que ia agora pensar que seria melhor outra coisa qualquer? As pessoas
faziam muitas perguntas e eles respondiam como foi feito o 25 de Abril, como é que
esse movimento se desenrolou. Davam uma explicação a toda a gente. Eles desciam

365
à cultura dos outros, explicavam tudo muito bem se não as pessoas não
conseguiam entender. // Eles foram ajudando para que as pessoas pudessem
participar nas sessões de Câmara, diziam: - Vão às sessões de Câmara, porque
vocês podem bater o pé, vocês podem exigir! // Eu recordo-me do capitão que esteve
aí [Manuel da Cruz Fernandes], eu gostava muito dele. Esse homem explicava as
coisas muito bem. Era um homem que sabia e as pessoas tinham por ele um
respeito muito grande. [...] // Ele dizia: - à entrada de um organismo vocês tirem o
chapéu por uma questão de educação, mas lá dentro batam o pé, dêem um murro
em cima da mesa, vocês podem-no dar, mas o chapéu, vocês tirem-no! Foi o homem
indicado para aqui. Ele resolvia mesmo as coisas. Num meio rural como era este,
com pouca cultura, com a 4ª classe ou nenhuma, foi muito benéfico. (António
Argentino Lacerda e Oliveira)

Importa sublinhar que estes discursos apologéticos da Dinamização Cultural,


cruzados com os relatos dos “dinamizadores” e com outra ordem de testemunhos,
como a imprensa local e a imprensa nacional732, contrariam a óptica de algumas
abordagens que tendem a perspectivar as campanhas a partir da agressão ideológica
às populações (ver Silva & Toor 1988) e da resistência das mesmas a esta proposta do
MFA, concebida como “acções de propaganda” (Reis, 1992:33) que tiveram uma
“execução canhestra” (Ferreira, 2001:13). Em trabalhos mais recentes (Oliveira, 2004;
Palacios Cerezales, 2003) as diferentes reacções das populações já são incorporadas,
aludindo-se a uma não “sintonia generalizada entre as populações-alvo e as
Campanhas do MFA” (Oliveira, 2004: 132) ou, ainda, aos “efeitos diversos” das
sessões de esclarecimento (Palacios Cerezales, 2003:95).

No mesmo sentido, irei, em seguida, dar conta das “outras vozes” que traduzem o
comportamento hostil do mundo rural relativamente a esta iniciativa733,
fundamentado na retórica anticomunista propalada pela Igreja e pelas forças políticas
que perderam a hegemonia na conjuntura revolucionária do 25 de Abril de 1974.

732Ver capítulo 8.
733Importa relembrar que Oliveira (2004) fez uma primeira aproximação às resistências das
populações na sua abordagem da dinamização cultural, bem como dos outros movimentos
congéneres que analisou. Para outro período da história portuguesa, no quadro do contexto
das problematizações sobre as resistências às mudanças políticas ver importante contribuição
de Ferreira (2002) centrada nas hostilidades populares ao liberalismo na segunda metade do
século XIX.

366
15.2. |“Foi uma nuvem negra que aqui passou e não deixou
saudades nenhumas”

A versão “desmonumentalizadora” da ruralidade e a retórica de denúncia que


consolidou o enaltecimento das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica
irão competir com outras representações que defendem as especificidades do mundo
rural e criticam o retrato do país difundido pelo MFA.

É a partir, sobretudo, do Verão de 1974734 que a imprensa regional, próxima das elites
políticas e eclesiásticas, procura afirmar a sua posição no seio da nova conjuntura
política apresentando a sua versão do país. Expressões como “o nosso povo não é
analfabeto” ou “o povo português não é reaccionário”735 percorrem os jornais da
época que se insurgem, também, contra a linha de argumentação que estabelece a
analogia entre a Idade Média e as populações transmontanas e beirãs.

Como já foi mencionado, esta retórica que se estente posteriormente, à “Operação


Nortada” abre um território de debate no qual a igreja e a notabilidade local,
recorrendo à imprensa regional e, no caso do clero, também aos boletins paroquiais e
ao espaço ritual da missa dominical, alinham as suas posições relativamente à
Dinamização Cultural através de um discurso regionalista e anticomunista736. Neste

734 O mote para este reposicionamento são as Campanhas de Alfabetização e Educação


Sanitária dirigidas pela Pró-União Nacional dos Estudantes Portugueses. Sobre estas
campanhas ver capítulo 4.
735 O Cávado, 12/10/1974, p. 5. A título de exemplo refira-se que o Diário de Notícias descreve

Trás-os-Montes como uma região “desprotegida” e “deixada à sorte de uma agricultura


medieval” (9/1/1975, p. 9), atribuindo a uma das suas reportagens o seguinte título: “A
«Nortada» Levanta o Véu ao Obscurantismo Transmontano” (10/1/1975, p. 1). Já em 1976, as
apreciações sobre o filme Trás-os-Montes” de António Reis e Margarida Cordeiro convergem
com estes discursos. O Mensageiro de Bragança dedica-lhe três artigos (30/4/1975, 14/5/1976 e
25/6/1976) cujos títulos aludem à “mentira” subjacente ao documentário: “Mais uma situação
falsa e por isso mentirosa é a de se apresentar uma família comendo neve, por falta de outro
alimento. […] Como seria difícil conceber tal situação, nem simbolicamente é possível ter tal
ideia. Ao transmontano falta muito do que os homens da cidade têm e desperdiçam, mas
nunca lhe falta o pão, mais ou menos abundante, consoante as agruras da vida dura lhe
permite. Mas não é verdade que lá alguém morra de fome como se quer deixar perceber. Mal
empregada a mesa farta de que certamente os realizadores do filme usufruíram, enquanto por
lá passaram tão ao de leve!” (Mensageiro de Bragança, 25/6/1976, p. 7). Ver entrevista a
António Reis em Leal et al (1993:45-51).
736 Tal como Palacios Cerezales(2003) opto por esta designação, na medida em que serve de

“denominador comum a diversos esforços que, conjunturalmente, se agregaram” (2003:109)


numa luta pela imposição dos seus projectos políticos nesta conjuntura. No mesmo sentido

367
sentido, o Mensageiro de Bragança defende que o “quadro antropológico” atribuído ao
nordeste transmontano, onde as suas populações são “compostas, de um lado, por
reaccionários e feudais, e de outro, por ignorantes, atrasados, não esclarecidos, não
politizados” não passa de uma análise “primária e infeliz.” Neste jornal pode ler-se
ainda:

Os senhores Comandos nada devem entender de sociologia (à


excepção, talvez, de uns rudimentares princípios necessários à acção
psico-social que noutros tempos o exército fazia em África) e, num
brevíssimo passeio quase turístico, ainda que competentes fossem na
matéria, não podiam desvendar toda a complexidade dos problemas
que afligem os transmontanos, a índole das gentes.

O Batalhão de comandos que nos visitou impressionou-nos pela


qualidade sofisticada dos seus apetrechos bélicos e pelo colorido das
suas gorras.[…] Mas, ninguém é bom em todos os ofícios; temos de
reconhecer, que como “prospectores” de almas falharam
redondamente.

Por cá não existe o fascismo, o feudalismo ou cousa que o valha. O


que há, sim, é a pequena propriedade, a pequena agricultura
desamparada de toda a protecção. […] O que aqui se sente, é
colonialismo da capital sobre a província, da cidade sobre o campo, do
operário sobre o rural, do intermediário sobre o produtor.

Os senhores Comandos não podiam detectar nada disto, até porque se


tratava de um Comando do Sul que veio para o Norte por sua própria
iniciativa […]. Não, senhores Comandos, cá pelo Nordeste não há
fidalgos e escravos vivendo em pavoroso estado de incultura e
ignorância. Não somos aquela carneirada que segue atrás dos pastores
(conforme a tal cantiga) sob as bençãos da igreja, na visão falsamente
propagandeada e difundida. […]

atente-se às palavras de Jorge Freitas Branco (em Almeida & Freire 2002) o anticomunismo
“[s]ervia não só para as pessoas se posicionarem no dia-a-dia, como também para exprimir
outras coisas. Julgo que nessa altura foi uma dádiva do céu para o Portugal rural aparecer
essa retórica do anticomunismo, porque permitiu ao povo rural, que até aí não tinha voz,
começar a ter voz. Ter voz era defender a igreja contra os comunistas, era ter receio de tudo o
que vinha das cidades, ter receio dos jovens oficiais, ter receio de tudo o que aparecesse de
diferente. Foi uma forma de se mobilizarem, de ganharem uma expressão” (2002:242).

368
Simplesmente o homem rural, sério e reflectido, tem tempo e
oprtunidade para pensar sobre tudo o que lhe é proposto e já há
muitos anos se habituou a julgar os homens e acontecimentos pelas
palavras de Cristo: “pelos frutos os conhecereis”.

É em nome da dignidade desta gente simples e boa de Trás-os-Montes


tão mal tratada, tão aviltada mesmo, pelas comunicações transmitidas
ao país a propósito da “Nortada” que elevamos o nosso protesto737.

Também a construção de um elo de cumplicidade com as populações rurais


preconizada pelo Programa de Dinamização Cultural acabaria por rivalizar com a
posição tradicionalmente reservada aos párocos locais. Profundamente inclusos nas
redes sociais e assumindo uma posição de mediação com o exterior (Pina-Cabral,
1981)738, estes irão protagonizar a defesa pública da sua relação de proximidade com
o camponês. Tomando como mote a “Operação Verdade” escreve-se, sob o título
“Com que justiça se minimiza a acção do padre?”, no Diário do Minho:

As Forças Armada realizaram, no Alto Minho, a “Acção Verdade”.


Oportuníssimo o nome. Importa falar verdade. Mostrar a verdade.
Ajudar a descobrir a verdade. Revelar a verdade. Informar com
verdade. […]

Há que dizer a todo o Portugal que o padre – salvo raras excepções


que em boa justiça não podem de modo algum, ser avolumadas nem
generalizadas – sempre tem estado ao lado do Povo para o servir. O
padre não tem ido fazer turismo para aldeias sertanejas, onde não há
água em casa, não há rede de saneamento, não há caminhos decentes,
não há farmácias. Não, senhores, o padre não tem ido lá dizer
palavras bonitas. O padre tem morado lá. O padre tem vivido a vida
do povo onde muita gente lá devia estar, se tem recusado a viver. O

737Mensageiro de Bragança, 14/2/1975, p. 5. Sublinhado meu.


738 Como afirmam Silva & Toor (1988) “Pastoralmente nas homílias o padre procurava
integrar elementos da vida quotidiana campesina na esfera do sacral, do transcendente e do
misterioso. O significado concreto dos ritos de passagem (nascimento, puberdade, casamento
e morte) era transposto para o quadro teológico da «vontade divina», da «origem» assim
como do «destino» sobrenatural de cada indivíduo. As festas e ritos anuais, que se
encontravam ligados ao ciclo produtivo agrícola, eram transferidos para uma ordem
transcendental divina.” (1988:72). Sublinhe-se ainda que a posição dos párocos na sociedade
rural foi trabalhada no contexto português por vários autores que destacaram também a
questão do anti-clericalismo popular (Cutileiro, 1977; Riegelhaupt 1973 e 1982; Sanchis, 1983).

369
padre tem sido, muitas vezes, o único líder de populações desejosas
de caminhar e progredir. Muitas freguesias devem à liderança do
padre o único que têm. Tem sido o padre que dinamiza as populações
e anda, de porta em porta de repartições públicas, mendigando, para a
gente no meio do qual quis viver e a quem se entregou, subsídios e
ajudas estatais a que tinham direito, já que o padre sempre se recusou
a pactuar com a existência de portugueses de segunda739.

A par desta contra-imagem, também durante os meses do Verão de 1974, abundam


na imprensa regional artigos que questionam a compatibilidade entre “um cristão e
um socialista”740 ou, ainda, são apresentadas definições de comunismo
acompanhadas de exemplos de experiências internacionais, como ilustra o seguinte
artigo:

“Símbolo do Comunismo: foice e martelo

O que é o Comunismo?

Resposta – O comunismo é uma seita internacional, que segue a


doutrina de Karl Marx (por isso chama-se também marxismo) e
trabalha para destruir a sociedade humana baseada na lei de Deus e
do Evangelho.

O comunismo ensina:

Em religião: só há matéria, que se vai aperfeiçoando sempre mais. Não


há Deus, nem alma, nem céu, nem inferno. O homem é apenas uma
animal aperfeiçoado, que desaparece com a morte. Uma vez que é só
matéria, o homem não depende de Deus, que não existe; ele é o
supremo senhor de si mesmo deve procurar a sua felicidade somente
na terra e nos prazeres do mundo.

Lenine proclamava: “É preciso atacarmos a religião”. E o seu sucessor


Estaline: “Consideramos a religião o nosso pior inimigo. A luta contra

739 Diário do Minho, 13/2/1975, p. 1. Meses mais tarde, por ocasião das cerimónias litúrgicas da
Semana Santa, o cardeal patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro reforça este posicionamento
perguntando “Quem mais do que os padres da cidade e da aldeia, serviu o povo e esteve com
o povo?” (Notícias da Covilhã, 5/4/1975, p. 12).
740 Mensageiro de Bragança, 28/6/1974, p. 4. O mesmo jornal dedicar algumas ao “Cristianismo

e Marxismo” (31/5/1974, pp. 1 e 4) e ainda ao “Marxismo” (5/7/1974, p. 4).

370
ela deve continuar infatigavelmente (Discurso de 4-12-1936).

Nossa Senhora de Fátima na aparição de 13 de Julho anunciou: “ A


Rússia espalhará seus erros (comunismo) pelo mundo promovendo
guerras e perseguições à Igreja; o Santo Padre terá muito que sofrer;
várias nações serão aniquiladas”.

Onde chega o comunismo, desencadeia-se logo a perseguição


religiosa. Na Rússia foram profanadas igrejas, presos ou mortos
sacerdotes e os cristãos. Calcula-se que desde 1917 até agora o
comunismo fez 65 milhões de mortos. Na Espanha os comunistas em 3
anos incendiaram e destruíram mais de cem igrejas, mataram 11
bispos, mais de 10 mil sacerdotes e religiosos e para cima de 60 mil
católicos. O mesmo aconteceu na China, em Cuba e nas nações do
centro da Europa.

Em economia: o indivíduo não é dono de nada. Tudo é do Estado, quer


dizer de todos, do comum (daí vem a palavra comunismo). No regime
comunista ninguém é senhor nem do seu dinheiro, nem do campo,
nem da casa, nem da profissão, nem de si mesmo. [...]

Na Sociedade: O comunismo propõe a igualdade absoluta entre todos


(todos camaradas) a qual se há-de conseguir por meio da luta de
classes, com greves, agitações e tumultos741.

Conotadas com uma forte presença de intelectuais de esquerda e de militares ligados


ao PCP, as Campanhas de Dinamização foram também integradas nesta retórica.
Disso é exemplo os artigos publicados em torno do Texto de Apoio N.º 9 (O que é a
Política?) já referido742. O suplemento pastoral Igreja Viva do Diário do Minho publica:

MFA Promove o Comunismo

A Comissão Dinamizadora Central do MFA aponta como modelos de


Socialismo o comunismo em vigor nos países de leste como a
Hungria, Polónia, Checoslováquia !!!

741 Diário do Minho, 11/7/1974, p. 2.


742 Comentários a este texto são também publicados no Notícias da Covilhã (14/6/1975, pp. 1-
2). Este documento encontra-se parcialmente transcrito no capítulo 12.

371
É o que se depreende do texto n.º 9 da Comissão Dinamizadora
Central do MFA, texto que se destina a apoiar a Campanha de
Dinamização Cultural que as Forças Armadas levam a efeito pelo país.

Então a 5ª Divisão do Estado-maior General das Forças Armadas,


preconiza, nas suas campanhas de dinamização, socialismo-
comunista?

Estamos entendidos!

E também avisados!

O Povo votou contra esse socialismo743.

E é à luz destes posicionamentos que devem ser lidos os discursos actuais que
localmente configuram a oposição às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA, os quais partilham alguns dos conteúdos dos excertos citados. As
discursividades locais são, deste modo, pautadas pela desvalorização desta iniciativa:

Andavam por aí. [A sua acção] não modificou nem a psicologia e fisiologia das
populações, nem a geografia da aldeia. Foi uma nuvem negra que aqui passou e
não deixou saudades nenhumas. Não fizeram nada de positivo, muito pelo
contrário. As pessoas tiveram receio desse indivíduo que vinha pr’aí [Manuel Cruz
Fernandes]. Formou-se uma seita. Nada bom! Vieram armar-se em grandes chefes.
A maior parte não gostava deles. Vieram levantar lebres que deviam estar
sossegadas. (Alfredo Morgado Ferreira, Lamelas de Cá, Castro Daire)

As discursividades locais que corroboravam a versão do país defendida pelos


promotores da Dinamização Cultural rivalizam agora com outros que se lhes opõem,
tal como afirmou o pároco de Sernancelhe:

Eles deram uma visão que não foi aquela que correspondeu à realidade. Porque
aquilo que os MFA’s e todos esses elementos que andaram por aqui nas chamadas
campanhas, nada mais fizeram do que comunizar ou pretender comunizar as
populações. Só diziam mal do regime anterior, que não tinham feito nada de bem. //
As pessoas pela responsabilidade que tinham, pelo cargo que desempenharam,

743Igreja Viva, Suplemento pastoral do Diário do Minho, 28/8/1975, p. 4. Para além do


suplemento, também o Diário do Minho, chama esta notícia para a primeira página da edição
de 18/6/1975 tal como o Notícias da Covilhã (14/6/1975), transcrevendo ambos este Texto de
Apoio.

372
tinham obrigação de ser verídicas naquilo que disseram e no entanto mentiram
descaradamente. […] era a falsidade histórica das coisas. A interpretação que eles
davam a tudo o que era do passado! Não só do tempo da União Nacional, do tempo
de Salazar, não só desse tempo, mas inclusivamente a interpretação da história
desde o princípio, era uma interpretação marxista. E como eles faziam essa
interpretação marxista da história, claro eu não podia concordar com aquilo. Era
dizer mal, só mal, só mal, só mal do regime anterior. Portanto o regime anterior
não fez nada de bem. Nem Maomé dizia tanto mal da carne de porco como eles
disseram do regime anterior. E porque o regime anterior só fez mal, então agora
eles iam fazer bem. E […] então pois começava aí a campanha, não é?// Olhe, eles
não fizeram nada pela promoção da terra. Absolutamente nada. Quiseram meter-se
em tudo, subverteram todas as estruturas e não fizeram nada de positivo!
(Cândido de Azevedo)

No mesmo sentido, João Duarte Oliveira, ex-autarca de Castro Daire, sublinha:

A 5ª Divisão das Forças Armadas espalhou-se pelo país inteiro porque entendia
que estaríamos numa fase conturbada da história e que iria contrariar os costumes
e o pensamento das pessoas da aldeia, que eles consideravam totalmente ignorantes
do ponto de vista político. E eles quiseram vir esclarece-los sobre a nova ordem,
sobre a democracia instaurada. // Claro que vieram, a maior parte deles, sem
qualquer preparação política, sem qualquer preparação social. Começaram,
inclusivamente, a perturbar e, até muitas vezes, a atacar os sentimentos das
pessoas. As gentes desta zona são bem formadas, praticamente todas educadas na
religião católica, que seguiam nesse tempo com grande assiduidade e muito fervor.
Hoje verifica-se um certo afastamento da prática religiosa, apesar de,
estatisticamente, todos eles sejam católicos. E as populações sentiram-se feridas
com a agressividade das ideias e até dos procedimentos dos militares que para aqui
vieram. (João Duarte Oliveira)

Fernando Tiza, por seu lado, também enfatiza a débil preparação dos militares para
lidar com as especificidades da ruralidade “a norte”:

Eram pessoas a leste do que se passava aqui, completamente. Havia um ou outro


que tinham algum conhecimento, filhos de lavradores daqui da região ou de outras
regiões e podiam ter algum conhecimento por via da experiência da vida ligada
com a agricultura. Os outros da cidade eram um desastre. Eles falavam com as
pessoas, muito simpáticos, mas aquilo que eles incentivavam não tinha pés nem
cabeça. [...] Ora os objectivos deles eram assim. Nós vivíamos na ditadura e nesse
regime nos baldios não se podia andar com as cabras, com as ovelhas, com as vacas.

373
Não se podia ir para os pinhais com esses animais. E eles baseavam-se nisso, na
ocupação dos baldios. A partir daquela data, já se podia pastorear os baldios, já se
podia semear. // Eles tiveram, às vezes, umas liçõezitas derivado precisamente de
não terem experiência. Ninguém os estimou mal. Foram bem recebidos,
lanchavam. Não sabiam mais porque não lhes ensinavam mais. Noutra aldeia, um
oficial miliciano, um alferes, pôs a questão de quantas ovelhas é que tinham lá. E o
oficial perguntou: - e quantas pessoas andam com elas? Andam três. Vocês deviam
comprar uns cães bons, juntavam as ovelhas todas e em vez de andarem três
pessoas andava só uma. E uma pessoa lá da aldeia disse: - Pronto! Então
compramos os cães e você pastoreia [risos]. Era totalmente impossível! Eram 500
ovelhas. Aí é que se vê a experiência deles. Não era possível. No Alentejo não, há as
herdades, aqui é partilha aqui, partilha ali e há frutos, milhos, batatas, que tem que
se guardar. Como é que uma pessoa conseguia andar com 500 ovelhas? O oficial
ficou encavacado. // Cá, em Varge, foi uma grande palestra e mais nada […] e foi
mais a questão dos baldios porque foi a questão que as pessoas mais puseram
porque queriam pastorear. Houve cá famílias que foram penalizadas por
atravessarem um fundo do pinhal, foram multados. Era o que preocupava a
população, era uma fonte de riqueza a floresta. (Fernando Tiza)

Em convergência com estes testemunhos, um dos fundadores da estrutura distrital


do PPD em Bragança744 descreve como tiravam partido daquilo que consideravam ser
as vulnerabilidades e a má preparação dos militares:

Recordo que numa fase da Dinamização Cultural eles faziam sessões


permanentemente em aldeias. Numa aldeia aqui de Bragança verificaram que os
lameiros estavam todos cheios de negrilhos, que é uma árvore curiosa que foi
desaparecendo por causa de um bicho qualquer, mas que era importante para os
lavradores utilizarem a sua folha para a criação dos porcos e esses negrilhos eram
fundamentais. Alguns deles eram minhotos e estavam habituados a ver nos
lameiros milho. Então começaram a impor à população que cultivasse o milho, que
cortassem os negrilhos e aquele povo ficou indignado, e disse: - Ó meu amigo o
senhor desconhece que numa fase do ano nós apenas temos como alimento dos
nossos suínos as folhas do negrilho. Eles nem sequer conheciam o negrilho. E
reagiram utilizando até uma linguagem torpe e agressiva com a população,
chamando-lhe burros. Aquela gente, que não era muito culta mas era sábia, no dia

744Júlio Carvalho foi uma dos intervenientes do programa televisivo Dinamização Cultural. O
fracasso do 4.º D, SIC, 19/04/1994.

374
seguinte o que é que fizeram. E isto foi já incitado por nós. Nós estávamos atentos
à acção e ao teor das intervenções deles. Aquilo era feito numa escola e que na hora
marcada, em vez deles pusessem lá os burros da terra. E quando lá chegaram
apenas encontraram lá no adro da escola os burros da terra. Foi uma cena! (Júlio
Carvalho, advogado, fundador do PPD de Bragança)

A estas interpretações aliam-se outras nas quais esta experiência é lida a partir da
ideologia anticomunista convocada para legitimar visões do mundo adversas ao
projecto político do MFA, recorrendo-se com frequência a afirmações como: “os
militares eram comunistas”, “eles eram o pretexto, o problema era o comunismo” ou
ainda “os militares eram como o Zé do Telhado, roubavam aqui para dar ali”. Na
mesma linha, Brettell (1979) dá conta de declarações semelhantes em Santa Eulália
(concelho de Viana do Castelo), um ano e meio após o 25 de Abril de 1974:

It is by now nothing new to note the strong anticommunist sentiments


which prevail in northern Portugal. Santa Eulalians were no different in
their views. In fact, “Não quero o comunismo” […] was the most frequent,
if not the only “political” statement heard. […] Others quite simply said
they did not want communism because communism meant to them that
they would no longer have control over the small plots of land which had
been in their families for generations (Brettell, 1979:287).

No mesmo sentido, em Aveleda:

Os militares eram aqueles do “Povo Unido Jamais Será Vencido”. Vê ainda me


lembro da canção deles! Os militares traziam o comunismo. Ali na eira quando
começaram a montar as bandeiras, estas tinham a foice e o martelo. Não faziam
nada, comiam. Nós demos-lhe de comer. Pensavam que vinham cá fazer o que
fizeram no Alentejo, mas não!

A par da questão da comensalidade, já referida, também a polarização entre o norte e


sul, aliada à questão da Reforma Agrária, é enfatizada pelas populações numa
perspectiva diametralmente oposta à dos “dinamizadores”745. Joaquim Carvalho, ex-
presidente de Junta da Freguesia de Almofala (Castro Daire), eleito nas eleições
autárquicas de 1976:

745 Sobre este assunto ver capítulo 12.

375
Eles tinham boas intenções, tinham o objectivo de desisolar as populações. Em Bustelo e
Cetos fizeram um bom trabalho, mas estavam a mando dos comunistas e as pessoas
tinham receio. Era o gonçalvismo, o Primeiro-Ministro era militar e comunista. Eles
também eram militares e queriam fazer cá o que fizeram lá para baixo. Ocuparam casas e
fábricas e puseram os donos fora e as pessoas sabiam disso. Cá os terrenos eram pequenos
e toda a gente tinha o seu bocado e as pessoas são muito religiosas.

Este relato ilustra, também, o facto de em povoações onde a acção das equipas foi
quotidianamente visível, nomeadamente na área das infra-estruturas ou no campo da
veterinária746, o reconhecimento do trabalho realizado não exclui as referências ao
“comunismo”. Sublinhe-se, ainda, que a referência a exemplos da “prática
revolucionária” dos “dinamizadores” é reforçada com a alusão a um capital histórico
centrado no conflito entre o poder liberal e a Igreja747, a partir do qual se examina a
nova situação política e se justificam as resistências às mudanças proporcionadas
pelo 25 de Abril:

Eles eram como os liberais. No diabo das ideias liberais pode-se ver o comunismo. Nesse
tempo os liberais mataram o padre Bizarro em Folgosa. // Tinham ideias vindas da Rússia
e davam a demonstrar que eram comunistas de primeira apanha. Na altura essas acções
foram muito mal encaradas. Eram formas de governar em que as pessoas perdiam os seus
bens. Era uma comuna, as terras todas juntas. (Alfredo Morgado Ferreira, Lamelas
de Cá)

Já Candido de Azevedo explica a sua oposição ao comunismo nos seguintes termos:

Eu sou frontalmente e totalmente contrário ao comunismo. Para mim, o


comunismo é metafisicamente errado, porque nega os valores transcendentes, a
vida eterna, a vida espiritual, nega tudo isso. Portanto no plano filosófico e
espiritual sou estruturalmente contrário. (Cândido de Azevedo)

Estes relatos ilustram, assim, a “dissonância entre o projecto político socializante e o


ethos camponês nortenho” (Palacios Cerezales, 2003:152) que se consubstancia numa
visão anticomunista da realidade. O “sentimento” anticomunista é interpretado por

746 Em Castro Daire é generalizado o reconhecimento do trabalho das equipas veterinárias,


nomeadamente a detecção da brucelose nos animais do concelho, mesmo para aqueles que
viriam a encabeçar movimentos contra a estadia das equipas de dinamização neste concelho.
747 Na obra Rebeldes e Insubmissos, Resistências ao Liberalismo (1834-1844), Ferreira (2002:485-486)

referencia o concelho de Castro Daire, enquanto palco de tumultos nos anos de 1838-1841,
classificados pela historiadora como “perturbações ligadas ao «cisma religioso»”.

376
Faria (1995) como uma “expressão da política oficial do salazarismo” (1995:229)748,
que se viria a revelar um instrumento eficaz no novo alinhamento de posições
políticas na transição democrática portuguesa, especialmente como ancora da
mobilização anti-revolucionária, possível através da acção da hierarquia da Igreja
católica e da mobilização dos párocos locais749. Neste sentido, atente-se ao
testemunho de Jaime Gralheiro sobre o Verão quente de 1975:

Pouco a pouco começa a levantar-se um movimento de contestação. E aí pelos


princípios do Verão de 75 começam os bispos a sair para a rua a fazerem
manifestações contra o 25 de Abril. Começaram lá por cima, por Bragança ou por
Braga, vieram por aí a baixo até Leiria. Chegaram a Leiria e pararam. Em Viseu
também houve. No Verão quente começou tudo a arder por aí acima, a serra toda à
volta a arde. São Pedro do Sul ficou cercado pelo fogo por todos os lados. // Foi dos
dias mais dolorosos que sofri, porque foi o dia em que me senti mais impotente, a
certa altura dava a sensação que íamos ficar todos aqui queimados, e depois o que
se punha a correr é que era eu que mandava deitar os fogos e pagava três contos ou
trezentos escudos a cada um. […] // Entretanto, o movimento dos médicos que veio
por aí acima, para o que agora se chama a periferia, começa a ser contestado pela
igreja com o argumento de que eles não eram médicos, não vinham para tratar das
pessoas, mas eram pura e simplesmente espiões comunistas que vinham para,
digamos, para preparar o povo para que os comunistas tomassem conta disto tudo
e incendiassem este país com comunismo. Diziam que eram falsos médico, e eles
que foram recebidos com as mãos abertas, passaram a ser atacados. (Jaime
Gralheiro)

748 Faria defende que “o comunismo surge aos olhos do Estado Novo como um inimigo da
sociedade, um inimigo da Pátria, que, além de se traduzir por uma diferença ideológico-
política, é quase sempre visto como «a destruição de todos os sistemas existentes para sobre
as suas ruínas se instalar o caos». É pois sob este conceito de caótico, de destruidor, que se
marcará fortemente um sentimento anticomunista, radicalizando todo o discurso ideológico e
que combinará formas muito diversificadas de intervenção, principalmente ao traduzir-se
numa complexa rede de acções e ideias de natureza política, económica, cultural, militar e
outras, que atingirão todas as esferas da vida social“ (1995:231-231).
749 Para além de Pinto (1999 e 2004) ver sobre este assunto Palacios Cerezales (2003). Já

Sanchez Cervello (1995) destaca o “anticomunismo terrorista” que se baseou em 4


componentes: “apoyo de la jearquía eclesiástica, cuyo epicentro fue elo bispado de Braga la
ayuda opercional, técnica y económica de España, que proporcionaba además una
retaguardia segura; la colaboración con los militares contrarios al 25 de Abril que vertebraron
todo el movimiento tornándolo eficaz y, por último, la aquiescencia de todas las fuerzas
políticas desde de los socialistas hacia la derecha, mayoritarias en los distritos de centro e
norte del país 81995:207).

377
Em muitas destas povoações a Igreja, e respectiva rede de párocos, assumia o papel
de “political interpreter”750 (Brettell, 1979: 291) da nova conjuntura política. Como
afirmou Júlio Carvalho “tinham uma acção pedagógica através do púlpito”751,
efectuando, deste modo, um trabalho de bastidores. Em muitos dos documentos
analisados esta situação é identificada pelas equipas de dinamização. Como ilustra
um artigo do Correio do Minho, relativo a uma sessão de esclarecimento realizada no
âmbito da “Operação Nortada”, um dos seus intervenientes mencionou a “frequente
utilização dos sermões para propaganda anti-comunista”752.

Já num dos “Relatórios de Acção” da Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real,


escreve-se sobre a sessão em Campeã: “Queixaram-se particularmente da actuação
do padre. Teria dito na missa que o PPD é o melhor partido”753 Também o
responsável pela acção em Castro Daire, no Relatório de Actividades da Equipe de
Dinamização de Castro Daire, refere idêntico comportamento dos párocos no período
que antecedeu as eleições para a Assembleia Constituinte:

Já nesta altura a Igreja, através de muitos dos seus padres, prestaram


um mau serviço aos seus fiéis e à Nação. O processo consistia quase
sempre em o padre escolher o partido que a ele convinha, ou lhe
parecia mais indicado, e transmiti-lo aos seus paroquianos, uma vez
do púlpito ou através do confessionário.

A partir daí, apenas um pequeno número das suas ovelhas saltavam o


controle psicológico em que tinham sido colocadas e se aventuravam a

750 Na mesma linha, Silva & Toor (1988), na esteira de Mannheim, reiteram que o padre era o
tradutor intelectual e moral dentro e fora da aldeia, a quem os camponeses «escutavam»
(1988:72).
751 Entrevista gravada (2002).
752 Correio do Minho, 12/1/1975, p. 1. Importa destacar como este assunto é referido em

Correia et al “A utilização do púlpito como forma de pressão e coacção psicológica sobre a


população, levando a adoptar uma posição pelo menos de reserva em relação às intenções dos
militares, foi sentida e, por exemplo, na Operação Nortada, […], aconselhava-se as pessoas a
guardarem os seu crucifixos, terços e outros objectos de culto para que os não roubassem os
militares.” (s/d –a: 40). A questão religiosa será abordada no mês seguinte por Vasco
Gonçalves no discurso proferido no Sabugo: “ […] os nossos soldados também se deslocam a
vós com crucifixos ao peito. Se é assim, se é assim porque nos caluniam, porque chegam a
dizer que demos ordens para retirarmos os santos e os crucifixos. […]. nós não devemos
desenvolver uma luta-anti-clerical. Nós sabemos que a maioria do nosso Povo é
cristão.”(Gonçalves 1976: 88, 102-103).
753 Comissão Dinamizadora de Vila Real, Relatório de Acção, 24/12/1974, p. 2.

(ArquivoMinistério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319.

378
esclarecer-se para optar eleitoralmente. Estes elementos da população
foram desde logo apontados como tendo produzido acções lesivas à
moral e foram apresentados pelos seus párocos como gente duvidosa
e provocadora do SENHOR.

Situa-se aqui a origem do poder de mobilização que posteriormente a


Igreja demonstrou e o oportunismo recolhido das franjas da extrema-
direita754.

Pina-Cabral sublinha ainda que “o padre foi sempre um dos elementos principais na
cadeia do patrocinato local” (1931:91) intervindo na esfera do político. Também, no
contexto do seu trabalho em Aguaril, Silva e Toor (1988) reforçam empiricamente
esta questão ao reiterar que os padres:

interferiam claramente em determinadas situações políticas, incitando


directa ou indirectamente na homília dominical os crentes a votar em
determinados candidatos ou partidos conservadores como sucedeu nas
eleições presidenciais de 1958 em torno do candidato salazarista Américo
Tomás contra o candidato da Oposição Humberto Delgado. Após o 25 de
Abril de 1974, os padres de Aguaril e de freguesias circunvizinhas tornam-
se um elemento decisivo para que a ofensiva comandada pelo bispo de
Braga e outro contra o Governo de Vasco Gonçalves surtisse efeito
(1988:73).

Para além da utilização do espaço ritual da missa ou do momento da confissão,


também os boletins paroquiais foram outro dos recursos utilizados pelas diferentes
estruturas da Igreja. O, na época, presidente da Comissão Administrativa da Câmara
Municipal de São Pedro do Sul assinala, de forma lacónica, a responsabilidade da
Igreja na movimentação anticomunista destacando o recurso aos boletins paroquiais:

754Relatório de Actividades da Equipe de Dinamização de Castro Daire. Documento manuscrito.


(Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes). Também nos seus cadernos de
apontamentos dá conta do que ia observando nas suas visitas às populações: “Picão: Padre
[…] na homília […] fazia a pregação de que uma vidente que via Cristo a sangrar e a virgem
com muitas setas. Vê outra coisa como dois grupos de crianças, um muito bem vestido, outro
mal vestido. O bem vestido representava o bem. O mal vestido o pecado.” (Caderno de
apontamentos – Início – 28/04/1975 // Fim – 09/05/1975 (Acidente). Arquivo particular de
Manuel Cruz Fernandes).

379
Os padres conseguiram pouco a pouco, através dos boletins paroquiais, formar
uma rede de contra-informação e uma rede de reaccionarismo puro. Não há dúvida
que havia uma fonte de informação nacional que mandava para os boletins
paroquiais e que era ali que se reproduzia textualmente. Só os boletins paroquiais é
que tiveram a coragem de vir afrontar o MFA, portanto, o movimento
revolucionário. (Jaime Gralheiro)

E num ofício enviado à CODICE pela Comissão Dinamizadora Regional do Porto


anexa-se o Boletim Paroquial da freguesia de Ribeirão, concelho de Famalicão, de 24
de Novembro de 1974 que circulava naquela região:

ESCLARECIMENTOS

a) Sobre o Comunismo

Esta palavra está gasta, pelo mau uso que dela foi feito, que traz muita
gente iludida.

O Comunismo é – antireligioso em toda a parte onde está no poder;

- é totalitário, partido único, com a violenta luta de classes e a ditadura


do proletariado.

Contudo nem sempre se apresenta assim, com táctica para entrar


melhor … Um comunista não pode ser ao mesmo tempo católico: para
ser comunista deixará automaticamente de ser católico; ou para ser
católico deixará de ser comunista.

Por mais que os jornais apregoem que na Itália há católicos na


Comissão Central do Partido Comunista, isto só poderá acontecer com
anjinhos ...

Ninguém pense que economicamente o comunismo trará melhor


sorte. Podem ter actuação eficiente nos Sindicatos, mas basta verificar
a grande diferença de nivel de vida na Alemanha Ocidental e na
Alemanha Comunista (dita democrática), para o comprovar.

O nosso Bispo (nosso, isto é, dos que pertencem à Igreja Católica) deu
orientação sensata e segura sobre este assunto.

O Episcopado Portugês escreveu uma lúcida Carta Pastoral.

A inteligência e cosnciência de cada um deve reflectir bem para

380
decidir, sem se vender a ninguém-

b) Sobre o MDP – CDE

O Movimento Democrático Português é agora partido político. Como


Movimento era controlado pelo partido Comunista. Agora como
partido parece que é partido de apoio ao partido comunista755.

Para reforçar esta questão, atente-se à posição assumida no suplemento Igreja Viva no
qual se defende a importância de informar o povo, sendo o boletim paroquial
concebido como uma arma de propaganda doutrinal. Com o título “Boletins
Paroquiais e Comunismo” escreve-se:

Com espanto vimos, há dias, propagandeado ser desleal a campanha


que alguns sacerdotes fazem contra o comunismo através das folhas
paroquiais, pois elas não podem servir como arma política; de facto
pretendem defender-se, que formem um partido e se defendam por
meios políticos. Ora esta acusa de deslealdade é tão grave como
infundada. Vejamos:

Os Boletins Paroquiais não combatem o comunismo por ele ser um


“partido político” mas por ser ateísta, anti-religioso, desumano e
intrinsecamente perverso, segundo o ensino constante da Igreja. […]

Desta forma, denunciando o comunismo, os Boletins Paroquiais, não


estão a servir como «arma política», mas como «arma de apostolado»,

E fazer apostolado, e apostolado aplicado às circunstâncias concretas, é


seu objectivo e obrigação.

E o povo precisa de ser informado e rectamente formado. [...] Urge


que a Igreja cumpra a sua missão de mensageira da verdade. […]

Bem sabemos que o comunismo tem, em todo o mundo, Igreja como


inimigo número um; e que nos países já subjugados por ele não são
permitidos boletins paroquiais livres, capazes de dizer, com verdade,

755 Ofícios n.º 95 de 2/1/1975. Em anexo Boletim Semanal, N.º 458, 24/11/1974, (Arquivo
Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319). Sublinhado no
original.

381
o que o comunismo é e o que a Igreja pensa dele756.

Apesar de a Igreja não se ter manifestado oficialmente contra as Campanhas de


Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA757, os católicos perspectivaram as
campanhas como uma “medida discriminatória”, não só pelos conteúdos que lhes
estavam subjacentes, mas também porque estas incidiram em regiões de “mais
elevada prática católica” (Matos, 2001:103).

Importa acentuar que a distribuição de comunicados constitui também um dos


veículos utilizados para dar legibilidade ao descontentamento local. Júlio Carvalho,
que assume a responsabilidade que teve na mobilização das populações contra a
“Maio-Nordeste”, afirma:

Eu recordo que nós face à situação muito critica deles aqui, porque não
respeitavam a cultura e andavam aqui com propósitos profundamente políticos,
com cartilhas nitidamente marxistas, leninistas e estalinistas e eles chegavam a ser
agressivos para connosco, não só verbalmente e até com ameaças físicas, ao ponto
de, em determinado momento, nós começámos a pensar seriamente na nossa
sobrevivência política e pessoal e tivemos que nos lançar numa campanha de
comunicados […] em que nós atacávamos a sua conduta e a sua acção. Depois
usando sprays nas paredes de forma a os afastarmos daqui. (Júlio Carvalho)

Muitos dos comunicados que circulavam por Bragança em 1975, hoje fazem parte do
seu acervo particular que, prontamente, partilhou:

Bragançanos

A tempestade avizinha-se a passos largos se nada fizerdes para a


evitar. Já o antídoto foi aplicado uma vez mas, estupidamente,
deixamo-nos arrastar por sentimentos humanos que os comunas não
possuem. […]

Lede o “Arquipélago de Gulag”, onde se retrata a autêntica face do


comunismo e comunistas e ficareis sem sono para alguns dias. […]

Os comunistas já se introduziram, novamente, na cidade e marcam as


vossas portas, para a grande noite, enquanto dormis, sossegadamente,

756 Igreja Viva, Suplemento pastoral do Diário do Minho, 3/10/1974, pp. 1 -2


757 Para posicionamentos da Igreja nesta conjuntura ver Franco (1989).

382
sonhando com o dia que não vereis758.

Como referi no capítulo 8, a “Operação Beira Alta” foi marcada, nos concelhos de
Castro Daire e Sernancelhe, por dois episódios liderados, respectivamente, pela
notabilidade e clero locais, que marcam de forma indelével a memória das
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica nestes concelhos759. Conhecidos
como “o episódio do Dr. João” e pelo “caso do hospital de Sernancelhe”, estes
acontecimentos ilustram a passagem de uma situação de “descontentamento” à
“mobilização”760 das populações contra as equipas de dinamização, aproveitando o
“momento político oportuno” (Godinho, 2004:89).

Na perspectiva de João Duarte Oliveira, as Campanhas de Dinamização Cultural e


Acção Cívica, a par do esclarecimento político, tiveram como objectivo desacreditar a
sua imagem como “homem influente” naquela localidade, destacando, ainda, como o
“povo anónimo o defendeu”:

[…] Eles vinham também com um propósito que era destruir a imagem do Presidente da
Câmara da altura, que era a minha própria pessoa .[…] Não havia nada que efectivamente
os levasse a prender-me, mas eu tinha que ser preso porque era, na verdade, nesse tempo
um homem muito influente. Era Presidente da Câmara, tinha acabado de ser deputado,
quando foi o 25 de Abril estava no Parlamento, naquele tempo, Assembleia Nacional. E
eles queriam denegrir a minha pessoa. Iam para as aldeias dizer disparates de todo o
tamanho a meu respeito, desonestidades. Eu recordo-me que numa dessas assembleias que
eles deram numa aldeias o pároco estava presente e faz esta pergunta lá ao Capitão Cruz,
que era um tipo preverso: - então o senhor diz tão mal do Dr. João, se ele é isso tudo o que
diz, porquê que o senhor não particpa aos tribunais? Os tribunais é que fazem justiça, não
são os senhores. Os senhores apenas podem coligir os actos que ele praticou, os crimes que
ele fez e as ilegalidades que terá cometido, isso é para os tribunais, não são vocês agora que

758 Arquivo particular de Júlio Carvalho.


759 Relembre-se que no caso de Castro Daire, em Outubro de 1975 a população mobilizou-se
para defesa de João Duarte Oliveira, destacada figura da notabilidade local, detido na sua
residência por elementos do COPCON. Sendo o COPCON uma estrutura militar, naquele
momento também se colocou em causa as próprias equipas de dinamização, alheias a este
decisão. Ver capítulo 8.
Já na vila de Sernancelhe, o cerco ao hospital, visando a retirada das equipas médicas que aí
trabalhavam, foi encabeçado pelo pároco Cândido de Azevedo em Dezembro de 1975.
760 Palacios Cerezales (2003) apresenta três etapas de explicação da reacção popular violenta

ocorrida no Verão quente “ (1) como se origina o descontentamento; (2) passagem do


descontentamento à mobilização; (3) eleição e difusão de um repertório de acção colectiva
(rotineiro, transgressor ou violento)” (2003:145).

383
são os juizes! E mandaram calar esse sacerdote. E com esta campanha e com estas
mentiras resolveram vir prender-me. // Eu fui defendido mais até pelo povo anónimo. E
perguntavam-lhes assim:- porquê que veio defender o Dr. João? O senhor é uma pessoa
pobre. Ele pagou o funeral do meu pai. // E houve casos imensos destes porque eu,
efectivamente, auxialiava as pessoas que precisavam. // Eu era Presidente da mesericórdia,
Presidente dos bombeiros, eu era advogado, era Presidente da Câmara, deputado e
praticamente tudo girava à minha volta. Não era por vontade minha, mas porque não
havia ninguém para esses lugares. Portanto caia-me tudo em cima, porque eu tinha
capacidade de realização. Eu fiz muita coisa… Aquele Palácio da Justiça que alí está fui eu
que o fiz. Quando eu vim para cá e as crianças faziam a 4ª classe e não podiam continuar
a estudar, eu fiz um colégio. […]. E se não o construisse muita gente teria ficado com a
instrução primária porque os pais não os podiam mandar para fora de Castro Daire. […]
E estas coisas marcam as pessoas. E depois eu sou um homem católico, educado nos
principios católicos, filho de gente católica que ensinou que amar a Deus é amar ao
próximo […]. Por isso toda esta maldade que me quiseram fazer só tinha fins políticos,
mas que escolheu o caminho errado porque eu não obstrui nada das suas actividades aqui,
fiquei isolado no meu canto. Veio o 25 de Novembro, e esse senhor Cruz […] continuou
cá. Praticamente a Dinamização Cultural desaparceu do país depois do 25 de Novembro e
ele manteve-se cá uns meses largos. (João Duarte Oliveira)

Em Reriz, localidade de onde é natural de João Duarte Oliveira, uma habitante


quando instada a recordar este episódio afirma: “Eu até estou arrepiada de falar
nisso! Se a população não tivesse sido alertada ele tinha morrido. O COPCON veio
prender o Dr. João porque ele era fascista”. Justina recorda que o sino tocou a rebate
em Reriz por volta das 16 horas, e que foram para a vila em defesa do ex-autarca,
transportando no seu carro alguns habitantes761. Importa sublinhar que este
destacado membro da elite política de Castro Daire assumia as características de
patrono local e, neste sentido, muitos relatos são pautados pela relutância em
compreender a razão desta tentativa de prisão na medida em que o “Dr. João era um
bom homem, ajudava os pobres!”. Como afirmaram Freire, Fonseca & Godinho
(1999):

o patrocinato previne a existência de conflitos, levando o cliente a


confiar nos empenhos do patrono. Todavia, quando os conflitos

761 A população foi, também mobilizada, através da distribuição de um comunicado, já


referenciado e transcrito no capítulo 8.

384
resultam do impacte de uma medida exterior e que tem um efeito que
afecta diferentes grupos sociais, os patronos locais, tradicionais
mediadores com o nível central, podem ter uma função ora
congregadora no desencadear de um levantamento, ora de porta-
vozes locais (Freire, Fonseca & Godinho, 1999: 103).

De facto, localmente este acontecimento foi vivido de forma intensa pelas populações
que agiram seguindo as lógicas dos seus contextos de interacção e da sua posição no
espectro político-partidário. Para, um dos fundadores do PPD de Castro Daire, que
chama a si a responsabilidade da mobilização em defesa de João Duarte Oliveira, a
narração deste episódio revestiu-se de alguma perturbação, constituindo o momento
da entrevista um reencontro com um passado traumático. Quando expliquei o
trabalho que realizava respondeu-me: “- não lhe posso contar aquilo que fiz na
altura. No dia 25 de Novembro estava com uma arma apontada aos militares”762. De
seguida afirmou:

A acção da 5ª Divisão em Castro Daire foi péssima e persecutória, como se vê pelo caso do
Dr. João. O objectivo era a instalação de um regime comunista. Eles queriam representar
as várias instituições do Estado, queriam ser o tribunal. Castro Daire foi o último local do
país a ser abandonado pelos militares.

Já “o caso do hospital de Sernancelhe”763 enquadra-se numa das formas de acção


colectiva protagonizadas pelos movimentos anticomunistas definidas por Palacios
Cerezales como “cerco e assaltos a locais adversários” (2003:156). Cândido de
Azevedo, recorda com vivacidade o seu protagonismo nesta acção:

A Igreja nunca entrou assim directamente, oficialmente, neste assunto. A posição da


Igreja está tomada nas cartas pastorais que os bispos escreveram. Portanto, o que a igreja
oficialmente pensava está ali. Eu não enjeito a responsabilidade e tenho muita honra de
dizer que fui eu que provoquei a saída deles daqui do Hospital. O Hospital tinha que ser
Hospital e não um quartel militar. Não podia ser! E fui eu que incitei a população. De

762 No dia do incidente do “Dr. João” relembra com comoção que armou os filhos com o
objectivo de defender a família de uma “invasão por parte dos militares”, uma vez que tinha
sido avisado, “discretamente”, sobre uma possível prisão de João Duarte e Oliveira e de si
próprio. Relativamente ao 25 de Novembro, afirma que teve conhecimento dois dias antes. Foi
chamado à estrutura deste partido em Viseu e deram-lhe uma boina “com muitas fitas
coloridas para pensarem que ele era o general de Castro Daire” e uma caixa de explosivos,
que seria para dinamitar uma ponte.
763 Relembre-se que este episódio foi largamente difundido pela imprensa regional.

385
resto a actuação dos padres foi uma actuação inteiramente pessoal. Eu não recebi
instruções de ninguém da igreja, nem do meu bispo. Nunca me falaram em coisa
nenhuma, nem para ser a favor nem contra, nem para tomar esta ou aquela atitude. Tudo
o que eu fiz é da minha total responsabilidade. Total! (Cândido de Azevedo)

Os diferentes autores que trabalharam a mobilização camponesa (Wolf, 1973 [1969];


Scott, 1985 e 1990; Edelman, 1999) demonstraram que as revoltas e as mobilizações
não foram fomentadas do exterior. A sua explicação reside na própria experiência
quotidiana, isto é, na identidade camponesa, reforçando estes movimentos “sistemas
ideológicos” (Godinho, 2004:89) e mundividências distintas. Já Marx no 18 Brumário
de Louis Bonaparte (1975 [1869]), sublinhava a sua especificidade, como referi no sub
capítulo 15.2. Como afirma Godinho (2004), na linha de um fértil dossier teórico
sobre estudos de comunidade e mobilização em contexto rural:

Concebida a sociedade rural como «parcial» [...] os movimentos aí


emergentes resultam da junção do local com o global, do paroquial com o
cosmopolita […], que hibridizam – nos objectivos, nos meios, na ideologia,
nos agentes, na liderança, na estrutura – os símbolos e as práticas de
resistência (2004:89).

Shanin (1976), ao definir a comunidade camponesa, enfatiza a relação específica que


as unidades familiares fomentam com a terra, destacando ainda a ligação que estas
mantém com os detentores do poder político e económico:

The peasantry consists of small agricultural producers who, with the help
of simple equipment and the labour of their families, produce mainly for
their own consumption and for the fulfilment of obligations to the olders of
political and economic power (1976:240).

O diálogo com esta proposta de Shanin permite consolidar a interpretação destas


múltiplas vozes sobre as Campanhas Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA.
Os episódios de Castro Daire e Sernancelhe, tal como os discursos negativos sobre a
dinamização sublinham a ideia de Eric Wolf, em Peasant Wars of the Twentieth
Centuary (1973 [1969]) de que os camponeses se mobilizam para defender a tradição.
Neste sentido, Godinho (2004) referindo-se às diferenças entre a mobilização dos
campos do Norte e do Sul de Portugal, reitera:

386
as que correspondem ao Norte são geralmente reactivas em relação à
alteração dos modos de vida visando repôr um estado de coisas abalado,
enquanto que a Sul os objectivos e as formas de luta assumem um cariz
activo, lutando pela conquista de novas e melhores condições de vida e de
trabalho (2004:98-99).

Sublinhe-se que as acções e comportamentos das equipas de dinamização que não


constituíram uma ameaça, muito pelo contrário melhoraram as suas condições de
existência, por vezes de forma imediata, foram objecto de apreciações valorativas,
nomeadamente as relacionadas com o património. Como demonstrou Dupuy (2002),
contrariando alguma historiografia francesa, os camponeses tem um projecto político,
isto é, existe uma “política do povo” que justapõe elementos contraditórios como
revolução e tradição.

387
Capítulo 16|“Ó Portugal que vida é a tua?”

Fig. 8| Uma flor na arma/O povo na rua/ Ó Portugal que vida


é a Tua? Postal editado pela Associação 25 de Abril em
colaboração com jornal Público por ocasião da comemoração
do trigésimo aniversário do 25 de Abril de 1974. Júlio Pomar,
2004

No dia 25 de Abril de 2004 celebrou-se o trigésimo aniversário da revolução. Em


Lisboa, na Avenida da Liberdade, lugar privilegiado das comemorações do 25 de
Abril nesta cidade, o Bloco de Esquerda, um dos partidos políticos que engrossava o
desfile, vendia t-shirts estampadas com um grandioso “R”. Em vários locais do país
surgem, em outdoors, os cartazes oficiais que assinalavam a efeméride cujo espaço da
representação era composto por cravos multi-cromáticos acompanhados pela frase
“Abril é Evolução”. Também em muitos desses cartazes foi acrescentada a letra “R”
antes da palavra “Evolução”, marcando o desagrado pela desvalorização de um
património histórico e político. Nuno Morais Sarmento, na época Ministro de Estado
e da Presidência reiterava, no prefácio à obra 25 de Abril: Os Desafios para Portugal nos

388
próximos 30 anos, que era objectivo destas comemorações ”celebrar o presente. Porque
é no presente que encontramos o maior legado de todos: a evolução da democracia”
(2004:9). O mesmo ministro, em conferência de imprensa, viria a afirmar que “os
valores de Abril, como a liberdade, a democracia, o progresso económico e social, não
são compatíveis com comemorações rotineiras e enquadradas em considerações
meramente ideológicas” e que a “palavra-chave”que nortearia o programa oficial das
comemorações seria “evolução” 764.

Ao longo deste trabalho identifiquei diferentes narrações sobre Portugal no quadro


de uma conjuntura de aceleração histórica que marcou de forma indelével as
trajectórias daqueles que foram protagonistas das Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA. Francisco Albuquerque foi um dos colaboradores
da CODICE na área do Teatro. Presentemente reside em França e nunca me foi
possível entrevistá-lo no quadro deste trabalho. Através de uma colega, cujo percurso
de investigação se cruzou com o meu, consegui obter o seu contacto. Num dos e-mails
que trocámos sobre a temática que nos unia escreve:

Da memória ficaram no coração aqueles belos momentos que não serão nunca mais
esquecidos, de ver um povo renascer, o sorriso no olhar da liberdade, uma grande
alegria e fraternidade. O resto é feito de pequenas histórias vividas no terreno
directamente com as gentes do povo por um jovem de 22 ou 23 anos que a história
esquecida dum povo transformou a vida em verdadeira maravilha.

De facto, “foi a história esquecida de um povo” que militares e colaboradores das


Campanhas de Dinamização procuraram transformar. Ao olharem de forma
retrospectiva o passado, os diferentes interlocutores estabeleceram diálogos com o
Portugal de hoje, produzindo narrações negativas de um país que, na sua
perspectiva, insiste em subalternizar um tempo e uma experiência na qual se
empenharam há cerca de 30 anos atrás.

Na obra Elementos fundamentais da cultura portuguesa, Jorge Dias reitera que a


actividade revolucionária do povo “trás sempre consigo um cunho de ideal” (Dias,
1955:17), e foi precisamente o ideal democrático que os protagonistas desta

764 http://www.portugal.gov.pt./mp/pt/GabImprensa/NoticiasLusa/GC15.htm. O
historiador António Costa Pinto foi o comissário do programa de comemorações nomeado
pelo governo.

389
experiência afirmam que “falhou completamente”. Para além das críticas aos
diferentes governos constitucionais, o cerne dos seus discursos continua a ser o povo
que “não soube viver a liberdade, não soube construir este país em liberdade”.
Paradoxalmente identificam, também, aquilo que consideram ser uma continuidade
do seu trabalho e de como foram pioneiros das missões militares de auxílio às
populações que os Estados contemporâneos promovem em diferentes contextos
geográficos. Como afirmou o responsável pela equipa de Castro Daire: “A
Dinamização Cultural não morreu com a minha equipa. Aqueles efeitos ficaram.
Hoje percebe-se que essa é a via, como fazem os militares noutros países.” Também o
sector intelectual da CODICE interpreta a realidade de hoje como uma consequência
da sua acção passada, recorrendo à expressão “deixámos a semente” como sublinhou
José Capinha Gil:

Importante foi ver que essa obra, aquilo que foi pensado, a descentralização
cultural, os centros culturais regionais, os centros dramáticos, todo esse
movimento se mantém. Hoje o país, apesar de estar mais desértico do ponto de
vista da população, tem uma actividade cultural que não se compara. […] Essas
coisas é que são verdadeiramente aquilo que nós semeamos. Nós não semeamos
couves. Nós semeámos árvores e o que Portugal é hoje deve muito a essas pessoas.
Mas nós não temos possibilidade de identificar directamente as árvores que
andámos a semear, mas sentimos que o país se desenvolveu nesse sentido. Apesar
de haver muitas contradições: algumas sementes que deitámos à terra produziram
um mau efeito.

Neste trabalho, cujo objecto de estudo “não era como os outros” (Gruénais, 1997: 89),
a convocação de diferentes metodologias permitiu enriquecer o conhecimento global
sobre as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA,
possibilitando o diálogo entre dois tempos e a aproximação às interpretações
“nativas” sobre os efeitos que esta experiência teve na mudança da sociedade
portuguesa nos últimos 30 anos. Interrogou-se, também, como é que aqueles que
foram o mote desta iniciativa a receberam e interpretaram num momento
caracterizado por uma intensa desruralização. Identificaram-se as múltiplas vozes,
muitas vezes discordantes, e mais uma vez ficou sublinhada a formulação de
Halbwachs sobre a forma como a construção do passado deriva do momento
presente, isto é, como os diferentes agentes sociais envolvidos nos confrontam com
imagens de Portugal que justapõem duas temporalidades.

390
Demonstrei que as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA,
enquanto uma das propostas da agenda “revolucionária”, estabeleceram um intenso
diálogo com a cultura popular de matriz rural. O elogio da ruptura e a “retórica de
visibilidade”, que caracterizou esta conjuntura histórica, rivalizou com um discurso
que apresenta continuidades com o regime anterior uma vez que recorre à mesma
categoria da população para pensar a identidade nacional: o camponês. Este é
convocado na construção de uma categoria de alteridade central na legitimação da
nova ordem política. Nele se projecta o país empobrecido, o país autêntico e o país
revolucionário.

Ao procurarem legitimar a sua versão de Portugal, os protagonistas das Campanhas


de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, revelaram uma sensibilidade
antropológica lida não só nas diferentes descrições da ruralidade que
surpreenderam, como também na utilização que fizeram de alguns conceitos
fundadores da antropologia, como “cultura” e “outro”, reforçando empiricamente o
trânsito das ferramentas conceptuais da disciplina fora das suas fronteiras, que na
nossa contemporaneidade se vão tornando cada vez mais porosas.

Foram velados e revelados os diferentes aspectos da cultura popular, edificando-se


mais uma etapa de um movimento que se estruturou na equação “povo-ruralidade”
e que, desde o século XIX, percorre os diferentes períodos da história portuguesa e
europeia. Tendo em consideração estes aspectos, importa continuar a interrogar os
“usos da ruralidade” (Leal, 2007) noutros contextos etnográficos na medida em que a
tautologia “povo-ruralidade” continua a pautar a “construção de discursos vários
sobre a tradição e raízes que têm vindo a povoar a paisagem cultural e ideológica
portuguesa contemporânea” (Leal, 2007:58).

Italo Calvino, ao relatar os percursos reflexivos de Palomar afirma que ӎ da coisa


olhada que deve partir a trajectória que a liga à coisa que olha” (Calvino, 1985:118). A
antropologia vai desenhando, assim, os seus trajectos que espelham novos tempos e
espaços, actualizando o seu objecto e as suas metodologias, estabelecendo relações de
conhecimento com o mundo envolvente. Certamente que continuará a interrogar “Ó
Portugal que vida é a tua?”. E esta pergunta de Júlio Pomar, cunhada de uma canção
popular portuguesa, sublinha os diálogos contemporâneos que os diferentes agentes
sociais continuam a estabelecer com as culturas populares.

391
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Biblioteca do Clube Militar Naval


Anais do Clube Militar Naval, Lisboa

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Desportos. Revista da Direcção Geral dos Desportos, Lisboa

Centro Documentação 25 de Abril – Universidade de Coimbra


Fundo Associação 25 de Abril
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Fundo Comunicados e Panfletos
- Caixa Forças Armadas EMGFA – 5ª Divisão

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Fundo Aida Ferreira
- Caixa CIASC Central
- Caixa CIASC Central VI
- Caixa CIASC Central VII
- Caixa “Campanhas de Dinamização Cultural, Distrito de Coimbra (Fotocópia
de alguma documentação existente no governo civil), Governo Civil de
Coimbra”
- Caixa CIASC – Regiões- Ilhas, Açores
Fundo Alexandre Alves Costa
- Caixa Comunicados e panfletos. SAAL Nacional.

Centro de Documentação e Informação – Cinemateca Portuguesa


- Cinéfilo

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Arquivos Particulares
José Carlos Chã de Almeida
Manuel da Cruz Fernandes
Manuel Madeira
Marcelino Vespeira
Ramiro Morgado
Rodrigo de Freitas

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A Guarda, Guarda
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anexos
ANEXO I |Grupos e peças de teatro representadas1

Casa da Comédia
Um Barco para Itaca, Manuel Alegre. Encenação Norberto Barroca. 1974

Centro Cultural de Évora


A Noite do 28 de Setembro, Richard Demarcy. 1975

Clube Recreativo Popular de Boa Fé – Évora


A Forja. Texto de Alves Redol. 1975

Companhia de Teatro Itinerante Rafael de Oliveira


Traição do Padre Martinho. Bernardo Santareno. Encenação Rogério Paulo,
1974

Comuna, Teatro de Pesquisa


Ceia II. Texto colectivo a partir de textos de B. Brecht, de Antero, de Pedro
Homem de Melo e da Bíblia. 1974
Era uma Vez, Alfredo Nery Paiva. 1975

Conjunto Cénico Caldense – Caldas da Rainha


O Canto do Papão Lusitano, Peter Weiss. 1975

Grupo Cénico Amador da Manutenção Militar


O Urso, Tchekov. Encenação de Ruy de Matos. 1975

Grupo da Casa do Povo de Nossa Senhora da Tourega – Évora


O Dia Seguinte, Luís Francisco Rebelo. 1975

Grupo de Teatro de Campolide


Fulgor e Morte de Joaquim Murieta, Pablo de Neruda
Cenários e figurinos João Vieira. Encenação Joaquim Benite, 1975.

1 As datas referem-se ao ano de apresentação das peças.

429
Grupo de Teatro Amador de Sete Rios
A Poesia é uma Arma Carregada de Futuro. Montagem cénica de poemas de
Mayakovsky, Manuel Alegre, António Gedeão, Mao Tse Tung e de diversos
poetas africanos. 1974

Grupo de Teatro CDAC – Alenquer


A Caminho da Liberdade, 1975

Grupo de Teatro Lethes


Pide, história da repressão, 1975

Grupo de Teatro de Manique do Intendente


A Traição do Padre Martinho, Bernardo Santareno. 1975

Grupo de Teatro do Operário de Mem Martins


As Espingardas da Mãe Carrar, B. Brecht. 1975

Grupo Veto-Teatro-Oficina
A 10ª Turista, Mendes de Carvalho. 1975

Os Bonecreiros
As Imprecações Junto das Muralhas da Cidade, 1975

Os Cómicos
Da Vida Heróica da Burguesia, As Cuecas, Carl Sternheim.
Encenação Ricardo Pais, 1975.

Proscénium – Grupo Cénico do Sindicato dos Profissionais de Escritório


do distrito de Lisboa

Espectáculo composto por duas partes distintas. A primeira intitula-se


“Cenas da antiga vida portuguesa”. A segunda consiste numa cegada
intitulada “História de D. Violante Cartomante, Sô Capitão, D. Reacção e do
Zé que armou banzé”. 1975

430
Teatro da Cornucópia
O Terror e a Miséria no III Reich, Bertolt Brecht. 1974

Teatro Português de Paris


O Canto do Papão Lusitano, Peter Weiss. 1975

431
ANEXO II |CARTAZES

Os Presentes das Forças


Armadas, João Abel Manta,
1974
Fonte: João Abel Manta
Obra Gráfica, Museu Rafael
Bordalo Pinheiro/Câmara
Municipal de Lisboa,
Lisboa, 1992, p. 310

MFA, Sentinela do Povo, João Abel O Povo Está com o MFA, João Abel
Manta/CODICE, 1975 (Arquivo particular de Manta/CODICE, 1975 (Arquivo particular de
Rodrigo de Freitas) Rodrigo de Freitas)

433
Vasco, MFA; Força, Força Companheiro Unidade Povo-MFA, Rogério Amaral/CODICE,
Vasco, Nós Seremos a Muralha de Aço, João 1975 (Arquivo particular de Rodrigo de Freitas)
Abel Manta/CODICE, 1975
(Arquivo particular de Rodrigo de Freitas)

A Revolução em Marcha, Artur Rosa/CODICE,


Com a Revolução, Pela Cultura, Justino Alves e 1975
Moura-George/CODICE, 1975 (Arquivo particular de Rodrigo de Freitas)
(Arquivo particular de Rodrigo de Freitas)

434
Os Meninos da Revolução. A Flor da Liberdade,
A Cultura é a Liberdade do Povo, Maria 1975
Velez/CODICE, 1975 Reprodução de desenho de Catarina João (8
(Arquivo particular de Rodrigo de Freitas) anos) no âmbito da comemoração do Dia
Mundial da Criança/CODICE (Arquivo
particular de Rodrigo de Freitas)

435
ANEXO III | Filmes, documentários e programas exibidos1

São Bernardo, Brasil, 1971. Realização: Leon Hirzman


La Tierra Prometida, Chile, 1974. Realização: Miguel Littin
Cuando Despierta el Pueblo, Colômbia, 1973. Realização colectiva
La Nueva Escuela, Documentário, Cuba, 1973. Realização: Jorge Fraga
Cuadra por Cuadra. Documentário, Cuba, 1975. Realização: Instituto Cubano
del Arte e Industria Cinematográficos
Las Hurdes. Tierra sin Pan, Espanha, 1933. Realização: Luís Buñuel
Charlot Agiota, Estados Unidos da América, 1916. Realização: Charlie Chaplin
O Navegante, Estados Unidos da América, 1924. Realização: Buster Keaton,
Donald Crisp
Long Pants, Estados Unidos da América, 1927. Realização: Frank Capra
Attica. Documentário, Estados Unidos da América, 1974. Realização: Cinda
Firestone
The Wilby Conspiracy, [Caminhos da liberdade], Estados Unidos da América,
1975. Realização: Ralph Nelson
Delta Fase I, Holanda, 1962. Realização: Bert Haastra
Nederland, Holanda, 1921?. Realização: Willy Mullens
Max et la Quinquine, França, 1911. Realização: Max Linder
L’Espoir, França/Espanha, 1937. Realização: André Malraux
Pantomimes, França, 1954. Realização: Paul Paviot
On Vous Parle du Brésil, França. Realização: Grupo Slon
Canção de Lisboa, Portugal, 1933. Realização: José Cottinelli Telmo
A Almadraba Atuneira. Documentário, Portugal, 1961. Realização: António
Campos

1 Alguns dos títulos dos filmes foram obtidos na correspondência enviada por diferentes
organismos e unidades militares à 5ª Divisão (em reestruturação) em 1976 que, em resposta,
informavam do material utilizado nas Campanhas de Dinamização e Acção Cívica que
tinham em sua posse. Outros foram obtidos em ofícios da 5ª Divisão (em reestruturação) que
acompanhavam a devolução dos filmes cedidos pelas diferentes embaixadas. (Arquivo
Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6318). Estas fontes apenas faziam
referência ao título do filme ou do documentário pelo que algumas referências se encontram
incompletas.

437
Vilarinho das Furnas, Documentário, Portugal, 1971. Realização: António
Campos
Caminhos da Liberdade, Portugal 1974. Realização: Cinequipa
1.º Maio, Portugal, 1974. Realização e Produção: Telecine-Moro
A Revolução está na Ordem do Dia, Portugal, 1975. Realização: Eduardo Geada
Cooperativa agrícola da Lourinhã, Portugal, 1975. Realização: Pitaca Antunes.
Produção: RTP
Roménia Portugal, 1975. Série “Caminhos da Revolução”. Realização: Jorge
Cabral
Alexandre Nevski, União Soviética, 1938. Realização: Sergueï M. Eisenstein
Na Senda das Patrulhas Verdes, União Soviética.
Tupamaros. Documentário, Uruguai, 1972. Realização: Jan Lindqvist
Chili, 1974. Realização: Paul Bourron
Sangha. Realização: Bruno Muel, Claudina Vidal e Suzanne Scialon
Valle del Caoto (empréstimo da Embaixada de Cuba em Portugal)
En la Scuela del Ballet (empréstimo da Embaixada de Cuba em Portugal)
El Ultimo Assalto (empréstimo da Embaixada de Cuba em Portugal)
Revolução Cubana (empréstimo da Embaixada de Cuba em Portugal)
E o mar já não era (empréstimo da Embaixada da Holanda em Portugal)
Le Diamant
Universidade comprometida
VIP Especial
Las Vantagens del Atraso
El Mar del Walden
Não é hora para chorar
Les Esquisses des Karpates
Agricultura em Cuba
Cooperativas na RDA
Ataque ao RAL 1 – 11 de MArço
Costa Gomes na ONU
Escolha a profissão que lhe agrada
Festival de Teatro de Évora
Associativismo, 1975

438
Programas do MFA difundidos pela RTP utilizados nas sessões de
esclarecimento

O Porquê de uma Revolução – 1ª Parte, Alfredo Tropa, 21/11/1974


O Porquê de uma Revolução – 2ª Parte, Alfredo Tropa, 3/12/1974
Recenseamento Eleitoral, 17/12/1974
Dinamização Cultural em Castelo Branco, Hélder Mendes, 28/1/1975
Cooperativas, Hélder Mendes, 22/5/1975

439
ANEXO IV |Notas biográficas

Este anexo procura reunir algumas informações biográficas dos protagonistas


das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA
entrevistados e referenciados no âmbito deste trabalho2.

1. AZEVEDO, Cândido
Pároco de Sernancelhe. Nasceu em 1929.
Ligado ao ensino, foi professor de Português e Filosofia tendo fundado. nos
anos 60. o Colégio de Sernancelhe.
Em 1974 presidiu à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de
Sernancelhe.

2. AZEVEDO, Fernando Queiroz de


Coronel na reforma.
Nasceu na Guiné em 1932, país que abandona com dois anos, tendo crescido
em Lisboa.
Enquanto major e director de instrução da Escola Prática de Administração
Militar, comandou a primeira Campanha de Dinamização Cultural e Acção
Cívica que se realizou no distrito da Guarda em 1974.

3. BEGONHA, Manuel Bacelar


Comandante engenheiro maquinista, na reforma.
Nasceu em Lisboa em Outubro 1943.
Numa comissão em Moçambique conhece Ramiro Correia e essa ligação veio
a cimentar-se no Grupo de Escolas da Armada, em Vila Franca, onde foi
professor na Escola de alunos marinheiros.
Enquanto 1.º tenente engenheiro maquinista integra, em Outubro de 1974, a 5ª
Divisão/EMGFA, na situação de diligência vindo do Grupo 1 das Escolas da
Armada. Meses mais tarde é graduado em Capitão-Tenente Engenheiro
maquinista.
Assumiu a direcção da CODICE após a saída de Ramiro Correia para o
Conselho da Revolução em Março de 1975.

4. BRITO, Manuel de
Presidente do Instituto Nacional do Desporto. Nasceu em Lisboa em 1949.
Em 1975, como técnico da Direcção-Geral dos Desportos participou na
Campanha “Maio-Nordeste”.

5. CARVALHO, Júlio
Advogado. Nasceu em Castelo de Penalva, concelho de Penalva do Castelo no
ano de 1941.

2 Os cargos profissionais mencionados no início de cada nota biográfica aludem à situação


profissional no momento da realização da entrevista.

441
Em 1974 funda estrutura do PPD no distrito de Bragança. Foi Governador
Civil deste distrito entre 1988 e 1990 tendo, ainda, assumido o cargo de
Vereador da Cultura no município de Bragança.
Licenciado Filologia Românica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro e
em Direito pela Universidade de Coimbra.

6. CÍLIA, Luís
Músico. Nasceu no Huambo (Angola) em 1943. Em 1959 vem para Portugal a
fim de prosseguir os estudos.
Militante do PCP até 1981, esteve durante 10 anos exilado em Paris (1964-
1974).
Colaborou com o sector de Música da CODICE onde realizou concertos no
âmbito da Dinamização Cultural do MFA.

7. CORVACHO, Eurico
Major, na reforma.
Nasceu na povoação de Horta da Vilariça (Torre de Moncorvo) em 1937.
Durante a década de sessenta faz várias comissões de serviço em Angola e na
Guiné.
Membro do Movimento dos Capitães. Aquando da eclosão do golpe de
estado assumia funções no Quartel-General da Região Militar do Porto,
assumindo comando das operações nessa Região.
É nomeado Comandante da Região Militar Norte na sequência dos
acontecimentos do 11 de Março de 1975, tendo integrado o Conselho da
Revolução a partir de Maio de 1975.
Próximo da facção do primeiro-ministro Vasco Gonçalves, a sua liderança
nesta Região Militar começa a ser contestada no Verão de 1975, sendo
afastado na sequência da reestruturação deste órgão em Setembro de 1975.
Foi detido, na sequência do 25 de Novembro de 1975.

8. COSTA, Francisco Carreira da


Professor Catedrático e Presidente do Conselho Científico da Faculdade de
Motricidade Humana. Nasceu em 1947 nos Açores, S. Miguel.
Em 1975 era Técnico da Direcção-geral dos Desportos. Foi nesta qualidade
que colaborou com as equipas de dinamização na Campanha “Maio-
Nordeste”.

9. ESTEVES, Vítor
Director do departamento de Cultura do INATEL.
Nasceu em Lisboa.
Integrou a CODICE na sua fase inicial assumindo a coordenação da área do
Teatro.

10. FANHAIS, Francisco


Músico e professor. Nasceu em 1941 na Praia do Ribatejo.
Após a frequência do curso de Teologia é ordenado padre em 1965. Foi um
dos expoentes dos Católicos Progressistas.
Em 1971 parte para França face à proibição de exercer o sacerdócio, de
leccionar em escolas oficiais e de cantar.
Regressa a Portugal após o 25 de Abril de 1974.

442
Em 1975 colabora nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA no distrito de Bragança, com José Afonso e com o cineasta Luís Filipe
Rocha.

11. FERNANDES, Manuel da Cruz


Coronel na reforma.
Nasceu em Paradamonte, Britelo (Ponta da Barca) em 1935.
Enquanto Capitão-Engenheiro de Transmissões, vem a colaborar com as
estruturas regionais da CODICE após o 11 de Março de 1975, tendo
coordenado a campanha que decorreu nos concelhos de Castro Daire e Vila
Nova de Paiva.

12. FONSECA, António Dinis Delgado da


Tenente-coronel de artilharia na reforma. Colaborador de uma empresa na
qual desempenha as funções de Director de Segurança e de Protecção
Florestal.
Nasceu no ano de 1940 em Trancoso.
Membro do MFA desde a sua origem. Protagonizou funções de relevo no
golpe de estado, nomeadamente no controlo de unidades no norte do país.
Foi Comandante do Esquadrão de Polícia Militar da Região Militar do Porto
(1974-1975) e responsável pela Dinamização na Região Militar Norte.
Acompanhou inúmeras sessões de esclarecimento e a missão de
esclarecimento junto das comunidades de emigrantes portugueses em França
em Dezembro de 1974.

13. FREITAS, Rodrigo de


Arquitecto. Exerce funções nos Serviços Municipalizados de Água de
Almada.
Nasceu em Paião, Figueira da Foz em 1936.
Com fortes ligações ao movimento associativista, integrou o MDAP.
Coordenador do sector de Artes Plásticas da CODICE. Fez parte da sua
Comissão Liquidatária.

14. GIL, José Capinha


Professor Adjunto em Teatro e Comunicação na Escola Superior de Educação
do Instituto Politécnico de Setúbal, nas áreas de teatro e comunicação.
Encenador e director-fundador da Escola do Espectador.
Nasceu em 1953.
Jornalista da revista Cinéfilo entre 1973 e 1974. Fez parte do movimento Graal.
Pertenceu ao Grupo de Teatro Operário de Mem-Martins, tendo colaborado
com o sector do Teatro da CODICE, participando nas campanhas realizadas
em Castro Daire e Bragança.

15. GONÇALVES, Vasco


1921-2005
General, na reforma. Protagonizou diferentes comissões de serviço na Índia,
Moçambique e Angola, entre os anos de 1955 a 1972.
Surgiu no Movimento dos Capitães em Dezembro de 1973, numa reunião
alargada da sua comissão coordenadora efectuada na Costa da Caparica.
Coronel de engenharia viria a integrar a Comissão de Redacção do Programa
do Movimento das Forças Armadas.

443
Fez parte da Comissão Coordenadora do MFA, integrando o Conselho de
Estado como representante do Movimento.
Em Julho de 1974 toma posse como primeiro-ministro (II Governo
Provisório), cargo que ocupará até finais de Agosto de 1975 (III, IV e V
Governos Provisórios). Por inerência de cargo, integra o Conselho dos Vinte
(Outubro de 1974 - Março de 1975) e, posteriormente, o Conselho da
Revolução em Março de 1975.
Em Setembro de 1975 abandona o governo, após ter recusado o cargo de
CEMGFA. Em Outubro assume a direcção do Instituto de Altos Estudos
Militares (IAEM). Será demitido após o 25 de Novembro, passando à reserva.

16. GRALHEIRO, Jaime


Advogado, dramaturgo e encenador.
Nasceu em São Pedro do Sul em 1930.
Participou no Congresso da Oposição Democrática realizado em Aveiro 1973
com a comunicação “A crise agrária ou a contra prova de uma política”. As
questões agrárias foram tema do seu interesse, escrevendo uma obra sobre a
Lei dos Baldios.
Foi Presidente da Comissão Administrativa de São Pedro do Sul em 1974.
Militante do PCP desde 1978.

17. GUERREIRO, Manuel Martins


Almirante. Presidente do Conselho de Administração dos Estaleiros Navais
de Viana do Castelo.
Natural de S. Brás de Alportel, nasceu em 1940.
Em 1959 ingressa na Escola Naval (Curso da Escola Naval, classe de Marinha)
complementando depois a sua formação com a frequência de vários cursos
passando pela Faculdade de Engenharia de Génova. As suas ligações
internacionais levam-no a Itália e à Suiça em Junho de 1975 com o objectivo
de contactar os diferentes dirigentes, procurando informar a comunidade
internacional da situação política portuguesa.
Em Abril de 1974 exercia funções na Direcção de Construção Naval.
Participou na preparação do 25 de Abril de 1974, tendo sido um dos
responsáveis pelo Movimento dos Oficiais da Marinha (1970-1974).
Chefiou o Gabinete do Chefe de Estado-Maior da Armada (Outubro de 1974-
Março de 1975), integrando o Conselho da Revolução, como representante da
Armada, desde 1975 a 1982, data da sua extinção.

18. LEITÃO, Fernando


Nasceu em Lisboa em 1947.
Médico-cirurgião, integra o Serviço de Cirurgia III no Hospital de Santa
Maria, exercendo igualmente medicina privada.
Enquanto aspirante-médico integrou o departamento de Saúde da CODICE.

19. LEITE, Vasco Pinto


Engenheiro civil. Nasceu em Lisboa.
Realizou para a RTP as séries “Memória Audiovisual” (1987, 1988, 1989), “A
Casa Sagrada de Malangatana” (1995) e “Encontros de Africa” (2001).
Foi Presidente da Federação Portuguesa de Cinema de Amadores, tendo-se
dedicado na segunda metade da década de 60 à realização, divulgação e
debate de filmes por todo o país.

444
Assumiu a Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos em Agosto de
1974, exercendo por inerência de cargo funções no Instituto Português de
Cinema. Durante o V e VI Governos exerceu o cargo de Director do Gabinete
de Programação Cultural e Delegado da Secretaria de Estado da Cultura na
Comissão que elaborou o projecto de Acordo Cultural com os recém criados
países africanos de língua oficial portuguesa.

20. LOPES, Conceição


Professora auxiliar na Universidade de Aveiro, Departamento de Arte e
Comunicação. Doutorou-se em 1998 com a tese intitulada Comunicação e
ludicidade na formação do cidadão pré-escolar.
Nasceu em 1950.
Participou nas Campanhas do distrito de Viseu, nomeadamente no concelho
de Castro Daire, e em Trás-os-Montes. Na época como Educadora de Infância
trabalhou com o sector do Teatro da CODICE, privilegiadamente com os
professores por considerar que eram alvos privilegiados da intervenção
comunitária, social e cultural.

21. LOUREIRO, José Emílio Estrela


Coronel, na reforma. Presidente da Federação Portuguesa de Tiro.
Nasceu em Lisboa em 1943.
Foi campeão mundial de Tiro.
Em 18 de Novembro de 1974, enquanto capitão de infantaria vindo do
Quartel-General da Região Militar de Lisboa, fica a prestar serviço na 5ª
Divisão/EMGFA na situação de diligência. Mais tarde, integra a CODICE,
sendo o responsável pela articulação com o exterior.
Integrou as “missões” às comunidades de emigrantes na Suiça e na República
Federal da Alemanha.

22. LOURENÇO, Geraldo


Praça da Armada.
Nasceu em 1935 sendo natural de Santiago de Montalegre (Sardoal,
Santarém).
Integra a Marinha em 1955, optando pela especialidade de Comunicações.
Foi escolhido pela CDAP (Comissão de Dinamização para o Associativismo
das Praças) para integrar as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA, tendo participado na “Operação Castelo Branco” e na “Maio
Nordeste”.

23. MADEIRA, Manuel

Professor Associado no Departamento de Ciências do Ambiente (Secção


Ciência do Solo) do Instituto Superior de Agronomia. Responsável pelo
Centro de Pedologia desta universidade.
Nasceu em 1947, sendo natural da freguesia da Sé, concelho de Évora.
Como engenheiro-silvicultor, integrou o Gabinete Técnico de Agricultura,
estrutura da CODICE. Oficial miliciano, fez o curso de Administração Militar
na Escola Prática de Administração Militar, tendo participado na primeira
campanha, realizada na Guarda. Protagonizou, numa fase posterior, as
campanhas levadas a cabo no distrito de Castelo Branco, Viseu, na região dos

445
Açores e Trás-os-Montes. Integrou as “missões do MFA” junto das
comunidades de emigrantes em Roterdão e Amesterdão.

24. MANTA, João Abel


Artista Plástico. Nasceu em Lisboa em 1928.
Formou-se em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa.
Membro do MUD Juvenil. A partir de 1969 publica no Diário de Lisboa
cartoons e desenhos de crítica política, social e cultural.
No pós-25 de Abril destaca-se a sua ligação ao MFA, assinando vários
cartazes produzidos pela CODICE, no quadro da Dinamização Cultural.

25. MARQUES, Abílio José Vieira


Docente do Curso Tecnologia e Comunicação Audiovisual do Instituto
Politécnico do Porto. Director do Festival Internacional de Cinema de Figueira
da Foz.
Nasceu em Lisboa.
Autor e organizador de algumas obras na área do Cinema. Foi um dos
responsáveis por esta área na CODICE.

26. MOTA, João


Actor e encenador. Nasceu em Tomar em 1943.
Foi Professor na Escola Superior de Teatro e Cinema. Em 2004 reforma-se do
Ensino Superior, tendo em 1997 assumido funções de vice-presidente desta
Escola e Director do Departamento de Teatro.
Inicia a sua actividade docente na Escola de Teatro do Conservatório
Nacional de Lisboa em 1971.
Fundador do Teatro Comuna em 1972 depois de uma cisão com Os
Bonecreiros.
Participou na campanha realizada da Guarda em 1974, na “Operação
Nortada” e na “Operação Verdade”.

27. NAVARRO, António Modesto


Técnico superior principal do Ministério da Cultura. Escritor.
Nasceu em Vila Flor, Trás-os-Montes em 1942. Autor de uma vasta obra onde
se destacam romances, contos, poesia e ainda de alguns levantamentos de
carácter sociológico.
Militante do PCP.
Colaborou em diversos jornais e revistas.
Coordenou a área de apoio literário da CODICE. Em 1976 publicou a obra
Vida ou Morte no Distrito de Viseu, Gravar a Aliança Povo-MFA na qual relata a
experiência das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica em
diferentes localidades do distrito de Viseu.

28. OLIVEIRA, João Duarte


Advogado.
Natural de Reriz, Castro Daire em 1927.
Foi presidente da Câmara Municipal de Castro Daire durante 12 anos (1962-
1974) e eleito deputado à Assembleia Nacional nas IX, X e XI Legislaturas
(1965-1969, 1969-1973 e 1973-1974). Nesta qualidade foi vogal das Comissões
de Obras Públicas, Transportes e Comunicações e da Comissão eventual para
a lei de imprensa.

446
Assumiu ainda as funções de vogal do conselho de administração da
Federação de municípios do distrito de Viseu, provedor da Santa Casa da
Misericórdia de Castro Daire e associado da Santa Casa da Misericórdia de
Santa Comba Dão, presidente da direcção dos Bombeiros Voluntários de
Castro Daire, comandante de terço da Legião Portuguesa, Conservador do
Registo Civil e Predial de Castro Daire, delegado da Ordem dos Advogados,
director de um colégio e administrador de empresas.
Foi filiado na União Nacional e, mais tarde, na Acção Nacional Popular, tendo
sido vogal da Comissão Concelhia da União Nacional de Viseu e da Comissão
Distrital da Acção Nacional Popular.
Entre 1983 e 1985 foi vereador da Câmara Municipal de Castro Daire.

29. PAULO, Carlos


Actor e encenador. Nasceu em Benguela (Angola) em 1951.
Co-fundador da Comuna em 1972 depois de ter abandonado Os Bonecreiros.
Participou na campanha realizada na Guarda em 1974, na “Operação
Nortada” e na “Operação Verdade”. Em Março de 1975 participa na iniciativa
promovida pelo MFA destinada aos militares portugueses que se
encontravam em Cabo Verde.

30. RICOU, Teresa


Palhaço, proprietária e fundadora, em 1985, do Chapitô.
Nasceu em 1946 em S. Félix da Marinha, Vila Nova de Gaia.
Em Paris, onde se encontrava nos finais dos anos 60, contactou com a
experiência das “maison jeunne” nos finais dos anos sessenta. Regressa a
Portugal poucos dias depois do 25 de Abril de 1974, onde participa em
projectos de alfabetização e animação das populações, experiências que
deram origem a personagem, que ainda hoje encarna, “Tété”.
Com Francisco Faria Paulino coordenou a área circense da CODICE.

31. SIMÕES, Fernando


Nasceu em Lisboa no ano de 1954. É técnico de electrotecnia, tendo sido
responsável pelo equipamento electrotécnico da delegação da Philips no
Porto.
Como cadete da Escola Naval participou na “Operação Castelo Branco” no
início de 1975.

32. VERMELHO, José


Coronel. Director de guarnição das tropas da GNR em missão no Iraque.
Nasceu Salvaterra do Extremo em 1951.
Em 1974, como alferes, integrou as campanhas realizadas nos distritos de
Castelo Branco, Guarda e Viseu.

33. VESPEIRA, Marcelino


1925-2002
Artista plástico. Nasceu no Samouco.
Opositor ao Estado Novo, integra nos anos 40 o Movimento de Unidade
Democrática (MUD).
Membro do MDAP, promoveu e participou num conjunto de iniciativas logo
após o 25 de Abril de 1974 (28.MAI.1974 e 10.JUN.1974), que o levaram a ser

447
contactado pela 5ª Divisão/EMGFA visando a sua colaboração nas
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA.
Colaborou com a CODICE, sendo um dos elementos do sector de Artes
Plásticas, assinando um conjunto de cartazes, entre os quais o que lançou o
símbolo do MFA. No âmbito da Campanha de Dinamização no Distrito de
Viseu, participou na pintura mural realizada no prédio da Caixa Geral de
Depósitos na cidade de Viseu em Abril de 1975, bem como na que foi
realizada em Évora em Julho do mesmo ano.

448
ANEXO V | Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA
Cronologia dos Acontecimentos (1974-1976)

1974
OUTUBRO

Constituição da Comissão Dinamizadora Central, englobando nove oficiais, três


por cada ramo das Forças Armadas.

20/10/1974
Reunião preparatória, na Cooperativa Árvore, Porto, com a presença de Ramiro
Correia, Vasco Pinto Leite, dos delegados das comissões distritais do Porto,
Braga, Bragança, Vila Real e Viana do Castelo e de diferentes associações
culturais.

25/10/1974
Realização, no Palácio Foz, em Lisboa, de uma conferência de imprensa de
apresentação pública do Programa de Dinamização Cultural que contou com a
presença, para além dos responsáveis pela CODICE e outros elementos da 5ª
Divisão, do Secretário de Estado da Comunicação Social e do Director-Geral da
Cultura e Espectáculos, Vasco Pinto Leite.

26/10/1974
Realização, no Cacém (Sintra), na Escola Comercial e Industrial, e em Mafra, na
secção liceal local, das sessões inaugurais das Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica com a presença da Orquestra Sinfónica Nacional e do
Grupo de Música Contemporânea.

30/10/1974
Sessão de esclarecimento na Escola Secundária de Alenquer onde foram exibidos
três filmes: “O Navegante” (de Buster Keaton), “Charlot, o Agiota” (de Charlie
Chaplin) e “Max e a Quinquina” (de Max Linder).

Sessão de esclarecimento na Sociedade Estrela Moitense (Moita) com a


colaboração da Escola Preparatória da Moita. Foram projectados diapositivos
sobre os problemas dos bairros de lata do Chile.

31/10/1974
Sessão de esclarecimento na Secção Liceal da Lourinhã onde foram exibidos os
filmes “O Navegante” (de Buster Keaton), “Charlot, o Agiota” (de Charlie
Chaplin) e “Max e a Quinquina” (de Max Linder).

NOVEMBRO

1/11/1974
Sessão de esclarecimento na Escola Preparatória Damião de Góis nos Olivais
(Lisboa).

4/11/1974

449
Sessão de esclarecimento na Escola Preparatória Nuno Gonçalves (Lisboa) com
participação do maestro Ivo Cruz que dirigiu a Orquestra Filarmónica de Lisboa.

5/11/1974
Sessão de esclarecimento em Montalegre, nos Paços do Concelho.

7/11/1974
O Diário de Noticias publica o programa das sessões de esclarecimento do MFA,
coordenadas pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto, a realizar em
Valbom (Gondomar), entre os dias 12 e 16 de Novembro de 1974 nas seguintes
associações: Escola Dramática e Musical Valboense, Clube Recreativo e
Desportivo Dragões Valboense. O programa inclui um colóquio sobre desporto e
um recital de poesia.

10/11/1974
Início das Campanhas de Dinamização Cultural no Norte do país, com uma
sessão em Valbom (Gondomar). A cerimónia inaugural contou com a presença da
Banda do Regimento de Infantaria 8. O desporto marcou presença através da
exibição de filmes desportivos na Escola Dramática e Musical Valboense e através
de animações desportivas com jogos de mini-basquete e atletismo. Danças
folclóricas foram, ainda, protagonizadas por um grupo de animadores
desportivos.

Sessão de esclarecimento Ameixial (Loulé) realizada pelos militares do


Regimento de Infantaria 4 de Faro sob coordenação da CODIRE do Algarve. Em
representação da CODICE esteve presente o 1.º Tenente Pessoa Guerreiro. A
sessão teve início com a intervenção do Presidente da Comissão Administrativa
da Junta de Freguesia. A Secretaria de Estado da Agricultura foi outra das
entidades presentes. Foi exibido o filme “A Canção de Lisboa” e o documentário
russo intitulado “Na Senda das Patrulhas Verdes”.

11/11/1974
O Diário de Noticias dá conta da representação pela Casa da Comédia da peça da
autoria de Manuel Alegre, “Um Barco para Itaca”, na Escola Naval do Alfeite
(Almada), no âmbito da Dinamização Cultural.

13/11/1974
Sessão de esclarecimento em Montemor-o-Novo, no Teatro Curvo Semedo, que
contou com um concerto da Orquestra Metropolitana de Lisboa.

16/11/1974
Sessão de esclarecimento em Couceiro (Oliveira de Azeméis), na cantina escolar,
participada por cerca de 300 pessoas.

17/11/1974 – Sessão de esclarecimento em Parizes (São Brás de Alportel) pela


Comissão Regional de Faro.

18/11/1974
Deslocação a Vila Real, Faro, Ponta Delgada e Funchal do Major Cação da Silva,
do 1.º Tenente Pessoa Guerreiro, do Capitão Faria Paulino e de Vasco Pinto Leite
com o objectivo de implementar o Programa de Dinamização Cultural e estabelecer
contactos com organismos e associações culturais locais.

450
Sessão de esclarecimento na Fuseta (Olhão) pela Comissão Regional de Faro.

20/11/1974
Sessão de esclarecimento em Loures, na Escola Carolina Michaelis, com a
presença do Tenente-Coronel Carmona e Silva da Força Aérea.

21/11/1974
Sessão de esclarecimento em Parragil (Loulé) pela Comissão Regional de Faro.

22/11/1974
Sessão de esclarecimento em Almansil (Loulé) pela Comissão Regional de Faro.

23/11/1974
Sessão de esclarecimento em Corotelo (São Brás de Alportel) pela Comissão
Regional de Faro.

25/11/1974
Início da campanha de dinamização cultural no distrito da Guarda que se
prolongou até ao dia 7/12/1974. Foi protagonizada pela EPAM sob orientação do
Major Queiroz de Azevedo. Colaboraram elementos da Orquestra Gulbenkian, a
banda militar Alerta Está, a Comuna e um grupo de palhaços. Esta acção
abrangeu as localidades da Guarda, Gouveia, Trancoso, Seia, Celorico da Beira,
Manteigas, Sameiro (Manteigas), Gonçalo (Guarda), Bonças, Palhelhas, Sabugal,
Seixo Amarelo (Guarda), Corujeira, Trinta (Guarda), Alhardo, Rochoso (Guarda)
e Sintrão (Trancoso). Actuaram ainda as bandas de música de Gouveia e
Moimenta da Serra e Rancho Folclórico de Gouveia.
Acompanharam esta acção uma equipa de reportagem da RTP, dirigida pelo
jornalista Cesário Borga e uma equipa de reportagem do SIPFA/5ª Divisão.

O Diário de Notícias dá conta da colaboração da Fundação Calouste Gulbenkian no


Programa de Dinamização Cultural. A primeira sessão realizou-se na Academia
Militar em Lisboa onde elementos do Grupo Gulbenkian de Bailado (Isabel Santa
Rosa, Ger Themas, Graça Barroso, Elsa Worm e Sean Cunningham) dançaram
excertos de “Giselle”, “A Bela Adormecida”, “Quebra-nozes”, “Petruchka” e “O
Messias”. Ao bailarino e coreógrafo Carlos Trindade coube a apresentação da
iniciativa.

Sessão de esclarecimento em Conceição (Tavira) pela Subcomissão Dinamizadora


de Tavira.

27/11/1974
Sessão de esclarecimento em Luz (Tavira), pela Subcomissão Dinamizadora de
Tavira.

29/11/1974
Início das “missões de esclarecimento” junto dos emigrantes portugueses em
França que se prolongam até dia 9 de Dezembro de 1974.

Sessão de esclarecimento em Constantim (Vila Real) pela Comissão


Dinamizadora de Vila Real. Participaram o Grupo de Canto Livre e Poesia da
“Casa da Cultura” de Vila Real.

Sessão de esclarecimento em Póvoa de Varzim, no Liceu Nacional, pela

451
Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim

30/11/1974
Realização de conferência de imprensa, no Porto, para apresentação das
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica, presidida pelo comandante
da Região, Brigadeiro Passos Esmoriz.

O jornal Sempre Fixe publica uma reportagem sobre a deslocação do grupo de


trabalho constituído pelo Major Cação da Silva, 1.º Tenente Pessoa Guerreiro,
Capitão Faria Paulino e pelo Director-Geral da Cultura Popular e Espectáculos,
Vasco Pinto Leite, visando a preparação das Campanhas de Dinamização nos
arquipélagos dos Açores e Madeira

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Valpaços pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Faro no Clube Desportivo do Montenegro com a projecção do filme “Charlot
Agiota”;
- Almeida (Guarda);
- Freguesia de Portela (Monção) pelo BC N.º 9.

DEZEMBRO

Deslocação de equipas de oficiais do MFA, em colaboração com a Secretaria de


Estado da Emigração, às várias comunidades portuguesas de emigrantes da
Europa: Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Roterdão, França e algumas cidades da
República Federal da Alemanha.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- São Martinho da Gandra (Ponte de Lima) pela Comissão Dinamizadora de
Viana do Castelo;
- Montenegro (Faro) pela Comissão Regional de Faro;
- Areeiro, Querença e Quarteira (Loulé), Alportel, Santa Bárbara de Nexe (Faro) e
na Firma Torres Pinto pela Comissão Dinamizadora Regional de Faro;
- Midões (Tábua) e Tábua pela Comissão Dinamizadora Regional de Coimbra.

1/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Santa Marinha do Tropeço (Arouca) pela Subcomissão de Espinho (Comissão
Dinamizadora Regional do Porto) que contou com a colaboração do Rancho
Folclórico de Moldes;
- São João da Pesqueira pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Santa Luzia (Tavira) pela Sub – Comissão de Tavira;
- Mindelo (Vila do Conde) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto.

2/12/1974
Início da missão de esclarecimento junto das comunidades de emigrantes
portugueses em França, onde foram focadas as questões relativas ao voto dos
emigrantes e à revisão da lei militar. Esta missão foi chefiada pelo Major Neves
Rosa. Na localidade de Pantin (subúrbio operário de Paris) actuaram a
Companhia de Teatro Rafael de Oliveira com a peça “Traição do Padre Martinho
de Bernardo Santareno”, Olga Prats e o Coro da Academia de Amadores de
Música dirigido por Lopes Graça. Foram ainda projectados os filmes “Caminhos
da Liberdade - 25 de Abril/74 “e “Foros de Almada”.

452
3/12/1974
O jornal O Caminhense noticia a realização de uma reunião na sede do Orfeão de
Vila Praia de Âncora com as colectividades e entidades que possuem casas de
espectáculos ou outros espaços, a fim de aí se efectuarem espectáculos e sessões
de esclarecimento no âmbito das campanhas de dinamização do MFA.

Sessão de esclarecimento em Boticas pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves,


na qual participou o grupo "Os Canários".

4/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Cabeceiras de Baixo nos Paços do Concelho pelo RI 8;
- Famalicão (Guarda) e Aldeia Velha (Sabugal) no âmbito da campanha a
decorrer no distrito da Guarda;
- Arouca, na Secção Liceal, pela Subcomissão de Espinho (Comissão
Dinamizadora Regional do Porto);
- Porto, no Centro de Formação Profissional do Cerco do Porto;
- Terras do Bouro.

5/12/1974
Sessão em Lisboa, no Coliseu dos Recreios. Actuaram a Orquestra Filarmónica de
Lisboa, dirigida pelos maestros António Vitorino de Almeida e Silva Pereira, e a
pianista Maria João Pires. Foram interpretadas peças de Beethoven e Mozart.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Gonçalo, Meios, Luxuoso e Aldeia da Fonte no âmbito da Campanha de
Dinamização a decorrer no distrito da Guarda;
- Água Longa (Santo Tirso), Póvoa do Varzim, Montalegre, sob orientação da
Comissão Dinamizadora Regional do Porto;
- Alpendorada (Marco de Canavezes) pela Subcomissão Dinamizadora de
Penafiel (RAL 5);
- Murça pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Gondifelos (Vila Nova de Famalicão) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa
do Varzim;
- Montesinho pela Comissão Distrital de Bragança.

6/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Lousada (Famalicão) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim.
Contou com a colaboração do Grupo Recreativo Lousadense;
- Trinta (Guarda) e Vilar Maior no âmbito da campanha a decorrer no distrito da
Guarda;
- Milheirós de Poiares (Vila da Feira) pela Subcomissão de Espinho (Comissão
Dinamizadora Regional do Porto) com a colaboração do Centro Paroquial de
Milheirós.

7/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Rio de Onor (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Santa Catarina (Tavira) pela Subcomissão de Tavira;
- Lousada pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim realizada na
Casa do Povo;

453
- Livração (Penafiel), Bougado (Santo Tirso), sob orientação máxima da Comissão
Dinamizadora Regional do Porto;
- Corujeira (Guarda) e Alfaiates (Sabugal) no âmbito da campanha a decorrer no
distrito da Guarda
- Santiago de Bougado (Trofa) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto.

8/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Rossas (Arouca) pela Subcomissão de Espinho (Comissão Dinamizadora
Regional do Porto);
- Vila Nova de Foz Côa pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Póvoa do Lanhoso, Celorico de Basto pelo RI 8, sob orientação da Comissão
Dinamizadora Regional do Porto;
- Minas do Pejão (Pedorido, Castelo de Paiva) pelo RAP 2;
- Nave de Haver (Almeida), Vilar Formoso e Ribeiro de Carinhas no âmbito da
campanha a decorrer no distrito da Guarda.

9/12/1974
Inicio do conjunto de sessões de esclarecimento levadas a cabo pela Comissão
Dinamizadora do Norte realizadas nas seguintes localidades: Lindoso (Ponte da
Barca), Vidago, Soajo (Arcos de Valdevez), Vila Verde da Raia (Chaves),
Rebordelo (Vinhais), Vila Verde (Vinhais), Paços de Ferreira, Mondim de Basto,
Matosinhos, Marco de Canavezes, Tangil (Monção) e Santo Estêvão.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Lugar de Parada (Lindoso, Ponte da Barca) pelo Batalhão de Caçadores N.º 9;
- Casa do Povo do Bairro dos Canaviais pela Comissão Dinamizadora Regional
de Évora. Durante a sessão foi exibido o filme “Caminhos da Liberdade - 25 de
Abril/74”;
- Vidago pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves.

10/12/1974
O Grupo de bailado Verde Gaio realiza um conjunto de espectáculos na Escola
Industrial de Torres Vedras, integrados nas campanhas de dinamização.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Rebordelo (Vinhais) e Vila Verde pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Bragança;
- Casa do Povo do Soajo (Arcos de Valdevez) pelo Batalhão de Caçadores N.º 9.

11/12/1974
Com o título “O Governo vai lançar uma campanha para debelar o atraso em que
vive o meio rural”, o Diário de Notícias dá conta da Campanha de Dinamização
Agrícola promovida pela Secretaria de Estado da Agricultura em articulação com
a Campanha de Dinamização Cultural do MFA.

O Grupo de Teatro de Sete Rios inicia digressão pela região de Gouveia.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Casa do Povo da Torre dos Coelheiros (Évora), pela Comissão Dinamizadora
Regional de Évora. Durante a sessão foi exibido o filme “Caminhos da Liberdade
– 25 de Abril 1974”;
-Vila Verde da Raia (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;

454
- Paços de Ferreira pela Comissão Dinamizadora Regional do Porto;
- Mondim de Basto pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Malta (Vila do Conde) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto na qual
participaram algumas associações culturais locais e a Banda da PSP do Porto.

12/12/1974
Integrado nas Campanhas de Dinamização do MFA, a Fundação Calouste
Gulbenkian promove um concerto da orquestra e coro desta instituição, dirigidos
pelo maestro Michel Corboz que interpretará a “Missa em lá bemol” de Schubert,
destinado a estudantes e associações juvenis. Esta iniciativa contou com a
colaboração do Ministério da Comunicação Social.

A CODICE divulga nos órgãos de comunicação social, a realização de sessão de


cinema na Escola Preparatória Conde de Sabugosa em Massamá (Sintra) e no
liceu de Queluz (Sintra).

O Diário de Notícias dá conta das sessões de esclarecimento pela Comissão


Dinamizadora Regional de Faro realizadas nos seguintes locais: Ameixial,
Parragil, Almansil, Quarteira, Arieiro (Loulé), Parizes, Corotelo, Alportel (São
Brás de Alportel), Fuseta (Olhão), Montenegro (Faro). As sessões contaram com a
projecção dos filmes “Charlot Agiota”, “Na Senda das Brigadas Verdes”,
“Vilarinho das Furnas”, ”Chile”, “Escolha Uma Profissão”, “A Canção de Lisboa”
e “Não é Hora de Chorar”.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Mofreita (Vinhais) e Parâmio (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital
de Bragança;
- Tangil (Monção), na Casa do Povo, pelo Batalhão de Caçadores N.º 9;
- Matosinhos na Escola Industrial e Comercial de pela Comissão Dinamizadora
Distrital do Porto;
- Santo Estêvão (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Videmonte (Guarda) pela Comissão Distrital da Guarda;
- Casa do Povo de Nossa Senhora de Machede pela Comissão Dinamizadora
Regional de Évora. Durante a sessão foi exibido o filme “Caminhos da Liberdade
- 25 de Abril/74”.

13/12/1974
Realização, em Viana do Castelo, de uma sessão orientada pelo Comandante do
Quartel General do Porto, Brigadeiro Passos Esmeriz, e pelo responsável pela
Dinamização na Região Militar Norte, Major Delgado da Fonseca, destinada aos
sacerdotes daquela região.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Jovim (Gondomar) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Vilarandelo (Valpaços) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Perosinho (Vila Nova de Gaia )pelo RAP-2;
- Sessão de cinema no liceu de Queluz (Sintra).

14/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Silva Escura (Maia) pelo RC6;
- Jancido (Foz do Sousa, Gondomar) pela Comissão Dinamizadora Distrital do
Porto;

455
- Pechão (Olhão) pela Comissão Regional de Faro;
- Freixo (Almeida) pela Comissão Distrital da Guarda;
- São João de Ver (Vila da Feira) pela Subcomissão de Espinho;
- Alvarelhos (Trofa) pela Comissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim.

15/12/1974
Realização de uma sessão de animação cultural pela Cooperativa Agrícola de
Alcobaça, em colaboração com o MFA, na Estação Fruteira Prof. Joaquim Vieira
Natividade que contou com o coro misto da Universidade de Coimbra e as
bandas filarmónicas de Maiorga, Turquel e Vestiaria.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Empresa Electra Del-Lima (Ponte da Barca) e em Britelo (Ponte da Barca) pelo
Batalhão de Caçadores N.º 9;
- Malhada Sorda (Almeida) pela Comissão Dinamizadora Distrital da Guarda;
- Cachopo (Tavira) Subcomissão Dinamizadora de Tavira;
- Canelas (Arouca) pela Subcomissão de Espinho;
- Armamar pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego.

16/12/1974
Realização de um concerto pela Orquestra Filarmónica de Lisboa sob a regência
do maestro Ivo Cruz, integrado na Dinamização Cultural do MFA. Organizado
pela FNAT e com a colaboração da Câmara Municipal do Barreiro, este concerto
teve lugar na Sociedade “Os Penicheiros” e contou com a participação da
musicóloga Maria Helena Freitas que comentou as peças tocadas.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Vila Pouca de Aguiar pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Amorim (Póvoa do Varzim) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim.

17/12/1974
O Diário de Notícias da conta de um conjunto de espectáculos de circo oferecido
pelas Forças Armadas ao público de Lisboa em colaboração com o Circo do Povo
e com a Câmara Municipal de Lisboa.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Sapardos (Vila Nova de Cerveira) pelo Batalhão de Caçadores N.º 9;
- Chaves, na Escola do Magistério de Chaves pela Comissão Dinamizadora
Distrital de Chaves;
- Constância, no Teatro Municipal, com a presença de elementos do Regimento de
Cavalaria n.º 4 de Santa Margarida de Coutada;
- Vila Real, no Seminário de Vila Real pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Vila Real;
- Milhão (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança.

18/12/1974
A imprensa nacional dá conta da digressão do Teatro da Cornucópia pelas
localidades de Bombarral, Caldas da Rainha, Pombal, Leiria e Marinha Grande.
Integrado nas Campanhas de Dinamização Cultural do MFA, este grupo leva à
cena “O Terror e a Miséria no III Reich” de Bertolt Brecht.

Sessões de esclarecimento realizadas:

456
- Alte (Loulé) pela Comissão Regional de Faro;
- Santo Estêvão (Tavira) pela Subcomissão de Tavira;
- Paredes de Coura pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real.

19/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Mondim de Basto no Ciclo Preparatório de Mondim de Basto pela Comissão
Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Felgueiras pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel (RAL 5);
- Lagoa (Macedo de Cavaleiros) pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Bragança.

20/12/1974
O jornal A Aurora do Lima dá conta da realização de sessões de esclarecimento
pelo Batalhão de Caçadores 9 em diversas localidades do distrito de Viana do
Castelo com a participação de algumas associações culturais locais.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Refoios pela Comissão Dinamizadora Distrital de Viana do Castelo;
- Boliqueime (Loulé) pela Comissão Dinamizadora Regional de Faro;
- Freamunde (Paços de Ferreira) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Sessão de esclarecimento em Afurada (Vila Nova de Gaia)pelo RAP 2;
- Riomeão (Santa Maria da Feira) pela Subcomissão de Espinho;
- São Pedro da Cova (Gondomar) pelo RAP 2.

21/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Lourosa (Santa Maria da Feira) pela Subcomissão de Espinho (Comissão
Dinamizadora Regional do Porto);
- Aboadela (Amarante) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel (RAL 5);
- Rio Seco pela Comissão Dinamizadora Regional de Faro;
- Abaças (Vila Real) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;

22/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Vila Seca (Adoufe, Vila Real) e na a Escola Primária de Ermida pela Comissão
Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Santo Tirso de Bousado pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto.

23/12/1974
Destinada aos sacerdotes da Diocese de Braga realiza-se sessão de esclarecimento
orientada pelo Comandante do Quartel-General do Porto, Brigadeiro Passos
Esmeriz e pelo Major Delgado da Fonseca, responsável pela Dinamização na
Região Militar Norte.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Paderne (Albufeira) pela Comissão Dinamizadora de Faro;
- Justes (Vila Real) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real.

24/12/1974
Sessão de esclarecimento em Santiago de Bougado (Trofa) pela Comissão
Dinamizadora Distrital do Porto

457
26/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- São Martinho da Gandara (Ponte de Lima) coordenada Comissão Dinamizadora
Distrital de Viana do Castelo e levada a cabo pelo Batalhão de Caçadores Nº 9;
- Olhão pela Comissão Dinamizadora Distrital de Faro;
- Calendário (Famalicão) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Rossas (Vieira do Minho) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Braga.
- Campeã (Vila Real) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real

27/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Calendário (Famalicão) pela Comissão Regional do Porto;
- Dem (Caminha) pela Comissão Distrital de Viana do Castelo;
- Moncarapacho (Olhão) pela Comissão Regional de Faro.

28/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Tabuaço e Mesão Frio pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Leça do Balio (Matosinhos) pela Comissão Regional do Porto que contou com a
colaboração da banda da PSP;
- Afurada (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Dinamizadora Regional do Porto;
- Perozelo (Penafiel) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Paramos (Espinho) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Ribeira de Alte (Loulé) pela Comissão Regional de Faro;
- Vieira do Minho pela Comissão Dinamizadora Distrital de Braga;
- Alvarenga pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho.

29/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Cerva (Riba Pena) e Atei (Mondim de Basto) pela Comissão Dinamizadora
Distrital de Vila Real;
- Alvarenga pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Lamego pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Roriz (Santo Tirso) pela Comissão Dinamizadora Regional do Porto;

30/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Cerdal (Valença) e Refoios do Lima (Ponte de Lima) pela Comissão
Dinamizadora Distrital de Viana do Castelo;
- Calendário (Famalicão) pela Comissão Regional do Porto;
- Mem Moniz pela Comissão Dinamizadora Regional de Faro;
- Viseu, no Liceu Nacional de Viseu, com a participação da Casa da Comédia que
apresentou a peça “Um Barco para Ítaca”, encenada por Norberto Barroca.

Sessões de esclarecimento pela Comissão Dinamizadora Regional de Coimbra nos


seguintes concelhos:
- Oliveira do Hospital (Avô, Lagares da Beira, Lageosa, Neruge, Póvoa de São
Cosme, Vale de Ferro, Vieiro, Vila Franca da Beira, Ervedal da Beira, Fiais da
Beira, Felgueira Velha, Pedras Ruivas, Vale Torto, Sobreda, Seixas, Seixo da
Beira);
- Mira (Barra de Mira, Seixo de Mira, Praia de Mira);
- Condeixa-a-Nova (Belide, Anobra, Sebal Grande e Zambujal);
- Penacova (São Pedro D'Alva, Lorvão, Paradela da Cortiça, Oliveira do

458
Mondego);
- Figueira da Foz (Porto Godinho, Marinha das Ondas, Alqueidão, Carvalhais de
Lavos, Vila Verde, Quiaios, Santa Luzia – Lavos, Alhadas de Baixo, Leirosa, Cova
da Sepa, Regalheiras, Santo Amaro da Boiça).
- Montemor-o-Velho (Escola do Ciclo Preparatório de Montemor-o-Velho, Ereira,
Carapinheira, Meãs do Campo, Vila Nova da Barca, Caixeira, Viso –Liceia,
Gestrira, Carvalhal de Azóia, Ribeira da Mata, Vila Nova de Anços);
- Arganil (Anceriz, Cerdeira, Benfeita, B. da Fé, Cepos, Secarias, Folques,
Celavisa, São Martinho da Cortiça, Pomares);
- Cantanhede (Enxofõese Murtede, Ourentã, Tocha, Cadima);
- Coimbra (Trouxemil, Arzila, Antanhol, Brasfemes, Souzelas, Lamadoura,
Castelo Viegas, Vil de Matos, Eiras, Barril do Alva, Vila Cova do Alva, Torres de
Vilela, Torres do Mondego, Ameal, Alcarraques, Botão; Rio de Galinhas,
Anaguéis, Quinta do Colaço e Torre da Beira; Golpe; Fábrica Lufapo, Pizão,
Orelhudo, Zouparia do Monte, Ameal do Campo).

1975
JANEIRO

2/1/1975
A Voz de Lamego nota o sucesso da sessão de esclarecimento realizada pela
Subcomissão de Espinho em Trancoso no salão da Azenha, participada também
pelos habitantes de Alvarenga.

Sessão de esclarecimento em São Gregório (Melgaço) pela Comissão Distrital de


Viana do Castelo.

3/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Vilela Seca (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves
- Santo Tirso, no Cine-Teatro Alves da Cunha, pela Subcomissão Dinamizadora
da Póvoa do Varzim
- Moreira de Lima (Ponte de Lima) pela Comissão Dinamizador Distrital de Viana
do Castelo

4/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Arnela (freguesia de Olival) pelo RAP 2;
- Recarei (Paredes) pela Comissão Distrital do Porto;
- Póvoa de Varzim pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Silvade (Espinho) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Alijó, no Salão do Grémio dos Viticultores, pela Subcomissão Dinamizadora de
Lamego;
- Vilar de Perdizes (Montalegre) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Ermelos (Mondim de Basto) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Olival (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Distrital do Porto;
- São Domingos de Benfica (Lisboa) no São Domingos Futebol Clube com uma
“sessão de variedades”.

5/1/1975

459
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Nave de Haver (Almeida) pelo Regimento de Infantaria 12.
- Jales (Vila Pouca de Aguiar) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real
- Sabrosa, no Salão Teatro dos Bombeiros, pela Subcomissão Dinamizadora de
Lamego
- Moldes (Arouca) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho
- Mogege e Fradelos (Famalicão) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim

6/1/1975
Início da “Operação Nortada” comandada pelo Major Jaime Neves que se
prolongou até ao dia 21 de Janeiro. Tendo como destino a região de Trás-os-
Montes e Beira Alta, esta acção contou com a participação de 400 instruendos do
curso de comandos a decorrer no Batalhão de Comandos N.º 11, aquartelado na
Amadora. Participaram os grupos teatrais A Comuna e La Cuadra e, também,
técnicos da Secretaria de Estado da Agricultura e do Instituto do Vinho do Porto.
Esta campanha percorreu as localidades de Outeiro, Vimioso, Vinhais, Miranda
do Douro, Bragança, Mirandela, Vila Real, Torre de Dona Chama (Mirandela),
Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada-à-Cinta, Vila Flôr,
Valpaços, Alfandega da Fé, Mogadouro, Macedo de Cavaleiros, Vila Pouca de
Aguiar, Alijó, Murça, Carrazeda de Montenegro (Valpaços), Lamego, Tarouca,
Peso da Régua, Moimenta da Beira, Resende, Penajoia (Lamego), São Pedro do
Sul e Viseu.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Loivos (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Lanhelas (Caminha) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Viana do Castelo.

7/1/1975
Início da missão realizada pelo MFA e pela Secretaria de Estado da Emigração
junto das comunidades de emigrantes portugueses na República Federal da
Alemanha que se prolongou até ao dia 20 de Janeiro.

O Diário Popular noticia a nova temporada do Grupo Gulbenkian de Bailado que


soma um total de 21 espectáculos, seis dos quais se integrarão as Campanhas de
Dinamização Cultural do MFA. As obras “Hossana para um Tempo Novo” de
Armando Jorge, “O Triunfo de Afrodite” de Milko Spanemblek e “Inter-ruptos”
de Carlos Trincheiras serão apresentadas no quadro desta colaboração. O mesmo
jornal dá, ainda, conta da estreia da peça “Da Vida Heróica da Burguesia, As
Cuecas” do grupo Os Cómicos, encenada por Ricardo Reis, que já teria encetado "
contacto com o MFA a fim de se integrar na Campanha de Dinamização”.

A imprensa nacional noticia a continuação das sessões de esclarecimento na


região do Algarve nas localidades de Queifes (Tunes, Faro) e Quatro Estradas
(Quarteira) no âmbito das quais se promoveram sessões de cinema.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Carrazeda de Montenegro (Valpaços) pela Subcomissão Dinamizadora de
Chaves;
- Sessão de Esclarecimento em Castelo de Paiva pela Subcomissão Dinamizadora
de Penafiel.

460
8/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Bragança, no Ginásio Liceu de Bragança, no âmbito da “Operação Nortada”;
- Covelo (Gondomar) e São Pedro Fins (Maia) pela Comissão Distrital do Porto;
- Vilar Nantes (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Carragosa (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Vila Nova de Famalicão, no Cine-Teatro, pela Subcomissão Dinamizadora da
Póvoa do Varzim

9/1/1975
O Correio do Minho assinala a realização de uma reunião em Bragança entre
Governador Civil, os representantes dos diferentes partidos políticos e os
responsáveis pela “Operação Nortada”.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Faro e São Marcos da Serra (Silves);
- Empresa Lever em Lisboa;
- Trouxemil (Coimbra) e em Vila Verde (Figueira da Foz);
- Meinedo (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Pizões (Boticas) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Santa Marinha do Zêzere (Baião) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Carvoeiro (Viana do Castelo) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Viana do
Castelo;
- Lamego pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Alfena (Valongo) pela Comissão Distrital do Porto.

10/1/1975

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Tronco (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Sandim (Vila Nova de Gaia) e Alfena (Valongo) pelo RAP 2 coordenadas pela
Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Babe (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Vila do Conde pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Macedo de Cavaleiros”, na Casa do Povo de Macedo de Cavaleiros, no âmbito
da “Operação Nortada”.

11/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Anta (Espinho) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Canidelo (Vila Nova de Gaia) pelo RAP 2;
- Bagunte (Vila do Conde) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Ferreiros (Cinfães) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Régua pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Gondarém (Vila Nova de Cerveira) pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Viana do Castelo;
- Santa Cruz do Bispo (Matosinhos), Sobrado (Valongo) e em Sobreira (Paredes)
pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto.

A imprensa do distrito de Castelo Branco publica o programa das sessões de


esclarecimento previstas para este distrito no mês de Janeiro que abrange as
seguintes localidades: Póvoa de Rio de Moinhos (Castelo Branco), Donas
(Fundão), Montes da Senhora (Proença-a-Nova), Monforte da Beira (Castelo

461
Branco), Vale de Prazeres (Fundão), São João do Peso (Vila de Rei), Barroca do
Zêzere, Mata (Castelo Branco), Vila de Rei, Lousa (Castelo Branco), Bogas de
Baixo (Fundão), Lardosa (Castelo Branco), Janeiro de Cima (Fundão), Peral
(Proença-a-Nova), Louriçal do Campo (Castelo Branco), Barroca (Fundão),
Valverde (Fundão), São Pedro do Esteval (Proença-a-Nova), Retaxo (Castelo
Branco), Aldeia de São Francisco de Assis (Covilhã), Freixial do Campo (Castelo
Branco), Vilar Barroco (Oleiros), Escalos de Baixo (Castelo Branco), Barco
(Covilhã), Orvalho (Oleiros), Caféde (Castelo Branco), Silvares (Fundão),
Almaceda (Castelo Branco), Telhado (Fundão), Sertã, Peso (Covilhã),
Benquerenças (Castelo Branco), Alcongosta (Fundão), Ermida (Sertã), Ninho do
Açor (Castelo Branco), Paúl (Covilhã) e Figueiredo (Sertã).

O Diário de Noticias dá conta da colaboração do Cine Clube Racal com a


Dinamização Cultural do MFA no barlavento algarvio.

12/1/1975
Chegada da “Operação Nortada” à cidade de Lamego

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Santa Marta Penaguião pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- São Miguel de Urro (Arouca) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Requião (Vila Nova de Famalicão) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa
do Varzim.

13/1/1975
Sessão de esclarecimento em Sapiões (Boticas) pela Subcomissão Dinamizadora
de Chaves.

14/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Sanfins (Valpaços) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Pena Maior (Paços de Ferreira) pela Comissão Distrital do Porto;
- Folhada (Marco de Canavezes) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Ponte Nova (Ovar) pela Comissão Distrital de Aveiro;
- Vila Nova de Anços (Soure)
- Naves (Almeida), na Escola Primária;
- Santiago Maior por militares do RC 3

15/1/1975
No âmbito da “Operação Nortada” realizou-se uma sessão de esclarecimento no
Colégio de Lamego e, à noite, uma outra no Teatro Ribeiro Conceição orientada
pelo Major Jaime Neves.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Covas (Boticas) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Olival (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Regional do Porto;
- Terroso (Póvoa do Varzim) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim;
- Rio Frio (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Arcos de Valdevez pela Comissão Dinamizadora Distrital de Viana do Castelo;
- Soutelo do Douro e em Ervedosa do Douro (São João da Pesqueira) pela
Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Lavos (Figueira da Foz).

462
A Comissão Dinamizadora Distrital de Santarém inicia um conjunto de sessões
de esclarecimento no distrito abrangendo as localidades de: Santiago de
Montalegre (Sabugal), Minde (Alcanena), Entroncamento, Abitureiras (Santarém),
Tancos (Vila Nova da Barquinha), Valada e Tolosa (Nisa), Vale de Amendoeira
(Cartaxo), Penhascoso (Mação), Quinta da Cardiga (Golegã), Muge (Salvaterra de
Magos) e em Igreja Nova (Ferreira do Zêzere).

16/1/1975
O grupo teatral Os Bonecreiros torna publica a sua participação nas Campanhas
de Dinamização Cultural do MFA durante um período de dois meses,
“entendendo que a campanha de dinamização cultural desencadeada pelo MFA,
em vista à descentralização cultural e ao esclarecimento socio-político do país, se
enquadra dentro do espírito que sempre o norteou mesmo antes do 25 de Abril”.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Quintanilha (Bragança) pela Comissão Regional do Porto;
- Avintes (Vila Nova de Gaia) e em Nogueira (Boticas) pela Comissão Regional do
Porto;
- Aldrões (Penafiel) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Caldelas (Guimarães) pela Comissão Distrital de Braga;
- São Pedro de Rio Seco (Almeida)

O jornal Voz de Lamego dá conta da sessão de esclarecimento em Lamego


destinada aos professores da Escola do Magistério

17/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Prado (Vila Verde) pela Comissão Distrital de Braga;
- Pedras Salgadas pela Comissão Distrital de Vila Real;
- Gulpilhares (Vila Nova de Gaia) e em Moncorvo pela Comissão Dinamizadora
Distrital do Porto;
- Paços de Brandão (Vila da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Sessão de esclarecimento em Moncorvo pela Subcomissão Dinamizadora de
Lamego;
- Sessão de esclarecimento em Guilhabreu (Vila do Conde) pela Subcomissão
Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- São Julião (Bragança) pela Comissão Distrital de Bragança;
- Junça (Almeida).

18/1/1975
Sessão de esclarecimento realizada no Pavilhão Gimnodesportivo de Viseu no
âmbito da “Operação Nortada”, onde participaram o brigadeiro Otelo Saraiva de
Carvalho, o Major Baptista Morais, o Major Jaime Neves, o capitão Vasco
Lourenço, o 1º tenente-médico Ramiro Correia, o comandante Almada Contreiras,
o Major Pereira Pinto, o Capitão Pinto Soares e o Capitão Matos Gomes.

O Grupo de Teatro de Sete Rios apresenta em Mafra, integrado nas Campanhas


de Dinamização do MFA, o espectáculo A Poesia é uma Arma carregada de Futuro.

O jornal Notícias da Covilhã informa das reuniões prévias de preparação da acção


do MFA na região de Castelo Branco. Foi solicitado pelas entidades locais que, na
equipa dinamizadora responsável por esta área, viesse integrada a peça “O Canto

463
do Fantoche Lusitano” pelo Teatro Português de Paris.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Granja (Vila Nova de Gaia), Folgosa (Maia), Melres (Gondomar) coordenadas
pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Mosteirô (Vila da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Genísio (Miranda do Douro) pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Bragança;
- Lousada pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Vilaroco e Trevões (São João da Pesqueira) pela Sub-comissão Dinamizadora de
Lamego;
- Macieira de Rates (Barcelos) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim;
- Alqueidão (Figueira da Foz).

19/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Frazão (Paços de Ferreira), Madalena (Vila Nova de Gaia), Bilhó (Mondim de
Basto), Frazão (Paços de Ferreira) pela Comissão Dinamizadora Regional do
Porto;
- Podence (Macedo de Cavaleiros) pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Bragança;
- Riodade e em Paredes da Beira (São João da Pesqueira) pela Subcomissão
Dinamizadora de Lamego;
- Moselos (Vila da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Cerveira (Sabugal)

20/1/1975
A imprensa dá conta que os soldados da “Operação Nortada”abandonam Trás-
os-Montes e a Beira Alta e dirigem-se para a região do Zêzere.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Serzedelo (Guimarães) pela Comissão Distrital do Porto;
- Anha (Viana do Castelo) pela Comissão Distrital de Viana do Castelo;
- Borralha (Montalegre) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Bornes (Macedo de Cavaleiros) Comissão Distrital de Bragança;

21/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Cortiços (Macedo de Cavaleiros) Comissão Distrital de Bragança;
- Oura (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Lixa (Felgueiras) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Junqueira (Vila do Conde) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim.

22/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Albergaria das Cabras pela Comissão Distrital do Porto;
- Ribeira da Pena (Vila Real) pela Comissão Distrital de Vila Real;
- Espinhosela (Bragança) Comissão Distrital de Bragança;
- Ardãos (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Nagoselo do Douro e em Castanheiro do Sul (São João da Pesqueira) pela
Subcomissão Dinamizadora de Lamego;

464
- Serra pelo RI N.º 15;
- Montoito (Redondo) e Falcoeiras pelos militares do RI N.º 16

Início de um conjunto de sessões de esclarecimento no distrito de Elvas pela


Comissão Dinamizadora Distrital de Elvas, abrangendo as seguintes localidades:
Mosteiros, Vaiamonte (Monforte), Vila Boim (Elvas), Assumar (Monforte), Varche
(São Brás, Elvas), Barbacena (Elvas), Santa Eulália (Elvas), Arronches, Campo
Maior e em Monforte.

23/1/1975
A imprensa sublinha a ante-estreia da “Operação Castelo Branco” com um
espectáculo do grupo musical Alerta Está em Vila Velha de Ródão. A campanha
terá o seu início oficial no dia 24 de Janeiro de 1975.

No Campolide Atlético Clube (Lisboa) é representada a peça “Fulgor e Morte de


Joaquim Murieta” de Pablo de Neruda pelo Grupo de Teatro de Campolide.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Santo Estêvão de Briteiros (Guimarães) pela Comissão Distrital do Porto;
- Retorta (Vila do Conde) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Lebução (Valpaços) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Vila Marim (Vila Real) pela Comissão Distrital de Vila Real;
- Vila Meã (Amarante) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Moreira do Rei (Fafe) pela Comissão Distrital de Braga;
- São João da Pesqueira pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Gondarém (Vila Nova de Cerveira) pela Comissão Distrital de Viana do Castelo.

24/1/1975
Início da “Operação Castelo Branco” que se prolongou até 2 de Fevereiro de 1975.
Foi protagonizada por equipas compostas por elementos dos três ramos das
Forças Armadas, por engenheiros militares e por vários técnicos especializados
nas áreas da medicina, agronomia e economia. Durante 10 dias percorreram as
localidades de Idanha-a-Nova, Covilhã, Belmonte, Penamacor, Vila de Rei,
Proença-a-Nova, Fundão, Sertã, Oleiros, Vila Velha de Rodão, Castelo Branco,
Alcains (Castelo Branco), Tortosendo (Covilhã), Panasqueira, Cernache do Bom
Jardim (Sertã). Participaram os grupos teatrais Os Bonecreiros, Teatro Português
de Paris, La Cuadra e a Banda Militar Alerta Está.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Gondesende (Bragança) Comissão Distrital de Bragança;
- Lamas (Vila da Feira) pela Sub-comissão Dinamizadora de Espinho;
- Milheirós (Maia) pela Comissão Distrital do Porto;
- Areias de São Vicente (Barcelos) pela Comissão Distrital de Braga;
- Joane (Vila Nova de Famalicão) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim;
- Oliveira do Mondego (Penacova) pela Comissão Dinamizadora Regional de
Coimbra;

A imprensa refere a realização de sessões de dinamização cultural em Castro


Marim, Maxial (Torres Vedra) e Vila Grande (Boticas). A sessão em Maxial teve a
colaboração do grupo Os Bonecreiros que apresentou a peça As Imprecações Junto
das Muralhas da Cidade.

465
25/1/1975
A imprensa noticia uma sessão de esclarecimento na Caixa Económica Operária
na Graça, em Lisboa, onde foi revelado que duas companhias de Engenharia que
estavam mobilizadas para África vão trabalhar para o Minho na abertura de
estradas. Também militares da Escola Prática de Transmissões partem para o
Ribatejo a fim de proceder à electrificação de algumas zonas, a par do trabalho de
esclarecimento.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Lagoaça (Freixo de Espada à Cinta) pela Subcomissão Dinamizadora de
Lamego;
- Oliveira de São Mateus pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Donai (Bragança) Comissão Distrital de Bragança
- Fornos (Freixo de Espada à Cinta) pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Sande (Marco de Canavezes) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Souto (Vila da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Vila Nova (Montalegre) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves.

26/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Poiares, Ligares e Mazouco (Freixo de Espada à Cinta) pela Subcomissão
Dinamizadora de Lamego;
- Custóias (Matosinhos) pela Comissão Distrital do Porto.

27/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Viade (Montalegre) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Baçal (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- São Félix da Marinha (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Distrital do Porto;
- Folhadela (Vila Real) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real.

28/1/1975
Em Tortosendo (Covilhã) foi representada a peça O Canto do Fantoche Lusitano de
Peter Weiss pelo grupo Teatro Português de Paris.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Torre de Ervededo (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Aveleda (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Vila Pouca de Aguiar pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Deocriste (Viana do Castelo) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Viana do
Castelo;
- Aguçadora (Póvoa do Varzim) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim;
- Ancede (Baião) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Zambujal (Condeixa-a-Nova) pela Comissão Dinamizadora Regional de
Coimbra;
- Monsaraz (Reguengos de Monsaraz) pelos militares do CISMI.

29/1/1975
Conferência de imprensa, realizada no Porto, onde o Major Fonseca fala dos
entraves colocados por alguns sacerdotes às campanhas de dinamização cultural.

No âmbito da “Operação Castelo Branco” realizaram-se sessões em Peso

466
(Covilhã), no Colégio de Proença-a-Nova, e Fundada (Vila de Rei). Em Almaceda
(Castelo Branco) a sessão foi participada por cerca de 800 pessoas. A junta de
freguesia desta localidade entregou aos representantes do MFA uma relação das
suas principais carências.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Jou (Murça) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Pinho (Boticas) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Ferreira (Paços de Ferreira) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Lamego pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Gostei (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Cervães (Vila Verde) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Braga;
- Peral e São Pedro do Esteval (concelho de Proença-a-Nova);
- Livramento pela Subcomissão Dinamizadora de Tavira.

30/1/1975
O Dário de Notícias dá conta do espectáculo da banda militar Alerta Está no
Teatro-Cine da cidade da Covilhã integrada na acção dinamizadora que as Forças
Armadas no distrito de Castelo Branco. Dirigidos pelo maestro Sílvio Pleno, este
grupo actuou em Oleiros, Vila Velha de Ródão, Vila de Rei, Tortosendo (Covilhã)
e em Castelo Branco.
O mesmo jornal noticia a sessão de esclarecimento no pavilhão do Sacavenense,
(Sacavém, Loures) realizada com o apoio da junta de freguesia. Actuaram o coro
da Academia de Amadores de Música dirigido pelo maestro Lopes Graça e ainda
a Filarmónica da Academia Recreativa de Sacavém

É desmarcado um espectáculo promovido pelo MFA em Penamacor no salão de


festas da Casa do Povo pelo facto de este espaço não comportar os 1500
espectadores que tencionavam assistir ao mesmo.

A imprensa noticia sessão de esclarecimento em Paradela do Vouga no salão


paroquial desta freguesia que contou com a presença de elementos do RI n.º 10 de
Aveiro e pela brigada agrícola desta localidade. No final teve lugar uma sessão de
“canto livre”.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Minas da Panasqueira integrada na “Operação Castelo Branco”
- Sociedade União Agrícola do Pinhal Novo (Palmela). A primeira parte contou
com a participação do grupo de teatro A Cornucópia;
- Casa do Povo de Belmonte, em Ervedal (Portalegre);
- Nespereira (Cinfães) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Perosinho (Vila Nova de Gaia), Bonfim, São Torcato (Guimarães) e Vermoim
(Maia) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Torre Dona Chama (Valpaços) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Casa Branca (Sousel) por militares da EPA;
- São Bartolomeu do Sul pelos militares do CISMI;
- Ronfe (Guimarães) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Braga.
- Moreira do Lima ( Ponte de Lima) e Carvoeiro (Viana do Castelo) pela
Comissão Dinamizadora Distrital de Viana do Castelo;
- Marvão por militares do BC 1;
- Oliveira do Conde (Carregal do Sal) levada a cabo pelo RI n.º 14 de Viseu;
- Fontoura (Valença) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Viana do Castelo;
- Envendos (Mação), no Salão Paroquial, por uma equipa do RI de Abrantes.

467
31/1/1975
Início da “Operação Verdade” protagonizada pelo Regimento de Caçadores Pára-
quedistas, pela Base Aérea n.º 3 e ainda pela Direcção de Saúde da Força Aérea.
Colaboram a Banda da Força Aérea, o conjunto musical Boinas Verdes, a
Comuna, um grupo de palhaços, do qual fazia parte Teresa Ricou e ainda o
rancho regional de Merufe.
Esta campanha, que se prolongou até ao dia 9 de Fevereiro, percorreu 80
freguesias minhotas dos concelhos de Monção, Melgaço, Arcos de Valdevez e
Ponte da Barca. Foram realizadas sessões de esclarecimento nas seguintes
localidades: Lavradas (Ponte da Barca), Azias (Ponte da Barca), Vila Fonche
(Arcos de Valdevez), Ermelo (Arcos de Valdevez), Pedrosa, Sistelo (Arcos de
Valdevez), Riba de Moura, Peso, Extremo (Arcos de Valdevez), Soajo (Arcos de
Valdevez), Miranda (Arcos de Valdevez), Cabreiro (Arcos de Valdevez), Sá
(Monção), Groselas, Britelo (Ponte da Barca), Podame (Monção), São Paio,
Amboim, São Jorge (Arcos de Valdevez), Rio Cabrão (Arcos de Valdevez),
Portela, Marufa, Melgaço, Ponte da Barca, Sabadim (Arcos de Valdevez), Vale
(Arcos de Valdevez), Jolda, Loureda (Arcos de Valdevez), Touvedo, São
Lourenço, Germil (Arcos de Valdevez) Senhorim, Cabana Maior (Arcos de
Valdevez), Padreiro (Arcos de Valdevez), Vilela (Arcos de Valdevez), Oleiros
(Ponte da Barca), Parada do Monte (Melgaço), Barbeita (Ponte da Barca),
Cristoval (Melgaço), Rio de Moinhos (Arcos de Valdevez), Grade (Arcos de
Valdevez), Távora (Arcos de Valdevez), São Cosme (Arcos de Valdevez), Cuide
de Vila Verde (Ponte da Barca), Moreira (Monção), Castro Laboreiro (Melgaço),
Aguiã (Arcos de Valdevez), Giela (Arcos de Valdevez), Souto (Arcos de
Valdevez), Gondoriz, Ponte da Barca, Sampriz ( Ponte da Barca), Cambezes
(Monção), Lamas de Mouro (Melgaço), Rio Frio (Arcos de Valdevez), Oliveira
(Arcos de Valdevez), Tabaçô (Arcos de Valdevez), Carralcova (Arcos de
Valdevez), Vila Nova de Muía (Ponte da Barca), Lindoso (Ponte da Barca),
Mazedo (Monção), Gave (Melgaço), Coselo, Paço (Arcos de Valdevez), Monte
Redondo (Arcos de Valdevez), Couto (Arcos de Valdevez), Crasto (Ponte da
Barca), Castelo, Longos Vales (Monção), Gavieira (Arcos de Valdevez), Vila Chã
(Ponte da Barca), Ermida(Ponte da Barca), Monção.

O Grupo de Teatro do Mem Martins Sport Clube torna pública a sua colaboração
nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica com a representação da
peça As Espingardas da Mãe Carrar, de Bertold Brecht.

No Cine-Teatro das Minas da Panasqueira realizou-se uma sessão de


esclarecimento que foi encerrada com a peça O Canto do Fantoche Lusitano da
autoria de Peter Weiss, representada pelo grupo Teatro Português de Paris.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Aver-o-Mar (Póvoa do Varzim) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim;
- Sampaio de Oleiros (Vila da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Nogueira (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Curalha (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Corte de A. Martins pelos militares do CISMI;
- Lever (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Distrital do Porto;
- Bustelo (Penafiel) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Covilhã.

468
FEVEREIRO

1/2/1975
O jornal Noticias da Covilhã informa do encontro entre elementos da CODICE
(Ramiro Correia e Manuel Begonha) com a imprensa regional do distrito de
Castelo Branco, no âmbito da campanha que decorre neste distrito.

O jornal O Cávado dá conta da abertura de uma estrada pelas Forças Armadas em


Macieira de Lixa.

Inicio das sessões culturais promovidas pela Comissão Dinamizadora Regional


do Norte no Palácio de Cristal no Porto

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Lodares (Lousada) pela Sub-comissão Dinamizadora de Penafiel;
- Mafamude (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Distrital do Porto;
- Landim (Famalicão) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Guetim (Espinho) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Linhares e Parambos (Carrazeda de Ansiães) pela Subcomissão Dinamizadora
de Lamego;
- Rebordões (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
-Teixoso (Covilhã) integrada na “Operação Castelo Branco”.

2/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Louredo (Vila Nova da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Galegos (Marvão) pelo Batalhão de Caçadores N.º 1;
- Alcaria do Cumel pelos militares do CISMI;
- Vides (Carrazeda de Ansiães) pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego.

3/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Ratos (Vila do Conde) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Castanheiro do Norte (Carrazeda de Ansiães) pela Subcomissão Dinamizadora
de Lamego;
- São Martinho de Angueira (Miranda do Douro) pela Comissão Distrital de
Bragança;
- Sabadim e de Senharei (Arcos de Valdevez)

4/2/1975
Reunião da CODICE com os representantes dos órgão de comunicação social da
região do Algarve, onde esteve presente um comandante do Regimento de
Infantaria n.º 4.

O Diário de Notícias noticia sessões de esclarecimento em:


- Vila Real de Santo António, no salão de festas do Lusitano Futebol Clube,
seguida da peça Um Barco para Itaca e outros poemas de Manuel Alegre pela Casa
da Comédia;
- Gare (Pinhal Novo), na Sociedade Filarmónica União Agrícola, por elementos
do Regimento de Infantaria n.º 11, participada por 2500 pessoas;
- Amêndoa teve lugar no salão paroquial desta freguesia uma sessão de
esclarecimento protagonizada por uma das equipas do Regimento de Infantaria

469
n.º 2 de Abrantes.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Torre das Vargens pelo Batalhão de Caçadores N.º 1;
- Constantim (Miranda do Douro) pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Bragança;
- Lordela (Vila Real) pela Comissão Distrital de Vila Real;
- Balazar (Póvoa do Varzim) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim;
- Paço de Sousa (Penafiel) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel.

5/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Monte Gordo (Vila Real de Santo António) pelos militares do CISMI;
- Arcozelo (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Merelim (Braga) pela Comissão Distrital de Braga;
- Anelhe (Vidago) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Vairão (Vila do Conde) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Avelanoso (Vimioso) pela Comissão Distrital de Bragança;
- Serreleis (Viana do Castelo) pela Comissão Distrital de Viana do Castelo;
- Palheiros e Andrães (Vila Real) pela Comissão Distrital de Vila Real;
- Caselas, no salão do Ginásio Clube, acompanhada da projecção de filmes

O Diário de Notícias publica calendário das sessões de esclarecimento a realizar


pela CODICE na região de Lisboa entre os dias 5 e 7 de Fevereiro de 1975: CPE de
Lisboa, Paiã, Santo Estevão das Galés (Mafra), Sacavém(Loures), na Caixa de
Previdência da Indústria, Caselas, Penedo, Murteira, Sintra no Liceu de Sintra,
São Mamede da Ventuosa (Torres Vedras) e Fundição de Oeiras. No mesmo
período estão programadas sessões para o distrito de Évora nas seguintes
localidades: Aldeias de Montoito, Redondo, São Manços (Évora). No dia 9 em
Aldeias de Montoito é representada a peça “A Festa dos Palhaços” de Isabel Bilou
pelo Grupo Cénico Infantil da Sociedade Joaquim António de Aguiar

A Comissão de Dinamização Regional de Coimbra publica na imprensa o


calendário das sessões de esclarecimento a realizar entre os dias 5 e 7 de Fevereiro
de 1975 pelo Regimento de Infantaria N.º 10 e N.º 12 (Coimbra), pelo Regimento
de Artilharia Ligeira N.º 2, pelo Regimento de Artilharia Pesada N.º 3 (Figueira
da Foz), pelo CICA N.º 2 (Coimbra), pelo Regimento dos Serviços de Saúde e pela
Escola Central de Sargentos: Macinhata de Seixa (Oliveira de Azeméis), Ega
(Condeixa-a-Nova), Carapelhos (Mira), Eirado (Aguiar da Beira), Arazede
(Cantanhede), Coruche (Aguiar da Beira), Esmoriz (Ovar), Brasfemes (Coimbra),
Trofa do Vouga (Águeda), Foz de Arouca (Lousã), Costa de Lavos (Figueira da
Foz), Borralha (Águeda), Águeda de Baixo (Águeda), Marmeleiro (Guarda).

6/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Lever (Carrazeda de Ansiães) pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Azinhal (Castro Marim) pela Subcomissão de Dinamizadora de Tavira;
- Ervões (Valpaços) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Moreira de Cónegos (Guimarães) pela Comissão Dinamizadora Distrital do
Porto;
- Adaúfe (Braga) pela Comissão Distrital de Braga;
-Longra (Felgueiras) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel.

470
7/2/1975
O Diário Popular noticia a realização da Assembleia dos Duzentos onde se
procedeu à análise dos resultados das Campanhas de Dinamização.

- Concerto do Orfeão Universitário do Porto no Teatro Sá de Miranda em Viana


do Castelo pelos militares do BC 9.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Vila Flor pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Morgade (Montalegre) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Vale de Frades (Vimioso) pela Comissão Distrital de Bragança;
- Fiães (Vila da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Guerreiros do Rio pelos militares do CISMI;
- Grijó (Vila Nova de Gaia) e na Companhia da Águas - SMAS (Porto) pela
Comissão Distrital do Porto;
- Vilar Torpim (Figueira de Castelo Rodrigo).

8/2/1975
O jornal Beira Baixa noticia que em Vila de Rei os habitantes arrombaram o Salão
Paroquial para nele ser exibido um filme.

O jornal Beira Baixa publica o programa das sessões de esclarecimento a realizar


no mês de Fevereiro sendo organizadas pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Castelo Branco e protagonizadas pelo Batalhão de Caçadores N.º 6 vão abranger
as seguintes localidades: Medelim (Idanha-a-Nova), Monsanto (Idanha-a-Nova),
Oledo (Idanha-a-Nova), Proença-a-Nova, Penha Garcia (Idanha-a-aNova),
Alpedrinha (Fundão), Cabeçudo (Sertã), Salgueiro (Fundão), Castelo (Sertã),
Proença-a-Velha (Idanha-a-Nova), Cumeada (Sertã), Rosmaninhal (Idanha-a-
Nova), Marmeleiro (Sertão), Salvaterra do Extremo (Idanha a Nova), Nesperal
(Sertã), Monfortinho (Iadana-a-Nova), Soalheira (Fundão), Peraboa (Covilhã),
Palhais (Sertã), Toulões (Idanha-a-Nova), Cernache do Bomjardim (Sertã),
Zebreira (Idanha a Nova), Troviscal (Sertã) e Várzea dos Cavaleiros (Sertão).

- A imprensa regional de Castelo Branco dá conta da realização de sessões de


esclarecimento em Cebolais de Cima (Castelo Branco), Meimoa (Penamacor),
Minas da Panasqueira, Vila de Rei, Perais (Vila Velha de Ródão), Sobreira
Formosa (Proença-a-Nova), Idanha-a-Nova e Ladoeiro (Idanha-a-Nova). Na
sessão de Perais foi debatido o aproveitamento do tabuleiro da Barragem de
Cedilho para uma ligação Beira-Baixa-Alentejo e a questão da bombagem da água
do rio Tejo para regar as terras de Perais e Monte Fidalgo.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Santo Tirso, Lavra (Matosinhos) pela Comissão Dinamizadora do Porto;
- Campo de Víboras (Vimioso) pela Comissão Distrital de Bragança;
- Vila Flor pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Alto-Nora pelos militares do CISMI
- Bairro da Serafina em Lisboa

9/2/1975
O Diário Popular noticia a participação do grupo Veto-Teatro-Oficina nas
Campanhas de Dinamização Cultural no período de 15 de Fevereiro a 2 de Março
de 1975 com o espectáculo A 10ª Turista, que percorrerá as localidades de

471
Abitureiras (Santarém), Vale de Figueira (Santarém), Santarám, Salvaterra de
Magos, Alcanhões (Santarém), Ereira (Cartaxo) e São João da Ribeira (Rio Maior).

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Estorninhos pelos militares do CISMI;
- Arcozelo (Aguda, Figueiró dos Vinhos) pela Comissão Distrital do Porto;
- Faro, no Cinema Santo António, com a presença do governador civil do distrito,
2 comandantes do Regimento de Infantaria 4 e o presidente da Comissão
Regional do Turismo, antecedida pela representação da peça Pide, história da
repressão pelo Grupo de Teatro Lethes.

12/2/1975
Anúncio do calendário das sessões de esclarecimento que irão decorrer na ilha da
Madeira nas localidades do Caniçal (Machico), Santo da Serra, Fajã de Ondas

Sessão de esclarecimento junto dos trabalhadores da Rádio e Televisão em Lisboa

13/2/1975
Inicio da “Operação Alvorada”, realizada pelo destacamento de Fuzileiros n.º 12 e
comandada pelo 1.º Tenente Teixeira Rodrigues, que decorrerá até ao dia 23 deste
mês.
Realizaram-se sessões em diversas localidades dos concelhos de Ponte de Lima,
de Caminha, Vila Nova de Cerveira e Paredes de Coura: Correlhã (Ponte de
Lima), Castelo do Neiva (Viana do Castelo), Sendim, Moldes, São Martinho da
Gandra. Foram também realizados trabalhos na área das acessibilidades.
No âmbito esta campanha, foi realizada no dia 16 uma sessão no Cine-Teatro José
António Pires, em Caminha, com a presença das Forças Armadas, o Rancho
Folclórico do Orfeão de Vila Praia de Âncora e o Conjunto do Grupo Juvenil de
Caminha

Sessão de esclarecimento em Caia (Urra, Portalegre) e Vale de Açôr (Ponte de Sôr)


pelo Batalhão de Caçadores N.º 1.

15/2/1975
Sessão de esclarecimento em Salema (Lagos) pelo RIF.

16/2/1975
Reunião da Comissão Dinamizadora Regional Centro (Coimbra) com as
associações culturais, recreativas e desportivas da cidade visando obter
informação sobre as suas principais necessidades, bem como estabelecer formas
de colaboração com as Campanhas de Dinamização Cultural do MFA.

17/2/1975
A Comissão Dinamizadora de Évora torna pública as sessões que irá realizar na
2ª quinzena de Fevereiro de 1975 nos concelhos do Redondo e Mourão,
abrangendo as seguintes localidade: Aldeias de Montoito (Montoito, Redondo,
Santa Susana (Alcácer do Sal), Monte da Virgem, Redondo, Luz (Mourão), Granja
(Mourão) e Mourão. Estão, ainda, agendados os seguintes espectáculos teatrais:
em Alcaçovas (Viana do Alentejo) pelo Grupo da Casa do Povo de Nossa Senhora
da Tourega será representada a peça "O Dia Seguinte" de Luís Francisco Rebelo.
Em Santiago de Rio de Moinhos (Borba) será apresentada a peça A Forja de Alves
Redol pelo Clube Recrativo Popular de Boa Fé.

472
Sessão de esclarecimento em Ferragudo (Lagoa, Algarve) por militares do RI 4.

18/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Pereiro (Alcoutim) pela Subcomissão Dinamizadora de Tavira;
- Escola Dona Luísa de Gusmão, em Lisboa, destinada aos moradores do Bairro
da Penha de França. Foi projectado o filme “Vilarinho das Furnas” de António
Campos.

19/2/1975
A Comissão Dinamizadora de Coimbra torna público o programa das sessões de
esclarecimento a realizar pelo Regimento de Infantaria n.º 10, n.º 12 e n.º 14, pelo
Regimento de Artilharia Pesada n.º 3 (Figueira da Foz), pelo Regimento de
Artilharia Ligeira n.º 2 (Coimbra) e pelo Centro de Instrução de Condução Auto
n.º 2 (Coimbra) nas localidades de: Pena Verde (Aguiar da Beira), Aguiar da
Beira, Ferreira de Aves (Sátão), Rogalheiras, Lavos (Figueira da Foz), Figueira da
Foz, Satão, Vila Chã de Sá (Viseu), Viseu, Alcafache (Mangualde), Febres
(Cantanhede), Cernache (Coimbra), Marinha das Ondas (Figueira da Foz),
Anceriz (Arganil), Junqueira (Vale de Cambra), Vila Cova de Alva (Arganil).

O Diário de Notícias dá conta da realização de sessões de esclarecimento no


concelho de Alcobaça nas localidades de Vestiaria e Aljubarrota

Sessão de esclarecimento em Ferreiras (Albufeira), Regimento de Infantaria N.º 4

20/2/1975
Sessão de esclarecimento no Sabugo (Sintra) por elementos militares do Campo
de Tiro da Serra da Carregueira e da Base Aérea n.º 1, responsáveis pelas 28
sessões de esclarecimento já efectuadas no concelho de Sintra. Esta sessão,
realizada na sede da União Desportiva e Recreativa Sabuguense, contou com a
presença do Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves.

A imprensa divulga o programa das sessões de esclarecimento para o período


compreendido entre 20 de Fevereiro e 2 de Março de 1975 nas seguintes
localidades: Santiago de Mogadouro e Torre do Vale Todos (Ansião); Andes
(Porto de Mós); no Regimento Cavalaria 7, Junta de Freguesia de São João, Junta
de Freguesia do Alto Pina, Paróquia de São Jorge de Arroios, Caixa de
Previdência do Comércio, Caixa de Conservas de Peixe (Lisboa), Sport Futebol
Clube de Benfica; Montrigo (Redondo); Brinchos, Faro do Alentejo (Cuba),
Cunheira (Alter do Chão), Vale de Arco, Cabeço de Mouro (Évora); Carvoeiro
(Lagoa-Algarve ou Mação/Santarém, Luz de Lagos, Espiche, Burgau (Faro);
Carvalhal (Grandola); Alvarinhos, Aldeia Galega; Negrais (Pêro Pinheiro, Sintra);
Santa Eufémia, Boa Vista (Leiria), Cortes (Leiria), Azoia (Leiria), Atouguia
(Ourém), Fontelas, Alcobaça, Prazeres de Aljubarrota (Alcobaça); Alter do Chão;
Serzedelo (Ansião); Amoreira (Óbidos); Sado (Álcacer do Sal); Estribeiros;
Picassinos (Marinha Grande); Aldeia de Ermidas (Santiago do Cacém); Magoito
(Sintra); Casais Brancos, Albergaria dos Doze (Pombal), Atouguia da Baleia
(Peniche); Vila Chã; Pecorgial (Pombal); Vale de Guiso (Areias), Cadafais
(Alenquer), Penedo, Santiago do Cacém Cabra Figa, Praia das Maçãs (Sintra).

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Sessão de esclarecimento em Galegos (Marvão) pelo Batalhão de Caçadores N.º
1;

473
- Sessões de dinamização cultural em Lisboa e Albufeira.

23/2/1975
“Operação Povo Culto” com duração prevista até dia 16 de Março de 1975.
Protagonizada pelo CISMI no âmbito dos exercícios finais do curso de sargentos
milicianos do 4.º turno de 1974. Esta acção percorrerá os concelhos de Tavira,
Castro Marim e Alcoutim.

24/2/1975
Sessão de esclarecimento em Barranco Velho, Regimento de Infantaria N.º 4.

25/2/1975
Sessão de esclarecimento em Vale de Seda (Fronteira).

26/2/1975
Reunião de preparação da “Operação Atlântida”, a realizar no arquipélago dos
Açores, coordenada pelo Major Cação da Silva. Estiveram presentes elementos do
Exército, Marinha e Força Aérea, dos Serviços de Informação da 5ª
Divisão/EMGFA, do CIASC, da RTP e da Emissora Nacional.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Ortiga ( Mação), pelo Regimento de Infantaria N.º 2;
- Região de Coimbra pelo Regimento de Artilharia Ligeira n.º 2, pelo Regimento
de Artilharia Pesada n.º 3 (Figueira da Foz), pelo Centro de Instrução de
Condução Auto n.º 2 (Coimbra), pelo Regimento de Infantaria n.º 12 (Coimbra) e
n.º 14 (Aveiro) nas localidades de Bem da Fé (Condeixa-a-Nova); Tocha
(Cantanhede); Quinta da Estrada (Ervedal da Beira); Touro (Vila Nova de Paiva),
Treixedo (Santa Comba Dão) e na vila de Santa Comba Dão.

27/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Chão das Donas por militares do CICA 3
- Chão de Codes (Aboboreira, Mação) pelo Regimento de Infantaria N.º 2.
- Palmela (Setúbal)

28/2/1975
Início da missão, que decorreu até ao dia 6 de Março de 1975, junto da
Comunidade de Emigração Portuguesa à Inglaterra pela CODICE em colaboração
com a Secretaria de Estado da Emigração.

Durante este mês a Comissão Dinamizadora Regional de Coimbra promoveu


ainda as seguintes sessões: Foz de Arouce (Lousã), Ega (Condeixa-a-Nova),
Alfarelos (Soure) Vila Nova do Ceira e Cadafaz (Góis).

Na penúltima semana de Fevereiro realizou-se uma campanha no concelho de


Pedrógão Grande pela subcomissão distrital da Base Aérea de Monte Real.
Colaboraram alunos do Instituto de Agronomia de Lisboa e da Faculdade de
Medicina do Porto. A sessão inaugural realizou-se na sede de concelho com o
Coro de Câmara do Conservatório de Música de Coimbra sob a direcção do
maestro José Firmino M. Soares.
Efectuaram-se sessões em Vila Facaia (Pedrógão Grande), Graça (Pedrógão
Grande), Troviscaes e Derreada Cimeira.

474
MARÇO
Realização da primeira assembleia dos delegados da dinamização, Centro de
Sociologia Militar, visando a discussão de novas linhas de acção.

1/3/1975
Início oficial da “Acção Atlântida” no arquipélago dos Açores, com sessões em
Santa Bárbara (Ponta Delgada, Ribeira Grande ou Vila do Porto, São Bartolomeu
dos Regatos (Angra do Heroísmo) e Vila Nova (Praia da Vitória). Neste dia teve
lugar uma sessão pública no Governo Civil de Angra do Heroísmo onde se
debateu a questão da autonomia dos Açores. Esta campanha percorrerá as ilhas
das Flores, Corvo, Faial, Pico, São Jorge, Terceira, Graciosa, São Miguel, Santa
Maria e é coordenada pelo Major Cação da Silva.
Foram organizadas três equipas constituídas por elementos dos três ramos das
Forças Armadas, especialistas nas áreas da agricultura, cooperativismo,
sindicalismo, economia e medicina, elementos da CIASC e da Direcção-Geral da
Cultura Popular e Espectáculos.
Participaram, ainda, do grupo Os Bonecreiros com a peça A Grande Imprecação
Diante das Muralhas da Cidade o Teatro Português de Paris com O Canto do Fantoche
Lusitano, as Marionetas de São Lourenço e o Diabo, o grupo musical Alerta Está e
o Grupo Cultural da Fragata Almirante Magalhães Corrêa.

O jornal Beira Baixa noticia a sessão de esclarecimento realizada no Salão da Casa


do Povo de Salvaterra do Extremo (Idanha-a-Nova ) que contou com a presença
de um engenheiro agrónomo.

2/3/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Quatro Ribeiras (Praia da Vitória), Fonte do Bastardo (Praia da Vitória), Altares
(Angra do Heroísmo), Porto Judeu (Angra do Heroísmo) e Agualva (Praia da
Vitória) no âmbito da "Operação Atlântida”
- Cabra Figa e Porto Brandão.

3/3/1975
O Grupo Cénico do Sindicato dos Profissionais de Escritório do distrito de Lisboa
- Proscénium – estreia, na Academia de Santo Amaro em Lisboa, um espectáculo
produzido para as Campanhas de Dinamização Cultural do MFA composto por
duas partes distintas. A primeira intitula-se Cenas da Antiga Vida Portuguesa. A
segunda consiste numa cegada intitulada “História de D. Violante Cartomante,
Sô Capitão, D. Reacção e do Zé que Armou Banzé”

4/3/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Secção da GNR de Amarante pelo RAL 5;
- São Saturnino (Concelho de Fronteira) pelo Batalhão de Caçadores N.º 1;
- Baraçal (Celorico da Beira) pelo RI N.º 10 sobre o tema "Desenvolvimento
Económico";
- Ceira (Coimbra) pelo Regimento dos Serviços de Saúde.

5/3/1975
Mesa-redonda sobre o ensino no distrito da Horta no âmbito da campanha de
dinamização cultural a decorrer no arquipélago dos Açores.

O jornal Beira Baixa publica uma "Carta Aberta à Comissão Dinamizadora

475
Distrital do MFA" da população de Isna (Oleiros) onde são descritas as principais
carências ao nível das acessibilidades e electrificação.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Carrapechana sobre "Descolonização" pelo RI N.º 10 de Aveiro;
- Pocariça (Cantanhede) pelo RAP N.º 3 e pelo CICA N.º 2 da Figueira da Foz.

6/3/1975
No âmbito da “Acção Atlântida”, foram realizadas entre os dias 6 e 8 de Março
sessões em diferentes localidades da Ilha das Flores.

Realização de um debate sobre "A Ciência ao Serviço do Povo", promovido pela


CODICE e pela Comissão Executiva dos Trabalhadores do Laboratório Nacional
de Engenharia Civil.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- São Martinho (Sintra);
- Vale do Arco (Ponte de Sor) pelo Batalhão de Caçadores N.º 1;
- Ribeira de Frades (Coimbra) pelo Regimento dos Serviços de Saúde sobre o
tema "Cooperativas e outras associações";
- Furadouro (Condeixa-a-Nova) pelo Regimento de Artilharia Ligeira N.º 2;
- Forno do Telheiro (Celorico da Beira) pelo RI Nº 10 de Aveiro, sobre o tema
“cooperativismo”;
- Camarneira (Cantanhade) pelo Regimento de Artilharia Pesada N.º 3 e CICA n.º
2.

7/3/1975
Sessão de esclarecimento em Armamar.

Início da visita às comunidades de emigrantes portugueses na Suíça, que se


prolongam até ao dia 10 de Março, em cooperação com a Secretaria de Estado da
Emigração.

8/3/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- São Bernardo (Anadia) sobre o tema "Descolonização" pelo RI N.º 10;
- Bolho (Cantanhede) pelo Regimento de Artilharia Pesada N.º 3 e CICA N.º 2.

9/3/1975
O Jornal Flor do Tâmega notícia os trabalhos de reparação de um caminho em
Burgada (Amarante) pelos soldados do RAL e de sessão de esclarecimento em
Lomba.

Sessão de esclarecimento em Alenquer com a participação da Orquestra Típica e


Coral de Maiorca (Alenquer), do Conjunto Cénico Caldense (Caldas da Rainha)
com a peça O Canto de Papão Lusitano, do Grupo de Teatro de Manique do
Intendente com a peça A Traição do Padre Martinho, do Grupo de Teatro CDAC
(Alenquer) com a peça A Caminho da Liberdade e do rancho folclórico de Avelãs de
Cima, Carregado e Alenquer.

10/3/1975
Início da “Operação Cavado” coordenada pela Comissão Dinamizadora Regional
do Porto que até ao dia 16 de Março percorrerá o concelho de Barcelos.

476
O Diário Popular apresenta balanço da Campanha de Dinamização Agrícola
lançada pela Secretaria de Estado da Agricultura à qual se associaram as
Campanhas de Dinamização Cultural do MFA tendo sido realizadas sessões em
Aveiro e no Algarve. Os técnicos desta Secretaria de Estado já tinham participado
na operação “Nortada” e “Alvorada”

12/3/1975
O Ministro da Comunicação Social, Correia Jesuíno, realiza uma conferência de
imprensa no Palácio Foz, sobre os acontecimentos do 11 de Março. Nesta ocasião é
declarado o objectivo de intensificar as Campanhas de Dinamização
"convertendo-as em acção cívica".

13/03/1975
Sessão de esclarecimento na aldeia de Giões, concelho de Alcoutim

17/3/1975
Conferência de imprensa promovida pela CODICE onde é formalizada a
alteração de rumo das Campanhas de Dinamização Cultural que integram, agora,
a componente Acção Cívica e se caracterizam pela longa permanência no terreno.
Ramiro Correia, agora membro do Conselho da Revolução, anuncia a realização
de uma campanha no distrito de Viseu, procedendo ao balanço da campanha
realizada no arquipélago dos Açores

19/3/1975
Início da Campanha “Beira Alta” que actuará no distrito de Viseu nos concelhos
de Tarouca, Moimenta da Beira, Sernancelhe, Penedono, Castro Daire, Vila Nova
de Paiva, Sátão, Penalva do Castelo, Mangualde, Nelas, Viseu, São Pedro do Sul,
Vouzela, Oliveira de Frades, Tondela, Carregal do Sal, Santa Comba Dão e
Mortágua.

20/3/1975
Toma posse o Conselho da Revolução do qual faz parte Ramiro Correia.

21/3/1975
O Diário de Notícias dá conta do relatório final relativo ao concelho de Reguengos
de Monsaraz realizado pela CODIRE de Évora no âmbito da Dinamização
Cultural do MFA, no qual é atribuído especial destaque à “ausência de
perspectiva política patente nas camadas das populacionais menos esclarecidas e
à questão do desemprego rural.”

22/3/1975
A imprensa dá conta da realização da sessão de esclarecimento em Azaruja pela
Comissão de Dinamização Cultural do distrito de Évora.

24/3/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Pinheiro de Lafões no edifício da Casa do Povo
- Mairos (Chaves), no salão paroquial, pelo BC 10 de Chaves

25/3/1975
Realizam-se sessões de esclarecimento sobre “cooperativismo” nas seguintes
localidades do distrito de Coimbra: Barreiro (Meda) pelo RI N.º 12; Pena-

477
Portunhos (Cantanhede) pelo RAP N.º 3 e CICA N.º 4 da Figueira da Foz.

26/3/1975
Realizam-se sessões de esclarecimento sobre “cooperativismo” nas seguintes
localidades do distrito de Coimbra: São Silvestre (Coimbra) pelo Regimento do
Serviço de Saúde; Carvalhal (Meda) pelo RI N.º 12; Ancas (Anadia) pelo RI N.º 10
de Aveiro.

27/3/1975
A CODICE promove sessão de esclarecimento na Voz do Operário em Lisboa
abordando a questão eleitoral.

Realizam-se sessões de esclarecimento sobre o cooperativismo nas seguintes


localidades: Coriscada (Meda, Guarda) pelo RI N.º 12; Semide (Miranda do
Corvo) pelo RAL N.º 2; Rio de Vide (Miranda do Corvo) pelo RAL N.º 2; Enxofães
(Murtede, Cantanhede) pelo RAP N.º 3 e pelo CICA N.º 4

28/3/1975
O Jornal da Beira dá conta de reunião entre os sacerdotes da Diocese de Viseu com
os oficiais que orientaram a Campanha de Dinamização Cultural e Sanitária
naquele distrito realizada no RI 14

ABRIL

Ao longo deste mês a Comissão Dinamizadora Regional de Coimbra promoveu


sessões de esclarecimento no concelho de Pampilhosa da Serra nas povoações de:
Unhais-o-Velho, Dornelas do Zêzere, Vidual, Carvalho, Aldeia Fundeira, Póvoa,
Sobral Magro, Sobral de Cima, Machio de Baixo, Januário de Baixo, Cabril.

1/4/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Aldeia do Bispo e Forcalhos (Sabugal) pelo RI 12 com coordenação da CODIRE
de Coimbra; Pendilhe (Vila Noiva de Paiva), no âmbito da Campanha “Beira
Alta”.

2/4/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Lagiosa, Pendilhe (Vila Noiva de Paiva), Aldeia Velha (Sabugal) pelo RI 12,
coordenada pela CODIRE de Coimbra
- Carapinheira (Coimbra) pelo Regimento de Serviço de Saúde, coordenada pela
CODIRE de Coimbra.

3/4/1975 Sessões de esclarecimento realizadas:


Aldeia da Ponte, Rebolosa (Sabugal) e Adões (Mealhada) pelo RI 12, com
coordenação da CODIRE de Coimbra.

4/4/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Andorinha (Coimbra), Rio de Vide (Miranda do Corvo) e Antes (Mealhada) pelo
Regimento de Serviços de Saúde (Coimbra)

5/4/1975
No âmbito da Campanha de Dinamização no distrito de Viseu realiza-se no

478
edifício da Caixa Geral de Depósitos na cidade de Viseu uma pintura colectiva
durante dois dias. Colaboraram os professores da ESBAP Armando Alves,
Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, José Rodrigues, Jorge Pinheiro e ainda de
Vespeira, Maria Gabriel, Eurico Gonçalves, Fernando Cruz e Espiga Pinto. Esta
acção contou com a participação do Grupo de Teatro de Campolide que
representou a peça Fulgor e Morte de Joaquim Murieta de Pablo de Neruda no
Largo da Sé de Viseu.

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Pena (Cantanhede) e Canelas (Estarreja) pelo RI N.º 10 de Aveiro

7/4/1975
Sessão de esclarecimento no Porto, no Centro Social da Sé, promovido pela
CODIRE.

8/4/1975
Sessão de esclarecimento no Pavilhão Gimnodesportivo da cidade de Viseu, no
âmbito da “Operação Beira Alta”, na qual participaram o comandante do RI 14 e
os diferentes responsáveis pelas diferentes acções a decorrer nesta região

Sessão de esclarecimento na Escola António Arroio (Lisboa) destinada à


população da freguesia do Alto Pina.

10/4/1975
O Diário de Notícias dá conta de uma sessão de esclarecimento na cidade de
Portalegre no Pavilhão Gimnodesportivo local protagonizada pelo Batalhão de
Caçadores N.º 1, onde estiverem presentes o governador civil do distrito, um
representante da Câmara Municipal e elementos da GNR, PSP e Guarda Fiscal

11/7/1975
Sessão de esclarecimento no Bairro da Urdeira, na sala do Clube União
Desportiva e Recreativa de Santa Maria onde é aconselhado o voto em branco.

13/4/1975
Sessão de esclarecimento em Almeida no salão paroquial presidida pelo
Comandante do RI 12 Guarda. A convite do MFA, o Centro Cultural da Guarda
promoveu um espectáculo nesta localidade.

15/4/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Empresa Standard Eléctrica em Cascais pelo Centro de Instrução Anti-Aérea;
- Fundo Fomento da Habitação

16/4/1975 – O Diário de Notícias informa da presença das Forças Armadas no


concelho da Pampilhosa da Serra que, para além das sessões de esclarecimento,
promoveram um trabalho de levantamento das principais carências da
população.

17/4/1975
A imprensa nacional dá conta da sessão de esclarecimento dirigida aos habitantes
da Freguesia de São Paulo (Lisboa) realizada nas instalações do Sindicato dos
Professores.

479
18/4/1975
O Jornal da Beira noticia sessão de esclarecimento em Vila Maior (Santa Maria da
Feira ou São Pedro do Sul) realizada no edifício escolar daquela localidade.

22/4/1975
O Diário Popular publica um artigo sobre a projecção de uma reportagem filmada
pela RTP na aldeia de Covas do Rio (São Pedro do Sul) aquando da estadia de
uma das equipas de dinamização naquela localidade.

Sessão de esclarecimento em Moledo (Caminha) realizada na Associação


Moledense de Instrução e Recreio que contou com a presença de militares do BC
9.

24/4/1975
Afonso Praça assina uma reportagem sobre o lugar de Chãs na revista Vida
Mundial onde dá conta dos diversos trabalhos levados a cabo pelas Forças
Armadas com ajuda das populações daquela localidade: electrificação, construção
de infra-estruturas, implementação de sistemas de recolha de lixo.

Início da missão do MFA à Holanda que se prolongará até ao dia 28 deste mesmo
mês.

25/4/1975
A Direcção-Geral dos Desportos, através do seu órgão informativo Desporto Novo,
anuncia a participação dos seus técnicos nas Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA.

26/4/1975
Início da “missão” do MFA à Bélgica para contacto com a emigração portuguesa
que se prolongará até ao dia 28 deste mesmo mês.
Inauguração da exposição itinerante “Portugal. Um Ano de Revolução 1974-1975”
na Galeria de Arte Moderna em Lisboa, conhecida como Galeria de Belém, cuja
organização esteve a cargo de um conjunto de entidades, entre as quais a 5ª
Divisão/EMGFA, através da CODICE.

MAIO
2/5/1975
Início da “missão” do MFA a França que decorrerá até dia 12 deste mês, no
âmbito da qual se realizaram as “Jornadas Portuguesas” cuja organização esteve a
cargo da CODICE, Ministério da Educação e Cultura, Ministério da Comunicação
Social, Ministério dos Negócios Estrangeiros e Secretaria de Estado da Emigração.

7/5/1975
Principiam-se os cursos de formação no Centro de Sociologia Militar (5ª
Divisão/EMGFA) destinados às equipas que integrarão a campanha "Maio-
Nordeste".

Sessões de esclarecimento realizadas:


- Vilar Amargo, Vale de Afonsinho (Figueira de Castelo Rodrigo) pela Comissão
Regional de Coimbra;
- Torre de Vera, Almalanguez pelo RI N.º 5 da Guarda;
- Coimbra pelo Regimento do Serviço de Saúde desta cidade.

480
8/5/1975
Início da acção médico-sanitária no concelho de São Pedro do Sul abrangendo as
localidades de Macieira, Covas do Rio e Covas do Monte.

Com a colaboração do MFA e do seu programa "Alerta Está", realiza-se em Vale


Benfeito os festejos da quinta-feira de espiga, cujo produto reverte a favor da
construção da escola primária local

O Diário de Notícias publica o calendário das sessões de esclarecimento orientadas


pela Comissão Dinamizadora Regional do Algarve protagonizada por militares
do RI Faro nas localidades de Quatrim e Vale de Figueira.

10/5/1975
Sessão de esclarecimento em Torre de Vilela (Coimbra) pela Comissão Regional
de Coimbra.

12/5/1975
Sessão de esclarecimento realizada em Monte Seco por militares do RI Faro.

17/5/1975
Início da 1ª fase da campanha "Maio-Nordeste" que actuará no distrito de
Bragança.
Foi protagonizada por 230 oficiais, sargentos e praças dos três ramos das Forças
Armadas, incluindo a GNR, a PSP e a Guarda-Fiscal. Participam técnicos da
Direcção-Geral dos Desportos e músicos militares que trabalharão junto das
bandas da região.
Esta campanha contou com a colaboração de José Afonso, Francisco Fanhais e o
cineasta José Filipe Rocha

27/5/1975
Sessão de esclarecimento em Vila Velha de Ródão, no Centro Recreativo do Porto
do Tejo, pela Comissão Dinamizadora de Castelo Branco. Nesta sessão
participaram igualmente técnicos do Centro de Saúde de Vila Velha de Ródão
que prestarem esclarecimentos sobre a cólera.

JUNHO

1/6/1975
Início da 2ª fase da campanha “Maio-Nordeste” que se prolongará até ao dia 22
de Junho de 1975.

Plenário na Casa do Douro promovido pela Comissão Dinamizadora do Porto


com a presença de membros do Governo e representantes das freguesias do
Douro, onde foi discutido: a reorganização da Casa do Douro; missão a atribuir
às comissões de freguesias, resolução dos assuntos mais urgentes do Douro,
preparação das colheitas e destino a dar às quintas nacionalizadas. Esta acção
marca o início de uma acção na região do Douro.

3/6/1975
Plenário geral das equipas de dinamização que se encontravam no distrito de
Bragança no âmbito da "Maio-Nordeste", realizado nas instalações da Casa do
povo de Macedo de Cavaleiros.

481
6/6/1975
Reunião entre elementos da CODICE (capitão Faria Paulino, comandante
Guerreiro e Alferes Soares) com as várias equipas de dinamização cultural que
actuavam no distrito de Viseu.

7/6/1975
Sessão de esclarecimento sobre “A reforma Agrária dentro do momento actual da
revolução” realizada no Pavilhão da Agricultura da Feira de Santarém.

Até dia 13 de Junho decorre a “missão” do MFA a França para contacto com as
comunidades emigrantes.

9/6/1975
Dinamização Cultural no Algarve pela 3ª Companhia Escola de Fuzileiros Navais
de Lagos.

11/6/1975
Parte para Paris mais uma delegação do MFA que aí permanecerá até ao dia 25 de
Junho.

12/6/1975
O Diário de Notícias dá conta de uma sessão cultural promovida pelo MFA e pelo
Regimento de Cavalaria da GNR em Braço de Prata destinada aos militares e suas
famílias, bem como a toda a população desta zona. Colaboraram o Grupo Cénico
Amador da Manutenção Militar. Foi apresentada a peça O Urso de Tchekov com
encenação de Ruy de Matos.

13/6/1975
Sessão de esclarecimento solicitada pela secção cultural do Casalense Futebol
Clube realizada na sede da colectividade, no Casal Ventoso (Lisboa), onde foram
tratados assuntos como a habitação e educação das crianças da área.

19/6/1975
Sessão de esclarecimento no Centro Cultural da Tabaqueira em Albarraque
(Sintra) dedicada aos trabalhadores desta empresa e à população desta
localidade.

20/6/1975
Início da reunião dos delegados concelhios com o Centro Director da campanha
“Maio-Nordeste”, que se prolongou nos dois dias subsequentes.

O jornal A Guarda noticia reunião do Comandante da Região Militar Centro,


Brigadeiro Franco Charais, com os Governadores Civis dos distritos de Aveiro,
Coimbra, Castelo Branco, Viseu, Leiria, Santarém e Guarda.

21/6/1975
Pintura mural realizada no Mercado do Povo, em Lisboa, por professores e
alunos da Escola Superior de Belas Artes promovida pela CODICE e por um
grupo de trabalhadores do Mercado do Povo. Nesta iniciativa colaboraram as
classes de ginástica do Lisboa Ginásio, do Ateneu Comercial de Lisboa e do
Ginásio Clube Português tendo sido ainda apresentado um espectáculo de circo.

Conferência de imprensa, no Governo Civil de Castelo Branco, para anúncio de

482
uma acção promovida pelo MFA nos concelhos de Castelo Branco, Vila de Rei,
Oleiros e Sertã. Do programa apresentado destaca-se a referência ao objectivo
principal desta acção: “constituir a unidade das massas populares, de todos os
trabalhadores e da população em geral, na luta pelo Socialismo e pelo reforço da
aliança Povo-MFA”.

O Diário Popular noticia do bom acolhimento das Forças Armadas no concelho de


Cinfães, no âmbito da campanha a decorrer no distrito de Viseu. Auxiliaram na
construção e arranjo de estradas (Santa Marinha de Nespereira a Pindelo e
Ervilhais) e ainda na electrificação dos lugares de Boa de Baixo e de Cima
(freguesia de Ferreiros).

23/6/1975
imprensa nacional noticia sessão de esclarecimento junto dos trabalhadores da
Secca, empresa de construções metalúrgicas. Foi pintado um painel numa das
paredes do refeitório por artistas da Escola de Belas Artes do Porto.

JULHO

5/7/1975
Pintura colectiva executada por 17 artistas plásticos, entre os quais Vespeira e Sá
Nogueira, em Évora abordando as seguintes temáticas: “A Terra a quem a
trabalha”, “Liberdade é Terra Alentejana”, “Liberdade de Criação - Cultura na
Revolução”, “5 de Julho - Nasce um País”.

10/7/1975
Ernesto de Sousa nas páginas da Vida Mundial noticia a realização de um painel
colectivo em Vila Chã (Sobral de Monte Agraço), no âmbito das Campanhas de
Dinamização Cultural do MFA. Esta acção foi inserida na festa de inauguração de
um conjunto de equipamentos (instalações sanitárias e electrificação) naquela
localidade.

13/7/1975
Início da Campanha de “Unidade e Dinamização” na região de Castelo Branco,
nos concelhos de Castelo Branco, Oleiros, Sertã e Vila de Rei. Esta acção, que se
prolongaria até ao dia 30 de Setembro, foi protagonizada pela Comissão de
Trabalhadores da Guerin e por trabalhadores de diferentes sectores (incluindo
técnicos de saúde) com o apoio material da Fundação Calouste Gulbenkian.
Nesta campanha, coordenada pela CODICE, participaram o grupo Teatro do
Nosso Tempo e os cantores José Jorge Letria e Adriano Correia de Oliveira.

14/7/1975
Conferência de imprensa de apresentação da campanha de dinamização a
realizar no distrito da Guarda pela Academia Militar. Participaram, entre outros,
o responsável por esta instituição de ensino militar, General Pinto Soares, e
Manuel Begonha, responsável máximo da CODICE.

15/7/1975
Campanha de Dinamização Cultural realizada pela Academia Militar no distrito
da Guarda sob o lema “Trabalhar com o Povo, Construir a Revolução”.
Coordenada pela CODICE e pela Academia Militar, que instalaram o seu Centro
Director no Quartel de Infantaria na cidade da Guarda, esta campanha foi
protagonizada por cerca de 500 indivíduos, entre efectivos da Academia Militar,

483
da Força Aérea, da GNR, da Guarda Fiscal, das Unidades da região e elementos
civis não só da Academia Militar mas também oriundos de quadros técnicos das
autarquias locais e outros organismos do Estado. Colaboraram ainda José Viana,
Dora Leal, tendo, esta experiência, sido filmada por Eduardo Geada. Localmente
o Grupo de Teatro Amador da Escola Secundária da Mealhada apresentou a peça
“As Mãos de Abrão Zacut” de Luís Stau Monteiro.

17/7/1975
Reunião dos elementos das Comissões Regionais, Distritais e das Subcomissões
de Dinamização Cultural e Esclarecimento Cívico visando a discussão da
Directiva n.º 2/75 da CODICE.

25/7/1975
O jornal A Guarda dá conta da satisfação dos habitantes de Figueira de Castelo
Rodrigo face à presença dos alunos da Academia Militar naquela vila.

AGOSTO

1/8/1975
O jornal A Guarda noticia a passagem por Almeida e pelo Sabugal da Campanha
da Academia Militar que decorre no distrito da Guarda.

12/8/1975
Reunião do Centro Director da Campanha “Maio-Nordeste”, em Bragança.

25/8/1975
Suspensão da 5ª Divisão/EMGFA ordenada pelo CEMGFA.

Mural realizado na Figueira da Foz subordinado aos temas "Povo-MFA/Unidos


Venceremos" e "A Revolução faz-se com Verdadeiros Revolucionários"

SETEMBRO

5/9/1975
Manifestação em Bragança que reivindica a retirada de elementos do COPCON
daquela cidade

OUTUBRO

8/10/1975
O CEMGFA suspende a campanha “Maio Nordeste”. No terreno permanece a
campanha que decorre no distrito de Viseu, centrada no hospital de Sernancelhe e
em Castro Daire.

NOVEMBRO
22/11/1975
Conferência de imprensa da CODICE com a presença dos Capitães Paulino e
Loureiro e do Comandante Begonha. A CODICE decide colocar-se ao serviço do
COPCON, que reconhece como único “órgão revolucionário”

26/11/1975
Extinção da CODICE

484
Manifestação junto ao Hospital de Sernancelhe reivindicando a saída da equipa
médica deste concelho.

1976

JANEIRO

16/1/1976
Retirada definitiva da equipa de médicos e enfermeiros que trabalhava nos
concelhos Sernancelhe e Penedono.

Fontes: Arquivo Histórico da Rádio Difusão Portuguesa (AHD 5243 – faixa 6, 08/01/1975;
AHD 5251 – faixa 5, 10/01/1975; AHD 5392 – faixa 6, 13/03/1975); Arquivo Ministério da
Defesa Nacional – em organização (Caixa 6388; Caixa 6319; Caixa 6589); Centro
Documentação 25 de Abril – Universidade de Coimbra (Fundo Aida Ferreira, Caixa “CIASC
– Centro D. Rec. - Din. Cult., Comissão Reg. Faro”; Caixa "Campanhas de Dinamização
Cultural, Distrito de Coimbra (Fotocópia de alguma documentação existentes no governo
civil), Governo Civil de Coimbra"; Caixa “CIASC Regiões – Ilhas, Açores”); Biblioteca
Nacional do Desporto – Instituto do Desporto de Portugal (Desportos. Revista da Direcção
Geral dos Desportos, Lisboa); Arquivo particular de Manuel Madeira. Publicações periódicas:
A Aurora do Lima, A Guarda, A Vanguarda, A Voz das Beiras, Beira Baixa, Correio do Minho,
Diário de Notícias, Diário Popular, Flor do Tâmega, Jornal da Beira, Mensageiro de Bragança,
Movimento, Boletim Informativo das Forças Armadas, Notícias da Covilhã, O Caminhense, O
Cavado, O Correio do Planalto, República, Sempre Fixe, Voz de Lamego, Vouga Livre, Vida Mundial.
Consultaram-se ainda as seguintes obras: Correia, et al (s/d-a); Cruzeiro & Coimbra (1997),
Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984); Morais & Violante (1986).

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