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Julho | 2007
RESUMO
ABSTRACT
This thesis examines the representations of rural Portugal in the light of Portuguese
democratic transition, taking as an empirical field the Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas. This initiative took place
between 1974 and 1975, and covered the North and Interior of Portugal, mainly in
the rural areas of the Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta, Beira Baixa and the Azores
archipelago.
Trying to confront the “idea of Portugal” promoted by the Estado Novo (New State)
the protagonists of this initiative construct a paradoxical discursive field, where
concepts such as culture, tradition, underdevelopment, decentralization and
citizenship intertwined.
This dissertation also analyzes the local vision of the Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Civica do Movimento das Forças Armadas that targeted the regions of
Viseu and Bragança, examining the way they were received and interpreted by the
populations.
v
PARTE III | IMAGENS DO POVO NA REVOLUÇÃO
FONTES 395
BIBLIOGRAFIA 400
ANEXOS
ANEXO I| Grupos e peças de teatro representadas 429
ANEXO II| Cartazes 433
ANEXO III| Filmes, documentários e programas exibidos 437
ANEXO IV| Notas biográficas 441
ANEXO V| Campanhas de Dinamização Cultural e Acção 449
Cívica do MFA. Cronologia dos Acontecimentos
(1974-1976)
vi
ÍNDICE DAS FIGURAS
Fig. 1| Muito prazer em conhecer vocelências. Cartaz. João Abel Manta, 1974 2
Fig. 2| MFA, Povo, Povo, MFA. Cartaz João Abel Manta. 1974 52
Fig. 3| Flor – Libertação/Fruto-Democracia/Semente-Socialismo/Forças Armadas 95
– Raízes de uma Revolução. Cartaz. Vespeira, 1975
Fig. 4| Poder Popular. Unidade Revolucionária. Cartaz. Vespeira, 1975 123
Fig. 5| Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica: zonas de 145
incidência
Fig. 6| Emigrante. Unidos Venceremos. Postal. Armando Alves, 1975 212
Fig. 7| Povo-Voto, Voto-Povo. Cartaz. Vespeira, 1975 228
Fig. 8| Uma flor na arma/O povo na rua/ Ó Portugal que vida é a Tua? Postal. 388
Júlio Pomar, 2004
vii
Foto 9| Mamouros, Castro Daire, 1975. Manuel Cruz Fernandes 238
Foto 10| Povoação do concelho de Castro Daire, 1975. Manuel Cruz 242
Fernandes
Foto 11| Picão, Castro Daire, 1975. Manuel Cruz Fernandes 261
Foto 12| Carvalhosa, Castro Daire, 1975. Manuel Cruz Fernandes 300
Foto 13| Povoação do concelho de Castro Daire, 1975. Manuel Cruz 327
Fernandes
Foto 14| Povoação do concelho de Castro Daire. 1975. Manuel Cruz 347
Fernandes
viii
SIGLAS
A|
ADU – Assembleia de Unidade
AMFA – Assembleia do Movimento das Forças Armadas
ANI – Agência Noticiosa de Informação
ANP – Acção Nacional Popular
B|
BAT – Brigadas Anti-Totalitárias
BC – Batalhão de Caçadores
C|
CAT – Comité dos Anti-fascistas transmontanos
CCE – Centro Cultural de Évora
CDS – Centro Democrático Social
CDAP – Comissão de Dinamização para o Associativismo das Praças
CDR – Comités de Defesa da Revolução
CEIP – Centro de Esclarecimento e Informação Pública
CEMGFA – Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas
CIASC – Comissão Interministerial para os Assuntos Culturais
CICA – Centro de Instrução de Condução Auto
CISMI – Centro de Instrução de Sargentos Milicianos
CR – Conselho da Revolução
CODICE – Comissão Dinamizadora Central
CODIRE – Comissão Dinamizadora Regional
CODIDI – Comissão Dinamizadora Distrital
COPCON – Comando Operacional do Continente
D|
DGD – Direcção-Geral dos Desportos
E|
ELP – Exercito de Libertação de Portugal
EMGFA – Estado Maior General das Forças Armadas
EMA – Estado Maior da Armada
EME – Estado Maior do Exército
EMFA – Estado Maior da Força Aérea
EMGFA – Estado Maior General das Forças Armadas
ENDO – Encontro Nacional do Desporto
EPAM – Escola Prática de Administração Militar
ESBAP – Escola Superior de Belas Artes do Porto
F|
FA – Forças Armadas
FAOJ – Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis
FMH – Fundo de Fomento da Habitação
FNAT - Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho
FSP – Frente Socialista Popular
ix
G|
GDA – Gabinete de Dinamização da Armada
GDE – Gabinete de Dinamização do Exército
GDFA – Gabinete de Dinamização da Força Aérea
GDU – Gabinete de Dinamização de Unidade
GNR – Guarda Nacional Republicana
I|
IAEM – Instituto de Altos Estudos Militares
IRA – Instituto de Reorganização Agrária
J|
JCCP - Junta Central das Casas do Povo
JOC – Juventude Operária Católica
L|
LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil
M|
MDLP – Movimento Democrático para a Libertação de Portugal
MCS – Ministério da Comunicação Social
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MEIC – Ministério da Educação e Investigação Científica
MES – Movimento de Esquerda Socialista
MDAP – Movimento Democrático de Artistas Plásticos
MDP/CDE – Movimento Democrático Português/Comissão Democrática
Eleitoral
MFA – Movimento das Forças Armadas
MRPP – Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado
MUD – Movimento de Unidade Democrática
N|
NATO - North Atlantic Treaty Organisation
P|
PAP – Plano de Acção Política
PCP – Partido Comunista Português
PDC – Partido Democrata Cristão
PSD – Partido Social Democrata
PIB – Produto Interno Bruto
PIDE/DGS – Polícia Internacional de Defesa do Estado/Direcção-Geral de
Segurança
PPD – Partido Popular Democrático
PREC – Processo Revolucionário em Curso
Pró-UNEP – Pró-União Nacional dos Estudantes Portugueses
PRP/BR – Parttido Revolucionário do Proletariado/Brigadas
Revolucionárias
PS – Partido Socialista
PSP – Polícia de Segurança Pública
R|
RAL – Regimento de Artilharia Ligeira
x
RAP – Regimento de Artilharia Pesada
RC – Regimento de Cavalaria
RI – Regimento de Infantaria
RIV – Regimento de Infantaria de Viseu
RMC – Região Militar Centro
RTP – Rádio e Televisão Portuguesa
S|
SAAL – Serviço Ambulatório de Apoio Local
SADA – Serviço de Apoio ao Desenvolvimento Agrário
SCE – Serviço Cívico Estudantil
SIPFA – Serviço de Informação Pública das Forças Armadas
SNI – Secretariado Nacional de Informação Cultura Popular e Turismo
SPN – Secretariado de Propaganda Nacional
SUV – Soldados Unidos Vencerão
U|
UEC – União dos Estudantes Comunistas
UNEP – União Nacional dos Estudantes Portugueses
xi
AGRADECIMENTOS
xiii
o debate e confronto de ideias fundamentais para a maturação de alguns
argumentos. Aos colegas José Neves, Vera Marques Alves, Sandra Xavier e mais
recentemente Catarina Alves Costa, Pedro Sena e Eduarda Rovisco agradeço as
sugestões, as conversas que ajudaram a tornar o processo de investigação mais
fácil.
xiv
À minha família um agradecimento do tamanho do mundo. Às minhas irmãs
agradeço o incentivo que sempre souberam transmitir e a ajuda extraordinária
em diferentes momentos desta investigação. À Inês pelos momentos que a
Antropologia roubou à Joalharia. À Ana agradeço as leituras que foi fazendo do
texto da tese.
Aos meus pais e avós a minha gratidão pelo apoio vigilante e pelo mimo que
sempre me transmitiram ao longo do processo de investigação.
Uma palavra gratidão aos tios Olga e João Morais pelo acolhimento durante o
trabalho de terreno em S. Pedro do Sul e Castro Daire. Ao Filipe Morais e à Diana
muito obrigada pelo apoio e cumplicidade.
xv
parte I
Camponeses, Antropologia e revolução
Capítulo 1 | Apresentação: categorias e problemas
Fig. 1 | muito prazer em conhecer vocelências. Cartaz de João Abel Manta, 1974
Fonte: MANTA, João Abel, 1975, João Abel Manta, Cartoons 1969 – 1975, Lisboa, Edições O Jornal
“Muito prazer em conhecer vocelências” é o título que João Abel Manta atribuiu a um
dos muitos cartazes que desenhou para ilustrar as Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas (MFA)1. Do lado
esquerdo uma família de camponeses é apresentada, por um militar, a um conjunto
de figuras que, em fila, e ocupando mais de metade do espaço pictórico, aguardam a
sua vez para a cumprimentar. Einstein estende a mão ao chefe deste grupo
doméstico, ladeado por Sócrates e Bethoveen. Atrás deles destacam-se, entre outros,
Picasso, Marx, Freud e Luís de Camões. Num primeiro olhar, nenhuma das
personagens parece ocupar uma posição de centralidade pelas proporções
assumidas, diferenças cromáticas ou pela largura do traço. Como afirmou José
Cardoso Pires (1975), os cartoons de João Abel Manta são subtis na forma com medem
2
a “temperatura social” dos contextos socio-políticos que convocam para os seus
desenhos. Assim, João Abel Manta dirige o nosso olhar para as muitas figuras que
esperam por conhecer aquele que se confiava que viria a ser um dos actores centrais
da revolução: o camponês. O pintor inverte-nos também a perspectiva ao revelar a
ambiguidade que este adquiriu no processo de transição democrática. Para cumprir o
esperado protagonismo no processo revolucionário, o camponês precisava de ser
esclarecido para que o país falasse todo “a mesma língua”, pondo em “contacto tudo
aquilo que está em planos diferentes” (Correia et al, s/d-a:76), como escreveria um
dos responsáveis pelas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA.
Este cartoon, que tomo como “figura de convite” a este trabalho, ilustra a proposição
central que será problematizada ao longo dos capítulos que o compõem: interrogar a
persistência da tautologia “povo-ruralidade” no quadro do processo de transição
política iniciado no dia 25 de Abril de 1974, tomando como corpo empírico as
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA (1974-1975). Será
discutida a persistência desta relação num momento de aceleração histórica (Hann,
1994), no qual alguns aspectos da cultura popular de origem rural são seleccionados
e mobilizados para a legitimação de um dos projectos da agenda revolucionária,
entretecidos com novos conceitos como subdesenvolvimento, descentralização e
cidadania. Esta investigação procura, também, fortalecer o dossier antropológico neste
domínio, uma vez que a equação “povo-ruralidade” se insere num quadro
comparativo mais vasto atravessando os vários períodos da história portuguesa (ver
Leal, 2000; Leal & Branco, 1995; Castelo-Branco & Branco, 2003; Melo, 2001; Silva,
1994, entre outros) e europeia (Williams; 1990 [1973]; Thompson, 1998; Bendix, 1997;
Burke 1981 e 1998, Thiesse, 2000), reflectindo-se, também, no trajecto biográfico da
Antropologia (ver Kearney, 1996) e na forma como esta foi construindo o seu objecto
de estudo.
3
fazem alusão ao povo e o captam, transformando-o em categoria central dos seus
discursos, os protagonistas desta iniciativa elegem a ruralidade “a norte”, em
concreto as zonas de agricultura familiar do Norte e Centro, para tematizarem o país
que a revolução surpreendeu, tema que será discutido neste trabalho. De facto, o
“Portugal revolucionário” é apresentado como um momento de rupturas. Contudo,
tal como referiu Marx no 18 Brumário de Louis Bonaparte:
Gramsci recuperaria esta ideia ao asseverar que o novo, por mais revolucionário que
possa ser na realidade, é sempre uma resposta ao passado (Crehan, 2004:37) e a
inteligibilidade da mudança reside na dialéctica passado-presente. Importa sublinhar
que durante o processo de transição para a democracia em Portugal, imperou a
retórica da visibilidade que se alimentou, que se nutriu de um tempo pretérito, isto é,
dialogou com os conteúdos de um passado ditatorial, denunciando-o e tornando-o
público. Esta foi uma das vias que conferiu legitimidade ao discurso do MFA.
Como afirmaria Stoer, o MFA surgiu como “a única organização capaz de projectar a
imagem de uma cultura, dum povo, duma revolução” (1986:176). E com o objectivo
de “levar ao povo o que é do povo”2, as Campanhas de Dinamização Cultural e
Acção Cívica foram apresentadas publicamente em Lisboa passados seis meses do
dia 25 de Abril de 1974. Apesar do organismo que as tutelou, a Comissão
Dinamizadora Central (CODICE), estrutura pertencente à 5ª Divisão do Estado-
Maior General das Forças Armadas (EMGFA), ter sido extinta no dia 26 de
Novembro de 1975, algumas equipas permaneceram no terreno até 1976. Foram
efectuadas sessões de esclarecimento em todo o país. Contudo, as campanhas,
enquanto modelo organizativo que implicava a fixação no terreno de meios técnicos e
4
culturais, sobretudo nas sedes de concelho, viriam a realizar-se nas regiões do Minho,
Trás-os-Montes, Beira Alta, Beira Baixa e, ainda, no arquipélago dos Açores.
5
estes discursos como interpretações de uma realidade social específica, num contexto
histórico e político determinado, aproximando-se da célebre formulação
metodológica de Malinowsky em Argonauts of the Western Pacific (1984 [1922]): “[…]
to grasp the native’s point of view, his relation to life, to realise his vision of his
world”4 (1984 [1922]:25). Neste sentido, os protagonistas das Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, concebidos como intérpretes de um
país a que se procurava dar visibilidade, ocuparam um “território” privilegiado
(Bauman, 1991:9) para a formulação e transmissão de imagens sobre Portugal e mais
especificamente sobre o mundo rural.
repousando na relação com o mercado a sua completa significação (1998 [1982]: 14-15). Desta
forma, a relação de comunicação entre um emissor e um receptor funda também uma troca
económica estabelecida numa relação de forças simbólicas entre um produtor e um
consumidor. Para o autor os discursos, para além de signos dispostos a serem
compreendidos, são também “sinais de riqueza destinados a ser avaliados, apreciados e sinais
de autoridade, destinados a ser cridos e obedecidos.”(1998 [1982]: 54). A dimensão do poder
encontra-se também na formulação de Michel Foucault, para quem o discurso, ou as práticas
discursivas (1980), é uma construção que tem como eixo objectos concretos legitimando um
saber-poder, num processo de inclusão e exclusão de características definidoras dos mesmos:
“c’est peut être quelque chose comme un système d'exclusion (système historique, modifiable,
institutionellement contraignant)” (1971:16).
7 A autora define “processo ideológico” como: “[…] the systemically structured processes and
the experienced social relations through which humans act upon the world” (1991:9). Para
uma reflexão sobre o conceito de ideologia nas Ciências Sociais ver Geertz (1996 [1973]: 171-
202) e, ainda, a análise efectuada por Wolf (1999), na qual o antropólogo refere a parca
atenção que a Antropologia tem dedicado a este conceito (1999:291). Uma aproximação à
relação entre ideologia e discurso na área da linguística e dos estudos sobre o discurso é feita
por Dijk (2003).
6
como possuidor de diferentes níveis de estrutura (explicadas por exemplo pela
sintaxe, semântica, retórica), deverá ser também perspectivado como uma acção
social, na medida em que aqueles que fazem uso da linguagem utilizam activamente
os textos e a fala não só enquanto emissores ou receptores, mas também como
membros de categorias sociais, grupos, profissões, organizações, comunidades,
sociedades ou culturas, construindo e legitimando identidades (Dijk, 2005:22). De
facto, era um “Outro País”8 que os protagonistas desta iniciativa reclamavam e
procuravam transformar, acção ancorada numa retórica de combate (Neiburg,
1997:25), desvalorizadora da política de um regime deposto, que granjeava a
imposição da sua visão sobre o mundo social, travando lutas de classificação, isto é,
“[…] lutas pelo monopólio do poder de fazer ver e de fazer crer, de dar a conhecer e
de fazer reconhecer, de impor a definição legitima das divisões do mundo social e,
desse modo, de fazer e desfazer os grupos […].” (Bourdieu, 1998 [1982]:125).
Outro dos objectivos delineados para este trabalho residiu na análise da memória
desta experiência em algumas das localidades percorridas pela Dinamização
Cultural, interrogando quais os aspectos que os seus habitantes seleccionaram
quando instados, cerca de 27 anos depois, a recordar este acontecimento, permitindo
uma aproximação à dimensão local desta iniciativa. Percorri, entre 2002 e 2003, 30
povoações distribuídas pelos distritos de Bragança (concelho de Bragança e Macedo
de Cavaleiros) e de Viseu (concelho de Castro Daire, São Pedro do Sul, Cinfães e
Sernancelhe)9. A escolha destas comunidades teve como critério o tipo de acção
realizada e o conhecimento prévio da existência de resistências ao projecto do MFA,
(Varge – freguesia de Aveleda; Rio de Onor – sede de freguesia; Aveleda – sede de freguesia;
Bragança – sede de concelho; concelho de Macedo de Cavaleiros (Cortiços – sede de
freguesia); concelho de São Pedro do Sul (Covas do Rio – sede de freguesia; Macieira –
freguesia de Sul, São Pedro do Sul – sede de concelho); concelho de Castro Daire (Cujó – sede
de freguesia; Almofala – sede de freguesia; Bustelo – freguesia de Almofala; Gosende – sede
de freguesia; Rossão – freguesia de Gosende; Laboncinho – freguesia de Parada de Ester;
Cabril – sede de freguesia; Reriz – sede de freguesia; Savariz – freguesia de Reriz; Póvoa do
Veado – freguesia de Reriz; S. Joaninho – sede de freguesia; Mamouros – sede de freguesia;
Moinho Velho – freguesia de Mamouros; Casal – freguesia de Mamouros; Lamelas de Cá –
freguesia de Castro Daire; Picão – sede de freguesia; Póvoa do Montemuro – freguesia de
Pinheiro; Cetos – freguesia de Pinheiro; Castro Daire – sede de concelho); concelho de Cinfães
(Gralheira – sede de freguesia); concelho de Sernancelhe (Forca – freguesia do Carregal; Lapa
– freguesia de Quintela da Lapa; Sernancelhe – sede de concelho).
7
obtido através das entrevistas exploratórias e através da análise das fontes
disponíveis. Do seu total, 19 pertencem ao concelho de Castro Daire. A “supremacia”
deste concelho, enquanto terreno de investigação, não foi determinada inicialmente.
Consegui, imponderavelmente, obter entrevistas junto do grupo “civil” e do
coordenador da campanha aqui realizada em 1975 e colher dados mais consistentes
do tipo de acção realizada através da consulta do arquivo pessoal deste militar. O
“investimento” em Castro Daire deve-se, também, ao facto de aqui ter sido realizada
a campanha mais duradoura e contínua e de esta ter englobado as diferentes
dimensões deste projecto.
Desta forma, este trabalho procura também ser um contributo para o aprofundar do
conhecimento do período histórico da transição portuguesa (1974-1976), associando-
se a um conjunto de investigações que desde a década de 90 do século XX têm vindo
a analisar aspectos particulares desta conjuntura (ver por exemplo Durán Muñoz,
1997; Branco & Oliveira, 1993 e 1994; Oliveira, 2004; Palacios Cerezales, 2003; Rezola,
2003 e Fernandes, 2006). Ao estabelecerem como objecto de estudo práticas e
experiências ocorridas neste período, ou um órgão político-militar, estas
investigações contribuíram, ainda, para a desmistificação de uma das questões
metodológicas que marcam o processo de construção do conhecimento sobre o
processo português de transição para a democracia: o “distanciamento”
relativamente a um período da história contemporânea portuguesa, lugar de afectos
e experiências que o afastava de um tratamento científico em Portugal.
8
trabalhos que abordam aspectos muito concretos da transição como acção
comunicacional (Jesuíno, 1979:295:296), o papel do passado na transição democrática
(Pinto, 2004:100-101), a Igreja (Matos, 2001:102), a acção colectiva e a crise de Estado
(Palacios Cerezales, 2003:95-96), as práticas culturais (Dionísio, 1993:184-185;
1994:452) e a Educação (Ambrósio, 1992: 285).
10 Boaventura Sousa Santos faz ainda uma referência muito fugaz à dinamização cultural no
quadro da análise dos novos movimentos sociais que emergiram com o 25 de Abril de 1974
(1995:229).
11 A investigação de Luísa Tiago Oliveira (2004) analisa os outros movimentos congéneres de
9
(1988:52) não conseguindo abalar a “velha estrutura do poder clientelar” (1988:57).
Dez anos mais tarde Manuel Carlos Silva voltaria a fazer alusão a esta iniciativa ao
trabalhar as relações de clientelismo e patrocinato no período pós-revolucionário,
argumentando que um dos factores que concorria para a explicação do seu insucesso
residia no facto do controlo da maior parte das comunidades rurais continuar a ser
exercido pelos “patronos e caciques conservadores de há longa data instalados”
(1998:364).
Quando em 1995 realizava trabalho de campo numa aldeia da Beira Alta, Covas do
Monte, que constitui um dos pontos da rota do MFA pelo país, encontrava-me
influenciada teoricamente por uma tradição de estudos rurais levados a cabo em
Portugal, por antropólogos portugueses e estrangeiros que desde os anos 60 do
século XX13 contribuíram para um processo de renovação da Antropologia
portuguesa.
12Ver Almeida & Freire (2002) para análise da produção bibliográfica sobre este período.
13Ver Leal (2003) para a análise da antropologia das comunidades rurais portuguesas nos
anos sessenta.
10
Como explicar, então, a ”inibição antropológica” perante o PREC? Trabalhar sobre
esta questão implica também um olhar sobre a história da Antropologia e de como
foi construindo e legitimando o seu objecto de estudo. O discurso antropológico tem
sido marcado pela utilização de uma expressão que, no vocabulário da disciplina, é
conhecido como presente etnográfico, que implica a utilização do tempo presente como
modo de representação dos outros, congelando uma sociedade no tempo da sua
observação, o que contribuiu para o próprio processo de legitimação da
Antropologia.
11
Neste contexto, será que a tradição da disciplina em Portugal, na esteira dos
trabalhos de Jorge Dias14 (1948;1953), nos quais a comunidade era o laboratório
antropológico por excelência, o tempo presente o modo de representação do outro e
onde a mudança era pouco enfatizada, poderá ajudar a explicar esta “inibição”? Ou
como afirmou Boaventura de Sousa Santos, num Seminário promovido pela
Associação 25 de Abril comemorativo dos 10 anos do golpe de Estado, houve um
período em que era muito cedo para:
Para enquadrar estas interrogações proponho um itinerário que espero que percorra
todas as obras onde a revolução de 1974 é referenciada ou objecto de análise
aprofundada15. Neste sentido, importa sublinhar que a produção antropológica sobre
o processo de transição para a democracia em Portugal é, em geral, tímida. Os
trabalhos produzidos no final da década de 70 e na década de 80 são marcados por
referências envergonhadas, não sendo este período alvo exclusivo de uma análise
aturada.
se entre 1977 e 2006, tomando como critério a data de publicação de trabalhos que
exemplificam as principais tendências analíticas e temáticas da Antropologia portuguesa ou
sobre Portugal. As excepções serão devidamente justificadas.
12
A referência pioneira pertence a José Cutileiro. No posfácio, datado de 1977, inserido
na versão portuguesa da monografia A Portuguese Rural Society (1971), o autor
actualiza a sua obra baseada em visitas a Vila Velha, em Março e Setembro de 1975 e
em Setembro de 1976, abordando a questão da Reforma Agrária e suas consequências
na comunidade estudada, afirmando:
Nesta década importa, ainda, referir a participação de Caroline Brettell (1979) numa
obra colectiva, coordenada por estudiosos americanos, onde a autora trabalha não só
a emigração e as suas implicações na revolução no Norte de Portugal, mas também o
potencial revolucionário do Norte e do Sul, procurando desmontar as dicotomias
Norte/Sul, campo/cidade que percorreram os discursos pós-revolucionários em
Portugal.
Nos anos 80, tal como na década anterior, o 25 de Abril não foi eleito para as
abordagens que os antropólogos produziram sobre o país. Nesta década, a
Antropologia portuguesa é marcada pela publicação de dois trabalhos que,
respondendo ao “repto de Cutileiro” (Pina-Cabral, 1991:39), operam um corte teórico
relativamente aos estudos nacionais e europeus elaborados no passado. A obra de
Brian O'Neill, Proprietários, Lavradores e Jornaleiras, Desigualdade social numa aldeia
transmontana (1870-1978) (1984), simboliza, de certa forma, esta ruptura na medida
em que “desarma” o mito da igualdade. O autor preconiza uma concepção de
comunidade marcada por contradições económicas e sociais, destruindo a sua
imagem homogénea e igualitária, pondo em causa a “afirmação de que as pequenas
comunidades isoladas das montanhas do Norte de Portugal, são necessariamente
13
igualitárias em termos de estrutura social, embora seja esta a imagem criada pelos
principais etnógrafos que têm trabalhado na região durante as últimas décadas [...]“
(1984:21). A segunda obra que marca este período é a de João Pina-Cabral (1989) que
tenta demonstrar que a sociedade camponesa articula uma profunda experiência
individual de comunidade e de união de interesses com uma forte diferenciação
social.
Apesar de ter sido publicada em 1996, a obra Retrato de uma Aldeia com Espelho, Ensaio
sobre Rio de Onor de Joaquim Pais de Brito insere-se igualmente neste teatro de
“rupturas”. No seu ensaio sobre Rio de Onor, fruto de um trabalho de terreno
realizado entre Março de 1975 e Outubro de 1988, o antropólogo afasta-se da
perspectiva teórica de Jorge Dias, como também se desvia da problemática
igualdade/desigualdade, analisando a comunidade na sua unidade e nos seus
processos integradores, não excluindo a desigualdade e hierarquias existentes.
Nesta década, a Antropologia em Portugal foi marcada por uma forte relação com a
História social presente no campo de estudos da família (Rowland, 1984), no trabalho
de Freitas Branco sobre os instrumentos agrícolas na Madeira (Branco, 1987) e de J.
Fatela sobre a criminalidade e violência em Portugal na década de 30 e 40 (Fatela,
1985). Os olhares estrangeiros sobre Portugal também estiveram presentes neste
período com a continuação dos trabalhos de Brettell (1983) e Goldey (1981, 1983).
14
Joaquim Pais de Brito (1996) refere a viragem histórica inerente ao 25 de Abril de
1974 aquando da análise do conselho (dos conflitos e tensões inerentes) e da gestão da
propriedade comunal, apontando que o “facto de mais radical importância foi a
passagem pela aldeia dos militares durante as «campanhas de dinamização cultural»
do nordeste” (1996:85), que auxiliaram a população na resolução de uma tentativa de
apropriação individual de parcelas nos coutos, tendo-se pronunciado pela
permanência destes na posse comunal16.
15
em termos metodológicos, pela continuidade da “comunidade” enquanto objecto de
estudo privilegiado, pelas análises do contexto rural português18 (Sobral, 1999a),
verificando-se, no entanto, uma maior diversidade, aprofundamento e inovação nas
temáticas abordadas: a história do corpo (Crespo, 1991), festa (Leal, 1994), género
(Almeida, 1995), espaço (Silvano, 1997) e as identidades marginais (Bastos, 1997).
Importa sublinhar que na década de 90 Portugal continua a ser um terreno sedutor
para os investigadores estrangeiros. Neste período são publicados os trabalhos de
Caroline Brettell (1991) sobre as consequências da emigração numa freguesia
minhota e de Sally Cole (1994) sobre uma comunidade piscatória do norte do país.
18 Neste âmbito importa destacar a publicação do catálogo O Voo do Arado (1996) que
acompanhou a exposição com o mesmo nome que esteve patente no Museu Nacional de
Etnologia. Resultado de uma colaboração pluridisciplinar, esta obra posiciona-nos perante os
rostos da evolução da actividade agrícola em Portugal, constituindo um marco fundamental
nos estudos rurais portugueses.
19 Neste sentido ver também as contribuições de diferentes antropólogos portugueses no
16
obra reenvia-nos para os discursos que o povo construiu sobre a revolução, através
da memória dos estudantes que integraram as várias brigadas que percorreram o
país.
Nos últimos anos importa destacar a continuidade das publicações sobre a questão
da identidade nacional (Leal, 2000, 2002; Sobral, 2002), nacionalismo (Sobral, 2003),
processos de folclorização em Portugal (Castelo Branco & Branco, 2003) e sobre os
movimentos e mudança social (Godinho, 2001; Freire, Fonseca & Godinho 2004).
Solidificam-se temáticas como o turismo (Silva, 2005) ou retomam-se temas clássicos
como a família, analisada, agora, a partir da perspectiva masculina (Pina-Cabral,
2003). Mantém-se, ainda, a tendência “estrangeira” sobre Portugal materializada, por
exemplo, na obra de Fabienne Wateau (2000).
21Com Pina-Cabral, Lima editou uma obra intitulada Elites: choice, leadership and succession
(2000), que reflecte a tendência de internacionalização da disciplina.
17
terrenos e a renovação temática que caracterizam a antropologia no início desta
primeira década do século XXI22.
22 Apesar de em termos editoriais não ter grande projecção importa destacar as investigações
que diferentes centros de investigação desenvolvem em torno das comunidades de imigrantes
em Portugal.
23 Em 2002 importa referir o número temático da revista Arquivos da Memória intitulado,
Memória, refere o seu interesse na época pelas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA, afirmando que “Pressentia que havia ali elementos, mas não sabia como pará-
los, como agarrá-los. Era como que um filme um bocado descontrolado, um filme em que a
bobine está a correr com velocidade a mais.” (in Almeida & Freire, 2002:239)
18
porque esta iniciativa na época tinha sido alvo de uma cobertura mediática intensa25,
surgindo agora como uma experiência fragilizada, silenciada, pouco reconhecida e
que tinha tido como protagonistas os “derrotados da revolução”26, podendo ser
situada naquilo que designo como “infantilização” do processo revolucionário, isto é,
como se o 25 de Abril fosse um excesso que a História teria permitido (Trindade,
2004), constituindo a Dinamização Cultural uma das faces desse excesso
revolucionário. Esta iniciativa surgia na nossa contemporaneidade como um não
acontecimento. A dissonância entre o passado e o presente caracterizou, assim, a fase
inicial do processo de construção das etnografias deste trabalho, talvez porque, na
esteira de Connerton, “o controlo da memória de uma sociedade condiciona
largamente a hierarquia do poder”(1993:1). De facto, o 25 de Abril de 1974 e a
mobilização popular que se lhe seguiu configuraram um momento anómalo (Palacios
Cerezales, 2003:20) que “os discursos sempre tinham garantido não fazer parte da
natureza do povo português” (Trindade, 2004:31).
25 Ver ao longo do capítulo 8 o destaque que este iniciativa obteve na imprensa nacional e
regional.
26 Ao interrogar os contrastes nas atitudes relativamente ao passado em diferentes culturas
Peter Burke afirma: "Diz-se muitas vezes que a história é escrita pelos vencedores. Poderia
também dizer-se que a história é esquecida pelos vencedores. Podem permitir-se esquecer,
enquanto os derrotados são incapazes de aceitar os acontecimentos e estão condenados a
meditar sobre eles, a revive-los e a imaginar quão diferentes poderiam ter sido." (1992:246).
27 Da autora ver também Le Cours Ordinaires des Choses dans la Cité du XVIII siécle (1994) que
parte de uma análise dos arquivos judiciários do século XVIII, permitindo uma aproximação
aos quotidianos da cidade de Paris.
19
de um acontecimento28, que se encontrava espartilhado entre duas temporalidades,
entre um antes e um depois, objecto de grande projecção ideológica.
Desta forma, a inquietação inicial transformou-se num dos principais desafios desta
investigação que conduziu a um verdadeiro exercício de “imaginação etnográfica” no
sentido de adequar um conjunto de metodologias a um objecto de estudo pouco
“tradicional”. A sua singularidade derivava de este objecto se inserir num tempo
pretérito, mas também da investigação se apoiar nos discursos produzidos no
presente etnográfico por aqueles que protagonizaram esta iniciativa e não nas suas
práticas quotidianas. Estes discursos foram, na verdade, fabricados29 por um conjunto
de pessoas que se encontravam relacionadas entre si por uma experiência ocorrida há
cerca de três décadas, produzindo hoje narrações sobre o passado.
afirmando o autor: “le souvenir est dans une très large mesure une reconstruction du passé à
l’aide de données empruntées au présent, et préparée d’ailleurs par autres recosntructions
faites à des époques antérieurs et d’oú l’image d’autrefaois est sortie déjà bien altérée.” (1968
[1950]:57). Sobre este assunto ver também Héritier (2002).
30 Como notou Radstone (2000) nos últimos anos, a memória tornou-se uma categoria
conceptual central nas Ciências Sociais e Humanas. Este boom contemporâneo não privilegia
tanto o estudo da memória na sua articulação com a história, comunidade, tradição ou com o
passado, acentua o seu carácter inventado, subjectivo e fabricado, asseverando a autora que o
impacto do holocausto teve uma forte influência nos ecos da memória na cultura
contemporânea (2000:6). Também Maurice Bloch (1998) discute as análises feitas sobre a
memória em áreas disciplinares como a Antropologia, a Sociologia e a História e a sua relação
20
e o esquecimento, intencional ou não. Alguns dos entrevistados insurgiram-se contra
a história oral, criticando a metodologia do meu trabalho e enfatizando o seu carácter
subjectivo, enquanto outros se escusaram a recordar a experiência que tinham
protagonizado.
Na sua obra La Memoire Collective (1968 [1950]), Maurice Halbwachs reitera que cada
memória individual espelha “um ponto de vista sobre a memória colectiva”
(1968:33), enformando um cruzamento de correntes de pensamento. O autor
apresenta uma distinção entre estes dois tipos de memória, enfatizando que só se
constrói uma memória a partir de um universo comum de referências, concepção
cristalizada na sua célebre formulação sobre “quadros sociais da memória” (1994
[1925])31.
expressão da consciência histórica que deriva dos indivíduos: “[…] we all know that groups
have no single brain in which to locate the memory function, but we persist in talking about
21
[…] um importante problema que se depara a quem quer que pretenda
seguir Halbwachs neste campo é o de elaborar uma concepção de memória
que, sem deixar de prestar plena justiça ao lado colectivo da vida
consciente de cada um, não faça do individuo uma espécie de autómato,
passivamente obediente à vontade colectiva interiorizada. (1992:7).
Na mesma linha Green ao evocar a obra O Queijo e os Vermes (1989 [1976]) de Carlo
Ginzburg, que centrada na figura de Menocchio, um moleiro de Friuli, permitiu o
estudo da cultura camponesa da Europa pré-industrial do século XVI, enfatiza a
importância dos trajectos pessoais e a forma como os indivíduos negoceiam e
competem por ideias e espaços no seio dos discursos dominantes (2004: 43).
Combinando as perspectivas da Antropologia Social e da Psicologia Cognitiva e
problematizando a transmissão de uma memória não linguística, Maurice Bloch
(1998) refuta, também, o primado do colectivo nas análises da memória, partindo do
exemplo concreto da recordação de uma rebelião ocorrida em 1947 em Madagáscar.
Não esquecendo Halbwachs, assevera que a memória é social no sentido em que é
transmitida, contudo, esta transmissão constitui um processo psicológico individual
que este pensador terá negligenciado.
22
é perspectivada como um mecanismo de união dos grupos e de consolidação da sua
identidade, ignorando neste sentido, as memórias em conflito. Assim, as memórias
que não entravam em linha de acordo com o grupo tenderiam gradualmente a
desaparecer (2004:38).
Tal como Godinho, e no trilho de Halbwachs (1994 [1925] e 1968 [1950]), “é a partir
das vivências actuais que os acontecimentos do passado são enquadrados, e por
outro lado, as cicatrizes do tempo ido emergem do olhar lançado retrospectivamente
da actualidade” (2001:22)36. Neste sentido, a memória constitui um fenómeno
contemporâneo, uma experiência vivida, ao passo que a história encerra a
preservação dessa experiência (Nora, 1984: xix; Crane, 1997:1375).
36 Diversos autores contribuíram para este alargado debate sobre a dialéctica passado-
presente (Connerton, 1993; Crane, 1997). Contudo, importará aludir à formulação de David
Lowental (1993), para quem o passado “é um país estrangeiro”: The past is a foreign country
whose features are shaped by today’s predilections, its strangeness domesticated by our
preservation of its vestiges” (1993:xvii).
23
defendo que uma metodologia é “uma construção estratégica” que combina teoria e
experiências para abordar um objecto específico (2003:9). O facto de não partilhar ou
“participar” da experiência que estudava apelou, deste modo, à reconfiguração das
metodologias utilizadas, onde o recurso aos métodos da Antropologia e da História37
foi sugerido pelo próprio objecto de estudo.
Assim, privilegiei uma “estratégia múltipla” (Burgess, 1997), num constante vai e
vem entre diversas ordens de testemunhos (Zonabend, 1980:8): documentos escritos,
registos sonoros, fotográficos e registos audiovisuais. A construção das etnografias
obedeceu a três fases distintas. A primeira assentou num amplo trabalho de pesquisa
em arquivos (públicos e privados), o que me conduziu à problematização da questão
de elevar o arquivo a um terreno antropológico. Segundo Mary des Chene (1997):
The first line of defense against criticism of the archive as field site has
been to assure skeptics that we take an anthropological attitude toward the
documents we persue. To study archives themselves – as cultural
phenomena – would of course, be an acceptably anthropological
enterprise. It is doing fieldwork in archives that is suspect. But if one is
studying the past, there are several ways in which it is bad faith or naiveté
to claim that past is intrinsically more “present” in material traces in a
physical local than in documents written at the time by actors with him one
cannot now speak. And there are several ways in which it is legitimate to
say that one can (re)construct, in a process as painstaking as fieldwork in
more traditional fields, knowledge about social worlds now past by
37 Para a relação entre as duas disciplinas tem sido debatida por diversos autores em
diferentes momentos. Des Chene (1997) sublinha a importância da antropologia histórica no
percurso da disciplina e como este ramo tem sido descurado do kit de ferramentas
conceptuais da antropologia (1997: 66-67). Por seu lado historiador Peter Burke refere “a
descoberta da antropologia” e a importância das suas interrogações e conceitos para
responder a “certas deficiências da história tradicional” (1992:20). Richard Handler (2000), na
linha de Stocking, ao reflectir sobre a história da antropologia enquanto projecto
antropológico, alude nos seguintes termos à relação entre as duas disciplinas: […] history and
anthropology are akin in their fundamental aim – to understand particularly situated human
being-worlds and events – however distinct the two disciplines may be in terms of method
and disciplinary culture. Thus to interpret or explain past anthropological practices in relation
to specific cultural-historical moments should be business as usual for anthropologist
accustomed to empirical research in local communities and situations, despite the necessity of
relying on archival rather the filed research […].”(2000:4). Uma importante reflexão é também
feita por Hastrup (1992) e Geertz (1995).
24
treating both documents and their authors as interlocutors. (Des Chene,
1997: 77)
A provocação desta autora38 convocou para debate uma questão tensa, ainda
timidamente problematizada pela Antropologia, que se centra na identificação da
pesquisa em arquivos com as práticas antropológicas, entre as quais a pesquisa de
terreno e a produção de etnografias39. Como notou Cunha40 (2004), nos últimos anos
também os antropólogos tomaram os arquivos como objecto de interesse,
nomeadamente com as abordagens dos contextos coloniais e pós-coloniais. Na
verdade, o arquivo41 é uma instituição que canoniza, congela e classifica o
conhecimento de que os Estados necessitam (Dirks, 2001:107), fundando, na
formulação de Foucault (1969), uma multiplicidade de enunciados passíveis de serem
interpretados42.
38 Para uma perspectiva diferente ver problematização de Pourcher (1997) sobre o estatuto do
arquivo no quadro da antropologia política.
39 Sobre esta questão ver debate da Antropologia brasileira reunido na revista Estudos
de “arquivo” em Mal d’Archive (1995). Ao explorar a raiz grega da palavra (1995:11), que
deriva de “commandement” (autoridade) e “commencent” (origem), alude às relações de
poder que o caracterizam uma vez que o arquivo é uma lugar de autoridade, espelha uma
tentativa de preservação de algo que deve ser recordado, excluindo o que é necessário
esquecer.
43 Importa sublinhar que o reverso desta questão foi protagonizado, na segunda metade dos
anos oitenta, pela obra Writing Culture, The Poetics and Politics of Ethnography organizada por
Clifford e Marcus (1986), também conhecida com “That Damn Book” (Marcus, 1998). A
“viragem literária” da antropologia pós-moderna estimulou debates (ver Sangreen, 1988)
sobre a redução da prática etnográfica a um texto, presente em posições radicais como a de
John van Maanen em Tales of the Field, On Writing Ethnography (1988) onde a presença do
antropólogo no terreno é desvalorizada, colocando-se a tónica nos textos produzidos “no e
sobre o terreno”. O trabalho de campo foi, assim, equiparado à actividade literária.
Parafraseando Hastrup e Hervik (1994:5), actualmente assiste-se a um equilíbrio entre
“worlds and words”, contudo, as propostas pós-modernas marcaram uma etapa decisiva na
25
arquivo passou a ser um dos espaços de investigação dos antropólogos reenviando
para uma concepção de terreno que se distancia do paradigma malinowskiano, isto é,
da recolha antropológica clássica centrada em testemunhos orais e nos contextos
locais da sua produção. Como afirmam Cunha e Castro (2005):
Com efeito, foi difícil o afastamento desta representação do trabalho de campo, que
tinha fundado com êxito a legitimidade científica do método de observação
participante, formadora da minha identidade enquanto antropóloga. Mas, a pesquisa
documental44 revelou-se fundamental nesta investigação não assumindo, portanto,
um lugar periférico. Numa relação de articulação com outra ordem de testemunhos,
permitiu uma aproximação mais rigorosa à temática em estudo e aos contextos de
produção dos discursos sobre a ruralidade na conjuntura do 25 de Abril de 1974,
garantindo uma preparação mais precisa das fases subsequentes da investigação: as
entrevistas e o trabalho de campo extensivo.
sobre a transição democrática em Portugal prende-se com o acesso, nem sempre fácil, aos
arquivos públicos. Dos arquivos consultados, alguns são públicos mas de acesso restrito e por
vezes a resposta aos pedidos de consulta dos seus acervos foi muito morosa. Casos houveram
em que as respostas aos pedidos de autorização para consulta demoraram um ano.
No caso da pesquisa no Arquivo do PCP, por ser condicionada, não se revelou muito profícua
pela impossibilidade de acesso directo aos ficheiros do arquivo e aos documentos, sendo a
consulta mediada por um funcionário.
Outro dos aspectos que gostaria de focar prende-se com os orçamentos avultados praticados
por arquivos públicos como o da Rádio Difusão Portuguesa e da Rádio Televisão Portuguesa.
45 Uma interessante reflexão em torno dos acervos pessoais foi feita por Venancio (2005) onde
26
de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA. A sua consulta e empréstimo
constituíram um verdadeiro processo negocial. Na maioria dos casos foi uma partilha
fácil. Houve um caso, em que o empréstimo foi retribuído com a organização do
mesmo. Noutro, a cedência dos documentos foi faseada: encontrava-me com a pessoa
e ela dava-me um caderno, depois eu entregava esse, e recebia outro, tendo ainda
sido desafiada a mostrar o tipo de tratamento que estava a fazer daquela
documentação.
tempos diferentes, a recolha das narrações, isto é, as fontes por mim construídas, adquirirá a
forma de ilustração, tal como Godinho (2001:23) na esteira de Bertaux. Os extractos das
entrevistas surgem com um corpo de texto diferenciado, a itálico e numa formatação que o
27
[1983]) foram realizadas entre 1999 e 2006. Recorri à utilização de uma “amostragem
em bola de neve” (Burgess, 1997) que implicou partir de um número circunscrito de
informantes e solicitar o contacto de outros de modo a poder estabelecer uma
significativa cadeia de entrevistados. A cada um solicitava o vínculo que, agora ou
outrora, o uniu a outro.
28
The very distinction between «field» and «home» leads directly to what we
call a hierarchy of purity of field sites. After all, if “the field” is most
appropriately a place that is “not home”. The some places will necessarily
be more «not home» than others (Gupta & Ferguson, 1997: 13).
Sendo híbrido o meu objecto de estudo, uma vez que se caracteriza pela conjugação
de metodologias, nesta fase da pesquisa os espaços de investigação foram cafés,
gabinetes de trabalho, o anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian e as residências
de alguns entrevistados. Por ter realizado o trabalho de campo no contexto cultural
em que vivo e me relaciono, os percursos dos meus entrevistados iam-se cruzando
com os meus. Num dos contactos que encetei visando a preparação de uma
entrevista a uma professora universitária, que na época colaborou com a CODICE,
esta solicitou-me o projecto de tese antes da entrevista e no final da mesma afirmou
que gostaria de ser minha arguente. Note-se que os entrevistados fizeram
frequentemente sugestões em relação à investigação, teceram comentários sobre os
artigos que escrevi e mostravam-se interessados em saber quem era o orientador da
tese.
29
da entrevista. Thompson assevera, contudo, que informantes tão exigentes eram
raros. Para mim não foram. Também eu me confrontei com estas questões, a falta de
tempo, a exigência e a avaliação do meu conhecimento (o que remete para a imagem
do antropólogo no terreno), tendo eu optado por aquilo que Thompson designou de
“specific, highly-informed questions” (1988:197).
30
fossem mais velhos”. Mas é a urgência na transmissão da memória50 que é mais
enfatizada. Um dos colaboradores do sector do Teatro da CODICE, afirma em tom de
agradecimento:
Agradeço-lhe imenso a sua ideia de vir estudar este assunto, para que os jovens
possam ter hoje consciência de que o 25 de Abril não foi um dia, foram muitos anos
antes e muitos anos depois e continuará a ser muitos anos de luta pela democracia.
Não há qualquer hipótese de travar o processo democrático mas há formas,
digamos, de paralisá-lo ou de diminuir a intensidade do desenvolvimento do povo e
do desenvolvimento do interior. Tenho a sensação que há 30 anos lutámos com a
vida por isso. (José Capinha Gil, colaborador no sector do Teatro – CODICE)
A nostalgia também é uma das características dos discursos dos protagonistas das
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA. A memória desta
experiência, relatada como um projecto político perdido e interrompido, conduz à
criação de um presente alternativo, aproximando-se da “ucronia” de Portelli (1988),
denominando um “não tempo” onde parece repousar a solução para a “crise actual
31
do país”. É a partir das Campanhas que é lido e enquadrado o momento presente,
num discurso marcado pela referência à decadência nacional51.
Nas questões que ia colocando ao longo desta etapa, utilizava como referente “os
militares”, “o MFA” e a “5ª Divisão”. Por “campanhas” ou “dinamização cultural”
esta experiência raramente era de início identificada. Ainda assim, confrontei-me
com outras intensidades – as da memória – e com um campo discursivo constituído
por “múltiplas vozes” (Brettell, 1992:198) que espelhavam o envolvimento de cada
um nesta experiência. Se algumas pessoas não se lembravam ou emergia dos seus
discursos uma memória episódica desta experiência, outras recordavam-na de forma
viva e entusiasmada como Acácio, para quem a “A 5ª Divisão foi a coisa mais
importante que aconteceu na minha aldeia [Póvoa do Veado, Castro Daire]. Dou-lhes
51 Lembre-se que as entrevistas foram realizadas nos governos chefiados por António
Guterres, Durão Barroso, Pedro Santana Lopes e José Sócrates.
52 Importa sublinhar que nesta etapa explorei as potencialidades de alguns arquivos distritais
32
um grande valor”. De um ângulo contrário, as Campanhas foram, também, objecto
de apreciações negativas e de desvalorização. Para um habitante de Lamelas de Cá
(Castro Daire): “Foi uma nuvem negra que passou e não deixou saudades
nenhumas.”
53À semelhança das outras entrevistas, estas surgem no texto de forma destacada. Também os
relatos recolhidos fora dos “encontros formais de entrevista” (Lima, 1997) assumem o itálico.
33
parte II
A construção do Portugal revolucionário e a
integração do povo na sociedade portuguesa
Capítulo 4 | A “nação em movimento”
54O desenvolvimento de estudos sobre vários países que, nas décadas de 70 e 80, passaram de
regimes ditatoriais para regimes democráticos, tem permitido clarificar este conceito
conduzindo alguns investigadores a considerar Portugal como o primeiro caso da terceira
vaga de transições ocorridas no século XX. No contexto destas investigações considera-se que
a transição portuguesa começou antes das ocorridas na Grécia, Espanha, América Latina e
Europa de Leste (ver Huntington 1991). Outros autores, como Schmitter (1999: 385), integram
o caso português numa “inesperada” quarta vaga de democratização.
55 Ver também p. 85 da mesma obra.
56 Este exotismo percorre igualmente o olhar de fotógrafos e cineastas estrangeiros sobre o
Portugal revolucionário, como mostra Sérgio Tréfaut em Outro País – Memórias, Sonhos, Ilusões
…Portugal 1974/1975 (1999). De forma análoga esta característica encontra-se também
subjacente ao dicurso jornalístico. Com o título “Um Cavalheiresco Golpe de Estado em
Portugal” a revista Newsweek (6/5/1974) notícia os acontecimentos do 25 de Abril de 1974:
“Os Portugueses sempre tiveram uma maneira muito sua de fazerem as coisas. Mesmo aquele
sangrento espectáculo ibérico, a tourada, adquire em Portugal uma característica especial,
cavalheiresca, pois o touro nunca é morto. Na semana passada, um grupo estreitamente
coordenado de oficiais do Exército aplicou essa tradição civilizada a um acto muitas vezes
violento – um golpe militar.” (O 25 de Abril na Imprensa Estrangeira, 1974:55). Para análise
detalhada da imprensa estrangeira ver Mesquita & Rebelo (1994).
57 Ver Ferreira (1983), Sánchez Cervelló (1995), Carrilho (1994b; 1998) e Carvalho (1999).
35
ênfase no papel desempenhado pelas elites e partidos políticos58. Esta discussão
divide as diferentes áreas de estudo que se têm dedicado a este período, não
constituindo, contudo, objecto de problematização no quadro da presente
investigação.
36
O empenho dos estudantes na revolução espelhou-se num conjunto diversificado de
experiências, algumas ocorridas fora do sistema de ensino61, diluídas no conjunto de
agentes de formação e intervenção (Oliveira, 2004:84-85) que assumiram formas
diversificadas como alfabetização, animação sócio-cultural, rastreios médicos,
jornadas de trabalho voluntário em empresas nacionalizadas, cooperativas e
unidades colectivas de produção, trabalho nos bairros, inquéritos à realidade, etc.
Contudo, a contribuição dos estudantes assumiu, também, uma configuração mais
estruturada e continuada, salientando-se as Campanhas de Alfabetização e Educação
Sanitária62. Surgindo no quadro do movimento associativo, esta iniciativa é lançada
sob o lema “Unidade Estudantil com o Povo Trabalhador” (Oliveira, 2004:85) pela
Pró-UNEP63 em Junho de 1974, com os seguintes objectivos:
61 Como bem demonstrou Oliveira (2004: 55-84) no quadro do sistema de ensino, para além do
Serviço Cívico, surgiu um conjunto de iniciativas inovadoras marcadas por uma alteração na
forma de perspectivar a relação da escola com a comunidade, nas quais se distinguem o
Trabalho Produtivo Socialmente Útil no Ensino Básico e a Abertura da Escola ao Meio Social,
a Educação Cívica Politécnica, as Actividades de Contacto e as Saídas e Semanas de Campo
no âmbito dos cursos das Escolas do Magistério Primário e, por fim, os Estágios de Trabalho
Indiferenciado nos Institutos Superiores de Serviço Social.
62 Com características idênticas, e já num período de normalização do funcionamento do
aparelho de Estado, ocorre o Movimento Alfa no Verão de 1976 protagonizado pela UEC
(União dos Estudantes Comunistas) abrangendo áreas como a alfabetização, a educação
sanitária, a intervenção cultural, as práticas desportivas e o trabalho agrícola. No Manifesto
do Movimento Alfa são enunciados os seus principais objectivos: “Alfa é um movimento
unitário de estudantes mobilizados para o Trabalho e Alfabetização: nasce da consciência
revolucionária dos estudantes de que o obscurantismo do povo português e o afastamento
dos problemas, dos anseios e da cultura popular são um suporte das políticas reaccionárias e
anti-populares; nasce do imperativo de lutar contra o analfabetismo, que predomina em
largas zonas do país, para uma real democratização da cultura e do ensino.” (União dos
Estudantes Comunistas, Manifesto, s/d [1976]. Arquivo do Partido Comunista Português).
Sobre esta iniciativa ver Oliveira (2004:100-103)
63 Esta estrutura pretendia representar o conjunto de estudantes portugueses. Como explica
Carlos Franklin, um dos seus membros e aluno da Faculdade de Medicina de Lisboa: “É uma
comissão constituída por elementos das direcções das Associações de Estudantes espalhadas
pelo país e que tem por objectivo a formação a curto prazo de uma frente associativa comum,
representativa dos legítimos interesses estudantis e populares. Surge como o primeiro passo
de arranque, que aproveitando as condições objectivas á existentes, está a incentivar o
desenvolvimento da vida associativa no resto das escolas do País; condição essencial à
garantia da participação geral dos estudantes na futura União Nacional dos Estudantes
Portugueses”. (Mensageiro de Bragança, 2/8/1974, p. 4).
37
[…] Com estas iniciativas, não só avançaremos no sentido de quebrar o
isolamento que sempre o governo fascista tentou impor entre a massa
estudantil e o nosso povo, como elas servirão para a nossa formação como
futuros quadros, proporcionando-nos uma visão clara e uma consciência
crítica sobre os principais problemas do nosso país64.
A par de um trabalho pragmático nestas áreas, esta campanha, tal como as suas
congéneres, assumia uma missão de denúncia do “fascismo”, procurando ainda ser
uma experiência formadora para aqueles que a protagonizaram. Tal como afirmou
Leal “tratava-se de propor um «mergulho redentor» no «país real» que corrigisse as
tendências «elitistas» dos estudantes e, ao mesmo tempo, os envolvesse em tarefas
práticas revolucionárias marcadas, elas próprias, por uma forte componente de
38
«missionação redentora» dos «sectores mais atrasados do povo” (1995b:56). Neste
sentido, atente-se as palavras de uma “brigadista” que trabalhou no distrito de Viseu:
39
orientação dos cursos preparatórios e na realização do manual utilizado intitulado
“Resumo do método Paulo Freire e a sua Aplicação Prática em Portugal”. A
formação na área sanitária foi da responsabilidade das Associações de Estudantes de
Medicina (Oliveira, 2004:87).
40
viver os próximos dois meses69.
e Educação Sanitária do Porto, publicado no Correio do Minho, o trabalho das brigadas deveria
obedecer às seguintes orientações: - Deverá ser eleito em cada brigada um elemento
responsável.
- Em cada autarquia local ficou responsável um funcionário pelo levantamento de dinheiro
para as brigadas. Esse dinheiro será entregue pelas brigadas móveis ao responsável por cada
brigada.
- Para uma melhor coordenação do trabalho, por cada 8 brigadas fixas existirá uma brigada
móvel.[…]
Todas as brigadas deverão fazer reuniões diárias onde será analisado o trabalho do dia e
servirão ainda para unificar o trabalho, no sentido de não se realizarem tarefas paralelas ou
antagónicas.
- Em todas as brigadas deverá ser elaborado um diário, que juntamente com todos os
relatórios deverá ser arquivado pelo responsável da brigada.
- A cada brigada será fornecido um dossier com todos os elementos julgados necessários ao
bom funcionamento dos cursos.
- Os locais de acampamento deverão ser escolhidos de tal modo que não perturbem a vida
normal da localidade devendo portanto localizar-se na periferia destas. “ (Correio do Minho
7/8/1974, p. 3).
72 Importa referir que esta campanha contou com a colaboração de diferentes entidades tais
41
justifica[-se] não só pelo atraso em todos os aspectos, económico e social,
mas também por não ter chegado e essas zonas o 25 de Abril; zonas onde
se encontram os focos fundamentais da reacção - como zona de segunda
prioridade temos o Vale do Vouga74.
Eternizado no cinema pelo filme de António Cunha Telles, Continuar a Viver (os Índios
da Meia Praia), de 1976, cuja música ficou a cargo de José Afonso, destaque-se que o
SAAL foi outra das experiências que permitiram uma aproximação “autêntica” ao
país, agora na vertente da Habitação. Como nota Portas (1986), a Habitação,
nomeadamente “as barracas”, constituiu uma bandeira reivindicativa mesmo antes
do 25 de Abril de 1974, sendo uma das “maneiras privilegiadas e das poucas
admitidas ou toleradas de dizer mal do governo. Era sempre a história dos bairros de
lata que vinha nos jornais, que umas vezes a censura cortava, outras se tratava
através de eufemismos, como saída normal dos jornalistas para levantar problemas e,
portanto, criar um desconforto na opinião publica em relação aos problemas sociais.”
(1986:635).
42
Prolongando-se até ao ano de 197677, o SAAL foi herdeiro de um conjunto de
experiências de conquista do direito à casa e à cidade que ocorreram na Ásia, África,
América Latina e até mesmo em Itália (Pereira, 2002:10). Se esta dimensão
internacional foi importante na génese desta experiência, Nuno Portas78 sublinha,
ainda, a importância do trabalho já desenvolvido79 desde o final da década de 60 do
século XX que propunha “formas alternativas que desbloqueassem a produção da
habitação social, substituindo formas estatizadas, ou estatizantes” (1986:636).
Como afirmou Fernando Távora (cit in Costa, 1997:65) “O SAAL é o único sonho que
um arquitecto, quando acordado, pode sonhar” e é precisamente esta dimensão que
Paulo Varela Gomes (1997) sublinha ao afirmar que este programa não tinha
precedentes. Sob dependência do Fundo de Fomento da Habitação (FMH), o SAAL
funcionou como um serviço descentralizado que, através do suporte projectual e
técnico fornecido pelas brigadas80 (Bandeirinha, 2001:1), constituídas por arquitectos,
sociólogos e engenheiros, procurou actuar nos bairros degradados com os moradores
organizados, construindo novas casas e novas infra-estruturas. Do ponto de vista
disciplinar este projecto era muito sedutor, na medida em que procurava ligar a
função técnica, estatal ou não, aos agentes que deveria servir, isto é, pretendia-se
contrariar os cânones da produção de habitação clássica do aparelho de Estado
(Portas, 1986:639), na qual esta se planeava de acordo com uma lógica “vinda de
cima”, e envolver os moradores nos processos de decisão. Por outro lado, o SAAL
77 Segundo o Livro Branco do SAAL, esta experiência ocorreu em duas fases; a primeira
decorreu entre o 25 de Abril de 1974 e Maio de 1975 e a segunda de Junho de 1975 a Julho de
1976 (Livro Branco do SAAL 1974-1976 1976: 379:383). Note-se que nos últimos anos surgiu um
conjunto de trabalhos sobre o SAAL, alguns de carácter monográfico, oriundos de áreas como
a Arquitectura e as Ciências Sociais. Neste sentido ver em especial Rodrigues (1999), Pinho,
Gonçalves, Taurino, (2002), Bandeirinha (2001). Importa também referir os artigos dos
arquitectos que colaboraram nesta experiência. Ver, por exemplo, entrevista a Maria
Conceição Redol (Cidade, Campo, 1978, N.º 1, 134:138), Costa (1979), Costa (1997a e b) Costa,
Siza, Guimarães, Moura & Fernandes (1979) e Portas (1986).
78 Nuno Portas assumiu o cargo de Secretário de Estado da Habitação do III e IV Governos
Provisórios (1974-1975)
79 Portas (1986) referencia, em particular, as conclusões do Colóquio da Habitação realizado
com o apoio do Secretário de Estado Silva Pinto (1969/1970), a intervenção de Helena Roseta
e de Carlos Barbeitos no Congresso de Aveiro, o trabalho desenvolvido no quadro do
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e nas diferentes Escolas de Arquitectura.
80 Segundo Coelho (1986:629), os profissionais que primeiro formaram equipas foram
professores e também estudantes da Escola de Belas Artes do Porto pelo facto desta
instituição possuir experiência de trabalhos de análise do habitat portuense, nomeadamente
em zonas de habitação popular.
43
revestia-se de um carácter inovador no quadro das propostas de planeamento da
esquerda tradicional nas quais persistia a tradição disciplinar do Movimento
Moderno “resistente ao contágio das alterações dos processos de produção do
alojamento” (Portas & Mendes 1991 cit in Gomes 1997: 561) com utentes concebidos
como categorias abstractas”. Com o SAAL o “arquitecto devia discutir e decidir
directamente com os utentes” (Gomes, 1997:561)81.
81Como notaram Gomes (1997) e Costa (1997a), a importância deste processo foi de imediato
reconhecida pela crítica europeia. A Escola do Porto tornou-se “uma expressão conhecida
pela imprensa arquitectónica de todo o mundo e Álvaro Siza foi colado ao SAAL como
expoente maior da Escola.” (Gomes 1997:565). Para os diferentes arquitectos que
participaram, o SAAL constitui uma experiência basilar no seu percurso profissional como se
pode verificar pelos testemunhos de diferentes arquitectos na secção “Entrevista” da revista
Arquitectura e Vida. Ver, a título de exemplo, entrevista a Manuel Correia Fernandes – N.º 64,
Outubro de 2005, 62:71 - e a Teresa Fonseca - N.º 74, Setembro de 2006, 42:49.
44
Passado o Verão, situemo-nos no início do ano lectivo de 1974/1975 que foi marcado
por múltiplas indecisões e pela dificuldade em estabelecer uma solução adequada
para os 28 000 candidatos ao ensino superior. É neste contexto que surge o Serviço
Cívico Estudantil (1974-1977) cujo enquadramento legal passou por “um prolongado
acto de criação” (Oliveira, 2004:143) entre o Outono de 1974 e Maio de 197582, mês da
publicação do Decreto-lei n.º 270/75 de 30/6 que o formaliza, do qual destaco os
seguintes pontos:
82 Oliveira (2004) dá conta do percurso de gestação, vigência e extinção do SCE num contexto
politicamente conturbado, marcado pela tomada de posse dos vários governos provisórios e
do I Governo Constitucional, pelas indecisões iniciais do Ministério da Educação, pelas
pressões e diferentes posicionamentos das juventudes partidárias, pelos problemas logísticos
e ainda pelas contestações internas. Destaque-se que o SCE resultou da confluência de
projectos individuais e colectivos, não sendo uma criação politicamente homogénea,
situando-se na “convergência de três áreas políticas principais [...], de gente pertencente às
correntes republicana-socialista, católica-progressista e comunista” (Oliveira, 2004:177).
45
b) Garantir mais harmonização do conteúdo e prática do ensino com as
situações concretas da vida nacional;
c) Contribuir para a combinação da educação pelo trabalho intelectual com
a educação pelo trabalho manual e quebrar o isolamento da escola em
relação à vida, da cidade em relação ao campo;
d) Possibilitar aos estudantes, em certa medida, uma avaliação das opções
feitas e eventualmente despertar-lhes vocação e interesse por vias
profissionais de mais imediato proveito para a colectividade;
e) Contribuir para a reconversão do sistema de ensino, fomentar o espírito
de trabalho colectivo, incentivar a cooperação entre os estudantes e o povo
trabalhador, preparar e assegurar a participação dos estudantes nas tarefas
de reconstrução da democracia e do progresso do País;
f) Apoiar a criação de infra-estruturas que o país necessite
g) Contribuir, na medida do possível, para melhorar a condição de vida
das populações mais necessitadas, mediante a realização de tarefas
urgentes que não possam ser garantidas pelo recurso ao mercado de
trabalho (cit in Oliveira 2004:165).
Tal como o SAAL, o SCE foi uma iniciativa estatal oriunda do Ministério da
Educação, partilhando com as outras iniciativas congéneres o objectivo de denúncia
do legado fascista. Simultaneamente denotava um forte empenhamento colectivo nas
tarefas de “reconstrução nacional”, para as quais foi adoptado um padrão de
actuação idêntico, já testado anteriormente, que ficou conhecido como “brigadas”.
83Oliveira (2004) mostra que estes são fortemente negativos relativamente a temáticas como
habitação, saúde, género, alimentação, infra-estruturas básicas e educação.
46
durante esta conjuntura, marcada pelo desvelar dos quotidianos do povo português.
O SCE possibilita, ainda, uma aproximação às diferentes reacções e ao
posicionamento das populações face a nova situação política, importando destacar a
utilização do vocabulário político para nomear as resistências e desconfianças
relativamente aos estudantes, como é o caso da retórica anticomunista84.
47
Até à altura havia imperado a encenação de um universo camponês
edificado do alto. No posicionamento oposto, uma proposta de edificação
de outro universo camponês, em que a memória do passado a encenar no
presente assentaria na recuperação dos fragmentos reveladores de um
passado estruturado pelas clivagens entre grupos sociais (Branco,
1993:250).
De facto, para além do encontro com o “povo etnográfico” (Leal, 96:56), agora
despojado da “mera pintura superficial” (Lourenço, 1992:46), o Plano de Trabalho e
Cultura e o SCE em geral proporcionaram, também, um encontro com o “povo real”.
88 Desde o marcelismo que se assistia a uma tentativa de alargar o sistema de saúde pública,
sendo o Serviço Médico à Periferia considerado por alguns autores uma extensão deste
fenómeno. Ver Carapinheiro & Pinto (1987) e Santos (1992) para as políticas de saúde no
período em análise.
89 Segundo alguns protagonistas das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA, o Serviço Médico à Periferia terá sido inspirado no trabalho das equipas de médicos e
enfermeiros no âmbito da Dinamização Cultural, mais especificamente na campanha
realizada no distrito de Viseu (Correia et al, s/d-a:104). Esta ideia é também reforçada por
Fernando Leitão um dos médicos que colaborou com a CODICE (ver capítulo 7).
48
permitida a realização de outras actividades médicas remuneradas. Cada equipa
efectuava um relatório de actividades onde se procedia ao diagnóstico local da
situação médica, sanitária e assistencial acompanhado com estatísticas das
ocorrências e actividades. Como afirma Oliveira “a prática médica queria-se
enraizada nos contextos sociais e alicerçada em factos e números.” (2004:137). Neste
sentido, atente-se ao testemunho do médico Carlos Leça da Veiga (1986):
[…] o serviço médico à periferia […] talvez seja das coisas mais
significativas na vida do país porque foram os únicos profissionais
portugueses, entre os diplomados, que tiveram que ir por todo o país
exercer a sua profissão. Fizeram-no em condições difíceis, algumas
arrojadas, com algum sucesso por vezes, tendo não sido tão brilhante
noutras. Fosse como fosse, o que se sabe é que no regresso desses dez
meses de permanência de muitíssimos grupos […] traziam relatórios
extremamente bem concebidos, pelo menos do ponto de vista da acção
médica (Veiga, 1987:597).
Para Santos (1992) e Carapinheiro & Pinto (1987) esta iniciativa apresentou resultados
positivos reflectidos não só no acréscimo substancial da oferta e da procura-utilização
dos serviços de saúde, mas também na diminuição da taxa de mortalidade infantil,
de 58% em 1970 para 38,9% em 1975. Segunda as autoras, para estes resultados
contribui também a acção de organizações médicas voluntárias que, à margem do
sistema oficial, se dirigiam ao interior realizando actos médicos, rastreios de saúde
mental e de hipertensão, apoiando, ainda, estruturas de acolhimento a idosos,
crianças e deficientes (Carapinheiro & Pinto 1987:78).
49
consideradas como “anti-Nação”90, face às situações de hostilidade e resistência de
que elas foram alvo91. Por outro lado, o contacto com a realidade que a revolução
desvelou potenciou um discurso enaltecedor da cultura popular de matriz rural, no
sentido de recuperar as “tradições” que durante 48 anos foram manipuladas pelo
regime ditatorial. A nação em movimento permitiu, então, um duplo encontro: com o
“povo real” e com o “povo etnográfico” 92.
90 Esta expressão é utilizada por Stoer (1986) e decorre das considerações de Natália Correia
sobre o processo de transição publicadas num Editorial da Vida Mundial (6/5/1976).
91 Sobre as resistências das populações aos diferentes movimentos da transição democrática
ver Oliveira (2004). O caso das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica será
abordado nos capítulos 8 e 15.
92 Estas temáticas serão analisadas na Parte III deste trabalho.
93 Sobre este assunto ver Ferreira (1992, 1994 e 2001).
94 Programa do Movimento das Forças Armadas, s/d, [1974]:1. (Arquivo Histórico do Ministério
50
agora mais desfavorecidas [...]” e de “[...] uma nova política social que, em todos os
domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa do interesse das classes
trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade da vida de
todos os Portugueses [...]”95.
95Programa do Movimento das Forças Armadas, s/d, [1974]: 2-3. (Arquivo Histórico do
Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6355).
51
redescoberta de soldados perdidos por um Povo
salvo que no 1.º de Maio lhe restituía ao
cêntuplo o sentimento de unanimidade e
unidade em comum reencontradas. O Povo
recuperava o seu Exército, o Exército
recuperava o seu povo [...].” (1975: 81).
96 Os relatos de diversos escritores e intelectuais como José Gomes Ferreira (1975), Natália
Correia (2003 [1978]), Virgílio Ferreira (1980) ou José-Augusto França (2000) dão conta deste
facto ao descreverem o “seu” dia 25 de Abril de 1974.
97 Sobre este assunto ver Carrilho (1994, 40:41).
98 Na perspectiva de Boaventura Sousa Santos (1992) a parceria povo/MFA apresenta quatro
52
devem ser perspectivadas no contexto do Programa do Movimento das Forças Armadas e
no quadro da transformação do MFA em “imaginário social de libertação, em centro
de um universo simbólico de luta contra a miséria e contra a injustiça” (Santos, 1992:
60).
53
Costa Gomes100 é sublinhado de forma positiva, apesar do mesmo ter colocado
algumas reservas iniciais quanto à exequibilidade desta iniciativa:
Nós tivemos muitas dificuldades em começar a implantar essa acção. […] Porquê?
Porque essa gente da direita, essa gente do grande capital, essa gente do poder
económico e o próprio clero, mais tradicionalista e reaccionário viram nisso logo
uma grande ameaça na verdade ao exercício do seu próprio poder. Quer dizer o
Spínola não gostava nada da Dinamização Cultural. Não combatia aquilo
directamente, mas não proporcionava meios, etc, embora fosse Presidente da
Republica e a gente não precisava, não dependesse dele para isso, era o Estado-
Maior General das Forças Armadas e do Estado-Maior do Exército. O General
Costa Gomes era um homem com outra abertura. // Portanto, a Dinamização
Cultural foi vista com uma grande apreensão pelos sectores de direita das Forças
Armadas nomeadamente o general Spínola, e só se pode dar um impulso à
Dinamização Cultural depois do 28 de Setembro. Antes do 28 de Setembro foi com
muitas dificuldades que se arranjavam materiais, que se arranjavam viaturas que
se arranjava tudo isso. Depois do 28 de Setembro é que se deu o grande impulso à
Dinamização Cultural e o grande impulso foi dado, como sabe, pelo comandante-
médico, que até fazia versos e era poeta, o Ramiro Correia. Mas isto tudo está
ligado. Era um homem, um idealista, um idealista no bom sentido. Mas esta
missão era uma missão extraordinária para as nossas possibilidades porque isto
estendia-se a todo o país. (Vasco Gonçalves - Primeiro Ministro do II ao V
Governo Provisório)
Sempre se opôs às campanhas […] era uma pessoa que tinha uma visão tradicional
do que era a revolução e não estava interessado.
Avançámos e começámos em Outubro de 74. Era uma acção que começava do zero,
mas em conversas com os militares que estariam na 5ª Divisão, na divisão de
100Em entrevista a Manuela Cruzeiro, Costa Gomes afirma: “Ao princípio reagi contra a
formação das comissões culturais, porque considerei que a sua composição, essencialmente
militar, não oferecia as condições políticas, intelectuais e técnicas em ordem a um trabalho
válido, de alerta, de elevação dos níveis das populações e, sobretudo, de consciencialização
política. Não foi, pois, de caras que acedei à constituição dessas comissões.” (Cruzeiro, 1998:
263).
54
divulgação e propaganda, entendeu-se que era absolutamente incoerente havendo
um Programa do MFA, que os militares não fossem eles próprios a expor esse
programa uma vez que vinham com um carácter completamente novo, contra um
regime que até aí eram tidos pelo menos, de uma visão mais geral, como suporte.
Portanto, nós tentámos recuperar também a imagem que existia em relação às
forças militarizadas, colocando uma agenda possível. Portanto, envolvemos não só
os militares como as forças militarizadas. (Manuel Begonha. Capitão-Tenente
Engenheiro maquinista. CODICE)
Devo prestar justiça a Sanches Osório. Deu-me toda a liberdade para preparar
como quisesse, deu-me toda a confiança. Estrategicamente disse: Cuidado! Faz isso
de maneira que o Spínola não sonhe. No momento oportuno a gente arranja
maneira de avançar com isso. (Vasco Pinto Leite – Director Geral da Cultura
Popular e Espectáculos do II ao V Governo Provisório101)
55
apresentação contou com a participação do Secretário de Estado da Comunicação
Social, Conceição Silva, do Director-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, Vasco
Pinto Leite e de alguns elementos militares da CODICE, entre os quais Ramiro
Correia, Manuel Bacelar Begonha, Pessoa Guerreiro e Faria Paulino.
Este acontecimento obteve eco junto da imprensa nacional e regional que, a partir
desta data, vai acompanhando a CODICE nas suas iniciativas, entrevistando os seus
protagonistas, desvelando o Portugal rural102, destino privilegiado das Campanhas.
Com o título “Com vista à evolução do país nos caminhos da democracia o MFA
intervém directamente na Campanha de Dinamização Cultural e de Esclarecimento
Político das Populações”, o Diário de Notícias103 dá conta das ideias basilares do
documento apresentado: “evolução” de forma a fazer face a “subdesenvolvimento
cultural”. O Programa de Dinamização Cultural contemplava as seguintes linhas:
a) Luta anti-fascista;
b) Esclarecimento do Programa do MFA;
c) Apoio às F.A.;
d) Isenção partidária;
e) Análise e discussão da problemática nacional;
f) Inteligência Política de actuação, considerando que cada comunidade
possui uma cultura própria que não deve ser agredida. Pretende-se levar
informação e estabelecer um diálogo que permita a participação no
processo de democratização em que o País se encontra envolvido a partir
dos problemas efectivamente vividos por essa comunidade104.
102 Os artigos do jornalista Afonso Praça na Vida Mundial são exemplificativos deste
movimento generalizado de busca do universo rural. Ver entre outros, os números desta
revista de 31/5/1974 e de 3/10/1974.
103 Diário de Notícias, 26/10/1974, p. 5.
104 Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
56
dedicatória inserida no livro MFA, Dinamização Cultural e Acção Cívica105: “A todos os
camaradas que, por todo o país, por vezes nas condições mais adversas, não se
pouparam a sacrifícios, incompreensões e discriminações, para cumprirem a tarefa
exaltante de lutarem ombro a ombro com o povo português por um futuro melhor,
onde não tenha lugar a exploração e a injustiça e o homem alcance os espaços da
liberdade.” (Correia et al, s/d-a: 7). Na referida conferência de imprensa, Ramiro
Correia define da seguinte forma os objectivos do Programa de Dinamização Cultural:
105Esta obra, tal como MFA e Luta de Classes, Subsídios para a compreensão do processo histórico
português, (s/d-b), para além de Ramiro Correia, tem como co-autores Pedro Soldado e João
Marujo, nomes simbólicos que evocam um trabalho colectivo fruto das contribuições dos
diversos protagonistas das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA
(Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984). Num dos arquivos particulares consultados
confrontei-me com a versão manuscrita do capítulo referente à campanha “Maio-Nordeste”
incluído na obra MFA, Dinamização Cultural e Acção Cívica (s/d- a).
57
[...] as vias concretas de actuação será uma descentralização cultural
efectiva, com criação de comissões regionais em todo o país, comissões
regionais essas que subdividirão em comissões regionais [distritais], as
quais integrarão todos os organismos culturais existentes naquela região,
para além dos organismos de Estado que possam colaborar nestas
campanhas e evidentemente as Forças Armadas. Nós vamos procurar ter
uma efectiva descentralização cultural, isto é, vamos procurar que sejam
estas comissões regionais a ter a responsabilidade e a alegria também de
contribuir decididamente para a promoção cultural e social do povo da sua
região. A maneira como isto vai actuar, evidentemente que será todo o
apoio das Forças Armadas e todo o apoio dos organismos de Estado e toda
uma boa vontade de voluntariado de todos os elementos que ao longo
destes 48 anos se viram perseguidos e tiveram até as dificuldades para
fazer aquilo que gostariam de ter feito. Neste momento há um programa
coordenador ao nível nacional para ultrapassar a situação em que estamos
e estou convencido que dada a mobilização que vamos conseguir em torno
da efectivação do Programa do Movimento das Forças Armadas se vai
conseguir uma efectiva democratização do país106.
Neste acto “inaugural” das Campanhas de Dinamização, Vasco Pinto Leite reforça os
pontos de vista da entidade que tutela:
58
Agora já, em cada instante, aqui, em Trás-os-Montes, no Alentejo, no
Algarve, ou em qualquer recanto do mundo onde estejamos presentes.
4. Uma vez mais em perfeita unidade com as Forças Armadas, teremos de
vencer a batalha da Cultura que não é só a que os livros nos ensinam. As
escolas saem para as ruas, a rua vai às escolas, através das bandas de
música, do folclore, das orquestras, das canções, das danças, da poesia, do
teatro, do circo, do cinema, do artesanato, das artes plásticas.
5. A campanha de dinamização cultural que está em marcha não mais
poderá parar.
Animem-se as escolas, as ruas, as várias salas e edifícios espalhados pelo
País. O Governo dará apoio, os meios que lhe foram possíveis e
coordenação geral. Mas, cada região escolherá e promoverá as iniciativas
que entender, estando já constituídas comissões coordenadoras regionais e
distritais. Assim se constituirão certamente e naturalmente, centros
culturais na Província.
Através da voz de nós todos, dos anseios sociais que nos afligem, do
esclarecimento do momento político que vivemos, do que ele representa de
esperança na nossa História e nos caminhos do nosso futuro, ficaremos
unidos, avisados, precavidos, contra os perigos que nos espreitam.
Trabalharemos, solucionaremos os nossos problemas. Edificaremos o nosso
País na democracia107.
59
Organigrama 1 | Programa de Dinamização Cultural, Organigrama, s/d [1974]. (Arquivo Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6355)
Vasco Pinto Leite, num debate televisivo sobre a Dinamização Cultural transmitido a
19 de Abril de 1994, interpreta este documento:
60
Capítulo 6 | Dinamização cultural: um projecto de génese militar
ou civil?
61
declarações públicas produzidas no quadro destas duas entidades são reveladoras de
uma estratégia comparticipada no âmbito da génese e concretização do Programa,
sendo frequentes as referências à parceria estabelecida. O ponto 3 do Programa é
esclarecedor relativamente a esta questão:
Mais à frente:
Neste momento não é possível deixar que as coisas continuem como estão
e é por essa razão que as FA vão actuar em colaboração íntima com o MCS
e com outros organismos e com todo o povo português, no sentido de
desmontar ou pelo menos emperrar a máquina fascista da repressão
cultural. Como é que vamos fazer isto? Evidentemente que aqui já há uma
articulação perfeita no processo que vamos utilizar com MCS e mais
particularmente com a Direcção Geral da Cultura e Espectáculos (Livro
Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:101-102).
109Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974], p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388).
62
aquando da viagem preparatória aos Açores acompanhado por elementos da
CODICE, enfatiza a “colaboração íntima”111 com as Forças Armadas no quadro das
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica.
O projecto [de dinamização cultural] não existia, nós é que o criámos! [...] // Na
prática, quando isto foi feito não nos inspirámos, nós rapidamente nos apercebemos
de que havia no terreno há muito tempo associações culturais, que dentro das
limitações da época, faziam um trabalho muitíssimo importante. Isso foi muito
facilmente caracterizado quando lançámos as primeiras comissões regionais: no
Porto à cooperativa Árvore, foi o Ramiro Correia. Em Coimbra uma das missões
mais espantosas que eu tive foi ir à Universidade de Coimbra expor os motivos da
dinamização. // [Os objectivos das Campanhas eram] esclarecer o Programa do
MFA, fazer com que as pessoas se iniciassem na discussão democrática, uma vez
que se aproximavam as eleições. Pretendia-se que as pessoas realmente votassem,
uma vez que não era hábito podiam ter algum receio ou algum problema em votar,
que votassem livremente que ouvissem todos os partidos, que discutissem
abertamente tudo. (Manuel Begonha)
63
utilizada na guerra colonial112. Sendo este conflito uma guerra de guerrilha era
fundamental a simbiose guerrilheiro/população. Para contrariar esta relação, os
chefes militares portugueses utilizaram vários métodos, entre os quais a acção psico-
social que consistia “en convencer a las poblaciones de que la seguridad, el mejor
nível de vida y el progreso material lo obtendrian del lado português” (Sanchéz
Cervelló, 1995:104). Como reitera Cann na obra Contra-Subversão em África. Como os
portugueses fizeram a guerra em África 1961-1974 (2005), a par da dimensão militar da
guerra, a dimensão social assumiu uma importância táctica e estratégica. Nas
palavras do autor:
[…] a dimensão social fala acerca da […] relação com as populações e com
as autoridades civis, e acerca das mensagens que devem chegar ao povo,
tanto na África portuguesa como nos países vizinhos. (2005:74).
. Social – Ensino
- Assistência sanitária
- Desenvolvimento económico da agricultura e da criação de gado
- Melhoramentos das infra-estruturas locais
. Comunicações
. Autodefesa das localidades e aldeias (Cann, 2005:76).
[...] um dos objectivos era levar os militares, o Movimento das Forças Armadas às
populações e apoiá-las no desenvolvimento, na tomada de consciência nos problemas
112 A intervenção de José Manuel Barroso no programa Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º
D, 19/4/1994, SIC, corrobora este filão na génese da Dinamização Cultural. Luís Salgado de
Matos no artigo “A Igreja na Revolução em Portugal (1974-1982)” afirma, sem hesitações, que
“estas campanhas eram a aplicação a Portugal dos métodos de guerra psicológica usados na
Guerra Colonial […]” (2001: 102). No mesmo sentido ver também Barreto (s/d: 275).
113 Um outro aspecto da dimensão social da “forma portuguesa de fazer a guerra” residiu nas
64
que elas tinham, não só problemas materiais directos, que eram problemas dos
próprios locais, das estradas, dos caminhos, da água, dos esgotos, enfim, das infra-
estruturas, porque os militares tinham andado na guerra colonial e aí tinham tido
alguma experiência disso. Porque havia lá uma acção que chamava acção psico-
social e isso fazia parte da estratégia da Guerra Colonial, a conquista das
populações, conquistar as populações ao inimigo. Na verdade os movimentos de
libertação eram considerados o inimigo. [...] Então um dos objectivos do governo
fascista, do Estado Maior General era procurar conquistar essas populações para o
nosso lado e, assim, nós nas colónias tínhamos muitas acções dessa psicossocial, não
só do ponto de vista da instrução, ensinar a ler, a escrever, a contar, aquelas coisas,
cuidados de saúde, como também resolver problemas de comunicações, de ligações
entre as populações, entre as terras, etc. Enfim, de contribuir [...] para o bem estar
da população e assim conquistarem a simpatia da população e portanto contribuírem
para a afastar de dar apoio aos seus próprios guerrilheiros, aos movimentos de
libertação. Porque essas populações, como se propagandeava no tempo do fascismo
estavam afastadas de nós. (Vasco Gonçalves)
[...] Ele era um homem que em termos de ideias era muito, muito criativo. Cada dia
aparecia com novas ideias, com novas dinâmicas. De maneira que acabávamos por
acertar muitas vezes à hora do almoço, assim em cima do guardanapo, o esquema
de como a coisa se havia de fazer.[...]. Ele é que tinha as ideias, depois em termos da
articulação, da concretização, pôr as coisas no terreno, pôr as pessoas, as
máquinas, a logística, como se processava e eu às vezes travava aquela sua
imaginação criadora. A criatividade, a disponibilidade e a generosidade de todos
naquela altura era uma coisa impressionante.
[...] eu julgo que esta ideia do Ramiro de depois ter estendido isto a todos é capaz
de ter nascido de uma ideia logo inicial nossa. Nós tivemos que conquistar todas as
Forças Armadas para o Movimento. [...] Portanto a nossa ideia inicial foi logo
conquistar todos, saiu um Programa, vamos conquistar todos. Era preciso explicar
o processo e explicar as ideias do Programa. [...] É nesta lógica que o Ramiro
Correia concebe as campanhas de esclarecimento e de dinamização. Nós
arrancamos inicialmente com essa ideia para os militares, para integrar os
militares no Programa. Eu julgo que é esse o encosto, o que inspira o Ramiro
Correia na sua concepção das Campanhas de Dinamização em que já são feitas com
65
grande suporte de intelectuais e de artistas de todo o tipo. Ele baseia-se neste
arranque da nossa necessidade de esclarecer os militares nas várias frentes e nos
vários teatros de operações, quer aqui no continente português, quer em Angola e
Moçambique, na Guiné e Cabo Verde também. Por outro lado, [com] os militares
portugueses que havia em missões em países estrangeiros também aconteceu isso.
(Martins Guerreiro - Chefe de Gabinete do Estado Maior da Armada e
posteriormente membro do Conselho da Revolução)
66
F.A. que é uma condição fundamental do nosso progresso, do nosso
progresso em paz e sem tiros (Gonçalves, 1976: 88).
No debate televisivo referido anteriormente, Vasco Pinto Leite reforça a sua posição
ao descrever, de forma detalhada, as etapas iniciais da criação do projecto de
Dinamização Cultural:
115Esta Federação foi fundada em 1970, ano da aprovação dos seus estatutos, apesar de ter
iniciado o processo de criação em 1966. Segundo Vasco Pinto Leite, numa mesa redonda
organizada pela revista Cinéfilo, o seu objectivo principal consistia numa acção de
regionalização do cinema através do “estabelecimento de grupos de actividade (critico, ensino
do cinema, prática do cinema) […]. Os problemas fundamentais das regiões e
correspondentes populações seriam transmitidos por elas próprias e não através de cineastas
visitantes nem sempre integrados na essência dos problemas. Por isso lutamos para pôr à
disposição desses locais, câmara e material cinematográfico para fazerem os seus próprios
filmes, concretizando por isso “de dentro” a formulação dos seus problemas”. (Cinéfilo, N.º 36,
15/6/1974, p. 11). A actividade da Federação caracterizou-se sobretudo pela cedência de
películas, empréstimos de equipamentos, e pela deslocação aos locais projectando cinema,
visando a formação de novos núcleos.
67
dinamização que essencialmente punha projectos. [...] a dinamização a
seguir ao 25 de Abril nasce por causa disto.
[...] Logo a seguir ao 25 de Abril no Ministério da Comunicação Social,
onde era director-geral o Dr. Piteira Santos, formou-se uma chamada
Comissão de Cultura e Espectáculos, e era o Comandante Ramiro Correia
que estava à frente, que reuniu lá precisamente estes núcleos [...]. Eu estava
lá como representante da Federação de Cinema e Audiovisuais, havia os
cineclubes e havia muitos outros núcleos representados. Depois fui
chamado a funções, de facto oficiais, no II Governo Provisório pelo Major
Sanches Osório, como ministro, que me convidou. E então sim, disse então
ao Ramiro: - vamos então a isto, vamos projectar uma dinamização cultural
nacional. Não estávamos a pensar em termos militares nenhuns116.
116 Intervenção de Vasco Pinto Leite no programa televisivo Dinamização Cultural. O fracasso do
4.º D, 19/4/1994, SIC.
117 Entrevista a Vítor Esteves (2000), José Capinha Gil (2002), Conceição Lopes (2000).
68
[...] desde o início foi algo também entre militares e uma estrutura do Estado, que
era a então Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, que se chamava
assim Cultura Popular e Espectáculos. E não posso deixar de referir o papel, de
para além do Ramiro Correia, do Vasco Pinto Leite, nesse época, porque ele que era
director-geral percebeu, de uma forma superior e não evidente para a época,
esclarecida, [...] a materialização deste processo entre civis e militares. (Vítor
Esteves, coordenador do sector do Teatro – CODICE)
A ideia de fazer Dinamização Cultural vem de agentes culturais, não foi uma
iniciativa dos militares. Os militares já estavam no terreno naturalmente. Agora
dar o nome de dinamização cultural e dar-lhe a forma dinamização cultural e criar
a instituição prropriamente dita era uma proposta dos agentes culturais. Artistas,
pintores, gente do teatro. Portanto quando se decide fazer as Campanhas de
Dinamização Cultural a primeiro coisa foi constituir as comissões locais, regionais
e nacionais […] para a dinamizção cultural, para não serem só feitas por militares,
mas por agentes culturais e políticos que se quisessem envolver. […] O problema
que surgiu logo foi como fazer essas comissões. E lembro-me, por exemplo porque
fui para lá tratar do assunto, de ter feito três ou quatro reuniões até às tantas da
madrugada a partir pedra com os artistas todos do Porto na [Cooperativa] Árvore
[…] e não se chegava a conclusão nenhuma! De forma que o ramo militar, que
vínhamos de África e tínhamos o sentido prático das coisas: - vamos nós e quem
quiser venha atrás! (Delgado da Fonseca, Comandante do Esquadrão de
Polícia Militar da Região Militar do Porto em 1974 — 1975 e responsável
pela Dinamização na Região Militar Norte)
69
No dia da conferência de imprensa, que foi de manhã, à hora do almoço vou para
casa, almoçar, e na rádio ouço as entrevistas posteriores à conferência de imprensa
em que os militares [...] dão a ideia que aquilo era tudo dirigido por eles, tudo
forjado por eles e mandado por eles daí para a frente. Fiquei furioso porque isso era
grave e além disso não percebi o que se tinha passado. Não foi assim que foi
aprovado aquele organigrama e vim depois para o Palácio Foz, à tarde,
desesperadamente tentei falar com o Ramiro Correia e consegui. [...] E ele deixou
soltar esta frase no fim: “Neste momento devo dizer-lhe que este organigrama foi
ultrapassado”. Passou-se no dia 25. E isso foi determinante para o que se passou
daí para a frente. (Vasco Pinto Leite)
esclarecimento cívico e acção cívica extremamente meritória que as Forças Armadas fizeram,
isto tem que ser reposto aqui, recolocado, cultural não. Houve deturpação logo no princípio.”
119 Entrevista gravada, 2001.
70
Dado o equívoco de origem na finalidade, não admira que tais sessões,
meritórias pela intenção, não atinjam o nível cultural (mesmo atendendo à
fraquíssima preparação das nossas gentes) nem a qualidade didáctica que
deveriam atingir [...]. (Godinho, 1976: 40:41).
Meses mais tarde, Ramiro Correia responde, em entrevista exclusiva à ANI (Agência
Noticiosa de Informação), a um conjunto de criticas erigidas contra a Dinamização
Cultural, nomeadamente às oriundas do Ministério da Educação e Cultura:
71
a maioria dos protagonistas que assumiram posições de coordenação desta iniciativa
acentuam a sua singularidade e a contribuição da sua experiência pessoal122 para a
mesma, esta sim marcada por diferentes referentes ideológicos.
Para o médico Joaquim Mendes Robalo, aspirante miliciano responsável pelo postos
de consulta instalados no concelho de São Pedro do Sul em Maio de 1975, a sua
participação nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA foi
motivada por um factor subjectivo:
Não seguimos modelos pela simples razão que não os havia; podemos de
facto dizer que os propósitos e acção destas Campanhas reflectem uma
mentalidade própria, um humanismo português, a que não falta um certo
idealismo, mas que pensamos ser uma contribuição nacional para a causa
da Paz e Democracia124.
122 Sobre as referências históricas e ideológicas do sector intelectual ver capítulo 14.
123 Vouga Livre, 5/6/1975, p. 3.
124 Movimento, N.º 12, 11/3/1975, p. 3. Este texto encontra-se reproduzido em Correia et al
72
encontram na génese da Dinamização Cultural, nomeadamente o trabalho
desenvolvido pelas diferentes associações culturais durante o regime anterior,
identifica como modelo inspirador das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica, a experiência dos Comités de Defesa da Revolução cubanos:
O movimento associativo cresceu muito e houve que transpô-lo para este projecto.
Havia ainda um certo conhecimento que era um ponto de partida relativamente aos
chamados CDRs de Cuba, que eram grupos dinamizadores, de alfabetização, de
animação, de recolha de elementos culturais em várias áreas. O conhecimento ia-se
transmitindo e procurava-se adaptar à realidade portuguesa. (Rodrigo de Freitas,
coordenador do sector de Artes Plásticas – CODICE)
125 Para além da imprensa, muitas foram as equipas de televisão que acompanharam a
Dinamização no terreno, das quais se destacam: NBC (canal americano), BBC (canal inglês),
televisão sueca, australiana, cubana, francesa, espanhola (TVE) e da RDA (Livro Branco da 5ª
Divisão 1974-75, 1984: 1363). Importa, ainda, salientar o trabalho de reportagem fotográfica de
dois fotógrafos da Agência Magnum em Castro Daire, no âmbito da Campanha de
Dinamização no distrito de Viseu em 1975. As fotografias de Guy Le Querrec (entrevistado
por Sérgio Trefaut em Um Outro País – Memórias, Sonhos, Ilusões …Portugal 1974/1975, 1999) e
de Jean Gaumy encontram-se disponíveis em http://www.magnumphotos.com.
126 Liberation, 24/4/1975, p. 2.
73
Comme en Chine, ce sont les soldats qui vont vers les paysans et qui leur
parlent. Comme dans le Brésil des annés 60-63, leur role se limite à éveiller
leur conscience sociale et à leur faire sentir la nécessité de la vie politique.
Contrairement aux Chinois, les militaires portugais ne proposent ni le
programme ni l’ideal d’un parti d’un parti contre un autre parti, ou contre
une tendence à l’interior d’un parti. […] Les militants de la révolution
culturelle portugaise vont plus loin qu’autrefois les Brésiliens; ils refusent
seulement de proposer le marxisme d’une seule école. Les equipes sont
d’ailleurs composées des soldats (sergents, ajudants, aspirants, enseignes,
sous-lieutenants, lieutenants) proches des groupes politiques différents,
communistes, marxistes independents ou gauchistes, plus souvent
partisants d’un socialism à la portugaise: celui qu’ils inventeront127.
Nova Iorque, Praeger, 1975 e o trabalho de Lisete de Matos, Alfabetização e Educação de Adultos
no período compreendido entre Abril de 1974 e a Actualidade, GGEP, Ministério da Educação e
Investigação Cientifica, Junho, 1979. Sobre as diferentes perspectivas sobre os modelos
subjacentes às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA ver também
Ambrósio (1992).
74
As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica, enquanto uma das
propostas da agenda revolucionária, terão que ser concebidas como resultado da
confluência de projectos individuais e colectivos. Foram sendo reformuladas ao
longo da sua vigência de acordo com a experiência e conhecimento das realidades
nas quais se propuseram intervir, como também foram o reflexo do próprio rumo do
processo de transição democrática, caracterizado pela indefinição, por hesitações
relativas ao sentido da mudança social, pela confusão ideológica, pela sobreposição
de estratégias políticas, pela tensão entre os vários protagonistas, nomeadamente no
seio do MFA.
75
b) Manter permanentemente informado o CEMGFA e os restantes órgãos
do EMGFA sobre a situação psicológica dos diversos grupos humanos na
Metrópole e no Ultramar, com interesse para as Forças Armadas; [...]
d) Promover acções de informação com vista à:
Consciencialização dos elementos das Forças Armadas em ordem ao
cumprimento das missões que a nação lhes confie;
Criação de uma imagem favorável das Forças Armadas na opinião pública
nacional;
Aceitação e apoio pela população das actividades de âmbito da defesa
nacional ou de operações militares específicas [...]. (Livro Branco da 5ª
Divisão 1974-75, 1984: 24).
132 O primeiro número foi publicado a 9 de Setembro de 1974 e o último data de 14 de Agosto
de 1975. Esta publicação era da responsabilidade do Centro de Esclarecimento e Informação
Pública da 5ª Divisão. Segundo Veiga (2002): “O corpo de redactores era maioritariamente
oriundo dos centros da 5ª Divisão, nomeadamente da Comissão Dinamizadora Central
(CODICE) e do Centro de Esclarecimento e Informação Pública (CEIP). No conjunto do corpo
redacional encontramos, também, várias figuras conhecidas do período, como, Vasco
Lourenço, Ramiro Correia, Franco Charais, Almada Contreiras ou Duran Clemente, entre
outros. Importa referir que nenhum artigo se encontra assinado, o que impossibilita esclarecer
o grau de participação de cada autor durante a evolução do boletim […]. “ (Veiga, 2002:65).
133 No boletim Movimento, Nº 1 de 9 de Setembro de 1974 são definidas as principais missões
76
Neste sentido, num despacho do CEMGFA, Francisco da Costa Gomes134, datado de
25 de Setembro de 1974, mas distribuído para execução após o 28 de Setembro de
1974, enfatiza a necessidade do surgimento de novas missões para as Forças
Armadas uma vez que se encontravam na fase final das responsabilidades
operacionais no Ultramar, havendo a necessidade de redução dos seus efectivos
determinando “[…] o estudo e planeamento da “acção cívica” para que a 5ª Divisão em
ligação com os três Ramos das Forças Armadas deverá entrar em contacto com os
Ministérios de Coordenação Interterritorial, da Educação e Cultura, dos Assuntos
Sociais e Equipamento Social e do Ambiente.” (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75,
1984: 30). Este documento é elucidativo do esforço de conjugação com as acções de
Dinamização Cultural que entretanto foram sendo preparadas no contexto de alguns
Ministérios, referindo–se o Livro Branco da 5ª Divisão à colaboração da “Direcção-
Geral da Cultura (Ministério da Comunicação Social)” (1984: 31).
A 5ª Divisão, através do seu chefe, Coronel Robin de Andrade, após a recepção deste
despacho, envia um ofício dirigido ao Estado Maior do Exército, ao Estado Maior da
Armada e ao Estado Maior da Força Aérea informando da missão de acção cívica a
desenvolver no âmbito da “reconstrução nacional”135, delineando a actuação das
Forças Armadas nos seguintes termos:
a. A curto prazo
Participação na Campanha de Dinamização Cultural.
Apoio ao MEC, no respeitante à resolução da explosão escolar verificada
no ensino superior.
Empenhamento de meios técnicos em:
actividades de salvamento
actividades de acção psicológica junto das populações dando-lhes a conhecer o papel das
Forças Armadas, além de constituir um importante elo de ligação. Foi sobretudo formada
com a ideia de auxiliar as populações mais carentes e dar-lhes ao mesmo tempo, um
conhecimento cívico dos deveres e direitos de cada cidadão, a começar pela instrução.
(Cruzeiro, 1998:327).
135 Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6388. Este
ofício não se encontra datado. Como Robin de Andrade é nomeado chefe da 5ª Divisão a 3 de
Outubro de 1974, este documento deverá ter sido produzido no início de Outubro de 1974.
(Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6388).
77
auxílio sanitário
cooperação com as autoridades locais no que concerne a:
abertura de estradas e caminhos
arranjo de arruamentos
substituição de “bairros de lata”
electrificação de aldeias
outras obras de interesse local
b. A médio prazo
Campanhas de alfabetização
Participação em empreendimentos mais vastos de natureza social136.
78
estruturas, acção que se tornou a face mais visível do trabalho militar no processo
português de transição para a democracia. O chefe da 5ª Divisão sublinha, ainda, a
necessidade de auscultar a disponibilidade dos três ramos das Forças Armadas, bem
como enfatiza a criação no âmbito da 5ª Divisão de um grupo de trabalho.
Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319). Este assunto foi
posteriormente encaminhado para o Ministério da Defesa Nacional, uma vez que se
enquadrava fora das competências da 5ª Divisão.
138 Os documentos consultados e as entrevistas realizadas não permitiram apontar a data
Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
140 Ramiro Correia assume a direcção da CODICE até Março de 1975, momento em que
integra, como membro da Armada, o Conselho da Revolução, criado pela Lei 5/75 de 14 de
Março. Da equipa inicial fizeram parte, pela Marinha, o Capitão-Tenente Pessoa Guerreiro,
Capitão-Tenente Engenheiro Manuel Begonha. Pelo Exército integraram esta comissão o
Major Moniz Barreto, o Major Cação da Silva e o Capitão Estrela Loureiro. A Força Aérea foi
representada pelo Capitão Faria Paulino, o Alferes Luís C. Martins e o Alferes Frederico
Soares.
79
do Programa do MFA, e possibilitará a discussão das vias do futuro,
criando condições para uma ampla participação do povo na vida
nacional141.
Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”). Este documento é reproduzido em Correia et al
(s/d-a) como sendo a 1ª Directiva da CODICE, assinada por Ramiro Correia enquanto
coordenador da CODICE, Robin de Andrade (Chefe da 5ª Divisão) e Costa Gomes (Chefe do
EMGFA). Contudo, a versão do mesmo documento a que tive acesso tem como signatários
apenas Robin de Andrade e Costa Gomes.
142 Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974] p. 3. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo
Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
80
A maneira como isto se vai processar: vamos utilizar todos os meios de
animação cultural (cinema, teatro, música, artes plásticas) procurando
motivar as populações a tomar contacto com formas de expressão de que
estiveram afastadas, muitas vezes desde que nasceram (há pessoas que
nunca viram um teatro ou foram ao cinema, por exemplo). E através dessa
congregação de pessoas e dessa motivação, interessá-las num processo de
participação na vida portuguesa, participação essa que não será apenas
pela apetência por novas formas de expressão, como também pelo
esclarecimento sobre o que se está a passar entre nós (Correia et al, s/d –a:
34-35).
81
facto de “ a vida cultural existente fosse de negação e não de afirmação” (Correia et
al, s/d –a: 32). Desta forma, o MFA, projectado para uma posição de vanguarda, cria
os seus próprios meios de penetração visando colmatar a ausência de instituições
transmissoras de cultura, procurando actuar como mediador cultural.
E logo a partir do início de Maio de 1974, o MFA procura o apoio dos intelectuais
portugueses (Correia et al, s/d – b: 168-169), constituindo-se uma equipa denominada
“Comissão de Cultura e Espectáculos” (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984: 101)
no quadro do Ministério da Comunicação Social na vigência do I Governo Provisório,
coordenada por Ramiro Correia145:
143 Para a autora, a entrada de Vasco Pinto Leite para a Direcção-Geral da Cultura Popular e
Espectáculos e a de João de Freitas Branco para a dos Assuntos Culturais marca o início da
preocupação do governo relativamente ao estabelecimento de uma política cultural. Ver
também Dionísio (1993).
144 Diário de Notícias, 21/6/1975, p. 13.
145 Sobre este assunto ver testemunho de Vasco Pinto Leite em Dinamização Cultural. O fracasso
82
Escritores, etc. Apelámos no sentido de esses grupos se reorganizarem e, ao
nosso lado, ajudarem naquilo que pretendemos, e que é, fundamental para
o nosso País: a revolução também cultural146.
Em Julho de 1974, Ramiro Correia passa, por indicação da Armada (Miragaia et al,
s/d) a colaborar directamente na Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos.
A partir desta data assiste-se a um período de estabelecimento de contactos com o
sector intelectual e com associações culturais de várias zonas do país, no sentido de
promover e cimentar uma colaboração no quadro das Campanhas de Dinamização147.
83
português é invocada, não só por ter sido protagonizado por militares, como também
por estes terem preocupações de âmbito cultural148, uma vez que o sector militar era
tido como tradicionalmente avesso às artes no sentido lato:
148 Neste sentido refira-se o apelo directo do então Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves no I
Congresso dos Escritores Portugueses realizado a 11 de Maio de 1975: “Eu penso que a nossa
Revolução necessita dos senhores. É indispensável o trabalho dos intelectuais. […]. É um
convite, é um pedido, é uma solicitação que o Conselho da Revolução vos faz; venham para o
pé de nós contribuir para a Revolução do Povo Português. É essa a missão que aqui me traz.
[…]
Eu, de facto, gostei imenso de ouvir dizer que querem colaborar com a Dinamização Cultural
das Forças Armadas, era isso que eu estava para vir pedir. Era que fossem para a nossa
dinamização cultural.” (Gonçalves, 1976:203-205-210)
149 O Centro Cultural de Évora, inaugurado no dia 30 de Janeiro de 1975 com a estreia da peça
84
intelectualidade de esquerda para este projecto do MFA partilhando, de forma
voluntária, com os militares a responsabilidade na construção da nação e oferecendo
às populações as suas produções culturais.
85
acolhido no meio artístico, apesar de se encontrar envolto em algum cepticismo
quanto à sua prática152, constituindo uma das apostas da Revolução para “reanimar
os portugueses culturalmente” e “arranca-lo do seu paradismo” (Wallenstein, 1974).
(Seara Nova, Dezembro, 1974, pp. 7-8). Segundo o autor: “Compete à sociedade desenvolver
não apenas a distribuição dos objectos de arte mas também as vias de educação das pessoas,
facilitando-lhes alcançar um conhecimento até agora apenas centralizado nas classes cujo
poder económico lhes permitia um acesso mais directo à cultura e às fontes de ensino.[...] O
artista não pode, em última análise, degradar a forma das suas construções, conquistadas por
vezes à força de muita reflexão e inteligência, para os conduzir linearmente ao seio de um
mundo subdesenvolvido. Esse mundo é que tem de ser remetido, pela educação e promoção
intelectual dos indivíduos, às linhas avançadas da contemporaneidade – e é nesse sentido, em
suma, que deve ser compreendida a descentralização da cultura e a mobilização social e
politica dos artistas” (1974:8). Na imprensa da época surgem tomadas de posição das várias
áreas culturais relativamente a esta questão.
153 Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
capítulo 14.1.
86
celeiros, centros paroquiais, é o mesmo que fizemos num palácio em Florença e nos
maiores teatros de Budapeste e da Polónia. Não cedíamos em nada.”156
O jornal Diário de Notícias dá conta deste novo posicionamento do sector teatral. Com
o título “O teatro ao serviço do MFA e da Democracia” refere os trabalhos para a
reestruturação das actividades teatrais presididos por Vasco Pinto Leite, no quadro
dos quais foi criado o Conselho Nacional de Teatro que, através das suas
subcomissões, acompanha um conjunto de reformas para este sector, prevendo a
87
colaboração com o MFA em sessões de esclarecimento. Note-se que à data desta
notícia, 2 de Outubro de 1974, a conferência de imprensa de apresentação das
Campanhas de Dinamização Cultural e Esclarecimento Cívico ainda não se tinha
realizado, pelo que esta iniciativa ainda é formulada de forma vaga. Contudo, o
papel do teatro é valorizado: “Pode dizer-se que todos os actores, profissionais e
amadores, e autores serão [...] mobilizados para levar às terras mais esquecidas o
primeiro alertamento de democratização, com vista à integração das populações na
vida cívica nacional e a sua consciencialização perante o acto eleitoral que se
aproxima. [...] Depois das armas floridas – as armas do teatro, que de maneira
inequívoca e pela primeira vez entre nós, vão mostrar quanto pode e quanto vale.”159
[…] têm o primeiro mérito de dar às coisas o seu devido nome, isto é,
subtrair a política ao limbo das coisas duvidosas em que tem jazido entre
nós. E desta clareza, caso se mantenha depois de eleita em Março próximo a
Assembleia Constituinte o teatro tem muito a aproveitar, pois legitima uma
zona na qual lhe cabe particular pertinência. [...] A partir do contacto com tão
diversas populações, com a maior parte das quais jamais contactou [...],
poderá o teatro concretizar-se implantar-se nas pessoas, no território,
desmarginalizar-se em relação às influências do exterior que quase
exclusivamente o têm sustentado, descobrir um caminho verdadeiramente
próprio e autêntico (Wallenstein, 1974:79).
88
de descolonização” (Wallenstein, 1974:79). permitindo a construção de uma nova
prática teatral, mais pura.
O projecto do Teatro consistiu em duas coisas. Uma era no quadro das campanhas
pôr a circular, confrontarem-se com públicos diferentes as companhias de teatro,
que nessa época se centravam em Lisboa, [...] com outros públicos e também que as
companhias de teatro reflectissem a realidade do país de certo modo.[…] Por outro
lado, chamar também à coacção os grupos de teatro amador que existiam e tinham
importância específica na altura, chama-los também a participar com espectáculos
durante as Campanhas. (Vítor Esteves)
160 CODICE – Secção de Teatro, Textos de Apoio, s/d. (Arquivo Histórico do Ministério da
Defesa Nacional (em organização); caixa 6319). Neste caderno, onde se invoca António Pedro
(Pequeno Tratado de Encenação) e o encenador alemão Manfred Wekwerth, são contempladas
algumas fases do trabalho teatral (ensaios de leitura, encenação e ensaios de marcação),
encontrando-se em anexo um conjunto de notas sobre a construção artesanal de projectores.
161 Para relação dos grupos de teatro e das peças representadas no quadro da Dinamização
Cultural ver anexo I. Importa sublinhar a relevância que alguns destes grupos,
nomeadamente Comuna e Cornucópia, atribuem à sua participação nas Campanhas de
Dinamização na actualidade. Nos livros comemorativos de aniversário ou de balanço da sua
actividade esta experiência é referida com destaque (Sousa et al 1998; Reis & Reis 2002).
89
Teatro Português de Paris, Os Bonecreiros, Casa da Comédia, Teatro Infantil de
Lisboa, Teatro Experimental do Porto e ainda do grupo espanhol La Cuadra162,
contando com inúmeros contributos de grupos de teatro amador. O Segredo de
Montemuro163, da autoria do dramaturgo brasileiro Alfredo Nery Paiva, foi uma das
peças originais escritas no âmbito da actividade do sector do teatro.
[...] Isso é muito importante. Não havia nenhum dirigismo, nem nenhuma
encomenda. As pessoas representavam o que representavam. Quem pensa que se
mandava representar Brecht, ou representar Almeida Garret está completamente
enganado. O que interessava não eram os autores era o processo, o processo em si.
Isso só numa fase posterior é que deve ter havido algumas encomendas dessas, mas
mesmo assim tenho algumas dúvidas, porque felizmente em toda a fase original,
estavam pessoas que eram criadores independentemente do regime [...]. Desde
quando é que o João Mota, o Luís Miguel Cintra aceitavam encomendas?
Enquanto eu lá estive não houve encomendas, nem dirigismo cultural. As
referências eram as referências do que se estava a fazer no momento. Uma das
virtudes da Dinamização Cultural era não haver dirigismo cultural. E isso deve-se
ao Ramiro Correia, ao Vasco Pinto Leite e a outras pessoas. [...] Porque isso era
162 Este grupo, oriundo de Sevilha, participou na Dinamização Cultural do MFA por proposta
do grupo de teatro Comuna.
163 Paiva, Alfredo Nery, 1975, O Segredo de Montemuro, CODICE/Sector de Animação Teatral,
90
fazer aquilo que as pessoas que estiveram na dinamização lutaram anos contra, que
era haver um dirigismo cultural no sentido estrito do termo. (Vítor Esteves)
165 A supremacia destes dois sectores é evidente nas construções discursivas dos diferentes
protagonistas. Quando questionados sobre a participação do grupo intelectual na
Dinamização Cultural, o Teatro e as Artes Plásticas surgem como os sectores mais dinâmicos
e com uma participação mais activa.
166 Entrevista a Vespeira (2000) e a Rodrigo de Freitas (2000). No decorrer do happening, o
MDAP distribuiu o seguinte comunicado: “Casaca de cerimónia – foi assim que Salazar tratou
a Arte (vide livro de António Ferro, Salazar, 1933). E no jardim do Palácio Foz – “Quartel da
demagogia a cores” como há muitos anos foi alcunhado pelos artistas – a estátua de Salazar
continua um passado que se quer ausente.
O Movimento Democrático de Artistas Plásticos não é partidário da destruição de obras de
artes; ainda [enquanto] símbolos condenáveis deverão guardar-se como documentos
históricos de uma política que não deve ser silenciada para jamais ser esquecida ou repetida.
A estátua de Salazar do escultor Francisco Franco, embora seja símbolo de uma nefasta
ditadura, não pode de modo algum continuar presente num edifício público responsável pela
democratização do país.
Hoje, “28 de Maio” – 48º aniversário do nascimento do fascismo – a comissão central do
MDAP resolveu ocultar a estátua, cobrindo-a com um pano negro e amarrando-a com cordas.
O “mestre” da política “orgulhosamente sós” ficará protegido dos livres olhares portugueses
que abertamente querem estar acompanhados.
É ao mesmo tempo uma destruição simbólica e um acto de criação artística num gesto de
liberdade revolucionária. A arte fascista faz mal à vista” (Diário Popular, 29/5/1974, p. 14).
Assinaram este documento Fernando de Azevedo, Helena Almeida, João Abel Manta, João
Moniz Pereira, João Vieira, Jorge Vieira, Lima de Carvalho, Nikias Skapinakis, Nuno San
Payo, Pomar, Rogério Ribeiro, Sá Nogueira, Vespeira e Virgílio Domingues.
91
colocámos uma faixa com a inscrição do MDAP como se fosse uma condecoração.
Estávamos a cumprir o destino porque este ditador dizia orgulhosamente sós e
agora estava orgulhosamente às escuras que era para não ter contágios. (Vespeira,
artista plástico, sector de Artes Plásticas – CODICE)
Alguns dias depois, no dia 10 de Junho de 1974, o MDAP promove uma Jornada de
Solidariedade com o MFA que seria transmitida em directo pela RTP167. Vespeira e
quatro outros artistas plásticos, Rogério Ribeiro, Nikias Skapinakis, José Aurélio e
João Vieira foram à televisão na companhia de Ramiro Correia anunciar esta
iniciativa de homenagem ao MFA, indiciando o comprometimento das Artes
Plásticas com a revolução.
Sob uma aura de festa, a Jornada de Solidariedade com o MFA, foi descrita deste
modo por Ernesto de Sousa: “Um caixão deitado ao Tejo, o enterro do fascismo; as
canções “heróicas” de Lopes Graça; um espaço destinado a ser pintado-por-toda-a-
gente, a “cegada” da Comuna … […]”168. Pontuada por várias intervenções169, este
evento foi inaugurado com a realização de uma pintura colectiva, intitulada 48
Artistas, 48 Anos de Fascismo uma alusão aos anos da ditadura iniciada a 28 de Maio
de 1926. A tela com 4,5 m x 24 m foi então dividida em 48 quadrados entregues por
sorteio aos primeiros 48 artistas plásticos170, que aderiram ao MDAP, exceptuando o
167 Esta iniciativa teve a sua transmissão televisiva bruscamente interrompida, por ordem do
Governo, a dez minutos de terminar quando a Comuna, depois de ter caricaturado o
almirante Américo Tomás e Marcelo Caetano, se dispunha a caricaturar o cardeal Cerejeira
(Gonçalves, 1992). Este foi considerado o primeiro acto de censura no pós-25 de Abril.
Rodrigo de Freitas, um dos coordenadores do sector das Artes Plásticas da CODICE, relembra
que Júlio Pomar ao tomar conhecimento desta situação “pegou nos pincéis atou-os à pintura
que fez […] e pintou no painel «A Censura existe».” (Entrevista gravada, 2000).
168 Ernesto de Sousa, “O Mural de 10 de Junho ou a passagem ao acto”, Colóquio Artes, n.º 19,
2ª série, 16º ano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Outubro. 1974, p. 46.
169 A jornada contou com a participação do Coro da Juventude Musical Portuguesa, do Coro
Jorge Martins, Manuel Baptista, Costa Pinheiro, João Vieira, Júlio Pomar, Fernando de
Azevedo, Vespeira, Maria Velez, Menez, José Escada, Nikias Shapinakis, Rogério Riberiro.
Sobre este assunto ver Ernesto de Sousa, “O Mural de 10 de Junho ou a passagem ao acto”,
Colóquio Artes, n.º 19, 2ª série, 16º ano, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Outubro. 1974,
pp. 44-47
92
primeiro quadrado que foi atribuído a Teresa Dias Coelho em homenagem ao seu
pai, o pintor Dias Coelho, assassinado pela PIDE. Sob o mote “Flor-Liberdade/ Fogo-
Imaginação/ Força-Unidade/Arte – Revolução”, quadra presente no cartaz da
autoria de Vespeira realizado no âmbito desta jornada, esta iniciativa ensaia um
conjunto de actos semelhantes que propunham uma nova relação entre a arte e o
público. No painel predominou uma linguagem abstracta e neo-figurativa com o
recurso à palavra, como foi o caso de Vespeira e de Júlio Pomar (Ginga, 2000).
Nesta data foram estabelecidos contactos para uma futura colaboração com o MFA,
vindo o MDAP a confirmar a sua posição de apoio no dia 6 de Novembro de 1974
(Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984), momento a partir do qual alguns dos seus
elementos integram a CODICE coordenando o sector de Artes Plásticas173. No mês
seguinte realiza-se, na Sala dos Espelhos do Palácio Foz, o Encontro Nacional de
Artistas Plásticos que oficializa o comprometimento destes com a Dinamização
Cultural do MFA174:
1974. Esta obra foi destruída num incêndio em Agosto de 1981. Esta iniciativa contou ainda
com as intervenções escultóricas de José Aurélio e de Clara Semide.
171 Sobre Vespeira ver Cruz (1999), Ginga (2000); Santos (2000) e Almeida & Almeida (2006).
172 Para além da pintura mural de Vila Chã, realizada na festa de inauguração do
93
E portanto, o Ramiro Correia reuniu-nos lá e disse: “precisava de fazer qualquer
coisa no campo das vossas artes, das Artes Plásticas, sei lá cartazes, enfim que
dessem a conhecer às pessoas o que é o MFA porque sabe aquela frase célebre que
uma imagem vale mais do que mil palavras, gostaríamos que vocês fizessem
qualquer coisa para a gente começar a distribuir, enfim, colar esses cartazes nas
paredes”. E portanto, eu fiz esses cartazes mais directos, que eles gostaram logo,
porque eram coisas que se percebiam logo, era chamado o boneco de traço grosso.
(João Abel Manta, artista plástico, colaborador do sector das Artes Plásticas
– CODICE)
175 Importa referir também os trabalhos de Maria Velez, Justino Alves, Moura George,
Henrique Ruivo, Armando Alves, Rodrigo de Freitas, Artur Rosa e Fernando Cruz.
176 A propósito desta questão, Ernesto de Sousa, a partir de dois cartazes, realizados no
quadro das Campanhas de Dinamização do MFA da autoria de Artur Rosa (ver anexo II) e de
Vespeira, questiona o seu revolucionarismo estético, afirmando “Não é verdade que o tão
(justamente) conhecido cartaz de Vespeira poderia servir para a publicidade de uma
companhia de aviação ou de tal e tal marca de perfume? Que o cartaz de Artur Rosa poderia
servir muito bem para anunciar uma marca de, por exemplo, automóveis? concluindo “E
como poderia ser de outra maneira, se o 25 de Abril apanhou a maior parte de nós apenas
ocupados a resistir ao desgaste de uma sociedade insonsa e de mera sobrevivência? (Vida
Mundial, N.º 1866, 19/6/1975, p. 6).
94
O que fizemos tinha a ver com a linguagem de
cada um. No meu caso tinha que ver com as
minhas coisas gráficas. No caso do João Abel tinha
a ver com os cartoons que ele fazia. Outras faziam
coisas mais populares, como é o caso do Rogério
Amaral que fez um cartaz com a cabeça de um
camponês. O meu propósito e iniciação na arte
pública é fundamentalmente imaginativa e
carregada de improvisos e de coisas fugidias, sem
levar especificamente uma mensagem para A, B ou
C. Não havia um propósito estético. […] O que
interessava era sermos anti-fascistas e estarmos na
rua a fazer coisas. (Vespeira)
Fig. 3 | Flor – Libertação/Fruto-
Democracia/Semente-Socialismo/Forças
O contributo de Vespeira para o movimento de Armadas – Raízes de uma Revolução
Cartaz. Vespeira, 1975
Artes Plásticas pós-25 de Abril foi também (Arquivo particular Rodrigo de Freitas)
Já a colaboração de João Abel Manta com a CODICE caracterizou-se por uma relação
mais distanciada, mas não menos comprometida e entusiasta com a revolução,
assinando quatro cartazes que ganharam grande notoriedade179. “Um artista de
177 Vespeira concebeu no ano de 1975 o cartaz de apelo ao voto no quadro das eleições para a
Assembleia Constituinte (Povo-Voto/Voto-Povo) e ainda um subordinado ao tema “poder
popular” (Poder Popular –Unidade Revolucionária).
178 Entrevista a Vespeira, 2000.
179 A obra de João Abel Manta produzida no quadro da transição democrática é numerosa,
tendo colaborado em jornais como o Diário de Notícias, O Jornal e o Diário de Lisboa. No quadro
das Campanhas de Dinamização Cultural foi autor dos seguintes cartazes: “MFA-Povo/Povo-
95
atelier”, assim o caracterizou Rodrigo de Freitas, um dos coordenadores do sector de
Artes Plásticas. Como cartoonista, interpreta a relação Povo-MFA no quadro de um
trabalho de intervenção política realizado durante o Estado Novo descrito desta
forma por Cardoso Pires: “Nenhum pintor daqui e de agora resumiu com tantas
subtilezas a temperatura social e politica do fascismo agonizante, raros, raríssimos,
com o prestígio e a obra de João Abel Manta, resistiram e apostaram com ele na
intervenção” (in Manta 1975:6). E é esta “temperatura social “medida em tom
humorístico e revestida de uma crítica amável que encontramos nos seus cartazes e
desenhos.
“Alargar o cinema às classes populares” foi uma das medidas anunciadas pelo
Sindicato dos Trabalhadores do Filme num documento programático da autoria de
MFA” (1974), “MFA – Sentinela do Povo” (1975), “Povo-Vasco-MFA” (1975). Foi ainda autor
de um cartaz editado pela CODICE e pelo Sindicato dos Bancários intitulado “Nova Banca ao
Serviço do Povo” (1975).
180 Para análise detalhada ver Aurélio (1999).
181 Das iniciativas desta índole destaca-se em Junho de 1974 a exposição Maias para o 25 de
Abril, resultante de um conjunto de obras proibidas pela PIDE reunidas por Mário Cesariny.
Lima de Freitas, Cruzeiro Seixas e Manuel Filipe divulgam os seus desenhos neo-realistas
realizados na década de 40. Em 1975 foi publicado um álbum de desenhos de Álvaro Cunhal
realizados na prisão durante os anos 50. Uma retrospectiva de Dias Coelho, assassinado pela
PIDE em 1962, teve lugar na Sociedade Nacional de Belas Artes em 1975 (Gonçalves, 1992).
96
Fonseca e Costa e Luís Galvão intitulado “Definição de uma Política Cinematográfica
que sirva os Princípios Enunciados do Programa do MFA”182. Este sindicato183, que
contava com um importante núcleo de realizadores identificados com o Cinema Novo,
empenhava-se na construção de uma nova concepção de imagem escolhendo como
aliado o MFA. A aproximação e interpelação às populações concretizava-se na
proposta de criação de “Grupos de Acção e Animação Cinematográfica”. Cada grupo
seria constituído por um equipa técnica reduzida, um realizador e um oficial do MFA
e dotar-se-ia de uma carrinha contendo material de filmagem, de iluminação, de
projecção e de um conjunto de filmes nacionais e estrangeiros a projectar nas diversas
localidades do país. Procurava-se igualmente filmar “todos os aspectos humanos e
sociais, relacionados com o local ou localidade em questão, e que se prestassem a
uma contribuição para o conhecimento da realidade portuguesa da actualidade”184.
182 Ver Cinéfilo, N.º 34, 1/6/1974, pp. 5-6. Sobre panorama cinematográfico ver Dionísio (1993)
e Costa (2002).
183 Posteriormente foi designado por Sindicato dos Trabalhadores da Produção do Cinema e
Televisão.
184 Cinéfilo, N.º 34, 1/6/1974, p. 15. O programa-tipo destas sessões desenvolvia-se em 4
pontos: “1) Apresentação política feita pelo oficial do MFA; 2) Projecção de curtas metragens
de esclarecimento político, económico e social; 3) Projecção de um filme de longa metragem
de ficção; 4) Debate, orientado pelo realizador e pelo oficial do MFA, com inquéritos sobre
cinema e situação político-social”.
185 Informação N.º 1 da Comissão Consultiva da Cinemateca Nacional (Ministério da
14-16 e 37.
97
Estas propostas procuravam a transformação da realidade portuguesa através da
imagem numa dupla perspectiva: a da sua construção, visível no acto de documentar
o país188 e a da sua interpretação. O trabalho a desenvolver pela área do Cinema foi
então enquadrado formalmente com a criação de uma comissão consultiva189 com o
objectivo de acompanhar o processo de formação das brigadas e de obter os meios
necessários. Integraram esta comissão, um representante de cada Cine-clube (ABC,
Barreiro, Católico, Imagem, Universitário, Vila Franca de Xira), dois elementos da
Associação dos Críticos, dois do Sindicato dos Trabalhadores do Filme e ainda dois
representantes da Federação de Cinema de Amadores190.
Muitos filmes, também passámos muitos filmes, gostavam muito. Era um ecrã
banal com panos. Não eram filmes quaisquer...eram filmes com alguma carga
política. E depois filmes portugueses que as pessoas gostavam muito e que ainda
hoje gostam: A Canção de Lisboa, por exemplo. (Manuel Begonha)
188 Esta vontade é particularmente enfática na mobilização de meios e pessoas que saíram à
rua para filmar o 1º de Maio de 1974, resultando no filme colectivo do Sindicato dos
Trabalhadores da Produção de Cinema e Televisão As Armas e o Povo. Eduardo Geada dá
conta da preparação deste documentário: “ […] Formaram-se dez equipas de cinema que,
trabalhando simultaneamente de manhã à noite, nos pontos estratégicos da cidade filmaram
[…] a manifestação colectiva da população de Lisboa e dos arredores que acabou na marcha
triunfal em direcção ao estádio da FNAT. Enquanto uma das equipas se deslocava
propositadamente à ilha da Madeira com a finalidade de recolher imagens das manifestações
da população madeirense junto do Palácio de São Lourenço […] onde se encontravam
Marcelo Caetano, Américo Tomás […], o Sindicato solicitava aos correspondentes da RTP em
vários pontos do País a sua colaboração para a recolha de material fílmico. […]. O material
filmado […] destina-se à execução de um filme colectivo que se propões a mostrar a alegria do
povo português não só no Primeiro de Maio mas desde a noite gloriosa do 25 de Abril, início
irreversível da queda do regime fascista.” (“Por um cinema livre”, Vida Mundial, 10/5/1974.
p. 34.).
Paralelamente à “alegria do povo português” as imagens do país escondido são agora
reveladas, por exemplo, através dos testemunhos de mulheres que, perante a câmara e as
perguntas insistentes de Glauber Rocha, descrevem os seus quotidianos familiares e as suas
carências em termos de habitação.
189 A Comissão consultiva funcionava junto da Cinemateca Nacional, tendo como elo ao
98
Ao Sector do Cinema coube, então, a responsabilidade de obter e seleccionar os
filmes a serem enviados para as Campanhas de Dinamização (ver anexo III), bem
como de comprar as máquinas de projecção191. Segundo Abílio José Vieira
Marques192, um dos coordenadores desta área, o convite para colaborar com a
CODICE inseria-se numa perspectiva de interpretação da imagem e não na sua
construção. Utilizando a metáfora da “libertação da palavra”, afirma que os
objectivos deste sector situavam-se no quadro da “educação para o diálogo e para a
discussão” através da imagem, onde a experiência do movimento cine-clubista, que
desde a II Guerra Mundial foi assumindo grande destaque no panorama
cinematográfico nacional (Granja, 2002; Henry, 2001), foi convocada:
191 O sector do Cinema colaborou com diferentes embaixadas que cederam cópias de filmes
das quais se destacam França, Cuba, Holanda. Foram ainda adquiridos um conjunto de filmes
ao Animatógrafo Produção de Filmes. O Livro Branco da 5ª Divisão dá conta, ainda, da cooperação
com o Instituto Português do Cinema e com a Federação Portuguesa de Cinema e
Audiovisuais.
192 Entrevista gravada, 2001.
193 Este realizador é autor da reportagem A Revolução está na Ordem do Dia, que acompanha a
99
monumental missão de esclarecimento político e apoio social às
populações da província, por meio das suas campanhas de dinamização
cultural – intensificadas a partir de Janeiro de 1975 – também é verdade
que, inexplicavelmente e uma vez mais, o cinema, como processo criador
de agitação e documentação foi esquecido.
Mas não foi esquecida a Televisão, cujas equipas, em circunstâncias por
vezes difíceis, acompanharam os oficiais e os soldados na sua tarefa
pacífica. […]
Se Lenine dizia que o cinema era de todas as artes [a] mais importante para
a Revolução é porque não dispunha de uma cadeia de televisão, parecem
insinuar os homens do M.F.A. cada vez mais inclinados a optar por um
dirigismo cultural que defenda os interesses da consolidação
democrática194.
194 Eduardo Geada, 1975, “O Cinema Português e a Revolução”, Celulóide, N.º 212, Junho.
1975, pp. 7-8.
195 “Revolução – Ano I, Para onde vai a Cultura Portuguesa”, Vida Mundial, 8/05/1975, p. 31.
196 Segundo Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, Vasco Granja foi um dos colaboradores do
100
implementação de “cinematecas ambulantes”. Para Granja, o Cinema “tem uma
grande capacidade de mobilização revolucionária”, contudo defende que, para além
da abolição da censura, a situação da exibição cinematográfica não teve qualquer
modificação assinalável.
Contudo, importa referir que a 16 Junho de 1975 é nomeada uma chefia interina para
coordenar a Secção de Fotografia e Cinema do Centro de Esclarecimento e
Informação Pública da 5ª Divisão/EMGFA, cujo objectivo, entre outros, assentava na
realização de reportagens, filmes e slides para a dinamização cultural e outras
actividades das Forças Armadas. Esta nova estrutura procurava enquadrar um
trabalho já realizado nesta área, nomeadamente os programas televisivos do MFA
que vinham a ser transmitidos pela RTP desde Novembro de 1974198. Num relatório
de balanço da actividade desenvolvida nesta área, algumas das críticas erigidas
contra o papel da imagem no processo revolucionário parecem ter sido levadas em
conta pela 5ª Divisão/EMGFA:
Importa sublinhar que, se nas áreas do Teatro e das Artes Plásticas a colaboração com
a CODICE permitiu o desenvolvimento e experimentação de novas linguagens de
relacionamento com as populações, na área do Cinema o trabalho desenvolvido foi
mais contido, cingindo-se aos pressupostos iniciais do Programa de Dinamização
Cultural do MFA.
198 Segundo o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984:202) estes programas eram da
responsabilidade da 5ª Divisão/EMGFA e foram coordenados pelos então capitães Jorge
Alves (até Abril de 1975), Duran Clemente (CEIP, Centro de Esclarecimento e Informação
Pública) e Faria Paulino (CODICE) em articulação com a RTP cujos técnicos asseguravam a
sua montagem. De Novembro de 1974 a Agosto de 1975 foram realizados 28 programas.
101
A contemplação da Música pelo MFA é saudada por Mário Vieira de Carvalho, que
concebe o projecto da CODICE como um “plano de emergência” face ao “estado de
subdesenvolvimento cultural do País”199. Na sua perspectiva a Música poderia ajudar
numa tomada de consciência colectiva e, para tal, era forçoso que os diversos
organismos musicais, intérpretes e compositores se colocassem à disposição da
revolução. E foi em resposta ao apelo do MFA que José Afonso e Francisco Fanhais se
dirigiram à CODICE no sentido de colaborarem nas Campanhas, não tanto como
músicos, mas como “veículos de informação”:
199 Mário Vieira de Carvalho, 1974, “A Música na Sociedade Portuguesa”, Vida Mundial,
N.º1837, 28/11/1974, p. 54.
200 Nas Campanhas de Dinamização Cultural participaram muitas entidades tais como as
102
agenda da CODICE contemplava um projecto de formação musical. Este sector
coordenou a intervenção das bandas militares201 num trabalho de motivação junto
das camadas mais jovens da população no sentido de evitar o desaparecimento das
bandas locais. Carlos Paredes, um dos coordenadores deste sector, preparava um
“imaginoso programa para a aprendizagem e divulgação da Música” em contexto
rural (Correia et al, s/d – a:94), que consistia na organização, em livro, de um novo
método para a aprendizagem da guitarra, com as posições desenhadas e ainda com a
indicação para os coros (Navarro,1976).
O Circo foi uma presença assídua nas Campanhas de Dinamização, cuja coordenação
foi da responsabilidade de Faria Paulino, elemento da CODICE pela Forças Aérea, e
de Teresa Ricou. Para além da preparação e coordenação dos espectáculos, este sector
de intervenção da CODICE apoiou, já na sua fase final, a fundação de uma
cooperativa de artistas circenses202, que “visava a criação de condições sociais e
culturais […] de modo a dignificar a vida dos artistas de circo” (Livro Branco da 5ª
Divisão 1974-75, 1984:152), tendo ainda promovido a criação de uma Escola de Circo.
A actividade circense é olhada pela primeira vez a nível oficial através da CODICE
que lhe reconhece uma forte capacidade dinamizadora que recupera para o seu
Programa de Dinamização Cultural. A linguagem do Circo era um veículo privilegiado
para a mensagem política, uma vez que a mímica permitia uma aproximação directa
à população analfabeta do país.
103
Com a cumplicidade com as outras áreas, Cinema, Artes Plásticas, eu da minha
parte levei uma coisa um bocadinho ousada, uma coisa um bocadinho pós-moderna
na altura. Enfim, a história de uma mulher … Primeiro eu enquanto mulher
assumia-me como mulher palhaço. Isso era uma coisa já ousada. Depois, o meu
discurso no espectáculo, no diálogo, era fora do comum. Eu tinha uma cultura
urbana, vinha de Paris por isso apresentava uma coisa diferente. Como considerá-
la, se pós-moderna, se vanguardista, se urbana, não sei. […]. Eu fazia passar a
mensagem [política], porque o circo só como circo não passaria. O circo sempre
andou de terra em terra. Eram as lantejoulas, era o brilho, era a luz e tudo
continuava na mesma. Mentira! Isto não está com luz, não está com brilho, gente!
(Teresa Ricou, coordenadora dos sector do circo – CODICE)
Noticias, no Sempre Fixe, na Seara Nova e no Século Ilustrado, onde recolhe elementos relativos à
realidade sócio-económica do país, acompanhando algumas Campanhas de Dinamização.
Desta recolha resultou os livros de sua autoria Vida ou Morte no Distrito de Viseu, Gravar a
Aliança Povo-MFA (1976) e Perspectivas de Libertação no Nordeste Transmontano (1975).
206 CODICE, 1975, O fim de Duarte Pacheco em Vila Flor. (Arquivo Particular Ramiro Morgado).
104
Foram ainda publicados Textos de Apoio207 e Manuais de Medicina Preventiva208
para orientação das equipas de dinamização no terreno.
A CODICE procurou, ainda, constituir uma comissão para promover uma campanha
de alfabetização “que não se destinasse apenas a ensinar a ler mas sobretudo a
interpretar” (Correia et al, s/d-a: 93). Contudo, a falta de apoio estatal é invocada
para a não concretização desta dimensão da Dinamização Cultural.
207 Visando a uniformização da “linguagem política” foram publicados 19 textos com 4 linhas
temáticas principais: reprodução de textos considerados fulcrais para o processo de transição
como os discursos de Vasco Gonçalves, comunicados do COPCON e do Conselho da
Revolução, resultados das Assembleias do MFA e respectiva análise da situação politica
nacional. As eleições para a Assembleia Constituinte e a interpretação dos seus resultados em
termos regionais constituem outro núcleo temático. Assuntos como “O que é a Politica” (com
definições de democracia, socialismo e comunismo) e a lei dos Baldios foram igualmente
contemplados nestes Textos de Apoio. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Associação 25
de Abril. Caixa Forças Armadas – 5ª Divisão. Pasta EMGFA, 5ª Divisão, Comissão
Dinamizadora Central e Fundo Comunicados e Panfletos, Caixa Forças Armadas EMGFA – 5ª
Divisão, Pasta EMGFA, 5ª Divisão, Comissão Dinamizadora Central).
208 No que concerne à intervenção na área da Saúde foi editada no ano de 1975 uma colecção
intitulada “Textos de Esclarecimento Popular” que incluía uma brochura das Brigadas de
Dinamização para a Saúde sobre higiene alimentar e corporal (Arquivo Histórico do
Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319.2).
209 Nesta área a CODICE contou com a colaboração da Escola do Serviço Veterinário Militar.
210 As primeiras campanhas realizadas na Guarda, Castelo Branco e Minho beneficiaram,
lugar no final de Novembro de 1974. Para análise mais detalhada ver sub-capítulo 8.1. e
cronologia (anexo V).
105
portugueses na Europa numa tentativa de aproximar os emigrantes portugueses da
“revolução”, através de uma informação e esclarecimento de todo o processo.
212 Ao longo dos últimos 30 anos, a reforma agrária constitui um dossier fértil de pesquisa para
várias áreas disciplinares, do qual se destacam os trabalhos de Baptista (1978, 2001 e 2004);
Carvalho (1984); Barreto (1989; s/d); Barros (1981; 1986), Caldas (1978), Fernandes (1997a;
1997b; 2002; 2006).
213 Ver, por exemplo, artigo de Eugénio Castro Caldas intitulado “A sociologia rural deveria
condicionar as decisões para a acção no domínio agrícola”, Diário de Notícias, 1/10/1974, 7:8 e
de Afonso Praça publicado na Vida Mundial, 28/11/1974, 35:37 com o título “Estrutura
Agrária, A Reforma Tem Medo dos Latifúndios”. Sobre este assunto importa referir os
debates promovidos pelo Conselho Cultural da Especialidade de Engenharia Agronómica e
pelo Centro de Estudos de Economia Agrária da Fundação Calouste Gulbenkian sobre a
reforma da estrutura da sociedade rural portuguesa, nomeadamente sobre o projecto do
Decreto-lei de Arrendamento Rural durante o mês de Novembro de 1974. (Vida Mundial,
14/11/1974, 42:43; Sempre Fixe, 16/11/1974, p. 15). Sobre a política agrária no período
considerado ver ainda entrevista a Fernando Oliveira Baptista realizada por Freire e Rosas
(1998), Baptista (1978) e Freire (2002).
214 Ver Movimento Nºs 4 (12/11/1974, p. 3, 8), 5 (26/11/1974, pp. 3, 7), 7 (24/12/1974, pp. 8, 6),
8 (17/1/1975, pp. 3, 6), 9 (28/1/1975, pp. 4:5), 25 (14/8/1975, pp. 5:6) O boletim dá ainda a
conhecer experiências de outros países como é o caso da Argélia, com um artigo intitulado
“Argélia: o Triunfo da Revolução Agrária” (Movimento N.º 10, 11/2/1975, pp. 8, 6) e aborda a
questão agrária sobre o prisma do cooperativismo (Movimento Nº. 9, 28/1/1975, 4:5, N.º 14,
8/4/1975, p. 8 e N.º 15, 22 de Abril de 1975, p. 8).
106
além de coragem, o estudo profundo (que está por fazer) da realidade, em
ordem a um diagnóstico rigoroso que permita desencadear o processo de
uma verdadeira reforma agrária – todo um conjunto de elementos que até
ao momento ainda não apareceram à luz.
[…] O Governo Provisório inscreve no ponto 4 – Política Económica e
Financeira, que ao Governo Provisório compete a «dinamização da
agricultura e reforma gradual da estrutura agrária»
Chegou efectivamente o momento de olhar para a agricultura em Portugal
com vontade de começar a resolver alguns dos seus problemas215.
107
Na altura os instrumentos legislativos eram diários. Era um caudal vertiginoso.
Era um caudal de tratamento, mas a sua transplantação, a capacidade de aplicação,
a agilidade da estrutura não existia. E depois havia a estrutura legal, e como as
estruturas intermédias elas próprias não tinham sido modificadas e, por
conseguinte, tinham pouca capacidade para actuar neste sentido, nós actuávamos
aí. […] Por exemplo, saiu a primeira lei que defendia os rendeiros. O rendeiro era
uma figura jurídica que não existia, existia apenas no contrato pessoal, era um
ajuste pessoal e que a todo o momento, sem qualquer defesa, o dono da terra podia
suspender. E nós, tinha saído a lei há pouco tempo e nós fomos postos perante a
situação na chamada zona de Penha Garcia, uma área muito grande dois mil e tal
hectares pertence ao chamado Conde de Penha Garcia e na altura punham-se os
problemas sobre a legalidade dessa situação, onde umas dezenas de rendeiros
estavam a ser expulsos, como dantes. E nós fomos lá. É claro nós não podíamos
substituir o poder ou o governo instituído, porque havia um governo provisório,
mas rapidamente o nosso papel foi: sim senhor, há este problema então vamos ver.
[…] E então começámos a actuar não só em termos de falar com as pessoas
normalmente como se tem qualquer conversa, o mais informal possível ou resolver
problemas locais que às vezes eram complicados, mas bastava um colóquio ou já até
criar as condições para que determinadas figuras legislativas ou um novo quadro
legal fosse de facto respeitado. (Manuel Madeira, Aspirante; Engenheiro
Agrónomo; CODICE – Gabinete de Apoio Técnico - Departamento
Agricultura)
221Sobre as consequências da política de preços junto dos agricultores ver Carvalho (1984).
Neste estudo, Agostinho Carvalho procedeu à análise da evolução dos preços dos principais
factores de produção (adubos, rações para animais e gasóleo) e de seis produtos agrícolas com
grande relevância no Centro e Norte do país (vinho, leite, batata, carne de bovino, material
lenhoso e resina) nos anos de 1974 e 1975, concluindo: “A política de preços praticada entre
Maio de 1974 e Agosto de 1975 conduziu na quase totalidade dos produtos estudados, […], a
uma diminuição das receitas monetárias originadas nas explorações dos pequenos e médios
agricultores da região a Norte do Tejo, comparativamente às que tinham obtido em 1973.”.
(1984:198). O descontentamento dos agricultores face à quebra de rendimentos obtidos é
manifestado nas sessões de esclarecimento. Neste sentido, atente-se às preocupações de um
agricultor e às palavras de um elemento do MFA numa sessão realizada na Casa do Povo de
Macedo de Cavaleiros a 10 de Janeiro de 1975, no âmbito da Operação Nortada:
“– Um médio lavrador, deixe-me dizer-lhe que é que traz mais de metade do país em pé,
porque trabalha às vezes desde das quatro da manhã até à meia noite, sempre a labutar e não
108
no ano subsequente ao 25 de Abril de 1974 e a elaboração de um diploma legal sobre
o arrendamento rural, que viria a ser promulgado já com o IV Governo Provisório em
funções.
No dia 8 de Março de 1975, Ramiro Correia revela uma viragem na orientação que as
Campanhas de Dinamização Cultural tinham tomado até ali:
tem abono de família, nem qualquer protecção nenhuma. Ainda agora se debate o problema
da azeitona, que não tem muitas vezes onde meter o azeite, porque não tem, colhe pouco, e
não lhe vale a pena onde meter, e não há quem lhe compre a azeitona. […] portanto esse
médio lavrador aqui de Trás-os–Montes e da região de Bragança estamos ainda quase todos
com as batatas em casa, mandamos para o Porto cartas a dizer para as comprar e dizem que
as não querem por preço nenhum. De forma, há um grande problema que é a lavoura de
Trás-os-Montes, e aqui todos nós de Macedo de Cavaleiros nos estamos a debater. […]
- Na realidade, os seus problemas são os problemas da maioria do povo português, povo
agricultor. Não há dúvida nenhuma que há especulações, há tentativa de levar o médio
agricultor, o que trabalha a terra, aquele que realmente produz a ficar numa situação de
desvantagem. Posso-lhe dizer que o Boletim do Movimento, o jornal que sai de vez em
quando, por isso com uma sequência quinzenal […] refere medidas no combate à especulação
e à alta do custo de vida. Pergunta-me o senhor, naturalmente está a fazer uma nova
pergunta, então se o Governo no Boletim até já decretou medidas contra a inflação, contra a
alta do custo de vida, contra vamos lá … Então pergunta, porque não melhorou? Exactamente
porque o canal económico nacional neste momento, ainda é um canal económico capitalista, é
um canal económico que não está de maneira nenhuma orientado produtor-consumidor.”
(RDP - Arquivo Histórico, AHD 5251, faixa 5, 10/01/1975).
109
importante a desempenhar nesta segunda fase da campanhas de
esclarecimento, mas então dentro de uma óptica de maior definição política
no sentido de mobilizar os portugueses na construção da sociedade que
todos nós queremos222.
11 de Março: “Eu queria acentuar, desde já, de que não se tratou de um golpe militar
representativo ou sintomático de divisões profundas que existam no seio das Forças Armadas
e em que, portanto, um grupo muito significativo de elementos das Forças Armadas se
opusesse aos Movimento das Forças Armadas e ao programa em curso.
O golpe foi desencadeado por um grupo minoritário perfeitamente localizado. […]
O povo português mais uma vez sobe dar uma lição de civismo de que nos orgulhamos.
Portanto, sob um duplo aspecto da vigilância e do civismo, o povo contribui, decisivamente,
para que o dia 11 de Março fosse um dia de vitória para o MFA. E foi uma derrota para todas
as tentativas contra-revolucionárias.” (Diário de Notícias, 13/3/1975, p. 8). Sobre este assunto
ver Reis (1994: 11-12; 1992:38-40).
225 Segundo o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, a derrota “da ala conservadora/spinolista, a
110
Correia et al (s/d-b) sublinha que o MFA a partir do 11 de Março “define-se
ideologicamente […], como movimento militar não partidário aliado das classes
trabalhadoras na construção do socialismo” (s/d-b:134).
Na mesma obra é, ainda, defendido que este novo modelo “seria a via mais correcta
para uma ligação Povo-MFA” e que proporcionaria “o surgimento dos embriões da
organização popular” (Correia et al s/d-a: 59) através da criação das Comissões de
Aldeia, de Bairro e de Moradores227.
226 Neste sentido Correia Jesuíno afirma: “Foi decidido intensificar a acção cívica das Forças
Armadas. Este ponto relaciona-se com as nossas Campanhas de Dinamização Cultural, tendo
chegado à conclusão de que estão, realmente a resultar muito benéficas. Estão a resultar numa
acção muito positiva de esclarecimento das populações e devem, inclusivamente, ser
alargadas no sentido de uma acção cívica, portanto, de uma ajuda real às populações” (Diário
de Notícias, 13/3/1975, p. 8).
227 A constituição destas comissões será enquadrada, como se verá, pelo Documento-Guia Povo-
MFA aprovado em Julho de 1975 na Assembleia do MFA (AMFA) que procurava estabelecer
formas de democracia directa, instaurando um projecto de poder popular.
111
Esta “mudança de rumo”228 (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984: 109) é
formalizada dias mais tarde num outro acto público, agora promovido pela CODICE,
onde paralelamente se anuncia a campanha “Beira Alta”229, a primeira a testar o novo
modelo de actuação. As palavras de Ramiro Correia, agora membro do Conselho da
Revolução, alicerçam-se no desvelar de um país até então desconhecido:
228 Diferentes jornais nacionais dão conta desta nova proposta da CODICE. O Diário de
Notícias, que chama este assunto para primeira página, coloca a tónica na reconstrução
nacional e no desejo do MFA em construir “um regime em plena liberdade” (18/3/1975, p. 1).
Já no Diário Popular o destaque vai para a disponibilização dos meios das Forças Armadas à
“sociedade portuguesa” (17/3/1975, p. 20).
229 Sobre esta acção ver capítulo seguinte.
230 Diário Popular, 17/3/1975, p. 20.
231 O anúncio do reforço da “Acção Cívica” nesta data prende-se com a preparação e
112
intervenção, medidas corporificadas numa nova estrutura denominada “Acção
Cívica”, enquadrada ideologicamente pela antítese Socialismo/Capitalismo:
113
actividade. Procurava-se, desta forma, uma autonomia de acção através da criação de
uma estrutura intermédia que encaminharia as situações detectadas nas diferentes
localidades do país para os ministérios respectivos. A grande tónica é agora colocada,
como se verá, na colaboração e articulação com alguns organismos do Estado.
234“Resumo das Actividades Concretizadas no Sector de Apoio Técnico”, cit in Correia et al,
(s/d-a:245).
114
introdução do sistema de segurança social, informação e esclarecimento dos
agricultores e apoio à organização de associações que os representassem235. No
âmbito da Reforma Agrária assinalou-se, ainda, a indispensabilidade da construção
de infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento das zonas rurais (Correia et al,
s/d-a: 168-169). Na óptica de Manuel Carlos Silva e Marga von Toor, estas medidas
eram objectivamente favoráveis aos camponeses que “fazendo pouco ou nulo uso
destas possibilidades legais, acabariam praticamente por não extrair daí qualquer
benefício.” (1988: 52).
235 No Movimento Nº. 25 (14/8/1975, pp. 5-6) é publicado um artigo intitulado “A Agricultura
no Norte do País” onde estas medidas são apresentadas. Para análise detalhada ver Baptista
(2001: 197-207).
236 Para análise detalhada ver próximo capítulo.
237 Sobre esta acção ver capítulo seguinte.
115
No Norte e no Centro são campanhas de grandes dimensões, envolvendo
centenas de pessoas durante vários dias. Nas regiões rurais do Sul e no
Alentejo, onde os partidos de esquerda e os sindicatos são bem mais fortes,
as campanhas são mais modestas: dispensam os blindados, não têm o
mesmo cenário guerreiro que tinham no norte e traduzem-se geralmente
em «sessões de esclarecimento» efectuadas conjuntamente com civis. […]
A convicção de que os camponeses do Norte e do Centro não se sentiam
muito atraídos pelas ideias revolucionárias foi também um encorajamento
para os militares. Os seus aliados de esquerda rejubilaram: uma
aproximação política directa, nessas regiões, teria sido talvez mais difícil.
No Sul, o caso era bem diferente e o MFA esteve politicamente menos
presente, isto é, menos activo em «campanhas de dinamização» (s/d: 275 e
278).
238 Em algumas fontes consultadas (Correia et al, s/d-a), o Gabinete de Pescas encontra-se
associado ao de Agricultura, não sendo considerado um gabinete autónomo.
239 Dentro desta área foi, ainda, desenvolvido o “projecto da rede nacional de frio” que visava,
segundo Manuel Begonha, a criação de “armazéns frigoríficos no litoral, onde se iam guardar
as coisas trazidas do litorsl, e no interior o peixe era distribuído e o mesmo relativamente aos
Açores” (Entrevista gravada 2000).
240 Movimento N.º 18, 20/5/1975, p. 4. Em Abril de 1975 surge o Dec.-lei 203-C/75 (Morais &
Violante, 1986) que aprova as bases gerais dos programas de medidas económicas de
emergência no qual se inclui não só o Programa Nacional de Emprego, mas também o
Programa de preços de bens alimentares essenciais, o Programa de Reforma Agrária, o
Programa de controlo dos sectores básicos industriais e o Programa de Transportes e
Comunicações”.
Num comunicado à imprensa da Comissão Executiva Permanente do Programa Nacional de
Emprego, onde são apresentados um conjunto de empreendimentos que visam a criação de
34000 postos de trabalho, é nítida a critica à burocracia e “inércia” do aparelho de Estado no
sentido da concretização destes projectos (Comissão Executiva Permanente-Programa
Nacional de Emprego, s/d [1975}, Comunicado à Imprensa, p. 4, Arquivo particular de Manuel
116
No âmbito da “Acção Cívica” foram sendo realizadas algumas acções na área da
Engenharia e da Saúde, destacando-se, ainda, o início da colaboração da CODICE
com a Direcção-Geral dos Desportos241:
Note-se que a actividade das áreas da Engenharia e Saúde foram marcantes para as
populações que delas beneficiaram, sendo enfatizada no seu discurso actual sobre a
Dinamização Cultural. No campo da Engenharia foram construídas acessibilidades
Madeira). É neste contexto que surge a parceria com a CODICE, através do Departamento de
Economia, procurando agilizar as Comissões Regionais de Emprego.
241 A colaboração da Direcção-Geral dos Desportos será notória na campanha “Maio-
117
(estradas, caminhos, pontes), recintos desportivos, tendo-se promovido o saneamento
básico e a electrificação de algumas localidades. Segundo Correia et al (s/d-a:245), os
distritos onde estas acções foram mais manifestas foram Bragança, Viseu, Castelo
Branco, Guarda, Lisboa, Setúbal e Faro.
Foto 1 | Covelo de Paiva, 1975. Anotações de Cruz Fernandes no âmbito do projecto de electrificação do concelho de
Castro Daire (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes).
244Sobre as políticas de Saúde em Portugal durante o período em análise ver Carapinheiro &
Pinto (1987).
118
(s/d-a), onde se procede, também, a uma breve análise de alguns aspectos do sistema
de saúde em Portugal:
245“Estado Maior General das Forças Armadas, 5ª Divisão, Dinamização Cultural – Acção
Cívica, Sector da Saúde” cit in Correia et al (s/d-a:235). Neste sentido foram consideradas
urgentes as seguintes medidas: “1.º – Adopção de medidas revolucionárias, que garantam o
direito a todos os portugueses, a assistência médica e medicamentosa e a segurança social. 2.º
– Adopção de um critério de contribuição para o funcionamento da saúde, que faça pagar aos
que estão em condições de o fazer. 3.º – Criação das Administrações Distritais de Saúde, de
acordo com a legislação recentemente emitida, às quais competirá a requisição de técnicos de
saúde (médicos, enfermeiros, etc.) e os meios materiais, ao Poder Central (Secretaria de
Estado da Saúde). 4.º – Dar capacidade à Secretaria de Estado da Saúde para recorrer à
mobilização civil de trabalhadores da saúde, com vista a satisfazer os pedidos das
Administrações distritais. 5.º – Nacionalização dos hospitais das Misericórdias como mediada
indispensável à integração dos Serviços de Saúde a nível concelhio. 6.º- Nacionalização da
Indústria Farmacêutica.” (“Estado-Maior-General das Forças Armadas, 5ª Divisão,
Dinamização Cultural - Acção Cívica, Sector da Saúde” cit in Correia et al, s/d-a: 235-236).
119
Assim, a CODICE, potenciando a sua estrutura organizativa, procurou fortalecer a
intervenção neste domínio, tendo as equipas de médicos e enfermeiros246 levado a
cabo campanhas de medicina preventiva e curativa, dotando alguns hospitais de
meios técnicos e humanos, destacando-se o trabalho realizado em Sernancelhe,
Penedono e São Pedro do Sul no âmbito campanha realizada no distrito de Viseu247.
246 Aquando da adopção do modelo socialista para a revolução, estas equipas foram
denominadas de “Brigadas de Educação para a Saúde”.
247 Sobre estas acções ver capítulo 8 desta dissertação.
248 Sobre o Serviço Médico à Periferia ver capítulo 4.
249 Ao longo do texto “Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos” estas estruturas ora são
120
Dinamização Cultural competia um trabalho de articulação com os diferentes
ministérios, organismos de Estado e associações culturais visando apoiar “as
iniciativas que levem à desejada Revolução Cultural”250. O objectivo da
descentralização é, assim, sustentado numa óptica da indispensabilidade de
revitalização cultural do povo. Toda esta actividade, que se pretendia assídua das
equipas de dinamização no terreno, necessitava de um reforço dos meios técnicos e
humanos, o que conduziu à criação do Gabinete de Organização de Campanhas,
responsável pela sua organização e montagem.
121
Todavia, esta nova estrutura, que inaugura a Acção Cívica, só é oficializada no dia 15
de Julho de 1975 pela 2ª directiva da CODICE, agora actualizada e enquadrada por
dois documentos fulcrais que marcam o processo de transição português254: o Plano de
Acção Política do MFA, aprovado em plenário do Conselho da Revolução a 20 de
Junho de 1975, e o Documento Guia da Aliança Povo-MFA, aprovado na Assembleia do
MFA a 8 Julho de 1975255.
254 Na directiva N.º 2/75 considera-se que os anteriores documentos emanados da CODICE se
mantêm validos no essencial, “devendo os novos pontos que se apresentam ser interpretados
como complementares e actualizadores” (Correia et al, s/d-a: 84).
255 Para análise destes dois documentos ver Rezola (2003:522-561) onde a autora dá conta da
ambiguidade destes documentos e da reacção por parte das diferentes forças politicas aos
mesmos.
256 Movimento N.º 23, 11/7/1975, p. 4. O PAP procurou ser um documento conciliador,
reflectindo o esforço das diferentes correntes do MFA para encontrar uma plataforma de
acordo entre si que agregasse as forças políticas que lhes eram afectas. Segundo Carrilho, este
documento denota um ”esforço de redacção destinado a cerzir vários fragmentos dificilmente
combináveis num único tecido discursivo. Ao mesmo tempo que garantia o respeito pelo
pluralismo político, incluindo a existência de partidos que não defendessem a área socialista,
e afirmava a opção ocidental, com a permanência da NATO, fazia concessões óbvias à
esquerda revolucionária. Por exemplo, a referência aos actos eleitorais era ambígua, “não se
admitindo que venham a constituir um obstáculo” ao processo revolucionário. Logo a seguir
falava-se nas “organizações populares” que “constituirão o embrião de um sistema
experimental de democracia directa” (1994:62).
122
popular, auscultada sob várias formas,
incluindo a via eleitoral”. A aliança Povo-MFA
é agora reforçada esclarecendo-se que:
Contudo, como é referido em Correia et al (s/d-b: 179) “o PAP nada resolveu”, sendo
ultrapassado por um outro documento, o Documento Guia da Aliança Povo-MFA,
aprovado pela aliança entre gonçalvistas e copconistas com a oposição dos
moderados. Este documento, informalmente designado como “Documento do
COPCON” (Carrilho, 1994:63), define a estrutura que irá nortear a “Aliança Povo-
MFA” apresentando três linhas fundamentais - “a do MFA, a Popular e a
Governamental”259 - institucionalizando os órgãos de “poder popular” ancorados em
organismos de base como as comissões de moradores, as comissões de trabalhadores,
os conselhos de aldeia, as cooperativas, as Ligas de Pequenos e Médios Agricultores,
as Colectividades e outras associações:
123
[…] 2.1.2. As comissões de Moradores, Comissões de Trabalhadores e
outras organizações de base popular formarão Assembleias Populares
Locais, de Freguesia ou por outra área a definir.
2.1.3. Destas Assembleias Locais se formam as Assembleias Municipais e
assim sucessivamente até à Assembleia Popular Nacional260.
260 “Documento Guia da Aliança Povo-MFA” publicado no Movimento N.º 24, 25/7/1975, p. 5.
261 No período que ficou conhecido como Verão Quente as divisões entre os militares do MFA
vão-se agudizando. Um grupo de oficiais publica o Documento dos Nove que acabará por
“constituir uma plataforma comum para todos os que, insatisfeitos com a crescente
hegemonia do PCP e do gonçalvismo, preconizavam uma alteração no rumo tomado pelo
processo revolucionário” (Rezola, 2002:59).
262 Para este militar “O Documento Guia do Projecto de Aliança Povo-MFA, constitui hoje, e
124
3. Apoio e divulgação das directivas, reformas ou projectos, dos
organismos do Estado, que numa perspectiva de interesse nacional,
tenham reflexos no desenvolvimento regional.
4. Colaboração com os representantes dos vários organismos de Estado, de
modo a que junto às Comissões Dinamizadoras se constituam pólos de
uma estrutura regional com progressiva autonomia.
B. EXECUÇÃO
1. Deve entender-se a Dinamização Cultural como um projecto de criação
de uma rede cultural que, em cada localidade, constitua um pólo de
desenvolvimento e apoio à criatividade popular. Deverá, na medida do
possível, ser dado auxílio técnico apenas para orientar o desenvolvimento
de qualquer tipo de associação cultural. […]
3. O apoio e dinamização das associações populares unitárias deverá ser
feito de acordo com o que se indica abaixo, frisando-se contudo que será
necessário não impor esquemas, mas actuar com a elasticidade suficiente
para não colidir com a iniciativa popular.
a. Fomentar e dinamizar todo o tipo de associação popular que permita a
construção do socialismo e compreensão colectiva do processo
revolucionário tais como comissões de moradores, de bairro, de aldeia, ou
trabalhadores.
b. Incrementar a reunião de Assembleias populares, que interessem os
habitantes na resolução dos problemas locais, discussão da formação de
sindicatos e Ligas de pequenos e médios agricultores.
c. Fomentar iniciativas para melhor integração de sectores específicos
como: sectores de ensino, agricultores, pequenos comerciantes,
funcionalismo público, jovens e mulheres
d. A ligação ao Movimento das Forças Armadas das organizações
populares unitárias deverá ser feita de acordo com o projecto aprovado em
Assembleia do Movimento das Forças Armadas
4. Considerando a necessidade de criar a nível regional, comissões que
dentro do programa de descentralização político-administrativa, integrem
representantes dos vários organismos de Estado, deverão estes, sempre
que possível, trabalhar coordenados com as Comissões (sub-comissões)
Dinamizadoras.
5. Os relatórios efectuados pelas equipas de Dinamização Cultural, deverão
referir dentro de cada região, quais as necessidades da população, que
poderão eventualmente vir a se transformados num projecto de
125
investimento, que garanta postos de trabalho a título permanente[…]
(Correia et al, s/d-a: 84-85).
264 A politização dos quartéis foi um dos objectivos principais definidos pela instituição
terá revelado positiva. Apesar do seu empenho é defendido que “o pessoal enviado à Maio-
Nordeste, nem sempre deixou de criar problemas pela sua identificação partidária” (s/d-a:68-
69).
126
Organigrama 2 | Comissão Dinamizadora Central. «Anexo A» à Directiva 2/75. (Correia et al s/d-a: 87)
Organigrama 3 | Comissão Dinamizadora Central. «Anexo A» à Directiva 2/75. (Correia et al s/d-a: 88)
127
da criação dos conselhos de aldeia266, considerados os “órgãos do poder popular no
campo”:
266 Em alguns documentos esta estrutura surge referenciada como “comissão de aldeia”.
267 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7. Com base na experiência da campanha “Maio-
Nordeste” e da campanha da Academia Militar que decorria no distrito da Guarda são
publicados, no Movimento, os estatutos dos Conselhos de Aldeia (Definição, Funções, Eleição e
Composição):
“I – Definição
A comissão de aldeia é um órgão revolucionário a nível local, eleito em eleição directa por
todos os maiores de 18 anos da aldeia e empossada pelo MFA.
É também o corpo político da aldeia com o poder de representar o povo junto da freguesia e
demais órgãos administrativos
II – Funções
1 – Divulgar, defender e basear-se no programa e outros documentos aprovados pelo MFA.
2 – Representar o povo junto à freguesia, às câmaras, autarquias e demais órgãos
administrativos.
3 – Decidir a nível local sobre a exploração das terras, águas, serviços públicos (saúde,
saneamento, educação, caminhos e transportes, electricidade, comercialização de produtos,
criação de cooperativas, ajuda aos pobres, aproveitamento de bens móveis e imóveis).
4 – Fiscalizar a realização de obras e a aplicação dos dinheiros públicos.
5 – Fiscalizar os preços cobrados por médicos, veterinários, transportes, comércio e senhorios.
III – Eleição e Composição
1 – As comissões de aldeia são eleitas e empossadas na presença do MFA durante as
Campanhas de Dinamização actualmente em curso […]
3 – Os membros são exonerados a qualquer momento, por maioria simples desde que deixem
de cumprir o Programa do MFA e as funções administrativas acima indicadas.
4 – O exercício começa a partir do momento da sua posse pelos elementos do MFA.
Paragrafo único. Os indivíduos (homens ou mulheres) que forem eleitos para as comissões de
aldeia, não podem concorrer às Juntas de Freguesia. ”( Movimento N.º25, 14/8/1975, p. 7). Em
Correia et al é referenciada a criação de vinte e duas Comissões de Aldeia nos concelhos de
Sernancelhe e Penedono e sete no concelho de São Pedro do Sul no âmbito da “Operação
Beira Alta” que decorreu no distrito de Viseu (s/d –a:110 e 114). Ainda no âmbito desta
campanha o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 refere a eleição de 75 comissões de aldeia no
concelho de Castro Daire (1984:126). Já no quadro da campanha “Maio-Nordeste” alude-se à
“criação de algumas dezenas de comissões populares” (s/d–a:165). Ainda nesta obra são
saudadas outras a “iniciativas populares” não promovidas pela CODICE, como é o caso de
um conjunto de obras realizadas no distrito de Aveiro (s/d-a: 97-100). Sobre as comissões de
aldeia ver ainda levantamento efectuado por Navarro (1976).
128
CODICE. Tal é o caso da suspensão da 5ª Divisão/EMGFA268, decidida pelo
Conselho da Revolução a 25 de Agosto de 1975, justificada pela necessidade de
reestruturação (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:85).
da medida que visa extinguir a 5ª Divisão; - Que o problema seja discutido ao nível das
assembleias das unidades militares, comissões de trabalhadores, de aldeia e de moradores; -
Que desta discussão surjam modificações ou um novo plano de dinamização; - Que
entretanto as campanhas já existentes continuem e sejam apoiadas pelo governo e unidades
militares; - Que para este debate ao nível de unidades seja proveitoso, que a 5ª Divisão
apresente um documento que demonstre a validade da dinamização e os que tentaram
extingui-la apresentem um documento com as suas críticas e alternativas” (Comunicado das
Equipas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do Distrito de Viseu, 29/8/1975, p. 2. Arquivo
Particular de Manuel Cruz Fernandes).
129
A CODICE continuou em funções, apesar de considerar limitado o seu campo de
acção, tendo sido nomeada uma comissão para a reestruturação da 5ª
Divisão/EMGFA, na qual esta se iria integrar. Meses mais tarde, num documento
emanado da “5ª Divisão (em reestruturação)”, são oficializadas as novas orientações
deste órgão, importando destacar o seu esvaziamento político e ainda facto da
coordenação das acções ser deslocada para as unidades e regiões militares
correspondentes a cada zona de intervenção271:
271 Com o objectivo de melhorar a actividade das unidades territoriais no campo do agora
designado “apoio socio-económico às populações”, que corresponde a uma reformulação da
Dinamização Cultural e Acção Cívica, o na época Comandante da Região Militar Norte,
brigadeiro Pires Veloso, assina um documento onde define as suas competências: “1. A
eficiente execução de campanhas de apoio socio-económico determinadas superiormente; 2. A
realização, por iniciativa própria e em ligação com o escalão superior, de outras campanhas
de apoio socio-económico, julgadas oportunas numa perspectiva local; 3. O estreitamento de
relações adequadas com as populações e as autoridades civis;
2. Princípios de Actuação: […]
a. Respeitar a vontade das populações;
b. Coordenação, para efeitos de planeamento e de execução, com as Autoridades Civis e com
os autênticos representantes das populações, desde que já estejam eleitos.
c. Criar, desenvolver e manter um rentável clima de aceitação dos militares por parte das
populações e granjear a sua confiança;
d. Nunca prometer nada às populações sem ter a certeza absoluta de poder cumprir
integralmente;
e. Agir sempre com a maior correcção, isenção e tão elevado quanto possível grua de
eficiência;
f. Levar as populações a colaborar voluntariamente e entusiasticamente nos empreendimentos
a realizar;
g. No âmbito militar os comandantes das Unidades Territoriais serão sempre os responsáveis
pelo planeamento e condução das campanhas de apoio socio-económico decorrentes nas áreas
da sua jurisdição, mesmo quando operam forças militares estranhas à sua Unidade.
h. Para actuação, em cada região, deverão ser preferencialmente seleccionados elementos
delas naturais.“ Pires Veloso refere ainda a constituição “desejável”de cada equipa: “1 regente
agrícola, 1 agente técnico de engenharia, 1 enfermeiro, 1 professor primário e 1 agente de
relações públicas […]”. Instruções Provisórias para as Actividades de Apoio Socio-Económico às
Populações, 24/11/1975, p. 1 e 2 (Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes). Importa
sublinhar a crítica velada às Campanhas de Dinamização e Acção Cívica do MFA presentes
neste documento.
Também Manuel Cruz Fernandes, militar responsável pela campanha realizada em Castro
Daire, distrito de Viseu, viria a elaborar um trabalho que procurou ser um contributo para a
estruturação da Acção Cívica com base na experiência neste concelho (Documento s/ título,
s/d [1976], Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes).
130
competem aos órgãos de soberania previstos na plataforma MFA-Partidos
e a estabelecer na Constituição Política. […]
7. Conceito de Acção Cívica das Forças Armadas
a) Centrar a Acção Cívica na realização de tarefas de apoio aos organismos
civis locais (administrativos e órgãos populares de base);
b) Actuação descentralizada das Unidades e Regiões Militares na
respectiva Zona de Acção, e sem prejuízo da respectiva operacionalidade;
[…]
d) Realização de actividades de apoio geral em áreas específicas, pelo
aproveitamento de meios próprios das Forças Armadas272.
Como chefe na altura da CODICE, também dei uma conferência de imprensa onde
decidi, na conferência de imprensa, que é uma coisa extraordinária em termos
militares, que já não queria depender mais hierarquicamente do General Costa
Gomes, que era na altura o meu chefe directo, e que queria passar para as ordens
do Otelo. Fui chamado pelo General Costa Gomes, que me disse que me dava dez
dias de prisão, apresentei-me no dia 24 de Novembro para cumprir os dez dias de
prisão, mas na Marinha mandaram-me embora dizendo - Vá-se embora e tal, que
isto está um bocado complicado, depois logo se vê. (Manuel Begonha)
272 Nota N.º 13/RAC/DE, assinada pelo adjunto do CEMGFA, Brig. Pil, Av. Francisco Dias da
Costa Gomes, s/d [13/1/1976], p. 1 e 3 (Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes).
273 Na conferência de imprensa estiveram também presentes os capitães José Loureiro e Faria
131
A Comissão Dinamizadora Central considera que tem havido por parte da
generalidade dos responsáveis pelos organismos militares, falta de
iniciativa e de responsabilidade revolucionária para porem
inequivocamente ao serviço da Revolução os poderes e meios de que
dispõem, não assumindo compromissos afirmados, perante o povo
português o que se pode considerar de negligência grave, porquanto:
Tem-se verificado uma tentativa constante de asfixia económica e
administrativa da CODICE, materializada na morosidade ou negação de
despachos de acordo com as propostas de trabalho, que tornam irrealizável
o projecto que se anexa e na ignorância sistemática ao bloqueio imposto
pelas entidades responsáveis pela atribuição de meios materiais e
humanos, evitando a extinção directa da CODICE por razões politicamente
evidentes e, para além das conotações partidárias constantemente
atribuídas aos elementos que a integram, tem-se tentado retirar-lhe
autonomia, quer pela subordinação a uma 5ª Divisão reestruturada em
moldes alheios ao espírito dos seus componentes, quer pela regionalização
das actividades compreendidas no quadro da dinamização, submetendo-as
ao controlo de Unidades de quadrícula ou Regiões Militares politicamente
afastadas da linha revolucionária que se julga correcta […] (Correia et al,
s/d-a:133-134).
132
revolucionariamente a acções que visem inequivocamente, a construção da
sociedade socialista (Correia et al, s/d-a:134-135).
275 Sobre esta campanha o capitão-tenente Manuel Begonha declarou: “Vamos para o Alentejo
e não vamos receber aplausos. Estivemos em zonas ditas difíceis. Não começámos pelo mais
fácil…” (Diário de Notícias, 24/11/1975, p. 2).
276 Ver nota n.º 202.
277 Segundo entrevista realizada a Manuel Begonha (2000), esta proposta já deveria estar a ser
preparada, pelo menos, desde Agosto de 1975. Em Correia et al onde este documento é
reproduzido, na parte dedicada à “Ocupação Politico-Militar Imediata do Distrito da Guarda”
é referido o saneamento das cooperativas apontando-se um período ideal para a execução
desta medida: entre 14/7/1975 e 16/10/1975 (s/d-a:232). Desta forma, conclui-se que este
documento é pelo menos anterior a 14/7/1975.
133
2.º) A defesa da Revolução exige uma forte cobertura e estanquecidade das
fronteiras. […] Sugere-se a criação de um corpo de defesa das fronteiras,
constituído por elementos com espírito revolucionário, homens ou
mulheres que seriam militarizados.
Nas múltiplas funções em que se encontram empenhados os militares das
Comissões de Dinamização espalhados por todo o país, torna-se necessário
reforçar a autoridade militar de modo a permitir que se defendam os
interesses das classes trabalhadoras, contra as agressões do capital, agindo
frequentemente com total impunidade e arrogância.
Será necessário força revolucionária para dirigir correctamente a luta
contra todas as formas de caciquismo e manipulação.
3.º) Um poder político revolucionário terá de assumir a responsabilidade
de descentralizar os meios técnicos, isto é, deverá enviar para todo o país
elementos que nos vários sectores apoiem as iniciativas locais ou criem
pólos de desenvolvimento económico, social, político e cultural. Este poder
político para as exercer necessita que se defina uma política do MFA, clara,
objectiva e sem ambiguidades.
B. Execução
1.º) Considera-se fundamental tornar operativas e reais as estruturas de
ligação POVO-MFA. Para tal as organizações unitárias de base, como as
comissões de moradores, comissões de trabalhadores e comissões de
aldeia, deverão ser dotadas de meios técnicos e financeiros que as
prestigiem e as tornem eficazes aos olhos da população.
As Unidades Militares através da Acção Cívica poderão vir a ser elemento
decisivo nesta fase da Revolução se convenientemente apetrechadas. […]
2.º Considera-se fundamental uma política de descentralização que permita
a zonas menos favorecidas do país um maior desenvolvimento. […]
3.º Considera-se muito importante a formação de quadros políticos quer
militares, quer civis. […]
4.º A emigração necessita de ser conquistada para a Revolução […] (Correia
et al, s/d-a: 136-138).
Tal como os documentos anteriores, a Proposta de Acção Político – Militar procura ser
legitimada pelas “experiências recolhidas, quer através de relatórios das várias
Comissões Dinamizadoras actuando por todo o País, quer através do contacto directo
em numerosos tipos de acção, ou ainda resultantes de troca de informações nas
Assembleias de Delegados das Comissões de Dinamização” (Correia et al, s/d-a:135).
134
Mais uma vez a CODICE surgia como intérprete de um país que afirmava conhecer,
propondo uma “acção cívica, centrada nas unidades militares e difundindo através
das organizações unitárias de base” (Correia et al, s/d-a:135). Contudo, se os outros
documentos procuravam espelhar o equilíbrio instável entre as várias facções do
MFA, os partidos políticos e os movimentos sociais, já este extrema as formas de
acção, propondo, inclusive, uma “ocupação político-militar” do distrito da Guarda que,
posteriormente, se estenderia aos distritos de Viseu e Bragança (Correia et al, s/d-
a:229-230). A escolha destes distritos é justificada por terem sido os últimos a serem
percorridos pelas campanhas, defendendo-se que as experiências da Academia
Militar no distrito da Guarda e da campanha “Maio Nordeste” teriam ensinado “que
é urgente não abandonar esses distritos mas, pelo contrário, mobilizar para eles meios
militares e civis com suficiente capacidade para, sem demoras, porque estamos nas
vésperas das colheitas e da necessidade de escoamento dos produtos colhidos278,
ganhar o campesinato pobre desses distritos para a revolução e neutralizar com essa
arma os caciques (inimigos da revolução) que através do descontentamento
instrumentalizam os camponeses” (Correia et al, s/d-a:229).
A Proposta de Acção Político – Militar é relembrada pelo seu autor, Manuel Begonha,
na época responsável máximo da CODICE:
[…] Já estava definido que não haviam mais campanhas dentro do que estávamos a
fazer. Ia-se aproveitar os gabinetes de dinamização, para no terreno se poder, pelo
facto dos militares ocuparem o território todo em rede, ir aos vários locais. E iam as
necessidades todas em relatório e esses relatórios existiam todos à data da extinção
da 5ª Divisão. Eram relatórios dos gabinetes de dinamização para dizer: nesta terra
falta não sei o quê, então nós queríamos mobilizar os meios, depois entretanto
meteu-se o [Carlos] Fabião que eu fui falar com ele e já não nos deu os meios
militares, da engenharia militar foram coarctados (Manuel Begonha)
135
Dinamização Cultural e em cargos de chefia “foram presos, licenciados ou enviados à
situação militar de onde haviam sido requisitados” (Correia et al, s/d-a: 141). A
Proposta de Acção Político – Militar não se efectiva, permanecendo, contudo, no terreno
as equipas que trabalhavam nos concelhos de Castro Daire e Sernancelhe.
279Da Comissão Liquidatária da CODICE fez parte Rodrigo de Freitas, responsável pelo seu
relatório final datado de datado de 31 de Janeiro de 1977 (Arquivo Histórico do Ministério da
Defesa Nacional (em organização); caixa 6318.)
Foi colocado no EMGFA por ser o elemento civil mais antigo e por os militares afectos a esta
estrutura se encontrarem numa situação profissional incerta.
Rodrigo de Freitas refere que a dificuldade deste trabalho, no qual esteve empenhado durante
um ano, residiu na falta de exigência de formalidades por parte da CODICE no que concerne
à atribuição de verbas para as diferentes actividades: “se chegava uma equipa de médicos que
estava a tratar a brucelose na região de Viseu. Vinham cá baixo fazer um ponto da situação,
buscar material, vacinas, etc. Precisavam de dinheiro e as contas que apresentavam eram em
papelitos, ou feitos por eles ou por pessoas que mal sabiam ler nas tasquinhas onde comiam.
Arranjavam-se os 10 contos os 20 contos e eles lá iam….E justificar isto? De facto o tempo era
um factor essencial. O tempo era o inimigo a vencer. Tínhamos que ganhar tempo? E para o
ganhar não podíamos estar à espera destes formalismos”. (Entrevista gravada, 2000).
136
importante dos partidos, já não cabia muito aos militares, esse espaço estava-se a
reduzir naturalmente. Portanto, eu penso realmente que teriam mais seis meses e
não haveria muita hipótese de continuar, a menos que o país inflectisse, outra vez,
para uma área mais revolucionária, com um contra-golpe qualquer, mas era
realmente muito difícil. (Manuel Begonha)
137
Assim, o primeiro momento da CODICE é orientado por dois documentos principais,
o Programa de Dinamização Cultural e o texto Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos,
que fundam modelos de actuação distintos: o itinerante e o modelo da longa
permanência.
282Em jeito de balanço a relação com os diferentes organismos de Estado é alvo de crítica em
Correia et al: “Ao nível governamental e apesar dos esforços em vários campos e da
transmissão da experiência adquirida por elementos que trabalhavam directamente com a
população, fornecendo actualizada a temperatura política do país, as concretizações eram
poucas. Recordem-se os elementos fornecidos teriam possibilitado uma intervenção estatal
oportuna e correcta nos sectores agrícola, pescas, meios energéticos e minas, habitação, saúde,
turismo, construção escolar, desporto, construção civil, cultural, económico e mesmo de
carácter militar, que talvez num futuro venham a ser utilizados.” (s/d-a:70).
138
uma duplicação de tarefas”283, a CODICE reestrutura-se instituindo novas áreas de
intervenção no sentido de agilizar a “pesada máquina do Estado” e, desta forma,
fornecer uma resposta urgente às solicitações da sociedade civil, incorporando na sua
organização os seus problemas principais. As Campanhas de Dinamização Cultural e
Acção Cívica foram-se transformando em referente administrativo ao qual acorriam
as populações mobilizadas. À CODICE chegavam inúmeros pedidos, queixas, sendo
esta pressionada pelos “de baixo” a assumir uma posição mais pragmática face a um
Estado paralisado. Por outro lado, como refere Palácios (2003:59), o facto de o sector
politizado dos capitães do MFA resistir a “ceder a sua revolução” a outras instâncias
institucionais, contribui para perpetuação da crise de Estado, apoiando-se na
mobilização popular como referente de legitimidade.
O país estava fechado. E estava tão fechado que os próprios poderes que vinham do
antecedente tinham recuado, digamos, deixado de actuar. Quando digo poderes,
digo juízes, Procurador da República, as guardas, as polícias. E quando havia
qualquer coisa, o MFA que fizesse. Éramos responsáveis por um Estado e sozinhos,
na corda bamba, porque uma pessoa não sabe tudo. Há coisas que eu fiz, de juiz, de
polícia, como representante do Estado, do Ministério Público que se não tivessem
sido bem feitas eu respondia sozinho por elas. (Manuel Cruz Fernandes.
Capitão-Engenheiro de Transmissões; responsável pela campanha
realizada no concelho de Castro Daire e Vila Nova de Paiva em 1975)
139
Os abaixo-assinados, todos naturais e moradores nesta povoação de
Folgosa, freguesia e concelho de Castro Daire, em Assembleia magna do
povo, realizada hoje, deliberaram por unanimidade solicitar às Forças
Armadas, a resolução urgente dos melhoramentos de imperiosa
necessidade, a seguir designados:
1.º - A instalação da rede eléctrica na via pública (e ao domicilio) cujo
problema vem este povo insistindo há longos anos perante as autarquias
locais, de nada lhe tendo valido, não obstante ter já entregue a importância
de Esc. 3.000$00 (três mil escudos), conforme junto e que se destinava a
custear as despesas inerentes
2.º – Abertura de uma estrada, desde a capela de Folgosa à povoação da
Granja, servindo assim as aspirações das duas povoações que também já há
muitos anos se vêm debatendo denodadamente, sem que as entidades
competentes lhes dessem o indispensável apoio financeiro. Para esta obra
foram vendidos alguns baldios da Junta de Freguesia de Castro Daire sitos
nesta povoação de Folgosa, com prévia autorização da Junta de
Colonização Interna e cujos utentes dos respectivos baldios desta
povoação, se privaram dos mesmos para que o produto das vendas fosse
destinado exclusivamente à abertura em causa, importando o montante da
venda em mais de cem mil escudos (100.000$00) que ainda nesta data se
encontra na posse da Junta de Freguesia.
Todos os signatários e restantes habitantes estão dispostos a contribuir com
a sua cota parte de trabalho que lhe for exigida.
Castro Daire, 27 de Abril de 1975285.
Neste sentido, importa convocar a obra de Boaventura Sousa Santos (1992), O Estado
e a Sociedade em Portugal (1974-1988) na qual, ao caracterizar o “Portugal em
Transe”286, aponta a paralisia administrativa do aparelho de Estado287 como uma
característica que confere um carácter excepcional ao processo de transição política
português, defendendo que a crise revolucionária produziu um Estado dual:
140
funcionamento normal; do outro lado, as importantes transformações
institucionais que impunham ao Estado um papel novo e mais decisivo no
processo de acumulação e na direcção global da economia, um papel tão só
ensaiado e ainda de contornos políticos vagos (1992:35).
Esta dualidade estendeu-se assim a todos os sectores do Estado, que incapaz de dar
resposta às novas solicitações e aos novos problemas, cria instituições paralelas288,
menos burocráticas que visavam acompanhar o Estado na sua adaptação às novas
condições, encontrando respostas institucionais e administrativas face à eclosão dos
movimentos sociais (Santos, 1992). Este é o argumento principal que percorre
igualmente as investigações de alguns cientistas políticos que colocam a tónica na
“desestruturação” do aparelho de Estado (Schmitter, 1999) ou na “crise da
autoridade” do Estado (Palácios 2003), o que terá proporcionado uma “janela de
oportunidades”, na expressão de Durán Muñoz (1997), para a emergência dos
movimentos sociais. Neste sentido, a proposta reestruturação da CODICE poderá ser
interpretada à luz deste movimento de criação de novos organismos.
Refira-se que a justificação das mudanças e novas propostas empreendidas nos dois
momentos definidos, assenta na apologia do contacto directo com as populações
rurais, permitindo ao MFA advogar-se como “locutor legítimo” (Bourdieu, 1998
[1982]) do povo português e apresentar-se como depositário daquilo que James Scott
(1998) designou de metis, ao problematizar as razões do fracasso de alguns projectos
de engenharia social. Metis para Scott seria, assim, o conhecimento local, um
conhecimento prático, o know-how (1998:6) cuja exclusão inviabilizou, na sua óptica,
projectos empreendidos por Estados autoritários para beneficiar os quotidianos das
populações, isto é, falharam por desconhecimento das realidades que pretendiam
modificar.
141
documentos referidos reclamam o conhecimento local como garante da sua
exequibilidade. Recorde-se, por exemplo, o último ponto do Programa de Dinamização
Cultural (Inteligência Política de actuação) onde é referida a sua ancoragem aos
problemas efectivamente vividos pelas populações, “considerando que cada
comunidade possui uma cultura própria que não deve ser agredida”289 ou ainda,
aquando da aplicação da 2ª Directiva da CODICE, a alusão à implementação dos
órgãos de poder popular na sociedade rural “a partir dos embriões de trabalho
colectivo das populações”290.
Foi decidido fazer campanhas itinerantes, ou seja, pegava-se numa unidade militar
sedeada no terreno, organizava-se aqui em Lisboa uma campanha destinada a esse
local e, para evitar erros e confrontos com a população de cada local, fazia-se uma
preparação o melhor possível das pessoas que iam para essas zonas. (Manuel
Begonha)
289 Estado-Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388).
290 Movimento N. º25, 14/8/1975, p. 7.
291 Estas sessões enquadravam-se, também, num outro objectivo. Enquanto não se iniciava o
ano lectivo no ensino secundário oficial, o MEC promoveu sessões esclarecimento junto dos
estudantes. Esta iniciativa teve o apoio da Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos,
que forneceu o material técnico necessário à projecção de filmes e slides, e das Forças Armadas
que as aproveitavam para ir testando e preparando as Campanhas de Dinamização Cultural e
Acção Cívica. (Movimento N.º 5, 26/11/1975, p. 5). Nestes moldes foram realizadas sessões na
Moita, Lourinhã, Olivais, Lisboa e Loures. Ver cronologia anexa para programa detalhado
destas sessões.
292 Diário de Notícias, 26/10/1974, p. 5.
142
Assim, após a implementação da CODICE como estrutura coordenadora central,
procurou-se agilizar a estrutura regional, partindo das já existentes regiões militares
e da divisão administrativa do país em distritos. Um ofício oriundo da Região Militar
de Coimbra, enviado aos Comandos Militares e Comandos de Unidades desta zona
em Novembro de 1974, permite uma aproximação aos trabalhos prévios de
constituição destas estruturas. Partindo do pressuposto de que existem zonas onde a
Dinamização Cultural é mais premente, e reconhecendo a escassez de meios
humanos e materiais, são solicitadas um conjunto de informações sobre os seguintes
aspectos:
293 Este aspecto prende-se com uma das linhas mestras do Programa de Dinamização Cultural,
Concelhias em cada Região Militar do continente e ilhas (Correia et al, s/d –a:29).
295 Relativamente a este assunto, o ponto 10 do Programa de Dinamização Cultural enfatizava a
143
promoveu, eu comecei as campanhas como capitão-tenente e acabei capitão-tenente.
(Manuel Begonha)
144
Fig. 5 | Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica: zonas de incidência299
299Para a realização desta figura foram consultadas as seguintes fontes: Arquivo Histórico da
Rádio Difusão Portuguesa (AHD 5243 – faixa 6, 08/01/1975; AHD 5251 – faixa 5, 10/01/1975;
AHD 5392 – faixa 6, 13/03/1975); Arquivo Ministério da Defesa Nacional - em organização
(Caixa 6388; Caixa 6319; Caixa 6589); Centro Documentação 25 de Abril – Universidade de
Coimbra (Fundo Aida Ferreira, Caixa “CIASC – Centro D. Rec. - Din. Cult., Comissão Reg.
Faro”; Caixa "Campanhas de Dinamização Cultural, Distrito de Coimbra (Fotocópia de
alguma documentação existentes no governo civil), Governo Civil de Coimbra"; Caixa
“CIASC Regiões – Ilhas, Açores”); Biblioteca Nacional do Desporto – Instituto do Desporto de
Portugal (Desportos. Revista da Direcção Geral dos Desportos, Lisboa); Arquivo particular de
Manuel Madeira. Publicações periódicas: A Aurora do Lima, A Guarda, A Vanguarda, A Voz das
Beiras, Beira Baixa, Correio do Minho, Diário de Notícias, Diário Popular, Flor do Tâmega, Jornal da
Beira,Mensageiro de Bragança, Movimento, Boletim Informativo das Forças Armadas, Notícias da
Covilhã, O Caminhense, O Cavado, O Correio do Planalto, República, Sempre Fixe, Voz de Lamego,
Vouga Livre, Vida Mundial. Consultaram-se ainda: Correia, et al (s/d-a); Cruzeiro & Coimbra
(1997), Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984); Morais & Violante (1986).
145
[…] a verdade começa na Guarda. A Guarda é a primeira e é aquela que encerra
em si os pressupostos que estiveram na origem das Campanhas: […] a
acessibilidade das artes, a participação dos artistas. (Vítor Esteves)
300 Filme N.º 1978, s/d [1974]. Filmoteca, Centro de Audiovisuais do Exército – Ministério da
Defesa Nacional.
301 Na cronologia anexa encontra-se referenciado, de forma detalhada, as actividades
146
Eu era major e director de instrução. E quando chegou à fase dos exercícios de
campo, nós íamos treinar a emboscada, o sentido e defesa das populações, tudo
coisas operacionais, para matar gente. E para já o pessoal começou a ter uma certa
consciência e dizia: “Queremos acabar com a guerra e vamos aprender estas
coisas”. A nós também nos repugnava estar a perder tempo com coisas daquelas e
apresentei isto superiormente. (Queiroz de Azevedo, director de instrução –
EPAM)
Outro dos objectivos delineados para esta campanha, e que se manteve até à
realização das eleições para a Assembleia Constituinte, consistiu no esclarecimento
sobre o processo eleitoral, apelando ao recenseamento das populações, objectivo
legitimado e valorizado em tom pedagógico no boletim Movimento de 24 de
Dezembro de 1974:
147
Povo tinha votado em Humberto Delgado. As pessoas ainda se lembram
das cargas da GNR de quem se tinham habituado a fugir desde pequenos.
Em Gonçalo depois do 25 de Abril houve despedimentos. E hoje uma
cooperativa. Em Gonçalo a reacção não passou nem passará303.
Note-se que esta campanha ensaia uma tipologia de actuação, que se manterá nas
Campanhas posteriores, nomeadamente no que concerne aos primeiros contactos
com a Igreja304. A aproximação à estrutura eclesiástica das zonas onde se propunham
intervir, nomeadamente às dioceses e aos párocos locais, constituiu uma das
principais preocupações das equipas de dinamização. Este comportamento
adequava-se à última linha do Programa de Dinamização Cultural (“Inteligência política
de actuação”) que defendia que “cada comunidade possui uma cultura própria que
não deve ser agredida”305. Contudo, na imprensa são reveladas as resistências
oriundas da igreja católica, nomeadamente em Manteigas por parte do director do
Colégio Nossa Senhora de Fátima, que “no decorrer da sessão de esclarecimento que
aí teve lugar, mostrou estar com os elementos do clero que parecem determinados
em não querer sair do obscurantismo”306.
148
positiva. No mesmo sentido, Carlos Paulo, actor do grupo de teatro Comuna
descreve de forma entusiástica sua participação nesta experiência piloto,
nomeadamente a representação da Ceia em Trancoso:
Filme n.º 1978, s/d [1974]. Filmoteca, Centro de Audiovisuais do Exército – Ministério da
309
Defesa Nacional.
149
Ora todo um trabalho desta grandeza era para nós um trabalho gigantesco, nós
não tínhamos quadros suficientemente preparados e em número suficiente e isso foi
logo uma das debilidades fundamentais nossas […]. Tínhamos muitos e muitos
militares que, embora fossem guiados por nobres ideais, por esperanças, enfim por
aspirações que eram legitimas, por uma grande generosidade, não estavam
preparados do ponto de vista político e social porque, por exemplo, não tinham
conhecimento, não sabiam apreender o verdadeiro estado de espírito das
populações. E a gente tinha que perceber qual o verdadeiro estado de espírito das
populações para poder exercer sobre elas uma acção benéfica, […] nós tínhamos
que ter um respeito por toda aquela mentalidade das populações que nós íamos
encontrando e que pretendíamos transformar. (Vasco Gonçalves)
A questão dos meios não se colocou na campanha que parte para a região de Trás-os-
Montes a 6 de Janeiro de 1975, prolongando-se até dia 21 de Janeiro do mesmo ano.
“Operação Nortada”310 foi o nome de código escolhido para esta acção, que se
desenvolveu nas regiões de Bragança, Vila Real, Lamego e Viseu. Tal como a
anterior, obedeceu ao modelo itinerante, inserindo-se no quadro de um exercício
final, desta vez, do curso do Batalhão de Comandos N.º 11 chefiado pelo, então,
major Jaime Neves, comandante do Batalhão de Comandos do Continente. Segundo
Manuel Begonha, que participou nas sessões de esclarecimento realizadas em Murça,
Miranda do Douro e Viseu, a “Operação Nortada” foi a campanha mais bem
preparada em termos militares311:
310 Segundo o Diário de Notícias, a primeira fase da “Operação Nortada”, cujo o aúncio surge
dias antes na imprensa, corresponde ao “transporte das tropas em aviões […] e por estrada,
de Lisboa para o Porto e dali para Bragança” (Diário de Notícias, 4/1/1975, p. 11).
311 Foram disponibilizadas 56 viaturas (entre as quais 22 carros blindados “Chaimite”),
helicópteros e um avião.
150
os militares andavam por ali com capacidade pelo menos de mostrar a bandeira.
(Manuel Begonha)
A opção por esta região foi fundamentada pela necessidade de confrontar os 400
instruendos com as condições adversas de uma região caracterizada por um relevo
acidentado e pelas baixas temperaturas dos meses de Inverno. Na conferência de
imprensa de apresentação da “Operação Nortada”, realizada no dia 3 de Janeiro de
1975, Jaime Neves afirma:
facto de esta [campanha] ir actuar numa zona muito ligada à “fronteira, […] onde havia
muitos movimentos, muita guerra, desde a guerra civil [espanhola], muito contrabando, para
eles [portugueses] olharem a Espanha com outros olhos e de se sentirem também honrados; -
agora são os espanhóis que vêm cá. Não foi em vão! Tudo isso tinha da nossa parte um
intuito, de olhar o outro com outra abertura.” (Entrevista gravada, 2004).
151
Ao contrário da campanha realizada no distrito da Guarda, a “Operação Nortada”,
mobilizou fortemente a atenção da imprensa local e regional, tendo ocupado por três
vezes primeira página do Diário de Notícias, duas delas em dias consecutivos
(9/1/1975, 10/1/1975 e 18/1/1975). Se algumas notícias colocavam a tónica na
grandeza militar desta acção, descrita como “a maior operação de comandos jamais
realizada em Portugal”316, e no esforço físico dos soldados, que a pé percorriam a
região, outras procuravam denunciar as condições de vida das populações do
nordeste transmontano. Afonso Praça descreve, desta forma, Trás-os-Montes nas
páginas da Vida Mundial:
152
A todos, os pacientes militares procuraram dar uma resposta que
satisfizesse a esses seus interlocutores319.
Contudo, é no mesmo semanário que se inverte este tom com a publicação no final
do mês de Janeiro de um artigo da autoria, do pároco A. Rafael, que é amplamente
difundido por outros jornais regionais320. Aqui são elaboradas duras críticas aos
oficiais do MFA, tomando como mote as suas declarações aos diferentes jornais e à
RTP:
Importa assinalar que neste artigo é utilizada uma retórica análoga à dos militares do
MFA, valorizando-se a relação de proximidade entre a igreja e o povo:
Os srs. oficiais passaram por algumas das nossas terras, viram a miséria e
abandono, e tiveram pena; por isso muito louvavelmente querem voltar e
apraza a Deus, que sim. Voltarão, mas não virão para ficar, para
“comungar” dia e noite aquela pobreza e abandono. Nós padres […]
153
viemos para ficar. Nós não temos somente pena deste povo: nós
partilhamos as suas penas … Estamos com o povo, somos povo!322
afirma que em muitas sessões optaram pelo sistema de perguntas escritas “para pôr as
pessoas mais à vontade” (Avante, 6/2/1975. p. 10). Desta situação dão igualmente conta os
registos sonoros do Arquivo Histórico da RDP (AHD 5243 – faixa 6, 08/01/1975),
325 No decorrer da sessão de esclarecimento, o MFA foi questionado sobre o seu
posicionamento face aos futuros resultados das eleições para a Assembleia Constituinte, sobre
o facto de no distrito de Bragança e da Guarda existirem partidos que se auto-intitulava “o
partido das Forças Armadas” (PPD e PDC) e sobre a pressão que alguns patrões exercem
sobre os seus trabalhadores, no sentido de os conduzir à inscrição no partido no qual este
milita. Estas duas últimas perguntas, atribuídas pela imprensa a um elemento da LUAR
(Diário de Notícias, 9/1/1975, p. 9), suscitaram a contestação de um militante do PPD, o que
gerou alguma instabilidade. (RDP - Arquivo Histórico, AHD 5243 – faixa 6, 08/01/1975).
Importa salientar que a passagem da “Operação Nortada”pelo distrito de Bragança mereceu a
atenção do jornal Avante que evoca o “clima reaccionário” que se vivia no distrito (16/1/1975,
p. 8).
154
do meio”326. Já em Valpaços, foi a posição do clero face aos partidos de esquerda,
nomeadamente face ao PCP, que propiciou um aceso debate. Um dos intervenientes
assegurava que “alguns padres utilizavam os sermões dominicais para fazer
propaganda anticomunista”327, o que levou o capelão dos comandos, numa tentativa
de amenizar a assembleia, a expor o posicionamento do MFA face a esta questão328.
Em Macedo de Cavaleiros, a discussão foi motivada pela situação laboral do
complexo agro-industrial do Cachão329, marcada por um contexto de despedimentos.
326 Diário de Notícias, 14/1/1975, p. 17. Esta situação levou os militares à realização de uma
reunião com os representantes de alguns partidos políticos (PPD, PCP, e PS) que lhes deram a
conhecer as principais dificuldades que encontravam nesta região.
327 Diário de Notícias, 11/1/1975, p. 13 e Correio do Minho, 12/1/1975, p. 1.
328 Para o major capelão Bártolo Ferreira, que acompanhou toda a campanha, procurando
esclarecer sobre as questões religiosas, algumas teses comunistas eram irreconciliáveis com a
doutrina social da Igreja, salientando, contudo, que existiam pontos de contacto entre ambas.
O capelão condenou, ainda, o facto de o clero fazer propaganda política apelando ao dever de
informação de cada cidadão sobre os diferentes partidos políticos.
329 Esta situação específica constituirá uma das prioridades da campanha “Maio-Nordeste”,
que se irá realizar entre Maio e Outubro de 1975, que já obedece, como se verá, a uma
reestruturação da tipologia de acção das campanhas.
330 Diário de Notícias, 9/1/1975, p. 9.
331 Diário de Notícias, 15/1/1974, p. 11.
155
O mesmo militar recorda com entusiasmo a participação da Comuna:
Os grupos de teatro, […] por exemplo a Comuna, foram à borla, dormiam no chão,
é preciso ter em atenção que não havia interesse material nenhum, era preciso ver
que era uma perspectiva diferente da de hoje. […] o João Mota da Comuna armou
o palco no meio de uma aldeia. A malta pensava que o teatro era uma coisa
estática. […] // Na zona de Mirandela teve muita piada, as assistências para as
cenas da Comuna. Nunca mais vai haver tanta gente. Eles faziam aquilo quase à
noite quando calhava, à luz de velas e caracterizavam-se no palco. As pessoas
nunca tinham visto a mudança da pessoa para o actor o que deslumbrava as
pessoas. E depois o João Mota, que tem um sentido pedagógico muito grande, e
como eles queriam levar toda a gente e não podiam deixar as crianças em casa [...],
e a dada altura os miúdos começavam a chorar e eles ficavam muito envergonhados
porque sentiam que estavam a perturbar. O João Mota dizia: isto não tem
problema nenhum, isto também é para eles, não se incomodem. E as pessoas
ficavam muito sensibilizadas com isso e depois assistiam ao teatro completamente
deslumbrados. (Manuel Begonha)
Nos pontos de situação que foram sendo realizados por Jaime Neves ao longo da
campanha, a par da referência aos êxitos dos exercícios operacionais, é notória a
preocupação relativamente à continuidade desta acção no terreno, sublinhando a
necessidade de ,no futuro, as equipas serem acompanhadas de meios técnicos, como
332Na mesma obra é, ainda, apontado como obstáculo a incapacidade de criação de quadros e
as crescentes “lutas pela conquista do poder” que “iriam afectar a qualidade e a quantidade
dos militares dispostos a empenharem-se” nas campanhas (Correia et al, s/d –a: 29).
156
a engenharia militar. Desta forma, para além de se proceder a um levantamento das
principais carências das diferentes comunidades, era possível resolver, de forma
imediata, algumas solicitações tal como tinha acontecido na campanha anterior. Este
militar sublinha, ainda, que após o “primeiro desbravamento das gentes colonizadas
do Nordeste, que infelizmente não chegou a todos os locais, é natural que os partidos
políticos de esquerda não sintam as dificuldades de penetração de que se vinham
queixando.”333.
Importa sublinhar que a eficácia do modelo itinerante parece começar a ser posta em
causa pelos próprios militares. No livro MFA, Dinamização Cultural, Acção Cívica é
igualmente sublinhada a importância da “Operação Nortada” enquanto uma
experiência que permitiu repensar a tipologia de actuação:
157
aproveitado pela igreja no sentido de enformar o conjunto de críticas avessas às
campanhas, como ficou expresso no artigo do pároco A. Rafael referido
anteriormente.
O povo de Trás-os-Montes, por tudo o que tem sofrido, pode e deve exigir prioridade para
estes benefícios a que tem real direito.” (Notícia de Chaves, 8/2/1975, p. 3).
335 Foram ainda realizados treinos de guerrilha urbana em Viseu, exercícios aquáticos no rio
Mirandela dias antes (permanecendo apenas uma hora nesta vila no sentido de proceder à
apreciação da actividade dos militares) foi uma das presenças nesta sessão. (Diário de Notícias,
11/1/1975, p. 13). Importa referir ainda a participação dos conselheiros de Estado e membros
da Comissão Coordenadora do MFA, capitães Pinto Soares e Vasco Lourenço do Exército,
Major Pereira Pinto da Força Aérea e comandante Almada Contreiras da Armada. (Diário de
Notícias, 18/1/1975, p. 1).
337 Diário de Notícias, 23/1/1975, p. 3.
158
“reaccionarismo defensivo”, e que esta acção teria permitido “tirar a temperatura
política do povo desta região dita atrasada”338. Contudo, o MFA parece ter ganho
alguma vantagem face ao seu “inimigo” ao veicular a eficácia das sessões de
esclarecimento que parecem ter “incomodado a reacção”339.
Ainda no mês de Janeiro de 1975 têm início duas campanhas que terão como destinos
o distrito de Castelo Branco e a zona do Alto Minho. Ambas as operações, apesar de
obedecerem ao mesmo esquema organizativo das anteriores, estabeleceram como
móbil principal a caracterização e o levantamento das carências das populações,
procurando responder de forma imediata a questões que não necessitassem de uma
grande mobilização de meios. Mais uma vez, a imprensa é convocada para a
apresentação destas campanhas. Ramiro Correia aproveita o momento para fazer a
apologia do trabalho das equipas de dinamização, defendendo as razões para a
continuação da “missão”:
159
apenas económica, mas mesmo social e até mental das populações em
relação a certos movimentos. […]
Este é o motivo […] por que as Forças Armadas não podem abandonar a
sua actividade de esclarecimento cívico junto da população, pelo contrário,
têm de incrementar, passando de uma fase de improvisação para uma fase
de organização. Tudo tem de ser repensado, mas sem a pretensão de
praticar «colonialismo cultural»341.
341 Diário de Notícias, 24/1/1975, p. 3. Esta conferência de imprensa foi amplamente divulgada
nos jornais nacionais. Ver também Dário Popular, 23/1/1975, p. 21 e Avante 30/1/1975, p. 9.
342 Apesar desta data marcar o arranque oficial desta campanha, no dia 23 teve lugar em Vila
Velha de Rodão um espectáculo da banda militar Alerta Está. No Livro Branco da 5ª Divisão
1974-75 (1984: 123) é esta a data que é referenciada como o início desta acção. Contudo, uma
aproximação a este distrito já havia sido realizada no dia 1 de Dezembro de 1974. O jornal
local Beira Baixa dá conta de uma reunião “estrutural e de estudo de conjunto” no Governo
Civil de Castelo Branco que contou com as presenças dos elementos coordenadores regionais
do MFA, do MEC, do Ministério dos Assuntos Sociais e da Secretaria de Estado da
Agricultura. (Beira Baixa, 14/12/1974, p. 2).
343 Segundo o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 algumas equipas permaneceram mais tempo
no terreno a fim de concluir as obras iniciadas. Tal foi o caso do grupo responsável por
Proença-a-Nova (1984:123).
160
e chegar às 9 da noite […], eu vou com ele [alferes] para Salvaterra […]. Ele tinha
lá os avós e eu vou jantar e durmo lá também. E porquê? Porque isto são amizades
que são feitas pelo caminho, empatias […]. (Fernando Simões, aluno da Escola
Naval)
Esta campanha contou, ainda, com diferentes contribuições do sector teatral, das
quais de destacam, para além do grupo La Cuadra que já tinha participado em acções
anteriores, Os Bonecreiros e o Teatro Português de Paris. Integrado nesta acção,
esteve também o grupo musical Alerta Está dirigido pelo maestro Sílvio Pleno.
No outro dia de manhã fomos para Castelo Branco para uma reunião com o bispo e
com a hierarquia religiosa do distrito. E aqui começa o cuidado […]. Para a
reunião foram convocadas […] todas as pessoas que iriam ter responsabilidade do
que se ia passar, são convocados todos os oficiais e tudo o que seria a hierarquia
religiosa correspondente […]. Recordo-me da reunião, numa mesa muito comprida
daquelas de concílio, nos Paços Episcopais de Castelo Branco. Aquilo quase que
parecia um concílio. De um lado os militares, do outro lado os religiosos. E
recordo-me sobretudo do ambiente. Era tenso mas cordial. Percebi que havia
problemas, havia culpa. […] A linguagem conservadora que eu ouvi da boca
daquele bispo, obviamente subjacente estava a reacção de alguns padres
reaccionários. A nossa preocupação foi informá-los. (Fernando Simões)
Esta situação é referida por Franco (1989) na análise da relação entre a Igreja e o poder na
344
161
a) o saneamento do director e de um outro professor e a proibição de
entrada dos mesmos no edifício do Colégio.
b) a nacionalização do Externato, prometendo a sua oficialização em Liceu
de Proença-a-Nova;
c) a nomeação de uma comissão directiva efectiva, integrada por 7
elementos, pessoas todas elas estranhas ao actual corpo docente. Com
excepção de um elemento.345
Esta medida foi acerrimamente criticada pela igreja que, através da imprensa do
distrito e dos periódicos das regiões do Minho, Bragança, Lamego e Viseu346, que lhe
eram afectos, procedeu a uma amplificação do caso, contestando “o processo de
assalto perpetrado pelos representantes do MFA”, asseverando que “com estranheza,
com injustiça, a Igreja foi tratada como exploradora do Povo, à qual nem sequer se
reconheceu o direito de ser ouvida, sendo posta frente a «factos consumados,
irreversíveis» – como disseram os representantes do MFA”347.
Também o jornal Avante publica uma notícia sobre o acontecimento, onde defende a
posição do MFA neste processo:
162
O MFA é acusado de desvirtuar os factos, de ter ocupado ilegal e
arbitrariamente um colégio que era um modelo de escola democrática. […]
E não serão métodos repressivos os castigos aplicados aos alunos, que iam
desde agressões físicas até aos maiores vexames, como por exemplo, serem
pendurados nas portas de cabeça para baixo ou serem postos em exposição
amarrados em cadeiras, no colégio ou na praça da vila? Serão isto métodos
pedagógicos adequados a um modelo de escola democrática?348
Este acontecimento foi, de facto, pautado por diferentes momentos, dos quais se
destacam a tomada de posição da equipa de Dinamização Cultural em Proença-a-
Nova, que considerou que a estrutura eclesiástica local enveredou por um “ataque
calunioso e reaccionário ao MFA”, pretendendo “levar as pessoas menos avisadas a
concluir que […] se vive um clima de anarquia e de desordem sem ninguém que a
controle”349, as indefinições do o pároco de Proença-a-Nova350, os comunicados das
dioceses de Portalegre e Castelo Branco351, a detenção do director do Colégio352,
defende que a medida do MFA terá sido apoiada por três professores que tinham sido
afastados deste estabelecimento de ensino no ano lectivo de 1973/1974. Neste documento, o
MFA é destituído de qualquer legalidade neste processo, afirmando esta diocese que o
número de pais e de encarregados de educação presente na referida sessão de esclarecimento
(cerca de 50) não eram representativos dos 600 alunos do colégio, nem das 5000 pessoas
residentes na paróquia: “Nem podia esperar-se presença significativa, uma vez que a sessão
anunciada à última hora pela rádio (8 da manhã do mesmo dia 29) e numa outra reunião não
fora anunciada para tratar do problema do Colégio, mas sim como uma sessões de
esclarecimento cívico.
Era um dia de trabalho, num meio rural, às 14.30 horas, numa Paróquia dispersa por meia
centena de pequenas povoações e com um diâmetro de mais de 20 quilómetros. […] A vinda
de propósito para a sessão, de antigos alunos residentes em Castelo Branco e Abrantes, em
transportes providenciados pelas F.A. mostra à evidência como tudo estava previamente
orquestrado, pelos três antigos professores, pelo presidente da Comissão Administrativa da
Câmara Municipal e pelos elementos do MFA, em ordem de consumar um plano,
cuidadosamente elaborado.”(Notícias da Covilhã, 22/2/1975, p. 9).
352 Segundo comunicado dos Serviços Diocesanos de Informação de Portalegre esta detenção
foi ordenada pelo Capitão Calvinho, responsável pela equipa de Dinamização Cultural do
163
culminando com uma manifestação dos pais e encarregados de educação dos alunos,
no dia 27 de Fevereiro de 1975, seguida da eleição de uma nova comissão de gestão
do Colégio, tendo sido readmitidos os professores saneados353. O “caso do Colégio
Diocesano de Proença-a-Nova”, como outros análogos, constitui um terreno propício
à construção de uma argumentação hostil ao MFA por parte da igreja católica.
Referindo-se à sua experiência no âmbito desta campanha e das realizadas na região
de Viseu e da Guarda em que também participou, José Vermelho, afirma:
Refira-se que ao contrário das anteriores, a “Operação Castelo Branco” não mereceu
qualquer destaque no Movimento354. No se decurso, a temática da Dinamização
Cultural é focada a partir do destaque atribuído à campanha que decorria, em
simultâneo, na região do Minho e à dinamização interna das Forças Armadas,
questão esta considerada por alguns militares entrevistados como um dos grandes
benefícios da Dinamização Cultural do MFA. Para os redactores do Movimento, após
um período de definitiva implementação e consolidação das campanhas, o MFA
deveria dedicar-se “à sua própria dinamização, isto é, auto-dinamizar-se”355.
MFA de Proença-a-Nova que terá, posteriormente, posto a circular um panfleto “no qual
ataca e põe a ridículo o Bispo da Diocese”. Ver Beira Baixa, 22/2/1975, p. 1 e 4, Notícias da
Covilhã, 8/31975, p. 5.
353 Após a eleição o Capitão Calvinho, apesar das resistências dos manifestantes, tomou a
palavra dizendo que “a 5ª Divisão da qual dependia iria fazer um inquérito à actuação dos
elementos do MFA que estiveram em Proença-a-Nova e também ao Colégio.” (Beira Baixa,
08/3/1975, p. 1, 4 e 8, Notícias da Covilhã, 15/3/1975, p. 9).
354 O mesmo acontece em Correia et al (s/d –a). Quanto à “Operação Verdade” esta obra
participado nas Campanhas de Dinamização Cultural, que para além dos largos resultados
obtidos junto das populações, a maior vitória tem sido para as próprias F.A. que têm
aprendido com o Povo, que estão mais esclarecidas politicamente, têm mais exacta noção da
situação real e do atraso do nosso Povo como consequência do meio século de fascismo.
164
A quarta campanha, denominada “Operação Verdade”, iniciou-se na região do Alto
Minho no dia 31 de Janeiro de 1975, tendo-se prolongado até ao dia 9 do mês
seguinte. A escritora Alice Vieira, que na época colaborava com Diário Popular
assinando uma coluna intitulada “Ontem vimos…”, saúda o trabalho das equipas de
dinamização partindo de um comentário ao Programa do Movimento das Forças
Armadas356, transmitido pela RTP, dedicado à acção do MFA naquela região:
Tal como as anteriores, esta campanha foi preparada pela CODICE, tendo sido
instalado o seu centro director em Arcos de Valdevez. Foi protagonizada pelo
Regimento de Caçadores Pára-quedistas, pela Base Aérea Nº. 3, por dois capelães358 e
pela Direcção de Saúde da Força Aérea. A frequente interpelação das populações
O contacto com as realidades humanas, económicas e políticas por todo esse país, dão aos
militares uma consciência de “justiça social” que jamais se apagará das suas mentes e os
tornará irredutíveis no processo revolucionário em que estão a participar em estreita união
com as massas trabalhadoras. […] As F.A. têm de virar-se para dentro, isto é, fazer um esforço
de Dinamização Interna com uma preocupação prioritária ao esclarecimento político dentro
das próprias unidades militares. Isto é fundamental para tornar mais coesas as F.A. e mais
conscientes os militares que terão agora de entrar numa fase mais avançada de apoio às
populações.” (Movimento, N.º10, 11/2/1975, p. 2).
356 Com o objectivo de divulgar e esclarecer o seu Programa, o MFA, depois de ter iniciado a
165
sobre questões agrárias levou ainda à integração de engenheiros e regentes agrícolas
nas equipas de dinamização359.
359 Vida Rural, 22/2/1975, p. 18. Esta publicação dá ainda conta de algumas preocupações
expressas pelos agricultores do Minho: “Em Ponte da Barca havia feira de gado quando lá
chegaram os homens da «Acção Verdade». O negócio não ia de feição para a meia centena de
feirantes que lá se encontrava: - Somos á roda de 50 aqui – disse um deles – e pergunte a
qualquer um se o 25 de Abril já lhe trouxe algum benefício. A lavoura está na mesma. Os
preços que praticamos são iguais. Entretanto aumentou o arroz, o bacalhau está pelos olhos
da cara e o azeite e o açúcar. Também agora temos de pagar os adubos mais caros. […] – É
preciso ter mão nisto – sugeriu um outro feirante – e nós temos fé que os militares hão-de
resolver esses problemas todos e nós cá estamos para conversar com eles e apresentar-lhes os
nossos problemas.”(Vida Rural, 22/2/1975, p. 18). No mesmo sentido o jornal regional O
Cávado, ao noticiar a realização desta campanha coloca a tónica na questão da rentabilidade
do sector agrícola e no cooperativismo agrícola, referindo: “Cooperativas de vinho, fruta,
gado, leite, etc., fariam com que a lavoura adquirisse nova dimensão garantindo aos
lavradores um nível económico elevado e permitindo que o país pudesse ser abastecido in
loco, sem recorrer ao estrangeiro” (8/2/1975. p. 2).
360 Este livro, intitulado Fábula Era Uma Vez foi publicado em Portugal pela Centelha em 1976.
361 Ver cronologia em anexo.
362 Diário de Notícias, 30/1/1975, p. 3.; Diário Popular, 31/1/1975, p. 9.
166
- Infra-estruturas escolares insuficientes ou deficientes. (crianças para irem
à escola têm que percorrer caminhos quer faça chuva ou sol meia hora e
mais e não têm na escola abrigos, aquecimento nem cantinas).
- Agricultura minifundiária, muito dividida, pouco rentável, com má
colocação dos produtos. (Associativismo comprometido por campanhas
contra-revolucionárias e pelo pouco esclarecimento da população.
- Inexistência de distribuição de energia eléctrica e água […]
- Forte emigração […]
- Inexistência de industrias.
- Total dependência da população duma agricultura de subsistência, do
pastoreio e da emigração.
- Limitadíssima actividade cultural (1 grupo folclórico, 3 bandas de música)
- Desconhecimento ou desconfiança pela situação política do pós-25 de
Abril.
- Analfabetismo, e relutância em enviar os filhos à escola para ajudarem
nas lides do campo […].
- Regionalismo exacerbado e em alguns casos violento, derivado duma
ausência de conhecimento da realidade e de ódios herdados, mal definidas
já as suas origens
- Hábitos alimentares e de vida incongruentes, mas justificados pelo limite
das possibilidades económicas e pela rotina imposta pelo duro trabalho do
campo. […]
A realidade é resumindo, é uma vida sem ambições, é um mourejar
constante, é o repetir de gestos e hábitos dum pai, dum avô, dum
antepassado longínquo363.
167
Na primeira página da edição de domingo de 16 de Fevereiro de 1975, a Vanguarda
refere-se, da seguinte forma, ao trabalho das equipas de dinamização e ao ambiente
proporcionado:
168
Durante o mês de Fevereiro a CODICE e as suas estruturas regionais e distritais
continuam a promover sessões de esclarecimento em todo o país (ver cronologia em
anexo). Entre o dia 13 e o dia 23 de Fevereiro de 1975, o Minho é novamente palco de
mais uma acção do MFA, desta vez denominada de “Operação Alvorada”, que
trabalhou nos concelhos de Ponte de Lima, Caminha, Vila Nova de Cerveira e
Paredes de Coura367. Esta campanha foi executada pelo destacamento n.º 12 dos
Fuzileiros Navais, pertencente à Força de Fuzileiros do Continente com base no
Alfeite, que ficou aquartelado na Praia da Foz do Rio Minho:
169
do interior. Essa gente humilde, hospitaleira e trabalhadora que é o povo.
O povo que agora está a tomar contacto com as realidades do país através
de operações militares como é o caso aqui no sul do país da Operação Povo
Culto, Acção Cívica em curso pelos militares do CISMI na serra do
Sotavento Algarvio, um contacto povo-militares na escola de Giões
permitiu um esclarecimento e diálogo que virá abrir perspectivas novas à
população de uma aldeia que vive em situações inacreditáveis no século
XX. O Povo de Giões vivia até hoje completamente despolitizado, ignorado
de tudo e de todos370.
170
Eu procurei vir aqui a uma sessão de dinamização das Forças Armadas
precisamente porque quero manifestar publicamente quanta esperança e
confiança nós temos nesta acção cívica desenvolvida pelas Forças Armadas
no seio, em particular, das classes trabalhadoras.
Nós não vimos aqui com instintos paternalistas, nós não vos vimos trazer a
solução para os vossos problemas, […], nós vimos aqui aprender convosco,
ajudar-vos e aprender convosco, repito, porque é no contacto directo com
as populações que as F.A. avaliam das suas necessidades concretas e não
na teoria dos livros. Os militares ao deslocarem-se pelo País contactam com
a massa de que eles próprios são feitos (Gonçalves 1976: 87-121).
374 CODICE, Circular N.º 1, 20/2/1975, p. 1 -2. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa
Nacional (em organização); caixa 6319). Segundo o Livro Branco da 5ª. Divisão 1974-75,
(1984:125), a data referenciada para a conclusão desta campanha é 20 de Março de 1975.
375 Importa referir que desde o mês de Dezembro de 1974 a Comissão Distrital de
transporte terrestre em cada ilha, a definição dos locais de actuação e respectivo anúncio
público, a participação em sessões de esclarecimento nas suas áreas geográficas e ainda
assegurar o alojamento e alimentação aos elementos intervenientes. CODICE, Circular n.º 1,
20/2/1975, p. 1 e 3. Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização);
caixa 6319. Sobre esta campanha ver também Livro Branco da 5ª. Divisão 1974-75 (1984):125.
377 Segunda a referida circular esta fragata partiria de Lisboa rumo à Ilha das Flores
transportando alguns dos elementos que iriam participar nesta campanha e material de apoio.
171
a Animação Sócio-Cultural378, veterinários e um médico militar. No âmbito teatral,
estava prevista a participação de Os Bonecreiros, do Teatro Português de Paris379, do
grupo As Marionetes de S. Lourenço e o Diabo, de uma dupla de palhaços, do Grupo
Cultural da Fragata Almirante Magalhães Corrêa e da orquestra militar Alerta Está.
378 Esta Comissão elaborou um relatório detalhado desta campanha que inclui, na segunda
parte, um “Diário de viagem da equipa do CIASC que acompanhou a 1ª fase da «Acção
Atlântida»” (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Regiões
– Ilhas, Açores).
379 No relatório do CIASC, este grupo teatral não se encontra referenciado como tendo
(Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Regiões – Ilhas,
Açores).
381 Diário de Notícias, 18/3/1975, p. 2. Esta acção foi alvo de uma reportagem televisiva tendo
sido apresentada nos programas de televisão do MFA a 3/5/1975, 8/5/1975 e 3/7/1975. Livro
Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984:202).
172
interrompida devido ao 11 de Março de 1975, não cumprindo os objectivos
delineados, tendo percorrido as ilhas do Corvo, Flores, Faial, Terceira e Pico382.
A última campanha a ser realizada sob égide do modelo itinerante foi a “Operação
Cávado”, que se propôs percorrer o concelho de Barcelos entre os dias 10 e 16 de
Março de 1975 (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:136). Esta campanha não terá
sido interrompida com o 11 de Março, uma vez que a RDP difunde uma sessão de
esclarecimento realizada no dia 12 na freguesia de Balugães383.
173
evoluir.[…]. Foi decidido a fixação no terreno de meios técnicos e culturais, ou
seja, não se andava com uma unidade militar a partir de Freixo de Espada a Cinta
até Braga, passando por muitas terras, fazendo uma sessão, mas fixavam-se.
(Manuel Begonha )
174
A importância da inclusão destes técnicos388 nas equipas de dinamização, reforçando
à acção das unidades militares locais, é saudada pelo major Lopes Furtado,
coordenador da Comissão de Dinamização Regional Centro, à qual se encontrava
afecta a CODIDI de Viseu:
Também o Jornal da Beira dá as boas vindas à “Operação Beira Alta” nos seguintes
termos:
Esta campanha desenvolveu-se em duas fases. A primeira que se prolonga até ao dia
3 de Abril391, é pautada por um intenso trabalho na área da saúde, de levantamento
388 No que se refere ao trabalho nas áreas da saúde e agricultura, este era preparado
sublinhar que a campanha realizada em Castro Daire e Vila Nova de Paiva mantem-se de
forma continuada no terreno não sofrendo qualquer interrupção. (“Relatório de Actividades
175
das necessidades locais e de esclarecimento sobre acto eleitoral que viria a decorrer a
25 de Abril de 1975. Para o capitão Luz, que coordenava a acção no distrito de Viseu,
as “condições em que vive a população de Covas do Rio já justificaria, só por si, uma
revolução”392. De facto, as observações realizadas pelos os protagonistas desta
campanha ancoram-se na denúncia das comunidades encontradas, descritas como
“pobres”, “isoladas”e “abandonadas”, considerando, todavia que, na generalidade, a
receptividade das populações foi positiva:
As resistências também são assinaladas. Mais uma vez se alude à acção dos caciques
e da igreja local como responsável pela “ignorância”destas populações e se refere
recurso ao boato, assente na retórica anticomunista, para dificultar a acção dos
militares:
Numa outra localidade do distrito, em Santa Comba Dão, é relatada uma situação
com contornos idênticos:
176
[…] dizia-se que as Forças Armadas tinham andado a espalhar cartazes do
Partido Comunista, o que sendo nós apartidários, era obviamente
impossível. Pois nós conseguimos detectar o autor do boato.
Entretanto, a população conversando connosco confessava que não tinha
realmente visto nenhum de nós a colar a colar esses cartazes395.
Note-se que o tempo de duração calculado inicialmente para esta campanha era de
duas semanas. Contudo, as exigências das realidades encontradas, sobretudo na área
da saúde, precipitam a já pensada fixação dos meios técnicos no terreno:
177
A pintura mural realizada no edifício da Caixa Geral de Depósitos na cidade de
Viseu marca o recomeço da 2ª fase da campanha “Beira Alta”396. O carácter festivo
desta iniciativa é sublinhado por Ernesto de Sousa nas páginas da Vida Mundial:
Os artistas plásticos lá foram com o MFA até Viseu, pintar paredes…397 Foi
uma festa!...A que não faltaram certas resistências reaccionárias. Mas a
vitória foi deles e, de todos os populares que colaboraram na pintura da
Caixa Geral de Depósitos de Viseu398.
Para além da pintura mural, esta iniciativa contou com a participação do Grupo de
Teatro de Campolide que representou a peça Fulgor e Morte de Joaquim Murieta de
Pablo de Neruda no Largo da Sé daquela cidade que, segundo o boletim Movimento,
“foi observada e vivida em profundo silêncio e com uma atenção desmedida”399 por
cerca de duas mil pessoas400, apesar da resistência inicial do padre daquela paróquia.
O facto de nós vencermos o padre. Ele lá foi dar missa, mas não estava lá ninguém.
O largo estava cheio de malta a gritar: - Viva a Revolução, a liberdade, o 25 de
Abril! Aquilo tremia, o chão tremia. Foi assim durante dois dias… (Vespeira)
396 Esta iniciativa ocorreu no dia 5 de Abril de 1975. Ver os artistas plásticos que colaboraram
na cronologia em anexo.
397 Destacado no original.
398 Vida Mundial, 17/4/1975, pp. 7-8.
399 Movimento, N.º 18, 20/5/1975, p. 4.
400 Dário Popular, 11/4/1975, p. 3.
178
Na tarde de sábado, último, bandas sonoras, ranchos folclóricos e grupos
de teatro exibiram-se em diversos locais da Cidade. Pelo que nos foi dado
observar, as massas populares, talvez por ser fim-de-semana, estiveram
bastante alheadas destas realizações, o que foi pena401.
Difícil foi seleccionar a zona de acção. Dever-se-ia optar por regiões mais
gritantemente desprotegidas ou reforçar centros de assistência sub-
funcionantes por carências de pessoal? Eleger zonas de economia
predominantemente rural ou antes um dos escassos pólos industriais do
distrito? Ir para onde uma população mais esclarecida aderia confiante à
proposta socialista do MFA ou enfrentar a reacção nos concelhos em que o
boato e a calúnia mais fervilhavam na boca dos senhores e lacaios?
Dispersar os efectivos, multiplicando os focos de intervenção ou formar-se
um a equipa única, necessariamente mais eficaz, não só em relação ao
trabalho médico, mas também de resistir às arremetidas constantes dos
bisonhos caciques?
Após amplo debate, uma ideia-mestra teve o apoio geral: as dificuldades
no campo da Assistência Médica só seriam ultrapassadas com a
mobilização e organização populares. Formar-se-iam comissões de saúde e
de melhoramentos. Apoiar-se-iam técnica e financeiramente as lutas dos
camponeses. Estimular-se-ia o associativismo. Far-se-ia esclarecimento
político – dado que a influência e possibilidades dos partidos progressistas
eram diminutas procurando subtrair milhares de trabalhadores à
influência da direita (Correia et al, s/d-a: 104-105).
179
Para além do grupo que coordenava, neste distrito actuaram de forma mais
centralizada as equipas de São Pedro do Sul e de Sernancelhe e Penedono402,
consideradas a posteriori como “experiências-piloto”:
Algures não começou a correr muito bem. Penso que levavam muito marxismo na
linguagem. Supunha que assim era, na medida em que as pessoas começaram a vir
embora. Uma equipa recolhe, a outra recolhe e isso era um sintoma que algo não
estava bem. São Pedro do Sul aguentou-se um bocadinho mais. Depois quem se
aguentou muito foi Sernancelhe. Era uma equipa só de médicos. Mas encontraram
um individuo que era dono da farmácia, tinha um jornal e era padre que começou a
desdizer tudo e mais alguma coisa e a fazer uma campanha terrível contra os
médicos.[…] Eram médicos generosos, generosíssimos. Tratavam das pessoas com
todo o carinho e com toda deferência que as pessoas nunca tinham visto, e que
pensavam que não tinham direito […].Eu tenho um volume com assinaturas de
pessoas que queriam lá os médicos e mesmo assim foi a penúltima a sair. Não
tinham um líder capaz de fazer face à situação. (Manuel Cruz Fernandes)
Em Março de 1975, este capitão procede ao levantamento das questões mais urgentes
de cada aldeia403 dos concelhos que tinha sob a sua responsabilidade. Nos seus
cadernos de apontamentos anotou, com pormenor, as principais carências e os
pedidos das populações, que iriam mobilizar a atenção das equipas de dinamização
durante um período superior a um ano.
402 Exceptuando a acção levada a cabo em São Pedro do Sul, que se prolongou até Setembro
de 1975, as restantes campanhas permaneceram no terreno após o 25 de Novembro de 1975.
(Ver cronologia).
403 As situações diagnosticadas são diversificadas: detecção da brucelose no concelho,
Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes. Importa sublinhar que em Correia et al (s/d-
a:120) vem referida, incorrectamente, a data de 18 de Maio de 1976 como inicio desta acção.
180
procurou actuar num conjunto diversificado de sectores, ao contrário das
experiências realizadas nos concelhos de São Pedro do Sul, Sernancelhe e Penedono
que se centraram, como se verá, na área da saúde.
Foto 2 | Equipa de dinamização, Castro Daire, 1975 Foto 3 | Manuel Cruz Fernandes, Castro Daire, 1975.
(Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes) (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)
181
populações408, num trabalho de esclarecimento político face ao aproximar das eleições
para a Assembleia Constituinte409.
Importa sublinhar, que esta campanha se distinguiu pelo importante trabalho das
equipas veterinárias militares no combate à brucelose e à tuberculose bovina411.
Numa primeira fase, fez-se uma campanha de esclarecimento com projecção de
filmes “que mostravam os sintomas da doença, e os perigos, os prejuízos que
causavam, a transmissibilidade para o homem e os efeitos neste.”412. Num segundo
momento, a população foi convidada apresentar os seus animais para se proceder às
recolhas para análise e posterior vacinação:
408 Neste sentido foi elaborado um “inquérito tipo” destinado à população escolar visando um
mais sólido conhecimento do concelho que incluía as seguintes questões:
“N.º de pessoas em casa // N.º de divisões em casa //N.º de camas em casa //Que luz usa
de noite//Quantos andam a estudar//Quantos irmãos são //A que horas sais de casa para
estudar // A que horas chegas a casa//Que distância andas para apanhar transportes// Vive
em casa própria// Gado: Quantas vacas // Quantas ovelhas //Quantas cabras // Quantos
porcos // Tens pinhais // Tens terras// De quem são as terras que teu pai fabrica”. (Caderno
de apontamentos Inicio – 28/04/1975 Fim – 09/05/1975 (Acidente). Arquivo particular de Manuel
Cruz Fernandes)
409 Relatório de Actividades da Equipe de Dinamização de Castro Daire. (Documento manuscrito.
nível da assistência clínica, assistência cirúrgica, higiene, associativismo agrícola. (Relatório das
actividades desenvolvidas pela Equipe Veterinária Militar, no âmbito da Dinamização Cultural em
execução no concelho de Castro Daire, assinado pelo veterinário militar Armando, Pires
Remondes, 27/10/1975. Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes).
412 “Respostas a um Questionário Anónimo Recebido pela Equipa de Dinamização de Castro
182
As doenças contagiosas do gado tem uma grande importância porque as
pessoas que vivem, sobretudo nos meios agrícolas como o vosso nos meios
rurais, em contacto muito estreito com os animais. Porque os estábulos se
encontram muito próximo das vossas casas é evidente que aí existe uma
grande fonte de contágio que é preciso evitar que continue a existir. E por
isso mesmo nós além de tratarmos dos vossos gados propomos fazer uma
coisa que é saber quais os vossos animais que possam estar infectados com
esta doença. Mas também vos queria dizer mais. Quando nós nos
propomos a fazer isto, propomos fazer o seguinte. Em vez destas acções
serem obrigatórias e impostas pela força da lei […] a proposta que eu trago
aqui é diferente. É que sejam os senhores de livre vontade a tomarem um
caminho desses. E então dizerem assim: - sim senhor, nós queremos e
vamos fazer isto voluntariamente porque entendemos que é vantajoso. […]
Depois responderei as perguntas que me quiserem fazer, e que eu
eventualmente saiba responder, mas também vos mostrarei um filme que
não é feito cá em Portugal, que é um filme feito nos Estados Unidos da
América , feito para uso dos agricultores como vós, agricultores com
características diferentes, e para que acreditem que esta preocupação
existe não só aqui entre nós, mas existe noutros países mais avançados do
que o nosso, e que neste momento todo a gente se encontra lutando contra
esta doença […]413.
183
Foto 4 | Sessão de esclarecimento em Cabril, Castro Daire, 1975. (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)
Em Maio de 1975 chega a Castro Daire uma outra equipa, enviada pela CODICE, que
aqui desenvolveria um intenso trabalho na área da Educação, Formação e Teatro.
Conceição Lopes414, na época educadora de infância, era um dos elementos deste
grupo e relembra com emoção a sua experiência:
414 Conceição Lopes, José Capinha Gil e Francisco Albuquerque integravam a parte civil da
CODICE, nas áreas do Teatro e da intervenção com os professores, coordenadas por Vítor
Esteves. Segundo Conceição Lopes este grupo fazia a Dinamização Cultural a partir da
estratégia da intervenção teatral (entrevista gravada, 2000). Importa sublinhar que um dos
resultados deste trabalho foi a peça da autoria de Alfredo Nery Paiva intitulada O Segredo de
Montemuro escrita com base na experiência da construção de uma estrada de acesso à
localidade de Povoa de Montemuro. A peça era protagonizada por 8 personagens. Na parte
dedicada à “Sugestão para o Cenário” pode ler-se: “1 – Tapete como indicativo da estrada que
irá sendo desenrolado à medida que a construção avança.
2 – Mesa e cadeira que representarão a escola, escritório do Senhor Doutor, Câmara, etc.
3 – Três mulheres de preto que permanecerão em cena durante todo o espectáculo. Cada qual
por sua vez demonstrará alegria sempre que se apresentarem os obstáculos concernentes ao
símbolo que representa. A medida que os obstáculos vão sendo vencidos, elas irão retirando
as peças do vestuário negro, surgindo assim, aos poucos, a roupa colorida que trazem por
baixo. A última peça a ser retirada, com a vitória do povo, será o lenço da cabeça, libertando
os cabelos.” Paiva, Alfredo Nery, 1975, O Segredo de Montemuro, CODICE/Sector de Animação
Teatral, Campanha de Acção Cívica de Viseu, Póvoa de Montemuro. (Arquivo particular de
184
O meu trabalho foi sobretudo pensar, conceber estratégias de intervenção que
integrassem os professores e também as crianças, a intervenção com as crianças
como estratégia de intervenção comunitária. E isto porquê? O alvo fundamental, a
finalidade era não só explicar, e portanto não estou a informar, estou a explicar a
informação, do que é que se estava a passar, as transformações ao nível do país,
nomeadamente o que era o 25 de Abril em termos de facto, e que mudanças e que
possibilidades é que isso tinha trazido ao uso da palavra, à determinação e
expressão do pensamento e a ousadia das pessoas poderem assumir o que pensaram
e sobretudo até ter consciência desse património, que na generalidade não era
usado, portanto isso era das grandes riquezas, vulgo o uso da liberdade, ou seja a
construção, a aprendizagem do uso da liberdade. Esta era uma das grandes
finalidades da minha intervenção. (Conceição Lopes, Educadora de Infância;
colaboradora da CODICE)
Diziam que eu era coronel do ELP ou do MDLP, não sei bem, que fazia prática de
tiro na serra com elementos do ELP. Diziam que eu, quando estive na Câmara, que
cometi muitas irregularidades, que cometi muitas injustiças. […] Isso era tudo
inventado por ele. Isso era um pretexto. Eles queriam-me levar preso. […] // Os
sinos tocam a rebate, o povo junta-se todo, comunicam para as povoações e vêm
Manuel Cruz Fernandes). Esta peça nunca foi levada à cena devido aos acontecimentos do 25
de Novembro de 1975 que conduziu à retirada desta equipa do concelho.
415 Este advogado, que na altura deste episódio era Conservador do Registo Civil e Predial de
Castro Daire assumiu funções políticas de relevo durante o Estado Novo das quais se destaca,
entre outras, a de deputado à Assembleia Nacional (1965 – 1973) pelo distrito de Viseu e de
Presidente da Câmara Municipal de Castro Daire entre os anos de 1962 e 1974. Ver anexo IV
para biografia resumida. Este assunto será retomado no sub capítulo 15.2.
185
grupos numerosos, habitantes das aldeias, alguns deles armados. Porque lhes
comunicaram que estavam a prender o Dr. João. […] Eles diziam: - o senhor tem
que ir connosco, tem que ir preso. // Eu disse: - sim, senhor. Chego à porta, o povo
atira-se a eles e agarra-se a mim e mete-me dentro de casa. E eles fugiram todos
diante da minha casa. Uns cobardes inacreditáveis. […] Entretanto vim à janela e
falei ao povo e não me deixavam falar. E eu disse: - Um momento. Peço-lhes
silêncio. Estes homens querem levar-me com eles preso.// - Não vão, não vão –
diziam. // Mas eu quero ir. Porque eu estou perfeitamente inocente. Claro se fosse
hoje eu não dizia isto. Mas naquele tempo a inocência não servia para nada. A
culpa era revolucionária. Eles é que sabiam quem era culpado e quem não estava.
Mesmo que não tivesse culpa nenhuma, para eles era culpado. (João Duarte
Oliveira - advogado e presidente da Câmara Municipal de Castro Daire
entre 1962-1974)
No mesmo dia da tentativa de prisão416, a facção afecta a este notável local coloca em
circulação um comunicado intitulado “Não aos métodos da PIDE” visando a
mobilização da população do concelho para uma manifestação de apoio:
416Este episódio foi noticiado em diferentes jornais nacionais (Comércio do Porto, Diário
Popular, Jornal de Notícias, República, Diário de Notícias, A Luta) e em alguns jornais regionais
como na Voz de Lamego no qual este episódio assume um dos destaques da primeira página.
186
Não fosse a força espontânea das centenas de pessoas que logo se juntaram
e seria mais um a somar aos milhares de presos políticos que, contra todos
os princípios de justiça, aguardam julgamento.
Castrenses, todos à manifestação pela LIBERDADE, pela JUSTIÇA, pela
DIGNIDADE HUMANA, que se realizará hoje, ás 16 horas em Castro
Daire, com concentração no jardim […]417.
Nos seus cadernos de apontamentos, Cruz Fernandes descreve como foi mobilizada a
população para a manifestação, onde se alude ao relevante papel do PPD:
417Não aos Métodos da Pide. Comunicado, 10/10/1975 (Arquivo particular de Manuel Cruz
Fernandes).
187
prenderem [João Duarte Oliveira]. Marcada reunião para o dia seguinte no
Quartel General da RMC com o Brigadeiro Charais e com a equipa de
Castro Daire. Produzimos um comunicado que havia sido acordado em
C[astro] D[Aire] no dia anterior.”
12/10/1975 – Regresso a Castro Daire para dar conhecimento aos partidos
reunidos do que tinham decidido […]418.
Cruz Fernandes).
422 Relatório da Equipe N.º 2 – Castro Daire, 6/11/1975, p. 4. (Arquivo particular de Manuel
Cruz Fernandes). Importa sublinhar que já em Junho de 1975, após o acidente de viação
188
Nova de Paiva, Sernancelhe e Penedono, para o qual solicitam uma entrevista para
apresentação pormenorizada da proposta. Neste sentido, o responsável pelas equipas
de Castro Daire, afirma:
Também Conceição Lopes relata com alguma tensão o dia em que abandona Castro
Daire:
sofrido por Cruz Fernandes, que segundo notas do próprio terá sido provocado com a
finalidade de o “eliminar”, a equipa que se manteve no terreno durante o período em este que
se encontrou hospitalizado elabora um “Plano de Segurança” para enfrentar situações de
emergência (Caderno de apontamentos Inicio – 28/04/1975 -Fim – 09/05/1975 (Acidente),
Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes).
189
mudar não, mas… depois os outros mais facilmente instrumentalizados
avançaram e nós fugimos, aliás fomos retirados, senão éramos linchados lá,
linchados mesmos. [… ] Eu durante muito tempo não conseguia passar em Castro
Daire, sequer. Ao nível emocional não é por isso dos ELP’S, mas a entrega, e os
meninos que passaram lá, e que viveram essa experiência, foi uma coisa
extraordinária.
Informa-se que na visita levada a cabo pelo Chefe e mais dois oficiais da 5ª
Divisão aos trabalhos realizados e em curso no concelho de Castro Daire, a
cargo da equipa de dinamização chefiada pelo Capitão Eng. Tra. Manuel
Cruz Fernandes, se verificou o seguinte:
a. É notável a actuação do referido oficial e da sua equipa no respeito ao
apoio das populações o que é atestado, em especial, pelos numerosos
troços de estradas construídos que passaram a permitir a ligação de 27
povoações a estradas nacionais.
423Não consegui obter a data exacta do terminus desta acção. Contudo, numa directiva datada
de 21 de Abril de 1976, assinada pelo então Chefe da Região Militar Centro, Franco Charais, é
referido que a colocação de Cruz Fernandes, responsável pelo trabalho desenvolvido em
Castro Daire, naquela região militar pretendia “por um lado empregar em proveito de toda a
Região a prática adquirida por este Oficial e por outro, cessar a intervenção directa da 5ª
Divisão na Acção Cívica na área das Unidades da Região, transferindo a responsabilidade
dessa acção para os Comandos das Unidades.” Em nota manuscrita Cruz Fernandes escreverá
“Aqui está a morte da Dinamização”. (Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes).
Também num ofício assinado pelo Adjunto do CEMGFA, dirigido ao Estado-Maior do
Exército (datado de Agosto de 1976), corrobora a duração desta campanha por um período
superior a um ano: “1. Julga-se que a mais prolongada experiência de Acção Cívica teve lugar
na região de Castro Daire onde permaneceu durante mais de um ano uma equipa militar que
foi variando de composição ao longo do período” (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa
Nacional (em organização); caixa 6318).
190
As estradas construídas pareceram aos visitantes reunir características
muito apreciáveis, sobretudo se se tiver em conta que foram realizadas por
pessoal não especializado.
b. Para os resultados obtidos foi decisiva a dinamização das populações
que se organizaram por forma a contribuírem com um trabalho de
angariação de fundos. Doutro modo não teria sido possível a uma equipa
que no máximo atingiu os 18 elementos ter obtido resultados tão
assinaláveis424.
encontrava-se subaproveitado sendo utilizado pelo médico local para algumas consultas. Em
Maio de 1975 este hospital foi reactivado “com serviço de banco equipado com material e
medicamentos dos Serviços Militares de Saúde e um serviço médico e de enfermagem
permanente. […] O trabalho no hospital consistia […] no assegurar de um serviço permanente
de urgências […] e um de consulta diária de medicina, além das consultas semanais das
seguintes especialidades: pediatria, psiquiatria e ginecologia-obstetrícia. […]”(s/d-a:108). A
partir de meados de Julho instalou-se uma unidade de partos, tendo sido criado um pequeno
laboratório de análises. O trabalho realizado era gratuito.
426 Estas equipas para além das consultas domiciliárias, desenvolveram um trabalho em torno
Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC, 19/4/1994. Este assunto será retomado no sub-
capítulo 15.2.
191
Sernancelhe terá sido “ocupado” pela equipa médica do MFA sem consulta prévia
dos responsáveis por esta unidade de saúde:
[…] Pois eles ocuparam tudo sem prevenirem ninguém. Eles vieram pura e
simplesmente e instalaram-se ali. A direcção não foi ouvida para isso. Claro era
uma terra pequena e na altura até por circunstâncias diversas só tínhamos cá um
médico... Mas esse médico trabalhava no Hospital. Não muito, mas trabalhava
alguma coisa, aquilo que era possível. E nem o médico consultaram. Instalaram-se
e só depois é que falaram com ele. Depois de estarem instalados. E eles nunca
internaram ninguém porque todas as camas estavam ocupadas por eles. Chegou a
haver ali 40 viaturas militares. […] Dormiam ali. Estavam ali. Comiam, dormiam,
era ali. O Hospital foi pura e simplesmente ocupado por eles. Eles tinham aí uma
equipa que eles diziam que eram enfermeiros e médicos. Suponho que alguns
seriam. Mas outros não eram. Vieram com o rótulo de médicos sem serem médicos,
outros com o rótulo de enfermeiros sem serem enfermeiros. (Cândido de
Azevedo; pároco de Sernancelhe)
428 Numa reportagem publicada em 2003 na Única, revista do jornal Expresso, intitulada “O
Mundo do Padre Cândido”, este pároco é apresentado como “o espanta comunistas”. (Única,
revista do jornal Expresso, 25/4/2003, p. 104).
429 Entrevista a Cândido de Azevedo, 2000.
192
“Fora os comunistas”430, para Correia et al a “multidão”431 de Cândido de Azevedo
era constituída por cerca de 20 pessoas “afectas aos caciques locais” (s/d-a:116):
Com objectivos idênticos decorreu a acção realizada no concelho de São Pedro do Sul
centrada em três postos de consulta médica que funcionaram de Maio a Setembro de
1975 nas localidades de Macieira, Covas do Rio e Covas do Monte. Contudo, a par do
trabalho na área da saúde433, deu-se início aos trabalhos de abertura de estradas e
relembra os artigos que escreveu sobre este episódio. Num deles, publicado na Voz de Lamego,
dá conta de uma ”grande revelação” que espelhava a acção pouco benéfica das campanhas de
dinamização cultural: “ […] na altura da manifestação em vinte e um de Dezembro, o Povo
ainda não sabia, pois, se o soubesse, teria ido ao extremo no castigo dos blasfemos que nos
enchem de indignação e horror. Num Crucifixo, que arrancaram da parede duma enfermaria
do Hospital, hastearam uma bandeira do MFA, que enfiaram entre a cruz e o Crucificado,
saindo o arame da haste em local e posição indecorosa e de autêntico sacrilégio.” Voz de
Lamego, 12/2/1976, p. 5. Uma fotografia deste crucifixo é apresentada por Cândido de
Azevedo no programa Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC, 19/4/1994 como prova
legitimadora da sua posição face às Campanhas.
433 Em Macieira, onde o médico responsável passou a residir, efectuavam-se consultas
gratuitas diárias. Em Covas do Rio e Covas do Monte a visita deste médico era semanal
realizando-se a consulta no edifício da escola primária. Foram igualmente distribuídos
193
melhoramento de acessos, ao planeamento de algumas infra-estruturas promovendo-
se ainda a constituição de comissões de aldeia434. Estas comunidades beneficiaram
ainda da presença de técnicos agrícolas que procuraram esclarecer “os camponeses
sobre técnicas de cultura, cooperativismo, a próxima devolução dos baldios e as
novas possibilidades de exploração dos terrenos comunais” (Correia et al, s/d-a:114).
Foto 5 | Covas do Rio, 1975. Jornalista russo Foto 6 | Covas do Rio, 1975.
entrevista a equipa de dinamização. (Arquivo particular José Carlos Chã de Almeida)
(Arquivo particular José Carlos Chã de Almeida)
194
poderia começar a dar algumas respostas imediatas aos vários problemas
encontrados. Entre estes, os da saúde surgiram com particular acuidade.
Com efeito, a sociedade capitalista, donde viemos, fez da saúde pública um
rico negócio. A saúde só era garantida a quem tinha possibilidades
económicas para a pagar. […]
Veja-se por exemplo o norte da freguesia de Sul, a freguesia de Covas do
Rio, a freguesia de São Martinho das Moitas e a freguesia do Candal. São
quase quatro freguesias sem um médico, sem um enfermeiro, agravado
tudo isto pela quase inexistência de caminhos e outros meios de
comunicação (telefone, etc.)435.
[…] Repare: a casa que habito foi o povo desta terra que a pôs à minha
disposição.
Prepara-se mesmo para construir uma casa para o “seu” médico.
O Consultório, quer dizer, aquilo a que nós pomposamente chamamos de
consultório, tem um divã que funciona de mesa de observações.
Foi o Povo que a ofereceu. Tem um tacho para ferver seringas. Foi o Povo
que a ofereceu. Tem um fogareiro para ferver as seringas. Foi o Povo que o
deu.
Não tem mais nada. É o consultório do Povo. Pobre como ele436.
Com o aproximar do Verão Quente o trabalho no concelho de São Pedro do Sul torna-
se irregular, reflexo da limitação dos meios disponibilizados e do próprio rumo do
processo de transição política, levando o médico a abandonar estas aldeias,
transferindo-se para a equipa que ainda se encontrava em Sernancelhe.
195
(Correia et al, s/d-a:147)437. A segunda advinha das orientações da CODIDI de
Bragança que, já no seu relatório de Fevereiro de 1975, sublinhava a necessidade de
apoio àquela região, nomeadamente junto dos pequenos e médios agricultores.
Protagonizada por 230 oficiais, sargentos e praças dos três ramos das Forças
Armadas440 e da GNR, da PSP e da Guarda Fiscal, esta campanha, tal como a anterior,
437 De facto alguns dias após a chegada do MFA a Bragança, aparecem as primeiras inscrições
do ELP em vários locais da cidade, nomeadamente na sede do MDP/CDE. (Diário Popular,
27/5/1975, p. 6).
438 Movimento, N.º 24, 25/7/1975, p. 10.
439 Para colmatar uma lacuna várias vezes diagnosticada, a preparação da “Maio-Nordeste”
incluiu um curso de Formação das equipas que iriam para o terreno realizado no Centro de
Sociologia Militar. As matérias abordadas foram: Tarefas socio-políticas dos militares;
Agricultura (com especial incidência na lei do arrendamento rural, reforma agrária, serviço de
apoio ao desenvolvimento agrícola); situação político-económica nacional; saúde pública;
Programa Nacional de Emprego; reconversão das autarquias locais; Cultura popular.
(Movimento, N.º 18, p. 6).
440 As equipas foram auxiliadas por um destacamento de técnicos da Arma de Engenharia. A
196
desenvolveu-se de uma forma faseada, prolongando-se a primeira etapa até ao dia 31
de Maio de 1975. Neste período, 27 equipas, distribuídas por sete zonas, procederam
ao levantamento das necessidades mais urgentes das populações, elaborando
relatórios que viriam a ser estudados pela CODICE, visando garantir uma maior
eficácia das etapas subsequentes.
441 Estas reportagens, de Mário Contumélias (texto) e Rui Homem (fotografias), são
publicadas entre 30/5/1975 e 19/6/1975.
442 Diário de Notícias, 30/5/1975, p. 3.
443Desporto Novo, 23/5/1975, p. 1 e 6/6/76, pp. 8, 10 e 11.
197
populações destas zonas:
A organização era muito naif, muito naif. A Direcção-geral dos Desportos dizia:
vocês podem contar com x bolas de futebol, x bolas de andebol, com x bolas de
basket, tantas tabelas e levávamos esse material para cima e portanto estávamos
circunscritos ao material, que era pouco. Nós fazíamos muito trabalho ao nível da
autoconstrução, tentar que as populações, elas próprias encontrassem o seu espaço
e retirar um pouco a ideia que era preciso ter muita coisa para ter condições.
Bastava terraplenar e para isso havia as máquinas da engenharia militar, que
terraplenavam, depois as balizas eram três paus, portanto não era preciso muita
coisa. (Francisco Carreira da Costa, Técnico da Direcção-Geral dos
Desportos)
198
bola de mini-básquete ou de voleibol. Até aí eles só conheciam a trapeira e
a bola feita de jornais. A outra, a que salta, era qualquer coisa mágica!444
A segunda fase, que decorre entre o dia 1 e 22 de Junho, as equipas são instaladas nas
periferias, e procuram incentivar a criação das estruturas de poder popular
(comissões de moradores e aldeia), debatendo-se, todavia, com um grande
condicionamento dos meios disponibilizados. Num documento do Centro Director
resultante de uma reunião com os delegados concelhios, realizada entre os dias 20 e
22 de Março de 1975, são apontados os êxitos e os fracassos desta etapa:
Manuel Madeira).
199
Neste documento é, ainda, salientada a reduzida adesão da população às ideias do
MFA, sublinhando-se que “o povo não é facilmente mobilizado por ideologias mas
sim por objectivos concretos, mostrando as populações grande interesse e
preocupação em ver alguns problemas resolvidos”447. Neste sentido, são apontadas as
principais fragilidades deste distrito que, uma vez resolvidas contribuiriam para um
melhor aceitação da Dinamização Cultural e Acção Cívica no distrito de Bragança:
Manuel Madeira).
200
esquemas válidos no sul não podem ser mecanicamente transportados para
esta região sob pena de cometerem graves erros.
f) Diversões
O povo é sensível ao teatro, cinema, música e desportos, sendo nossa tarefa
estimular todas as formas existentes, pois são uma forma de organizar as
populações448.
São estes aspectos e preocupações que vão nortear a 3ª fase desta campanha que,
iniciada a 23 de Junho viria a ser suspensa por ordem do CEMGFA a 8 de Outubro de
1975.
Era uma intervenção, então mais dirigida no contexto das transformações das
estruturas de Estado e aí por exemplo: Lei dos baldios. Não a íamos aplicar
directamente, mas criarmos as condições para discutir a aplicação. […] // Havia
que transformar os grémios e estabelecer comissões liquidatárias. Localmente não
havia nada a acontecer. Não havia [risos]. Se em algumas áreas as forças sociais
locais os transformavam, ali não. […] // Simultaneamente existia um organismo
do Ministério da Agricultura que era o SADA, Serviço de Apoio ao
Desenvolvimento Agrário, que tinha grandes dificuldades de actuação e portanto
nalgumas áreas. Houve uma certa colagem, ou nós ao SADA ou eles a nós, para se
reunir sinergias que operassem estas transformações, mas no caso foram
essencialmente as questões das estruturas do sector agrícola. // Era, de facto, uma
campanha de paralelismo e extensão do aparelho de Estado, a estrutura, como ela
era pensada, os grupos, as pessoas de várias especialidades. (Manuel Madeira)
201
medidas da Reforma Agrária450 destinadas à zona Norte e Centro do país. Desta
forma, foram apoiadas as cooperativas agrícolas e comissões liquidatárias dos ex-
grémios da lavoura, a comercialização de produtos agrícolas e gados promovendo,
ainda, o esclarecimento das novas medidas legislativas que enquadravam os terrenos
baldios.
A democratização das cooperativas agrícolas foi uma das medidas promulgadas pelo
IV Governo Provisório, que procurava estende-las aos pequenos e médios
agricultores, criando mecanismos que lhes possibilitassem dirigir e administrar estas
instituições451. Segundo Baptista (2001:201), o controlo das cooperativas agrícolas, que
enquadravam a actividade das explorações, constituía um dos alicerces do domínio
das famílias ligadas aos patrimónios fundiários sobre as comunidades rurais. Na
tentativa de proteger os interesses dos pequenos e médios agricultores, o MFA
interveio no saneamento das Cooperativas de Macedo de Cavaleiros, Alfandega da
Fé e Terra Fria, bem como no Complexo Agro-Industrial do Cachão, procurando
potenciar o seu funcionamento. Neste domínio a intervenção do MFA centrou-se
ainda na reformulação de algumas comissões liquidatária dos ex-grémios da lavoura
(Correia et al, s/d-a:172)452.
No que concerne aos baldios, importa sublinhar que ao longo da história, estes
terrenos, foram alvo de constantes tentativas de usurpação por parte do Estado ou
dos “grandes senhores”, constituindo um símbolo de resistência das populações
rurais, sobretudo em regiões de minifúndio (Rodrigues, 1987). Durante o Estado
Agrária afirmando-se que ”o avanço tem sido bastante lento, tendo contudo sido ocupada
uma propriedade em Cortiços-Macedo de Cavaleiros”. Equipa do SADA, 19/9/1975, Relatório
da Actividade do SADA nos concelhos de Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Alfandega da Fé e
colaboração Prestada ao MFA, p. 3, manusc, (Arquivo particular Manuel Madeira). Sobre este
assunto ver Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, SIC, 19/04/1994.
451 Este diploma teve uma taxa de execução muito reduzida no Norte e Centro do país e foi
uma das medidas estatais que encontraram maior oposição nesta região (Baptista, 2001:202).
452 Segundo relatório do Centro Director da Campanha “Maio-Nordeste” as direcções de
202
Novo a intensificação das acções de contestação foram o espelho de uma política
florestal453 que retirou às comunidades rurais cerca de 320 000 hectares baldios, dos
quais florestou cerca de 90 por cento (Baptista, 2001). Com o 25 de Abril454, o debate
em torno desta questão é retomado sendo apropriado pelo MFA como símbolo da
opressão das comunidades camponesas, ao mesmo tempo que permite introduzir
uma outra discussão centrada em torno da colectivização da propriedade e do
trabalho 455.
453 Sobre a contestação da política florestal no Estado Novo ver Freire (2004).
454 Em Agosto de 1975, o V Governo aprovou um diploma que consagrava a devolução dos
baldios às populações. Contudo, o VI Governo Provisório viria a travar a sua saída, só
entrando em vigor as medidas legislativas que enquadravam aquela devolução em Janeiro de
1976 (Baptista, 2001).
455 Sobre este assunto ver capítulos 13 e 14.
456 Neste sentido importa referir as alusões que o já citado relatório de uma equipa do SADA
faz sobre as movimentações contra esta campanha: “ […] Logo que a situação política
começou a alterar-se começaram a surgir as primeiras provas de antipatia, não propriamente
das populações mas sim dos caciques locais, padres, pessoas influentes como profissões
liberais e outras, intermediários de produtos agrícolas, funcionários públicos não saneados e
comprometidos com o regime deposto, retornados, saneados (muito poucos), grandes
agrários e outros que montaram um esquema devidamente sincronizado de forma a lançarem
no ridículo a actuação da campanha Maio-Nordeste, no que auxiliaram muito também certos
partidos políticos que através da sua carência de quadros ou de alguns quadros (muitos)
identificados com o regime deposto que não procedendo de forma a politizar e esclarecer as
populações rurais, apenas serviram para arregimentar e deturpar todo o processo. (Equipa do
SADA, 19/9/1975, Relatório da Actividade do SADA nos concelhos de Mirandela, Macedo de
Cavaleiros, Alfandega da Fé e colaboração Prestada ao MFA, p. 1:2, Arquivo particular Manuel
Madeira).
457 Segundo Carreira da Costa com o aproximar do “Verão quente”, caracterizado por um
processo de mobilização marcado pelo assalto às sedes dos partidos à esquerda do Partido
Socialista, a vários sindicatos e ainda pela visibilidade das acção do ELP, saíram indicações
para que os membros das equipas andassem sempre acompanhados. (Entrevista gravada,
2002)
458 Atente-se a uma comunicado do MDLP que circulava no distrito de Bragança: “Hoje já
todos sabemos que a Reforma Agrária Não passa de ocupações selvagens que reduzirão ainda
203
Transmontanos) 459. São ainda referidos os assaltos às sedes de partidos políticos e o
lançamento de boatos contra os vários organismos governamentais, deturpando a
índole do trabalho realizado460.
Carreira da Costa recorda, hoje num discurso onde o riso emerge, o sentimento de
medo que viveu em Bragança, onde a produção de um clima de insegurança era, de
facto, eficaz:
mais o pais à miséria; organizadas pelo Partido Comunista que para isso utilizou traidores
portugueses treinados em Moscovo e Praga! […]
Que as lutas partidárias e os traidores do MFA que obrigaram ao exílio ou mantém presos
camaradas cuja honra de militares e patriotas é inatacável, conduziram o povo português
para a miséria e para o ódio fratricida, do qual só tira proveito o comunismo internacional.
- Que é chegada finalmente a hora de libertar Portugal, acabando com a exploração da
Maioria pela Minoria.
Se és patriota e democrata verdadeiro … Prepara-te …
O Movimento Democrático pela Libertação de Portugal conta contigo! Na tua rua… No teu
emprego… na tua fábrica… na tua vila, os militantes do MDLP contam com a tua força e
determinação na hora próxima. Combate por uma democracia Social Pluralista e Livre! Sê um
português digno de ti próprio! Viva Portugal” Com Spínola Venceremos!” (Comunicado, s/d
[1975], Arquivo particular de Júlio Carvalho).
459 Para além do CAT, surgiu também em Bragança, o Movimento de Libertação do Povo
de Manuel Madeira).
204
quartel da GNR em Vinhais e fomos para a cidade de Bragança para uma pensão.
E lembro-me perfeitamente que na altura dizia-se que o ELP ia atacar e então nós
ouvimos um barulho nas escadas da pensão, para cima, para baixo. E nós próprios
estávamos assustados. Será que eles sabem que está aqui gente do MFA e nos vão
atacar. E [risos] eu estava no quarto com o Dr. Manuel de Brito e barricamo-nos.
Mas nunca houve nada. (Francisco Carreira da Costa)
205
A contestação das populações e dos partidos políticos dominantes será determinante
para a suspensão da campanha “Maio-Nordeste” a 8 de Outubro pelo Chefe de
Estado-Maior, General Costa Gomes, que segundo o Diário de Notícias463, terá sido
solicitada pelo então Comandante da Região Militar Norte, brigadeiro Pires Veloso,
que desde o início discordou da presença do COPCON em Bragança:
206
Depois por aquilo que o Otelo me disse vi também que eles não seriam
militares. Mesmo que fossem havia outra maneira de tratar com eles. Mas
de qualquer modo também não serviam, porque mesmo que fossem
militares estavam a criar uma divisão entre a população e as Forças
Armadas. E havia já quando eu cheguei, havia já um fosso profundo entre
militares e povo. O que eu não compreendo nem aceitava de maneira
nenhuma.
Então o que é que eu fiz. Não gostei do que o Otelo me disse na altura...
Pensei, decidi, como militar que não gosta de palhaçadas, e corri com eles.
Dei-lhes 24 horas para saírem da região militar465.
Para a equipa militar que trabalhou no concelho de Bragança a sua partida iria
implicar “a destruição de toda a organização popular, e o que é mais grave, que o
preconizado no programa do MFA, APOIO ÀS CLASSES MAIS DESFAVORECIDAS,
não será levado à prática, pois todos os organismos estatais, na sua generalidade,
19/04/1994. Importa sublinhar que uma das primeiras medidas de Pires Veloso foi mandar
recolher às unidades de origem a maior parte dos oficiais milicianos empenhados nas
campanhas de dinamização (Tavares, 2001:53), o que teve consequências não só ao nível da
“Maio-Nordeste” mas também ao nível das outras campanhas que ainda decorriam no
distrito de Viseu.
466 Diário de Notícias, 18/10/1975 (p. 8), 22/10/1975 (p. 13), 23/10/1975 (p. 2).
467 Mensageiro de Bragança, 31/10/1975, p. 5.
207
estão mais ou menos enfeudados às classes privilegiadas que manobram a
organização recebida do fascismo e não destruída.” (Correia et al, s/d-a:186).
Um grupo de trabalhadores da Guerin foi trabalhar para o campo e fez uma data de
parques para crianças, fez trabalhos...Estava-se a desenvolver a ideia de haver uma
ligação às associações de trabalhadores dos grandes centros industriais de Lisboa e
da cintura industrial, de irem para o campo com os meios que nós fornecíamos,
para desenvolverem exactamente esta capacidade. (Manuel Begonha)
Importa sublinhar que no dia 21 de Junho de 1975 se tinha realizado uma conferência de
468
imprensa no Governo Civil de Castelo Branco para informar as entidades e populações locais
dos objectivos desta campanha. (Notícias da Covilhã, 20/6/1975, p. 7).
208
braçal que se traduzirá em realizações visíveis […] para tentar ir na prática
concreta ao encontro dessas necessidades.
b) Desenvolver o espírito de cooperação, chamando as pessoas da
localidade a participarem no esforço colectivo […].
c) Dinamizar culturalmente as populações, através de grupos de teatro,
projectos de filmes, debates, manifestações artísticas, etc., que despertem a
atenção de pessoas para problemas de índole cultural para os quais até hoje
ainda não foram motivadas. […]
e) Demonstrar na prática que as populações das aldeias mais distantes e
isoladas não estão, na verdade, separadas do resto do país e do mundo
procurando integrá-las no processo revolucionário em curso, pela via que
essas mesmas populações decidirem seguir, sem imposições de ideias que
violem a sua consciência colectiva.
f) Dinamizar os próprios participantes da campanha para se integrarem
pela prática numa via de unidade de igualdade efectiva pelo Socialismo, o
que só será possível a todo o povo português, através do conhecimento
vivo e profundo dos problemas concretos do nosso povo e pela humildade
necessária para aprender com aqueles com quem vão viver durante a
campanha […] 469.
Dois dias depois tem início a última campanha a partir para o terreno. Ao distrito da
Guarda chegam os alunos da Academia Militar que, sob o lema “Trabalhar com o
Povo, Construir a Revolução”, aí permanecem durante três semanas. Coordenada
pela CODICE e pela Academia Militar, esta campanha foi protagonizada por cerca de
500 indivíduos, entre efectivos da Academia Militar, da Força Aérea, da GNR, da
Guarda Fiscal, das Unidades da região e elementos civis não só da Academia Militar
209
mas também oriundos de quadros técnicos das autarquias locais e outros organismos
do Estado471.
Parece fora de dúvida que os programas que vinham seguidos nesta casa
não satisfaziam as exigências para a formação dos oficiais que, nesta altura,
pretendemos e necessitamos. E que se pretende que sejam verdadeiros
militantes do MFA. Por isso , optou-se nesta fase de transição por um
programa intensivo de dinamização, pois se mantivéssemos a vida
tradicional desta casa correríamos o risco de mandarmos para as Escolas
Práticas, ou seja, de pormos a comandar oficiais que no mínimo, e à
partida, estariam impreparados para essa missão. […]
Neste final de ano lectivo, o mestre vai ser o povo, do qual nos vamos
aproximar colaborando na sua organização colectiva e na realização de
tarefas concretas que venham ao encontro das suas reais necessidades472.
O jornal A Guarda descreve com pormenor o trabalho realizado pelos jovens oficiais e
pelas populações dos diferentes locais: abastecimento de água, electrificação e
reparação de escolas primárias, construção de estradas, lavadouros, tanques,
chafarizes e ginásios rurais. Ajudaram na ceifa das searas, no combate aos incêndios e
ainda na criação de Comissões de Aldeia474. No âmbito da animação cultural,
realizaram-se exposições de pintura, sessões de pintura infantil, projectaram-se
210
filmes e slides, tendo-se ainda impulsionado os hábitos de leitura com a colaboração
da Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian475.
475 Academia Militar, Trabalhar com o Povo Construir a Revolução, N.º 8, 2/8/1975, p. 3
476 Foram publicados oito números deste boletim pela Academia Militar (Arquivo particular
Rodrigo de Freitas; Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional - em organização;
caixa 6319).
477 Academia Militar, Trabalhar com o Povo Construir a Revolução, N.º 8, 2/8/1975, p. 3.
478 Ver capítulo 7.1. onde é abordada a actividade deste gabinete.
479 Estas missões realizaram-se desde o final de Novembro de 1974 a Junho de 1975
211
localidade. Para os responsáveis da
CODICE o grande objectivo destas
acções repousava no desfazer “da
imagem retorcida” que os emigrantes
tinham de Portugal e do processo
revolucionário:
Inglaterra, Suiça, Alemanha, Suiça, RFA. O Brasil não foi incluído face à grande dimensão
deste país e por limitação dos meios disponíveis (Diário de Notícias, 24/1/1975, p. 3).
Quanto aos EUA, Ramiro Correia, em reunião do Conselho da Revolução onde se abordou a
posição dos emigrantes açorianos face à nova situação política em Portugal, terá proposto
uma deslocação a este país no âmbito da Dinamização Cultural do MFA. (CR, Acta da reunião
de 11/4/1975. Arquivo Mário Soares, 02975.005, im. 4). Segundo Stoer, os EUA foi o único
país que recusou a entrada destas missões (1984:177).
Ver a data das diferentes missões na cronologia em anexo.
480 Vida Mundial, 14/12/1674, p. 6.
212
pessoas. Estava lá a nossa comunidade toda em peso para fazer perguntas.
Queriam saber como é que era, como é o novo regime, o que é que a gente tem que
fazer? (Delgado da Fonseca)
Em Roterdão falámos para cinco mil pessoas. O laço não existia até aí… Foi o
começo de quebrar isso, obviamente que estava lá tudo. Os emigrantes queriam
saber o que é que se passava. Era quase a mesma atitude que nas aldeias. As
pessoas saíram das aldeias para ir para um gueto, não digo um gueto, mas para um
ambiente relativamente fechado. (Manuel Madeira)
213
espírito democrático, e no final cravos vermelhos foram distribuídos e os
vivas a Portugal e à democracia sendo cantada por todos a canção do Zeca
Afonso, «Grândola, Vila Morena»481.
Foto 8 | Povoação do concelho de Castro Daire, 1975 (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)
214
esclarecimento ancorar-se-ia, então, nos “problemas efectivamente vividos por essa
comunidade”482, orientação que encontrou eco nos pressupostos de intervenção do
sector civil da CODICE:
Enquanto palhaço, quando chegava às aldeias procurava sentir o que estava ali em
causa. Não havia batatas por causa da chuva, não havia azeite, não havia escolas,
condições sanitárias … E eu depois punha isto dentro dos meus sketches, integrava
e assim chamava a atenção das populações, tentava dialogar com eles, partilhar
com elas […]. (Teresa Ricou)
Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
215
Importa sublinhar que esta “linha mestra”, desenvolvida na primeira directiva da
CODICE, parece antecipar, desde logo, as resistências esperadas:
216
CODICE. Contudo, existiam algumas preocupações que foram comuns a um modus
operandi definido com rigor nos documentos iniciais da CODICE, que se mantiveram
nas diferentes fases das campanhas, nomeadamente a constituição e competência das
comissões e sub-comissões dinamizadoras486, a credenciação dos “elementos civis”
pelo Ministério da Comunicação Social e pelas Forças Armadas, bem como a
obrigatoriedade do esclarecimento da situação política e do Programa do MFA ser da
exclusiva responsabilidade do sector militar487.
Importa salientar que na fase inicial da Dinamização Cultural algumas unidades das
Regiões Militares já tinham dado início ao trabalho de esclarecimento pelo que a
posterior articulação entre a CODICE e as estruturas militares regionais foi
controversa, como notou Delgado da Fonseca489:
486 Estas comissões deveriam incluir militares das unidades locais próximas das zonas onde as
sessões decorreriam.
487 Directiva 5ª Divisão/EMGFA, s/d [1974]. (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida
Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização Cultural,
Comissão Dinamizadora Central”).
488 Conjunto de ofícios da CODICE dirigidos à Secretaria de Estado da Agricultura, à
D, 19/4/1994, SIC, reforçada pela posição de José Manuel Barroso que destrinça as acções
levadas a cabo pelas unidades militares locais e as campanhas organizadas a nível central.
217
Os militares que envolvemos na campanha das várias unidades da Região Militar
[Norte] tinham uma característica mais ou menos comum. Primeiro alguns eram
capitães que tinham larga experiência de comando de tropas […] e havia
milicianos originários da região e portanto conheciam a linguagem. Portanto nesta
fase nunca houve o mais pequenino problema, nunca houve o mais pequeno
problema. Depois começou a haver directivas cada vez mais apertadas, cada vez
mais dirigidas vindas aqui de Lisboa. E sobretudo começaram os movimentos
políticos aqui de Lisboa a quererem intrometer-se, a quererem ser eles a ir fazer as
coisas. Foi o caso das campanhas do Nordeste feitas pelo Otelo e toda a extrema-
esquerda militante e folclórica aqui de Lisboa que, citadinos a 100% sem saberem
nada de nada, se lançaram em operações no interior do território. […] Eram
operações militares organizadas que não tinham nada a ver com estas operações de
quadrícula que nós estávamos a fazer.[…] Caem em zonas rurais, gente a fazer
discursos extremamente agressivos, politicamente ideologizados, sem perceberem
nada de nada da vida daquela gente. E aí começam a surgir conflitos e começam
também entrar outras forças, nomeadamente os padres. Porquê? Porque esta gente
vai daqui com esse discurso e começa a agredir quem lá está […]. Eu, por exemplo,
não tive nunca problemas em nenhuma sessão organizada por nós na Região
Militar Norte, nenhuma, nenhuma. […] E, no entanto, fomos culpados de tudo e
mais alguma coisa […] fundamentalmente pela reacção provocada por esta gente
que foi lá para cima, contra a nossa vontade e contra a vontade de Comandante-
Geral. (Delgado da Fonseca)
490Os contactos com os órgãos de comunicação locais eram oficializados com uma reunião
com os seus responsáveis no sentido de difundirem a agenda da Dinamização Cultural. Disto
é exemplo o encontro realizado entre a CODICE, nas pessoas de Ramiro Correia e Manuel
Begonha e a imprensa regional do distrito de Castelo Branco, muito bem acolhido por um dos
jornais da região. O Notícias da Covilhã descreve em tom valorativo os conteúdos da reunião:
“Sem minimizar qualquer outra actividade da campanha de dinamização, consideramos
muito significativo o encontro com a Imprensa Regional do distrito realizado em Castelo
Branco. […] O 1.º Tenente Ramiro Correia situou as campanhas de dinamização cultural no
actual processo político e focou a importância da Imprensa Regional, dizendo a propósito da
imprensa regional do distrito de Castelo Branco: «é uma imprensa de que temos tido menos
queixas».” (Notícias da Covilhã, 01/1/1975, p. 1).
218
coordenador da Comissão Dinamizadora Regional de Coimbra, major Lopes Furtado
dá conta do trabalho de preparação feito pelas Comissões Dinamizadoras Regionais:
Temos neste distrito 303 freguesias e para cada uma delas é necessário um
trabalho que envolve, na prática, um dia ou dois em que as equipas vão em
missão de aviso e preparação dos locais para a sua actuação. Aí contactam,
por exemplo com os professores, o padre, elementos da junta de freguesia e
da própria população, colam cartazes, etc., a seguir efectua-se a sessão
anunciada, mas a equipa chega muito antes da hora prevista para essa
sessão, no intuito de, em contacto directo nas ruas, com a população,
derrubar completamente qualquer barreira de desconfiança que pudesse
existir. As sessões, por sua vez, realizam-se sempre à noite, e é já de
madrugada que os rapazes regressam. No dia seguinte, há que proceder à
elaboração do relatório que inclui todas as queixas e denúncias colhidas
durante a sessão.
Por conseguinte, cada sessão de esclarecimento ocupa um mínimo de três
ou quatro dias […]491.
219
dia de chuva torrencial, numa aldeia entre Penafiel e o Porto, ali no meio daquelas
matas […], organizaram a reunião numa vacaria. Puseram as vacas fora e fizeram
a reunião na vacaria que estava completamente cheia de gente, jovens, mulheres,
velhos, toda a gente da aldeia e puseram-nos a nós a falar na manjedoura.
Normalmente eram sessões muito directas. Normalmente havia uma pequena
exposição e depois as pessoas começavam as fazer perguntas. A característica mais
espantosa daquela época e que revela todos os movimentos sociais era que toda a
gente fazia perguntas. E nós lá íamos respondendo dentro de uma lógica de formar
politicamente, mas não partidariamente. Embora depois houve evoluções porque às
tantas a direita desapareceu e só havia esquerda e portanto o discurso, quer a gente
quisesse quer não, era sempre um discurso de esquerda. Nos primeiros três quatro
meses, só na Região Militar do Porto, realizámos mais de mil, duas mil sessões
deste género. (Delgado da Fonseca)
494 Esta situação foi, também, referida no relatório que a equipa da CIASC elaborou aquando
da sua participação na “Acção Atlântida” (Açores, “Acção Atlântida”, Centro Documentação 25
de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa CIASC – Regiões - Ilhas, Açores).
Muitas vezes era de forma anónima que as perguntas chegavam “à mesa”, redigidas num
papel. (RDP – Arquivo Histórico, AHD5243 – faixa 6, 8/1/1975).
495 Foram consultados os relatórios de acção disponíveis no Arquivo do Ministério da Defesa
220
“Colectividades a Formar”; “Indivíduos Dinâmicos e Com Interesse Para a
Campanha”) e “Observações”.
Eu nunca andei com armas, nunca. Primeiro eu não queria e depois também fui
instruído: - Essas coisas não há! A não ser que haja alguma provocação. Porque
isso é intimidação. Nunca na vida, ninguém entrou dentro de uma povoação com
armas na mão ou à cinta. Estavam lá guardadas. Nós às vezes vínhamos às tantas
da manhã lá de não se sabe de onde, sem luz, sem nada, […] e eu não tinha uma
arma, não tinha nada. […] // […] a gente tinha fardas de trabalho, tinha um
camuflado […] e tinha uma farda para situações mais formais. Para avaliar o
cuidado com que tudo era feito, um dia fui aconselhado, não obrigado, a vestir esta
farda formal sempre que tivesse uma reunião pública. […} E isto tem razão de ser
porque nós tentávamos passar a mensagem que queríamos que as pessoas
acreditassem que nós estávamos ali porque eram eles que mereciam que nós ali
estivéssemos. […] Nós aparecíamos assim todos bonitinhos, todos barbeadinhos,
como deve ser. Eles gostavam, porque havia uma retribuição. (Francisco Simões)
Vindo do sector civil da CODICE, José Capinha Gil aponta preocupações análogas:
[…] houve sempre algum cuidado, talvez inocente, talvez juvenil, de não
chocarmos muito com as tradições locais, nomeadamente com as tradições
religiosas e talvez por isso nós pertencíamos a uma esquerda, chamada uma
esquerda católica ou esquerda revolucionária porque isso permitia-nos intervir
delicadamente nesses meios com uma certa pureza e uma certa tranquilidade. O
que não fez com que não houvesse, como é que eu hei-de dizer, na verdade
momentos críticos, houve momentos difíceis nomeadamente com o aproximar do
25 de Novembro. É bom as pessoas terem a ideia, como eu disse há pouco, se existe
democracia em Portugal, houve muitos jovens que se sacrificaram e quando se fala
hoje de stress da guerra colonial, talvez se devesse falar um pouco do stress da
221
guerra, que foi uma guerra de paz mas que foi uma guerra de consolidação da
democracia em certas zonas do país. (José Capinha Gil)
A opção pelo modelo “fixo” de campanhas implicou uma maior exposição das
equipas de dinamização pelo que o seu comportamento seria responsável pelo êxito
parcial da sua intervenção. Referindo-se ao trabalho desenvolvido pelas equipas de
dinamização no concelho de Castro Daire, o seu responsável sublinha a opção por
uma “vida de monge” fundamentada por razões económicas497 que acabou por se
transformar numa estratégia favorável no contacto com as populações:
O nosso hotel era a cadeia, que tinha sido abandonada, e umas instalações no
tribunal. Nós estávamos onde o Estado não pagava nada e aproveitávamos […]
Era uma vida um bocado de monge. […] Água quente não existia.[…] Nos
primeiros tempos comíamos nas escolas do secundário, e nessa altura as comidas
deixavam muito a desejar, mas era isso que nos serviam. E comíamos no meio dos
miúdos! (Manuel Cruz Fernandes)
497Importa sublinhar que mesmo antes da adopção do modelo fixo, a contenção de gastos foi
sempre acautelada. Neste sentido atente-se às afirmações de Geraldo Lourenço: O dinheiro que
nós levávamos era os nossos vencimentos militares. Todo o militar tem direito a almoço e jantar e para
isso o Estado desembolsa um x. Era com essa dotação que nos era atribuída que nós suportávamos a
nossa alimentação no terreno. O Estado não dava mais. Portanto, nós tínhamos que ter uma maneira
economicista. As coisas tornavam-se fáceis porque as pessoas lá no terreno também nos ajudavam.
222
Se não houver uma orientação racional do trabalho, os tempos mortos
existentes serão explorados pelas forças contra-revolucionárias e a arma
pode voltar-se contra os que a utilizam.
Uma forma de avaliar a eficiência e a disciplina destas equipas e por
conseguinte do Exército será de vez em quando dar um prazo austero para
executar determinada tarefa, como se fosse uma situação de guerra.
Deverá existir uma grande austeridade económica. Os militares são
considerados um exemplo pela população. É necessário que cada militar
seja um trabalhador. É indispensável que cada trabalhador seja um
Revolucionário.
O ambiente que se conseguir criar nesta Escola será aproveitado pelos
soldados e também pela população porque esta ESCOLA É
TRANSPARENTE498.
É claro que nos Açores havia uma particularidade. Vamos lá, contactar com
isolamento. E depois é claro, tínhamos que ter o cuidado, teríamos que ter um
cuidado redobrado, por um lado pelo fecho, não é que as pessoas fossem mais
tradicionais que as daqui, talvez mais, mas o isolamento dava-lhe um arreganho
498 “Estado Maior General das Forças Armadas 5ª Divisão, Dinamização Cultural e Acção
223
maior e eram sociedades fechadas como ainda o são e viaja-se sempre pior nestas
circunstâncias do que em outras. E a Igreja fez uma pressão muito grande. Foram
desenvolvidas [as sessões] com uma certa contenção. (Manuel Madeira)
A maior parte das pessoas quando a linguagem era um bocadinho mais sofisticada
já não a compreendia. E nós tínhamos que ter a capacidade de descer – e permita-se
aqui a vaidade – de descer à linguagem e compreensão daqueles povos. E isso foi
muito bom, foi realmente muito útil. (Geraldo Lourenço)
E se quer que lhe diga, cometeram-se erros dramáticos. Eu hoje pergunto-me, isso
não sei se lhe interessa, houve cenas que eu assisti que eu hoje interrogo-me se foi
ingenuidade da parte de alguns militares, ou se era boicote efectivo. Lembro-me de
uma sessão numa escola primária em que nós fomos recebidos à moda de Salazar
com as criancinhas todas da aldeia de bata branca, com as bandeirinhas de
Portugal que nós vemos nos filmes, como eu fiz quando era novo, como nós éramos
obrigados a desfilar para os políticos. Fomos recebidos como se não houvesse
diferença. // E depois houve a sessão e havia o quadro, ainda estava o quadro do
Almirante Américo Tomás. Portanto, estava o crucifixo e o quadro. E chegou um
militar que ia connosco à escola e ante toda a gente e disse assim: // - Tirem o
quadro, tirem o crucifixo e tirem o quadro do Almirante Tomás porque agora o
santo que há é o S. Marx. / /Eu estava lá e fiquei estarrecido, fiquei estarrecido. E
na altura discutimos se tinha sido falta de preparação política. Eu hoje estou
convencido de que não foi falta de preparação política. Eu acho que no meio
daquela confusão toda, havia mesmo militares que conscientemente estavam a fazer
a contra-revolução. […] // Diria-lhe que muitas dessas pessoas que iam para as
campanhas eram de um radicalismo perfeitamente impróprio para aquelas pessoas,
para uma situação política que era muito mais retrógrada do que é hoje. Portanto,
hoje nós reagiríamos, ou as pessoas reagiriam aquilo, mas hoje eles sabem o que é a
224
democracia. Agora, para pessoas que tinham vivido num determinado regime ir
com um discurso perfeitamente radical, perfeitamente deslocado. Eu chamava-lhe
mais um discurso completamente desfasado da realidade. (Francisco Carreira da
Costa)
Numa sessão de dinamização numa aldeia lá de cima, vai daqui um rapaz aqui de
Lisboa com um grande escaparate de forças, juntam a aldeia toda e começam a falar
com eles. Deitam um grande discurso extremamente ideológico, muito aguerrido.
E depois, no meio das perguntas e das respostas surge de lá um camponês que sai
de lá detrás, vem cá para a frente e diz: // - Senhor militar o que é isto. Abre a mão
e diz: - O que é isto?. // - Isso, isso é trigo! // Acabou a guerra. Foram-se todos
embora porque não era trigo, era centeio! (Delgado da Fonseca)
Nós levámos ideias muito avançadas a serem semeadas num terreno muito
atrasado. Ou seja ir para uma terra de padres, digo padres porque eles
simbolizavam um status quo, não é por outra razão, […] era uma mistura que era
muito difícil. // Por outro lado, se uma vez ou outra, apareceu um indivíduo com
as minhas características, saído justamente da massa daquela gente, com as
mesmas vivências infantis, chamar rigorosamente o nome às coisas o nome que
elas tinham, falávamos do coração, de igual para igual, isto eliminava
imediatamente a rejeição. Podiam fazer o que quisessem que a população não
embarcava nisso. Eu era dos deles, eu falava com a voz deles, sentia como eles
sentiam e envolvia-me. // A ideia generosa da dinamização tinha provavelmente
uma mancha, o começo de uma coloração, poderia ter dado numa convergência
muito totalitária e nessa altura eu seria uma daqueles que teria sido rejeitado, se eu
tivesse tomado a outra ponta, dos marxismos […]. Muitas pessoas que conheci
tinham uma formação universitária muito boa, mas com uma linguagem que
nitidamente não colava naquele sítio. […] // Não sei se isto terá o peso para si que
tem para mim. Se uma população inteira de uma aldeia e que nunca saiu de lá sem
ser a pé […], mesmo quando foi a enterrar nunca saiu de lá sem ser às costas,
então um dia quando o meio de transporte lhe chegou à beira de casa […,] está
225
aberta a porta. […] Cada coisa ficou no lugar que a população decidiu que ficava.
Aquela é a nossa estrada! […] Aquele é o nosso 25 de Abril! (Manuel Cruz
Fernandes)
Quando vamos para a primeira campanha oficial, que foi para Lamego, uma das
coisas que nós definimos foi separarmos a parte cultural da parte militar porque
aconteceram muitos disparates. Hoje podemos falar com uma certa distância e
perceber. Ali estavam destacados dois ou três tipos mais interessados e com outro
tipo de perspectiva, mas a maioria chegava ali e prometia mundos e fundos às
populações e nós não queríamos ser cúmplices. E depois acabava tudo em grandes
festanças […]. E não nos interessava. Aí tivemos uma reunião com o Otelo em
Lamego e dissemos: - Nós queremos fazer isto em separado. Vão vocês fazer a vossa
campanha de dinamização e nós fazemos no dia seguinte o teatro. […] Havia ali
um bocado de demagogia e populismo, etc. […] // Eles não aceitaram. Acharam
que nós estávamos a ter uma atitude elitista em relação a eles e nós explicamos que
não. […] Em Lamego conseguimos fazer isso. Depois perceberam que era melhor
nós irmos na véspera e eles no dia seguinte porque mobilizávamos mais as pessoas.
Depois, a do Minho também porque havia duas pessoas que nos defenderam: o
[Faria] Paulino e o Ramiro [Correia]. // Embora eu continue a dizer que a
experiência foi fantástica, foi extraordinária. O problema é que foi de tal modo forte
e quer o ramo militar quer o ramo cultural que acompanhou, as pessoas do cinema,
do bailado e teatro, percebemos a força que isto tinha, e a chamada 5ª Divisão
aproveitou politicamente a força disto e quis tornar isto numa coisa completamente
diferente. (Carlos Paulo)
226
“boas intenções” foram realizadas de “forma apressada e na maioria das vezes
folclórica” (Lourenço, 1976:147). Aliada a esta “urgência”, também a questão da
partidarização da Dinamização Cultural constitui um tema controverso.
Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
227
em acções portanto comuns” (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984: 104). Dois
meses mais tarde, em entrevista à revista Flama, afirma que “as pessoas são
informadas apartidariamente mas politicamente ”num quadro de preparação prévia
para o futuro trabalho dos partidos políticos. A politização foi, assim, um objectivo
fulcral durante todo o período de vigência das Campanhas:
É curioso que se veio a repor que também não eram umas campanhas tão
partidárias ou tão más como isso, já que a CODICE não foi extinta como foi a 5ª
Divisão. (Manuel Begonha)
228
Vasco Pinto Leite503 reforça a questão do apartidarismo das Campanhas de
Dinamização, evocando as intenções de Ramiro Correia que, na sua óptica, procurou
que esta iniciativa fosse participada por todas as forças do leque partidário:
As Campanhas procuravam, desta forma, cumprir uma das suas missões que
consistia no esclarecimento do Programa do Movimento das Forças Armadas, que
estabeleceu como medida imediata a convocação, no prazo de doze meses, de uma
Assembleia Nacional Constituinte, eleita por “sufrágio universal, directo e
secreto”505, preparando o país para o processo eleitoral que culminaria com as
eleições para a Assembleia Constituinte realizadas a 25 de Abril de 1975. Na óptica
dos seus organizadores as Campanhas de Dinamização surgem
503 No mesmo sentido são suas declarações ao jornal Sempre Fixe por ocasião da viagem
preparatória das Campanhas de Dinamização aos arquipélagos dos Açores e Madeira em
Novembro de 1974 (Sempre Fixe, 30/11/1974, p. 16).
504 Dinamização Cultural. O fracasso do 4.º D, 19/4/1994, SIC.
505 Programa do Movimento das Forças Armadas, s/d, [1974]:1. (Arquivo Histórico do Ministério
229
processo eleitoral, quer na política de carácter anti-eleitoralista e de crítica aos
partidos políticos506. Nas páginas do boletim Movimento surgem a partir de Janeiro de
1975, um conjunto de artigos que enformam esta ambiguidade.
230
Esta foi a dolorosa realidade que encontraram pelo interior do país, as
Campanhas de Dinamização Cultural.
Como empurrar estes Portugueses para os caminhos de uma vida com
dignidade humana, se os partidários políticos os não visitam, os não
esclarecem ou simplesmente lhes manipulam o voto? Como fazer
participar estes Portugueses na definição dos seus próprios destinos, se
eles mesmos se fecham aos partidos políticos e muitas vezes os
apedrejam?512
231
que pertencemos da nossa dificuldade, através da entrega do boletim de voto em
branco”515.
A estratégia do voto em branco saiu derrotada de umas eleições participadas por 91,7
por cento do eleitorado português. Contrariando a orientação política do MFA, foram
declarados nulos ou brancos 6,94 por cento dos votos (Sánchez Cervelló, 1995:200).
Segundo Reis (1995), os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte
marcam o agudizar de um confronto entre forças políticas e sociais que gravitava em
torno do modelo de sociedade a edificar: o modelo “sócio-económico de orientação
socializante, num molde político de democracia pluralista representativa de
legitimação eleitoral, e um modelo sócio-económico de orientação socialista
colectivista, num molde político de vanguardismo populista de legitimação
revolucionária sob a égide do MFA” (1995:566). A partir deste momento, o MFA
transforma-se numa força de oposição.
515Movimento nº 14, 8/4/1975, p. 3. Vasco Gonçalves reforça esta opção, afirmando ao Diário
de Notícias que” Mais vale entregar um voto em branco do que ir votar sem consciência.”
(Diário de Notícias, 25/4/1975, p. 3).
232
penetração em muitos locais que lhe eram avessos face à retórica anticomunista e
anti-socialista promovida pelo Estado Novo (ver Faria, 1995).
Costa Andrade, na época deputado do PPD pelo círculo eleitoral de Bragança, invoca
a sua naturalidade transmontana, para reprovar a acção da campanha “Maio-
Nordeste”:
Contudo, importa salientar que nem todas as críticas oriundas das forças partidárias,
colocavam a tónica na utilização das Campanhas como meio de reforço da estratégia
político-partidária do MFA, nomeadamente dos seus sectores radicais identificados
com o núcleo apoiado por Vasco Gonçalves alicerçado na Armada (ver Sánchez
Cervelló, 1999) e na 5ª Divisão do EMGFA. Para o MES, o conceito de cultura
516 Diário da Assembleia Constituinte, N.º 28, 8/8/1975, p. 705. Disponível em URL:
http://debates.parlamento.pt, 26/1/2005, 26/1/2005.
517 Diário da Assembleia Constituinte, n.º 53, 26/09/1975, 1554:1555. Disponível em URL:
http://debates.parlamento.pt, 26/1/2005.
233
também constitui o centro de debate. Um documento518 datado de 1974 apresentado
para discussão no I Congresso deste partido colocava a questão das campanhas da
seguinte forma:
518Este documento foi subscrito, entre outros, por Jorge Sampaio, César de Oliveira, Nuno
Brederode dos Santos, João Bénard da Costa, João Cravinho.
234
narrativas do sector intelectual que evoca as pressões partidárias, mais
especificamente do PCP519, como justificação para o seu afastamento.
Não se referindo a nenhum partido político em particular também José Capinha Gil
refere o afastamento de alguns intelectuais:
É bom ter a ideia que houve artistas que participaram nesses movimentos mas
quando se sentiram cercados pelo poder politico partidário e pelo poder militar se
revoltaram também. Ainda hoje se vê pela actuação dos artistas, dos poetas, dos
cantores que não somos propriamente carneiros ao serviço da propaganda ou seja
do que for. E apesar de haver alguns artistas com uma convicção política, com um
passado político muito forte e com respeito político de certos líderes, nós nunca
fomos muito fáceis de dominar. (José Capinha Gil)
519 João Mota e Carlos Paulo (entrevistas gravadas, 2004) apontam igualmente a ingerência
deste partido para justificar o seu afastamento das Campanhas. Boaventura Sousa Santos
(1992:61), acautelando uma generalização, alude ao controlo partidário por parte do PCP e ao
afunilamento ideológico ao analisar as campanhas enquanto dimensão simbólica da aliança
Povo-MFA.
520 Ramiro Correia passa a fazer parte do Conselho da Revolução por designação da Armada
no dia 17 de Março de 1975, tomando posse no dia 20. A direcção da CODICE será assumida
por Manuel Begonha.
235
Considero que nas campanhas de Dinamização Cultural, sobretudo até à saída do
Ramiro Correia para o Conselho da Revolução, houve sempre uma preocupação
estética e uma preocupação ética, isto é, não havia necessariamente encomendas ou
mesmo censura. […] E enquanto o Ramiro Correia esteve na Dinamização
Cultural tal não se passou. São os critérios universais da comunicação. Com
evidentemente muito empenhamento, muita abertura e muita esperança na
transformação da sociedade, mas durante esse período, pelo menos no período em
que eu lá estive, corresponde mais ou menos ao período em que ele esteve, havia
uma grande preocupação de comunicação e uma grande preocupação humanista e
não uma confrontação de territórios ou de ideologias. // No período em que há uma
tendência ideológica marcada é o período subsequente ao Ramiro Correia ir para o
Conselho da Revolução. […] Entendo que as Campanhas foram importantes, que o
Ramiro Correia perdeu o sonho que tinha, de um processo revolucionário que não
cometesse os erros de outros processos, e que portanto, o processo de transformação
da sociedade fosse o mais lato possível, o mais completo possível em que a
comunicação e a arte estivessem desde o início presentes, em que a tomada de
palavra e de territórios dos sujeitos não fosse mecânica, mas que correspondesse a
um enriquecimento das pessoas e das colectividades e aí, penso que o Ramiro
Correia no dia em que aceitou ir para o Conselho da Revolução, sem ter dado
continuidade, ele próprio a este processo perdeu e com ele perdeu o processo e as
pessoas. (Vítor Esteves)
236
parte III
Imagens do povo na revolução
Capítulo 11| Portugal, anos 70
Foto 9 | Mamouros, Castro Daire, 1975. (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)
238
do país: o aumento da emigração521, após um interregno na Segunda Guerra Mundial
e anos subsequentes, e a Guerra Colonial travada, desde 1961, em territórios
africanos. No primeiro caso, o aumento da emigração teve impactos profundos no
mundo rural português: despovoamento de algumas áreas do país, e consequente
envelhecimento das populações rurais, abandono das terras, aumento de salários,
falta de mão-de-obra e a aceleração da transformação tecnológica da agricultura
(Baptista 1996). A guerra colonial constitui outra das singularidades da evolução do
país, contrariando o imobilismo das décadas anteriores, com a deslocação de
milhares de jovens para o ultramar. Porém, estas tendências de mudança, que se
estenderam às áreas da educação e da saúde522, não contrariaram o atraso e a pobreza
relativa do país (Barreto, 1996:39). Apesar da “primavera marcelista” e dos seus
planos reformadores523, esta tentativa de “auto-reforma do Estado Novo” (Rosas,
1999:27) frustrou-se principalmente pela inviabilidade de pôr fim à guerra colonial524.
521 O crescimento da emigração foi acompanhado pela a alteração dos países de destino,
assumindo o continente europeu um lugar de destaque.
522 Estes dois sectores dão igualmente sinais de expansão. Na educação assiste-se ao
Social”. Para uma análise detalhada do marcelismo (1968-1974) ver diferentes contribuições
reunidas em Rosas & Oliveira (2004).
524 Como apontou Lains (2003:242) do ponto de vista económico, a guerra colonial conduziu a
Franco (1994).
526 Para valores precisos nas diferentes áreas ver estudo coordenado por António Barreto
(1996). Ver também análise de Rona Fields (1976:36-67) sobre as condições socio-económicas
de Portugal em 1974.
239
Corkhill (2004), o país mantinha, assim, “as suas deficiências estruturais: falta de
mão-de-obra qualificada, emigração em massa, uma agricultura atrasada e
marginalizada do processo de mudança, hiperconcentração de empresas industriais e
financeiras e uma pesada máquina burocrática, dirigista e, por vezes, ineficiente e
corrupta, que deitaram a abaixo a economia nos mais ínfimos pormenores.”
(2004:230-231).
As condições de saúde e higiene eram precárias, tendo Portugal uma alta incidência
de doenças há muito erradicadas noutros países europeus. O movimento das
populações do campo para as cidades aumentou os índices de pobreza nas áreas
urbanas, agravada pela ausência de uma política habitacional adequada. Apesar de
ter perdido peso na economia e na sociedade, em 1974, cerca de dois quintos da
população do continente ainda vivia em explorações agrícolas (Baptista, 2001:133). Os
níveis de escolaridade eram baixos e a pobreza endémica era um dos aspectos da
vida social portuguesa (Fields, 1976), a par da existência de uma polícia política
repressora e de um forte domínio da Igreja que procurava regular a família, uma das
pedras angulares da ideologia do Estado Novo (Almeida & Wall 2001). Em síntese, e
na formulação de Fields:
This […] was the soil out of which the MFA Revolution grew. The apathy,
depression, grief, and pain were elements sown by a political-economic
system which maintained law and order in Portugal for 50 years (1976:65).
Contudo, esta não foi a imagem que o Estado Novo arquitectou do país. Para a
construção de um universo simbólico que “ideologicamente facilitasse o
funcionamento sem sobressaltos do sistema político que pretendia impor” (Félix,
2003:211), o regime dotou-se, a partir dos anos 30 do século XX527, de diferentes
organismos528 que vão executar a sua política folclorista, centrada nos conceitos de
240
nação e de tradição, que visava a construção de um consenso529 nacional
neutralizador dos seus conflitos globais (Branco, 1999). De facto, a cultura
hegemónica estadonovista que procurava “explicar aos portugueses a identidade de
si”530 debelou resistências e suscitou o aparecimento de outras. Tal como notaram
Castelo-Branco & Branco (2003) suprimiram-se as estruturas do movimento operário
independente bem como as suas expressões culturais nos espaços públicos531,
coincidindo a ilegalização das lutas de classe com a “emergência de uma imagética
ruralizante que, neste contexto de ausência de competição pelo espaço público, nele
se torna hegemónica”532 (Castelo-Branco & Branco, 2003:11).
para o caso do Couço, que se manifestaram noutros domínios como as Artes Plásticas e a
Literatura com o neo-realismo, a Música (de que é exemplo a obra do compositor e maestro
Fernando Lopes Graça) que enformaram práticas e discursos não alinhados que procuravam
desmontar a harmonia social propagandeada pelo regime. A versão hegemónica da nação foi
também contrariada pelo Inquérito à Habitação Rural promovido pelo Instituto Superior de
Agronomia, cujos resultados foram publicados nos anos 40 e pelo Inquérito à Arquitectura
Popular em Portugal organizado pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos na década de 50
como sublinha o trabalho de Leal (2000). Note-se que todo este movimento gravitou em torno
do paradigma ruralizante.
241
Capítulo 12 | O povo do MFA
Foto 10 |Povoação do concelho de Castro Daire, 1975 (Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)
Com a revolução, este país que “se embelezava ordeiramente para si próprio” (Brito,
1995:11) é surpreendido por um novo ciclo de buscas e apropriações. A imagem
coreografada da nação dá lugar a uma contra-imagem reveladora de um país em
transformação marcado por fortes carências socio-económicas, resultado das políticas
de um Estado autoritário, agora derrotado. O Portugal democrático é, assim,
construído numa relação de oposição com o regime anterior, assumindo o conceito
de “povo” um carácter estruturante e paradoxal no universo e estratégia simbólica
desenvolvidos pelos agentes e protagonistas das Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA. Esta iniciativa acentua, assim, a dimensão inventada
(Hobsbawm & Ranger 1994 [1983]) ou imaginada (Anderson, 1991) dos processos
culturais533. Como afirma Perez Ledesma (1997):
533Numa outra perspectiva Gérard Noriel (2001) reitera que os trabalhos que privilegiaram
“os elos com a antropologia” sobre a questão nacional surgidos desde os anos 80, pautados
pela rejeição dos “pressupostos da história política clássica” colocam um excessivo acento nos
242
Las tradiciones, las naciones, las clases y los pueblos, el género y los
movimientos sociales, y hasta los héroes y los líderes políticos se nos
presentan ahora como el resultado de procesos de construcción cultural; de
«invenciones», si se quiere utilizar un término de espectacular éxito en la
bibliografia histórica de la última década (1997:10-11).
discursos ou nas representações. Segundo o autor estas abordagens podem “caucionar uma
visão idealista da história” (2001:39), não permitindo, por exemplo, compreender o papel da
imigração na história contemporânea. Para complementar a abordagem antropológica Noriel
propõe o desenvolvimento de análises de “carácter sócio-histórico, combinando a história, a
sociologia e o direito.” (2001:39).
534 Para além dos historiadores ingleses referidos no texto, também a escola francesa debateu
com acuidade os conteúdos que este conceito foi adquirindo nas diferentes contextos e
conjunturas históricas. Neste sentido, importa referir para além de Julliard (1992), que
trabalhou no período este conceito numa fatia de tempo alargada que cobre a Revolução
Francesa até às comemorações do seu bicentenário, David (1996) que trabalhou o período
medieval até ao final dos anos 50 do século XX, Roger Chartier (2002) que analisa este
conceito a luz do Antigo Regime. Neste quadro importa, ainda, aludir à importante
contribuição de Bolléme (1986) e mais recentemente de Dupuy (2002).
243
Michel Foucault descreve em As Palavras e as Coisas (1998) o quadro “Las Meninas”
do pintor espanhol Velázquez aludindo, através da análise dos diferentes elementos
e personagens da representação, à relação de cumplicidade que o pintor constrói com
o espectador que perscruta a obra. Neste sentido, e como ficou demonstrado nos
capítulos anteriores, também os protagonistas da Dinamização Cultural foram hábeis
na construção e divulgação535 de uma paisagem discursiva sobre Portugal,
procurando uma relação de cumplicidade com os actores sociais envolvidos para que
a sua “visão do mundo social”, no sentido de Bourdieu (1998 [1982]), fosse eficaz.
Entendidas como parte integrante de um projecto político, as Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA procuravam “produzir e impor
representações […] do mundo social, capazes de agir sobre esse mundo ao mesmo
tempo que agem sobre a representação que dele fazem os seus agentes.” (Bourdieu,
1998 [1982]:135).
MFA.
538 O caso em análise combina, como se verá nos capítulos seguintes, elementos das duas
modalidades discursivas sobre a nação definidas por Anthony Smith (1997 [1991]). Partindo
da formulação de Friedrich Meinecke que, em 1908, distinguiu Kulturnation e Staatsnation, isto
244
de última instância” (1997 [1991]:26) em nome do qual se justifica uma acção política.
Personifica o princípio espiritual da democracia constituindo um conceito político
englobante, é o “povo-nação” destinado a transcender todas as distinções sociais
(Julliard, 1992:185)539 e, neste sentido, é um conceito “interclasses” (Smith 1997
[1991]:26).
245
suas modificações ao longo do processo de transição543. Num movimento análogo ao
“do it yourself kit”, na expressão do sociólogo Orvar Löfgren (1989) ou, ao “sistema
IKEA” nas palavras de Thiesse (2000) esta iniciativa assentou, assim, num processo
de escolha dos grupos sociais que constituem a “comunidade política” (Smith, 1997)
portuguesa. Desta forma, a “ressemantização” do conceito de povo espelha um
“recorte da realidade”, validando uma mundividência que congrega identidades. De
forma análoga a Oliven (1992) aludindo aos conceitos de nação e tradição:
246
Então o que é o Povo? Entendemos que só pertencem ao Povo aquelas
pessoas que criam riquezas ou que para isso contribuem. Povo é
portanto o conjunto dos trabalhadores de um país.544.
O MFA defende, ainda, num artigo sobre a agricultura portuguesa, que as classes
mais “exploradas durante a longa vigência do regime deposto” são “as classes
trabalhadoras braçais – os operários e camponeses”546.
247
portuguesa, onde este surge como sinónimo de trabalho547, assente na retórica
socialista da luta de classes. Constitui uma figura definida por oposição, por aquilo
que não representa e, neste caso, não representa as “classes exploradoras”. Neste
período o “povo” surge como um importante actor histórico situando-se na
intersecção de duas das figuras identificadas por Julliard (1992:191-192) no quadro da
Revolução Francesa: o “povo-tiers état” que elimina os privilegiados, sendo a fórmula
na qual se mais se reconhece a esquerda francesa, e o “povo dos trabalhadores”, que
constitui uma visão mais restrita da concepção anterior, mais social.
547 Disto é exemplo um artigo publicado no jornal Avante sobre a Reforma Agrária: “É o
mesmo rosto dos camponeses pelas diversas terras do País. De sul a norte, igual
envelhecimento precoce, semelhante fadiga acumulada durante longos anos de trabalho
árduo, de privações, de miséria e isolamento. É igual o ritmo extemporâneo das rugas, o jeito
das mãos talhadas nos mesmos gestos de amanhar a terra, semear e colher insuficiências,
semelhante o subdesenvolvimento material e cultural. Igual, pois, ainda que variável no grau,
o peso da herança terrível de 48 anos de opressão económica e política. […]” (Avante,
10/7/1975, p. 12).
548 A problematização em torno da definição de “camponês” na teoria antropológica reflecte a
própria história da disciplina e a forma como foi construindo o seu objecto de estudo uma vez
que o campesinato fundou o novo arquétipo do “ethnographic other” (Kearney, 1996:5) que
se afasta dos “primitivos”. Cf. Wolf (1976 [1966]) para distinção entre camponeses e
primitivos.
A concepção de “folk society” de Robert Redfield constitui um marco na análise
antropológica sobre os camponeses, nomeadamente sobre as relações campo-cidade, a partir
do qual um conjunto de autores orientou criticamente os seus estudos sobre a sociedade rural
em diferentes contextos geográficos. Os camponeses fascinaram a esquerda académica ao
desafiarem as certezas do marxismo-leninismo clássico para quem o protagonista da
mudança era o proletariado industrial. Destes destacam-se Eric Wolf, com o qual partilho as
características gerais que concorrem para a definição do camponês enquanto categoria
conceptual: “Farm and household tend to coincide; production and consumption are closely
integrated; the division of labour runs along lines of sex and age within the household.
“(2001b:255). Para análise da evolução na problematização do conceito na obra do autor ver
Ribeiro & Feldman-Bianco (2003).
248
operários desempenharam na guerra cultural em torno da imagem de França no final
dos anos 30 do século XX.
Ultrapassada esta fase inicial, onde a tónica ora é colocada no país enquanto todo, ora
é referenciada a necessidade de intervenção em zonas específicas do território, os
documentos posteriores, parecem evidenciar um consenso relativamente à opção
pelo “Portugal dos campos” como destino privilegiado da sua acção, surgindo o
“povo” como sinónimo de cultura camponesa.
549 Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388).
550 RDP – Arquivo Histórico, AHD5847 – faixa 5, 25/10/1974.
551 Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, Programa de Dinamização Cultural,
s/d [1974], (Centro Documentação 25 de Abril. Fundo Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central
VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
249
documento, “Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos”, que fundamenta esta
reestruturação e inaugura a “Acção Cívica”, finaliza com um apelo à mobilização
nacional, surgindo agora um claro reconhecimento que “o país do MFA” era o
Portugal rural, com a definição da palavra de ordem “rumo ao campo”552, reforçando
a ideia inicial do texto onde se fazia a apologia da “caminhada até às aldeias”:
[…] Num país que caminha para o Socialismo a atitude do povo terá que
reflectir uma opção. Não poderemos prolongar o conformismo de fazer
uma Revolução beneficiando dos confortos do capitalismo. Por outras
palavras, torna-se necessário que os nossos técnicos, o nosso pessoal
qualificado se regionalize, abandonando os centros urbanos e inicie a
caminhada até às aldeias.
[…] Devemos rapidamente abalar estruturas baseadas em visões
distorcidas, herdadas dum passado próximo e avançar, através de uma
grande mobilização nacional, com a palavra de ordem, rumo ao campo553.
250
campanhas, e desta forma garantir um apoio continuado às populações, mas também
por uma “urgência” que decorria do ciclo anual de produção, nomeadamente com o
aproximar das colheitas da batata, cereais e do período da vindimas, e posterior
necessidade de escoamento dos produtos.
Com um aparato mais militar vai haver uma campanha intensiva em certas
zonas. São zonas em que realmente o «facho» tem certa preponderância e
nós vamos atacar nessas zonas. […] Aí vamos utilizar meios mais
poderosos, digamos, no sentido de mostrar que algo mudou neste País e
que a autoridade já não se mantém naqueles meios obscurantistas que
existiam (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 1984:102).
Eu em 1974 encontrei lugares e aldeias sem nada, sem electricidade, sem água,
mas com um padre. Pessoas cépticas, cépticas em relação a qualquer mensagem: -
251
os meus amigos têm o direito de protestar. […] A canga era tão pesada, durante
tantos anos… Eu compreendia isso e as pessoas que estavam comigo
compreendiam isso. (Fernando Simões)
O grande objectivo era um objectivo prático, quer dizer, a sensação que eu tinha é
que havia grupos de alferes que iam para o campo, e tentavam resolver, quer dizer,
está-se a dar agora uma imagem um pouco intelectual deles, mas eles no fundo
queriam resolver problemas básicos, quer dizer da agricultura, ensinar os tipos,
ensinar os miúdos a lavarem-se, quer dizer, dizerem às mães para catarem os
piolhos dos filhos, quer dizer, coisas práticas. Duvido muito que em determinados
locais rurais, que houvesse muito essa ideia de que você tem que saber quem é o
Darwin ou o Picasso, não é. Coitados dos desgraçados, eles queriam era saber como
se planta uma batata e um grelo. (João Abel Manta)
558 Este movimento de apropriação bipartida do país circulou nos diferentes sectores da
sociedade portuguesa encontrando-se igualmente presente no cinema documental produzido
na década de 70 (Leal et al:1993), onde se convocam duas zonas de Portugal com pressupostos
e resultados distintos: Trás-os-Montes e Alentejo. Referindo-se à conjuntura do 25 de Abril de
1974, Joaquim Pais de Brito afirma que: “[…] Trás-os-Montes aparece [...] como a arca das
tradições, das raízes, das referências identitárias, que naquele momento conturbado, se
tinham perdido. Ia buscar-se à província mais recôndita (Trás-os-Montes) o passado, qualquer
que ele fosse. […] Ao Alentejo vai-se buscar qualquer coisa que é verdadeiramente o inverso
disto. No Alentejo há uma clara busca de futuro, uma busca quase ansiosa de futuro. […]
fazem-se filmes sobre as ocupações de terras, fazem-se filmes sobre o modo como o futuro
estava a ser construído.” (Leal et al, 1993:104:105). Também Antropologia Portuguesa denotou
uma “preferência” pelo Norte camponês enquanto terreno de investigação, no qual o conceito
de comunidade assumiu uma eficaz funcionalidade (Godinho, 2002), em detrimento do Sul,
exceptuando-se aqui o trabalho de Cutileiro (1977 [1971]), Almeida (1995) e mais
recentemente Godinho (2001) e Fernandes (2006). Sobre as análises do Sul de Portugal
tomando o Mediterrâneo como “conceito de referência” ver Leal (2001), onde o autor
apresenta uma reflexão em tornos dos trabalhos de Jorge Dias, Orlando Ribeiro e José
Cutileiro.
Esta a representação da sociedade dividida em duas grandes regiões antagónicas é possível
de ser reencontrada em contextos geográficos e históricos distintos. Neste sentido, Oliven
(1992:15-16) alude ao contexto italiano, na formulação de Gramsci em A Questão Meridonal,
onde as diferenças entre o Norte e o Sul são apresentadas como sendo devedoras a causas
biológicas (“os sulistas são seres biologicamente inferiores”), afastando desta forma o peso
das causas económicas ou sociais.
252
prioritária, caracterizando-se sobretudo pela realização de sessões de esclarecimento
e “gestão de conflitos”, como reforça Manuel Madeira:
O país estava, e ainda está, com a nova dinâmica populacional: é uma questão
litoral e interior. Na altura, embora o litoral tivesse um papel importante, era o
Sul/ Norte. Mas a questão vai por aí um bocado porque se considerava que nas
zonas urbanas, embora houvesse dinamizações nas zonas urbanas, mas a outro
nível isto era quase como gerir problemas do que propriamente campanhas de
dinamização, na cintura industrial... Assim, como no Alentejo era mais de gerir
conflitos das ocupações do que propriamente campanhas de dinamização, não fazia
sentido. Havia uma dinâmica naquelas populações, viveram situações atrozes
durante muito tempo que levava aparentemente e, à partida, essas zonas não
constituíam um muro, um obstáculo à implantação do Programa das Forças
Armadas, enquanto que no Norte, particularmente o Norte interior era tido pelo
modo como as pessoas se comportavam, mas também devido à sua formação
intelectual e psicológica e pelo poderio também das forças, aí podemos chamar
retrógradas, as forças, os representantes mais retrógrados da Igreja e de outros
sectores da sociedade, as populações constituíam uma barreira, um obstáculo, não
digo obstáculo mas uma resistência bastante forte. (Manuel Madeira)
559 Importa sublinhar que os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte
reforçaram esta imagem bipartida do país uma vez que no Norte se concentrou a grande base
de apoio social-democrata, ao passo que o Centro e o Sul votou maioritariamente no PS e PCP
(André & Gaspar 1989).
560 Entrevista a Manuel Begonha, 1999.
253
Nós tínhamos um corrupio de comissões de trabalhadores, de sindicatos, de todas
as estruturas representativas da vida económica a passarem na CODICE. Ora, a
realidade no interior era outra. Aqui havia, na região de Lisboa e Vale do Tejo e
Alentejo e até também no Algarve podemos dizer que havia pessoas já com
consciência, com capacidade que depois iam buscar apoios aos militares, isto são
regiões mais desenvolvidas no terreno da participação, pela própria natureza das
coisas, pelos níveis de desenvolvimento que essas regiões têm. Há outras regiões
que estavam completamente paradas no tempo, onde se vivem situações até de
feudalismo. A serra da Gralheira, por exemplo, eu que sou transmontano e fui
criado em Trás-os-Montes, houve situações que fui encontrar no distrito de Viseu
que eram altamente chocantes, que tinham a ver com uma visão, sei lá, velha,
completamente parada no tempo. (Modesto Navarro)
254
A estas diferenças na estrutura fundiária, geradoras de contrastes económicos e
movimentos sociais distintos561, Brettell (1979) associará o papel da emigração na
problematização das razões que estariam na base desta representação antagónica de
Portugal e do seu “potencial revolucionário”. Enquanto que no Sul os assalariados
rurais viriam a integrar o proletariado urbano português com as migrações para o
litoral, os camponeses integrariam o proletariado de países estrangeiros, no quadro
do qual a sua politização seria escassa. A emigração, ao afastar os indivíduos dos
proletariados nacionais e estrangeiros, debilitaria a sua “experiência de classe”
(Thompson 1989), tal como o minifúndio e a posse de terra (1979:185).
561 Veja-se Baptista (1978; 2001) para as diferentes “recepções” das medidas da política agrária
no período em análise e das dinâmicas geradas e Fernandes (2006) para uma análise local das
mesmas.
562 Ver segunda parte do sub-capítulo 14.2. onde este assunto é retomado.
255
um imperialismo (de segunda ordem, mas não menos caustico), das
cidades sobre o campo, em que este – representado pelo campesinato e
pequenos proprietários – se vai auto-exaurindo (na medida em que é
utilizado em relações nítidas de espoliação) como força de trabalho que
alimenta as cidades. […]
Constituindo a população do interior de Portugal a classe mais
desfavorecida da população portuguesa, é nela, que prioritariamente,
pensa o Programa do Movimento das Forças Armadas.
Grande parte das mais valias que vêem sendo arrecadadas pelos elementos
das classes dominantes devem dirigir-se, em primeiro lugar, para o campo,
melhorando radicalmente as condições de vida do interior.
É toda uma estratégia de desenvolvimento a rever. E é na resolução desta
contradição que devem fixar-se imediatamente os responsáveis. Se assim
não for, se essas mais valias continuarem a ser prioritariamente atribuídas
ao país urbano, corre-se o risco de aprofundar o fosso entre o Portugal-
litoral e o Portugal-interior.
Então o campo não compreenderá a justiça da revolução e ficaria em
condições de, empurrado pela reacção (por aqueles que não estão
interessados e, qualquer espécie de justiça e apenas pretendem não perder
os chorudos privilégios que auferem) ficariam em condições de, repetimos,
se levantar contras as cidades fazendo voltar atrás o processo
revolucionário em que nos encontramos empenhados. E a história ensina-
nos que, em Portugal, nenhuma revolução venceu a médio prazo, porque
nunca foi capaz de ultrapassar o seu carácter urbano e, pelo seu espraiar
interior transforma-se de facto em movimento popular.
A comparticipação activa dos trabalhadores portugueses (dos campos e
das cidades), no desenvolvimento das linhas de orientação do Programa de
Política Económica e Social – retirando dele todo o dinamismo progressista
que contém – será a todos os títulos importante para a resolução das
contradições diversas nomeadamente a campo-cidades) da sociedade em
que ainda vivemos. […]
O desenvolvimento do processo revolucionário exige que se tenha em
conta o país real: ou seja, a necessidade de resolver as contradições da
256
sociedade portuguesa, não apenas a nível de explorado-explorador, mas
também a nível país litoral (rico) – país interior (pobre)563.
Contudo, diferentes autores, como Hobsbawm (1989 [1983]), Herzfeld (1986), Wolf
(2001a e b), Verdery (1991) e, mais recentemente, Hardt e Negri (2005), têm
assinalado o desconforto que os camponeses têm colocado aos diferentes projectos de
mudança política e social em diferentes contextos históricos. Para o modelo marxista,
que nas suas diferentes “versões” foi hegemónico no período em análise, os
camponeses encontravam-se claramente definidos como “não revolucionários” e
“conservadores”, tal como são descritos no Manifesto Comunista (Marx e Engels cit
in Wolf, 2001b)566. Os camponeses não tinham lugar no projecto socialista e eram
concebidos como um grupo transitório que tenderia a desaparecer (Baptista, 2006:91
e Viola, 2004:195). Do ponto de vista político, como assinala Vigreux (2004), no século
XIX o termo camponês assume uma conotação pejorativa próxima da visão de Marx
Napoleão: “Cada uma das famílias camponesas quase se basta a si própria, produz
directamente a maior parte do que consome e adquire os seus meios de subsistência mais por
troca com a natureza do que com a sociedade. O minifúndio, o camponês e a família; ao lado
um outro minifúndio, um outro camponês e uma outra família. […] Deste modo a grande
massa da Nação Francesa é constituída pela simples adição de grandezas do mesmo nome,
pouco mais ou menos da mesma maneira que um saco cheio com batatas forma um saco de
batatas“ (1975 [1869]:142-143).
257
“do saco de batatas”. Contudo, a palavra adquiriu uma conotação inversa na viragem
do século, nomeadamente a partir de 1903, quando as teses bolcheviques
reconheceram ao mundo rural, operários agrícolas e pequenos camponeses, uma
vocação revolucionária (2004:451), reforçada com o triunfo da Revolução de 1917. De
facto, como assinala Viola a “revolução operária ocorrera numa nação agrícola, onde
o proletariado industrial representava pouco mais de três por cento da população, ao
passo que o campesinato representava pelo menos 85 por cento” (2004:195).
258
[…] pôr em contacto tudo aquilo que está diferenciado, tudo aquilo que
está em planos diferentes. Só quando o povo falar todo a mesma língua
– a mesma língua que vise determinados objectivos que são a felicidade
do povo português – uma maior justiça, uma maior evolução social,
enfim uma maior igualdade económica, soa quando assim for, é que
estará completo o trabalho. […]
Porque o que nós visamos, o ideal que hoje queremos alimentar e
cimentar, é precisamente o de fazer encontrar-se um povo que caminha
para o futuro a passos cada vez mais gigantescos. É isso a Dinamização
Cultural (Correia et al, s/d-a:76).
568A obra original intitula-se Peasants into Frenchmen. Contudo a edição que disponho é a
francesa, sendo esta que constará na bibliografia.
259
a sua eficácia569. Os camponeses são assim “ressemantizados” e “reinventados” à luz
de uma mundividencia “revolucionária” na qual se entretecem diferentes de imagens
que ora se confrontam, ora se complementam, num processo de carácter polissémico,
com intensidades diferentes de acordo com quem as constrói, que analisarei de
seguida.
569Como afirmam Castelo-Branco & Branco (2003:15) para o caso do folclore, a passagem do
autoritarismo para a democracia não significou uma ruptura ao nível dos conteúdos,
verificando-se uma continuidade. A bibliografia em torno da dicotomia continuidade vs
ruptura nas mudanças de regime é assinalável (ver Faure, 1989; Lebovics, 1992 e Peer, 1998).
Para o caso português, Leal (2000:47) sublinha a continuidade entre a I República e Estado
Novo ao nível da etnografia e da concepção de cultura popular. Do ponto de vista
historiográfico ver ainda Lucena (1989).
260
Capítulo 13 |Camponeses "reinventados" I. A contra-pastoral
revolucionária
Foto 11 | Picão, Castro Daire, 1975. Anotações manuscritas de Manuel Cruz Fernandes
(Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)
261
Nisa inclui lições de etiqueta revolucionária à mesa. Por exemplo: talheres de carne e
peixe é fascizante; comer tudo à colherada é que é igualitário”570.
O tom caricatural desta notícia serve de mote para introduzir a problemática deste
capítulo. Uma das grandes linhas de força subjacentes às Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA assenta na utilização dos camponeses
como categoria da população que permite aceder a uma representação do país
enquanto reflexo dos malefícios do Estado Novo. Camponeses e “fascismo”571
constituem o eixo de um edifício argumentativo fundador de uma imagem que será
estruturante no universo de sentidos que a ruralidade adquiriu no quadro desta
iniciativa.
Tal era aquele mundo! […] Havia um anúncio que tinha umas pessoas que se
encontravam por detrás de uma tela. Viam-se as mãos, viam-se algumas formas. E
eu tenho a impressão que em Castro Daire, como em muitos outros locais, as
pessoas viviam por detrás dessa membrana. (Manuel Cruz Fernandes)572
Ao analisar os discursos produzidos por Salazar, José Gil assegura que a linha
retórica que os caracteriza repousa na “produção do silêncio” (1995:42). Convocando
e invertendo o título desta obra, Salazar: a retórica da invisibilidade, importa sublinhar
que durante o processo de transição para a democracia em Portugal, imperou a
retórica da visibilidade que se alimentou e dialogou com os conteúdos de um
passado ditatorial, denunciando-o e tornando-o público, pondo em “contacto dois
países”573. Como afirmou Eduardo Lourenço neste período assiste-se à “tentativa
262
frenética de deslocar a imagem fascista da realidade nacional presente e passada, de
destruir pela raiz o que se supunha mera pintura superficial574 do País” (1988:44).
referindo cantigas, textos, bandeiras, cartazes, emblemas, slogans. Os autores incluem ainda o
rumor, monumentos, vestuário, linguagem corporal, demonstrações ritualizadas pelas
multidões, paradas e outras cerimónias que representem ou mostrem a obediência à ideia de
revolução.
577 Título do Editorial do Movimento N.º 6, 10/12/1974, p. 1.
578 Referindo ao “saneamento”, designação atribuída ao movimento de depuração política que
263
Como afirma Elster (1998), nos processos de transição do autoritarismo para a
democracia, os novos regimes ajustam contas com os seus passados pré-
democráticos579. E neste sentido, as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA, a par dos outros movimentos congéneres580, assumiram um
importante papel na denúncia do legado fascista (Pinto, 2004:100).
Num outro registo, Eduardo Lourenço afirma que com a revolução procurou-se “impor uma
nova imagem de Portugal […] na aparência oposta à do antigo Regime, mas cuja estrutura e
função eram exactamente as mesmas: instalar o País no lisonjeiro papel de país revolucionário
exemplar, dotado de Forças Armadas essencialmente democráticas, considerando os cinquenta anos
precedentes como um parêntesis lamentável, uma conta errada que se apagava no quadro histórico para
recomeçar uma gesta perpétua na qual o salazarismo tinha sido uma nódoa indelével. O salazarismo
desaparecia como um pesadelo, como uma mortalha imposta a um Povo intrinsecamente
democrático […]” (19992:58-59). Itálico no original.
579 Como nota Boaventura Sousa Santos (1992, 1993) apesar do objectivo do 25 de Abril ter
264
Directiva da 5ª Divisão/EMGFA que institui a CODICE e as Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA:
Recorrendo a uma retórica de combate, que assenta na avaliação positiva daquilo que
os inimigos desqualificam ou segregam (Neiburg, 1997:25), os protagonistas das
Campanhas procuravam impor sua visão sobre o mundo social propondo novos
modos de integração do “povo” na sociedade portuguesa. Ao longo do seu período
de vigência, a CODICE procedeu à construção de uma retórica assente num processo
de circunscrição dos seus adversários, sendo a partir do regime deposto que se
“imaginou” a nação (Anderson, 1991) democrática, “desmonumentalizando” o
Portugal dos campos. Esta representação assume uma posição axial sendo transversal
à tríade de imagens em debate, uma vez que legitima a mudança e permitir organizar
posições entre mundividências distintas da sociedade, entre um “nós” e um “eles”.
O excerto supra citado ilustra, também, a forma como MFA, enquanto “locutor
legítimo” (Bourdieu, 1998 [1982]) deste processo de transição política, e as diferentes
estruturas a ele afectas, recorreram a uma “estratégia de auto-apresentação
positiva”583 (Dijk, 2005:24), num discurso valorização de si com o objectivo de criar
Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
583 Neste processo de construção das representações de “si” e do “outro”, os protagonistas
265
um elo de cumplicidade com a população ancorado numa relação de confiança com
as Forças Armadas, que ficaria celebrizada na expressão “aliança Povo-MFA”. Tal
como observou Molero (2002), na sua análise dos discursos do presidente
venezuelano Hugo Chávez, o sujeito emissor do discurso - no presente caso o MFA
surge como um sujeito colectivo -, apresenta-se como um agente de mudança, ao
passo que ao seu oponente político - o “fascismo” e os “elementos beneficiados pelo
regime anterior”584 - são atribuídas as causas do processo de degradação do país.
Aida Ferreira. Caixa “CIASC Central VI, Pasta Documentação Recolhida Dinamização
Cultural, Comissão Dinamizadora Central”).
585 Lains (2003) chama a atenção para a centralidade da ideia de atraso económico na
historiografia portuguesa cujas razões históricas remontam ao século XVIII por altura da
restauração e preservação da independência. O autor referencia a vertente política da retórica
do atraso económico aludindo a Antero de Quental e Oliveira Martins afirmando, também,
que esta surge como “arma de arremesso na crítica da política contemporânea” (2003:18) em
diversas análises sobre ditadura militar (1926-1933) e sobre Estado Novo.
586 Como o próprio nome indica este género estabelece-se numa relação de oposição semântica
relativamente à pastoral, género cuja génese Williams situa na Antiguidade Clássica e que se
caracteriza por uma sedução citadina pelo campo, visto como um espaço de virtudes onde a
adversidade é depurada.
Sobre esta temática ver também a obra incontornável de Leo Marx (2000 [1964]) que ao
examinar a ideologia pastoral americana identifica uma “contra-força” que reforça o carácter
idílico pretendido pelo escritores analisados, recorrendo o autor ao termo “forças anti-
pastorais” para caracterizar a literatura americana sua contemporânea: “[…] Neverthelss, the
term counterforce is aplicable to a good deal of modern American writing. The anti-pastoral
forces at work in our literature seem indeed to become increasingly violent as we approach
our own time. For it is industrialization, represented by images of machine technology, that
provides the counterforce in the American arhetype of pastoral design” (2000 [1964]):26.
587 A par do “fascismo”, a partir desta data serão também o socialismo e o “anti-capitalismo,
os filões centrais dos discursos do MFA o que reflecte uma alteração da sua estratégia política,
fundando uma outra imagem da ruralidade que analisarei mais à frente. Como viria a afirmar
o então Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves referindo-se às cisões no seio do MFA: “Na fase
da luta anti-fascista directa, actuou-se com coerência e unidade, e o próprio processo se
266
socialista. Já os discursos produzidos na actualidade pelos protagonistas da
Dinamização Cultural e Acção Cívica não reflectem esta nuance, organizando-se em
torno da retórica do atraso, interpretando as realidades encontradas como resultado
das políticas do Estado Novo.
267
13.1. | Cultura e “fascismo” ou o “o mito do bom camponês”
Contudo, relembre-se que a CODICE e o seu documento fundador são criados para
debelar o “subdesenvolvimento cultural” do país legitimando a proposta de
descentralização cultural. Dias antes da apresentação oficial do Programa de
Dinamização Cultural, os seus responsáveis promoveram um encontro na Cooperativa
Árvore, no Porto, com as associações e representantes do sector da cultura desta
região do país. Por esta ocasião, Ramiro Correia afirmou:
268
No Editorial deste mesmo número deste boletim esta ideia é reforçada:
269
Revolução, o que é a vida quotidiana neste momento da situação
revolucionária […].
São os senhores que têm que fazer a cultura. Não é o Conselho da
Revolução que vai fazer cultura, nós não temos lá intelectuais. São os
senhores que têm de fazer a cultura (Gonçalves 1976:204, 206, 207, 209).
[…] há outro termo que às vezes assusta certas pessoas ao ouvirem falar de
cultura popular; julgam logo que é a cultura do «faduncho» ou do folclore
de 3ª categoria; não é nada disso. Quando se fala em cultura popular,
aquilo que nos caracteriza é de facto o interesse pelas classes mais
desfavorecidas da população (Gonçalves 1976:210-211).
591 Este conceito em torno do qual se edificou a Antropologia (Geertz, 1996 [1973]: 19],
transpôs as fronteiras cada vez mais porosas da disciplina, circulando e integrando o stock de
ideias de públicos variados e não académicos (Wolf, 2001c: 399). Como sublinhou Marshal
Sahlins: “La cultura, el vocablo mismo o algun equivalente local, está en los lábios de todo el
mundo. (cit in Kuper (2001:20).
592 Ao mesmo tempo que este conceito é empregue na “desmonumentalização” do país, é
também recuperado para o magnificar, como ser verá no próximo capítulo, não possuindo
esta paisagem discursiva margens seguras uma vez que convoca o mesmo conceito
perspectivado sob os seus diferentes universos de significado.
270
ordens políticas tentam captar os intelectuais e os seus “talentos” na legitimação da
sua liderança, e o MFA, através das suas Campanhas de Dinamização, não foi
excepção.
Uma das características que mais distingue esta paisagem discursiva é a sua
ambiguidade. Sublinhe-se que ao mesmo tempo que é afirmado que a “cultura não se
impõe; a cultura nasce do povo” sendo a Dinamização Cultural uma tarefa de “levar
ao povo o que é do povo”593, os protagonistas desta iniciativa acabam por propor uma
transformação deste estado de “subdesenvolvimento cultural” desculpabilizado pela
herança do regime deposto que “fazia chegar ao povo uma cultura enlatada que
servisse um fim político” (Correia et al, s/d-a:17). A proposta da CODICE ancorava-
se em ideias e práticas unificadas a partir de uma cultura “anti-fascista”, dotando o
povo de condições para “activar” as suas práticas culturais, através do projecto de
descentralização cultural. Desta forma, atente-se às palavras de Vasco Pinto Leite, no
já referido encontro na Cooperativa Árvore realizado no Porto:
[…] a cultura existe e no fundo é preciso activá-la para que ela apareça.
Mas a cultura não se leva nas algibeiras, a cultura tem é que ser transmitida
pelas populações de cada região. […].
Pretendemos fazer espectáculos, espectáculos dos quais resulte um
esclarecimento progressivo cultural e político e do debate desse
espectáculo muita coisa surge, muita coisa se esclarece precisamente de
dentro para fora. Depois vamos utilizar o cinema, a rádio, a televisão, o
teatro, as artes plásticas, os escritores, enfim, toda uma gama de
actividades culturais que cada um dos que vive esses problemas está em
condições de sugerir ideias, diversos tipos de programas que poderemos
utilizar em cada local (Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75, 1984:103).
271
[…] A necessidade duma Revolução Cultural passou a estar em todas as
bocas. Não há discurso ou artigo que não se lhe refira. Revolução e Cultura
não poderão separar-se. [...]
O primeiro problema a pôr é sem dúvida este: porque nos preocupamos
com a Cultura em plena Revolução? Que papel é o seu depois da queda do
poder fascista? A que vem misturá-la com actos decisivos e de maior
importância, de carácter político e económico, como a melhoria de
condições de vida das classes trabalhadoras, controlo da produção, reforma
agrária? A reposta só pode ser uma: é que a Revolução não visa apenas
alterações económicas, aumento do bem-estar social, visa também uma
transformação de mentalidade tão indiscutivelmente necessária que, sem
ela, a Revolução não atingirá os seus objectivos máximos…
… O obscurantismo e o abastardamento de toda a cultura que o fascismo
promoveu tornam urgente a actuação no campo cultural em termos de
dinamização, o que só por si exclui qualquer ideia de transmissão passiva
de conhecimento ou de influências artificiais concebidas, num sentido ou
noutro, e impõe uma interpenetração de todas as formas de cultura: no
ensino, oficial ou não, na criação popular e na «elite», na investigação em
todos os aspectos. E, nelas todas, em todos os sectores e em todos os níveis,
o estímulo e a defesa do espírito crítico e da verdadeira participação
(Correia et al, s/d-a: 16:17).
The concept of ‘culture’ was not coined until the eighteenth century. There
was nothing before in the learned language, not to mention everyday
language, which even remotely resemble the complex world-view which
the word culture attempts to capture. This fact is shocking; it is also
puzzling and intriguing to a contemporary reader, to whom the
‘fashioning’ of humans by their societies is one of the trivialities of
272
existence. Today’s triviality, nevertheless, was once a discovery, and one
which truly revolutionized the way human life was perceived (1989:81).
273
controlo do poder sintetizando da seguinte forma a tensão entre “Razão” e
“Tradição”, ideias estruturantes do pensamento moderno ocidental:
Para além dos dois núcleos de significados referidos, cultura surge no final do século
XIX e no início do século XX como produto da actividade intelectual, sobretudo
artística, para ser consumido por audiências especializadas aproximando-se da noção
de “high culture”, reconduzindo o conceito de cultura ao saber, “um processo no
decorrer do qual o indivíduo pensante estimula as faculdades do espírito” (Rioux,
1998 :17).
596 Ver também pp. 285-291 onde o autor retoma esta discussão na análise da relação entre
cultura e poder.
597 Williams reitera que é a diversidade e sobreposição de significados que é significante. A
Fernando Lopes Graça e Jorge Dias. Sobre este assunto ver ainda Branco & Castelo-Branco
(2003).
274
O nosso papel foi dinamizar esse potencial humano que, de facto, foi ostracizado
por um sistema social que impedia que as pessoas fossem valorizadas. Portugal era
o folclore, era aquela dimensão de bilhete-postal para o urbano ver. (Conceição
Lopes)
Entretanto aquilo que nós encontrámos não era surpresa! Porque ninguém ia com
a ideia de folclore […].Era o contrário o que se pretendia era puxar o povo para a
revolução e fazer deles o agente fundamental da revolução. (Manuel Begonha)
[...] a nível local, as coisas que eram exibidas, ou o teatro amador que era feito,
como a banda tocava e o que é que tocava, e o rancho folclórico era muitas vezes
condicionado pela igreja, pelo padre, pelo presidente da câmara, pelo cabo da GNR.
//A destruição da cultura popular, foi feita muito antes, condicionada e
direccionada, para as vias que lhes interessava. O teatro popular, de denúncia, de
crítica social, etc., foi destruído e é irrecuperável, aquilo que eram tradições das
aldeias. […] As vestes não correspondiam nada à etnografia e às tradições locais e
eles imprimiam os seus ritmos, as suas visões de bonitinho, de pitoresco,
esvaziando de sentido aquilo que entroncava e enraizava na vida das pessoas.
(Modesto Navarro)
Gramsci, conjuntamente com outros pensadores (ver Santos, 2006:80) entre os quais os da
Escola de Frankfurt, aprofundou criticamente o marxismo, sofisticando-o conceptualmente.
275
muitas vezes utilizado pelas classes dominantes para manter as classes subalternas
sob o seu poder. Nesta linha, o folclore deveria ser eliminado num processo de
libertação dos “oprimidos”: os camponeses e o proletariado urbano (Dundes,
1999:133). Gramsci acrescentaria outra perspectiva ao afirmar que o folclore constitui
uma forma de aceder à visão do mundo dos “subordinados “. Num texto intitulado
“Observações sobre folclore” reunido em Selections From Cultural Writings, reitera:
Pode dizer-se que, até agora, o folclore tem sido estudado sobretudo como
elemento «pitoresco» … Em vez disso, o folclore deveria ser estudado
como «concepção do mundo e vida» implícita em grande medida, em
estratos da sociedade determinados (no tempo e no espaço) e em oposição
às concepções «oficiais» do mundo […] (cit in Crehan 2004:122).
Sublinhe-se que estas ideias são o eco da visão da esquerda portuguesa sobre o
Portugal dos campos reencontráveis nos escritos de Lopes Graça603, mais
especificamente em A Canção Popular Portuguesa (1974) onde o compositor associava a
música popular à ruralidade e autenticidade604, estabelecendo a oposição entre o
“folclore autêntico” e a “contrafacção folclórica”:
602 Como se verá no capítulo seguinte estes conceitos são reciclados de dotam-se de novos
conteúdos num processo de valorização da ruralidade.
603 Sobre o compositor ver Castelo Branco & Toscano 1988.
604 Esta visão era partilhada com Michel Giacometti que viria a sustentar o Plano de Trabalho
e Cultura no ano seguinte já no tempo acelerado da revolução. Como nota Leal (1995b):
“Michel Giacometti, juntamente com Lopes Graça, foi uma das vozes desse processo de
contra-emblematização da cultura popular. O campo em que ambos trabalharam – o da
música popular de expressão rural – é a este respeito particularmente significativo. Como
uma das expressões mais visíveis da acção do Estado Novo no domínio da cultura assentava
na chamada «música folclórica», tratava-se de combater o inimigo no seu próprio terreno,
valorizando estratégias de recolha e análise do «potencial progressista» inscrito na música
popular. E a essa luz que pode ser analisado o peso o peso que nas recolhas e análises de
Lopes Graça e Giacometti têm as canções de trabalho, ou o modo como, ao referirem a música
popular de inspiração religiosa, os autores enfatizam a sua pertença a um universo de
276
[...] o folclore entrou decididamente na berra. [...]
Por toda a parte se formam «ranchos folclóricos», os fornecedores do
repertório musical ligeiro inundam o mercado com os seus «arranjos
folclóricos», as vedetas da rádio brilham no estilo «folclórico», os
restaurantes anunciam «pratos folclóricos» , há os trastes e adornos
caseiros folclóricos – enfim, o folclore invadiu tudo, o folclore tornou-se
uma tineta, uma doença, um modo de vida.
Ora o folclore que se reconhece que se apregoa como tal (e aqui referimo-
nos directamente ao folclore musical, talvez a mais insigne desta folclorite
aguda), o folclore que sai do seu âmbito próprio, que são os campos e as
aldeias, e exorbita das suas funções próprias, que são as de exprimir a vida
e os trabalhos do homem rústico, esse folclore assim posto em evidência e
assim utilizado deixa precisamente de ser folclore para se transformar em
divertimento banal ou servir de mero cartaz turístico; do mesmo modo que
o folclore que se fabrica em série, e de que se tira patente, nunca foi de toda
a evidência folclore, mas puro negócio, pura especulação comercial.
Cremos que vai sendo altura de reagir contra este uso e abuso de do
folclore, libertando-o de toda a casta de deturpações e apropriações
ilegítimas. E isto em todos os seus domínios (Graça, 1974:13-14).
Estes matizes de sentidos que o termo cultura adquiriu na época são também
identificáveis nas interpretações sobre o “Portugal fascista” dos protagonistas da
Dinamização Cultural entrevistados:
concepções autónoma da Igreja.” (1995b:55). Sobre o Plano de Trabalho e Cultura ver capítulo
4.
277
hitlerianos, do Mussolini ou do Hitler, apostavam em que o povo não fosse
educado. (José Capinha Gil)
A minha ideia, quer dizer, a minha arte, a minha maneira de fazer pintura não tem
muito a ver com aquilo. As coisas que faço em termos de pintura, ou o que estou a
fazer agora, são coisas com um carácter mais transcendente. A minha pintura não
é uma pintura de bonecos de traço grosso. Mas comecei a pensar se começo a fazer
coisas transcendentes, como o cartaz da Vieira da Silva, esta gente não percebe
nada, não é? Se eu tiver que desenhar um soldado e um camponês tenho que lhe
pôr um barrete. Adoptei esse sistema e sob certos aspectos talvez tenha sido
criticado por certos críticos que diziam que havia uma inteligência subjacente no
povo, que entendia essas coisas. Eu nunca acreditei minimamente nisso,
principalmente um povo inculto como era o nosso. (João Abel Manta)
605Estado Maior das Forças Armadas, 5ª Divisão, Programa de Dinamização Cultural, Comissão
Dinamizadora Central, s/d [1974]. p. 1. (Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional
(em organização); caixa 6388).
278
13.2. | O que estava “por detrás da tela”? A face visível do
“fascismo”
279
Sabemos que a realidade política do Distrito da Guarda se estende a outras
regiões do País. E estamos bem conscientes do perigo que representa no
caminho da democratização em que estamos intransigentemente
empenhados606.
[...] O MFA foi esclarecido dos problemas, dos anseios. A Dinamização foi
também trabalho concreto. O cemitério de Sintrão, o pontão em Vila
Garcia, o trabalho junto dos estudantes em Gouveia, a discussão política na
Guarda, este trajecto que leva a assentar a dinamização cultural e o
esclarecimento cívico em bases concretas.
E depois de ajudar a população a resolver os seus problemas, a tomarem
conhecimento dos diversos bloqueamentos que impediam as pessoas a
unirem-se, a trabalhar, a tomarem o futuro nas suas mãos, é nessa altura
que se atinge a compreensão do que é o fascismo e do que será o futuro de
Portugal.
Assim se aprende que a política deixou de ser algo que vem do gabinete de
Lisboa, de cima, toda preparada, levada a Trancoso ou Pinhel pelo sorriso
melífluo do senhor que «mandava no País» [...]
Hoje, percebeu-se que o estado de atraso em que estão certas zonas não é
fruto de qualquer fatalidade, de sermos um «país Pobre»”, mas sim fruto
de uma vontade deliberada de uma política fascista a quem este estado de
coisas servia. [...]
Para os elementos reaccionários seria essencial que o Povo Português
continuasse na ignorância em que 48 anos de fascismo o deixaram. Por isso
estas experiências de dinamização cultural vão abalar, aonde ainda
existam, o cerne mesmo do edifício reaccionário. [...]
Precisamos de nos alimentar do que nos foi roubado durante demasiado
tempo: liberdade de pensar, liberdade de tomar o futuro nas nossas
próprias mãos, liberdade de viver, afinal.
280
Liberdade também de ver os espectáculos que a comissão dinamizadora
central levou à Guarda. O da “comuna”, por exemplo, tinha sido proibido
de sair de Lisboa pela censura fascista (aqui duplamente reveladora: como
censura e como tentativa de segregação: Lisboa podia ver mas a Província
não podia).
É que, como se diz no início da “ceia” (que se passa à volta de uma mesa):
- Esta mesa é o nosso país. É o lugar onde o homem sofre, trabalha, ama e
luta. Os senhores sentados à mesa são os que oprimem e exploram o Povo,
são os que jogam com a vida do Povo para seu proveito. Enquanto esta
mesa estiver posta, quer dizer, enquanto o Povo sofrer e não tiver
conquistado os seus direitos, a luta tem que continuar607.
Veiga (2002) neste período a reacção vai-se metamorfoseando, surgindo constantemente com
novas roupagens. Nas palavras do autor: “Construía-se assim um sistema com uma grande
amplitude de «entradas» – da direita à extrema esquerda – no qual o resultado redundava
sempre num «inimigo»” (2002:71).
Importa sublinhar que uma vez que as regiões destino das campanhas eram caracterizadas
por uma forte implantação destas estruturas, o discurso sobre elas procurava fazer a destrinça
entre o “povo” e a “reacção” tal como é explicitado num dos artigos do Movimento: “[...] O
povo explorado não é reaccionário. É ver o esforço em tentar perceber, em ter confiança, em
procurar informação, em tentar perder o medo, em falar, apesar da geada, apesar dos filhos,
apesar da multidão como em Miranda do Douro.
Ah! Mas o seu medo ainda é fundamentado, como o do homem em Sanfins do Douro, que
antes de contar os seus anseios, garantiu que o patrão, pelo que iria dizer não lhe daria a jorna
na próxima apanha da azeitona. [...]” (Movimento N.º 9, 28/1/1975, p. 3).
610 Recorrendo ao trabalho de José Cutileiro (1977) que argumenta que a “calma política” de
281
Como assevera Manuel Carlos Silva em Resistir e Adaptar-se. Constrangimentos e
estratégias camponesas no Noroeste de Portugal (1997), na sociedade portuguesa,
predominantemente agrária até meados do século XX, a “população campesina, na
sua maioria, mostrou na arena pública, por mediação da Igreja e dos seus
representantes locais, uma considerável “anuência passiva”611 para com a elite
governante salazarista”(1997:30).
uma rede policial à escala nacional, Riegelhaupt acrescenta a um outro elemento: “natureza
eleitoral não competitiva do sistema político”. A autora, citando Philip Schmitter, defende que
as eleições serviam mais para evidenciar o descontentamento das elites do que para mobilizar
a população (1979:519). Deste modo, o Estado Novo terá aperfeiçoado um sistema que
encorajava activamente a apatia política da população.
611 O autor sublinha que esta “anuência”, perspectivada a partir da óptica do camponês,
poderia ser concebida como uma forma de resistência silenciosa. Contudo, verificaram-se
conflitos, como as contestações campesinas contra a proibição da produção e venda do
designado “vinho americano”, os protestos locais contra a apropriação estatal ou particular de
baldios, a destruição de pastagens em consequência da plantação de pinheiros e eucaliptos,
que Silva afirma que deveriam ser “esclarecidos pela pesquisa historico-sociológica.”
(1997:30). De facto, dois anos mais tarde surgia o trabalho de Freire, Fonseca & Godinho
(1999) que procurou abordar as formas de resistência de rotina e as formas de acção colectiva
no contexto rural português entre 1926 e 1974.
Na mesma linha, Dupuy (2002), partindo da análise do discurso científico sobre o povo,
nomeadamente da historiografia francesa, defende, à excepção de Michelet, que esta
subavaliou a capacidade do povo de expressar um verdadeiro projecto político. O autor
analisa um período cronológico alargado (do século XVIII ao século XX) procurando
demonstrar a “politica do povo”.
282
de esclarecimento que foram telefonadas de Lisboa para serem postas por
algum representante «local»612.
Fernandes).
283
mas honesto povo» de Salazar, o na realidade ignorante e humilhado povo
trabalhador dos campos da Beira Alta, durante séculos explorado por
morgados e caciques, senhores de toga, de sotaina, de bata branca e outros,
muitos outros, que o rol dos amigos do produto do trabalho alheio é tão
grande, que o camponês não lhe sabe o número ou o nome, mas conhece-
lhe as manhas e ganância. Conhece ou começa a conhecer (Correia et al,
s/d-a:103).
Obedecendo à mesma linha retórica, mas acrescentando elementos que tomam como
referente a Idade Média614, a notícia sobre a pintura colectiva realizada em Viseu,
aquando da Operação “Beira Alta”, ilustra similarmente os danos que a ditadura
provocou:
Esta visão negativizada do povo é comum aos discursos actuais daqueles que foram
protagonistas da Dinamização Cultural que descrevem um Portugal “assustado” e
“conformado”:
As pessoas eram muito assustadas, porque não houve uma dinamização cultural a
sério, [...] porque as pessoas não sabiam muito bem ao que nós íamos. Nós éramos
umas figuras meio exóticas no meio daquilo tudo. Eu tinha a sorte de ser uma
figura muito grata porque era uma mulher cómica e que levava muita alegria e
fazia muitas palhaçadas e, por isso, não tinha uma cariz muito político. [...} O
614 O recurso às analogias com a Idade Média foi alvo de críticas difundidas sobretudo pela a
imprensa local.
615 Movimento, N.º 18, 20/5/1975, p. 4
284
circo sempre foi o circo. Com revolução ou sem revolução. [...] Era um Portugal
muito pobre, muito abandonado, à dimensão de Salazar. [...] Era um povo muito
conformado [...], muito dependentes do ditador [...] (Teresa Ricou).
Justamente em muitas das entrevistas, a par de ser enfatizado o êxito das diferentes
intervenções, é também referida a adversidade inicial das populações:
Era uma miséria, numa forma mais desumana, um domínio psicológico total pela
igreja, por dois ou três senhores, havia uma subjugação psicológica, física e
psicológica das pessoas. (Manuel Madeira)
Entre a 1 e as 5 da tarde íamos visitar a terra onde íamos a seguir, avisar a escola,
[...] o cabo de ordens, o da Junta de Freguesia e dizíamos: - amanhã à noite vimos
aqui fazer uma sessão de esclarecimento. Pode ir ver se arranja um salãozinho. //
Alguns não nos queriam receber. Perguntavam: -Quem são os senhores? O que é
que o senhor vem aqui fazer? Não conheço ninguém! Vocês aqui não representam
nada, coisa nenhuma! [...] //Houve uma altura em nós nos tivemos que impor: -
Nós estamos a convidá-lo para participar. Se não quiser ir não vai, não pedimos
autorização coisa nenhuma! Se o senhor quiser fazer parte do processo faz se não é
excluído imediatamente. O senhor tem que perceber que o seu caciquismo
terminou aqui e agora. Se o senhor tem capacidade e mentalidade para fazer uma
reconversão de tudo aquilo que se passou até aqui, se não tem perdeu o comboio
aqui mesmo. //Mas isto eram casos excepcionais e, por vezes, não eram bem eles
285
que reagiam. Era o padre que estavam atrás deles. Os padres foram a pior coisa que
encontrámos no terreno. [...] // Naqueles povoados e aldeias pequeninas, onde até
há muita gente, as pessoas dentro das assembleias estavam caladas. Praticamente
nem piavam. Aquilo acabava sempre por volta da meia-noite, uma, duas da manhã
e às vezes éramos assaltados no caminho. As pessoas metiam-se de bicicleta à nossa
frente. E então vinham-nos contar o que é que se passava porque lá dentro tinham
medo de falar porque estava lá o senhor padre, porque estava lá o senhor cacique e
se eles dissessem alguma coisa iam sofrer porque eles lhe deviam favores, lhe
tinham emprestado dinheiro, tinha sido padrinho do seu filho. (Geraldo
Lourenço)
286
fazer-se, não há canseira que deva evitar-se. A pureza que se respira no
alto compensa bem a fadiga da ladeira.
Condição indispensável para que o homem possa trilhar a senda da cultura
– que ele seja economicamente independente. Consequência – o problema
económico é, de todos os problemas sociais, aquele que tem que ser
resolvido em primeiro lugar. Tudo aquilo que for empreendido sem a
resolução prévia, radical e séria, desse problema, não passará, ou de uma
tentativa ingénua, com vaga tinta filantrópica, destinada a perder-se na
impotência, ou de uma mão-cheia de pó, atirada aos olhos dos incautos616.
Esta concepção, particularmente cara ao MFA uma vez que enaltecia a dimensão do
“problema económico”, é reforçada, meses mais tarde, nas páginas da mesma
publicação onde a opção pela componente mais pragmática das Campanhas é
justificada do seguinte modo:
287
regime autoritário, como também para legitimar e potenciar618 a indispensabilidade
de algumas das suas propostas, nomeadamente no quadro das estruturas agrárias.
Neste sentido, vejam-se as reflexões emanadas do Centro Director da campanha
“Maio-Nordeste” já citadas:
Publicado no início do Verão de 1975, neste excerto, marcado pela divisão ideológica
entre o Norte e o Sul, os conceitos de “cacique”, “reaccionário” e a relação entre
“pobreza” e “revolução” surgem flexibilizados, verificando-se uma dificuldade em
encontrar uma retórica adequada ao contexto da agricultura de minifúndio. Contudo,
618 Jornais como o Diário de Notícias, Expresso, Diário de Lisboa e República citavam
recorrentemente os artigos publicados no Movimento, amplificando desta forma a mensagem
do MFA (Veiga, 2002).
619 Centro Director, Campanha Maio Nordeste, Bragança, 22/6/1975, p. 2 (Arquivo particular
Manuel Madeira).
Os elementos enunciados no trecho encontram-se sintetizados no documentário intitulado
Sever do Vouga, uma experiência (1971) da autoria de Paulo Rocha, cineasta que inaugurou o
chamado “cinema novo”. Pela voz de Alexandre O’Neill é introduzida a problemática da
agricultura em Portugal, estabelecendo-se as diferenças entre o tipo de produtos cultivados
nos campos do norte e do sul, aliados a uma descrição do tipo de propriedade. A câmara
centra-se num momento de comensalidade de uma família de agricultores. A voz off de
O’Neill canaliza o sentido da imagem interrogando: “Poderão elas ter um nível melhor de
vida?” A resposta vem a seguir: “só através de uma mudança do seu modo de vida,
começando pelo abandono da forma primitiva como cultivam as suas terras, fazendo com que
produzam bem mais do que actualmente”.
Este documentário procura explicar a situação da agricultura portuguesa, marcada pela
emigração, pela parca produção de gado e leite, pela pouca rentabilidade económica das
terras associada à utilização de “alfaias primitivas”, acessos e transportes débeis e uma
população desanimada perante “(...) um trabalho árduo com poucas esperanças de entrar na
velhice.” O realizador acompanha o trabalho de um engenheiro agrónomo na instalação de
uma cooperativa. Aqui o documentário adquire uma nova dinâmica. A contrastar com a
nostalgia da primeira parte, as imagens musicadas por Lopes Graça, adquirem novo ritmo.
De novo a voz de Alexandre O’Neill: “Cultivar a terra é colaborar não apenas com os
vizinhos, é ter o conhecimento e a vontade de trabalhar para o progresso de todos.“ (Filme N.º
1977. Sever do Vouga – Uma experiência, 1971).
288
uma aproximação foi tentada principalmente através do “dossier” dos baldios, uma
das medidas do pacote legislativo relativo às novas politicas agrárias para as zonas
de agricultura familiar situadas no norte e no centro do país.
620Os baldios ao mesmo tempo que possibilitam aceder a uma imagem negativa do
camponês, permitem igualmente introduzir uma outra discussão – a colectivização da
propriedade e do trabalho - basilar no quadro da opção pelo projecto socialista, uma vez que
“o baldio era já uma propriedade tradicionalmente colectiva”. Sobre este assunto ver sub
capítulo 14.2.
289
A economia de montanha foi destruída. Talvez o seu fim não estivesse
longe, por outras causas, mas o que de facto acabou com ela foi a ocupação
pelos Serviços Florestais. […]
A política encetada pelo Governo Provisório tem dois aspectos que
interessa considerar na análise da questão “baldios”. São eles o princípio
da satisfação das classes até agora mais desprotegidas, e a via socialista
para Governo do Povo.
“2. Satisfação das classes desfavorecidas
Sem dúvida nenhuma que as populações serranas – as primeiras
interessadas nos baldios – são daquelas mais desprotegidas durante o
longo regime fascista. Nota-se que, na década de trinta, algumas dessas
comunidades tão pouco utilizavam moeda nas suas trocas: prova de que
estavam num estádio de civilização muito atrasado; e as suas condições de
vida […] foram agravadas pela forma como se operou a ocupação dos
baldios621.
De facto, organizado em torno das débeis condições de vida dos camponeses, esta
visão testemunhadora do país real, agora despojado dos efeitos cénicos do
“fascismo”, ou da “mera pintura artificial” nas palavras de Lourenço já evocadas,
será deliberadamente hiperbolizada visando apresentar Portugal aos portugueses:
621CODICE, [1975], Texto de Apoio N.º 19, Baldios (Arquivo particular Manuel Madeira). No
mesmo sentido, atente-se a um artigo publicado no Movimento: “A questão dos baldios põe-se
me termos “quentes” desde a década de 40 quando os Serviços Florestais, por força de Lei n.º
1971 começaram a ocupar os baldios serranos, e a florestar. Deu-se então aquilo que se pode
chamar uma autêntica ocupação colonialista: os povos não foram ouvidos, as suas justas
reclamações foram ignoradas, armas foram utilizadas contra o povo, a florestação fez-se sem
atender aos legítimos interesses locais, a sua economia de montanha foi pura e simplesmente
destruída sem se tratar de a substituir por outras qualquer.
Os Serviços Florestais apressaram o desaparecimento, talvez inevitável, dessa economia – mas
bem adaptada à magreza dos recursos da montanha. Destruíram-na, e, em lugar do leite e da
carne que revertiam para o povo, ficaram as árvores, que reverteram para o Estado. Foi
realmente usurpação.
Tudo isto se fez à boa maneira fascista, consciente ou inconscientemente. […] A política
florestal, como todas as outras, crescendo à sombra e metendo as raízes no fascismo, deu os
piores frutos.[…]” Movimento, N.º 7, 24/12/1974, p. 8. Sublinhados meus.
290
liberdade só agora começa a surgir, por detrás das nuvens sombrias do
obscurantismo cultural e político, do subdesenvolvimento, do
depauperamento económico, na recusa da participação colectiva no
trabalho revolucionário, quer por sujeição económica ou política, quer por
desconhecimento da sua força. Flagelada pela emigração que desenraíza
famílias, ou as separa, a população adormece nos lençóis pagos com
francos, habita casas multicolores pagas com marcos e alimenta-se de
dólares. [...]
Esta realidade, que infelizmente é única e não foi inventada por nós, surge
aos militares que se vêem envolvidos em acções de dinamização cultural622.
291
Reforce-se esta imagem voltando aos cadernos disponibilizados por Manuel da Cruz
Fernandes onde se encontram presentes as suas inquietações, as questões que foi
resolvendo e as realidades que o chocaram. Relativamente a uma aldeia de Castro
Daire escreve em 25 de Março de 1975, logo no início da acção neste concelho:
292
comum, recordam ao visitante citadino, o documentário de Buñuel sobre as
Hurdes. (Correia et al, s/d:112- 113) 625.
293
Grande Depressão através da objectiva de um conjunto de fotógrafos como Dorothea
Lange, Jack Delano, entre outros. Como escreve Brannan, o objectivo do projecto
fotográfico da Farm Security Administration consistia em: “ [...] not just to record
facts, but to make a difference” (2006:9) e, citando um membro da equipa da FSA,
Edwin Rosskam:
Every one of us had been hired not just for talents he may have possessed,
but for his commitement, his compassionate view of the hard life so many
people were struggling against (2006:9).
294
marcou de uma maneira extraordinária. Tinha a maior floresta em pinheiros [...] e
o rendimento daquela gente era maior ou menor mediante o maior ou menor
número de pinheiros e da sua capacidade de negociar a bica da resina. [...] Por
outro lado, encontrávamos imensos filhos sem pai e imensas mulheres sem maridos
que eram emigrantes. E porquê que eram emigrantes? Para procurarem uma vida
melhor, mas fundamentalmente para fugir à guerra colonial. [...] // Só lembrar-me
disto fico transtornado! Naquela zona de Oleiros, Sertã, Vila de Rei, toda aquela
zona que vai de Ferreira do Zêzere até Oleiros é uma zona de muitos pinheiros e
também de imensos medronhos. E então toda aquela gente fazia aguardente de
medronho, que é uma aguardente extraordinária, tinham alambiques, eram
técnicos perfeitos a fazer aquilo, já vinha dos seus avós. Mas sendo uma potencial
riqueza que eles tinham, era a morte cerebral da maior parte daquelas pessoas, e foi
isso que me comoveu. // Quando nós íamos às escolas e víamos as professoras a
ensinar os miúdos a ler. As professoras perguntavam-nos: - Que idade é que vocês
dão a estes miúdos. // - Seis, sete anos. // - Não, este tem catorze e este tem quinze.
// Completamente atrofiados. E sabe porquê? Porque aquela gente levantava-se de
manhã. Os pais tinham emigrado, deixavam os filhos entregues aos avós e as
pessoas viviam do que lhes dava o campo. E as avós iam para o campo e tinham que
levar os miúdos dentro de canastras, que eram um tipo de berço que eles usavam
naquela altura. E os miúdos choravam porque as comodidades não eram boas,
porque se calhar até tinham fome, estavam mal alimentados e, então eles usavam
uma técnica para calar as crianças. Pegavam num bocadinho de pano branco,
chamavam-lhe uma trouxa, e punham um bocadinho de açúcar dentro e metiam
aquilo na boca da criança a chorar, mas primeiro embebiam em aguardente. E as
crianças ficavam alcoolizadas. E as professoras não conseguiam convencer as avós
a fazerem o contrário. Oh! E aquelas crianças nunca foram nada. Nem cresciam,
nem física, nem intelectualmente. Por isso aos treze, catorze anos andavam na 2ª
ou 3ª classe, percebe? Aquelas crianças eram castradas à nascença. Isto era uma
coisa terrível. // Começámos a combater isto, a conversar com as próprias crianças
da escola [...] e nas próprias assembleias. E então começámos a criar uma outra
vertente: era a de saber depois na aldeia, quem é que tinha crianças a seu cargo e
começámos a visita-las. E a partir de determinada altura começámos a fazer ver
que era preciso as Campanhas de Dinamização, em cada grupo, ir pelo menos um
médico.628 (Geraldo Lourenço)
295
Também, a descrição mais especializada do médico de Fernando Leitão toca em alguns
dos temas focados por Geraldo Lourenço:
Um país do Terceiro Mundo. Mas muito do Terceiro Mundo. Posso lhe dizer que
doenças erradicadas no início do século eu vi-as, o que para a minha formação
técnica foi bom, mas ao mesmo tempo foi negativo, São situações que não deveriam
existir: tétanos com fartura lá em cima em Trás-os-Montes. Uma prática que era
usual naquela região era nas feridas, por bosta de boi. Isto é inconcebível! // Vi
doenças, como desproteinizações graves como se via no Biafra, porque em vez de
darem leite às criancinhas, o leite era para alimentar os bezerros, e às criancinhas
dava-se sopas de vinho e biberões com vinho branco como eu vi em bebés. Lembro
de ver miúdos com cirroses hepáticas alcoólicas com três anos. Vi coisas
indescritíveis pelo atraso. [...]// Certas doenças, como a lepra que só existe em
sociedades muito atrasadas, não é? Pontualmente pode haver casos de contacto,
mas fora disso isso significava falta de higiene e eu vi casos, vi na Beira. [...]// As
campanhas serviram para constatar o atraso em que o país se encontrava.
Estávamos a uma grande distância da Europa civilizada, entre aspas, sobretudo o
interior do país. (Fernando Leitão)
acção da Brigadas de Educação para a Saúde, se encontram presentes conselhos sobre higiene
e alimentação, contemplando–se o esclarecimento sobre o consumo de vinho e outras bebidas
alcoólicas: “Temos que acabar para sempre com o velho “slogan” fascista de que beber vinho
é dar de comer a um milhão de portugueses” pois que se ele servia, os interesses dos grandes
viticultores, prejudicava por outro lado, intelectualmente milhares de compatriotas nossos
empurrados pelo uso indiscriminado do álcool, para o mundo marginal dos diminuídos.”
Textos de Esclarecimento Popular. Unidos. A Saúde na Revolução [1975], p. 16 (Arquivo Histórico
do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319.2).
296
Também, Manuel Madeira, apesar de ser oriundo do Alentejo, o confronto com a
ruralidade “a norte” teve nele um efeito perturbador:
Era chocante, era chocante. Quer dizer, para mim que sou alentejano e sei o que
era o mundo rural alentejano, com aquela divisão da propriedade e a miséria que
daí decorria. Era a imagem que eu tinha do mundo rural até essa altura.
Entretanto com esta campanha deparei-me com um mundo rural diferente, talvez
não a existência de gente sem terra. Muitas das vezes com um bocadinho aqui e
acolá mas em que a miséria e o estado de deficiência era qualquer coisa atroz […].
// Em Lisboa era o problema colonial e acabava por ser esse o grande problema.
Mas depois quando confrontadas com as situações como aquelas que nós
encontrámos, as pessoas ficavam completamente fora delas. E muitas modificaram
completamente a sua forma de estar perante as coisas e tornaram-se
militantemente dinamizadores e a favor das transformações sociais. Eram situações
de tal ordem desumanas que não era possível escamotear, não era possível admitir
que existissem neste século.[...] Era a miséria na sua forma mais desumana. […]
falta de infra-estruturas a todo o nível, a falta de electricidade, a falta de caminhos,
a falta de água, a água não tratada, o analfabetismo, esta conjugação, era de facto
algo atroz. […] De facto, este país tinha situações gritantes, ainda as tem é certo,
aldeias onde só de helicóptero é que se conseguia lá ir, na zona da serra da Freita e
da Gralheira. [...] [Covas do Monte] era um buraco! O helicóptero para chegar lá.
E eu fui lá de helicóptero e era uma descida terrível porque são covas terríveis
Eram as terras onde a cabra mata o lobo e os mortos matam os vivos. O que é que
isto quer dizer? [o relevo] Era tão alcantilado, que eles, quando alguém morria
tinha que ser levado às costas, e um dia o caixão caiu em cima de um e matou-o. E
a cabra, naquele alcantilado, o lobo não conseguia apanhar a cabra. Isto dá uma
ideia dos extremos que ali se viviam. (Manuel Madeira)
Foram ocupados os baldios pelos Serviços Florestais. [...] passados estes anos ainda
era uma das questões que nos era posta com muita frequência , ainda era um
problema, a ocupação dos baldios. Não foi por acaso que foram mortos guardas
florestais e os fogos. [...] Foram parte do sustento das pessoas, parte da emigração
ainda se desenvolveu mais por causa disso, e conduziu os que ficaram a uma
miséria terrível. (Manuel Madeira)
De facto, mesmo para quem o atraso do país era familiar, o tom denúncia encontra-se
sulcado nos seus relatos. Evocando as suas raízes transmontanas e minhotas,
297
respectivamente, Modesto Navarro e Manuel Cruz Fernandes afirmam no mesmo
sentido:
O relato Manuel Cruz Fernandes reenvia também para uma temporalidade estática:
[…] a ruralidade era isolada, abandonada. [...] o olhar relativamente ao rural era
coitadinhos, pobrezinhos, tão tristinhos, tão infelizes. [...] // A pobreza era
económica, não pobreza conceptual. O que havia era um povo abandonado e que
nesse abandono consegue não desistir de existir [...]. As escolas eram um horror, o
frio, um desconforto enorme, mas as pessoas teimam pela sua ousadia de viver
naquele meio agreste. [...] // Eu ia de manhã para as escolas, aliás os militares
298
deixavam-nos todos distribuídos eu ficava nas escolas e depois andava a pé o dia
todo. E depois eram já os miúdos e os professores que nos ajudavam a ir de um sítio
para o outro e andar quilómetros. Aliás os miúdos andavam no Inverno, já tinha
começado o frio, aquilo era muito violento andar de escola para escola, aliás a vida
daquelas pessoas era mesmo muito violenta. […]
O norte e centro foram privilegiados pela razão de que estavam mais abandonados,
precisavam mais de construir e ouvir a sua própria voz. Estavam como que
encolhidas a um canto de si próprias a falar pela voz dos outros. (Conceição
Lopes)
Paradoxalmente, estas imagens negativas da nação rivalizaram com outras que fazem
o elogio da ruralidade a partir da valorização das culturas locais, concebidas já não
como “tradições esvaziadas de sentido”, retomando as palavras de Modesto Navarro,
mas como a “expressão autêntica dum povo”629. Esta “monumentalização” do
camponês far-se-á, também, através do reconhecimento da sua capacidade de
mobilização política visando conquistar a sua cumplicidade para o projecto
revolucionário.
299
Capítulo 14 | Camponeses “reinventados” II. A pastoral
revolucionária
Foto 12 | Carvalhosa, Castro Daire, 1975. Anotações manuscritas de Manuel Cruz Fernandes
(Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)
Ao justificar o título de uma das suas obras, Les sens des autres630, no quadro de um
conjunto de interrogações sobre o objecto, o projecto antropológico contemporâneo e
a “morte do exotismo” (1996:12), Marc Augé alerta para a sua dupla significação, na
qual o “outro” é conceptualizado como objecto de sentido, mas também como sujeito,
confrontando-nos, desta forma, com as interpretações produzidas pelos indivíduos
ou pelos grupos, isto é, com as suas “teorias nativas” recuperando Neiburg (1997).
Augé chama, assim, a atenção para o facto de os “outros”, a quem a antropologia
procura dotar de sentido, definirem, também eles, os seus outros.
630A edição que disponho desta obra é a sua tradução castelhana (1996) que assumiu o título:
El sentido de los outros. Actualidad de la antropología. A data original é 1994.
300
No contexto da designada “antropologia repatriada” (Marcus & Fischer, 1986:153) e
da consequente morte do exotismo não doméstico631, a antropologia confrontou-se
com a circulação do seu stock conceptual fora das suas fronteiras, junto de públicos
diversificados. Na verdade, os “outros”, para além de definirem os seus “outros”,
captam e apropriam-se dos conceitos antropológicos.
Outro dos segredos das Campanhas do MFA é que tinham uma cultura do outro.
O outro era o povo. Era a cultura na visão antropológica da existência do outro,
que sabe, que tem uma história de vida, que as suas opções são sempre as suas
melhores opções. Podem não ser as melhores opções para o geral, [...] mas só poderá
saber isso se conviver com pessoas que lhe dêem a ver, por dádiva, por fraternidade
e não por tolerância. (Conceição Lopes)
631 Lila Abu-Lughod (1991) reitera que o exotismo é uma operação discursiva, e não um
atributo inerente a determinadas culturas, pelo que a sua transposição no quadro da
“anthropology at home” (Jackson, 1987) assegura a identidade disciplinar da antropologia.
632 De forma análoga João Leal (2000:151), no quadro da análise do Inquérito à Habitação Rural,
301
permanente, onde o bovino de trabalho pasta em liberdade, nos intervalos
da lavoura.
Além da espécie bovina, poderemos observar ovinos e caprinos,
geralmente agrupados em pequenos rebanhos, implantados nas encostas
de Montemuro, aproveitando a “erva leiteira” da Primavera e a vegetação
arbustiva nas restantes estações do ano. Como produção consequente,
aparece o saboroso queijo, fresco ou curado, e a carne, cujas características
de sapidez, nunca será por demais estimar.
Famoso pela qualidade do presunto a que dá origem, o porco “bízaro”,
alimentado “à lavagem” durante todo o ano, completa a economia
pecuária do camponês desta região; a “salgadeira” é, praticamente, a única
fonte de proteína animal do pequeno e médio agricultor; “carne fresca”, só
nos dias de mercado, numa vinda à vila, ou para doente a quem o médico
vaticinou como imprescindível à cura ...
Terras de Castro Daire, sem Veterinário há cerca de oito anos, onde as
espécies pecuárias são efectivamente super estimadas pelas razões que
apontei, não poderiam ficar indiferentes à nossa presença. Percorremos
milhares de quilómetros por caminhos incómodos e difíceis, atendendo os
proprietários que a nós, diariamente recorriam. O camponês é sensível,
sobretudo, à prestação de serviços donde resultem efeitos imediatos; tudo
o resto, por bondoso que seja, não passará de “castelo em campo de areia”
que cedo cairá por terra ...633
633 Armando António Pires Remondes (Escola do Serviço Veterinário Militar), Relatório,
Lisboa, 27/10/1975, pp. 1, 2. (Arquivo particular Cruz Fernandes)
634 Movimento, N.º 12, 11/3/1975, p. 3.
302
Vamos construir este País de acordo com parâmetros nacionais. As vias do
futuro não podem ser inventadas, têm que ser profundamente enraizadas
nas verdades de cada país. (...) Nós partimos de uma situação concreta que
é Portugal. Não podemos inventar um país, temos o País que temos, e é a
partir dele que temos de trabalhar635.
Os pontos fulcrais [da nossa intervenção] era o respeito pelas pessoas, pelas
comunidades e pela maneira como elas são. Isso, era digamos, era um dos pontos
sagrados, intocáveis […]. (Fernando Simões)
[...] no essencial não foi desrespeitada a matriz, as raízes culturais das pessoas. Foi
levado às pessoas aquilo que as pessoas não tinham. (Modesto Navarro)
303
Da parte dos altos responsáveis da CODICE esta premissa procurou ser acautelada
com o conhecimento prévio da “etnografia” de cada local. Neste sentido Manuel
Begonha refere:
Bom, numa segunda fase foi decidido fazer campanhas itinerantes ou seja pegava-
se numa unidade militar sedeada no terreno, organizava-se aqui em Lisboa uma
campanha destinada a esse local. E para evitar erros e confrontos com a população
de cada local fazia-se uma preparação o melhor possível das pessoas que iam para
essas zonas. Convidavam-se pessoas da zona para dar uma perspectiva cultural,
económica, da própria fala, por exemplo, nessas terras não dizem “25$00”, mas
“uma nota”, pormenores culturais que era preciso conhecer para não dar a ideia
que eram um “chico esperto” de Lisboa que ia impor seja o que for. O que se
pretendia era conversar e mostrar a realidade dos militares, qual era o interesse que
os militares tinham na revolução. (Manuel Begonha)
304
escura, via-se lá longe, 60 km em linha recta o perfil da Serra da Estrela. E todo
este vale era luar com aquelas sombras pouco definidas, os espaços pouco definidos,
mas de uma claridade. Dava impressão que se via tudo. E dizia, assim, o Carlos
Paredes para mim: - Já posso morrer! (Manuel Cruz Fernandes)
«Organiser» la nation, telle est l’urgence. [...] forger un peuple, c’est aussi
dessiner la culture susceptible d’assurer sont unité (1989:3).
638 Esta expressão é utilizada pelos autores para descreverem o carácter simultâneo ou
intermitentemente contraditório do fenómeno romântico.
639 Miguel Vale de Almeida (Leal et al:1993) ao referir-se ao centramento de Portugal nele
próprio, naquilo que designa como “obsessão continuada […] por Portugal enquanto tal”
afirma: “ […] essa obsessão é que conduz à busca, tanto da parte da etnologia escrita como do
filme etnográfico, da ruralidade, na perspectiva do reconhecimento das raízes. Este discurso
em torno da ruralidade encontrava-se em duas posições ideológicas absolutamente opostas: a
do Estado Novo e a da oposição neo-realista e, mais tarde, de qualquer oposição ao regime.
Ambas procuravam o mesmo objecto de essência romântica, relacionado com as raízes. […]
Essa obsessão com a ruralidade e identidade nacional resulta de uma cristalização a-histórica,
que recusa a própria mudança que em Portugal estava na altura em curso, com a urbanização
do litoral, a diversificação da economia, a dependência total em relação à economia mundo e
em relação ao aluguer das colónias” (Leal et al:1993:103).
305
raízes e a sua “autenticidade”e, deste modo, o camponês estaria apto a corporificar o
novo projecto de sociedade. As palavras de Modesto Navarro sintetizam esta
ambiguidade:
306
Na obra Em Busca do Povo Brasileiro, Artistas da revolução, do CPC à era da TV, Marcelo
Ridenti (2000) importa este conceito para a sua análise do movimento cultural e
político do Brasil dos anos 60, princípio de 70, assegurando que neste período a
utopia revolucionária romântica valorizava:
642Para uma análise da relação entre marxismo e romantismo ver Löwy e Sayre (1997: 133-
172).
307
valorização da cultura popular de matriz rural, cuja autenticidade fora perdida ou
ocultada pela acção do Estado Novo, constituíram filões para imaginar a nação
democrática e “progressista”, num movimento de reconciliação de Portugal com ele
próprio. Como notou Canclini (1997:209), a aproximação ao popular não legitimou
apenas a formação das nações modernas, concorreu também para validar outros
projectos políticos centrados na libertação “dos oprimidos” e na resolução da “luta de
classes”.
308
sofrimento, das suas carências, dos seus anseios, das suas qualidades, das
suas alegrias643.
Essa cultura tem que ser elaborada com o povo. Mas não com um ar
paternalista. Tem de se mergulhar nas raízes da vida popular. Eu cito aqui
em toda a humildade, o que nós militares, temos aprendido nas campanhas
de dinamização popular (Gonçalves, 1976:209).
Desta forma, a “cultura autêntica” incluía agora novos elementos oriundos de uma
concepção marxista do mundo, como “trabalho” e “sofrimento”, numa continuidade
com visão neo-realista sobre a cultura popular, que viu o seu território reforçado
nesta conjuntura com o já referido Plano de Trabalho e Cultura644, que procurava, nas
palavras de Giacometti documentar “a vida e a luta do nosso povo” (cit in Branco &
Oliveira, 1993:18). A nação era, agora, imaginada a partir de um universo semântico
que valorizava a resistência das populações às agruras do autoritarismo.
309
Contudo, para o MFA o passado demasiado próximo das ditaduras era um tempo
“interrompido” que falseou a realidade, o que permitia, por um lado legitimar a
mudança política, como referi no capítulo anterior. O que se pretendia pois com a
evocação do passado “pré-ditaduras” era uma aproximação ao Portugal autêntico
não contaminado pelo “fascismo”, isto é, seleccionar um “passado relevante”
(Hobsbawm & Ranger, 1994 [1983]:2) para o contexto político que se
experimentava646. Desta forma, atente-se num excerto da obra MFA, Dinamização
Cultural, Acção Cívica:
Não se pretende levar cultura, mas motivar a população para que recupere
as suas realidades através de uma cultura que um povo antigo como o
nosso, efectivamente possui (Correia et al, s/d-a:17).
646 A relação entre tradição e mudança social passa incontornavelmente pela obra The
Invention of Tradition de Hobsbawm & Ranger (1994 [1983]): “Revolution and progressive
movements which break with the past, by definition, have their own relevant past, though it
may be cut off at a certain date, such as 1789. However insofar as there is such reference to a
historic past, the peculiarity of ‘invented traditions’ is that the continuity with it is largely
factitious. In short they are responses to novel situations which take the form of reference to
old situations, or which establish their own past by a quasi-obligatory repetition. It is the
contrast between the constant change and innovation of the modern world and the attempt to
structure at least some parts of social life within it as unchanging and invariant, that makes
the ‘invention of tradition’ so interesting for historians of the past two centuries. Hobsbawm
& Ranger (1994 [1983]:2).
647 Ver nota 538 do capítulo 12 na qual apresento a definição do modelo étnico de nação
310
Também na actualidade a ideia da antiguidade do país é recuperada. Conceição
Lopes ao explicar “a estratégia para a intervenção comunitária” que procurou
desenvolver no concelho de Castro Daire afirma:
[...] foi a recolha dos contos, das cantigas de trabalho, dos cuidados ao nível da
alimentação, todo um saber, uma sabedoria ancestral […] que é o conceito de
cultura popular e genuína. (Conceição Lopes)
Neste primeiro contacto verificou-se uma coisa que nos abre óptimas
perspectivas: há uma tradição cultural grande, há uma ânsia extraordinária
de retomar essa tradição e já há algumas iniciativas isoladas nesse sentido.
Cito, por exemplo, as bandas de música, algumas experiências de teatro-
amador, grupos de bailado (em São Miguel) e até encontramos um cine-
clube na Madeira. [...]
Temos um ponto de vista que me parece muito correcto: ir ao encontro das
preocupações das populações. Isto é, fazer surgir das bases as formas
autónomas de expressão que estão directamente relacionadas com a
actividade específica de cada grupo social, sem qualquer dirigismo,
pretendendo apenas dinamizar, incentivar, apoiar com alguns meios. Isto
649 Para análise da formação da identidade nacional portuguesa como processo histórico ver
Sobral (2002).
650 Título da entrevista de Vasco Pinto Leite ao jornal Sempre Fixe (suplemento ao n.º 18),
30/11/1974, p. 16.
651 Para os diferentes sentidos do conceito “cultura” ver capítulo anterior.
311
para que as pessoas se organizem e digam quando, quando, como e o que é
que querem fazer. Entendemos cultura como a expressão de vida de um
povo e assim a queremos incentivar 652.
Havia uma coisa que para nós era muito importante: a saída de Lisboa. É preciso
não esquecer que nós estávamos proibidos de sair de Lisboa, da sala pequena que
ocupávamos na Almirante Reis, na fábrica de cervejas. […] Para mim foi das
experiências mais importantes conhecer o país real. Nós não conhecíamos ao nível
daquilo que nós oferecíamos e como era recebido.// Havia uma tentativa de
descentralização e queríamos aprender com o povo. Nós fazíamos teatro de
pesquisa e fazemos investigação através da voz, do corpo, das emoções, de
acompanhamento humano, de improvisação. Mas há um lado que é essencial que é
nós fazemos teatro para o povo. Público mais jovem, mais velho, erudito, que não
sabe ler nem escrever. Essa experiência ao nível da investigação é essencial. Só esse
contacto directo é que permite isto. O espectáculo incluía uma parte de diálogo.
(João Mota)
312
Desta forma, os dinamizadores culturais procuraram transformar a função social da
arte ao estendê-la a novos públicos, ensaiando formas de comunicação que apelavam
à participação dos espectadores. Este posicionamento radicava na experiência
individual de cada um, pelo que as “inspirações” invocadas para o trabalho
desenvolvido com a CODICE formam uma plêiade diversificada. A partir do
denominador comum que era a descentralização cultural, por alguns concebida nos
moldes de André Malraux, os protagonistas entrevistados referem também outras
experiências que vão desde da Agit -Prop655 às experiências teatrais da América
Latina:
313
Já José Capinha Gil invoca a importância do filão latino-americano656, afirmando:
No mesmo sentido, no documento “Acção Cívica: Passar das Palavras aos Actos” que
cria o gabinete de Apoio à Dinamização Cultural pode-se ler:
656Sobre o movimento cultural da América Latina no campo das Artes Plásticas, Teatro,
Cinema ver Canclini (1980). Ver também para o contexto brasileiro Ridenti (2000).
314
É pois levar o Teatro a todo lado, técnicos que auxiliam a sua
implementação, o Cinema, as Artes Plásticas, a Alfabetização, a Dança, o
Canto, enfim, a verdadeira revitalização de tudo o que o povo tem de rico,
próprio, que está diluído, disperso, não apoiado ou descoordenado,
desenvolvendo a criatividade popular657.
A minha convicção, por isso é que eu prestei a minha colaboração [...] é que seja a
inclusão nos momentos de encontro, nas sessões [de esclarecimento], de coisas que
vinham de outros países de outras áreas de cultura através de filmes, seja o
envolvimento de artistas plásticos que normalmente dava origem a murais, quer
seja a intervenção de alguns escritores [...], isto lançou uma pista, um caminho [...]
que eu tenho pena que hoje se tenha abandonado completamente ou quase
completamente que é, não a ideia de uma cultura classista de um grupo - os
trabalhadores, ou a classe média ou as elites - mas uma ideia de interacção. O facto
de nos encontrarmos de diversas origens em torno de um estímulo, essa foi a
intenção da passagem de certos filmes ou de certas peças de teatro, isso era
extremamente importe, interessante e enriquecedor. (Abílio José Vieira
Marques)
315
cultura popular”658. Disso dá conta um texto de Dominique Lamotte659 apresentado
como “especialista em cultura popular”, que recebeu o título “O Desenvolvimento da
Cultura Popular. O que devemos aproveitar das experiências alheias”. Em tom de
conselho, os responsáveis por esta publicação, a 5ª Divisão/EMGFA, assumem a
introdução ao texto que espelha algumas alterações face aos pressupostos iniciais do
Programa de Dinamização Cultural, reflexo das já assinaladas mudanças que as
Campanhas sofreram ao longo da sua vigência660 e da opção por uma ordem
reclamada socialista:
316
- Das massas operárias e camponesas, com aspirações culturais intensas
ainda muito esbatidas.
Surgem assim dois perigos:
1) As vanguardas oriundas da cultura burguesa e peritas em pesquisas
ousadas para a liquidação dessa cultura e sua substituição por outra,
verdadeiramente ao serviço do povo, propõem com a febre da vitória, mil e
uma iniciativas. Rapidamente se criam rivalidades neste campo que, por
vezes, vão resultar em extravagâncias. Acontece mesmo que, no meio
desses confrontos entre vanguardas, o povo seja esquecido ou, pior ainda,
se escandalize, como aconteceu, por exemplo em Leningrad, em 1928.
Desejosos de manifestarem o seu apoio à liquidação do analfabetismo e
como modo de oposição "revolucionária" aos costumes burgueses, um
grupo de intelectuais ultra-modernistas, homens e mulheres, fizeram uma
manifestação nus a três quartos. Imagine-se o efeito que teve sobre os
passantes, operários ou camponeses, até então habituados à decência mais
rigorosa!
2) Isto leva-me a evocar o segundo perigo, o de pôr de lado as vanguardas
intelectuais e ter em conta apenas os gostos do povo. Com efeitos, aonde é
que essas classes laboriosas, excluídas das actividades culturais, reduzidas
a alojarem-se e a ocuparem-se no maior desamparo, podiam formar o seu
gosto? Como é que exaustos pela procura do pão quotidiano, tinham
tempo para elaborar com precisão as formas e as técnicas duma nova arte?
[…]
Um outro perigo, mais sério do que o aspecto da vulgaridade artística é a
conservação no espírito das massas de preconceitos tão antigos que
parecem ser válidos e, que portanto, se devem manter. […]
Mas então, seja o movimento cultural conduzido pelas vanguardas
intelectuais ou pelas massas populares ou mesmo pelos responsáveis
políticos, se nenhum pode evitar certos impasses, a quem nos vamos fiar
para avançar depressa e no bom caminho. A resposta está nestas palavras:
a tripla união quer dizer, a união dos três componentes da revolução
social662.
317
lado, sublinham a continuidade das suas propostas estéticas como referi no capítulo
7. Por outro, o encontro com “as massas populares, até aí cortadas da cultura, mas
cheias de entusiasmo, de sensibilidade e de aspiração à beleza”, como propalava a
publicação da 5ª Divisão/EMGFA, potenciou um discurso enaltecedor das culturas
locais ancorado, não só na intenção de “dinamizar” e “desenvolver” as tradições que
durante 48 anos foram manipuladas pelo regime anterior, mas sobretudo no encontro
entre “dinamizadores” e “dinamizados”. A cultura popular na transição democrática
assumiu o papel do “morto”, de que falavam Michel Certaeu e Dominique Júlia
(1990), na medida em que se assiste à produção de um discurso que visava recuperar
algo que se encontrava ameaçado ou em “vias de extinção”.
Num pequeno texto resultante da sua contribuição num workshop realizado em 1969
em Oxford, do qual resultou a obra colectiva People’s History and Socialist Theory
(1981), o historiador Peter Burke aponta razões estéticas e políticas663 para justificar a
sedução pelo popular no final do século XVIII e início do século XIX. A primeira
decorre da emergência de uma estética de corte com o classicismo que culmina com o
movimento Romântico no qual o universo camponês é interpretado como parte
integrante da paisagem. Já a justificação política para a descoberta da cultura popular
ancora-se legitimação dos movimentos de libertação nacional ocorridos na Europa no
início do século XIX (Burke, 1981:217). Numa obra posterior, ao abordar a cultura
popular no início da Idade Moderna, Peter Burke refere que os intelectuais
procuraram descobrir o povo, e o povo par excellence eram os camponeses:
318
[...] vinham perto da natureza, estavam menos marcados por modos
estrangeiros e tinham preservado costumes primitivos por mais tempo do
que quaisquer pessoas (Burke, 1998:49).
Com o advento do Estado Novo, o país surge como um todo harmónico, “Esboçava-
se mais pelo lado pictórico, folclórico e ilustrativo de curiosidades de diferenciação
local, do que enquanto campo de rupturas, oposições, contrastes, anomalias ou
instabilidades” (Brito 1995:11). Assistiu-se, assim, à manipulação do conceito de
cultura popular de matriz rural quer na edificação de uma imagem cenográfica da
nação, quer nos momentos de ameaça à paz social, âncoras que sustentavam a
representação da unidade nacional. Para tal, a etnografia surge como discurso
legitimador do “nacionalismo estado-novista” (Melo, 2001):
319
visão romântica do país por este preconizada presente no modelo igualitário e
harmonioso com que perspectivou as comunidades rurais. Nos seus trabalhos,
Vilarinho da Furna, uma aldeia comunitária (1981 [1948]) e Rio de Onor, Comunitarismo
Agro-pastoril (1981 [1953]) define a organização social comunitária pela igualdade
entre vizinhos, apontando como factores de continuidade destas comunidades
homogéneas o isolamento geográfico e a manutenção de práticas e modos de vida
tradicionais. O etnólogo defende um comunitarismo arcaico, destacando a posse
colectiva da terra como factor correspondente a uma sociedade igualitária, com
obrigações colectivas e comprovados hábitos tradicionais.
É neste quadro de buscas e apropriações que devem ser encarados os discursos sobre
o povo e a cultura popular produzidos no quadro das Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA. De facto, nesta versão da ruralidade os
protagonistas da Dinamização Cultural assumem uma sedução etnográfica marcada
quer pela especificidade da cultura portuguesa enquanto todo, presente
principalmente nos textos da época, quer pela valorização e defesa das culturas locais
concebidas como um património susceptível de ser partilhado e utilizado como
experiência formadora. Apesar de na época o discurso enaltecedor da cultura
popular ser partilhado por militares e civis, actualmente é expresso de forma mais
enfática pelo sector intelectual e por técnicos civis que intervieram em outras áreas
consideradas pela CODICE. E aqui o conceito de cultura, na óptica daqueles que
colaboraram nas Campanhas, retoma o legado que a antropologia lhe atribui:
[...] tenha a ideia que a nossa perspectiva cultural era a tentativa de fazer um mapa
quase de identidade cultural possível entre as zonas. Tinha a ver com o folclore,
como tinha a ver com o teatro amador. Tinha a ver com a integração.// Há pouco
falou-me de S. Pedro do Sul, um dos homens mais conhecidos de São Pedro do Sul
é o dramaturgo Jaime Gralheiro que fez trabalhos excelentes, ele vivia lá e morava
lá. [...]. Quando havia nas zonas intelectuais que nos podiam apoiar nós
desenvolvíamos os projectos a partir deles em comunhão com as populações. (José
Capinha Gil)
320
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, apesar de traduzirem uma
revitalização cultural apelando à organização de “centros culturais” na província,
não incluíam a dimensão de investigação científica664 na área do folclore, nem a
relação com as instituições museológicas da época, muito conotadas com a política
cultural do Estado Novo e pela sua utilização do folclore (ver Melo, 2001). As
campanhas foram sobretudo um projecto de redenção do país que permitiu o
diagnóstico das diferenças e do valor do local.
Experiência mais importante porque permitiu conhecer o país real. Foi interessante
que o povo adorou a peça, metia-se na peça. Foi o caso da Ceia. O povo-povo que
não sabia ler nem escrever metia-se na peça a meio. A cultura popular tem uma
grande força. (João Mota)
Em convergência com esta imagem positiva do povo, e enquadradas por aquilo que
Ridenti designou de “utopia da integração do intelectual com o povo” (2000:12),
encontram-se as palavras de um técnico da Direcção-Geral dos Desportos. O trabalho
com as populações e associações locais na construção de ginásios rurais foi descrito
como:
321
Após ter concluído a sua entrevista convidou-me para visionar os registos
fotográficos que tinha captado em Trás-os-Montes, sessão que se realizou alguns dias
mais tarde em sua casa. Os comentários que ia fazendo à medida que projectava os
slides espelhavam o encantamento e o entusiasmo pelos “jogos tradicionais”.
Também Francisco Carreira da Costa, elemento da mesma equipa, sublinha a
“aprendizagem” que as campanhas lhe proporcionaram:
Fiquei muito impressionado porque não conhecia Rio de Onor. Achei uma coisa
completamente excepcional. Rio de Onor achei piada por ser uma zona muito
característica.Parece uma zona que só em Portugal é que pode existir, a
construção, a maneira de ser das pessoas, a cultura muito cruzada com a cultura
espanhola. (Manuel Begonha)
De facto, esta paisagem discursiva é marcada pelo carácter exótico de Portugal. Neste
sentido, Teresa Ricou, recém chegada de Paris, destaca o Nordeste de Portugal,
nomeadamente Miranda do Douro e a recém considerada língua, o “mirandês”666:
665 Como disse no capítulo 2 deste trabalho este episódio foi referenciado por Brito (1996). Esta
questão será retomada no próximo capítulo.
666 O mirandês foi reconhecido como língua oficial desde Janeiro de 1999.
322
Eu fiz Trás-os-Montes e aquela zona toda. Lembro-me de Miranda do Douro que
foi onde eu encontrei aquela coisa muito engraçada que era o mirandês. Esta
linguagem lá de cima, que pouco se entendia,foi uma grande surpresa para mim.
(Teresa Ricou)
323
Quando conheci todas essas mulheres e homens que cantavam, daquela
forma que eu desconhecia e aquelas melodias com influências árabes e
judaicas, parecia-me uma tribo enorme, revia-me nesse ambiente. […]
Muitas vezes […] recolhíamos os temas e depois tentávamos reproduzi-los,
não daquela maneira ortodoxa, mas já com uma ponta de criatividade. […]
Este trabalho começou com o Michel Giacometti, o Lopes Graça e o padre
Mourinho. […] O Michel Giacometti foi uma pessoa muito mal tratada,
mesmo depois do 25 de Abril. Nunca quiseram saber das centenas de
gravações que ele tinha. Foi uma pessoa que fez muito por nós. O Michel
Giacometti é muito lembrado pelas pessoas mais velhas. Ainda se fala
daquele «senhor de cabelos branco e barbas que vinha de burro, às vezes a
neve era tanta, o burro caía e ele continuava a pé».
Quando questionada sobre a região cuja música a mais tivesse marcado, responde:
Com uma intenção de registo análoga à de Manuel de Brito, também Manuel Cruz
Fernandes captou um conjunto de imagens, que têm vindo a pontuar esta
investigação, e procedeu a um registo sonoro de alocuções, sessões de
esclarecimento, entrevistas e gravações de várias intervenções de músicos de Alijó do
Douro e de Castro Daire, para registar “a arte do povo”668. Numa sessão de fado
667 Urbi et orbi – jornal on-line da ubi, da Covilhã, da região e do resto Edição N.º 110, Março de
2002. Disponível em URL: http://www.urbi.ubi.pt/020312/edicao/110_neladeiras.html,
24/8/2004.
668 Palavras de Manuel Cruz Fernandes. Cassete áudio, 1975 Arquivo particular de Manuel
Cruz Fernandes.
324
improvisado realizada em Picão, Castro Daire, é dedicado um trecho à acção das
Forças Armadas669:
669 Também Noémia Delgado, no filme As Máscaras (1976) capta uma loa ao MFA em Varges.
670 Cassete áudio, 1975. Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes.
325
um conceito de povo que é de ignorante, de iletrado […]. O conceito de povo era
um conceito de valor, de competência, grupos humanos com uma competência
enorme, quer ao nível técnico, social e cultural. (Conceição Lopes)
Esta [linguagem] desde os primeiros meses de 1789, fala com efeito da sua
esperança e do seu entusiasmo, por meio de uma rede de metáforas
extremamente abundantes: imagens da luz vitoriosa sobre as trevas, da
vida a renascer do seio da morte, do mundo reconduzido à sua idade de
ouro, tendo a ordem antiga tomado, por redução simbólica, a aparência de
uma nuvem escura, de um flagelo bíblico, de um mundo reduzido à
escravatura. […] o discurso apoia-se assim nas metáforas para propor um
relato de fractura histórica susceptível de ordenar o curso desenfreado da
história (Baecque, 1998:1997).
326
14.2. | Trabalhar com o Povo, Construir a Revolução671
Foto 13| Povoação do concelho de Castro Daire, 1975. Anotações manuscritas de Manuel Cruz Fernandes
(Arquivo particular Manuel Cruz Fernandes)
Em 1975, os músicos José Afonso, Francisco Fanhais e o cineasta Luís Filipe Rocha
disponibilizaram-se para colaborar nas Campanhas com o objectivo de ver a
“revolução acontecer” 672. No périplo pela região de Bragança encontraram uma
aldeia onde lhes foi denunciada a situação laboral das Minas da Ribeira673 marcada
pela memória da prisão de dois dos seus trabalhadores ordenada pela PIDE. Ao
ouvirem esta história tomaram nota de alguns pormenores. Quando regressaram a
Bragança, onde estavam alojados, José Afonso escreve uma canção que dias mais
tarde viria a tocar para os seus habitantes:
671 Slogan do autocolante utilizado nas viatura militares na Campanha Maio Nordeste, 1975.
672 Entrevista a Francisco Fanhais, 2006.
673 A quarta das quinze reportagens que Mário Contumélias escreveu no quadro da campanha
327
Em terras de Trás-os-Montes
Entre Coelhoso e Parada
Uma história verdadeira
Foi ali mesmo contada
“Em terras de Trás-os-Montes”674 foi o nome que o compositor elegeu para esta
narração que chamo, agora, para ilustrar a outra dimensão presente na paisagem
discursiva em debate. Ao povo da “Província” vai-se reconhecer a sua aptidão
política para ser recolocado na área da cidadania após o “esclarecimento político”
proporcionado pelo MFA. O camponês foi, assim, convocado como co-agente da
transformação política, social e cultural que o MFA se propunha a realizar num
tempo revolucionário que alimentava a ruptura histórica.
674 Esta canção faz parte do repertório do disco Com as minhas Tamanquinhas (1976).
675 Entrevista gravada, 2006.
328
Através das campanhas esperava-se que o camponês se transformasse num dos
actores centrais da revolução676 a quem era pedido que fosse “um sujeito activo na
sua própria história [...], o motor da sua própria história [...]” como sublinhou
Gonçalves (1976:91) na sessão de esclarecimento realizada no Sabugo. Importava,
agora, esclarecê-lo com o objectivo de o inserir numa ordem reclamada socialista.
Neste sentido, atente-se, agora, aos esclarecimentos prestados por um elemento do
MFA numa povoação da freguesia de Balogãs (Barcelos), um dia após o 11 de Março
de 1975:
Temos que possuir nas nossas mãos a riqueza deste país, somos nós que o
produzimos. Quem constrói o nosso país, quem constrói as fábricas, quem
trabalha os campos, quem é? Será esse povo, possuidor da riqueza deste
país? Não, o 25 de Abril ainda não deu isso, mas o 25 de Abril deu
oportunidade do povo de a partir de agora tomar nas suas mãos o destino
deste país. É por isso que nós temos que avançar na construção da
sociedade democrática, mas uma democracia autêntica. Não podemos
deixar-nos enganar com palavras temos que saber bem o que queremos
[…]
Um país socialista é aquele em que se pretende atingir uma maior
igualdade entre a população, em que não existe exploradores como no
sistema capitalista, em que existe uma planificação da economia, em que as
empresas produzam os bens necessários à população, e não aqueles bens
que efectivamente aumentam os lucros dos capitalistas. […]
Efectivamente o MFA não quer o sistema capitalista. Eu vou-vos dar, talvez
uma informação que ainda não me foi confirmada, foi só por telefone por
um elemento do MFA, mas que eu confio plenamente. Nós até aqui
preconizávamos, definíamos uma via socializante. Hoje de manhã, um
329
elemento responsável do MFA afirmou-me pelo telefone que não mais uma
via socializante, vamos mesmo para uma via socialista. O MFA, depois dos
acontecimentos de ontem [11 de Março de 1975] parece que reconheceu
que era impossível uma colaboração com a reacção, portanto vamos
mesmo para uma via socialist 677.
330
Em Sintrão o cemitério nunca tinha sido começado por falta de autorização
«dos nossos superiores». Em Sintrão o MFA foi dizer que «os nossos
superiores» era a vontade colectiva do povo de Sintrão. [...]
O fenómeno político esteve sempre presente ao longo da acção de
campanha de dinamização cultural e esclarecimento cívico. Como poderia
estar ausente se foi político o abandono a que durante 48 anos se votou a
Província em Portugal?681
E à medida que as campanhas avançam no terreno o Movimento vai dando conta das
“conquistas” das populações. No quadro da campanha “Beira Alta escreve-se:
Mas há também Covas do Rio, por exemplo, onde se deu agora o primeiro
passo na nova maneira de trabalhar e de viver, a construção da estrada
pela qual passa a resolução dos problemas mais urgentes da aldeias.
Como diziam um dos seus homens:
- «Antes estávamos para aqui como mortos agora sabemos que podemos
ter esperança, que podemos ir para a frente ao lado das nossas Forças
Armadas.»
331
É tão simples como isto: a não ser que não sejamos homens, teremos que ir
para a frente no caminho que encetámos em 25 de Abril de 1974, com
consciência das dificuldades e os pés bem assentes na terra.
A experiência que vivemos de Norte a Sul do País com o povo trabalhador
em especial a que ganhámos nas Campanhas de Dinamização e Acção
Cívica, são um constante acertar da mira no nosso apontar para o alvo que
queremos atingir em Portugal683.
332
mais uma surpresa para nós. A honra que temos merecido a todos os
senhores é de tal ordem que neste momento [...] estou sensibilizado.
Quando se trata de um português que, como os senhores combateu, o
fascismo. Que, como os senhores teve os olhos postos no futuro em nome
de um grande povo que é o nosso, porque é grande de alma e de querer. E
quando realizado uma parte desse querer com o 25 de Abril; quando
segundo as suas ideias - que pensa que foram legítimas - se dirige ao
campo, ao povo e está com ele na revolução. E vê que a semente pegou e
cresceu, e vê que esse povo se antecipa a fazer coisas que nós ainda não
fizemos porque está tudo ainda por fazer. Então só nos resta uma coisa é
convosco dizer: - Povo, a revolução é nossa! Está aí a semente, continuemo-
la. Estejamos unidos porque na unidade e vigilância estará o amanhã de
todos nós. [...] Obrigado Castro Daire!685
[Os] ideais, digamos assim, eram quase próximos da Revolução Francesa. Mas foi
um bocado isso que levou estrategicamente o Programa de Dinamização Cultural
para além das transformações das estruturas, [incidir] principalmente em termos
de abertura da mente, da forma de pensar, de actuar, de se autonomizar enquanto
pessoas, enquanto decisores. (Manuel Madeira)
685 Discurso de Manuel Cruz Fernandes. Cassete áudio, 1975 Arquivo particular de Manuel
Cruz Fernandes.
686 Esta expressão é cunhada de uma artigo de Kymlicka & Norman (1994) intitulado “The
return of the Citizen” que faz um balanço bibliográfico sobre esta temática (cit in Pérez
Ledesma 2000-a:1) Sobre o debate em torno do conceito de cidadão e a sua evolução histórica
ver Pérez Ledesma (2000 -a: 1:35) e especificamente para o caso europeu ver do mesmo autor
2000-b:115-147.
687 Nas palavras de Pérez Ledesma: “Fue la Revolución Francesa […] la que «inventó» […] el
concepto moderno de ciudadanía, que vino a sustituir al «ideal ciudadano» del mundo
clássico. La invención afectó al menos tres niveles: la ciudadanía legal […]; la ciudadanía
política […] y la ciudadanía nacioanal” (Pérez Ledesma, 2000-b:117).
333
Referindo-se aos objectivos desta iniciativa, Geraldo Lourenço, praça da Armada,
defende que o objectivo da dinamização cultural consistia em:
Levar a todo o país o espírito democrático da Revolução de Abril. [...] Nós íamos
procurar dar às pessoas a capacidade de elas próprias reconhecerem as suas
dificuldades, elegerem os seus homens e as suas mulheres.[...] Nós dizíamos: não
vimos aqui dar-vos nada, não temos nada para vos dar. Viemos trazer a liberdade e
vocês vão-nos dar as vossas amarras. Vocês a partir de agora são livres. (Geraldo
Lourenço)
Estes dois trechos são possíveis de ser lidos a partir da interpretação marxista sobre a
ideia da Revolução Francesa “como momento inaugural de uma época de liberdade,
igualdade e fraternidade, que para se concretizar plenamente, exige uma afirmação
revolucionária dos direitos sociais do individuo e das classes desfavorecidas” (Neves,
2006:185-186).
[…] o que se pretendia era puxar o povo para a revolução e fazer dele o agente
fundamental da revolução, porque nós sabíamos que os militares estavam no poder
a prazo. Ninguém estava interessado em ficar no poder e esse poder ia ser
transmitido. O que nós queríamos era que as pessoas ficassem o mais conscientes
possível. (Manuel Begonha)
334
Mas, este alto responsável da CODICE sublinha também a mudança do
comportamento das mulheres nas sessões de esclarecimento:
O que eu achei, também, muito importante foi o despertar das mulheres, porque
anteriormente, e ainda hoje as mulheres subordinam-se um pouco às opiniões dos
maridos, e não são muito activas politicamente, já são muito mais. Mas na altura
não seriam tanto e, até em zonas como Murça, foi uma coisa excepcional: os
homens puseram-se à frente e as mulheres puseram-se atrás. E a dada altura nós
começámos a discutir com as pessoas, isto numa sessão enorme, e então nós vimos
que aquilo não andava, então as mulheres passaram para a frente e anunciaram aos
maridos: vocês estão sempre a refilar a dizer que estão descontentes mas porque é
que não falam? E foram as mulheres que lançaram uma discussão do mais
interessante que pode existir. E em muitos sítios eram as mulheres... até haviam
zonas que numa sala se punham as mulheres para um lado e os homens para outro
e nós conseguimos que as coisas corressem melhor. Houve cenas de grande
interesse por causa das acções delas, mas de um modo geral eu penso que o que
ficou foi bastante positivo. (Manuel Begonha)
[Procurámos] reconhecer uma valorização que sempre lhe tinha sido negada, era o
trabalho da confiança. […]. O projecto de dinamização cultural do MFA era um
projecto de vontades, não era um projecto de sedução. As pessoas que faziam as
Campanhas tinham a convicção, que de facto este país tinha um sistema social que
tinha mudado, que era um potencial enorme para a afirmação da cidadania,
afirmação local. E isto continua por fazer, o desenvolvimento local, a criação e
sedução de emprego, as motivações para as pessoas construírem a sua qualidade de
vida é tão actual hoje, como já foi iniciado nessa altura e criou-se essas coisas.
(Conceição Lopes)
[…] nós nunca fizemos peças de teatro que pudessem chocar com a consciência
crítica das pessoas, com o pensamento crítico das pessoas e, portanto, fomos buscar
alguns actores didácticos que era o caso do Bertold Brecht que era o que estava
mais na moda, ou do teatro campesino da América do Sul, ou do teatro brasileiro.
Mas também fomos buscar […] o “Woizec” do [George] Büchner que é uma peça
revolucionária em qualquer altura, fiz “As Histórias para serem Contadas” do
Oswald Dragen que é uma peça revolucionária em qualquer altura. […] Por
335
exemplo, aquela peça, “As Espingardas da Mãe Carrar”, se eu as fizesse hoje se
calhar fazia de maneira diferente, mas na altura foi feita com a consciência clara
que era uma peça que pretendia demonstrar como as pessoas desenvolviam a sua
consciência politica. Portanto os espectáculos, as peças que eram feitas não era,
propaganda imediata, posso usar a palavra inatelista ou inatelistica, não era
propriamente a propaganda imediata “Vota no Guterres” ou na altura “Vota no
Vasco Gonçalves”, era de consciência mais aberta […]. (José Capinha Gi)
336
gloriosos, ou como uma «idade de ouro». A História passou, então, a poder
narrar um passado real, com ganhos e perdas, com avanços e recuos,
fidelidades e traições, sucesso e insucessos, unanimidades e contradições; e
apesar de tudo como um passado constitutivo da coesão nacional, pelo
simples facto de ser um passado comum e de resultar de uma experiência
vivida em conjunto ou tornada memória colectiva (Mattoso, 1998: 104).
689 Ver na mesma obra pp. 125-128 para análise de outras utilizações da História no quadro
desta iniciativa.
690 Na mesma linha retórica ver discurso de Vasco Gonçalves no I Congresso dos Escritores
337
No mesmo discurso, Vasco Gonçalves recua mais uns séculos evocando uma outra
data-chave, 1640:
Esta ideia teve grande circulação na época. José Saramago no prefácio do catálogo da
exposição Portugal, Um Ano de Revolução, 1974-1975 intitulado “Nunca tão perto de
possuir uma pátria”, passa em revista a História portuguesa desde a Lusitânia e
Viriato até ao 25 de Abril de 1974:
[...] No passado, o povo ergueu-se contra opressões, mas não sempre, e não
todo, se tal coisa é possível. Mas quero pensar e afirmo que todos esses
levantamentos prefiguraram isto que é hoje um acordar, uma ondulação de
maré rijíssima que vai sobrepondo vaga sobre vaga até remexer todo o mar
– toda esta ondulosa terra portuguesa de Norte a Sul, de Leste a Oeste, que
procura e vai achar a sua verdadeira configuração. Vejamos agora o nosso
próprio rosto nestes mil rostos fixados em instantes que são os primeiros
da nova história portuguesa.
Enfim se justificaram oitocentos anos de vida e de morte e muito
sofrimento entre a vida e a morte. Enfim se tira a prova real das contas que
o Povo Português veio escriturando enquanto não resgatava a sua própria
terra. E se é certo do que nada do que estou escrevendo tem que ver com a
ciência histórica, é certo também (clara verdade) que em momento nenhum
da sua história aquela parte do povo esteve tão perto de possuir uma
Pátria. […]
Vejamos os soldados, os operários, os camponeses, as gentes das cidades e
dos campos, ouçamos nas gargantas abertas os gritos da Revolução.
Vejamos o trabalho e a construção de tudo. Vejamos o ondular das
bandeiras, os braços erguidos no ar, a força dos punhos, o cântico das
imagens sobre a memória dos sons gigantescos das grandes caminhadas. É
este o Povo Português enfim recolhendo e frutificando a herança dos oito
séculos. Agora são as nossas verdadeiras Descobertas: este ser enfim o que
338
tanto procurámos – Portugal (Portugal, Um Ano de Revolução, 1974-1975,
1975) 691.
339
reconhecida a capacidade de “gerir e planear a sua nova hegemonia” (Narin, 1998),
questão axial na “imaginação” da nação democrática.
De acordo com Hardt & Negri (2005), para o modelo marxista o que definia a vida
rural não era tanto a “idiotia mas a incomunicação” (2005:132). Era esta incapacidade
de comunicar que fragilizava a sua aptidão política. Assim, como escreve Marx no 18
Brumário de Louis Bonaparte:
Seguindo, ainda Hardt & Negri (2005), os “circuitos de comunicação” que conferiam
à classe trabalhadora das cidades uma superioridade política sobre a massa rural
deviam-se também às condições de trabalho, isto é:
Desta forma, chegamos a um dos debates que animou socialistas e comunistas nos
séculos XIX e XX em torno da “questão agrária” e do papel dos camponeses na
política revolucionária no qual estes, concebidos como uma classe, só
protagonizariam feitos revolucionários se seguissem o proletariado urbano. E as
Campanhas de Dinamização, já numa fase avançada do processo revolucionário,
reflectiram estes pressupostos. Como referiu Silva (1987) todas as organizações de
esquerda, principalmente os partidos comunistas, insistiam na necessidade e na
importância do movimento operário ganhar a adesão do campesinato para uma
340
frente “anti-latifundista e anti-monopolista“695 no quadro da realização da aliança
operário-camponesa (Silva, 1997:410). As Campanhas procuraram, também,
contribuir para a construção desta aliança como se pode verificar na Proposta de Acção
Político Militar, na qual era contemplada a maior politização do campesinato através
da deslocação dos operários para as zonas rurais (Correia et al, s/d-a:137). Este
encontro permitiria, assim, desenvolver a sua consciência de classe. E esta
preocupação encontra-se presente logo no quadro da “Operação Nortada”. Num
artigo intitulado “Caminho Novo que não pode ser abandonado” escreve-se no
Movimento:
Se o 25 de Abril foi feito para nos restituir a liberdade foi feito também
para voltar a dar aos trabalhadores a possibilidade de exprimirem a sua
consciência de classe que nunca morreu durante o fascismo e cujo combate
foi uma das razões da queda do regime anterior696.
695 Veja-se para o caso português as propostas de Álvaro Cunhal (1974) na obra Rumo à Vitória.
As trarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional, em particular o capítulo 9 intitulado
“Unidade das Forças Democráticas e Patrióticas, Imperativo da Situação Nacional”.
696 Movimento, N.º 9, 28/1/1975, p. 3. Numa fase já mais avançada do processo revolucionário,
de Abril de 1975 dedica dois longos artigos a esta temática (N.º 14, 8/4/1975, p. 8; N.º 15,
22/4/1975, p. 8-7).
341
orientadas para “Acção Cívica”. Atente-se às palavras de Ramiro Correia que
entende esta dimensão como uma forma de apoio à “fase em que se vai viver em
socialismo” destacando a importância do cooperativismo nas suas diferentes áreas:
342
[…] uma das tarefas da Dinamização Cultural no Norte do País é a partir
dos embriões de trabalho colectivo das populações incentivar e criar as
condições para a organização ao nível de toda a aldeia ou lugar […]701.
De facto, o conceito de metis torna-se novamente útil para pensar estas propostas da
revolução, na medida em que se ancoram nas formas de organização do trabalho das
populações para operar a transformação política. Contudo, caberia às “populações
das aldeias e dos lugares”a tomada de consciência da sua indispensabilidade:
Os conselhos de aldeia não devem ser criados por «decreto», pois terão de
ser as populações das aldeias e dos lugares, a chegar à conclusão pela sua
prática diária e na resolução dos seus problemas concretos de que eles são
essenciais. À «dinamização cultural» e às organizações políticas
progressistas inseridas nas populações, apenas lhes compete criar as
condições necessárias para essa tomada de consciência, aproveitando como
exemplo diversas formas de associativismo e cooperação existentes em
todos os lugares e que são embriões para despertar formas colectivas de
trabalho702.
Aos conselhos de aldeia, enquanto órgãos de base do poder popular no campo era,
assim, atribuído um papel axial no quadro de “uma transformação radical da
sociedade portuguesa” 703:
700 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7. Sobre este assunto ver sub capítulo 7.2.
701 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7.
702 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7.
703 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7.
704 Movimento N.º 25, 14/8/1975, p. 7.
343
Mas neste Verão Quente, outros temas eram chamados para debater e fomentar as
formas de organização colectiva. Disso é exemplo a discussão em torno dos baldios.
Estes, ao mesmo tempo que possibilitaram aceder a uma imagem negativizada do
camponês, identificada no capítulo anterior, permitem, agora, a partir de uma outra
característica das populações rurais – o comunitarismo – debater a colectivização da
propriedade e do trabalho:
705 CODICE, [1975], Texto de Apoio N.º 19, Baldios (Arquivo particular Manuel Madeira).
706 CODICE, [1975], Texto de Apoio N.º 19, Baldios (Arquivo particular Manuel Madeira).
344
debate, argumento que poderá ser lido à luz da análise de Hann (1993) sobre os
modos de relação entre a antropologia e o socialismo. Segundo o autor, os
“primeiros” socialistas denotaram um interesse particular pelos materiais
antropológicos707, nomeadamente Engels na History of The Family, Private Property and
the State (1884). Nas palavras do antropólogo:
707Importa sublinhar que o diálogo também foi feito em sentido inverso, isto é, a antropologia
recebeu fortes influências das teorias e ideias socialistas. Ver sobre este assunto Hann (1993) e
artigos reunidos nesta obra que sublinham a contribuição da abordagem antropológica no
estudo do impacto do socialismo a nível local em diferentes contextos geográficos.
345
parte IV
Discurso local sobre as Campanhas de
Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA
Capítulo 15| Múltiplas Vozes
Walter Benjamin em Theses on the Philosophy of History (1940) atesta que qualquer
imagem do passado, que o presente não reconheça como sua, tende a ser
irrecuperável (cit in Sekula, 2004), porque como afirma Halbwachs (1971 [1941]):“Le
passé devient en partie le présent: on le touche, on est en contact direct avec lui.”
(1971 [1941]:1).
347
anos atrás, respondeu-me: “eles ainda cá andaram em Abril”. Continuei o meu
périplo pela aldeia e as respostas que obtive aproximavam-se da formulação de
Benjamin, isto é, como se a imagem do passado, que eu ali construía verbalmente não
fosse reconhecida pelos habitantes.
Neste sentido, o presente capítulo procura dar conta da visão local das campanhas
que tiveram como destino o Norte e Centro interior do país, sobretudo o distrito de
Viseu e de Bragança709, e diagnosticar as diferentes perspectivas que evidenciam o
envolvimento de cada indivíduo nesta experiência. A óptica agora adoptada não é a
dos decisores ou dos que, no terreno, desenvolveram esta iniciativa, mas a do “povo”
para quem a revolução se confunde com a Dinamização Cultural do MFA.
348
who were at the center of activity – the military men, the leaders of newly
formed or reactivated political parties, the technocrats, etc. And yet, this
so-called revolution has affected the lives of all Portuguese citizens both
home and abroad, and their interpretations of the outcome are varied and
equally important (Brettell, 1992:198).
Por vezes, o carácter urgente da ruptura parecia não se coadunar com a lógica
campesina. Como sublinhou, Alfredo Morgado Ferreira, residente em Lamelas de Cá
(concelho de Castro Daire): “Eles queriam uma mudança rápida, mas as mudanças
não devem ser bruscas devem ser lentas”. No mesmo sentido, um habitante de Varge
(concelho de Bragança) afirma:
As pessoas iam tomando a liberdade pouco a pouco. Não foi por eles cá virem que
as coisas melhoraram, apesar deles viram dar um incentivo para que as coisas
andassem mais depressa. (Fernando Tiza)
710 Para análise da dimensão local do 25 de Abril de 1974 ver Reed (1995) e Piselli (1996). Reed
trabalhou o político na aldeia de Belmonte (Concelho de Belmonte) passados 20 anos. Já
Piselli abordou as estratégias económicas de indivíduos e agregados familiares no contexto
das mudanças surgidas em quatro aldeias do concelho de Coimbra passados 15 anos do 25 de
Abril de 1974.
711 Foi na senda deste autor, nomeadamente a partir da obra The Litle Community (1989 [1955]),
349
Também o confronto entre absolutistas e liberais no século XIX712 surge como
referente histórico a partir do qual é interpretada a mudança de regime político:
Na mesma linha:
Tivémos medo do 25 de Abril e agora temos medo da guerra [intervenção dos EUA
no Iraque]. Tínhamos medo que nos tirassem as terras. Os meus avós diziam que
no tempo do Paiva Couceiro houve gente que foi atacada. Tínhamos medo das
revoltas. Tiravam os bens à Igreja. A minha bisavó lembrava-se dos soldados e eu
pensei que no 25 de Abril fosse a mesma coisa. (Amadeu Carvalhoso, Picão,
Castro Daire)
350
As pessoas queixavam-se de tudo às Forças Armadas. Uma vez vieram-me dizer
que tinham denunciado uma professora. Eu estava de consciência tranquila porque
sabia que não era eu, como depois se verificou.
De facto, em aldeias onde a acção dos militares foi mais ténue e não diariamente
visível, as construções discursivas remetem para um campo semântico negativo lido
a partir de expressões como “só faziam maroteiras”, “andavam para aí de um lado
para outro de helicóptero com as professoras primárias” ou ainda “Não faziam nada,
só queriam era comer e beber“, como afirmou um habitante de Aveleda (concelho de
Bragança)713.
Competindo com estes relatos, surgem outros que elogiam a atitude dos militares e a
sua disciplina: “Eram muito rigorosos e rígidos. Não aceitavam nada para comer, só
presunto de vez em quando”. No mesmo sentido surgem outras narrações que
revelam a importância das forças armadas no “imaginário social português” (Santos
1992) nomeadamente do “tempo primeiro”714, recorrendo à expressão de Boaventura
Sousa Santos, que o autor faz corresponder ao tempo das forças armadas na
sociedade rural, marcado:
Por diversas vezes foi enfatizada uma proximidade relacional com os militares
alicerçada precisamente neste momento das trajectórias dos jovens. Disso é exemplo
o relato de uma habitante da Póvoa de Montemuro (Castro Daire): “A população
gostava muito deles. Não tiveram medo, eles fizeram o bem. Não íamos fazer mal às
tropas, nem nos assustámos porque os nossos filhos também foram tropas.”
portuguesa. Para além do “tempo primeiro” referido no texto principal, Santos define o
“tempo segundo” que corresponde ao tempo das forças armadas “na sociedade liberta e
convulsa de 1974-75” que se sintetiza na expressão “Aliança Povo-MFA” e, por fim, o tempo
terceiro é o” tempo das forças armadas a entrar na CEE, dominado por uma certa
governamentalização das forças armadas a pretexto de as submeter ao poder civil de as
restringir ai seu papel profissional, cumprido em tempo de paz nos quartéis” (1992:46).
351
Também a mobilização e experiência da Guerra Colonial marca os discursos, tal
como referiu João Martins residente em Bustelo (Castro Daire):
Nós precisávamos muito deles. Eles disseram que vinham para trabalhar. Não nos
assustávamos. Eu já tinha sido militar na guerra em Angola. Eu até já tinha
saudades daquele ambiente. E cheguei a desenrascá-los quando eles vinham cá à
noite e indicáva-lhes o melhor caminho. Eu fui militar como eles.
As pessoas iam com muita frequência e aderiam. O povo queria saber e confiavam
muito neles. A equipa que aqui esteve era muito simpática, embora gente da
cidade. Talvez até por isso, dado o grau cultural que eles tinham eram humildes
com as pessoas. Não havia rispidez, tratavam as pessoas com muita educação. Eu
gostei muito deles. (António Argentino Lacerda e Oliveira)
715O presente trabalho é percorrido por um conjunto de temáticas que vão reaparecendo ao
longo dos capítulos com novas articulações. Neste sentido, o presente capítulo dialoga de
forma intensa com os conteúdos do capítulo 8 no qual analisei os trajectos da Dinamização
Cultural e as diferentes reacções das populações que a imprensa da época foi noticiando.
Neste capítulo, a documentação da época é convocada para reforçar as temáticas que no
presente são evocadas para testemunhar esta experiência.
352
marcam esta paisagem discursiva, onde se recorda “o nascimento de um mundo
novo”.
No mesmo sentido, Horácio da Cunha Pinto (Moinho Velho, Castro Daire) sublinha:
“Nessa altura era um outro mundo. Sentíamo-nos apoiados porque as Forças
Armadas deram-nos força para resolver as coisas”. Para além deste reconhecimento,
também o diagnóstico do “subdesenvolvimento” e do atraso do país, efectuado em
diferentes momentos pelos ”dinamizadores”716, é reforçado afirmando-se que “a
imagem que eles tinham [de nós] era verdadeira”. Daniel Silva, antigo presidente da
Junta de Freguesia de Covas do Rio (São Pedro do Sul) eleito pelo PSD entre os anos
de 1976 e 1989, resume desta maneira a mudança, enfatizando sobretudo a melhoria
das acessibilidades:
Até ao 25 de Abril não tínhamos nada. Depois houve as estradas que foram abertas
pelas Forças Armadas que vieram aqui, até ao alto da serra. Aqui em Covas do Rio
foi uma mudança radical em tudo. Se você soubesse o que nós passávamos para ir
até São Pedro do Sul… // Íamos por caminhos, por carreiros de cabras ou caminhos
de carros de vacas a caminhar até São Pedro. Demorávamos 4 a 5 horas, saímos de
noite e entravámos de noite. Naquela altura já havia uma estrada em Sul, não
havia era dinheiro para ir no carro. // Se você visse as ruas desta localidade em
alturas de chuva, ficava admirada. // Naquela altura não havia dinheiro como há
hoje. Hoje os dinheiros da Comunidade [Comunidade Económica Europeia]
facilitam tudo isto. (Daniel Silva)
Referindo-se aos benefícios das campanhas na área das acessibilidades António Argentino
717
Lacerda e Oliveira, conhecido como António Argentino, na época director da Clube Musical
Recreativo Rerizense, as estradas abertas pelas Forças Armadas ainda hoje são conhecidas
como “os caminhos das Forças Armadas, os caminhos militares”.
353
eram boas pessoas e só fizeram o bem”. Também para uma habitante da Póvoa de
Montemuro, a presença dos militares do MFA é recordada:
Foi o primeiro sinal de progresso. Foi a partir daí que nos começaram a ligar.
Estávamos esquecidos. Antes para enterrarmos os mortos iamos a pé para Pinheiro
[sede de freguesia]. Era uma hora de caminho e tínhamos que pousar a padiola três
vezes. Para ir ao médico tínhamos que ir a pé parte do caminho e, depois, alugar
um carro.
Para Noémia Machado, na época professora primária nesta aldeia, a acção das
equipas de dinamização é descrita da seguinte forma:
As Forças Armadas nunca se nos apresentaram para impor nada. Eles puseram-se
ao nosso dispor. Disponibilizaram-se para nos ajudar. E então aí, como nós
precisávamos das coisas, começámo-nos nós a organizar. Não podemos de dizer que
eles mandaram, eles colaboraram connosco. Nós não temos nada a apontar. Ali eles
beneficiaram-nos porque se não fosse aquela estrada nós continuávamos isolados. //
Houve uma abertura, um desenvolvimento muito diferente do que era
anteriormente. Havia ali uma vontade de ajudar. E as pessoas, que eram muito
carenciadas, aceitaram-nos de braços abertos. As Forças Armadas tinham o ideal
de ajudar as pessoas. Se tinham outras ideias ali não as manifestaram. Nunca se
meteram com a religião. Não impuseram nada. As pessoas aceitaram-nos muito
bem. // O ideal deles era uma ajuda às aldeias que estavam muito isoladas e muito
carenciadas. Eu e a população vimos um debruçar sobre nós, o que nunca tinha
acontecido até ali. Estávamos completamente esquecidos. Vivi aquele tempo com
uma grande alegria porque vi ali nascer uma nova possibilidade de as pessoas
poderem desenvolver-se, poderem deslocar-se, poderem mudar.
Esta “vontade de ajudar” é também reconhecida nas muitas cartas, petições e abaixo-
assinados recebidos pela CODICE, em Lisboa. Dirigidas aos “representantes do
MFA”, ao “Senhor Presidente da Comissão Dinamizadora Central”, ao “Senhor
Chefe da Comissão Dinamizadora Central” ou, ainda, às “Campanhas de
Dinamização Cultural”718, estes documentos dão conta dos inúmeros pedidos das
populações centrados em torno do melhoramento de algumas infra-estruturas,
nomeadamente das acessibilidades. Disso é exemplo uma petição da Comissão
718 Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319.
354
Administrativa da freguesia de Padornelo (concelho de Paredes de Coura) datada de
7 de Fevereiro de 1975:
[...] Através da Rádio e dos jornais temos vindo a saber o vosso importante
programa sobre a campanha de Dinamização Cultural.
Como sabemos que tem dado certas informações, e que até já têm resolvido
algumas dificuldades, nós a Comissão Administrativa da Freguesia de
Padronelo lembramos de contar às Forças Armadas o atraso da vida desta
freguesia principalmente em dois lugares.
Para apagar um fogo ou qualquer coisa urgente não [h]á por onde passar
uma ambulância, ou um pronto socorro.
Não precisamos de lucho [luxo], precisamos sim ter com que acodir
[acudir] a uma desgraça que nos pode surgir.
355
Desde já terminamos desejamos-lhes os maiores êxitos na vossa tarefa que
não é nada pequena719.
719 Arquivo Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319.
720 Este responsável pelas equipas de dinamização que actuaram em Castro Daire reuniu um
conjunto de petições e abaixo-assinados com inúmeros pedidos que, para além das infra-
estruturas e acesso, versam sobre áreas como a electrificação, a captação, distribuição e
consumo de água e ainda pedidos de postos públicos de correio e telefone.
721 Arquivo particular de Manuel Cruz Fernandes.
356
principais carências da vida dos campos e a deficiente preparação política do
camponês para abraçar o novo projecto. Com o título “Lavrador quem és tu?”, o
Notícias de Chaves é disso exemplo:
357
[…] Tem estado a decorrer no distrito de Viseu, uma vasta campanha de
dinamização cultural do MFA, a exemplo do que se tem verificado já
noutros distritos por todo o país.
É englobado por esta campanha o concelho de Castro Daire, que sem medo
de sermos mais papistas do que o Papa, afirmamos será um dos mais
necessitados de trabalho deste género por parte do MFA.
O Dr. Robalo teve aí um tempinho. Não sei precisar quanto tempo foi, mas teve aí
uns meses bons. As pessoas gostavam muito dele, coitado! Até foi aí filmado. Ele
vivia cá, e cá dava as suas consultas. O povo ficou muito contente. Na altura não
tínhamos quem consultasse ninguém. Tudo correu bem.
358
Jaime Gralheiro, na época Presidente da Comissão Administrativa da Câmara de São
Pedro do Sul, corrobora esta perspectiva chamando a si a responsabilidade da fixação
deste médico naquela aldeia:
Depois levámos um médico que era o Dr. Robalo, que se fixou em Macieira, que
nunca tinha tido médico, nem nada. E eu disse:- vocês querem um médico? Eles
pensavam que eu estava a brincar. Mas o médico foi mesmo, foi um herói, mas
aquilo foi durante pouco tempo. Era o espírito de missão, tinha muito a ver com os
médicos sem fronteiras, são rapazes novos, deixaram tudo, abandonaram tudo e
vieram por aí a cima para ajudarem este povo, para estarem com este povo, para
ajudar a libertar este povo. Esse médico veio, e deixou a família lá para não sei
aonde, em Lisboa, e veio por aí a cima e passou viver pobremente, ao nível daquela
gente, numa casita que lá se arranjou, a fazer por ele próprio, e dava consultas a
toda gente daquela serra, Macieira, São Martinho, Covas do Rio, Covas do Monte,
Pena. Toda aquela zona da serra já não necessitava de vir aqui porque tinham
médico lá. E isto que foi para eles uma alegria extraordinária. (Jaime Gralheiro)
Tínhamos carências de toda a ordem. Subsídios para o teatro não havia. // Antes do
25 de Abril a maior parte das peças de teatro que temos lá para representar estão
todas carimbadas com o carimbo da censura. Depois não se podiam levar à cena,
depois cortavam uma quantidade de texto. Prendiam os actores em palco só porque
deitou umas serpentinas. Era proibido deitar serpentinas no Carnaval. Faziam-se
esses malabarismos terríveis. (António Argentino Lacerda e Oliveira)
726Fundada na primeira década do século XX esta associação dedicou-se na sua fase inicial ao
Teatro alargando a sua actividade ao Cinema. António Argentino colaborou com o cineasta
António Faria no filme Sertório, rodado em Moura Morta (concelho de Castro Daire) no ano
de 1976 e, também, na séria produzida pela RTP O Homem que Matou o Diabo (1979).
359
O apoio ao “desenvolvimento de centros culturais na província”, tal como previa
o Programa de Dinamização Cultural, é testemunhado com grande entusiasmo727:
Como director da associação fui eu que lhes pedi para ir a Reriz porque eles quando
pretendiam fazer umas sessões de esclarecimento pediam-nos a associação
Emprestada, que era a única casa com alguma dignidade e com algum espaço para
as pessoas poderem estar. // Então pedi-lhes, e dei-lhes uma resenha daquilo que
era a associação, e disse-lhes que gostaria que vocês falassem da nossa associação
para incentivar as pessoas para que se inscrevessem como sócias e ajudar-nos a
receber algum apoio do Estado. Havia nessa altura o FAOJ. E então, através deles,
nós recebemos uma iluminação, uma aparelhagem de som, fraquinha, rudimentar
que serviu para nós darmos espectáculos no exterior. Ajudou-nos muito nesse
aspecto. Criámos muitos sócios com a ajuda deles. Nós em termos de associação
beneficiámos muito. Eles conseguiram um bom trabalho e nós continuámos.
(António Argentino Lacerda e Oliveira)
727 Mais fugaz é a memória da intervenção dos diferentes intelectuais talvez pelo carácter
momentâneo da sua intervenção. Apenas a actividade do sector do teatro é referenciada de
forma fragmentada. Virgínia, proprietária de um café em Aveleda, recordou a peça de teatro
que os militares tinham realizado numa eira: “Falaram sobre os partidos políticos e
perguntavam se queríamos a direita ou a esquerda. E alguns respondiam que com a mão
direita se trabalhava melhor”. Na mesma aldeia, uma outra habitante recorda o que a mãe lhe
contara sobre esta representação que versava “sobre a revolução e sobre o Antigo Regime.”
728 O autor aborda as três principais esferas da vida social: a terra (distribuição e posse
360
É sobretudo à luz da primeira dimensão deste conceito que também devem ser
interpretados os discursos locais que magnificam a intervenção das equipas de
dinamização nesta área, aos quais se encontra subjacente a especificidade da
economia campesina organizada em torno da “ética da subsistência” (Scott, 1976).
Neste sentido, em Rio de Onor foi um conflito em torno de uma tentativa de
apropriação individual de propriedades comunais, os “coutos”729, que mobiliza os
seus habitantes num pedido de auxílio às equipas de dinamização que percorriam o
concelho de Bragança. Mariano Preto, que assumiu a gestão da Junta de Freguesia de
Rio de Onor no período subsequente ao 25 de Abril de 1974, descreve em tom
valorativo o “auxílio” do MFA:
Como aludi no capítulo 2, Joaquim Pais de Brito referencia este acontecimento em Rio
de Onor, Retrato de Aldeia com Espelho (1996) no decorrer da sua análise do conselho e
729 Com o título “O Espírito Comunitário de Rio de Onor Ameaçado pelos Caciques da
Localidade”, a reportagem de Mário Contumélias e Rui Homem noticia este episódio. (Diário
de Notícias, 5/6/1975, p. 3). Relembre-se ainda que, tal como foquei no capítulo anterior, esta
situação é identificada em Correia et al (s/d-a): 183.
361
da gestão conflituosa da propriedade comunal, clarificando, deste modo, alguns dos
seus aspectos:
Segundo o antropólogo (1996) este conflito em torno dos alargos ficou documentado
nos versos de um jovem habitante da aldeia. Como afirma Brito “Neles se projecta a
dimensão do conflito e a importância atribuída aos soldados na sua «resolução»”
(1996:85):
RIO DE ONOR
362
Queriam lavrar os alargos
mas não o conseguiram
não foi o povo que disse
mas as leis o não permitiram.
[...]
363
os leitõezinhos fazendo uma cesariana. Se não ela morria. (Póvoa do Veado,
Castro Daire)
Acta
Para fazer constar se elaborou esta acta com as assinaturas dos eleitos
e dos elementos das FA presentes731.
Eles [militares] arranjaram a máquina. De onde veio a máquina eu não sei. [...]
Fizemos uma organização de pessoal. Duas pessoas ficaram de fora porque naquele
tempo na povoação só havia o meu carro e outro de uma pessoa que fazia
transportes. E nós os dois ficámos de fora para irmos buscar o material que era
preciso. Chegámos a ir ao Porto para irmos comprar ferramentas que ficavam mais
364
em conta. // Então tínhamos uma organização de pessoas, organizávamos as
pessoas do povo. Havia dois que estavam à frente e o resto do pessoal ali estava
para ajudar no trabalho. As Forças Armadas, alguns deles também ajudavam e foi
assim que nós conseguimos aquela estrada.// Organizamos doze pessoas que iam
trabalhar duas a duas. Esses é que estavam à frente do trabalho juntamente com o
senhor da máquina. E depois unidas a essas duas pessoas fez-se uma escala do
pessoal da povoação que cada dia ia trabalhar com aquelas duas pessoas que
estavam à frente. // Eu é que estive à frente de tudo isto, inclusivamente até escrevi
para o Brasil, onde temos pessoas que nasceram na nossa terra a pedir uma ajuda.
Ainda tenho lá uma lista com o nome das pessoas e o que cada um deu para a ajuda
do material e do combustível gasto porque isso foi tudo à nossa conta. (Noémia
Machado)
Eles explicavam às pessoas que não sabiam em que regime estavam. Não tinham
noção. Sempre viveram naquilo. Uma pessoa que nasceu na altura do fascismo
como é que ia agora pensar que seria melhor outra coisa qualquer? As pessoas
faziam muitas perguntas e eles respondiam como foi feito o 25 de Abril, como é que
esse movimento se desenrolou. Davam uma explicação a toda a gente. Eles desciam
365
à cultura dos outros, explicavam tudo muito bem se não as pessoas não
conseguiam entender. // Eles foram ajudando para que as pessoas pudessem
participar nas sessões de Câmara, diziam: - Vão às sessões de Câmara, porque
vocês podem bater o pé, vocês podem exigir! // Eu recordo-me do capitão que esteve
aí [Manuel da Cruz Fernandes], eu gostava muito dele. Esse homem explicava as
coisas muito bem. Era um homem que sabia e as pessoas tinham por ele um
respeito muito grande. [...] // Ele dizia: - à entrada de um organismo vocês tirem o
chapéu por uma questão de educação, mas lá dentro batam o pé, dêem um murro
em cima da mesa, vocês podem-no dar, mas o chapéu, vocês tirem-no! Foi o homem
indicado para aqui. Ele resolvia mesmo as coisas. Num meio rural como era este,
com pouca cultura, com a 4ª classe ou nenhuma, foi muito benéfico. (António
Argentino Lacerda e Oliveira)
No mesmo sentido, irei, em seguida, dar conta das “outras vozes” que traduzem o
comportamento hostil do mundo rural relativamente a esta iniciativa733,
fundamentado na retórica anticomunista propalada pela Igreja e pelas forças políticas
que perderam a hegemonia na conjuntura revolucionária do 25 de Abril de 1974.
732Ver capítulo 8.
733Importa relembrar que Oliveira (2004) fez uma primeira aproximação às resistências das
populações na sua abordagem da dinamização cultural, bem como dos outros movimentos
congéneres que analisou. Para outro período da história portuguesa, no quadro do contexto
das problematizações sobre as resistências às mudanças políticas ver importante contribuição
de Ferreira (2002) centrada nas hostilidades populares ao liberalismo na segunda metade do
século XIX.
366
15.2. |“Foi uma nuvem negra que aqui passou e não deixou
saudades nenhumas”
É a partir, sobretudo, do Verão de 1974734 que a imprensa regional, próxima das elites
políticas e eclesiásticas, procura afirmar a sua posição no seio da nova conjuntura
política apresentando a sua versão do país. Expressões como “o nosso povo não é
analfabeto” ou “o povo português não é reaccionário”735 percorrem os jornais da
época que se insurgem, também, contra a linha de argumentação que estabelece a
analogia entre a Idade Média e as populações transmontanas e beirãs.
367
sentido, o Mensageiro de Bragança defende que o “quadro antropológico” atribuído ao
nordeste transmontano, onde as suas populações são “compostas, de um lado, por
reaccionários e feudais, e de outro, por ignorantes, atrasados, não esclarecidos, não
politizados” não passa de uma análise “primária e infeliz.” Neste jornal pode ler-se
ainda:
atente-se às palavras de Jorge Freitas Branco (em Almeida & Freire 2002) o anticomunismo
“[s]ervia não só para as pessoas se posicionarem no dia-a-dia, como também para exprimir
outras coisas. Julgo que nessa altura foi uma dádiva do céu para o Portugal rural aparecer
essa retórica do anticomunismo, porque permitiu ao povo rural, que até aí não tinha voz,
começar a ter voz. Ter voz era defender a igreja contra os comunistas, era ter receio de tudo o
que vinha das cidades, ter receio dos jovens oficiais, ter receio de tudo o que aparecesse de
diferente. Foi uma forma de se mobilizarem, de ganharem uma expressão” (2002:242).
368
Simplesmente o homem rural, sério e reflectido, tem tempo e
oprtunidade para pensar sobre tudo o que lhe é proposto e já há
muitos anos se habituou a julgar os homens e acontecimentos pelas
palavras de Cristo: “pelos frutos os conhecereis”.
369
padre tem sido, muitas vezes, o único líder de populações desejosas
de caminhar e progredir. Muitas freguesias devem à liderança do
padre o único que têm. Tem sido o padre que dinamiza as populações
e anda, de porta em porta de repartições públicas, mendigando, para a
gente no meio do qual quis viver e a quem se entregou, subsídios e
ajudas estatais a que tinham direito, já que o padre sempre se recusou
a pactuar com a existência de portugueses de segunda739.
O que é o Comunismo?
O comunismo ensina:
739 Diário do Minho, 13/2/1975, p. 1. Meses mais tarde, por ocasião das cerimónias litúrgicas da
Semana Santa, o cardeal patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro reforça este posicionamento
perguntando “Quem mais do que os padres da cidade e da aldeia, serviu o povo e esteve com
o povo?” (Notícias da Covilhã, 5/4/1975, p. 12).
740 Mensageiro de Bragança, 28/6/1974, p. 4. O mesmo jornal dedicar algumas ao “Cristianismo
370
ela deve continuar infatigavelmente (Discurso de 4-12-1936).
371
É o que se depreende do texto n.º 9 da Comissão Dinamizadora
Central do MFA, texto que se destina a apoiar a Campanha de
Dinamização Cultural que as Forças Armadas levam a efeito pelo país.
Estamos entendidos!
E também avisados!
E é à luz destes posicionamentos que devem ser lidos os discursos actuais que
localmente configuram a oposição às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA, os quais partilham alguns dos conteúdos dos excertos citados. As
discursividades locais são, deste modo, pautadas pela desvalorização desta iniciativa:
Andavam por aí. [A sua acção] não modificou nem a psicologia e fisiologia das
populações, nem a geografia da aldeia. Foi uma nuvem negra que aqui passou e
não deixou saudades nenhumas. Não fizeram nada de positivo, muito pelo
contrário. As pessoas tiveram receio desse indivíduo que vinha pr’aí [Manuel Cruz
Fernandes]. Formou-se uma seita. Nada bom! Vieram armar-se em grandes chefes.
A maior parte não gostava deles. Vieram levantar lebres que deviam estar
sossegadas. (Alfredo Morgado Ferreira, Lamelas de Cá, Castro Daire)
Eles deram uma visão que não foi aquela que correspondeu à realidade. Porque
aquilo que os MFA’s e todos esses elementos que andaram por aqui nas chamadas
campanhas, nada mais fizeram do que comunizar ou pretender comunizar as
populações. Só diziam mal do regime anterior, que não tinham feito nada de bem. //
As pessoas pela responsabilidade que tinham, pelo cargo que desempenharam,
372
tinham obrigação de ser verídicas naquilo que disseram e no entanto mentiram
descaradamente. […] era a falsidade histórica das coisas. A interpretação que eles
davam a tudo o que era do passado! Não só do tempo da União Nacional, do tempo
de Salazar, não só desse tempo, mas inclusivamente a interpretação da história
desde o princípio, era uma interpretação marxista. E como eles faziam essa
interpretação marxista da história, claro eu não podia concordar com aquilo. Era
dizer mal, só mal, só mal, só mal do regime anterior. Portanto o regime anterior
não fez nada de bem. Nem Maomé dizia tanto mal da carne de porco como eles
disseram do regime anterior. E porque o regime anterior só fez mal, então agora
eles iam fazer bem. E […] então pois começava aí a campanha, não é?// Olhe, eles
não fizeram nada pela promoção da terra. Absolutamente nada. Quiseram meter-se
em tudo, subverteram todas as estruturas e não fizeram nada de positivo!
(Cândido de Azevedo)
A 5ª Divisão das Forças Armadas espalhou-se pelo país inteiro porque entendia
que estaríamos numa fase conturbada da história e que iria contrariar os costumes
e o pensamento das pessoas da aldeia, que eles consideravam totalmente ignorantes
do ponto de vista político. E eles quiseram vir esclarece-los sobre a nova ordem,
sobre a democracia instaurada. // Claro que vieram, a maior parte deles, sem
qualquer preparação política, sem qualquer preparação social. Começaram,
inclusivamente, a perturbar e, até muitas vezes, a atacar os sentimentos das
pessoas. As gentes desta zona são bem formadas, praticamente todas educadas na
religião católica, que seguiam nesse tempo com grande assiduidade e muito fervor.
Hoje verifica-se um certo afastamento da prática religiosa, apesar de,
estatisticamente, todos eles sejam católicos. E as populações sentiram-se feridas
com a agressividade das ideias e até dos procedimentos dos militares que para aqui
vieram. (João Duarte Oliveira)
Fernando Tiza, por seu lado, também enfatiza a débil preparação dos militares para
lidar com as especificidades da ruralidade “a norte”:
373
Não se podia ir para os pinhais com esses animais. E eles baseavam-se nisso, na
ocupação dos baldios. A partir daquela data, já se podia pastorear os baldios, já se
podia semear. // Eles tiveram, às vezes, umas liçõezitas derivado precisamente de
não terem experiência. Ninguém os estimou mal. Foram bem recebidos,
lanchavam. Não sabiam mais porque não lhes ensinavam mais. Noutra aldeia, um
oficial miliciano, um alferes, pôs a questão de quantas ovelhas é que tinham lá. E o
oficial perguntou: - e quantas pessoas andam com elas? Andam três. Vocês deviam
comprar uns cães bons, juntavam as ovelhas todas e em vez de andarem três
pessoas andava só uma. E uma pessoa lá da aldeia disse: - Pronto! Então
compramos os cães e você pastoreia [risos]. Era totalmente impossível! Eram 500
ovelhas. Aí é que se vê a experiência deles. Não era possível. No Alentejo não, há as
herdades, aqui é partilha aqui, partilha ali e há frutos, milhos, batatas, que tem que
se guardar. Como é que uma pessoa conseguia andar com 500 ovelhas? O oficial
ficou encavacado. // Cá, em Varge, foi uma grande palestra e mais nada […] e foi
mais a questão dos baldios porque foi a questão que as pessoas mais puseram
porque queriam pastorear. Houve cá famílias que foram penalizadas por
atravessarem um fundo do pinhal, foram multados. Era o que preocupava a
população, era uma fonte de riqueza a floresta. (Fernando Tiza)
744Júlio Carvalho foi uma dos intervenientes do programa televisivo Dinamização Cultural. O
fracasso do 4.º D, SIC, 19/04/1994.
374
seguinte o que é que fizeram. E isto foi já incitado por nós. Nós estávamos atentos
à acção e ao teor das intervenções deles. Aquilo era feito numa escola e que na hora
marcada, em vez deles pusessem lá os burros da terra. E quando lá chegaram
apenas encontraram lá no adro da escola os burros da terra. Foi uma cena! (Júlio
Carvalho, advogado, fundador do PPD de Bragança)
A estas interpretações aliam-se outras nas quais esta experiência é lida a partir da
ideologia anticomunista convocada para legitimar visões do mundo adversas ao
projecto político do MFA, recorrendo-se com frequência a afirmações como: “os
militares eram comunistas”, “eles eram o pretexto, o problema era o comunismo” ou
ainda “os militares eram como o Zé do Telhado, roubavam aqui para dar ali”. Na
mesma linha, Brettell (1979) dá conta de declarações semelhantes em Santa Eulália
(concelho de Viana do Castelo), um ano e meio após o 25 de Abril de 1974:
375
Eles tinham boas intenções, tinham o objectivo de desisolar as populações. Em Bustelo e
Cetos fizeram um bom trabalho, mas estavam a mando dos comunistas e as pessoas
tinham receio. Era o gonçalvismo, o Primeiro-Ministro era militar e comunista. Eles
também eram militares e queriam fazer cá o que fizeram lá para baixo. Ocuparam casas e
fábricas e puseram os donos fora e as pessoas sabiam disso. Cá os terrenos eram pequenos
e toda a gente tinha o seu bocado e as pessoas são muito religiosas.
Este relato ilustra, também, o facto de em povoações onde a acção das equipas foi
quotidianamente visível, nomeadamente na área das infra-estruturas ou no campo da
veterinária746, o reconhecimento do trabalho realizado não exclui as referências ao
“comunismo”. Sublinhe-se, ainda, que a referência a exemplos da “prática
revolucionária” dos “dinamizadores” é reforçada com a alusão a um capital histórico
centrado no conflito entre o poder liberal e a Igreja747, a partir do qual se examina a
nova situação política e se justificam as resistências às mudanças proporcionadas
pelo 25 de Abril:
Eles eram como os liberais. No diabo das ideias liberais pode-se ver o comunismo. Nesse
tempo os liberais mataram o padre Bizarro em Folgosa. // Tinham ideias vindas da Rússia
e davam a demonstrar que eram comunistas de primeira apanha. Na altura essas acções
foram muito mal encaradas. Eram formas de governar em que as pessoas perdiam os seus
bens. Era uma comuna, as terras todas juntas. (Alfredo Morgado Ferreira, Lamelas
de Cá)
referencia o concelho de Castro Daire, enquanto palco de tumultos nos anos de 1838-1841,
classificados pela historiadora como “perturbações ligadas ao «cisma religioso»”.
376
Faria (1995) como uma “expressão da política oficial do salazarismo” (1995:229)748,
que se viria a revelar um instrumento eficaz no novo alinhamento de posições
políticas na transição democrática portuguesa, especialmente como ancora da
mobilização anti-revolucionária, possível através da acção da hierarquia da Igreja
católica e da mobilização dos párocos locais749. Neste sentido, atente-se ao
testemunho de Jaime Gralheiro sobre o Verão quente de 1975:
748 Faria defende que “o comunismo surge aos olhos do Estado Novo como um inimigo da
sociedade, um inimigo da Pátria, que, além de se traduzir por uma diferença ideológico-
política, é quase sempre visto como «a destruição de todos os sistemas existentes para sobre
as suas ruínas se instalar o caos». É pois sob este conceito de caótico, de destruidor, que se
marcará fortemente um sentimento anticomunista, radicalizando todo o discurso ideológico e
que combinará formas muito diversificadas de intervenção, principalmente ao traduzir-se
numa complexa rede de acções e ideias de natureza política, económica, cultural, militar e
outras, que atingirão todas as esferas da vida social“ (1995:231-231).
749 Para além de Pinto (1999 e 2004) ver sobre este assunto Palacios Cerezales (2003). Já
377
Em muitas destas povoações a Igreja, e respectiva rede de párocos, assumia o papel
de “political interpreter”750 (Brettell, 1979: 291) da nova conjuntura política. Como
afirmou Júlio Carvalho “tinham uma acção pedagógica através do púlpito”751,
efectuando, deste modo, um trabalho de bastidores. Em muitos dos documentos
analisados esta situação é identificada pelas equipas de dinamização. Como ilustra
um artigo do Correio do Minho, relativo a uma sessão de esclarecimento realizada no
âmbito da “Operação Nortada”, um dos seus intervenientes mencionou a “frequente
utilização dos sermões para propaganda anti-comunista”752.
750 Na mesma linha, Silva & Toor (1988), na esteira de Mannheim, reiteram que o padre era o
tradutor intelectual e moral dentro e fora da aldeia, a quem os camponeses «escutavam»
(1988:72).
751 Entrevista gravada (2002).
752 Correio do Minho, 12/1/1975, p. 1. Importa destacar como este assunto é referido em
378
esclarecer-se para optar eleitoralmente. Estes elementos da população
foram desde logo apontados como tendo produzido acções lesivas à
moral e foram apresentados pelos seus párocos como gente duvidosa
e provocadora do SENHOR.
Pina-Cabral sublinha ainda que “o padre foi sempre um dos elementos principais na
cadeia do patrocinato local” (1931:91) intervindo na esfera do político. Também, no
contexto do seu trabalho em Aguaril, Silva e Toor (1988) reforçam empiricamente
esta questão ao reiterar que os padres:
379
Os padres conseguiram pouco a pouco, através dos boletins paroquiais, formar
uma rede de contra-informação e uma rede de reaccionarismo puro. Não há dúvida
que havia uma fonte de informação nacional que mandava para os boletins
paroquiais e que era ali que se reproduzia textualmente. Só os boletins paroquiais é
que tiveram a coragem de vir afrontar o MFA, portanto, o movimento
revolucionário. (Jaime Gralheiro)
ESCLARECIMENTOS
a) Sobre o Comunismo
Esta palavra está gasta, pelo mau uso que dela foi feito, que traz muita
gente iludida.
O nosso Bispo (nosso, isto é, dos que pertencem à Igreja Católica) deu
orientação sensata e segura sobre este assunto.
380
decidir, sem se vender a ninguém-
Para reforçar esta questão, atente-se à posição assumida no suplemento Igreja Viva no
qual se defende a importância de informar o povo, sendo o boletim paroquial
concebido como uma arma de propaganda doutrinal. Com o título “Boletins
Paroquiais e Comunismo” escreve-se:
755 Ofícios n.º 95 de 2/1/1975. Em anexo Boletim Semanal, N.º 458, 24/11/1974, (Arquivo
Histórico do Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6319). Sublinhado no
original.
381
o que o comunismo é e o que a Igreja pensa dele756.
Eu recordo que nós face à situação muito critica deles aqui, porque não
respeitavam a cultura e andavam aqui com propósitos profundamente políticos,
com cartilhas nitidamente marxistas, leninistas e estalinistas e eles chegavam a ser
agressivos para connosco, não só verbalmente e até com ameaças físicas, ao ponto
de, em determinado momento, nós começámos a pensar seriamente na nossa
sobrevivência política e pessoal e tivemos que nos lançar numa campanha de
comunicados […] em que nós atacávamos a sua conduta e a sua acção. Depois
usando sprays nas paredes de forma a os afastarmos daqui. (Júlio Carvalho)
Muitos dos comunicados que circulavam por Bragança em 1975, hoje fazem parte do
seu acervo particular que, prontamente, partilhou:
Bragançanos
382
sonhando com o dia que não vereis758.
Como referi no capítulo 8, a “Operação Beira Alta” foi marcada, nos concelhos de
Castro Daire e Sernancelhe, por dois episódios liderados, respectivamente, pela
notabilidade e clero locais, que marcam de forma indelével a memória das
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica nestes concelhos759. Conhecidos
como “o episódio do Dr. João” e pelo “caso do hospital de Sernancelhe”, estes
acontecimentos ilustram a passagem de uma situação de “descontentamento” à
“mobilização”760 das populações contra as equipas de dinamização, aproveitando o
“momento político oportuno” (Godinho, 2004:89).
[…] Eles vinham também com um propósito que era destruir a imagem do Presidente da
Câmara da altura, que era a minha própria pessoa .[…] Não havia nada que efectivamente
os levasse a prender-me, mas eu tinha que ser preso porque era, na verdade, nesse tempo
um homem muito influente. Era Presidente da Câmara, tinha acabado de ser deputado,
quando foi o 25 de Abril estava no Parlamento, naquele tempo, Assembleia Nacional. E
eles queriam denegrir a minha pessoa. Iam para as aldeias dizer disparates de todo o
tamanho a meu respeito, desonestidades. Eu recordo-me que numa dessas assembleias que
eles deram numa aldeias o pároco estava presente e faz esta pergunta lá ao Capitão Cruz,
que era um tipo preverso: - então o senhor diz tão mal do Dr. João, se ele é isso tudo o que
diz, porquê que o senhor não particpa aos tribunais? Os tribunais é que fazem justiça, não
são os senhores. Os senhores apenas podem coligir os actos que ele praticou, os crimes que
ele fez e as ilegalidades que terá cometido, isso é para os tribunais, não são vocês agora que
383
são os juizes! E mandaram calar esse sacerdote. E com esta campanha e com estas
mentiras resolveram vir prender-me. // Eu fui defendido mais até pelo povo anónimo. E
perguntavam-lhes assim:- porquê que veio defender o Dr. João? O senhor é uma pessoa
pobre. Ele pagou o funeral do meu pai. // E houve casos imensos destes porque eu,
efectivamente, auxialiava as pessoas que precisavam. // Eu era Presidente da mesericórdia,
Presidente dos bombeiros, eu era advogado, era Presidente da Câmara, deputado e
praticamente tudo girava à minha volta. Não era por vontade minha, mas porque não
havia ninguém para esses lugares. Portanto caia-me tudo em cima, porque eu tinha
capacidade de realização. Eu fiz muita coisa… Aquele Palácio da Justiça que alí está fui eu
que o fiz. Quando eu vim para cá e as crianças faziam a 4ª classe e não podiam continuar
a estudar, eu fiz um colégio. […]. E se não o construisse muita gente teria ficado com a
instrução primária porque os pais não os podiam mandar para fora de Castro Daire. […]
E estas coisas marcam as pessoas. E depois eu sou um homem católico, educado nos
principios católicos, filho de gente católica que ensinou que amar a Deus é amar ao
próximo […]. Por isso toda esta maldade que me quiseram fazer só tinha fins políticos,
mas que escolheu o caminho errado porque eu não obstrui nada das suas actividades aqui,
fiquei isolado no meu canto. Veio o 25 de Novembro, e esse senhor Cruz […] continuou
cá. Praticamente a Dinamização Cultural desaparceu do país depois do 25 de Novembro e
ele manteve-se cá uns meses largos. (João Duarte Oliveira)
384
resultam do impacte de uma medida exterior e que tem um efeito que
afecta diferentes grupos sociais, os patronos locais, tradicionais
mediadores com o nível central, podem ter uma função ora
congregadora no desencadear de um levantamento, ora de porta-
vozes locais (Freire, Fonseca & Godinho, 1999: 103).
De facto, localmente este acontecimento foi vivido de forma intensa pelas populações
que agiram seguindo as lógicas dos seus contextos de interacção e da sua posição no
espectro político-partidário. Para, um dos fundadores do PPD de Castro Daire, que
chama a si a responsabilidade da mobilização em defesa de João Duarte Oliveira, a
narração deste episódio revestiu-se de alguma perturbação, constituindo o momento
da entrevista um reencontro com um passado traumático. Quando expliquei o
trabalho que realizava respondeu-me: “- não lhe posso contar aquilo que fiz na
altura. No dia 25 de Novembro estava com uma arma apontada aos militares”762. De
seguida afirmou:
A acção da 5ª Divisão em Castro Daire foi péssima e persecutória, como se vê pelo caso do
Dr. João. O objectivo era a instalação de um regime comunista. Eles queriam representar
as várias instituições do Estado, queriam ser o tribunal. Castro Daire foi o último local do
país a ser abandonado pelos militares.
762 No dia do incidente do “Dr. João” relembra com comoção que armou os filhos com o
objectivo de defender a família de uma “invasão por parte dos militares”, uma vez que tinha
sido avisado, “discretamente”, sobre uma possível prisão de João Duarte e Oliveira e de si
próprio. Relativamente ao 25 de Novembro, afirma que teve conhecimento dois dias antes. Foi
chamado à estrutura deste partido em Viseu e deram-lhe uma boina “com muitas fitas
coloridas para pensarem que ele era o general de Castro Daire” e uma caixa de explosivos,
que seria para dinamitar uma ponte.
763 Relembre-se que este episódio foi largamente difundido pela imprensa regional.
385
resto a actuação dos padres foi uma actuação inteiramente pessoal. Eu não recebi
instruções de ninguém da igreja, nem do meu bispo. Nunca me falaram em coisa
nenhuma, nem para ser a favor nem contra, nem para tomar esta ou aquela atitude. Tudo
o que eu fiz é da minha total responsabilidade. Total! (Cândido de Azevedo)
The peasantry consists of small agricultural producers who, with the help
of simple equipment and the labour of their families, produce mainly for
their own consumption and for the fulfilment of obligations to the olders of
political and economic power (1976:240).
386
as que correspondem ao Norte são geralmente reactivas em relação à
alteração dos modos de vida visando repôr um estado de coisas abalado,
enquanto que a Sul os objectivos e as formas de luta assumem um cariz
activo, lutando pela conquista de novas e melhores condições de vida e de
trabalho (2004:98-99).
387
Capítulo 16|“Ó Portugal que vida é a tua?”
388
próximos 30 anos, que era objectivo destas comemorações ”celebrar o presente. Porque
é no presente que encontramos o maior legado de todos: a evolução da democracia”
(2004:9). O mesmo ministro, em conferência de imprensa, viria a afirmar que “os
valores de Abril, como a liberdade, a democracia, o progresso económico e social, não
são compatíveis com comemorações rotineiras e enquadradas em considerações
meramente ideológicas” e que a “palavra-chave”que nortearia o programa oficial das
comemorações seria “evolução” 764.
Da memória ficaram no coração aqueles belos momentos que não serão nunca mais
esquecidos, de ver um povo renascer, o sorriso no olhar da liberdade, uma grande
alegria e fraternidade. O resto é feito de pequenas histórias vividas no terreno
directamente com as gentes do povo por um jovem de 22 ou 23 anos que a história
esquecida dum povo transformou a vida em verdadeira maravilha.
764 http://www.portugal.gov.pt./mp/pt/GabImprensa/NoticiasLusa/GC15.htm. O
historiador António Costa Pinto foi o comissário do programa de comemorações nomeado
pelo governo.
389
experiência afirmam que “falhou completamente”. Para além das críticas aos
diferentes governos constitucionais, o cerne dos seus discursos continua a ser o povo
que “não soube viver a liberdade, não soube construir este país em liberdade”.
Paradoxalmente identificam, também, aquilo que consideram ser uma continuidade
do seu trabalho e de como foram pioneiros das missões militares de auxílio às
populações que os Estados contemporâneos promovem em diferentes contextos
geográficos. Como afirmou o responsável pela equipa de Castro Daire: “A
Dinamização Cultural não morreu com a minha equipa. Aqueles efeitos ficaram.
Hoje percebe-se que essa é a via, como fazem os militares noutros países.” Também o
sector intelectual da CODICE interpreta a realidade de hoje como uma consequência
da sua acção passada, recorrendo à expressão “deixámos a semente” como sublinhou
José Capinha Gil:
Importante foi ver que essa obra, aquilo que foi pensado, a descentralização
cultural, os centros culturais regionais, os centros dramáticos, todo esse
movimento se mantém. Hoje o país, apesar de estar mais desértico do ponto de
vista da população, tem uma actividade cultural que não se compara. […] Essas
coisas é que são verdadeiramente aquilo que nós semeamos. Nós não semeamos
couves. Nós semeámos árvores e o que Portugal é hoje deve muito a essas pessoas.
Mas nós não temos possibilidade de identificar directamente as árvores que
andámos a semear, mas sentimos que o país se desenvolveu nesse sentido. Apesar
de haver muitas contradições: algumas sementes que deitámos à terra produziram
um mau efeito.
Neste trabalho, cujo objecto de estudo “não era como os outros” (Gruénais, 1997: 89),
a convocação de diferentes metodologias permitiu enriquecer o conhecimento global
sobre as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA,
possibilitando o diálogo entre dois tempos e a aproximação às interpretações
“nativas” sobre os efeitos que esta experiência teve na mudança da sociedade
portuguesa nos últimos 30 anos. Interrogou-se, também, como é que aqueles que
foram o mote desta iniciativa a receberam e interpretaram num momento
caracterizado por uma intensa desruralização. Identificaram-se as múltiplas vozes,
muitas vezes discordantes, e mais uma vez ficou sublinhada a formulação de
Halbwachs sobre a forma como a construção do passado deriva do momento
presente, isto é, como os diferentes agentes sociais envolvidos nos confrontam com
imagens de Portugal que justapõem duas temporalidades.
390
Demonstrei que as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA,
enquanto uma das propostas da agenda “revolucionária”, estabeleceram um intenso
diálogo com a cultura popular de matriz rural. O elogio da ruptura e a “retórica de
visibilidade”, que caracterizou esta conjuntura histórica, rivalizou com um discurso
que apresenta continuidades com o regime anterior uma vez que recorre à mesma
categoria da população para pensar a identidade nacional: o camponês. Este é
convocado na construção de uma categoria de alteridade central na legitimação da
nova ordem política. Nele se projecta o país empobrecido, o país autêntico e o país
revolucionário.
391
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anexos
ANEXO I |Grupos e peças de teatro representadas1
Casa da Comédia
Um Barco para Itaca, Manuel Alegre. Encenação Norberto Barroca. 1974
429
Grupo de Teatro Amador de Sete Rios
A Poesia é uma Arma Carregada de Futuro. Montagem cénica de poemas de
Mayakovsky, Manuel Alegre, António Gedeão, Mao Tse Tung e de diversos
poetas africanos. 1974
Grupo Veto-Teatro-Oficina
A 10ª Turista, Mendes de Carvalho. 1975
Os Bonecreiros
As Imprecações Junto das Muralhas da Cidade, 1975
Os Cómicos
Da Vida Heróica da Burguesia, As Cuecas, Carl Sternheim.
Encenação Ricardo Pais, 1975.
430
Teatro da Cornucópia
O Terror e a Miséria no III Reich, Bertolt Brecht. 1974
431
ANEXO II |CARTAZES
MFA, Sentinela do Povo, João Abel O Povo Está com o MFA, João Abel
Manta/CODICE, 1975 (Arquivo particular de Manta/CODICE, 1975 (Arquivo particular de
Rodrigo de Freitas) Rodrigo de Freitas)
433
Vasco, MFA; Força, Força Companheiro Unidade Povo-MFA, Rogério Amaral/CODICE,
Vasco, Nós Seremos a Muralha de Aço, João 1975 (Arquivo particular de Rodrigo de Freitas)
Abel Manta/CODICE, 1975
(Arquivo particular de Rodrigo de Freitas)
434
Os Meninos da Revolução. A Flor da Liberdade,
A Cultura é a Liberdade do Povo, Maria 1975
Velez/CODICE, 1975 Reprodução de desenho de Catarina João (8
(Arquivo particular de Rodrigo de Freitas) anos) no âmbito da comemoração do Dia
Mundial da Criança/CODICE (Arquivo
particular de Rodrigo de Freitas)
435
ANEXO III | Filmes, documentários e programas exibidos1
1 Alguns dos títulos dos filmes foram obtidos na correspondência enviada por diferentes
organismos e unidades militares à 5ª Divisão (em reestruturação) em 1976 que, em resposta,
informavam do material utilizado nas Campanhas de Dinamização e Acção Cívica que
tinham em sua posse. Outros foram obtidos em ofícios da 5ª Divisão (em reestruturação) que
acompanhavam a devolução dos filmes cedidos pelas diferentes embaixadas. (Arquivo
Ministério da Defesa Nacional (em organização); caixa 6318). Estas fontes apenas faziam
referência ao título do filme ou do documentário pelo que algumas referências se encontram
incompletas.
437
Vilarinho das Furnas, Documentário, Portugal, 1971. Realização: António
Campos
Caminhos da Liberdade, Portugal 1974. Realização: Cinequipa
1.º Maio, Portugal, 1974. Realização e Produção: Telecine-Moro
A Revolução está na Ordem do Dia, Portugal, 1975. Realização: Eduardo Geada
Cooperativa agrícola da Lourinhã, Portugal, 1975. Realização: Pitaca Antunes.
Produção: RTP
Roménia Portugal, 1975. Série “Caminhos da Revolução”. Realização: Jorge
Cabral
Alexandre Nevski, União Soviética, 1938. Realização: Sergueï M. Eisenstein
Na Senda das Patrulhas Verdes, União Soviética.
Tupamaros. Documentário, Uruguai, 1972. Realização: Jan Lindqvist
Chili, 1974. Realização: Paul Bourron
Sangha. Realização: Bruno Muel, Claudina Vidal e Suzanne Scialon
Valle del Caoto (empréstimo da Embaixada de Cuba em Portugal)
En la Scuela del Ballet (empréstimo da Embaixada de Cuba em Portugal)
El Ultimo Assalto (empréstimo da Embaixada de Cuba em Portugal)
Revolução Cubana (empréstimo da Embaixada de Cuba em Portugal)
E o mar já não era (empréstimo da Embaixada da Holanda em Portugal)
Le Diamant
Universidade comprometida
VIP Especial
Las Vantagens del Atraso
El Mar del Walden
Não é hora para chorar
Les Esquisses des Karpates
Agricultura em Cuba
Cooperativas na RDA
Ataque ao RAL 1 – 11 de MArço
Costa Gomes na ONU
Escolha a profissão que lhe agrada
Festival de Teatro de Évora
Associativismo, 1975
438
Programas do MFA difundidos pela RTP utilizados nas sessões de
esclarecimento
439
ANEXO IV |Notas biográficas
1. AZEVEDO, Cândido
Pároco de Sernancelhe. Nasceu em 1929.
Ligado ao ensino, foi professor de Português e Filosofia tendo fundado. nos
anos 60. o Colégio de Sernancelhe.
Em 1974 presidiu à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de
Sernancelhe.
4. BRITO, Manuel de
Presidente do Instituto Nacional do Desporto. Nasceu em Lisboa em 1949.
Em 1975, como técnico da Direcção-Geral dos Desportos participou na
Campanha “Maio-Nordeste”.
5. CARVALHO, Júlio
Advogado. Nasceu em Castelo de Penalva, concelho de Penalva do Castelo no
ano de 1941.
441
Em 1974 funda estrutura do PPD no distrito de Bragança. Foi Governador
Civil deste distrito entre 1988 e 1990 tendo, ainda, assumido o cargo de
Vereador da Cultura no município de Bragança.
Licenciado Filologia Românica pela Universidade Católica do Rio de Janeiro e
em Direito pela Universidade de Coimbra.
6. CÍLIA, Luís
Músico. Nasceu no Huambo (Angola) em 1943. Em 1959 vem para Portugal a
fim de prosseguir os estudos.
Militante do PCP até 1981, esteve durante 10 anos exilado em Paris (1964-
1974).
Colaborou com o sector de Música da CODICE onde realizou concertos no
âmbito da Dinamização Cultural do MFA.
7. CORVACHO, Eurico
Major, na reforma.
Nasceu na povoação de Horta da Vilariça (Torre de Moncorvo) em 1937.
Durante a década de sessenta faz várias comissões de serviço em Angola e na
Guiné.
Membro do Movimento dos Capitães. Aquando da eclosão do golpe de
estado assumia funções no Quartel-General da Região Militar do Porto,
assumindo comando das operações nessa Região.
É nomeado Comandante da Região Militar Norte na sequência dos
acontecimentos do 11 de Março de 1975, tendo integrado o Conselho da
Revolução a partir de Maio de 1975.
Próximo da facção do primeiro-ministro Vasco Gonçalves, a sua liderança
nesta Região Militar começa a ser contestada no Verão de 1975, sendo
afastado na sequência da reestruturação deste órgão em Setembro de 1975.
Foi detido, na sequência do 25 de Novembro de 1975.
9. ESTEVES, Vítor
Director do departamento de Cultura do INATEL.
Nasceu em Lisboa.
Integrou a CODICE na sua fase inicial assumindo a coordenação da área do
Teatro.
442
Em 1975 colabora nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do
MFA no distrito de Bragança, com José Afonso e com o cineasta Luís Filipe
Rocha.
443
Fez parte da Comissão Coordenadora do MFA, integrando o Conselho de
Estado como representante do Movimento.
Em Julho de 1974 toma posse como primeiro-ministro (II Governo
Provisório), cargo que ocupará até finais de Agosto de 1975 (III, IV e V
Governos Provisórios). Por inerência de cargo, integra o Conselho dos Vinte
(Outubro de 1974 - Março de 1975) e, posteriormente, o Conselho da
Revolução em Março de 1975.
Em Setembro de 1975 abandona o governo, após ter recusado o cargo de
CEMGFA. Em Outubro assume a direcção do Instituto de Altos Estudos
Militares (IAEM). Será demitido após o 25 de Novembro, passando à reserva.
444
Assumiu a Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos em Agosto de
1974, exercendo por inerência de cargo funções no Instituto Português de
Cinema. Durante o V e VI Governos exerceu o cargo de Director do Gabinete
de Programação Cultural e Delegado da Secretaria de Estado da Cultura na
Comissão que elaborou o projecto de Acordo Cultural com os recém criados
países africanos de língua oficial portuguesa.
445
Açores e Trás-os-Montes. Integrou as “missões do MFA” junto das
comunidades de emigrantes em Roterdão e Amesterdão.
446
Assumiu ainda as funções de vogal do conselho de administração da
Federação de municípios do distrito de Viseu, provedor da Santa Casa da
Misericórdia de Castro Daire e associado da Santa Casa da Misericórdia de
Santa Comba Dão, presidente da direcção dos Bombeiros Voluntários de
Castro Daire, comandante de terço da Legião Portuguesa, Conservador do
Registo Civil e Predial de Castro Daire, delegado da Ordem dos Advogados,
director de um colégio e administrador de empresas.
Foi filiado na União Nacional e, mais tarde, na Acção Nacional Popular, tendo
sido vogal da Comissão Concelhia da União Nacional de Viseu e da Comissão
Distrital da Acção Nacional Popular.
Entre 1983 e 1985 foi vereador da Câmara Municipal de Castro Daire.
447
contactado pela 5ª Divisão/EMGFA visando a sua colaboração nas
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA.
Colaborou com a CODICE, sendo um dos elementos do sector de Artes
Plásticas, assinando um conjunto de cartazes, entre os quais o que lançou o
símbolo do MFA. No âmbito da Campanha de Dinamização no Distrito de
Viseu, participou na pintura mural realizada no prédio da Caixa Geral de
Depósitos na cidade de Viseu em Abril de 1975, bem como na que foi
realizada em Évora em Julho do mesmo ano.
448
ANEXO V | Campanhas de Dinamização Cultural e Acção
Cívica do MFA
Cronologia dos Acontecimentos (1974-1976)
1974
OUTUBRO
20/10/1974
Reunião preparatória, na Cooperativa Árvore, Porto, com a presença de Ramiro
Correia, Vasco Pinto Leite, dos delegados das comissões distritais do Porto,
Braga, Bragança, Vila Real e Viana do Castelo e de diferentes associações
culturais.
25/10/1974
Realização, no Palácio Foz, em Lisboa, de uma conferência de imprensa de
apresentação pública do Programa de Dinamização Cultural que contou com a
presença, para além dos responsáveis pela CODICE e outros elementos da 5ª
Divisão, do Secretário de Estado da Comunicação Social e do Director-Geral da
Cultura e Espectáculos, Vasco Pinto Leite.
26/10/1974
Realização, no Cacém (Sintra), na Escola Comercial e Industrial, e em Mafra, na
secção liceal local, das sessões inaugurais das Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica com a presença da Orquestra Sinfónica Nacional e do
Grupo de Música Contemporânea.
30/10/1974
Sessão de esclarecimento na Escola Secundária de Alenquer onde foram exibidos
três filmes: “O Navegante” (de Buster Keaton), “Charlot, o Agiota” (de Charlie
Chaplin) e “Max e a Quinquina” (de Max Linder).
31/10/1974
Sessão de esclarecimento na Secção Liceal da Lourinhã onde foram exibidos os
filmes “O Navegante” (de Buster Keaton), “Charlot, o Agiota” (de Charlie
Chaplin) e “Max e a Quinquina” (de Max Linder).
NOVEMBRO
1/11/1974
Sessão de esclarecimento na Escola Preparatória Damião de Góis nos Olivais
(Lisboa).
4/11/1974
449
Sessão de esclarecimento na Escola Preparatória Nuno Gonçalves (Lisboa) com
participação do maestro Ivo Cruz que dirigiu a Orquestra Filarmónica de Lisboa.
5/11/1974
Sessão de esclarecimento em Montalegre, nos Paços do Concelho.
7/11/1974
O Diário de Noticias publica o programa das sessões de esclarecimento do MFA,
coordenadas pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto, a realizar em
Valbom (Gondomar), entre os dias 12 e 16 de Novembro de 1974 nas seguintes
associações: Escola Dramática e Musical Valboense, Clube Recreativo e
Desportivo Dragões Valboense. O programa inclui um colóquio sobre desporto e
um recital de poesia.
10/11/1974
Início das Campanhas de Dinamização Cultural no Norte do país, com uma
sessão em Valbom (Gondomar). A cerimónia inaugural contou com a presença da
Banda do Regimento de Infantaria 8. O desporto marcou presença através da
exibição de filmes desportivos na Escola Dramática e Musical Valboense e através
de animações desportivas com jogos de mini-basquete e atletismo. Danças
folclóricas foram, ainda, protagonizadas por um grupo de animadores
desportivos.
11/11/1974
O Diário de Noticias dá conta da representação pela Casa da Comédia da peça da
autoria de Manuel Alegre, “Um Barco para Itaca”, na Escola Naval do Alfeite
(Almada), no âmbito da Dinamização Cultural.
13/11/1974
Sessão de esclarecimento em Montemor-o-Novo, no Teatro Curvo Semedo, que
contou com um concerto da Orquestra Metropolitana de Lisboa.
16/11/1974
Sessão de esclarecimento em Couceiro (Oliveira de Azeméis), na cantina escolar,
participada por cerca de 300 pessoas.
18/11/1974
Deslocação a Vila Real, Faro, Ponta Delgada e Funchal do Major Cação da Silva,
do 1.º Tenente Pessoa Guerreiro, do Capitão Faria Paulino e de Vasco Pinto Leite
com o objectivo de implementar o Programa de Dinamização Cultural e estabelecer
contactos com organismos e associações culturais locais.
450
Sessão de esclarecimento na Fuseta (Olhão) pela Comissão Regional de Faro.
20/11/1974
Sessão de esclarecimento em Loures, na Escola Carolina Michaelis, com a
presença do Tenente-Coronel Carmona e Silva da Força Aérea.
21/11/1974
Sessão de esclarecimento em Parragil (Loulé) pela Comissão Regional de Faro.
22/11/1974
Sessão de esclarecimento em Almansil (Loulé) pela Comissão Regional de Faro.
23/11/1974
Sessão de esclarecimento em Corotelo (São Brás de Alportel) pela Comissão
Regional de Faro.
25/11/1974
Início da campanha de dinamização cultural no distrito da Guarda que se
prolongou até ao dia 7/12/1974. Foi protagonizada pela EPAM sob orientação do
Major Queiroz de Azevedo. Colaboraram elementos da Orquestra Gulbenkian, a
banda militar Alerta Está, a Comuna e um grupo de palhaços. Esta acção
abrangeu as localidades da Guarda, Gouveia, Trancoso, Seia, Celorico da Beira,
Manteigas, Sameiro (Manteigas), Gonçalo (Guarda), Bonças, Palhelhas, Sabugal,
Seixo Amarelo (Guarda), Corujeira, Trinta (Guarda), Alhardo, Rochoso (Guarda)
e Sintrão (Trancoso). Actuaram ainda as bandas de música de Gouveia e
Moimenta da Serra e Rancho Folclórico de Gouveia.
Acompanharam esta acção uma equipa de reportagem da RTP, dirigida pelo
jornalista Cesário Borga e uma equipa de reportagem do SIPFA/5ª Divisão.
27/11/1974
Sessão de esclarecimento em Luz (Tavira), pela Subcomissão Dinamizadora de
Tavira.
29/11/1974
Início das “missões de esclarecimento” junto dos emigrantes portugueses em
França que se prolongam até dia 9 de Dezembro de 1974.
451
Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim
30/11/1974
Realização de conferência de imprensa, no Porto, para apresentação das
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica, presidida pelo comandante
da Região, Brigadeiro Passos Esmoriz.
DEZEMBRO
1/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Santa Marinha do Tropeço (Arouca) pela Subcomissão de Espinho (Comissão
Dinamizadora Regional do Porto) que contou com a colaboração do Rancho
Folclórico de Moldes;
- São João da Pesqueira pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Santa Luzia (Tavira) pela Sub – Comissão de Tavira;
- Mindelo (Vila do Conde) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto.
2/12/1974
Início da missão de esclarecimento junto das comunidades de emigrantes
portugueses em França, onde foram focadas as questões relativas ao voto dos
emigrantes e à revisão da lei militar. Esta missão foi chefiada pelo Major Neves
Rosa. Na localidade de Pantin (subúrbio operário de Paris) actuaram a
Companhia de Teatro Rafael de Oliveira com a peça “Traição do Padre Martinho
de Bernardo Santareno”, Olga Prats e o Coro da Academia de Amadores de
Música dirigido por Lopes Graça. Foram ainda projectados os filmes “Caminhos
da Liberdade - 25 de Abril/74 “e “Foros de Almada”.
452
3/12/1974
O jornal O Caminhense noticia a realização de uma reunião na sede do Orfeão de
Vila Praia de Âncora com as colectividades e entidades que possuem casas de
espectáculos ou outros espaços, a fim de aí se efectuarem espectáculos e sessões
de esclarecimento no âmbito das campanhas de dinamização do MFA.
4/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Cabeceiras de Baixo nos Paços do Concelho pelo RI 8;
- Famalicão (Guarda) e Aldeia Velha (Sabugal) no âmbito da campanha a
decorrer no distrito da Guarda;
- Arouca, na Secção Liceal, pela Subcomissão de Espinho (Comissão
Dinamizadora Regional do Porto);
- Porto, no Centro de Formação Profissional do Cerco do Porto;
- Terras do Bouro.
5/12/1974
Sessão em Lisboa, no Coliseu dos Recreios. Actuaram a Orquestra Filarmónica de
Lisboa, dirigida pelos maestros António Vitorino de Almeida e Silva Pereira, e a
pianista Maria João Pires. Foram interpretadas peças de Beethoven e Mozart.
6/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Lousada (Famalicão) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim.
Contou com a colaboração do Grupo Recreativo Lousadense;
- Trinta (Guarda) e Vilar Maior no âmbito da campanha a decorrer no distrito da
Guarda;
- Milheirós de Poiares (Vila da Feira) pela Subcomissão de Espinho (Comissão
Dinamizadora Regional do Porto) com a colaboração do Centro Paroquial de
Milheirós.
7/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Rio de Onor (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Santa Catarina (Tavira) pela Subcomissão de Tavira;
- Lousada pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim realizada na
Casa do Povo;
453
- Livração (Penafiel), Bougado (Santo Tirso), sob orientação máxima da Comissão
Dinamizadora Regional do Porto;
- Corujeira (Guarda) e Alfaiates (Sabugal) no âmbito da campanha a decorrer no
distrito da Guarda
- Santiago de Bougado (Trofa) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto.
8/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Rossas (Arouca) pela Subcomissão de Espinho (Comissão Dinamizadora
Regional do Porto);
- Vila Nova de Foz Côa pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Póvoa do Lanhoso, Celorico de Basto pelo RI 8, sob orientação da Comissão
Dinamizadora Regional do Porto;
- Minas do Pejão (Pedorido, Castelo de Paiva) pelo RAP 2;
- Nave de Haver (Almeida), Vilar Formoso e Ribeiro de Carinhas no âmbito da
campanha a decorrer no distrito da Guarda.
9/12/1974
Inicio do conjunto de sessões de esclarecimento levadas a cabo pela Comissão
Dinamizadora do Norte realizadas nas seguintes localidades: Lindoso (Ponte da
Barca), Vidago, Soajo (Arcos de Valdevez), Vila Verde da Raia (Chaves),
Rebordelo (Vinhais), Vila Verde (Vinhais), Paços de Ferreira, Mondim de Basto,
Matosinhos, Marco de Canavezes, Tangil (Monção) e Santo Estêvão.
10/12/1974
O Grupo de bailado Verde Gaio realiza um conjunto de espectáculos na Escola
Industrial de Torres Vedras, integrados nas campanhas de dinamização.
11/12/1974
Com o título “O Governo vai lançar uma campanha para debelar o atraso em que
vive o meio rural”, o Diário de Notícias dá conta da Campanha de Dinamização
Agrícola promovida pela Secretaria de Estado da Agricultura em articulação com
a Campanha de Dinamização Cultural do MFA.
454
- Paços de Ferreira pela Comissão Dinamizadora Regional do Porto;
- Mondim de Basto pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Malta (Vila do Conde) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto na qual
participaram algumas associações culturais locais e a Banda da PSP do Porto.
12/12/1974
Integrado nas Campanhas de Dinamização do MFA, a Fundação Calouste
Gulbenkian promove um concerto da orquestra e coro desta instituição, dirigidos
pelo maestro Michel Corboz que interpretará a “Missa em lá bemol” de Schubert,
destinado a estudantes e associações juvenis. Esta iniciativa contou com a
colaboração do Ministério da Comunicação Social.
13/12/1974
Realização, em Viana do Castelo, de uma sessão orientada pelo Comandante do
Quartel General do Porto, Brigadeiro Passos Esmeriz, e pelo responsável pela
Dinamização na Região Militar Norte, Major Delgado da Fonseca, destinada aos
sacerdotes daquela região.
14/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Silva Escura (Maia) pelo RC6;
- Jancido (Foz do Sousa, Gondomar) pela Comissão Dinamizadora Distrital do
Porto;
455
- Pechão (Olhão) pela Comissão Regional de Faro;
- Freixo (Almeida) pela Comissão Distrital da Guarda;
- São João de Ver (Vila da Feira) pela Subcomissão de Espinho;
- Alvarelhos (Trofa) pela Comissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim.
15/12/1974
Realização de uma sessão de animação cultural pela Cooperativa Agrícola de
Alcobaça, em colaboração com o MFA, na Estação Fruteira Prof. Joaquim Vieira
Natividade que contou com o coro misto da Universidade de Coimbra e as
bandas filarmónicas de Maiorga, Turquel e Vestiaria.
16/12/1974
Realização de um concerto pela Orquestra Filarmónica de Lisboa sob a regência
do maestro Ivo Cruz, integrado na Dinamização Cultural do MFA. Organizado
pela FNAT e com a colaboração da Câmara Municipal do Barreiro, este concerto
teve lugar na Sociedade “Os Penicheiros” e contou com a participação da
musicóloga Maria Helena Freitas que comentou as peças tocadas.
17/12/1974
O Diário de Notícias da conta de um conjunto de espectáculos de circo oferecido
pelas Forças Armadas ao público de Lisboa em colaboração com o Circo do Povo
e com a Câmara Municipal de Lisboa.
18/12/1974
A imprensa nacional dá conta da digressão do Teatro da Cornucópia pelas
localidades de Bombarral, Caldas da Rainha, Pombal, Leiria e Marinha Grande.
Integrado nas Campanhas de Dinamização Cultural do MFA, este grupo leva à
cena “O Terror e a Miséria no III Reich” de Bertolt Brecht.
456
- Alte (Loulé) pela Comissão Regional de Faro;
- Santo Estêvão (Tavira) pela Subcomissão de Tavira;
- Paredes de Coura pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real.
19/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Mondim de Basto no Ciclo Preparatório de Mondim de Basto pela Comissão
Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Felgueiras pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel (RAL 5);
- Lagoa (Macedo de Cavaleiros) pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Bragança.
20/12/1974
O jornal A Aurora do Lima dá conta da realização de sessões de esclarecimento
pelo Batalhão de Caçadores 9 em diversas localidades do distrito de Viana do
Castelo com a participação de algumas associações culturais locais.
21/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Lourosa (Santa Maria da Feira) pela Subcomissão de Espinho (Comissão
Dinamizadora Regional do Porto);
- Aboadela (Amarante) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel (RAL 5);
- Rio Seco pela Comissão Dinamizadora Regional de Faro;
- Abaças (Vila Real) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;
22/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Vila Seca (Adoufe, Vila Real) e na a Escola Primária de Ermida pela Comissão
Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Santo Tirso de Bousado pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto.
23/12/1974
Destinada aos sacerdotes da Diocese de Braga realiza-se sessão de esclarecimento
orientada pelo Comandante do Quartel-General do Porto, Brigadeiro Passos
Esmeriz e pelo Major Delgado da Fonseca, responsável pela Dinamização na
Região Militar Norte.
24/12/1974
Sessão de esclarecimento em Santiago de Bougado (Trofa) pela Comissão
Dinamizadora Distrital do Porto
457
26/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- São Martinho da Gandara (Ponte de Lima) coordenada Comissão Dinamizadora
Distrital de Viana do Castelo e levada a cabo pelo Batalhão de Caçadores Nº 9;
- Olhão pela Comissão Dinamizadora Distrital de Faro;
- Calendário (Famalicão) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Rossas (Vieira do Minho) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Braga.
- Campeã (Vila Real) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real
27/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Calendário (Famalicão) pela Comissão Regional do Porto;
- Dem (Caminha) pela Comissão Distrital de Viana do Castelo;
- Moncarapacho (Olhão) pela Comissão Regional de Faro.
28/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Tabuaço e Mesão Frio pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Leça do Balio (Matosinhos) pela Comissão Regional do Porto que contou com a
colaboração da banda da PSP;
- Afurada (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Dinamizadora Regional do Porto;
- Perozelo (Penafiel) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Paramos (Espinho) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Ribeira de Alte (Loulé) pela Comissão Regional de Faro;
- Vieira do Minho pela Comissão Dinamizadora Distrital de Braga;
- Alvarenga pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho.
29/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Cerva (Riba Pena) e Atei (Mondim de Basto) pela Comissão Dinamizadora
Distrital de Vila Real;
- Alvarenga pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Lamego pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Roriz (Santo Tirso) pela Comissão Dinamizadora Regional do Porto;
30/12/1974
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Cerdal (Valença) e Refoios do Lima (Ponte de Lima) pela Comissão
Dinamizadora Distrital de Viana do Castelo;
- Calendário (Famalicão) pela Comissão Regional do Porto;
- Mem Moniz pela Comissão Dinamizadora Regional de Faro;
- Viseu, no Liceu Nacional de Viseu, com a participação da Casa da Comédia que
apresentou a peça “Um Barco para Ítaca”, encenada por Norberto Barroca.
458
Mondego);
- Figueira da Foz (Porto Godinho, Marinha das Ondas, Alqueidão, Carvalhais de
Lavos, Vila Verde, Quiaios, Santa Luzia – Lavos, Alhadas de Baixo, Leirosa, Cova
da Sepa, Regalheiras, Santo Amaro da Boiça).
- Montemor-o-Velho (Escola do Ciclo Preparatório de Montemor-o-Velho, Ereira,
Carapinheira, Meãs do Campo, Vila Nova da Barca, Caixeira, Viso –Liceia,
Gestrira, Carvalhal de Azóia, Ribeira da Mata, Vila Nova de Anços);
- Arganil (Anceriz, Cerdeira, Benfeita, B. da Fé, Cepos, Secarias, Folques,
Celavisa, São Martinho da Cortiça, Pomares);
- Cantanhede (Enxofõese Murtede, Ourentã, Tocha, Cadima);
- Coimbra (Trouxemil, Arzila, Antanhol, Brasfemes, Souzelas, Lamadoura,
Castelo Viegas, Vil de Matos, Eiras, Barril do Alva, Vila Cova do Alva, Torres de
Vilela, Torres do Mondego, Ameal, Alcarraques, Botão; Rio de Galinhas,
Anaguéis, Quinta do Colaço e Torre da Beira; Golpe; Fábrica Lufapo, Pizão,
Orelhudo, Zouparia do Monte, Ameal do Campo).
1975
JANEIRO
2/1/1975
A Voz de Lamego nota o sucesso da sessão de esclarecimento realizada pela
Subcomissão de Espinho em Trancoso no salão da Azenha, participada também
pelos habitantes de Alvarenga.
3/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Vilela Seca (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves
- Santo Tirso, no Cine-Teatro Alves da Cunha, pela Subcomissão Dinamizadora
da Póvoa do Varzim
- Moreira de Lima (Ponte de Lima) pela Comissão Dinamizador Distrital de Viana
do Castelo
4/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Arnela (freguesia de Olival) pelo RAP 2;
- Recarei (Paredes) pela Comissão Distrital do Porto;
- Póvoa de Varzim pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Silvade (Espinho) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Alijó, no Salão do Grémio dos Viticultores, pela Subcomissão Dinamizadora de
Lamego;
- Vilar de Perdizes (Montalegre) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Ermelos (Mondim de Basto) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real;
- Olival (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Distrital do Porto;
- São Domingos de Benfica (Lisboa) no São Domingos Futebol Clube com uma
“sessão de variedades”.
5/1/1975
459
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Nave de Haver (Almeida) pelo Regimento de Infantaria 12.
- Jales (Vila Pouca de Aguiar) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real
- Sabrosa, no Salão Teatro dos Bombeiros, pela Subcomissão Dinamizadora de
Lamego
- Moldes (Arouca) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho
- Mogege e Fradelos (Famalicão) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim
6/1/1975
Início da “Operação Nortada” comandada pelo Major Jaime Neves que se
prolongou até ao dia 21 de Janeiro. Tendo como destino a região de Trás-os-
Montes e Beira Alta, esta acção contou com a participação de 400 instruendos do
curso de comandos a decorrer no Batalhão de Comandos N.º 11, aquartelado na
Amadora. Participaram os grupos teatrais A Comuna e La Cuadra e, também,
técnicos da Secretaria de Estado da Agricultura e do Instituto do Vinho do Porto.
Esta campanha percorreu as localidades de Outeiro, Vimioso, Vinhais, Miranda
do Douro, Bragança, Mirandela, Vila Real, Torre de Dona Chama (Mirandela),
Carrazeda de Ansiães, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada-à-Cinta, Vila Flôr,
Valpaços, Alfandega da Fé, Mogadouro, Macedo de Cavaleiros, Vila Pouca de
Aguiar, Alijó, Murça, Carrazeda de Montenegro (Valpaços), Lamego, Tarouca,
Peso da Régua, Moimenta da Beira, Resende, Penajoia (Lamego), São Pedro do
Sul e Viseu.
7/1/1975
Início da missão realizada pelo MFA e pela Secretaria de Estado da Emigração
junto das comunidades de emigrantes portugueses na República Federal da
Alemanha que se prolongou até ao dia 20 de Janeiro.
460
8/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Bragança, no Ginásio Liceu de Bragança, no âmbito da “Operação Nortada”;
- Covelo (Gondomar) e São Pedro Fins (Maia) pela Comissão Distrital do Porto;
- Vilar Nantes (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Carragosa (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- Vila Nova de Famalicão, no Cine-Teatro, pela Subcomissão Dinamizadora da
Póvoa do Varzim
9/1/1975
O Correio do Minho assinala a realização de uma reunião em Bragança entre
Governador Civil, os representantes dos diferentes partidos políticos e os
responsáveis pela “Operação Nortada”.
10/1/1975
11/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Anta (Espinho) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Canidelo (Vila Nova de Gaia) pelo RAP 2;
- Bagunte (Vila do Conde) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Ferreiros (Cinfães) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Régua pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Gondarém (Vila Nova de Cerveira) pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Viana do Castelo;
- Santa Cruz do Bispo (Matosinhos), Sobrado (Valongo) e em Sobreira (Paredes)
pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto.
461
Branco), Vale de Prazeres (Fundão), São João do Peso (Vila de Rei), Barroca do
Zêzere, Mata (Castelo Branco), Vila de Rei, Lousa (Castelo Branco), Bogas de
Baixo (Fundão), Lardosa (Castelo Branco), Janeiro de Cima (Fundão), Peral
(Proença-a-Nova), Louriçal do Campo (Castelo Branco), Barroca (Fundão),
Valverde (Fundão), São Pedro do Esteval (Proença-a-Nova), Retaxo (Castelo
Branco), Aldeia de São Francisco de Assis (Covilhã), Freixial do Campo (Castelo
Branco), Vilar Barroco (Oleiros), Escalos de Baixo (Castelo Branco), Barco
(Covilhã), Orvalho (Oleiros), Caféde (Castelo Branco), Silvares (Fundão),
Almaceda (Castelo Branco), Telhado (Fundão), Sertã, Peso (Covilhã),
Benquerenças (Castelo Branco), Alcongosta (Fundão), Ermida (Sertã), Ninho do
Açor (Castelo Branco), Paúl (Covilhã) e Figueiredo (Sertã).
12/1/1975
Chegada da “Operação Nortada” à cidade de Lamego
13/1/1975
Sessão de esclarecimento em Sapiões (Boticas) pela Subcomissão Dinamizadora
de Chaves.
14/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Sanfins (Valpaços) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Pena Maior (Paços de Ferreira) pela Comissão Distrital do Porto;
- Folhada (Marco de Canavezes) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Ponte Nova (Ovar) pela Comissão Distrital de Aveiro;
- Vila Nova de Anços (Soure)
- Naves (Almeida), na Escola Primária;
- Santiago Maior por militares do RC 3
15/1/1975
No âmbito da “Operação Nortada” realizou-se uma sessão de esclarecimento no
Colégio de Lamego e, à noite, uma outra no Teatro Ribeiro Conceição orientada
pelo Major Jaime Neves.
462
A Comissão Dinamizadora Distrital de Santarém inicia um conjunto de sessões
de esclarecimento no distrito abrangendo as localidades de: Santiago de
Montalegre (Sabugal), Minde (Alcanena), Entroncamento, Abitureiras (Santarém),
Tancos (Vila Nova da Barquinha), Valada e Tolosa (Nisa), Vale de Amendoeira
(Cartaxo), Penhascoso (Mação), Quinta da Cardiga (Golegã), Muge (Salvaterra de
Magos) e em Igreja Nova (Ferreira do Zêzere).
16/1/1975
O grupo teatral Os Bonecreiros torna publica a sua participação nas Campanhas
de Dinamização Cultural do MFA durante um período de dois meses,
“entendendo que a campanha de dinamização cultural desencadeada pelo MFA,
em vista à descentralização cultural e ao esclarecimento socio-político do país, se
enquadra dentro do espírito que sempre o norteou mesmo antes do 25 de Abril”.
17/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Prado (Vila Verde) pela Comissão Distrital de Braga;
- Pedras Salgadas pela Comissão Distrital de Vila Real;
- Gulpilhares (Vila Nova de Gaia) e em Moncorvo pela Comissão Dinamizadora
Distrital do Porto;
- Paços de Brandão (Vila da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Sessão de esclarecimento em Moncorvo pela Subcomissão Dinamizadora de
Lamego;
- Sessão de esclarecimento em Guilhabreu (Vila do Conde) pela Subcomissão
Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- São Julião (Bragança) pela Comissão Distrital de Bragança;
- Junça (Almeida).
18/1/1975
Sessão de esclarecimento realizada no Pavilhão Gimnodesportivo de Viseu no
âmbito da “Operação Nortada”, onde participaram o brigadeiro Otelo Saraiva de
Carvalho, o Major Baptista Morais, o Major Jaime Neves, o capitão Vasco
Lourenço, o 1º tenente-médico Ramiro Correia, o comandante Almada Contreiras,
o Major Pereira Pinto, o Capitão Pinto Soares e o Capitão Matos Gomes.
463
do Fantoche Lusitano” pelo Teatro Português de Paris.
19/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Frazão (Paços de Ferreira), Madalena (Vila Nova de Gaia), Bilhó (Mondim de
Basto), Frazão (Paços de Ferreira) pela Comissão Dinamizadora Regional do
Porto;
- Podence (Macedo de Cavaleiros) pela Comissão Dinamizadora Distrital de
Bragança;
- Riodade e em Paredes da Beira (São João da Pesqueira) pela Subcomissão
Dinamizadora de Lamego;
- Moselos (Vila da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Cerveira (Sabugal)
20/1/1975
A imprensa dá conta que os soldados da “Operação Nortada”abandonam Trás-
os-Montes e a Beira Alta e dirigem-se para a região do Zêzere.
21/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Cortiços (Macedo de Cavaleiros) Comissão Distrital de Bragança;
- Oura (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Lixa (Felgueiras) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel;
- Junqueira (Vila do Conde) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do
Varzim.
22/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Albergaria das Cabras pela Comissão Distrital do Porto;
- Ribeira da Pena (Vila Real) pela Comissão Distrital de Vila Real;
- Espinhosela (Bragança) Comissão Distrital de Bragança;
- Ardãos (Chaves) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Nagoselo do Douro e em Castanheiro do Sul (São João da Pesqueira) pela
Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
464
- Serra pelo RI N.º 15;
- Montoito (Redondo) e Falcoeiras pelos militares do RI N.º 16
23/1/1975
A imprensa sublinha a ante-estreia da “Operação Castelo Branco” com um
espectáculo do grupo musical Alerta Está em Vila Velha de Ródão. A campanha
terá o seu início oficial no dia 24 de Janeiro de 1975.
24/1/1975
Início da “Operação Castelo Branco” que se prolongou até 2 de Fevereiro de 1975.
Foi protagonizada por equipas compostas por elementos dos três ramos das
Forças Armadas, por engenheiros militares e por vários técnicos especializados
nas áreas da medicina, agronomia e economia. Durante 10 dias percorreram as
localidades de Idanha-a-Nova, Covilhã, Belmonte, Penamacor, Vila de Rei,
Proença-a-Nova, Fundão, Sertã, Oleiros, Vila Velha de Rodão, Castelo Branco,
Alcains (Castelo Branco), Tortosendo (Covilhã), Panasqueira, Cernache do Bom
Jardim (Sertã). Participaram os grupos teatrais Os Bonecreiros, Teatro Português
de Paris, La Cuadra e a Banda Militar Alerta Está.
465
25/1/1975
A imprensa noticia uma sessão de esclarecimento na Caixa Económica Operária
na Graça, em Lisboa, onde foi revelado que duas companhias de Engenharia que
estavam mobilizadas para África vão trabalhar para o Minho na abertura de
estradas. Também militares da Escola Prática de Transmissões partem para o
Ribatejo a fim de proceder à electrificação de algumas zonas, a par do trabalho de
esclarecimento.
26/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Poiares, Ligares e Mazouco (Freixo de Espada à Cinta) pela Subcomissão
Dinamizadora de Lamego;
- Custóias (Matosinhos) pela Comissão Distrital do Porto.
27/1/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Viade (Montalegre) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Baçal (Bragança) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Bragança;
- São Félix da Marinha (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Distrital do Porto;
- Folhadela (Vila Real) pela Comissão Dinamizadora Distrital de Vila Real.
28/1/1975
Em Tortosendo (Covilhã) foi representada a peça O Canto do Fantoche Lusitano de
Peter Weiss pelo grupo Teatro Português de Paris.
29/1/1975
Conferência de imprensa, realizada no Porto, onde o Major Fonseca fala dos
entraves colocados por alguns sacerdotes às campanhas de dinamização cultural.
466
(Covilhã), no Colégio de Proença-a-Nova, e Fundada (Vila de Rei). Em Almaceda
(Castelo Branco) a sessão foi participada por cerca de 800 pessoas. A junta de
freguesia desta localidade entregou aos representantes do MFA uma relação das
suas principais carências.
30/1/1975
O Dário de Notícias dá conta do espectáculo da banda militar Alerta Está no
Teatro-Cine da cidade da Covilhã integrada na acção dinamizadora que as Forças
Armadas no distrito de Castelo Branco. Dirigidos pelo maestro Sílvio Pleno, este
grupo actuou em Oleiros, Vila Velha de Ródão, Vila de Rei, Tortosendo (Covilhã)
e em Castelo Branco.
O mesmo jornal noticia a sessão de esclarecimento no pavilhão do Sacavenense,
(Sacavém, Loures) realizada com o apoio da junta de freguesia. Actuaram o coro
da Academia de Amadores de Música dirigido pelo maestro Lopes Graça e ainda
a Filarmónica da Academia Recreativa de Sacavém
467
31/1/1975
Início da “Operação Verdade” protagonizada pelo Regimento de Caçadores Pára-
quedistas, pela Base Aérea n.º 3 e ainda pela Direcção de Saúde da Força Aérea.
Colaboram a Banda da Força Aérea, o conjunto musical Boinas Verdes, a
Comuna, um grupo de palhaços, do qual fazia parte Teresa Ricou e ainda o
rancho regional de Merufe.
Esta campanha, que se prolongou até ao dia 9 de Fevereiro, percorreu 80
freguesias minhotas dos concelhos de Monção, Melgaço, Arcos de Valdevez e
Ponte da Barca. Foram realizadas sessões de esclarecimento nas seguintes
localidades: Lavradas (Ponte da Barca), Azias (Ponte da Barca), Vila Fonche
(Arcos de Valdevez), Ermelo (Arcos de Valdevez), Pedrosa, Sistelo (Arcos de
Valdevez), Riba de Moura, Peso, Extremo (Arcos de Valdevez), Soajo (Arcos de
Valdevez), Miranda (Arcos de Valdevez), Cabreiro (Arcos de Valdevez), Sá
(Monção), Groselas, Britelo (Ponte da Barca), Podame (Monção), São Paio,
Amboim, São Jorge (Arcos de Valdevez), Rio Cabrão (Arcos de Valdevez),
Portela, Marufa, Melgaço, Ponte da Barca, Sabadim (Arcos de Valdevez), Vale
(Arcos de Valdevez), Jolda, Loureda (Arcos de Valdevez), Touvedo, São
Lourenço, Germil (Arcos de Valdevez) Senhorim, Cabana Maior (Arcos de
Valdevez), Padreiro (Arcos de Valdevez), Vilela (Arcos de Valdevez), Oleiros
(Ponte da Barca), Parada do Monte (Melgaço), Barbeita (Ponte da Barca),
Cristoval (Melgaço), Rio de Moinhos (Arcos de Valdevez), Grade (Arcos de
Valdevez), Távora (Arcos de Valdevez), São Cosme (Arcos de Valdevez), Cuide
de Vila Verde (Ponte da Barca), Moreira (Monção), Castro Laboreiro (Melgaço),
Aguiã (Arcos de Valdevez), Giela (Arcos de Valdevez), Souto (Arcos de
Valdevez), Gondoriz, Ponte da Barca, Sampriz ( Ponte da Barca), Cambezes
(Monção), Lamas de Mouro (Melgaço), Rio Frio (Arcos de Valdevez), Oliveira
(Arcos de Valdevez), Tabaçô (Arcos de Valdevez), Carralcova (Arcos de
Valdevez), Vila Nova de Muía (Ponte da Barca), Lindoso (Ponte da Barca),
Mazedo (Monção), Gave (Melgaço), Coselo, Paço (Arcos de Valdevez), Monte
Redondo (Arcos de Valdevez), Couto (Arcos de Valdevez), Crasto (Ponte da
Barca), Castelo, Longos Vales (Monção), Gavieira (Arcos de Valdevez), Vila Chã
(Ponte da Barca), Ermida(Ponte da Barca), Monção.
O Grupo de Teatro do Mem Martins Sport Clube torna pública a sua colaboração
nas Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica com a representação da
peça As Espingardas da Mãe Carrar, de Bertold Brecht.
468
FEVEREIRO
1/2/1975
O jornal Noticias da Covilhã informa do encontro entre elementos da CODICE
(Ramiro Correia e Manuel Begonha) com a imprensa regional do distrito de
Castelo Branco, no âmbito da campanha que decorre neste distrito.
2/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Louredo (Vila Nova da Feira) pela Subcomissão Dinamizadora de Espinho;
- Galegos (Marvão) pelo Batalhão de Caçadores N.º 1;
- Alcaria do Cumel pelos militares do CISMI;
- Vides (Carrazeda de Ansiães) pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego.
3/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Ratos (Vila do Conde) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Castanheiro do Norte (Carrazeda de Ansiães) pela Subcomissão Dinamizadora
de Lamego;
- São Martinho de Angueira (Miranda do Douro) pela Comissão Distrital de
Bragança;
- Sabadim e de Senharei (Arcos de Valdevez)
4/2/1975
Reunião da CODICE com os representantes dos órgão de comunicação social da
região do Algarve, onde esteve presente um comandante do Regimento de
Infantaria n.º 4.
469
n.º 2 de Abrantes.
5/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Monte Gordo (Vila Real de Santo António) pelos militares do CISMI;
- Arcozelo (Vila Nova de Gaia) pela Comissão Dinamizadora Distrital do Porto;
- Merelim (Braga) pela Comissão Distrital de Braga;
- Anelhe (Vidago) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Vairão (Vila do Conde) pela Subcomissão Dinamizadora da Póvoa do Varzim;
- Avelanoso (Vimioso) pela Comissão Distrital de Bragança;
- Serreleis (Viana do Castelo) pela Comissão Distrital de Viana do Castelo;
- Palheiros e Andrães (Vila Real) pela Comissão Distrital de Vila Real;
- Caselas, no salão do Ginásio Clube, acompanhada da projecção de filmes
6/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Lever (Carrazeda de Ansiães) pela Subcomissão Dinamizadora de Lamego;
- Azinhal (Castro Marim) pela Subcomissão de Dinamizadora de Tavira;
- Ervões (Valpaços) pela Subcomissão Dinamizadora de Chaves;
- Moreira de Cónegos (Guimarães) pela Comissão Dinamizadora Distrital do
Porto;
- Adaúfe (Braga) pela Comissão Distrital de Braga;
-Longra (Felgueiras) pela Subcomissão Dinamizadora de Penafiel.
470
7/2/1975
O Diário Popular noticia a realização da Assembleia dos Duzentos onde se
procedeu à análise dos resultados das Campanhas de Dinamização.
8/2/1975
O jornal Beira Baixa noticia que em Vila de Rei os habitantes arrombaram o Salão
Paroquial para nele ser exibido um filme.
9/2/1975
O Diário Popular noticia a participação do grupo Veto-Teatro-Oficina nas
Campanhas de Dinamização Cultural no período de 15 de Fevereiro a 2 de Março
de 1975 com o espectáculo A 10ª Turista, que percorrerá as localidades de
471
Abitureiras (Santarém), Vale de Figueira (Santarém), Santarám, Salvaterra de
Magos, Alcanhões (Santarém), Ereira (Cartaxo) e São João da Ribeira (Rio Maior).
12/2/1975
Anúncio do calendário das sessões de esclarecimento que irão decorrer na ilha da
Madeira nas localidades do Caniçal (Machico), Santo da Serra, Fajã de Ondas
13/2/1975
Inicio da “Operação Alvorada”, realizada pelo destacamento de Fuzileiros n.º 12 e
comandada pelo 1.º Tenente Teixeira Rodrigues, que decorrerá até ao dia 23 deste
mês.
Realizaram-se sessões em diversas localidades dos concelhos de Ponte de Lima,
de Caminha, Vila Nova de Cerveira e Paredes de Coura: Correlhã (Ponte de
Lima), Castelo do Neiva (Viana do Castelo), Sendim, Moldes, São Martinho da
Gandra. Foram também realizados trabalhos na área das acessibilidades.
No âmbito esta campanha, foi realizada no dia 16 uma sessão no Cine-Teatro José
António Pires, em Caminha, com a presença das Forças Armadas, o Rancho
Folclórico do Orfeão de Vila Praia de Âncora e o Conjunto do Grupo Juvenil de
Caminha
15/2/1975
Sessão de esclarecimento em Salema (Lagos) pelo RIF.
16/2/1975
Reunião da Comissão Dinamizadora Regional Centro (Coimbra) com as
associações culturais, recreativas e desportivas da cidade visando obter
informação sobre as suas principais necessidades, bem como estabelecer formas
de colaboração com as Campanhas de Dinamização Cultural do MFA.
17/2/1975
A Comissão Dinamizadora de Évora torna pública as sessões que irá realizar na
2ª quinzena de Fevereiro de 1975 nos concelhos do Redondo e Mourão,
abrangendo as seguintes localidade: Aldeias de Montoito (Montoito, Redondo,
Santa Susana (Alcácer do Sal), Monte da Virgem, Redondo, Luz (Mourão), Granja
(Mourão) e Mourão. Estão, ainda, agendados os seguintes espectáculos teatrais:
em Alcaçovas (Viana do Alentejo) pelo Grupo da Casa do Povo de Nossa Senhora
da Tourega será representada a peça "O Dia Seguinte" de Luís Francisco Rebelo.
Em Santiago de Rio de Moinhos (Borba) será apresentada a peça A Forja de Alves
Redol pelo Clube Recrativo Popular de Boa Fé.
472
Sessão de esclarecimento em Ferragudo (Lagoa, Algarve) por militares do RI 4.
18/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Pereiro (Alcoutim) pela Subcomissão Dinamizadora de Tavira;
- Escola Dona Luísa de Gusmão, em Lisboa, destinada aos moradores do Bairro
da Penha de França. Foi projectado o filme “Vilarinho das Furnas” de António
Campos.
19/2/1975
A Comissão Dinamizadora de Coimbra torna público o programa das sessões de
esclarecimento a realizar pelo Regimento de Infantaria n.º 10, n.º 12 e n.º 14, pelo
Regimento de Artilharia Pesada n.º 3 (Figueira da Foz), pelo Regimento de
Artilharia Ligeira n.º 2 (Coimbra) e pelo Centro de Instrução de Condução Auto
n.º 2 (Coimbra) nas localidades de: Pena Verde (Aguiar da Beira), Aguiar da
Beira, Ferreira de Aves (Sátão), Rogalheiras, Lavos (Figueira da Foz), Figueira da
Foz, Satão, Vila Chã de Sá (Viseu), Viseu, Alcafache (Mangualde), Febres
(Cantanhede), Cernache (Coimbra), Marinha das Ondas (Figueira da Foz),
Anceriz (Arganil), Junqueira (Vale de Cambra), Vila Cova de Alva (Arganil).
20/2/1975
Sessão de esclarecimento no Sabugo (Sintra) por elementos militares do Campo
de Tiro da Serra da Carregueira e da Base Aérea n.º 1, responsáveis pelas 28
sessões de esclarecimento já efectuadas no concelho de Sintra. Esta sessão,
realizada na sede da União Desportiva e Recreativa Sabuguense, contou com a
presença do Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves.
473
- Sessões de dinamização cultural em Lisboa e Albufeira.
23/2/1975
“Operação Povo Culto” com duração prevista até dia 16 de Março de 1975.
Protagonizada pelo CISMI no âmbito dos exercícios finais do curso de sargentos
milicianos do 4.º turno de 1974. Esta acção percorrerá os concelhos de Tavira,
Castro Marim e Alcoutim.
24/2/1975
Sessão de esclarecimento em Barranco Velho, Regimento de Infantaria N.º 4.
25/2/1975
Sessão de esclarecimento em Vale de Seda (Fronteira).
26/2/1975
Reunião de preparação da “Operação Atlântida”, a realizar no arquipélago dos
Açores, coordenada pelo Major Cação da Silva. Estiveram presentes elementos do
Exército, Marinha e Força Aérea, dos Serviços de Informação da 5ª
Divisão/EMGFA, do CIASC, da RTP e da Emissora Nacional.
27/2/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Chão das Donas por militares do CICA 3
- Chão de Codes (Aboboreira, Mação) pelo Regimento de Infantaria N.º 2.
- Palmela (Setúbal)
28/2/1975
Início da missão, que decorreu até ao dia 6 de Março de 1975, junto da
Comunidade de Emigração Portuguesa à Inglaterra pela CODICE em colaboração
com a Secretaria de Estado da Emigração.
474
MARÇO
Realização da primeira assembleia dos delegados da dinamização, Centro de
Sociologia Militar, visando a discussão de novas linhas de acção.
1/3/1975
Início oficial da “Acção Atlântida” no arquipélago dos Açores, com sessões em
Santa Bárbara (Ponta Delgada, Ribeira Grande ou Vila do Porto, São Bartolomeu
dos Regatos (Angra do Heroísmo) e Vila Nova (Praia da Vitória). Neste dia teve
lugar uma sessão pública no Governo Civil de Angra do Heroísmo onde se
debateu a questão da autonomia dos Açores. Esta campanha percorrerá as ilhas
das Flores, Corvo, Faial, Pico, São Jorge, Terceira, Graciosa, São Miguel, Santa
Maria e é coordenada pelo Major Cação da Silva.
Foram organizadas três equipas constituídas por elementos dos três ramos das
Forças Armadas, especialistas nas áreas da agricultura, cooperativismo,
sindicalismo, economia e medicina, elementos da CIASC e da Direcção-Geral da
Cultura Popular e Espectáculos.
Participaram, ainda, do grupo Os Bonecreiros com a peça A Grande Imprecação
Diante das Muralhas da Cidade o Teatro Português de Paris com O Canto do Fantoche
Lusitano, as Marionetas de São Lourenço e o Diabo, o grupo musical Alerta Está e
o Grupo Cultural da Fragata Almirante Magalhães Corrêa.
2/3/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Quatro Ribeiras (Praia da Vitória), Fonte do Bastardo (Praia da Vitória), Altares
(Angra do Heroísmo), Porto Judeu (Angra do Heroísmo) e Agualva (Praia da
Vitória) no âmbito da "Operação Atlântida”
- Cabra Figa e Porto Brandão.
3/3/1975
O Grupo Cénico do Sindicato dos Profissionais de Escritório do distrito de Lisboa
- Proscénium – estreia, na Academia de Santo Amaro em Lisboa, um espectáculo
produzido para as Campanhas de Dinamização Cultural do MFA composto por
duas partes distintas. A primeira intitula-se Cenas da Antiga Vida Portuguesa. A
segunda consiste numa cegada intitulada “História de D. Violante Cartomante,
Sô Capitão, D. Reacção e do Zé que Armou Banzé”
4/3/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Secção da GNR de Amarante pelo RAL 5;
- São Saturnino (Concelho de Fronteira) pelo Batalhão de Caçadores N.º 1;
- Baraçal (Celorico da Beira) pelo RI N.º 10 sobre o tema "Desenvolvimento
Económico";
- Ceira (Coimbra) pelo Regimento dos Serviços de Saúde.
5/3/1975
Mesa-redonda sobre o ensino no distrito da Horta no âmbito da campanha de
dinamização cultural a decorrer no arquipélago dos Açores.
475
Distrital do MFA" da população de Isna (Oleiros) onde são descritas as principais
carências ao nível das acessibilidades e electrificação.
6/3/1975
No âmbito da “Acção Atlântida”, foram realizadas entre os dias 6 e 8 de Março
sessões em diferentes localidades da Ilha das Flores.
7/3/1975
Sessão de esclarecimento em Armamar.
8/3/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- São Bernardo (Anadia) sobre o tema "Descolonização" pelo RI N.º 10;
- Bolho (Cantanhede) pelo Regimento de Artilharia Pesada N.º 3 e CICA N.º 2.
9/3/1975
O Jornal Flor do Tâmega notícia os trabalhos de reparação de um caminho em
Burgada (Amarante) pelos soldados do RAL e de sessão de esclarecimento em
Lomba.
10/3/1975
Início da “Operação Cavado” coordenada pela Comissão Dinamizadora Regional
do Porto que até ao dia 16 de Março percorrerá o concelho de Barcelos.
476
O Diário Popular apresenta balanço da Campanha de Dinamização Agrícola
lançada pela Secretaria de Estado da Agricultura à qual se associaram as
Campanhas de Dinamização Cultural do MFA tendo sido realizadas sessões em
Aveiro e no Algarve. Os técnicos desta Secretaria de Estado já tinham participado
na operação “Nortada” e “Alvorada”
12/3/1975
O Ministro da Comunicação Social, Correia Jesuíno, realiza uma conferência de
imprensa no Palácio Foz, sobre os acontecimentos do 11 de Março. Nesta ocasião é
declarado o objectivo de intensificar as Campanhas de Dinamização
"convertendo-as em acção cívica".
13/03/1975
Sessão de esclarecimento na aldeia de Giões, concelho de Alcoutim
17/3/1975
Conferência de imprensa promovida pela CODICE onde é formalizada a
alteração de rumo das Campanhas de Dinamização Cultural que integram, agora,
a componente Acção Cívica e se caracterizam pela longa permanência no terreno.
Ramiro Correia, agora membro do Conselho da Revolução, anuncia a realização
de uma campanha no distrito de Viseu, procedendo ao balanço da campanha
realizada no arquipélago dos Açores
19/3/1975
Início da Campanha “Beira Alta” que actuará no distrito de Viseu nos concelhos
de Tarouca, Moimenta da Beira, Sernancelhe, Penedono, Castro Daire, Vila Nova
de Paiva, Sátão, Penalva do Castelo, Mangualde, Nelas, Viseu, São Pedro do Sul,
Vouzela, Oliveira de Frades, Tondela, Carregal do Sal, Santa Comba Dão e
Mortágua.
20/3/1975
Toma posse o Conselho da Revolução do qual faz parte Ramiro Correia.
21/3/1975
O Diário de Notícias dá conta do relatório final relativo ao concelho de Reguengos
de Monsaraz realizado pela CODIRE de Évora no âmbito da Dinamização
Cultural do MFA, no qual é atribuído especial destaque à “ausência de
perspectiva política patente nas camadas das populacionais menos esclarecidas e
à questão do desemprego rural.”
22/3/1975
A imprensa dá conta da realização da sessão de esclarecimento em Azaruja pela
Comissão de Dinamização Cultural do distrito de Évora.
24/3/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Pinheiro de Lafões no edifício da Casa do Povo
- Mairos (Chaves), no salão paroquial, pelo BC 10 de Chaves
25/3/1975
Realizam-se sessões de esclarecimento sobre “cooperativismo” nas seguintes
localidades do distrito de Coimbra: Barreiro (Meda) pelo RI N.º 12; Pena-
477
Portunhos (Cantanhede) pelo RAP N.º 3 e CICA N.º 4 da Figueira da Foz.
26/3/1975
Realizam-se sessões de esclarecimento sobre “cooperativismo” nas seguintes
localidades do distrito de Coimbra: São Silvestre (Coimbra) pelo Regimento do
Serviço de Saúde; Carvalhal (Meda) pelo RI N.º 12; Ancas (Anadia) pelo RI N.º 10
de Aveiro.
27/3/1975
A CODICE promove sessão de esclarecimento na Voz do Operário em Lisboa
abordando a questão eleitoral.
28/3/1975
O Jornal da Beira dá conta de reunião entre os sacerdotes da Diocese de Viseu com
os oficiais que orientaram a Campanha de Dinamização Cultural e Sanitária
naquele distrito realizada no RI 14
ABRIL
1/4/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Aldeia do Bispo e Forcalhos (Sabugal) pelo RI 12 com coordenação da CODIRE
de Coimbra; Pendilhe (Vila Noiva de Paiva), no âmbito da Campanha “Beira
Alta”.
2/4/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Lagiosa, Pendilhe (Vila Noiva de Paiva), Aldeia Velha (Sabugal) pelo RI 12,
coordenada pela CODIRE de Coimbra
- Carapinheira (Coimbra) pelo Regimento de Serviço de Saúde, coordenada pela
CODIRE de Coimbra.
4/4/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Andorinha (Coimbra), Rio de Vide (Miranda do Corvo) e Antes (Mealhada) pelo
Regimento de Serviços de Saúde (Coimbra)
5/4/1975
No âmbito da Campanha de Dinamização no distrito de Viseu realiza-se no
478
edifício da Caixa Geral de Depósitos na cidade de Viseu uma pintura colectiva
durante dois dias. Colaboraram os professores da ESBAP Armando Alves,
Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, José Rodrigues, Jorge Pinheiro e ainda de
Vespeira, Maria Gabriel, Eurico Gonçalves, Fernando Cruz e Espiga Pinto. Esta
acção contou com a participação do Grupo de Teatro de Campolide que
representou a peça Fulgor e Morte de Joaquim Murieta de Pablo de Neruda no
Largo da Sé de Viseu.
7/4/1975
Sessão de esclarecimento no Porto, no Centro Social da Sé, promovido pela
CODIRE.
8/4/1975
Sessão de esclarecimento no Pavilhão Gimnodesportivo da cidade de Viseu, no
âmbito da “Operação Beira Alta”, na qual participaram o comandante do RI 14 e
os diferentes responsáveis pelas diferentes acções a decorrer nesta região
10/4/1975
O Diário de Notícias dá conta de uma sessão de esclarecimento na cidade de
Portalegre no Pavilhão Gimnodesportivo local protagonizada pelo Batalhão de
Caçadores N.º 1, onde estiverem presentes o governador civil do distrito, um
representante da Câmara Municipal e elementos da GNR, PSP e Guarda Fiscal
11/7/1975
Sessão de esclarecimento no Bairro da Urdeira, na sala do Clube União
Desportiva e Recreativa de Santa Maria onde é aconselhado o voto em branco.
13/4/1975
Sessão de esclarecimento em Almeida no salão paroquial presidida pelo
Comandante do RI 12 Guarda. A convite do MFA, o Centro Cultural da Guarda
promoveu um espectáculo nesta localidade.
15/4/1975
Sessões de esclarecimento realizadas:
- Empresa Standard Eléctrica em Cascais pelo Centro de Instrução Anti-Aérea;
- Fundo Fomento da Habitação
17/4/1975
A imprensa nacional dá conta da sessão de esclarecimento dirigida aos habitantes
da Freguesia de São Paulo (Lisboa) realizada nas instalações do Sindicato dos
Professores.
479
18/4/1975
O Jornal da Beira noticia sessão de esclarecimento em Vila Maior (Santa Maria da
Feira ou São Pedro do Sul) realizada no edifício escolar daquela localidade.
22/4/1975
O Diário Popular publica um artigo sobre a projecção de uma reportagem filmada
pela RTP na aldeia de Covas do Rio (São Pedro do Sul) aquando da estadia de
uma das equipas de dinamização naquela localidade.
24/4/1975
Afonso Praça assina uma reportagem sobre o lugar de Chãs na revista Vida
Mundial onde dá conta dos diversos trabalhos levados a cabo pelas Forças
Armadas com ajuda das populações daquela localidade: electrificação, construção
de infra-estruturas, implementação de sistemas de recolha de lixo.
Início da missão do MFA à Holanda que se prolongará até ao dia 28 deste mesmo
mês.
25/4/1975
A Direcção-Geral dos Desportos, através do seu órgão informativo Desporto Novo,
anuncia a participação dos seus técnicos nas Campanhas de Dinamização
Cultural e Acção Cívica do MFA.
26/4/1975
Início da “missão” do MFA à Bélgica para contacto com a emigração portuguesa
que se prolongará até ao dia 28 deste mesmo mês.
Inauguração da exposição itinerante “Portugal. Um Ano de Revolução 1974-1975”
na Galeria de Arte Moderna em Lisboa, conhecida como Galeria de Belém, cuja
organização esteve a cargo de um conjunto de entidades, entre as quais a 5ª
Divisão/EMGFA, através da CODICE.
MAIO
2/5/1975
Início da “missão” do MFA a França que decorrerá até dia 12 deste mês, no
âmbito da qual se realizaram as “Jornadas Portuguesas” cuja organização esteve a
cargo da CODICE, Ministério da Educação e Cultura, Ministério da Comunicação
Social, Ministério dos Negócios Estrangeiros e Secretaria de Estado da Emigração.
7/5/1975
Principiam-se os cursos de formação no Centro de Sociologia Militar (5ª
Divisão/EMGFA) destinados às equipas que integrarão a campanha "Maio-
Nordeste".
480
8/5/1975
Início da acção médico-sanitária no concelho de São Pedro do Sul abrangendo as
localidades de Macieira, Covas do Rio e Covas do Monte.
10/5/1975
Sessão de esclarecimento em Torre de Vilela (Coimbra) pela Comissão Regional
de Coimbra.
12/5/1975
Sessão de esclarecimento realizada em Monte Seco por militares do RI Faro.
17/5/1975
Início da 1ª fase da campanha "Maio-Nordeste" que actuará no distrito de
Bragança.
Foi protagonizada por 230 oficiais, sargentos e praças dos três ramos das Forças
Armadas, incluindo a GNR, a PSP e a Guarda-Fiscal. Participam técnicos da
Direcção-Geral dos Desportos e músicos militares que trabalharão junto das
bandas da região.
Esta campanha contou com a colaboração de José Afonso, Francisco Fanhais e o
cineasta José Filipe Rocha
27/5/1975
Sessão de esclarecimento em Vila Velha de Ródão, no Centro Recreativo do Porto
do Tejo, pela Comissão Dinamizadora de Castelo Branco. Nesta sessão
participaram igualmente técnicos do Centro de Saúde de Vila Velha de Ródão
que prestarem esclarecimentos sobre a cólera.
JUNHO
1/6/1975
Início da 2ª fase da campanha “Maio-Nordeste” que se prolongará até ao dia 22
de Junho de 1975.
3/6/1975
Plenário geral das equipas de dinamização que se encontravam no distrito de
Bragança no âmbito da "Maio-Nordeste", realizado nas instalações da Casa do
povo de Macedo de Cavaleiros.
481
6/6/1975
Reunião entre elementos da CODICE (capitão Faria Paulino, comandante
Guerreiro e Alferes Soares) com as várias equipas de dinamização cultural que
actuavam no distrito de Viseu.
7/6/1975
Sessão de esclarecimento sobre “A reforma Agrária dentro do momento actual da
revolução” realizada no Pavilhão da Agricultura da Feira de Santarém.
Até dia 13 de Junho decorre a “missão” do MFA a França para contacto com as
comunidades emigrantes.
9/6/1975
Dinamização Cultural no Algarve pela 3ª Companhia Escola de Fuzileiros Navais
de Lagos.
11/6/1975
Parte para Paris mais uma delegação do MFA que aí permanecerá até ao dia 25 de
Junho.
12/6/1975
O Diário de Notícias dá conta de uma sessão cultural promovida pelo MFA e pelo
Regimento de Cavalaria da GNR em Braço de Prata destinada aos militares e suas
famílias, bem como a toda a população desta zona. Colaboraram o Grupo Cénico
Amador da Manutenção Militar. Foi apresentada a peça O Urso de Tchekov com
encenação de Ruy de Matos.
13/6/1975
Sessão de esclarecimento solicitada pela secção cultural do Casalense Futebol
Clube realizada na sede da colectividade, no Casal Ventoso (Lisboa), onde foram
tratados assuntos como a habitação e educação das crianças da área.
19/6/1975
Sessão de esclarecimento no Centro Cultural da Tabaqueira em Albarraque
(Sintra) dedicada aos trabalhadores desta empresa e à população desta
localidade.
20/6/1975
Início da reunião dos delegados concelhios com o Centro Director da campanha
“Maio-Nordeste”, que se prolongou nos dois dias subsequentes.
21/6/1975
Pintura mural realizada no Mercado do Povo, em Lisboa, por professores e
alunos da Escola Superior de Belas Artes promovida pela CODICE e por um
grupo de trabalhadores do Mercado do Povo. Nesta iniciativa colaboraram as
classes de ginástica do Lisboa Ginásio, do Ateneu Comercial de Lisboa e do
Ginásio Clube Português tendo sido ainda apresentado um espectáculo de circo.
482
uma acção promovida pelo MFA nos concelhos de Castelo Branco, Vila de Rei,
Oleiros e Sertã. Do programa apresentado destaca-se a referência ao objectivo
principal desta acção: “constituir a unidade das massas populares, de todos os
trabalhadores e da população em geral, na luta pelo Socialismo e pelo reforço da
aliança Povo-MFA”.
23/6/1975
imprensa nacional noticia sessão de esclarecimento junto dos trabalhadores da
Secca, empresa de construções metalúrgicas. Foi pintado um painel numa das
paredes do refeitório por artistas da Escola de Belas Artes do Porto.
JULHO
5/7/1975
Pintura colectiva executada por 17 artistas plásticos, entre os quais Vespeira e Sá
Nogueira, em Évora abordando as seguintes temáticas: “A Terra a quem a
trabalha”, “Liberdade é Terra Alentejana”, “Liberdade de Criação - Cultura na
Revolução”, “5 de Julho - Nasce um País”.
10/7/1975
Ernesto de Sousa nas páginas da Vida Mundial noticia a realização de um painel
colectivo em Vila Chã (Sobral de Monte Agraço), no âmbito das Campanhas de
Dinamização Cultural do MFA. Esta acção foi inserida na festa de inauguração de
um conjunto de equipamentos (instalações sanitárias e electrificação) naquela
localidade.
13/7/1975
Início da Campanha de “Unidade e Dinamização” na região de Castelo Branco,
nos concelhos de Castelo Branco, Oleiros, Sertã e Vila de Rei. Esta acção, que se
prolongaria até ao dia 30 de Setembro, foi protagonizada pela Comissão de
Trabalhadores da Guerin e por trabalhadores de diferentes sectores (incluindo
técnicos de saúde) com o apoio material da Fundação Calouste Gulbenkian.
Nesta campanha, coordenada pela CODICE, participaram o grupo Teatro do
Nosso Tempo e os cantores José Jorge Letria e Adriano Correia de Oliveira.
14/7/1975
Conferência de imprensa de apresentação da campanha de dinamização a
realizar no distrito da Guarda pela Academia Militar. Participaram, entre outros,
o responsável por esta instituição de ensino militar, General Pinto Soares, e
Manuel Begonha, responsável máximo da CODICE.
15/7/1975
Campanha de Dinamização Cultural realizada pela Academia Militar no distrito
da Guarda sob o lema “Trabalhar com o Povo, Construir a Revolução”.
Coordenada pela CODICE e pela Academia Militar, que instalaram o seu Centro
Director no Quartel de Infantaria na cidade da Guarda, esta campanha foi
protagonizada por cerca de 500 indivíduos, entre efectivos da Academia Militar,
483
da Força Aérea, da GNR, da Guarda Fiscal, das Unidades da região e elementos
civis não só da Academia Militar mas também oriundos de quadros técnicos das
autarquias locais e outros organismos do Estado. Colaboraram ainda José Viana,
Dora Leal, tendo, esta experiência, sido filmada por Eduardo Geada. Localmente
o Grupo de Teatro Amador da Escola Secundária da Mealhada apresentou a peça
“As Mãos de Abrão Zacut” de Luís Stau Monteiro.
17/7/1975
Reunião dos elementos das Comissões Regionais, Distritais e das Subcomissões
de Dinamização Cultural e Esclarecimento Cívico visando a discussão da
Directiva n.º 2/75 da CODICE.
25/7/1975
O jornal A Guarda dá conta da satisfação dos habitantes de Figueira de Castelo
Rodrigo face à presença dos alunos da Academia Militar naquela vila.
AGOSTO
1/8/1975
O jornal A Guarda noticia a passagem por Almeida e pelo Sabugal da Campanha
da Academia Militar que decorre no distrito da Guarda.
12/8/1975
Reunião do Centro Director da Campanha “Maio-Nordeste”, em Bragança.
25/8/1975
Suspensão da 5ª Divisão/EMGFA ordenada pelo CEMGFA.
SETEMBRO
5/9/1975
Manifestação em Bragança que reivindica a retirada de elementos do COPCON
daquela cidade
OUTUBRO
8/10/1975
O CEMGFA suspende a campanha “Maio Nordeste”. No terreno permanece a
campanha que decorre no distrito de Viseu, centrada no hospital de Sernancelhe e
em Castro Daire.
NOVEMBRO
22/11/1975
Conferência de imprensa da CODICE com a presença dos Capitães Paulino e
Loureiro e do Comandante Begonha. A CODICE decide colocar-se ao serviço do
COPCON, que reconhece como único “órgão revolucionário”
26/11/1975
Extinção da CODICE
484
Manifestação junto ao Hospital de Sernancelhe reivindicando a saída da equipa
médica deste concelho.
1976
JANEIRO
16/1/1976
Retirada definitiva da equipa de médicos e enfermeiros que trabalhava nos
concelhos Sernancelhe e Penedono.
Fontes: Arquivo Histórico da Rádio Difusão Portuguesa (AHD 5243 – faixa 6, 08/01/1975;
AHD 5251 – faixa 5, 10/01/1975; AHD 5392 – faixa 6, 13/03/1975); Arquivo Ministério da
Defesa Nacional – em organização (Caixa 6388; Caixa 6319; Caixa 6589); Centro
Documentação 25 de Abril – Universidade de Coimbra (Fundo Aida Ferreira, Caixa “CIASC
– Centro D. Rec. - Din. Cult., Comissão Reg. Faro”; Caixa "Campanhas de Dinamização
Cultural, Distrito de Coimbra (Fotocópia de alguma documentação existentes no governo
civil), Governo Civil de Coimbra"; Caixa “CIASC Regiões – Ilhas, Açores”); Biblioteca
Nacional do Desporto – Instituto do Desporto de Portugal (Desportos. Revista da Direcção
Geral dos Desportos, Lisboa); Arquivo particular de Manuel Madeira. Publicações periódicas:
A Aurora do Lima, A Guarda, A Vanguarda, A Voz das Beiras, Beira Baixa, Correio do Minho,
Diário de Notícias, Diário Popular, Flor do Tâmega, Jornal da Beira, Mensageiro de Bragança,
Movimento, Boletim Informativo das Forças Armadas, Notícias da Covilhã, O Caminhense, O
Cavado, O Correio do Planalto, República, Sempre Fixe, Voz de Lamego, Vouga Livre, Vida Mundial.
Consultaram-se ainda as seguintes obras: Correia, et al (s/d-a); Cruzeiro & Coimbra (1997),
Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984); Morais & Violante (1986).
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