PROGRAMA DOUTORAL EM CONTABILIDADE

Ano letivo 2021/2022

TENDÊNCIAS ACTUAIS DE CONTABILIDADE PÚBLICA

Pesquisa Bibliográfica

A Contabilidade Pública em Portugal antes da RAFE: Uma Prospetiva Histórica (1910-1974)

Cristiana Carvalho – n.º 106247, cmcarvalho@ua.pt

Abstract:

Resumo: At present, Public Accounting is one of the

subjects that arouses great interest for academics
Presentemente, a Contabilidade Pública constitui
and professionals. In Portugal, since the
uma das matérias que desperta bastante interesse
para os académicos e profissionais. Em Portugal, implementation of the Republic, Public

desde a implementação da República a Accounting has undergone profound

Contabilidade Pública, sofreu profundas transformations that have remained unchanged

transformações que permaneceram inalteradas por
mais de 40 anos. O objetivo deste trabalho é expor
e divulgar de forma cronológica, os principais
traços do desenvolvimento sofrido
contabilidade pública antes da RAFE, desde o
início do século XX até à Revolução de 1974.
Espera-se, assim, contribuir para a história da
contabilidade, em contexto de entidades públicas.
A metodologia utilizada constitui numa revisão da
literatura e o método de recolha e geração de
informação compreendeu uma análise de textos e
documentos. As fontes primárias resultam na
legislação relacionada com a contabilidade pública
portuguesa, comunicações em congressos, artigos
científicos.
for more than 40 years. The objective of this work
is to expose and disseminate chronologically, the
main traces of the development suffered by public
pela accounting before RAFE, from the beginning of the
20th century until the Revolution of 1974. It is
expected, therefore, to contribute to the history of
accounting, in the context of public entities. The
methodology used constitutes a literature review
and the method of collecting and generating
information comprised an analysis of texts and
documents. Primary sources result in legislation
related to Portuguese public accounting,
communications in congresses, scientific articles.
Introdução:

Palavras-chave: Portugal, História da Desde o início da República, houve preocupação

Contabilidade, Contabilidade Pública, Estado em aprovar normas e regulamentos, de forma a
Novo.

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controlar as receitas e despesas. A contabilidade critérios legais e de limitação das despesas e não
pública manteve o mesmo objetivo, excetuando o tanto a equidade e eficiência da sua execução.
nível de exigência de informação divulgada nas (Marques, 2010)
demonstrações financeiras. Contudo a legislação
Em comparação com governos de outros países que
em matéria de contabilidade pública, aprovada
enveredaram por orientações idênticas e mais
durante o “Estado Novo”, esteve em vigor durante
radicais, Salazar fez adotar medidas de reanimação
décadas até que a crescente evolução, em matéria
da procura e de estímulo às atividades económicas
social e económica, impôs novas regras para esta
que ultrapassam a clássica resposta inicial
contabilidade. Santareno (1997) é mais
restritiva. Com a Revolução de 25 de abril de 1974,
comunicativo na abordagem a esta temática. Na sua
foi colocado fim a um longo período sobe
aceção, as reformas orçamentais e contabilísticas
influencia de um regime ditatorial, abrindo portas à
conduzidas pelo Estado Novo, na década de 20 e de
possibilidade de modernizar a contabilidade
30 do século XX, revelaram ser o maior conjunto
pública (Fernandes, 2009).
de iniciativas legislativas ocorridas em Portugal.
(Carvalho & Nogueira, 2006) designam que nesta Objetivo e Metodologia
etapa a contabilidade pública portuguesa
qualificava-se por ser uma contabilidade Este trabalho de investigação utilizando uma
essencialmente orçamental, estruturada numa base pesquisa bibliográfica, tem como objetivo estudar
de caixa, em que o método de registo era o a evolução da Contabilidade Pública em Portugal
unigráfico, através do qual se registavam os antes da RAFE, num período específico da História
movimentos de tesouraria e as operações dos fluxos de Portugal compreendendo o início da República
financeiros. As obrigações e os direitos eram em 1910, a implementação do Estado Novo até à
reconhecidos quando se averiguava efetivamente a Revolução de 1974.
entrada ou saída dos valores monetários e, nesta
lógica, procedem os autores, a contabilidade teria
como preocupação principal o cumprimento dos

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A Contabilidade Pública em Portugal (1910- propagandísticas, assinalou a entrada num novo

1974)
(1910-1938) – A Implementação da República ao
Estado Novo
No início do século XX, foram pulicadas algumas
medidas legislativas tendentes à criação de
sistemas de contabilidade pública e relativas ao
controlo dos dinheiros públicos, com principal foco
em todas as receitas e despesas ordinárias
extraordinárias do Estado, abrangendo as entidades
públicas. (Pascoal & Ribeiro, 2002). Em 5 de
outubro de 1910 é proclamada a República em
Portugal vive em época de instabilidade social e
política (Almeida & Marques, 2002). Um grupo de
contabilistas republicanos pretendiam que fosse
aplicado à contabilidade pública o sistema
digráfico, contudo esta tentativa não obteve
resultados positivos e a contabilidade pública
continuou a processar-se pelo método uni gráfico
ou de partidas simples.
Após a revolução de 28 de maio de 1926, o Estado
Novo, que foi criado apenas em
especialmente por razões ideológicas
época político, que ficou assinalado por uma
conceção presidencialista, absolutista e
antiparlamentar do Estado. Fruto do complexo e
prolongado período de transição da ditadura militar
para um novo regime, o Estado Novo viria a impor-
se como pragmático equilíbrio, sob a tutela de
Salazar, no plano político-institucional e no plano
económico-social. (Pascoal & Ribeiro, 2002). Isto
é, o Estado Novo é a mais longa experiência
autoritária moderna do Ocidente Europeu.
O Estado Novo finalizou o período do liberalismo
em Portugal, abrangendo-se nele a Primeira
República e Constitucionalismo monárquico. A
Contabilidade Pública, através das regras
autorizadas naquele período (Almeida & Marques,
2002). Em 1928, foram criadas profundas reformas
com objetivos bem precisos, como a obtenção de
saldos positivos no fecho das gerências
orçamentais; contenção do crescimento do sector
público, todos os serviços públicos, gerais,
regionais ou locais, quer gozem ou não de
autonomia administrativa, estarão sujeitos às leis e
regulamentos gerais de contabilidade pública,
1933
quanto à organização dos seus orçamentos, à
e
execução dos seus serviços, ao pagamento das suas

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despesas e à apresentação, fiscalização e económico em que foram realizadas. Este decreto

julgamentos das suas contas. Foi adotado o modelo
de Orçamento Geral do Estado que abrange vários
mapas reservados não só à expressão das receitas e
despesas do Estado, mas similarmente à estimação
da situação financeira das autarquias locais e
colónias. Este decreto aplicava-se a todos os
serviços públicos, gerais, regionais ou locais, que
desfrutassem ou não de liberdade administrativa e
financeira, estando submetidos às leis
regulamentos de contabilidade pública, quando à
organização e execução dos seus orçamentos,
sendo uma contabilidade pública unicamente
orçamental. Neste mesmo ano António Salazar,
fundador e líder do Estado Novo, assumiu o cargo
de Ministro das Finanças. Santos (2008)
No ano de 1930 o Decreto-lei 18381, simplificou o
sistema utilizado, abolindo as contas de exercício e
consagrando apenas as contas de gerência
conjugadas com a existência de um período
complementar. Estabeleceu que a contabilidade
pública tivesse ordem e clareza, e passaria a ser
realizada por anos económicos que se iniciavam a
1 de julho e terminavam a 30 de junho, sendo
obrigatória a escrituração de todas as operações de
despesa e receita que pertencessem ao ano
dispunha também informações relacionadas com a
execução orçamental: cobrança das receitas e
realização de despesas.
No ano 1936, já Salazar como Presidente do
Conselho de Ministros estabelecesse que os anos
económicos passam a coincidir com os anos civis.
Portanto o prazo para liquidação e cobrança de
receitas e para liquidação e pagamento das
e
despesas públicas e para organização,
encerramento e publicação das contas do Estado, as
receitas são escrituradas em conta do ano
económico em que a cobrança se efetua e o
orçamento anual deve ser aprovado antes do início
do ano económico. Era obrigatório, para os
organismos públicos, o envio ao Tribunal de
Contas, no prazo de 30 dias após a aprovação, do
seu orçamento quer seja ordinário ou suplementar.
O sistema contabilístico subjacente assenta numa
base de caixa onde se divulga os fluxos financeiros
alusivas às entradas e saídas de fundos. Os
comerciantes ficam obrigados pelo Estado a
elaborar um Balanço. Em Portugal são três as
entidades que detêm poderes e competências de
controlo financeiros externo: a Assembleia da
República, o Tribunal de Contas e o Tribunal de

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Contas Europeu. Os Revisores Oficiais de Contas, se comprometeu, em contrapartida, a subsidiar a

como profissionais independentes e qualificados, ação missionária nas colónias. (Carvalho, 2009)
podem desempenhar um papel importante nas
organizações públicas, pela análise efetuada aos
documentos contabilísticos, bem como o (1961-1974) – As Guerras Coloniais e a Revolução
cumprimento da lei. Contudo a contabilidade dos Cravos
pública continuava a centrar-se na execução do
Entre 1961 e 1974, Portugal teve um envolvimento
orçamento, no controlo da despesa e cobrança da
nas guerras coloniais, sendo que nesta época o
receita. (Bernardes, 2001)
Estado Novo era liderado por Marcelo Caetano que
(1940) – A Concordata com a Igreja Católica controlava a contabilidade pública e a economia,
num ambiente favorável, particularmente depois da
No ano de 1940, o Estado Novo confere liberdade
sua integração na na European Free Trade
de administração às entidades religiosas católicas.
Association (EFTA) (zonas regionais de comércio
Acordo denominado de Concordata, assinado em
livre) em 1961 (Carvalho et al., 2002). Com a
1940 entre o regime do Estado Novo e a Santa Sé,
“revolução dos cravos” em abril de 1974 o regime
este acordo estabeleceu as regras do
ditatorial foi extinto, abrindo portas à possibilidade
relacionamento do Estado português com a Igreja
de modernizar um setor público que estava
Católica. Consagrou a liberdade religiosa e a
caracterizado por modelos de atuação próprios.
separação entre o poder laico e o religioso.
(Fernandes, 2009). A separação entre o poder
Assegurou à Igreja a restituição de parte do
legislativo e o poder executivo, com a
património que perdera em momentos históricos
independência dos tribunais, como foi o caso do
anteriores, bem como uma série de prerrogativas,
Tribunal de Contas, sendo que a contabilidade
tais como a liberdade de organização e certas
pública manteve o mesmo objetivo e regime.
isenções fiscais. A Igreja recebeu parte do
património que lhe fora expropriado, prescindindo Fora da época temporal em estudo citamos que foi
explicitamente da parte restante, enquanto o Estado só em 1986, com a entrada de Portugal na

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Comunidade Europeia, que se previa mudanças
significativas na contabilidade pública semelhante
à dos países mais desenvolvidos, porém não
sucederam as modificações esperadas, verificou-se
sim um grande impulsionamento na contabilidade
do setor privado, com a alteração em 1989, do
Plano Oficial de Contabilidade (POC), em
consequência da emissão da IV Diretiva da
Comunidade de Europeia. (Nogueira & Carvalho,
2006).
Conclusão
Com a implementação da República em Portugal
no ano 1910, foram aprovadas diversas leis,
estabelecendo-se princípios e regras para a
contabilidade pública a fim de alcançar alguma
homogeneidade e elevar a contabilidade pública
portuguesa ao nível de outros países europeus mais
desenvolvidos. A contabilidade pública portuguesa
caracterizava-se por uma contabilidade
fundamentalmente orçamental, ou seja, numa base
de caixa. O método de registo utilizado por esta
contabilidade pública orçamental era o unigráfico,
as obrigações e os direitos eram reconhecidos
quando se apurava efetivamente a entrada ou saída
dos valores monetários. Com a Revolução de 25 de
Abril de 1974, o regime político português mudou
do regime de ditadura para a democracia trazendo
profundas alterações ao sector público português.
A separação entre o poder legislativo e o poder
executivo, aliado à independência dos tribunais, a
reformulação de todo o regime legal do sistema
orçamental. No entanto, a contabilidade pública
manteve o mesmo objetivo, excetuando o nível de
exigência de informação divulgada nas
demonstrações financeiras. Em 1986, mesmo com
a entrada de Portugal para a União Europeia, a
reforma da contabilidade pública portuguesa sofreu
alguns atrasos e apenas nos anos 90 esta foi
modificada.
Referências Bibliográficas
Almeida, J., & Marques, M. (2002). A
Contabilidade Pública em Portugal: da
Monarquia (1761) à II República (2002).
Revista Economia Global e Gestão do
ISCTE– Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa, 1 (02).

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Bernardes, A. (2001). Contabilidade Pública e Nogueira, S. P., & Carvalho, J. B. D. C. (2006). A

autárquica (POCP e POCAL). Coimbra.
Centro de Estudos e Formação Autárquica.
Carvalho, J. B. C. e Nogueira, S. P. S. (2006), “A
contabilidade pública em Portugal: opinião
de especialistas”. Comunicação apresentada
no XII Encuentro AECA, Córdoba, Espanha,
28 e 29 de Setembro de 2006.
Carvalho, J.M., Conde, M.F., & Paixão, Judite
Cavaleiro, (2002). A first attempt to identify
phases and periods of the accouting history of
Portugal. Revista do Tribunal de Contas n.º
38 – Julho/Dezembro, 609-632.
Carvalho, R. (2013). A Concordata de Salazar.
Portugal-Santa Sé. Lisboa: Temas e Debates
Editora. Tese de Doutoramento em História
Contemporânea Institucional e Política de
Portugal, apresentada à Faculdade
Ciências Sociais e Humanas, Universidade
Nova de Lisboa.
Fernandes, M. J. (2009). Developments in public
accounting in Portugal. Revista Enfoques:
Ciencia Política y Administración Pública,
11, 155-188.
contabilidade pública em Portugal: opinião
de especialistas. XIII Encuentro AECA-La
Eficiencia en el Gobierno en la Gestión de la
Mediana Empresa. 28 e 29 de setembro de
2006.
Pascoal, T. M. R., & Ribeiro, J. H. V. (2002).
Contabilidade de Gestão no sector Público
administrativo Português: Evolução histórica
recente. Jornal de Contabilidade, (298), 9-
17.
Santareno, A. (1997), “Crónica da contabilidade
pública portuguesa – das partidas dobradas
de 1761 ao Plano Oficial de Contabilidade
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da APOTEC, Coimbra, Portugal, 4 de Abril.
de Santos, P. (2008), Aplicação e Harmonização dos
Planos Oficiais de Contabilidade na
Administração Pública Portuguesa. Tese de
Doutoramento em Gestão apresentada à
Faculdade de Ciências da Economia e da
Empresa da Universidade Lusíada de Lisboa,
Porto, Portugal.