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O EMBELEZAMENTO DE SI

Mais ainda que a relação com a culinária — e não sem paradoxo num tempo em que se exibe um
gosto generalizado pelos prazeres da boca e em que, na espiral da má alimentação, aumenta o
número de obesos —, a relação com a beleza do corpo e do rosto ilustra o avanço social e
individual dos desejos e dos comportamentos estéticos. Durante milênios, os cuidados
cosméticos não ultrapassaram os limites do mundo da elite social. Somente no século XX é que
se desenvolveu uma industrialização em massa dos produtos de beleza que possibilitaram a
difusão social das práticas de embelezamento. Ao mesmo tempo, o cinema, a imprensa feminina,
a publicidade, a moda, a fotografia propagaram em larguíssima escala os cânones modernos da
beleza, os conselhos e também os sonhos de beleza em todos os grupos sociais. Removendo os
obstáculos tradicionais ao embelezamento de si (classe social, idade, produtos, técnicas
utilizadas, imaginário feminino), nossas sociedades abriram um novo capítulo da história da
beleza feminina: a etapa hipermoderna da beleza, em que nada mais se opõe à sua otimização,
em que a demanda de embelezamento não para de crescer, em que os recursos estéticos
constituem um mercado em expansão contínua. Atualmente, em todas as camadas sociais46 e em
todas as idades47 se desenvolvem as práticas cosméticas, a luta contra o peso e as rugas, a
cirurgia estética, os regimes para emagrecer. O mercado da beleza conhece um avanço
considerável, com produtos cosméticos cada vez mais numerosos, uma cirurgia estética que se
democratiza, ofertas de talassoterapia que se tornam mais acessíveis, spas e institutos de beleza
que se multiplicam.48 Perfumes em quantidade, produtos de maquiagem em todas as faixas de
preço, boom dos itens de cuidados pessoais: é o tempo da superprodução e do superconsumo
estético, das infinitas declinações dos recursos destinados a realçar a beleza dos rostos e dos
corpos, dos jovens e menos jovens. A beleza se tornou um novo Eldorado do capitalismo, ao
mesmo tempo que uma obsessão e uma prática narcísica de massa. Esse superconsumo estético
se vincula manifestamente à nova cultura individualista centrada no hedonismo, no melhor-estar,
na personalização de si. As marcas de cosméticos gabam sua eficácia sob o signo do prazer. O
ditado “é preciso sofrer para ser bela” já perdeu sua aura de verdade, cedendo lugar à exaltação
da qualidade das sensações, da volúpia de cuidar de si mesmo. Trata-se de amar o próprio corpo,
de “reatar com sua sensorialidade” adotando os produtos e as técnicas que convêm à sua
personalidade. Os cuidados estéticos são apresentados como um prazer, e o bem-estar subjetivo
como um meio de embelezamento. Ao mesmo tempo, a profusão dos produtos e das marcas, dos
regimes e atividades de manutenção e de forma possibilitam cada vez mais opções, decisões
individuais, programas à la carte. A hipermodernidade estética coincide com a proliferação da
oferta mercantil, com o supermercado dos produtos e das “receitas” de beleza em concordância
com o aumento das exigências de individualidade e de personalização da imagem de si. Cada
mulher é chamada a valorizar sua beleza singular, a utilizar os produtos “que são a cara” dela, a
adotar o regime ou as atividades correspondentes a seu estilo de vida e à sua morfologia: o
modelo da beleza diretiva, imposta de fora para dentro, é suplantado por um ideal plural,
expressivo, subjetivizado.49 A beleza consumida entrou em cheio na era democrático-
individualista da superescolha e da personalização.

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