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Os diferentes discursos sobre infância escolar nos diferentes tempos das primeiras séries
do Ensino Fundamental
Segundo Ariés (1981), coloca que a temporalização da infância se modifica muito com
a entrada das crianças na escola, fato que ocorre nesse mesmo período na Europa Ocidental. A
primeira, claramente teve de adequar sua conduta, atividades e prioridades na vida à
organização do tempo própria das instituições escolares.
O autor destaca que não só a imagem de infância modificou na Idade Moderna, mas as
sua durabilidade, por conta da eminente ligação entre o moderno discurso a respeito das
crianças e da criação da escola como um dos principais espaços de educação delas.
Diz ainda que, desde de sua criação, a escola passa pro um processo que não foi
imediato, mas que no percurso de sua organização no atravessar de séculos, necessitou
distinguir por idades, séries, os conhecimentos, as formas de tratamentos das crianças.
No trecho que segue nos explica melhor como se deu essa separação entre a infância
antes e depois da escolarização:
A infância foi prolongada além dos anos em que o garotinho ainda andava com auxílio
de “guias” ou falava seu “jargão”, quando uma etapa intermediária, antes rara e daí em
diante, cada vez mais comum, foi introduzida entre a época da túnica com gola e a
época do adulto reconhecido: a etapa da escola do colégio. A classes de idade em
nossas sociedades se organizam em torno de instituições. Assim, a adolescência, mal
percebida, durante o Ancien Régime se distinguiu no século XIX e já no fim do século
XVIII através da conscrição, e mais tarde do serviço militar. O ecolier – o escolar – e
esta palavra até o século XIX foi sinônimo de estudante, sendo ambas empregadas
indiferentemente: a palavra colegial não existia – o ecolier do século XVI ao XVIII
estava para uma infância longa assim como o conscrito dos séculos XIX e XX.
(ARIÈS, p. 187)
Vimos então como a noção de tempo na infância se modifica, alongando-se. Deixando
claro que, para as classes populares essa realidade não se passava, pois suas crianças ainda
não eram crias das escolas.
Se observarmos como no Brasil ocorreu esse processo veremos que já no império
brasileiro havia o início da consolidação de um discurso preocupado com a disciplinarização
da educação infantil, uma vez que até então a infância corria solta nas ruas e nos espaços de
trabalho junto com os adultos. Isso aconteceu com relação ao tempo, ao gênero, ao
conhecimento (currículo) e às classes sociais das crianças brasileiras. Por isso os espaços,
profissionais e currículos são todos diferenciados de acordo com os sujeitos que sujeitam,
com as crianças que atendem, sempre comprometidos com o conceito de cidadão que se tinha
naquele momento de sistematização da educação em nosso país. (Schuler, 1999)
Entretanto, já na metade do século XIX toda essa idéia sobre educação primária
circulava primordialmente no discurso, pois ainda havia grande dificuldade de colocar em
prática a escolarização da primeira infância. Os discursos já significavam essa forma de
educá-la, mostrando o entendimento que por muito tempo organizaria a educação primária no
Brasil.
No Brasil do século XIX,
Gostamos de partir da idéia de infância escolarizada, como uma imagem, que embora
apresente nuances de indefinições em alguns aspectos, tem certo padrão de produção.
Evidencia o sujeito em uma fase específica de sua vida; localiza-o num lugar particular à
infância na hierarquização das relações de poder; situa-o no foco do trabalho pedagógico,
sujeitado por discursos que o produzem com efeitos sobre seus comportamento e
subjetividades.
Em pesquisas como as de Pagni (2010) e Kohan (2010), podemos encontrar a
variabilidade de discursos sobre infância nos diversos campos do conhecimento, apesar de
reconhecerem que a interpretação difundida por Philip Ariès (1981), é ainda uma das vozes
mais fortes nos textos sobre o tema na área da educação, os autores viabilizam outros olhares
sobre os estudos da infância. Gallo, (2009), traz uma imagem da criança escolarizada muito
mais propensa à sujeição pelo discurso pedagógico, que produtora de uma nova linguagem
autônoma. Destaca uma infância escolar que tem seu discurso cerceado, na tentativa de ser
disciplinado, na maioria das situações.
O disciplinamento desses discursos se dá através de várias técnicas dentro das relações
de poder, inclusive por meio das formas de utilização pedagógica dos espaços escolares. Esses
autores baseiam-se, assim como nós, numa análise Foucaultiana do discurso sobre infância.
Da mesma forma que eles, acreditamos numa infância produzida de maneira muito específica
na escola, e uma das formas de observarmos esse processo é através da utilização dos espaços
escolares e da organização dos sujeitos neles (FOUCAULT, 2009b).
E essa é de fato a rotina quase que diária das crianças, sendo quebrada, apenas pelas
aulas de Educação Física,
O espaço é utilizado de maneiras variadas, as crianças sentam no chão para brincar,
ouvir a leitura feita pela professora, para participar de atividades/jogos coletivas com a
orientação da professora ou livre com os/as colegas.
Essa sala de aula tem um banheiro dentro, tem espaços reservados para leitura e
brincadeira no chão. Tem armários com brinquedos diversos, suas carteiras são de tamanho
diferenciado por conta da estatura das crianças, há também livros, tesouras, giz cera, e lápis de
cor e massa de modelar aos quais as crianças têm acesso, quando a professora autoriza.
Sentam em círculo ou semi-círculos, tanto nas carteiras, quanto nas atividades realizada no
chão.
Em regra há uma auxiliar de turma ajudando a professora com as crianças. Elas
sempre orientam as crianças a deixarem o ambiente arrumado, limpo, organizado; sempre que
utilizam os brinquedos livros e demais materiais são orientados a reorganizá-los.
Quando há algum recado a ser repassado às família as professoras escrevem na
agenda, explicam oralmente até que fique bem entendido. Por conta da faixa-etária,
obviamente essas crianças são mais dependentes das adultas que as acompanham e orientam.
Recebe entre 25 e 30 alunos de oito anos. Tem uma rotina diária guiada,
primordialmente por atividades no livro, no quadro e no caderno. Sentam-se enfileirados. Nas
paredes da sala há alguns cartazes com o alfabeto, com os números, ou com produções da
turma, há também um suporte com alguns livros infantis, utilizados em leituras coletivas ou
individuais. Não há armários, nem materiais, tampouco brinquedos nessa sala de aula, quando
a professora vai utilizá-los com as crianças vai buscar no almoxarifado da escola, devolvendo
depois. Também não há um espaço separado para leitura ou brincadeiras, devido o número de
carteiras e crianças dentro da sala.
O tempo é gasto em atividades menos lúdicas, mais repetitivas, voltada para a
linguagem escrita, sem a mesma liberdade de movimentação do primeiro ano, é um tempo
mais voltado para a produtividade, se incentiva nas crianças uma maior responsabilidade com
seus estudos e seu material. É uma diferenciação ainda notada pelas crianças, que estão “no
meio do caminho”. Gostariam de ter acesso ao espaço e às atividades que tinham antes, mas já
aderiram ao discurso do “você não é mais bebezinho”. Também, como a turma do primeiro
ano, possui duas aulas de Educação Física semanais, bastante esperada pelas crianças.
Considerações finais
Isso, porque, a análise discursiva é uma discussão que pode aparentar abstrata, mas
carregada de força de ação sobre as condutas práticas e subjetivas das crianças. Que mantém
com a escola uma relação bastante vinculada aos processos afetivos, ligadas aos tempos às
formas, ás pessoas e aos espaços que a compõe, demonstrando como sua organização interfere
no comportamento das crianças na escola, e isso tem a ver tanto com a faixa-etária-maturação
quanto com as diferentes formas de organização do espaço-tempo escolar e dos sujeitos nele.
Há, ainda, muito mais a necessidade da escola de sujeitar esse/as discentes que de ouvi-
los, o que existe é a conformação de seus discursos por meio do discurso pedagógico,
produzindo uma infância específica para cada fase escolar, utilizando para isso, também uma
organização do tempo e do espaço particular a cada faixa-etária, evidenciando assim um
currículo do corpo, das disciplinas diferenciados para cada uma delas.
Ficamos com impressão que, no processo de disciplinamento dos corpos, as crianças
das primeiras séries do Ensino Fundamental, principalmente a partir do segundo ano, são
sujeitos que se expressam muito bem sobre o que preferem ter e ser na escola, porém têm seus
discursos infantis silenciados, têm suas resistências marginalizadas, pois, na escola, parece
haver pouca possibilidade de entendimento das suas formas de expressão, que são ricas.
REFERÊNCIAS
ARIÉS, P. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. 2.ed. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981.
ACORSI, Roberta. Educação uma questão de tempo?As escolas de turno integral. In:
SARAIVA, K, e SANTOS, I. Educação contemporânea e artes de governar. Canoas: Editora
da ULBRA, 2010. (p. 85 – 104)
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 9. ed. São Paulo: Loyola, 2009a, p.79.
______, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 36ª ed. Petrópolis: Vozes.
2009b, p. 291.
PAGNI, Pedro Ângelo. Infância, Arte de Governo Pedagógica e Cuidado de Si. Educação e
realidade, Porto Alegre, v.35, n.3, 2010, p. 99-123. Editora UFRGS. Disponível em:
http://www.ufrgs.br/edu_realidade
SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Trad. de Vera Ribeiro.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a educação. Belo Horizonte: autêntica, 2007a, p. 159.