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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS


CAMPUS DE VILHENA - RONDÔNIA

POLIANA DO CARMO DE OLIVEIRA

A ARTE DA TRADUÇÃO:
A tradução como um conceito de transcriação do capítulo XXXVIII do livro de Jó
no livro Bere’Shith

Vilhena – Rondônia
2024
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS
CAMPUS DE VILHENA - RONDÔNIA

POLIANA DO CARMO DE OLIVEIRA

A ARTE DA TRADUÇÃO:
A tradução como um conceito de transcriação do capítulo XXXVIII do livro de Jó
no livro Bere’Shith

Vilhena – Rondônia
2024
POLIANA DO CARMO DE OLIVEIRA
A ARTE DA TRADUÇÃO:

Monografia elaborada para aprovação na


disciplina de Monografia I, apresentada ao DELL –
Departamento Acadêmico de Estudos Linguísticos e
Literários -, do Curso de Letras (habilitação em língua
portuguesa e respectivas literaturas), do Campus da
UNIR – Universidade Federal de Rondônia, em Vilhena.
A área de concentração é a de Estudos Literários e foi
orientada pelo Prof. Josias Kippert

Vilhena – Rondônia
2024
POLIANA DO CARMO DE OLIVEIRA

A Arte da Tradução:
A tradução como um conceito de transcriação no capítulo XXXVIII do livro de Jó
no livro Bere’Shith

Esta monografia foi julgada e para obtenção de graduação em


Letras, da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Vilhena.

Profª. ___________________________
Chefe do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários

BANCA EXAMINADORA

Prof. ________________________
Ms. Josias Kippert
Orientador

Profª. _______________________
Dr. Ana Carolina Lopes
Membro

Prof. ________________________
Ms. Rômulo
Membro
Aos meus pais e aos amantes da literatura.
Agradecimentos especiais

Acima de tudo, agradeço ao Criador, dono dos meus dias.


Aos meus pais, José Coelho de Laia e Benedita do Carmo de Oliveira, meus
grandes heróis.
Ao meu esposo Marcelo Tognon, por compreender meu esforço.
Aos meus filhos Enzo e Ana, minha maior fonte de inspiração.
Aos meus dez irmãos que tornaram minha infância mais divertida e alegre.
Ao invés de tomar a palavra
Gostaria de ser envolvido por ela
e levado bem além de todo começo possível.

Michel Foucalt
RESUMO (refazer)

PALAVRAS-CHAVE: Transcriação, Tradução, Poesia Bíblica.


SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO............................................................................................................. 10

CAPÍTULO I - Uma breve história da tradução bíblica..............................................12

1.2 A transcriação como um ato criativo .............................................. .................16

CAPÍTULO II - O Livro de Jó: O poético na trancriação do capítulo 38...................19

1.2 Ritmando o destino: A retórica divina

2.1 A importancia da transcriação na literatura bíblica ............................................26

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 43

BIBLIOGRAFIA..............................................................................................................44
1 INTRODUÇÃO

A linguagem proporciona uma conexão do homem com o mundo. A necessidade


de expressão e comunicação é inerente ao ser humano, e desde a antiguidade, é
notável que a língua desempenha esse papel vital, unindo e fortalecendo um povo.
Diante a diversidade linguística existente e a busca por explicação para o
surgimento dessas línguas surgem as narrativas. Um exemplo, é a narrativa bíblica da
torre de Babel, relatada no livro de Genêsis 11:1-9, no qual os homens falavam a
mesma língua e decidiram construir uma torre que alcançasse no céu, com intuito de
permanecerem juntos e adquirirem poder. Porém, Deus não se agradou dessa decisão,
e afirmou que, sendo um só povo e falando uma só língua, foram capazes de tamanha
ousadia, “logo, nada poderá impedir o que planejam fazer” (Genêsis 11:6). E então,
confundiu a língua que usavam, criando assim uma pluralidade de idiomas.
É fato, que o surgimento da pluralidade linguística implicou a necessidade da
tradução, visto que seria impossível o acesso a outras culturas sem o papel do
mediador- tradutor, promovendo essa integração.
Traduzir é a arte da recriação. Embora, essencial na criação do elo entre autores
e leitores de línguas diferentes essa atividade literária nem sempre recebe seu devido
valor. É sobre a arte de traduzir e na perspectiva da transcriação que essa pesquisa
propõe abordar. Esse método de tradução foi balizado e utilizado por Haroldo de
Campos como conceito teórico e colocado em prática na transcriação de trechos da
Bíblia, mais especificamente do livro de Jó, na obra “Bere’shit (A Cena de Origem)”.
De acordo com Fabri (1958 apud Campus 1992, p. 31), “a linguagem literária não
pode ser traduzida, pois a tradução supõe a possibilidade de separar sentido e palavra,
daí surge a possibilidade de recriação”. Nesse sentido, toda vez que alguém traduz um
texto, está recriando sua mensagem em alguma medida, vertendo informação estética
de um idioma de partida para um idioma de chegada. Apontaremos, pois, na presente
pesquisa o processo de transcriação efetuado no capítulo 38 do livro de Jó.
A palavra “traduzir” vem do latim “traduco, transduco, is xi, ctum, cere”, e significa
“conduzir além, transferir, divulgar, verter” (HOUAISS, 2009). Em outras palavras, no
processo tradutório, somos conduzidos para além do que está posto (em alguma
medida) e, com Haroldo de Campos, não foi diferente.
Segundo Venturotti (2009), Haroldo de Campos trocou as temíveis traduções por
transcriações. Seu objetivo não é mostrar uma suposta “autenticidade” ou “verdade”
textual, despercebida por outros tradutores, mas poetizar em estilo próprio a imagem
que lhe evoca a leitura do original.
Poeta, ensaísta e tradutor, Haroldo Eurico Browne de Campos, nascido em 19 de
agosto de 1929, em São Paulo, revolucionou a poesia brasileira e deixou seu nome
gravado no rol dos grandes autores. Juntamente com seu irmão, Augusto de Campos e
o poeta Décio Pignatari, idealizou o movimento da poesia concreta no país. O
concretismo tinha como estrutura a valorização da forma, e da comunicação visual.
Haroldo implementou um novo conceito de tradução literária, a transcriação, que
qualquer tentativa de conceituar poderia ser frágil, afirmaríamos apenas, que se trata de
uma postura fiel ao original, “atenta aos modos de construção do poema”
(Nóbrega,1998, p.250).
Aprendeu diversos idiomas, como: Latim, inglês, espanhol e francês e traduziu
autores clássicos, dentre eles: Dante, Johann Goethe e Vladimir Maiakósviski. Estudou
hebraico para a transcriação de Bere’shith e afirmou: “Estudar uma língua nova é
descobrir uma nova poesia enquanto fazer diferenciado.”
Haroldo de Campos, poetiza em seu próprio estilo, a partir da imagem que o
texto lhe sugere, reconhecendo que a essência da tradução é o estatuto da
impossibilidade, e baseado nesse pressuposto realiza suas transcriações.
A Bíblia é uma obra milenar fantástica. Um livro único na história da humanidade.
Contém em suas belíssimas páginas, a descoberta, a história e um dos traços
importantes da literatura, a capacidade de ressignificar.
Discutir o conceito de transcriação Haroldiana aplicado a Bíblia Sagrada,
particularmente, no capítulo 38 do livro de Jó, justifica-se pela necessidade de
compreender como se realiza o processo de transcriação na tradução bíblica,
contribuindo com os estudos na área da tradução poética bíblica. O tema, apesar de
pouco explorado pela academia, possui extrema relevância no cenário sociocultural, já
que a Bíblia é um dos livros mais lidos no mundo, e seu conteúdo poético, é, muitas
vezes, desapercebido pelo automatismo cotidiano.
Assim, os resultados desta pesquisa podem ser aplicados em diversos estudos
acadêmicos e teológicos, dado seu riquíssimo valor literário e questões filosóficas.
Desta forma, o presente trabalho estabeleceu como problema de pesquisa, quais
os principais aspectos do conceito de transcriação e sua aplicação na tradução do
capítulo 38 do livro de Jó. E tem como objetivo geral, analisar os principais aspectos do
conceito de transcriação e descrever sua aplicação no referido capítulo. Para alcançar o
objetivo geral, os objetivos específicos serão: Conceituar o processo de tradução,
conceituar o processo de transcriação, discutir a importância da transcriação na
tradução da literatura bíblica e sua aplicação na tradução do capítulo 38 do livro de Jó.
O presente estudo consiste em pesquisa aplicada de caráter descritivo, que visa
analisar os principais aspectos do conceito de transcriação e descrever sua aplicação
na tradução do capítulo 38 do livro de Jó. Nesse sentido, os resultados serão
apresentados de forma qualitativa, a partir da coleta de informações de fontes
secundárias, incluindo revisão bibliográfica de autores consagrados no meio literário, a
Bíblia Sagrada, produções científicas e teses aprovadas.
2. UMA BREVE HISTÓRIA DA TRADUÇÃO BÍBLICA

É inadmissível, estudar a história da tradução sem considerar a Bíblia uma fonte


primordial. Foi a partir da tradução de textos religiosos, que conduziram as primeiras
reflexões sobre o método de crítica e pesquisa em tradução. De acordo com Gentzler:

O começo da reflexão sobre a tradução se situa no mundo ocidental em


meados do século I a.C.(...) Durante séculos, as reflexões sobre a tradução se
procederam, principalmente, da prática dos tradutores. Pode-se dizer que a
teoria esteve marcada pelo caráter empírico da atividade, produto da tradução
de textos clássicos, da Bíblia e de obras literárias. (GENTZLER,2009, p.597)

Os primeiros relatos da tradução da Bíblia Hebraica ocorreram por volta de 200


a 300 anos A.C com a Septuaginta, no Egito. Trata-se da tradução da (Torá) Antigo
Testamento do hebraico para o grego. A origem do nome septuaginta, que provém de
setenta, deve-se à lenda:
surgida com a Carta de Aristéia a Filócrates [...], segundo a qual a
Bíblia dos LXX teria sido o resultado do trabalho de 72 escribas, seis
de cada tribo de Israel, que foram trazidos da Palestina para
Alexandria pelo rei Ptolomeu II Filadelfo (285-247); reunidos na ilha
de Faro, teriam executado o seu trabalho de tradução em setenta e
dois dias. (ASSOCIAÇÃO LAICAL DE CULTURA BÍBLICA, 2000, p.
158)

De acordo com relatos históricos a versão da septuaginta foi a mais utilizada


para as traduções posteriores. Dando origem a uma polêmica no âmbito tradutório,
pois, enquanto para uns a tradução de textos sagrado tratava de uma verdade
incontestável, para outros, uma blasfêmia, pelo comprometimento da originalidade e
autenticidade. Em vista disso, a tradução bíblica provocou uma discussão sobre a
traduzibilidade e intraduzibilidade de um texto, o que mais tarde se tornaria em diversas
perspectivas teórico metodológica.
Segundo historiadores, outra tradução que ganhou destaque foi a Vulgata de
São Jerônimo do grego e hebraico para o latim, aproximadamente 400 D.C. O termo
vulgata que significa, “divulgado, difundido” foi a versão usada na idade média,
principalmente em Roma, e originou outras traduções que se espalhou por todas as
regiões.
A versão resultante ficou conhecida como a Vulgata (“versão comum”), a
qual levou séculos para suplantar suas predecessoras Antigas Latinas em
algumas das áreas mais distantes, tais como a Europa setentrional. No fim, as
cadências sonoras da Vulgata asseguraram-lhe lugar firme na liturgia da
Igreja Católica. Como reação à orientação bíblica da Reforma protestante, a
Igreja Católica declarou a Vulgata como a única suficiente e exigiu-se de
todas as demais traduções da Bíblia que nela se fundamentassem até que
1943, quando foi permitido aos estudiosos católicos trabalhar a partir das
línguas originais. (GOTTWALD, 1988, p. 130)

Por volta de 1382, com o propósito de evangelização, Jhon Wycliffe iniciou a


tradução da Bíblia para o inglês, pois Wycliffe contestava a forma que a igreja utilizava
os textos sagrados na época para se beneficiarem, já que a população pobre não tinha
acesso ao livro sagrado. De acordo com Oliveira (2000) essa tradução, desaprovada
pelo clero, permitia que membros do povo tivessem acesso a textos que eram restritos
ao círculo de clérigos e doutores da Igreja.
Segundo o historiador bíblico Antônio Giraldi (2013), em (1373-1415) Martinho
Lutero, com o intuito de evangelização e pautado nos ideais da reforma eclesiástica,
traduziu a Bíblia para o alemão, em uma linguagem popular, porém atenta ao texto
original.
Lutero foi o primeiro tradutor da Bíblia a se preocupar não apenas com a
fidelidade da tradução aos textos originais, mas também com a fidelidade à
língua falada pelo povo. Embora não conhecesse os princípios linguísticos de
equivalência dinâmica ou funcional, usados nas traduções modernas, ele
conseguiu traduzir a Bíblia para o idioma alemão falado pelo povo alemão de
seu tempo. Foi ele o precursor das traduções da Bíblia em linguagem popular
ou ‘na linguagem de hoje’, feitas pelas Sociedades Bíblicas a partir da segunda
metade do século XX (GIRALDI, 2013, p. 30).

Com o surgimento e expansão do cristianismo, surge também a necessidade de


uma linguagem acessível ao povo e de fácil compreensão, intensificando a prática da
tradução bíblica. Pautado em relatos histórico, ao final do século XIX, a Bíblia estava
traduzida em 71 línguas, e atualmente, segundo dados da Sociedade Bíblica do Brasil,
700 idiomas já tem a Bíblia em sua língua materna. Com a descoberta de novos
manuscritos, a evolução das línguas e o avanço teológico, a necessidade da tradução
se intensificou. Sendo hoje, um dos livros mais vendido e traduzido no mundo, a Bíblia
Sagrada. Pois,
de fato, a tradução bíblica tem gerado mais dados em diversas línguas do que
qualquer outra prática de tradução: é uma atividade detentora de sólido legado
histórico, que alcança muitas pessoas nas mais diversas culturas e envolve
mais tradutores de origens diferentes do que qualquer outra prática na área.
Também em termos genéricos, a tradução bíblica abrange todos os campos,
pois, no texto, se encontram passagens de poesia e prosa, narrativa e diálogo,
parábolas e leis (GENTZLER, 2009, p. 73).

O avanço das traduções implicou o surgimento de diversas linhas de


sistematização de métodos de tradução. Pautado nos mais diversos objetivos, essa
produção repercute na aproximação entre tradução bíblica na prática, e estudos em
teoria da tradução. Dentre as diversas abordagens teórica- metodológica de tradução, a
que tem se destacado desde os primórdios, foi a incumbência em levar as pessoas uma
linguagem acessível, e que, simultaneamente, considerasse o texto original. De acordo
com Gottwald:
O que caracteriza o atual período nos estudos bíblicos [...], é a explosão de
várias metodologias, cada uma alegando entender uma característica
importante negligenciada ou rebaixada [...] da estrutura e do significado da
Bíblia Hebraica. Não está claro até que ponto estes métodos mais recentes
são mutuamente exclusivos ou potencialmente compatíveis, ou possivelmente
até complementares ou necessários um para o outro. (GOTTWALD, 1988, p.
32)

Porém, em Haroldo de Campos temos um interesse totalmente distinto. Há uma


busca pela poesia, sem qualquer influência religiosa, todavia, para Campos, não há
divergência entre o sagrado e o poético. Segundo Campos,
Minha aproximação do texto bíblico – assinale-se- é laica. Estou primacialmente
interessado em poesia. Por outro lado, como ver incompatibilidade entre
sacralidade e poeticidade? (Campos:2019, p.19)

É a partir dessa percepção poética Haroldiana, que este estudo se propõe a


analisar a transcriação do capítulo 38 do Livro de Jó, que compõem a tríplice bíblica
do livro Bere’shit (A cena de origem). Para tanto, pretende-se evidenciar os recursos
poético presente na transcriação, comparando-os simultaneamente com a tradução da
Bíblia de Jerusalém, por meio de técnicas da poesia moderna. Conforme afirma
Campos,
Meu intento ao trabalhar com a Bíblia Hebraica, nunca foi fazer a tradução
integral do texto bíblico. Pretendi antes, estabelecer um modelo constrativo,
mostrar aquilo que poderia ser feito com a poesia hebraica Bíblica, através da
aplicação das técnicas da poesia moderna, ao trabalho tradutório ou “trans-
criação”. (CAMPOS,2019 p.145)

Alicerçado em técnicas da poesia moderna, Haroldo realiza esse magnífico


trabalho, explorando a sutileza da poesia Bíblica Hebraica, muitas vezes, negligenciada
nas traduções. Seu objetivo é poetizar a partir da leitura do original, demonstrando a
força impetuosa de uma linguagem, “tersa e tensa, como fios retorcidos num cabo”
Campos (2019, p.19).
3. A TRANSCRIAÇÃO COMO ATO CRIATIVO

Salientamos, que qualquer tentativa em denominar o termo transcriação


Haroldiana, evidencia uma tarefa difícil, devido ao uso de diferentes termos como:
transcriação, transluciferação, transluminação, utilizados em seus textos com a
evolução do seu trabalho tradutório.
Entretanto, uma compreensão mais abrangente do termo insólito, transcriação,
exige uma fundamentação teórica. De acordo com Fabri (1958 apud Campos 1992,
p.31), ensaísta da revista alemã Augenblik, a linguagem literária “não tem outro
conteúdo se não sua estrutura” e a partir dessa estrutura também denominada
“sentença absoluta” e intraduzível, surge a necessidade da tradução, oriunda da
divergência entre o “significante e significado”.
Nesse mesmo texto da revista alemã Augenblik, o filósofo e crítico Bense, (apud
Campos,1992, p.32) faz uma distinção entre os tipos de informações, que são estas:
“informação documentária, informação semântica e informação estética”. Vamos à
exemplificação destas informações:

Informação é todo processo de signos, que exibe um grau de ordem. A


informação documentária reproduz algo observável, (...) uma sentença- registro.

A informação semântica transcende a documentária, (...) acrescentando algo


novo que em si mesmo não é observável, um elemento novo.

A informação estética transcende a semântica, no que concerne a


imprevisibilidade, à surpresa, à improbabilidade na ordenação dos signos.
(CAMPOS, 1992, p.32)

Diante a exemplificação de Bense compreendemos que enquanto a informação


documentária, e semântica, permitem a substituição e a reconstrução, a possiblidade
de substituição na informação estética é mínima. Partindo do princípio da
introduzibilidade, segundo Bense (apud Campos,1992, p,33) sempre que houver uma
reconstrução ou tradução “em outra língua, será uma outra informação estética, ainda
que seja igual semanticamente”. Linguagem diferentes que fazem parte de um mesmo
sistema.
Segundo Paulo Ronai (apud Campos,1992, p.34) “a tradução é arte. [...] pois o
tradutor se empenha em traduzir o intraduzível”. Adjetivo esse “intraduzível” que reflete
o impasse da impossibilidade. Mediante essa assertiva Campos afirma:
Então, para nós, a tradução de textos criativos será sempre recriação, ou
criação paralela, autônoma, porém, recíproca. Quanto mais inçado de
dificuldade esse texto, mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade
aberta de recriação. (CAMPOS,1992, p.35)

É esse texto cheio de dificuldade, que Campos encara como “sedutor”, e “aberto
a recriação”. Onde não se traduz apenas o significado, mas, o “próprio signo”. Uma
tradução atenta para os aspectos sonoros e visual, em que há semelhança com a sua
denotação. Campos deixa claro sua intenção ao traduzir a poesia bíblica conforme
descreve em nota prévia do livro Bere’ shith. Vejamos:

Enfatizarei, apenas, que não busco, em minhas traduções bíblicas, uma


suposta “autenticidade” ou “verdade” textual. Meu empenho está em alcançar
em português, (...) uma reconfiguração – em termos de “transcriação” – das
articulações fonossemânticas e sintático-prosódicas do texto de partida
(CAMPOS, 2019, p.11).

Nota-se na tradução poética de Haroldo essa capacidade de reorganizar o texto


atribuindo uma nova forma atenta ao som e sentido. Segundo Campos (1992, p. 35), o
grande exemplo de “tradutor-recriador, é sem dúvida, Ezra Pound”. Para Pound (apud
Campos,1992, p.37), tradução é uma “modalidade da crítica”. E aponta que as duas
funções da crítica são: “Tentar teoricamente antecipar a criação, e a escolha; [...]
eliminação de repetições.”
Uma tradução que procura vivificar o passado literário da obra, por meio da
escolha, eliminando as repetições, e experiente manuseio da logopéia (a dança do
intelecto entre as palavras), é assim que Pound se lança ao ofício da tradução de
poemas chineses e peças japonesa.
Dentre o projeto concretista em que Haroldo de Campos se inseriu, de uma
reformulação da poética brasileira, uma tarefa de tradução, pautada em uma concepção
Poundiana de uma tradução criativa. Tradução esta, que segundo Campos (1992, p.
43) “é antes de tudo, uma vivência interior do mundo e da técnica do traduzido.” Como
se a língua, este objeto vivo, passasse por um processo de experimentação nesse
laboratório de criação, onde conta com a experiente técnica do criador.
Um laboratório de textos, em que artistas, linguistas e acadêmicos trabalhem em
conjunto, sem preconceitos teóricos, é o que propõe Campos (1992, p.47) “num produto
que só deixe de ser fiel ao significado textual para ser inventivo [...] que transcenda a
fidelidade ao significado para conquistar uma lealdade maior no espírito do original
transladado.” Ou seja, uma tradução em que o signo estético e sua carga conceitual
seja a preocupação do tradutor, nessa oficina de recriação.
O LIVRO DE JÓ: O POÉTICO NA TRANSCRIAÇÃO DO CAPÍTULO 38

Este capítulo visa realizar a análise da transcriação poética realizada por Haroldo
de Campos no capítulo 38 do livro de Jó. Portanto, faz-se necessário tecermos uma
síntese do livro, e em seguida, apresentar um quadro sinótico do capítulo 38, com a
transcriação do livro Bere’Shith e a tradução da Bíblia de Jerusalém, edição de 1973,
em língua portuguesa, diretamente dos originais. A presente análise, será pautada na
transcriação de Haroldo, sendo a tradução da Bíblia de Jerusalém uma base
fundamental para comparação dos textos.
O décimo oitavo livro da Bíblia, do antigo testamento, é o livro intitulado Jó. Sua
autoria é desconhecida, e mesmo existindo inúmeras especulações que os possíveis
autores seriam Moisés, Jó, ou até mesmo Eliú, não há nenhuma comprovação que
sustente tais argumentos. O livro tem como tema central a soberania de
Deus e o sofrimento humano. Construído por quarenta e dois capítulos,
o livro inicia com os primeiros dois capítulos em prosa narrativa,
prossegue com diálogo poético, e no seu desfecho retoma a prosa.
A fascinante história de Jó narra que, certa vez, havia na terra de Uz um
homem chamado Jó. Ele era íntegro, justo e temente a Deus. Jó tinha sete filhos e três
filhas, possuía muitos bens, e era o homem mais poderoso do oriente.
Certo dia, quando os anjos se reuniram na presença de Deus, satanás estava
entre eles. Na ocasião, Deus quis saber de onde ele estava vindo e se havia
observado seu servo Jó, pois não havia homem tão íntegro e correto como ele em toda
a terra. Então satanás incita a Deus, dizendo que é fácil ser justo, sendo abençoado.
Porém, se tirasse tudo dele, certamente esse seu servo fiel o amaldiçoaria.
Então Deus permitiu que satanás tirasse tudo que Jó possuía, porém não
tocasse nele. E, em uma sequência de tragédias, ele perde os filhos, as ovelhas os
bois, e os empregados. Ao ser comunicado dos fatos trágicos, rasgou o seu manto,
raspou a cabeça, ajoelhou-se e adorou ao Senhor.
Posto isto, Deus volta a perguntar a satanás, se ele tinha observado como seu
servo Jó havia permanecido fiel. Então satanás retruca, dizendo que Jó só havia
permanecido fiel porque estava com saúde. Então permitiu que ele lançasse uma
terrível doença sobre Jó, mas não tirasse a sua vida.
Diante tantos obstáculos, não faltaram vozes incitando-o a abandonar sua fé
perseverante em Deus. A esposa tenta convencê-lo que Deus não é merecedor da sua
fidelidade. Três amigos tentaram persuadi-lo de que a causa da sua tragédia era
consequência do seu próprio pecado. Jó se defende e afirma ser inocente. Porém,
diante de tudo isso, manifesta o desejo de nunca ter nascido e exige de Deus um
julgamento justo, que o responde, expondo a limitação humana em compreender a sua
grandeza, e os mistérios da criação.
Por fim, envergonhado, arrepende-se do que havia dito e por ter questionado a
justiça Divina, ora pelos seus amigos; Deus o abençoa e ele se torna mais próspero
que antes.

1.1 Ritmando o destino: A retórica divina

Construído em torno do personagem-título, Jó, o protagonista, é


considerado por “alguns estudiosos modernos, desarmonioso”
(Campos,2019, p.57). Esta desarmonia apontada no personagem
central, reflete um Jó contraditório, um personagem que segundo
Campos (2019, p.58) “teria resultado da fusão de duas outras
personagens: Jó, o paciente, herói do relato em prosa moldura do
livro; Jó o impaciente, figura central do diálogo poético que no livro
transcorre.”
O livro de Jó, é uma composição dramática, que se assemelha a
uma peça teatral. Emoldurado em prosa narrativa, as cenas são
apresentadas em versos, estruturado por uma poesia dialógica, em que segundo
Campos, (2019, p.66), “vários diálogos e várias vozes se entrecruzam”.
Essa poesia dialógica considerada a poética do sofrimento se desenvolve no
apelo de Jó ao tribunal Divino, por reparação e explicação para a desgraça que lhe
sobreveio. Incitado pela esposa a abandonar seu Deus, acusado pelos seus amigos,
Jó recorre à justiça Divina, e é surpreendido por um Deus que responde, em uma
dialética persuasiva, que tem como objetivo levar o indivíduo ao alto conhecimento e
reflexão.
Todo esse processo dialético, é compreendido pelo filósofo alemão Friedrich
Hegel como “alfhebung” uma palavra alemã, triádica, que significa: Conservar, negar e
elevar. Traduzida também por superação. Segundo Hegel (1770-1831 apud Konder,
2008, p.25) “a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada
realidade, a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a
elevação dela a um nível superior”. Superação esta que se se encaixa perfeitamente a
crise instaurada na vida de Jó, seguida por um momento de negação, revertida,
segundo Campos “dialeticamente [...] em afirmação luminosa da magnificência da obra
divina”(Campos,2019, p.64).
Segundo a teoria Hegeliana, só e possível ser virtuoso quem já passou pela
tentação e a superou. Baseado na tríade, inocência, mal, e virtude, Jó se revela
resiliente e virtuoso, nessa “dialética que é levada ao extremo no espaço entre Deus e
o homem.” (Campos, 2019, p.60)
Conforme previamente exposto, a análise a seguir será apenas do
capítulo 38, caracterizado como clímax da obra. A presença e
intervenção Divina no meio do caos instaurado na vida de Jó, o
convencendo da fragilidade inerente a condição humana diante a
grandeza de um Deus, é o ápice dessa narrativa.
No intuito de observar a poeticidade latente no ato transcriador, segue a
transcriação realizada por Haroldo de Campos e a tradução efetuada pela Bíblia de
Jerusalém, a fim de realizar uma análise comparativa entre ambas. De acordo com
Pound (2006, p.11) uma abordagem satisfatória para o estudo da poesia é “a contínua
comparação de uma espécime com outra”. Conforme dito no capítulo anterior, as
traduções, na maioria das vezes, são movidas por propósitos teológico e religiosos, e
não poéticos.

Bíblia de Jerusalém Bere’shith

1.– Então Iahweh respondeu 1. E O Nome respondeu a Jó §


a Jó, do seio da tempestade, Do meio da tormenta §§
e disse: E disse

2. Quem é esse que obscurece meus 2. Quem é esse §


designíos com palavras sem sentido? que escurece o desígnio com
palavras §§
não sábias?

3. Cinge-te os rins como um 3. Cinge como um guerreiro teus rins §§§


herói, vou te interrogar-te e tu me Eu te perguntarei §§
responderás e tu me esclarecerás

4.Onde estavas, quando lancei os 4. Onde estavas §


fundamentos da terra? Quando eu fundava a terra §§§
Dize-mo, se és que sabes tanto. Declara-o §§
Se entendes o argumento
5.Quem lhe fixou as dimensões? - 5. Quem lhe fixou os limites §
se o sabes-, ou quem estendeu sobre ela a Caso o saibas §§§
régua. Ou quem estendeu sobre ela o cordão de
medir

6. Sobre quê §
6. Onde se encaixam suas bases, Seus pilares se plantam §§§
ou quem assentou sua pedra angular, Ou quem lançou §§
Sua pedra angular

7. Enquanto exultavam unas §


7. Entre as aclamações dos astros da As estrelas matutinas §§§
manhã, e o aplauso de todos os filhos de E gritavam de júbilo §§
Deus? Todos os filhos de Deus

8. Quem fechou com portas o mar, 8. Quem fechou com portas o mar §§§
Quando irrompeu jorrando do seio Quando ele jorrando §§
materno; Rompeu das entranhas maternas

9. Quando lhe dei nuvens como 9. Quando lhe fiz uma veste de nuvens §§§
vestidos E de brumas foscas §§
E espessa névoa como cueiros; Faixas

10. Quando lhe impus os limites 10. Quando o reduzi a meus termos §§§
E lhe firmei porta e ferrolho, E lhe impus §§
Ferrolho e portas
11. e disse: “Até aqui chegarás e não 11. E disse §§
passarás: Até aqui virás §
Aqui se quebrará a soberba de tuas E não irás além §§§
vagas”? E aqui se deterá §§
Teu orgulhoso escarcéu

12. Alguma vez deste ordens à 12. Acaso em teus dias §


manhã, Comandaste a manhã §§§
ou indicaste a aurora um lugar, Apontas-te à aurora seu lugar?

13. Para agarrar as bordas da terra 13. Para que ela apanhasse §
e sacudir dela os ímpios? A terra pelas fímbrias §§§
E sacudisse fora os malignos

14. Transforma-se como argila debaixo do 14. Quando a cor se muda §


sinete Feito argila sob o selo §§§
E tinge-se como um vestido E tudo assoma §§
Como uma veste de púrpura

15. Ele retira a luz aos ímpios 15. E se tolhe a luz dos malignos §§
E quebra o braço rebelde. E o braço sublevado §§
Se parte

16. Entraste pelas fontes do mar, 16. Acaso chegaste §


Ou passeaste pelo fundo do até as nascentes do mar §§§
abismo? E nos arcanos do abismo §§
Pisastes?

17. Foram-te indicadas as portas 17. Abriram-se para ti §


da Morte, ou viste os porteiros da terra da As portas da Morte §§§
sombra? E contemplaste o umbral do mais
sombrio?

18. Examinaste a extensão da 18. Avaliaste §


terra? As latitudes da terra? §§§
Conta-me, se sabes tudo isso. Declara-me §§
O que sabes de tudo isso?

19. De que lado mora a luz, 19. Qual a via §


E onde residem as trevas, Para a casa da luz §§§
E o escuro §§
Onde é seu domicílio?

20. Para que conduzas à sua terra 20. Para que o possas agarrar §
E lhes ensine o caminho para Junto à fronteira §§§
casa? E incar-lhe §§
O caminho de volta a seu retiro

21. Deverias sabê-lo, pois já tinha 21. Saberás decerto §


nascido e grande é o número dos teus Pois então já era nascido
anos. E o número dos teus dias é
grandíssimo §§§

22. Entraste no depósito da neve? 22. Penetraste §


Visitaste o reservatório do
granizo, Nos celeiros da neve §§§
E avistaste os silos do granizo

23. Que reservo para o tempo da 23. Que eu reservei §


calamidade, para os dias de guerra e de Para os tempos inimigos §§§
batalha? Para os dias de refrega §§
e de guerra?

24. Por onde se divide o 24. Qual a via §


relâmpago, Por onde a luz se difunde §§§
Se difunde o vento leste sobre a E o sirocco se espalha sobre a
terra? terra?

25. Quem abriu um canal para o 25. Quem abriu à torrente um canal
aguaceiro §§§
E o caminho para o relâmpago e o E uma via §§
trovão, Ao trovão reboante

26.Para que chova em terras 26. Para que chova §


despovoadas, Sobre terras de ninguém §§§
Na estepe inabitada pelo homem, Vazias vastidões §§
De homem nenhum

27. Para que se sacie o deserto 27. Para que se fartem §


desolado Desolados desertos §§§
E brote erva na estepe? E vicem §§
Os renovos da relva
28. Terá pai a chuva? 28. A chuva terá um pai? §§§
Quem gera as gotas do orvalho? Ou quem gerou §§
As gotas de orvalho?

29. De que seio saiu o gelo? 29. Do ventre de quem §


Quem deu à luz a geada do céu? Saiu gelo? §§§
E a geada do céu §§
Quem a gerou?

30. Quando se endurece a água 30. Que nem pedra §


como pedra A água se concentra §§§
E se torna compacta a superfície do E a face do abismo §§
abismo? Se retesa

31. Podes atar os laços das 31. Pode atar §


plêiades, As amarras das plêiades §§§
Ou desatar as cordas de Órion? Ou soltar as rédeas de Órion?

32. Podes fazer sair a seu tempo a 32. Fazes que os planetas surjam no seu
coroa, tempo §§§
Ou guiar a Ursa com seus filhos? E a Ursa Maio §§
Podes guiá-la com seus filhos?

33. Conheces as leis do céu, 33. Conheces §


Determina o seu mapa na terra? Os decretos do céu? §§§
Regulas seu influxo sobre a
terra?

34. Consegue elevar a voz até as 34. Elevas tua voz para as nuvens
nuvens, E um dilúvio de água te recobre?
e a massa das águas te obedece? §§§

35. Despachas os raios, e eles vêm 35. Comandas e os relâmpagos


E te dizem: “Aqui estamos”? vêm
E te respondem: “aqui
estamos!” §§§

36. Quem deu sabedoria ao íbis, 36. Quem infundiu


E ao galo inteligência? No íbis sabedoria §§§
Ou quem deu ao galo
inteligência?

37.Quem enumera as nuvens com 37. Quem sábio enumera as


exatidão nuvens §§§
E quem entorna os cântaros do E as ânforas do céu §§
céu, Quem as entorna

38. Quando o pó se funde numa 38. Quando o pó se amalgama §


massa Em massa §§§
E os torrões se conglutinam? E os torrões se aglutinam?

39. És tu que caças a presa para a 39. Rastreias para a leoa a caça
leoa, §§§
Ou sacias a fome dos leõezinhos, E matas a fome aos filhotes de
leão

40. Quando se recolhem nos seus 40. Quando se escondem nos seus covis
covis, §§§
Ou se põem de emboscada nas Quando se emboscam nas moitas à
moitas? espreita?

41. Quem prepara ao corvo o seu 41. Quem prepara a ração do corvo
alimento, §§§
Quando gritam a Deus seus Quando seus filhotes gritam §
filhotes Ao poderoso §§§
E se levantam por falta de E a esmo se agitam
alimento? à míngua de alimento?

O capítulo 38 do livro de Jó é constituído por quarenta e um


versículos, que conduzem para o desfecho da narrativa. Do “meio da
tormenta”, Deus responde ao sofrimento de Jó, com um discurso retórico
persuasivo, demonstrando a fragilidade humana sobre o domínio da criação, à luz da
grandiosidade divina.
Distante dos padrões da métrica de origem grego-latina, há, nos versos recriados
por Haroldo, a predominância do verso livre. O autor utiliza uma tipografia visual da
poesia moderna, com o texto alinhado à esquerda da página, e à direita, preserva o
espaço em branco, acrescido de sinais gráficos disjuntivos, (§) indicadores de pausa.
Vejamos:

1. E O Nome respondeu a Jó §
Do meio da tormenta §§
E disse

2. Quem é esse §
Que escurece o desígnio com palavras §§
Não sábias?

3. Cinge como um guerreiro teus rins §§§


Eu te perguntarei §§
E tu me esclarecerás

Imediatamente salta aos olhos uma característica significativa que diferencia


visualmente a transcriação de Haroldo, da tradução da Bíblia de Jerusalém. O emprego
do sinal disjuntivo, marcados graficamente pelo símbolo indicador §§§ (pausa maior), §§
(pausa média) e § (pausa menor) com o propósito de enfatizar as pausas nessa tradução
tipográfica. Para Haroldo, estes indicadores de pausas, ostentatórios, tornariam mais
evidente os espaços em brancos, tornando notável “a pneumática, ou respiração do
texto.” (Campos,2019, p.22)
A ousadia construtiva na estrutura visual do texto, inserindo os sinais disjuntivos
no final dos versos consolida o ritmo dessa poesia. A escassez de pontuação é
compensada pela pausa imposta com a inserção do sinal disjuntivo insinuando uma
“partitura prosódica” (Campos,2019, p.22), compreendida como uma representação
gráfica que descreve o padrão rítmico dos versos e reflete a musicalidade do diálogo.
Os recursos sonoros são cuidadosamente elaborados nos versos, com o uso da
aliteração e assonância. A consoante sibilante “S”, nas palavras,
(disse/esse/escurece/palavras/sábias/ rins/esclarecerás) reproduz no diálogo, um som
agudo que se estende no tempo. Este som é entrecortado pelo emprego da consoante
fricativa “c”, (escurece/cinge/esclarecerás) em que o ar, ao sofrer uma resistência ao
emitir o som, provoca um ruído que reproduz o cicio do vento ao cenário de tormenta. A
assonância da vogal semifechada “e”, nas palavras, (disse/esse/escurece/cinge)
exprimem um fechamento que corresponde ao estreitamento da situação vivida pelo
personagem (Jó).
Ao passo que, a Bíblia de Jerusalém apresenta os versos do capítulo 38 em uma
disposição gráfica centralizada e seguindo os sinais de pontuação estabelecido.
Observe:
1.– Então Iahweh respondeu
a Jó, do seio da tempestade, e disse:
2. Quem é esse que obscurece meus desígnios
Com palavras sem sentido?

3.Cinge-te os rins, como um herói,


Vou interrogar-te e tu me responderás.
Nesta tradução, o livro de Jó é estruturado de forma que evidencia uma distinção
tipográfica entre os capítulos narrativos, e os capítulos que apresentam o diálogo
poético. Há uma separação nítida, entre a prosa e a poesia. Observa-se, que essa
abordagem tipográfica, é empregada no intuito de identificar e delinear visualmente o
que constitui poesia nos versos bíblicos. Sugere-se assim, que a mera aplicação deste
recurso tipográfico, seja suficiente para traduzir os aspectos poéticos presente no texto.
Todavia, compreende-se que a função poética é “uma característica
indispensável, inerente a toda obra poética” (Jakobson,1974, p.129). Portanto, um
princípio fundamental que rege a linguagem poética, e parte integrante das seis funções
da linguagem elencadas por Jakobson. Segundo Campos (2019) as traduções das
versões de confronto, dentre elas, a Bíblia de Jerusalém, são movidas por propósitos
religiosos e teológicos, que apesar seu valor, não apresentam, o “interesse poético”
presente em sua transcriação, regido “pelos critérios operacionais da função poética”.
Isto posto, Haroldo de Campos, transcria os versos bíblicos de Bere’Shith,
pautado no método de reconfiguração poética da linguagem, que se baseia no
princípio da equivalência dos termos. Segundo Jakobson,

A seleção é feita com base de equivalência, semelhança e dessemelhança,


sinonímia e antonímia, ao passo que a combinação, a construção da sequência,
baseia na contiguidade. A função poética projeta o princípio da equivalência do
eixo de seleção sobre o eixo de combinação (Jakobson,1974, p.130).

Na sistematização do processo de seleção e combinação, em que paradigma e


sintagma se correspondem, a linguagem poética bíblica, muitas vezes apagada nas
traduções convencionais, se desvela nos versos de Bere’Shith.
Ao tratar das particularidades que refletem o diferencial da transcriação de
Haroldo, uma variante significativa empregada, é a tradução da palavra YHVH, pela
expressão “O Nome”. Pois, na tradição judaica a palavra “Deus” não é vocalizada, para
não profanar o sagrado. Esta preferência, segundo Campos (2019), baseia-se em uma
referência citada em Levítico 24,11, “Então, o filho da mulher israelita blasfemou o
nome do Senhor”, conservando, desse modo, a tradição e a indizibilidade.
Observe:
1. E O Nome respondeu a Jó §
Do meio da tormenta §§
E disse
A seleção da palavra “tormenta”, amplia a semantização do contexto em que se
instaura esse diálogo, pois, seu significado extrapola o conceito de fenômeno natural
climático e reflete a desordem interior vivida pelo protagonista.
Enquanto, a Bíblia de Jerusalém optou pela tradução “Iahweh”, pois, não há o
comprometimento em observar e manter a tradição tão significativa para a cultura
judaica. O emprego da palavra “tempestade” demonstra uma tradução mais literal.
Vejamos:
1.– Então Iahweh respondeu
a Jó, do seio da tempestade, e disse:
Ao analisar os apontamentos poéticos na transcriação de Haroldo, observa-se a
sutileza empregada na obtenção dos efeitos paramórficos. No versículo 02, Jó é
desafiado com a pergunta:
2. Quem é esse §
Que escurece o desígnio com palavras §§
Não sábias?
O pronome demonstrativo “esse” no final do verso destaca-se pela pausa
imposta com o uso do sinal disjuntivo, intensificando a ironia do discurso Divino,
evidenciado pela organização estrutural do texto. A palavra “escurece” no seu sentido
literal, traduz o questionamento “enegrecido” de Jó.
Em contrapartida, no verso 2 da Bíblia de Jerusalém, temos:
2. Quem é esse que obscurece meus desígnios
Com palavras sem sentido?
A forma como foi estruturado os versos na tradução da Bíblia de Jerusalém,
desbota a ironia do discurso divino. O uso do verbo “obscurece”, ou seja, tornar turvo o
“desígnios”, vontade de Deus, denota um cuidado em ferir os princípios étnico e
cultural. O pronome “meus” atrai a atenção para a palavra “desígnios” no final do verso,
enfatizando-o, à medida que, a parte A do verso, “Quem é esse”, torna-se sem brilho.
No versículo 03, Jó recebe a ordem de se preparar para ação, “Cinge como um
guerreiro teus rins”. A comparação, figura de linguagem presente no discurso Divino, é
evidenciada por Haroldo na organização sintática do verso, ao empregar o termo
comparativo “como” próximo do verbo.
3. Cinge como um guerreiro teus rins §§§
Eu te perguntarei §§
E tu me esclarecerás
Na tradução da Bíblia de Jerusalém, encontra-se:
3.Cinge-te os rins, como um herói,
Vou interrogar-te e tu me responderás.
Apesar de sutil, a escolha lexical nesse contexto, resulta em diferença semântica
notável. A palavra “herói” utilizada na tradução da Bíblia de Jerusalém, implica uma
conotação mais abstrata e possivelmente mitológica na comparação sugerida no verso.
Os verbos “interrogar-te e responderás” implicam uma formalidade ao diálogo,
enquanto a seleção de Haroldo, expressa nos verbos “perguntarei e esclarecerás”
imprimem clareza e objetividade ao discurso.
Ao analisar a Poesia Hebraica Bíblica (doravante PHB) diversos autores
destacaram uma particularidade evidente: O paralelismo. É notável que o paralelismo é a
essência dessa poesia. Ao refletir sobre a PHB, Berlin (2004, apud Júnior, 2012, p.24)
reconhece um discurso elevado e conciso, que explora o domínio do paralelismo e das
imagens nos versos.
Conforme descreve Junior (2012), em sua tese de mestrado intitulada “Uma
introdução Geral à Poesia Hebraica Bíblica” um dos pioneiros em estudo moderno da
PHB, foi o bispo e professor de poesia em Oxford, Robert Lowth. Em 1753, Lowth
introduz a concepção de “parallelismus membrorum, que seria a estruturação de um
verso em duas partes paralelas, ou equivalentes.” (Cloete,1989, p.21 apud Junior, 2012,
p.26). Uma forma particular de expressão semita, caracterizada por expressões
consecutivas, que se assemelham em linhas paralelas.
Após a conceituação de paralelismo aplicado por Lowth à PHB, diversos autores
acrescentaram valiosas perspectivas ao estudo, contribuindo com desenvolvimento do
tema. Conforme mencionado por Roberts (2001, p.54 apud Junior, 2012, p.27) o
“paralelismo é o verdadeiro gênio da poesia hebraica.” No entanto, é importante salientar
que na poesia hebraica, o paralelismo se realiza, não por uma combinação de palavras e
rimas como em nosso idioma, e sim ideias. De acordo com Sternberg (1987, p.386 apud
Junior, 2012, p.23) “na PHB, por exemplo, as estruturas equivalentes (paralelismo)
preservam o núcleo do significado, mas não das palavras.”
Portanto, o conceito mencionado refere-se à organização de ideias e expressões
em uma estrutura harmoniosa ou à disposição de duas ou mais ideias em uma estrutura
que destaca a semelhança ou o contraste entre elas.
Segundo Junior (2012), Robert Lowth, desenvolveu o conceito de paralelismo
bíblico, e classificou-o em três tipos: O sinônimo, o antitético e o sintético. Esta
classificação, foi posteriormente, questionada e ampliada por autores estudiosos da
PHB, acrescentando-lhe novas classificações.
Os versos reconfigurados por Haroldo, resgatam a expressividade da poesia
bíblica hebraica ao explorar esse recurso, cuja riqueza foi negligenciada na tradução da
Bíblia de Jerusalém. O paralelismo transcriado no nível sintático, sonoro, imagético e
semântico, é responsável por produzir a diferença crucial entre a transcriação e a
tradução. Observe:
4- Onde estavas §
Quando eu fundava a terra §§§
Declara-o §§
Se entendes o argumento
No verso quarto destaca-se a presença marcante do paralelismo sintético, em que
a segunda linha, acrescenta e completa a ideia expressa na primeira. Essa correlação
fica evidente nos versos, (Onde estavas / quando eu fundava a terra) em que o segundo
verso complementa o primeiro, em uma interdependência semântica. De forma
semelhante, nos versos (Declara-o / se entendes o argumento), há uma
complementaridade de sentido.
Esta intensificação das ideias, é ainda acentuada na transcriação de Haroldo, ao
explorar o potencial expressivo dos sons nos versos. Segundo Martins (2000), uma das
propriedades da linguagem poética é a expressividade dos sons extraído das palavras.
A força e veemência do discurso persuasivo de um Deus, é reproduzido no verso pelo
som explosivo das consoantes utilizadas. Na aliteração das consoantes oclusivas (T) e
(D), somada a assonância das vogais (a/e) resultando na força da sílaba tônica das
palavras (es-TA-vas/ fun-DA-va/ en-TEn-des) que marcam, compassadamente, a
construção, pelas batidas do discurso.
Na tradução de Jerusalém, verifica-se:
4.Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra?
Dize-mo, se és que sabes tanto.
Mesmo mantendo a estrutura paralelística, não encontramos na tradução de
Jerusalém a sonoridade reproduzida nos versos por Haroldo. Portanto, nota-se que na
seleção dos signos, reside uma diferença que singulariza a transcriação em relação a
tradução.
Segundo a definição de Lowth, (apud Júnior, 2012) o paralelismo sinonímico,
ocorre quando em expressões diferentes a mesma ideia/sentimento se repete. Na
estruturação do verso 5, o paralelismo sinonímico é evidente. Observe:
5- Quem lhe fixou os limites §
caso o saibas §§§
Ou quem estendeu sobre ela o cordão de medir
Os versos (Quem lhe fixou os limites/ Ou quem estendeu sobre ela o cordão de
medir) são expressões diferentes que repetem a mesma ideia, ou seja, a delimitação
territorial imposta pelo Criador.
Em uma simples analogia, a estrutura paralelística da PHB pode ser comparada a
confecção de um bolo recheado, em que o bolo é dividido em camadas, e o recheio faz a
mesclagem das camadas, resultando em um bolo saboroso. Da mesma forma, na PHB,
o verso do meio, (Caso o saibas), pode ser comparado ao recheio do bolo, ligando os
versos. A repetição do pronome interrogativo (Quem) intensifica de forma irônica, nesse
diálogo retórico, a desconstrução da identidade de Jó. No verso A, o pronome
interrogativo (Quem) é acrescido pelo pronome pessoal “lhe”, e substituído no terceiro
verso pela expressão, “sobre ela”, ou seja, o paralelismo sinonímico reforçou a ação
expressa pelos verbos fixou/estendeu.
Explorando de forma brilhante o recurso sonoro no paralelismo dos versos, no
verso 6 de Bere’ Shit, temos:
6- Sobre quê §
Seus pilares se plantam §§§
Ou quem lançou §§
sua pedra angular
O paralelismo sinonímico é notável nos versos (sobre quê seus pilares se plantam/
Ou quem lançou sua pedra angular) em que ambos contêm a ideia de pilar/pedra como
base fundamental, alicerce, onde reside a força e a sustentação de uma construção.
O termo (pedra angular) também pode ser compreendido como uma metáfora de
Jesus Cristo, o filho de Deus. Pois, a metáfora se repete no livro Salmos, em que se lê:
"A pedra que os edificadores rejeitaram, foi posta como pedra angular" (Salmos, 118:22)
e no livro de Atos 4,11, temos: “Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a
qual foi posta por cabeça de esquina”. Ou seja, Jesus é a pedra angular, base
sustentável na estrutura de toda criação.
A força dessa sustentação é reproduzida na aliteração da consoante oclusiva
(P) nas palavras, (pilares/plantam/pedra) pela batida explosiva da consoante. A
sonoridade do verso traduz a exuberância da poesia Haroldiana, nessa construção em
que a organização estrutural também é alicerce fundamental do poético.
No versículo 7, novamente encontra-se o paralelismo sinonímico, em que a ideia
expressa em um verso é reforçada em outro verso, usando palavras semelhantes.
Observe:
7. Enquanto exultavam unas §
As estrelas matutinas §§§
E gritavam de júbilo §§
Todos os filhos de Deus
Nos versos (Enquanto exultavam unas/ E gritavam de júbilo) são expressões
diferentes que expressam a mesma ideia de contentamento. Da mesma forma, os termos
(Estrelas matutinas/ Todos os filhos de Deus), convergem para o mesmo sentido, pois,
no antigo testamento o termo estrelas matutinas referia- se a seres celestiais. É notável
que o paralelismo torna a leitura mais saborosa. Em vez de mera repetição, o vai e vem
dos versos, resulta em uma intensificação e esclarecimentos das ideias dispostas no
texto.
Enquanto, a Bíblia de Jerusalém faz as seguintes escolhas lexical, e organização
sintática, em sua tradução:
5- Quem lhe fixou as dimensões? -Se o sabes-,
Ou quem estendeu sobre ela a régua?

6- Onde se encaixam suas bases,


Ou quem assentou sua pedra angular,

7- entre as aclamações dos astros da manhã


E o aplauso de todos os filhos de Deus?
É pertinente notar que na tradução da Bíblia Jerusalém, não há uma
preocupação em reproduzir o aspecto sonoro do texto. A cadência, evidenciada pela
escolha das palavras no texto de Haroldo, é anulada nesta tradução. Há um
rompimento da harmonia textual, empobrecendo a tradução, ao privar o leitor da beleza
da poesia hebraica. Afinal, não se percebe nesta tradução um comprometimento com a
escolha lexical e sua reverberação no sentido. Motivações diferentes que repercutem
no resultado.
O discurso retórico persuasivo de um Deus, Poeta/Criador perdura todo o
capítulo, exercendo seu objetivo proposto: Convencer. Para tanto, as figuras de
linguagem são altamente exploradas, a fim de reproduzir nos versos, imagens que
impressionam e refletem a beleza da criação. A personificação, é um dos recursos da
linguagem utilizado pela PHB na construção da imagem poética. Diante a habilidade
poética detentora, Haroldo de Campos transcria:
8. Quem fechou com portais o mar §§§
Quando ele jorrando §§
Rompeu das entranhas maternas

9. Quando lhe fiz uma veste de nuvens §§§


E de brumas foscas §§
Faixas
As cenas da criação são construídas de forma alegórica. A personificação do
mar, atribuindo-lhe características peculiares que provocam um estranhamento nos
versos 8 e 9, proporciona uma percepção diferente do elemento “mar”. Conforme afirma
Chklóviski (apud Campos, 2019, p.93),
O escopo do paralelismo, como da imagética em geral, é transpor a percepção
usual de um objeto para a esfera de uma nova percepção, isto é, produzir uma
específica modificação semântica.

Na Bíblia, o mar é um elemento simbólico da criação Divina, e representa a força


e o poder. A personificação do mar, do seu parto, no verso (Quando ele jorrando/
Rompeu das entranhas materna), é intensificado pela seleção lexical de Haroldo. Pois,
na escolha das palavras, (rompeu) que significa “dilacerar /quebrar com violência”, e
(entranhas), que significa ventre, a cena do parto é reproduzida com veemência.
Enquanto na tradução de Jerusalém, as escolhas lexicais modificam a cena. Observe:
8. Quem fechou com portas o mar,
Quando irrompeu jorrando do seio materno;
Atente, que ao empregar as palavras (irrompeu/seios) a construção imagética do
parto é rompida, cedendo à cena ao jorrar do leite materno. São pequenas alterações
lexicais, que respingam na semantização do verso, modificando-o.
No verso 09, o estranhamento provocado pela personificação do mar no verso
anterior permanece, e a beleza poética criada ao descrever as nuvens e brumas
vestindo o mar, é inquestionável. Como aponta Cohen (1987), a poesia tem um poder
de encantamento e magia que cabe a poética desvendar. Essa singularidade da
imagem poética é intensificada por Haroldo ao explorar o potencial expressivo dos
sons. Observe:
9. Quando lhe fiz uma veste de nuvens §§§
E de brumas foscas §§
Faixas
A sonoridade obtida pela sucessão das consoantes labiodentais (F) que
reproduz o sopro, e (V) que imita o vento, quando somadas a sibilante (S) e seu ruído
agudo, se condensam, e o vapor atmosférico no processo de transformação da água,
sinestesicamente é reproduzido.
Na tradução da Bíblia de Jerusalém temos as seguintes escolhas:
9. Quando lhe dei nuvens como vestidos
E espessa névoa como cueiros;
Nota-se que a beleza estética do verso é anulada nesta tradução. No emprego
do termo comparativo “como”, a metáfora do verso é rompida, e a seleção da palavra
“cueiros”, sequela com a sonoridade que fortuitamente, havia no verso.
A demonstração de domínio sobre os elementos da natureza em face à
fragilidade de Jó, prossegue de forma inquisitiva, e a ironia, é um dos recursos
estilísticos utilizado para esse fim. Haroldo de Campos se apropria desse recurso e
transcria:
12.Acaso em teus dias §
Comandaste a manhã §§§
Apontas-te á aurora seu lugar?
O advérbio de dúvida “acaso” no início do verso, intensifica a ironia do discurso
divino, pois, o comando do tempo está além do controle humano, logo, a dúvida é
empregada com intuito sarcástico. A aliteração da consoante oclusiva surda (T) e a
força que ela representa, traduz o poder e o domínio sugerido no discurso.
O paralelismo sinonímico nos versos (Comandaste a manhã/ Apontas-te a aurora
seu lugar) evidenciando o domínio do tempo, (manhã/aurora) é recheado pela ironia
que escorre pelo discurso.
Na tradução da Bíblia de Jerusalém, temos:
12. Alguma vez deste ordens à manhã,
ou indicaste a aurora um lugar,
Aqui, o advérbio “acaso” é substituído pela expressão “alguma vez”. O artigo
indefinido “alguma” precede o substantivo, sugerindo uma ocorrência temporal. A ironia
é atenuada pela escolha gramatical e a sonoridade, sutilmente, é mantida com a rima
interna(deste/indicaste).
O caráter irônico do discurso divino prevalece em todo o capítulo, demonstrando
o poder, e declarando o controle, na criação da terra, do mar, do tempo, e dos
fenômenos da natureza. Uma das características da ironia, segundo Alavarce, (2009,
p.31 apud Muecke 1995, p.67) “seria provocar a sensação de liberdade, relacionada
aos sentimentos de superioridade e divertimentos, e simbolicamente, um olhar do alto
de uma posição de poder ou conhecimento interior”. Essa posição de poder, é explícito
nos versos e realçada pela ironia. Observe:
16. Acaso chegaste §
até as nascentes do mar §§§
E nos arcanos do abismo §§
Pisaste?

21. Saberás decerto §


Pois então já era nascido
E o número dos teus dias é grandíssimo §§§
Novamente, as escolhas de Haroldo singularizam e elevam seu texto. Os
advérbios empregados estrategicamente, acentuam a ironia do discurso. O advérbio de
dúvida “acaso” que inicia os versos, 12 e 16, chocam-se como o tom jocoso da certeza
imposta pelo advérbio “decerto”. O adjetivo superlativo absoluto sintético, (grandíssimo)
ao referir a idade de Jó, intensifica a ironia do verso.
Na tradução de Jerusalém, temos:
16. Entraste pelas fontes do mar,
Ou passeaste pelo fundo do abismo?

21. Deverias sabê-lo, pois já tinha nascido


e grande é o número dos teus anos.
Observe que nesta tradução os advérbios são anulados, simplificando os
versos. No intuito de transmitir clareza, o adjetivo é empregado sem o acréscimo do
superlativo, e a vivacidade da ironia se desbota. De acordo com Benjamim (2011,
p.102) “Traduções são algo mais que meras transmissões [...] nelas, a vida do original
alcança de maneira constantemente renovada, seu mais tardio e abrangente
desdobramento”. Portanto, esse desdobramento que a linguagem poética exige é
comprometida nesta transmissão.
Cabe pontuar que dentre as figuras de linguagem que se destacam na PHB , a
metáfora desempenha um papel fundamental na construção das imagens. Segundo
Berlin (2004) a ideia central da poesia é enxergar o mundo metaforicamente, alternando
a forma de ver a realidade. Não obstante, deve-se salientar, a similaridade da
metáfora com o paralelismo. Conforme aponta Junior (2012, p.102 apud Rogers,
2010,p.12) “ a metáfora funciona de maneira semelhante ao paralelismo, pois cria um
relacionamento entre palavras, frases, e linhas etc., estabelecendo equivalência através
da justaposição de imagens”. Portanto, é a forma de recriar a imagem que caracteriza a
transcriação de Haroldo, pois enfatiza a mensagem, a partir da metáfora.
Observe:
12.Acaso em teus dias §
Comandaste a manhã §§§
Apontas-te á aurora seu lugar?

14. Quando a cor se muda §


Feito argila sob o selo §§§
E tudo assoma §§
Como em veste de púrpura
Evidencia-se que as relações de paralelismo não se limitam ao versos
isoladamente, mas podem ser estabelecidos em blocos. Neste contexto, o verso 14, ao
descrever metaforicamente o romper da aurora, complementa o verso 12, e se
estabelece o paralelismo sintético.
Sabe-se que a metáfora é instituída por um processo de intersecção de
significados. No verso 14, a cena do amanhecer é construída de forma que, na
representação da suas cores, constitui-se a metáfora do poder. Pois, na antiguidade, a
“argila sob o selo” era utilizada para firmar acordos, assim como a “veste de púrpura”,
era um tecido caro, vermelho arroxeado, que simbolizava a riqueza e posição social.
Portanto, a autoridade representada pelos símbolos, é a metáfora do domínio Divino
sobre o homem e o universo.
Como já dito anteriormente, no processo de seleção está o diferencial das
traduções. Nesse sentido, na Bíblia de Jerusalém temos:
12. Alguma vez deste ordens à manhã,
ou indicaste a aurora um lugar,

14. Transforma-se como argila debaixo do sinete


E tinge-se como um vestido
Nota-se, que no verso 14, apesar da diferença lexical, o primeiro verso contém o
mesmo sentido da tradução Haroldiana. Já no segundo verso, o verbo “tingir”, foge
totalmente do sentido empregado por Haroldo com o uso do verbo “assoma”. A palavra
“púrpura” foi abolida, e a beleza poética do verso foi apagada.
Observa-se ainda, no segmento dos versos, a presença do paralelismo antitético
no verso 19, em ambas as traduções. Segundo Júnior (2012, p.28) “o paralelismo
antitético seria quando algo é ilustrado pelo seu contrário, ou seja, seu oposto”. Sendo
assim, na oposição de ideias, “Casa da luz/ domicílio do escuro” a dialética Divina
evidencia o jogo de cores, claro/escuro, que mais tarde viria a ser uma característica
da pintura barroca. Simultaneamente, verifique-os:

Bíblia de Jerusalém Bere’ Shith


19. De que lado mora a luz, 19. Qual a via §
E onde residem as trevas, Para a casa da luz §§§
E o escuro §§
Onde é seu domicílio?

Neste caso, observa-se que apesar das escolhas lexicais diferentes, o sentido
permaneceu igual em ambas as traduções. Apenas, o ritmo criado por Haroldo com as
pausas do sinal disjuntivo e a tipografia do texto se diferem. Porém, as pausas
enfatizam os versos à medida que a interrupção abrupta, funciona como um refletor
conduzindo a uma reflexão.
Nota-se na retórica resposta Divina, um desfiar dos seus feitos a cada verso,
demonstrando seu domínio sobre a criação. Um após o outro, os elementos cósmico
da criação são demonstrados, com perguntas que calam a Jó, e revelam a imponência
Divina.
No verso 22, Jó é impelido por Deus com os verbos (penetraste/avistaste), que
apesar de significados diferentes, expressam a mesma ideia, enfatizando a ação
retomada pelo paralelismo sinonímico dos versos.
Observe:
Bíblia de Jerusalém Bere’ shith
22. Entraste no depósito da neve? 22. Penetraste §
Visitaste o reservatório do Nos celeiros da neve §§§
granizo, E avistaste os silos do granizo

Novamente o paralelismo sinonímico evidencia em ambas as traduções, pois, as


expressões (depósito da neve/reservatório de granizo) ou (celeiros da neve/silos de
granizo) encerram em si sentido semelhante. Todavia, diferenciam na expressividade
reproduzida por Haroldo, com emprego de fonemas que auditivamente reforçam a ideia
expressa. A força reproduzida pela combinação das consoantes oclusivas (P/T) nos
verbos (penetraste/avistaste) é reduzida com a escolha verbal (entraste) que inicia o
verso da Bíblia de Jerusalém. Segundo Morier (apud Martins, 1977,p.34) “as oclusivas
surdas, convém a evocação de seres, coisas, atos, qualidades e sentimentos ligados as
ideias de força e intensidade.” Portanto, na seleção verbal de Haroldo, a impressão
sensorial de intensidade é traduzida na sonoridade.
É essa orquestração da linguagem que encontramos na transcriação dos
versos “Do Livro de Jó”, em que a assonância e a aliteração revestem os versículos
em uma exuberante seleção, revelando uma poesia bíblica pungente, digna de estar
entre o cânone. Vejamos:
25. Quem abriu à torrente um canal §§§
E uma via §§
Ao trovão reboante

26. Para que chova §


Sobre terras de ninguém §§§
Vazias vastidões §§
De homem nenhum

27. Para que se fartem §


Desolados desertos §§§
E vicem §§
Os renovos da relva
O ofício de tradutor que conhece e aplica os limites da sua língua se revela na
poética Haroldiana. Nos versos, 25, 26, e 27, observa-se ocorrência do paralelismo
sintético ou construtivo, pois no verso 25, a palavra “torrente” refere-se a uma
abundância de água, e na Bíblia, a água é símbolo de renovação. Portanto os versos
26 e 27, sintetizam a ideia proposta no verso 25.
Na recriação poética de Haroldo, a sonoridade expressiva dos versos 26 e 27,
atinge a percepção imagética e visual do leitor. O jogo sonoro provocado pela
aliteração das sílabas iniciais, (vazia/vastidões) formada pela combinação da
labiodental (V) e sibilantes (Z e S), somado a consoante sonora (D) na aliteração das
sílabas, (desolados/desertos), se imbricam, reproduzindo no som a percepção
imagética da solidão do homem na imensidão do espaço.
Porém, esse cenário de desolação e vazio, é renovado com a abundância da
chuva. O verbo (fartem) além de abundância, traduz uma satisfação de desejos. A
aliteração da consoante vibrante (R) na expressão (renovos da relva) sugere o
rompimento da condição do homem, solitário e vazio, agora com esperança de
renovação pela presença Divina. Segundo Campos:
O homem Jó é levado a perceber que é uma criatura -simples e frágil criatura-
entre outros seres criados, e que seu ângulo de visada não da conta das leis
que engendram a espantosa harmonia do cosmo e que governam o mundo
predatório e conflitivo, mas sempre renovado e ressurgente da natureza, sobre
cujas forças desencadeadas só Deus, no limite, pode ter controle.
(Campos,2019, p.66).

No entanto, esse cuidado com reconfiguração das cenas, apresentada por


Haroldo, culmina na enfatização do domínio e controle Divino. Enquanto, a Bíblia de
Jerusalém, indiferente à função poética, traduz:
25. Quem abriu um canal para o aguaceiro
E o caminho para o relâmpago e o trovão,

26. Para que chova em terras despovoadas,


Na estepe inabitada pelo homem,

27. Para que se sacie o deserto desolado


E brote erva na estepe?
A linguagem se autodenuncia. A desatenção à função poética, mantém a poesia
cativa a língua estrangeira. Conforme afirma Benjamin (2011, p.117) “A tarefa do
tradutor é redimir na própria, a pura língua, exilada na estrangeira, liberar a língua do
cativeiro da obra por meio da recriação”. Todavia, a tarefa proposta não foi executada
nesta tradução.
Destaca-se ainda, na estrutura do capítulo 38, em que inicia a retórica resposta
divina, o uso abundante dos verbos no modo indicativo. Este modo verbal aponta
ações reais, imprimindo verossimilhança e objetividade ao discurso. Os tempos
verbais são alternados em presente, pretérito perfeito e pretérito imperfeito. Na maioria
das ocorrências, conjugado na segunda pessoa do singular (tu), em tom irônico,
inquire a Jó sua atuação, na construção e domínio do universo. Observe no quadro
abaixo os verbos extraídos do texto.

Pretérito imperfeito Pretérito perfeito Presente


Estavas/entendes/regulas/elevas/ Fixou/estendeu/lançou/ Difunde/espalha/enumera/
comandas/rastreias/matas abriu/fechou/gerou/infundiu/deu Entorna/aglutinam/escondem
Emboscam/prepara/gritam/
agita
De acordo com Corôa (2005, p. 48), os verbos na forma do pretérito perfeito,
imperfeito e mais que perfeito, “refletem o mundo mais objetivamente porque são
usados para relatar eventos, estados ou processos já acontecidos e, por isso,
percebidos como mais “reais” por qualquer observador”. Portanto, a enumeração dos
verbos no texto dinamiza o discurso poético, e torna latente a percepção do real.
Ressaltamos que estamos diante de uma narrativa em que a verbalização das
palavras tem o poder de gerar vida e movimento. Observa-se na narrativa da criação
em (Genêsis,1.3) a seguinte ordem: “Deus disse: Haja luz, e houve luz.” E assim
sucessivamente, as ordens eram expressas e a ação realizada. De acordo com Golin
(2013, p.2) estamos na presença de um “Deus-Poietés, Deus que cria mediante a
palavra, verbo em movimento que gera existência ao inexistente. Encontros de beleza,
poesia e vida. Há algo em comum entre o poeta e Deus, ou algo divino no poeta.”
Ambos utilizam a palavra como fonte de criação e a transformação do ambiente.
Portanto, cabe pontuar, que a abundante enumeração verbal do capítulo 38,
pode ser compreendida como um paralelismo construtivo. Pois, no segmento dos
versos, novas ações vão sendo acrescentadas, formando um conjunto de ilustração,
da imponência e soberania divina.
Considerar o paralelismo Bíblico uma simples e monótona repetição mecânica,
derivado de uma limitação linguística, seria uma consideração errônea. Discutindo
sobre esse tema, Jakobson (apud Campos, 2019, p.95) afirma:

O paralelismo perpassante da poesia oral, atinge um tal grau de refinamento,


seja na polifonia verbal, seja na correspectiva tensão semântica, que o mito de
uma primitiva pobreza e escassez de criatividade acaba, mais um vez, por trair
sua inadequação.

Esta grandeza literária é observada por Haroldo de Campos ao expor que seu
objetivo “era vivificar essa poesia primeva [...] altamente elaborada em nosso idioma,
abalando-o criativamente com a violência do seu sopro, evitando que esse alento
fundamental se perdesse ou se edulcorasse (Campos,2019, p.20)”. Graças a esse olhar
atento de poeta/tradutor, atualmente podemos apreciar a beleza da poesia bíblica
contida nos versos do livro de Jó, existente na língua hebraica e ignorada pelas
traduções convencionais, dessa grande literatura sapiencial.

A IMPORTÂNCIA DA TRANSCRIAÇÃO NA LITERATURA BÍBLICA

É indiscutível que por ser considerado um texto sagrado, a Bíblia poucas vezes
tem sido utilizada como base literária no meio crítico e acadêmico. É como se a
transcrição da palavra Sagrado em bonitas letras douradas de sua capa preta, a
estigmatizasse do rol da literatura, servindo apenas para o sermão do domingo à noite
e enfeitar as estantes de nossas casas num ritual de proteção.
Porém, nesse caso rotular é perder.
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Nonada: Letras em Revista, vol. 1, núm. 12, mayo-septiembre, 2009, pp. 1-17 Laureate
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“Enquanto alguns procuram erros na Bíblia e engano nas traduções, um homem
sincero, com uma Bíblia aberta, sem dúvida encontrará bem depressa o que há de
errado consigo mesmo.” A. W. Tozer

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