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EIXO-TEMÁTICO

AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM
1- Avaliar para crescer Ao rever seu trabalho, Cristiane mostrou que está mesmo no caminho
certo. "Não interessa o instrumento utilizado. Pode ser prova, chamada oral,
“No ambiente escolar, a avaliação só faz sentido quando serve trabalho em grupo ou relatório. O importante é ter vontade de mudar e usar os
para auxiliar o estudante a superar as dificuldades” resultados para refletir sobre a prática", explica o consultor e educador Celso
Vasconcelos. Para ele, de nada adianta selecionar novos conteúdos ou métodos
Paola Gentile (novaescola@fvc.org.br) diferentes de medir o aprendizado se não houver intencionalidade - palavra
que ele define, em tom de brincadeira, como "a intenção que vira realidade".
"Enquanto as crianças se perguntam o que fazer para recuperar a nota, os
professores devem se questionar como recuperar a aprendizagem", aconselha.

Mas por que mudar se tudo está correndo bem?


O professor ensina, a criança presta atenção e faz
a prova. Se for bem, aprendeu. Se for mal, azar
- é preciso seguir com o currículo. Esse sistema,
cristalizado há séculos, deposita nos conteúdos
uma importância maior do que eles realmente têm.
Até os anos 60, 80% do que se ensinava eram fatos
e conceitos. A prova tradicional avaliava bem o nível
de memorização das crianças. Hoje, essa cota caiu
para 30%. Além de fatos e conceitos, os estudantes
devem conhecer procedimentos, desenvolver
Notas fechadas, boletins entregues, diários de classe arquivados. Missão competências. E a mesma prova escrita continua a ser aplicada...
cumprida? Não para Cristiane Ishihara, professora de Matemática das 5ªs
séries no Colégio Assunção, em São Paulo. Como faz ao final de cada bimestre,
ela vai pegar as anotações que fez em sala, os resultados dos exames e os Se a missão da escola ao raiar do século XXI é desenvolver as potencialidades
questionários que a turma responde após as provas. Tudo com um objetivo: dos alunos e transformá-los em cidadãos, a finalidade da avaliação tem de ser
avaliar o próprio desempenho. "Dar provas, corrigi-las e entregá-las não é mais adaptada, certo? "Na minha opinião, seu principal papel deve ser ajudar o aluno
suficiente para mim. Preciso saber onde estou falhando para planejar o que e a superar suas necessidades a partir de mudanças efetivas nas atividades
como ensinar", afirma. Cristiane está dando o primeiro e mais importante passo de ensino", define Vasconcelos. "O ideal é que ela contribua para que todo
rumo a um sistema de avaliação escolar justo e motivador. Culpar a criança estudante assuma poder sobre si mesmo, tenha consciência do que já é capaz e
pelas notas baixas, o desinteresse ou a indisciplina nem passa pela cabeça em que deve melhorar", diz Charles Hadji, professor e diretor do Departamento
dela. "Basta que alguns tenham ido mal nas provas para eu saber que preciso de Ciências da Educação da Universidade de Grenoble, na Suíça.
mudar de didática ou reforçar conteúdos".

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É consenso entre os educadores que o 2- O papel do desejo
aprendizado, na sala, não se dá de forma
uniforme.Cada um de nós tem seu ritmo, Quando a escola não leva isso em conta, o estrago é inevitável. Estudos
suas facilidades e dificuldades. Afinal, realizados pela pesquisadora Kátia Smole sobre o impacto da avaliação na
somos pessoas distintas. O que complica auto-estima do indivíduo mostram que os
bastante a vida do professor, que passa a boletins baseados no desempenho em
ter de avaliar cada um de um jeito. "Sim, provas têm apenas uma função: classificar
todos merecem ser julgados em relação os estudantes em "bons" ou "maus", o
a si mesmos, não na comparação com os que tem cada vez menos utilidade. "O
colegas", afirma o espanhol Antoni Zabala, pressuposto de que existe uma inteligência
especialista em Filosofia e Psicologia da padrão está ultrapassado", avalia. Segundo
Educação e professor da Universidade de Barcelona. "Não dá para fugir", ela, o que acaba ocorrendo são desvios
continua ele. "É essencial atender à diversidade dos estudantes." no objetivo maior da escola, que é ensinar.
Ao sentenciar que uns são mais e outros,
menos, o saber fica em segundo plano. "O
aluno valoriza a nota, não o aprendizado",
Ele dá um exemplo. "Que altura deve exemplifica. "Em vez de se relacionar com
pular um jovem de 11 anos?" A resposta é: o mundo, ele só vai querer aprender em troca de prêmio (a nota) e, nesse
"Depende..." Depende de sua potência motora, ambiente, só sobrevive quem se adapta ao toma lá, dá cá."
de suas capacidades físicas e emocionais, das
experiências anteriores e do treinamento, do Mas existe uma conseqüência mais nefasta: tirar da pessoa a vontade
interesse pela atividade e muito mais. de aprender. Afinal, só existe motivação quando há desejo. A pessoa que
não valoriza o saber não tem motivos para cobiçálo. "O antigo sistema forma
pessoas submissas e intolerantes. Quem não consegue atender à expectativa
do professor e da sociedade acaba marginalizado", analisa Kátia.
Por isso, alguns saltam 80 centímetros. Outros, 1 metro. Poucos, 1,20
Antoni Zabala apresenta exemplos bem práticos - e recheados de
metro. "Se estabelecemos uma altura fixa, excluímos os que não conseguirem
comparações com fatos do dia-a-dia - para ajudar a desatar esse grande nó. "O
chegar lá no dia em que a habilidade for medida". Da mesma forma, "quanto"
professor deve ser um misto de nutricionista e cozinheiro", diz ele. "O primeiro
deve saber uma criança? A resposta também é depende. De sua história, dos
preocupa-se em elaborar refeições saudáveis e o outro quer pratos apetitosos.
conhecimentos prévios, da relação com o saber e de incontáveis outros fatores.
No planejamento da atividade, devemos agir como nutricionistas, pensando nas
E não existe ninguém mais capacitado do que o professor para saber "quanto"
competências que o aluno deve desenvolver. Na classe, precisamos atuar como
essa criança domina (ou tem a obrigação de dominar) em termos de conteúdos,
cozinheiros, propondo atividades interessantes e que possam ser executadas
conceitos e competências.
com prazer."

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Na sua opinião, a avaliação completa envolve quatro etapas, tantas quantas É importante frisar que não existe resposta certa ou errada. Ela está no
uma dona-decasa executa ao fazer compras. "Ela vê o que tem na despensa, projeto pedagógico de cada escola. Se a opção é selecionar os melhores e excluir
lista o que falta, estabelece objetivos como preparar refeições balanceadas - e os outros, então a melhor saída é a boa e velha prova. Caso o compromisso
vai ao mercado", descreve. "Lá, ela começa uma série de observações, que seja no sentido de incentivar o aluno a enfrentar desafios, então a conversa
podem mudar os rumos da tarefa original. Se um produto estiver muito caro, a muda de rumo..
saída será buscar outro ponto de venda. Se estiver estragado, terá de ser
substituído por outro de semelhante valor nutritivo." Infelizmente, não existe uma fórmula mágica. Ao contrário. "A escola ideal,
que atenda à formação de cada um individualmente, não existirá nunca. Mas
estabelecer que esse é o horizonte aumenta as chances de acertar o caminho",
Traduzindo para a sala, o professor precisa de objetivos claros, saber o que os
acredita Zabala. Celso Vasconcelos também entende que o sistema tradicional
alunos já conhecem e preparar o que eles devem aprender - tudo em função de
não atende aos objetivos da escola do terceiro milênio, mas acha que é possível
suas necessidades (avaliação inicial). O segundo passo é selecionar conteúdos
democratizá-lo. "Se a nota for dinâmica e servir como indicadora da situação do
e atividades adequadas àquela turma (avaliação reguladora). Periodicamente,
aluno naquele momento, ela pode apontar rumos a seguir".
ele deve parar e analisar o que já foi feito, para medir o desempenho dos
estudantes (avaliação final). Ao final, todo o processo tem de ser repensado, de
"Dar provas, corrigi-las e entregá-las não é mais suficiente para mim.
forma a mudar os pontos deficientes e aperfeiçoar o ensino e a aprendizagem
Preciso saber onde estou falhando para planejar o que e como ensinar".
(avaliação integradora).

A primeira pergunta que professores, coordenadores e diretores devem


3- Idéias de mestre
fazer é: Com que objetivo vamos avaliar? Para formar pessoas ou futuros
universitários? Para classificar e excluir pessoas ou para ajudá-las a
aprender? Para humilhá-las com suas dificuldades ou incentivá-las com
suas conquistas?

"Enquanto as crianças se perguntam o que fazer para recuperar a nota,


os docentes devem sempre se questionar sobre a melhor maneira de
recuperar a aprendizagem"
Celso Vasconcelos

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"O professor tem de ser um misto de nutricionista e cozinheiro para • fez, mas tem certeza de que errou porque não aprendeu;
elaborar refeições saudáveis e pratos apetitosos, ou seja, desenvolver
• se não fez, qual o motivo.
atividades prazerosas e eficientes"
Antoni Zabala.
"Essa foi a maneira que encontrei de colocar a prova a serviço dos
estudantes", explica. Depois de tabular as respostas, ela detecta as dificuldades
"É preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita gerais da turma e as específicas de um determinado grupo, além do nível de
métrica na mão, pronto para medir, julgar e rotular cada um de seus segurança de cada um em relação aos conteúdos. Se a maioria apresentou
estudantes" deficiência, Cristiane ensina tudo de outra maneira. Se alguns não aprenderam,
ela prepara exercícios para ser trabalhados em casa ou na sala.
Luiz Carlos de Menezes.
5- De mestre a parceiro
4- Incentivo ao aprender

É justamente o que faz Cristiane Ishihara. Ela criou um jeito próprio de


melhor aproveitar o exame. Dias depois de aplicá-lo, ela o distribui novamente,
em branco, e pede que cada um responda, para cada problema proposto, se:
Esse método é elogiado por especialistas. "A dificuldade do aluno deve
mesmo ser encarada como um desafio pelo professor", endossa Luiz Carlos
• fez e está seguro de que aprendeu;
de Menezes, físico, educador e um dos autores da matriz de competências do
• fez, mas não está seguro de que tenha aprendido; Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "O importante é que a avaliação esteja
fundamentada, explicando claramente aqueles tópicos em que o estudante
• fez, mas tem certeza de que errou por ter-se confundido na resolução;
avançou e quais ele ainda precisa trabalhar." Sem esquecer, é claro, de mostrar
como isso pode ser feito.

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Sim, é possível fazer isso. A saída mais eficiente, dizem os especialistas, é
Dessa maneira, o educador se torna um parceiro, que quer e vai ajudar: "É propor trabalhos em grupo, que permitem observar melhor as atitudes individuais
preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita métrica na e coletivas. Menezes sugere ainda que se dê prioridade a estudos do meio, com
mão, pronto para medir, julgar e rotular cada um de seus estudantes." Assim propostas de atividades variadas, nas quais todos tenham a chance de explorar
como Zabala e Vasconcelos, Menezes encara a prova com muitas restrições, suas potencialidades.
pois ela geralmente é centrada na memorização e no uso de algoritmos e foca
conteúdos científicos com dia e hora marcada para acontecer.

É por isso que muitos apontam o professor de


Educação Infantil como um modelo a ser seguido.
Todos os dias, ele oferece atividades diferentes
e criativas para reter a atenção das crianças,
orienta todo o trabalho, que geralmente é feito
em grupo, e observa. Observa muito, e aí está o
segredo. A cada dois ou três meses elabora um
relatório para os pais, enumerando os pontos em que a criança avançou e os
que precisam ser trabalhados, tanto no que diz respeito a conhecimentos como
a atitudes.

Mas como olhar atentamente e conhecer bem cada estudante, se as classes


têm 30 ou 40 deles e o professor tem duas ou três atividades por semana com Outro consenso é a importância da auto-
diversas turmas, que mudam todos os anos? Já imaginou propor atividades avaliação. Ela está diretamente ligada a um dos
diferentes de acordo com o nível de aprendizado e, ainda por cima, fazer um objetivos fundamentais da educação: aprender
relatório personalizado no final de cada bimestre? a aprender. É óbvio que a própria criança tem as
melhores condições de dizer o que sabe e o que
não sabe, se um determinado método de ensino
foi ou não eficaz no seu aprendizado e de que
maneira ele acredita que pode compreender
determinados conteúdos com mais facilidade.
Para isso, basta conversar com a turma, de forma sincera e direta, ou fazer
questionários onde todos possam expor livremente suas críticas e sugestões.
Quanto mais freqüentes forem essas conversas mais rapidamente aparecerão
os problemas e, o que realmente importa, as respectivas soluções.

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"Disciplinas, espaço e tempo devem ser instrumentos da educação,
não seus carrascos", resume Zabala. E você? Ouça o conselho de Zabala.
"Se você quer mudar as formas de avaliar, parabéns. O passo mais
importante para a mudança acaba de ser dado."

BIBLIOGRAFIA
Avaliação Desmistificada, Charles Hadji, 136 págs., Ed. Artmed, tel. (51)
330-3444

Avaliação da Aprendizagem: Prática de Mudança, Celso Vasconcelos,


120 págs., Ed. Libertad.

Avaliação: Superação da Lógica Classificatória e Excludente, Celso


Vasconcelos, 120 págs., Ed. Libertad.

Como Trabalhar Conteúdos Procedimentais em Aula, Antoni Zabala,


198 págs., Ed. Artmed.

A Prática Educativa, Antoni Zabala, 224 págs., Ed. Artmed.

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