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Aula de Bioquímica I

Tema:

Função de Proteínas:
Mioglobina e Hemoglobina

Prof. Dr. Júlio César Borges


Depto. de Química e Física Molecular – DQFM
Instituto de Química de São Carlos – IQSC
Universidade de São Paulo – USP
E-mail: borgesjc@iqsc.usp.br
Proteínas
Funções
Transporte e Estoque;
Catálise enzimática;
Movimento;
Suporte mecânico;
Proteção imune;
Sinalização intra e extracelular;
etc.

Variedade Funcional  Diferentes Estruturas Tridimensionais

Estrutura 3D  Estrutura Estável em função do tempo


Estabilidade versus flexibilidade
Função versus Conformação.
Como as Proteínas Funcionam

Grande maioria → interação com outras moléculas

Interações reversíveis → ligante (qualquer tipo de molécula, inclusive proteína);


***Natureza transitória das interações proteína-ligante***

VIDA

RESPOSTA RÁPIDA E REVERSÍVEL A MUDANÇAS AMBIENTAIS E CONDIÇÕES
METABÓLICAS

SÍTIO DE LIGAÇÃO
→ Interação específica

→ Acoplada a uma mudança conformacional → ENCAIXE INDUZIDO

*ENZIMAS: Substratos; Sítio catalítico ou Sítio ativo.


Introdução
 Organismos aeróbicos  Necessitam de suprimento de O2 constante
Organismos multicelulares vertebrados
- Desenvolvimento de sistema circulatório
- Desenvolveram proteínas de transporte de O2
1 – Mioglobina  músculo
- mantém suprimento local de O2
2 – Hemoglobina  sangue  hemácias
- Transporta O2 dos pulmões para os tecidos
- Transporta CO2 e H3O+ dos tecidos para os pulmões

Mioglobina versus Hemoglobina

- São similares na Estrutura Primária, Secundária e Terciária


- Ligam O2 de maneira muito similar
- Em condições similares aos tecidos, a Hemoglobina está 7% saturada com O2 enquanto
que a Mioglobina apenas 90% saturada
- Hemoglobina liga O2 de maneira cooperativa e é uma proteína alostérica
- Ambas são importantes proteínas-modelo de estudo Bioquímico
Grupo Prostético = Heme
A ligação O2 pelas globinas depende do grupo Heme
 Grupo Heme  Protoporfirina + Fe2+ =  responsável pela cor vermelha do sangue
- Protoporfirina  4 anéis pirrólicos (anel tetrapirrólico)
- 8 Cadeias Laterais = 4 metilas, 2 vinilas e 2 Ácidos Caboxílicos
- Ferro é coordenado no centro pelos átomos de Nitrogênio dos 4 grupos Pirróis.

Porfirina Heme Fe2+


Coordenação
Hexagonal
Holomioglobina
Grupo heme está ligado à apoproteína:
1) pelo ocupação do Quinto ponto de coordenação do Fe2+ pela His proximal
2) Interações Hidrofóbicas do anel tetrapirrólico
- Sexto ponto de coordenação do Fe2+ é ocupado pelo O2
- Na forma deoxi, a His Proximal retira o Fe2+ do plano central da porfirina
Holomioglobina
Grupo heme permite monitoramento:
Holomioglobina
 1º Proteína a ter a sua estrutura 3D resolvida
- Estrutura em Hélices Alfa - Possui 153 resíduos de AA
- Total de 8 hélices anfipáticas – nomeadas de A a H
 Grupo Heme está ligado entre as hélices E e F
- Hélice alfa F contém a His Proximal (Chamada de His F8)
- Hélice alfa E contém a His Distal (Chamada de His E7)
Holomioglobina
 Grupo Heme está ligado entre as hélices E e F
- Hélice alfa F contém a His Proximal (Chamada de His F8)
- Hélice alfa E contém a His Distal (Chamada de His E7)

 A ligação O2–Fe2+ gera a


transferência parcial de 1
elétron do Fe2+ para o O2
 forma o íon superóxido
O2-

 A His E7 estabiliza o O2
ligado ao Fe2+ por uma
ligação de H;

 Evita a formação do
íon superóxido;

- O componente protéico
estabiliza a reatividade do
O2
Interação Proteína-Ligante
pode ser quantificada

Proteínas são capazes de interagir especificamente com ligantes

A interação Proteína P com o Ligante L obedece as leis da Termodinâmica

k1
P + L PL
k2

Questões apresentadas

1) Qual é o máximo número de moles de ligante por proteína?


2) Qual é a constante de equilíbrio deste ligante por cada um dos sítios de ligação?
3) A constante de equilíbrio do L por cada um dos sítios é independente da ocupação dos
demais?
4) A constante de equilíbrio do L é modificada pela presença de um segundo ligante?
Interação Proteína-Ligante
pode ser quantificada
A interação Proteína P com o Ligante L obedece as leis da Termodinâmica

k1 k1 [ PL ] 1
P + L PL K eq  KA    KD 
k2 k 2 [ P][ L] KA
k1 e k2 são as constantes de velocidade de associação e dissociação
KA e KD são as constantes de equilíbrio no sentido de associação e dissociação

KA é dado em (mol/L)-1 (M-1) Quanto maior o valor de KA maior a afinidade da interação PL


KD é dado em mol/L (M) Quanto menor o valor de KD maior a afinidade da interação PL

 Quando a [L] é >>> [P] podemos considerar que a formação do PL não altera a [L]

 A fração de Sítios de ligação na P frente ao L pode ser descrita pela seguinte equação

Sítios Ocupados [ PL]


 
Total de Sítios Disponíveis [ PL]  [ P ]
Interação Proteína-Ligante
pode ser quantificada
Θ pode ser monitorado e seu valor em função da [L] resulta numa hiperbólica retangular

[ PL ]

[ PL ]  [ P]

[ PL ]
KA  [ PL ]  K A [ P][ L]
[ P][ L]

Substituindo [PL]

K A [ P][ L] K A [ L] [ L] [ L] Quando [L] = KD  [L]


    onde metade dos sítios
K A [ P][ L]  [ P] K A [ L]  1 [ L]  1 [ L]  K D de ligação estão
KA ocupados pelo Ligante

Dividindo Dividindo 1  Para 90% de


ambos os ambos por  KD saturação [L] = 9 x KD
por [P] KA KA
Interação Mioglobina-O2
A interação entre a mioglobina e O2 segue as leis da termodinâmica mesmo considerando o
Oxigênio como gás
- Adequação experimental e matemática é necessária

[O2 ] A [O2] em solução depende pO2


θ diretamente da pressão de O2 na θ
[O2 ]  K D atmosfera que pode ser controlada. pO2  K D

Quando pO2 for equivalente à metade do


sinal máximo temos KD e assim podemos
definir P50
O2 liga fortemente à
Se P50 = [O2] na qual metade mioglobina com um P50 de
dos sítios estão ocupados P50  K D 0.26 kPa
- Condição na qual metade
dos sítios estão ocupados
pO2
θ
pO2  P50
Estrutura da Hemoglobina
 A Hemoglobina é um heterotetrâmero
- Duas cadeias Alfa (141 resíduos) e duas cadeias Beta (146 resíduos)
- Possui estrutura em hélice alfa
 Hemoglobina A (HbA) = par de dímeros α1β1 e α2β2
- A interface α1β1 e α2β2 apresenta ~30 contatos
- A interface α1β2 e α2β1 apresenta ~19 contatos
 Maioria hidrofóbicos e alguns hidrofílicos  Importantes para regulação
- Grupos Heme estão bem separados (24-40 Å)
Estrutura da Hemoglobina
 Cadeia Alfa e Beta da HbA apresentam ~25% de identidade com a Mioglobina

 Alta identidade estrutural


- Apesar da baixa identidade sequencial
- Identidade estrutural é mais conservada

 Mesma forma de ligar grupo Heme


-Possui His Proximal e Distal
Estrutura da Hemoglobina
 A HbA liga O2 de maneira cooperativa – curva Sigmoidal
- A ligação de O2 com HbA é >10 x mais fraca do que com a Mioglobina
- A ligação ou saída de O2 em uma cadeia da HbA aumenta a ligação ou a saída de O2 nas
demais cadeias
 A baixa afinidade da HbA por O2 está relacionada com a função desta proteína
- Captar O2 nos pulmões (“alta” pO2) e liberar nos tecidos (“baixa” pO2)
 A alta afinidade da Mioglobina por O2 está relacionada com a função: Armazenar O2
Cooperatividade
 A Alosteria – “outra forma” – está envolvida na cooperatividade

Sistema de variação de afinidade/atividade frente à


modulação.

 Envolve a participação de um Modulador

- Modulador  Ativador ou inibidor

- Modulação homotrópica: Ligante e modulador iguais

- Modulação heterotrópica: Ligante e modulador diferentes

 Uma curva de ligação sigmoidal é um sinal de ligação


cooperativa.
Cooperatividade
 A ligação cooperativa de O2 na HbA foi analisada por Archibald Hill (1910)

k1 k1 [PLn ]
P + nL PLn K eq  K A  
k2 k 2 [P ][L]n

n K An [ L]n θ [L]n  θ 
  log   n log[L]  n logK D
K An [ L]n  1 n θ KD n θ 
Equação de Hill

1) Reorganizando Aplicando Log


2) Dividindo ambos por KA
3) Substituindo por KD

 Curva de Hill  log [θ/(1-θ)] versus log[L] onde a inclinação = n = nH


Cooperatividade
 A ligação cooperativa de O2 na HbA foi analisada por Archibald Hill (1910)

 θ 
log   n logp02   n logP50 
n θ 

nH não representa o número de sítios


de ligação, mas o grau de interação
entre eles: o grau de cooperatividade

 nH representa a cooperatividade
entre os sítios de ligação

 nH < n
Ligação de O2 na Hemoglobina
 Em exercício, o sangue arterial, após uma passagem pelo pulmão, apresenta ~98% de
saturação da HbA com O2
 Após passar pelos tecidos, o sangue venoso apresenta ~32% de saturação de O2
- Portanto, ~66% dos pontos de ligação contribuíram para o transporte de O2
 A ação cooperativa da HbA favorece a DESCARGA adequada de O2
- Nestas condições, a Mioglobina permaneceria com 91% de saturação  7% de transporte
 A HbA transporta ~10 x mais O2 do que a Mioglobina
A cooperatividade da HbA
 A ligação de O2 na HbA resulta em mudanças conformacionais na tetrâmero de HbA-O2
- Um dímero Alfa-Beta sofrem rotação de 15º em relação ao outro
 A HbA existe em duas conformações principais:
1) T (Tenso)  Estado deoxigenado
2) R (Relaxado)  Estado Oxigenado
- O Estado R apresenta maior afinidade por O2 do que o estado T
- Na presença de O2, o estado R é mais estável

O2
A cooperatividade da HbA
 Estado T apresenta um intricada rede de pares iônicos na interface α1β2 e α2β1
 A ligação de O2 altera a estrutura do grupo Heme que perturba a rede de pares iônicos

- Mudanças no
ambiente do grupo
Heme são
transmitidas para
as outras cadeias
do oligômero
A cooperatividade da HbA
 Estado T apresenta um intricada rede de pares iônicos na interface α1β2 e α2β1
 A ligação de O2 altera a estrutura do grupo Heme que perturba a rede de pares iônicos
A cooperatividade da HbA
 A HbA pura no estado T é muito instável
- Liga avidamente O2 em baixas [O2] e libera apenas 8% de O2 em condições fisiológicas

 A transição T  R adequada depende de um ligante – o 2,3-Bisfosfoglierato – 2,3-BPG

 A [2,3-BPG] nas hemácias


é aumentada na altitude.
- Adaptação em ~ 24 horas

- Permite menor afinidade


entre HbA-O2

- A HbA liga menos O2,


MAS descarga de O2 nos
tecidos é MAIOR apesar da
menor pO2 atmosférica
A cooperatividade da HbA
 Efeito do 2,3-Bisfosfoglierato – 2,3-BPG na p50
A cooperatividade da HbA

O 2,3-BPG:
1) Liga-se no centro do Tetrâmero da HbA;
2) É liberado após transição T  R;
3) Age mantendo HbA no Estado T;
4) É um Efetor Alostérico.
A cooperatividade da HbA

A transição T  R expulsa o BPG do sítio de ligação

Estado T Estado R
A Hemoglobina Fetal
- A Hb fetal contem duas cadeia Alfa e duas cadeias Gama
 A cadeia Gama é 72% idêntica à cadeia Beta na seqüência de aminoácidos
- A modificação Beta-His143  Gama-Ser143
- Modifica o sítio de interação do 2,3-BPG com a Hb

Consequências:
- Redução da afinidade da Hb Fetal por 2,3-BGP
- Aumento da afinidade da Hb Fetal por O2
 Permite que a Hb Fetal receba
eficientemente o O2 transportado pela HbA
maternal
- O feto não “experimenta” pO2 atmosférica

Outros genes
 Existem outras 3 cadeias de hemoglobina
expressas em diferentes estágios do
desenvolvimento
Existem ainda: Neuroglobina e citoglobina
(+ similares à mioglobina)
A HbA transporta H+ e CO2
dos tecidos para o pulmão
 A HbA é sensível aos níveis de H+ e CO2 nos tecidos
- H+ e CO2 são efetores alostéricos da HbA  aumentam a liberação de O2 para os tecidos
 O estado T é estabilizado pela redução do pH
- Resultado: descarga de O2 nos tecidos
 É chamado de Efeito Bohr (Christian Bohr, pai de Niels Bohr)

 O CO2 é hidratado pela enzima  A afinidade da HbA por O2


Anidrase Carbônica nas hemácias diminui com a redução do pH
A HbA liga H+ e CO2
 A HbA transporta H+ dos tecidos para o pulmão

No capilar sanguíneo (tecidos)


O próton liberado pela
hidratação do CO2 liga-se à cadeia
alfa e beta da HbA estabilizando
uma ponte salina  estabilização
do estado T
 Permite o transporte de próton
para os pulmões
- 80% do transporte

Ponte salina na
 A Hidratação do interface α2β1
CO2 é catalisada
pela Anidrase
carbônica
A HbA liga H+ e CO2
 A HbA transporta CO2 dos tecidos para o pulmão
 O CO2 liga-se à aminas terminais
- ~15-20% do transporte ligado à HbA
- Restante é transportado na forma de HCO3- solúvel

 Forma grupos carbamato  carga negativa


 Estabiliza estado T por favorecer interações
eletrostáticas na interface cadeia Alfa-Beta da HbA

Descarga de O2 pela HbA


66%
77%
88%
Mutações na HbA
 Os genes da Hb sofrem mutações que alteram a cadeia protéica
- Podem prejudicar a afinidade da Hb pelo O2
- Originam as Hemoglobinopatias – são as anemias hereditárias
- ~ 500 tipos de mutações identificadas na população humana
- Muitas mutações são inócuas
- O Surgimento da anemia depende se o indivíduo é heterozigoto ou homozigoto

 Anemia falciforme
- devido à mutação D6V na cadeia
Beta
- Forma a Hemoglobina S
- Forma um contato hidrofóbico com
a F85 e V88 entre as cadeias beta
inter-tetrâmeros
Mutações na HbA
 As pontes hidrofóbicas inter-cadeias propicia a fibrilação
Mutações na HbA
 As pontes hidrofóbicas inter-cadeias precipitam a HbS  não liga O2
Mutações na HbA
A HbS forma fibras que deformam a estrutura das hemácias
 HbS aumenta resistência à malária  parasita vive dentro das hemácias
-possível fator seletivo positivo da HbS  por isto foi “selecionada” e persiste presente

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