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NOSSA SEGUNDA CHANCE
Talvez mais do que o código genético, o cérebro diz comandado por seu cérebro até a terapia eficaz de
o que cada um de nós realmente é, mostrando o que uma doença degenerativa como Parkinson.
temos em comum e nossas diferenças. Esses cir- Não há dúvida: a neurociência, que estuda o cére-
cuitos de neurônios e sua dinâmica explicam por bro, tende a dar uma segunda chance a diferentes
que escrevemos, como nos lembramos das coisas, segmentos da sociedade. O mais óbvio é o grupo
o que sentimos, as tristezas, os medos e os amores. das pessoas que sofrem dos males pesquisados.
Quem oferece essa explicação é o neurocientista Menos óbvios, porém, e bastante relevantes, são
brasileiro Miguel Nicolelis, um pioneiro nas pes- os segmentos tratados neste Dossiê: as empre-
quisas sobre o cérebro e sobre a interface cérebro- sas, que podem enfim humanizar sua gestão cons-
-máquina, que está, com suas equipes nos Estados cientes do que leva os seres humanos a agir desse
Unidos, na Suíça, na Alemanha e no Brasil, fazendo ou daquele modo, e o Brasil, que pode tornar-se
uma série de descobertas importantíssimas en- referência em uma inovação de ponta —a indústria
volvendo desde a possibilidade de um tetraplégico neurotecnológica— e também fazer uma revolu-
voltar a andar com o auxílio de um terno robótico ção empreendedora pela educação científica.
A FISIOLOGIA DO
GERENCIAMENTO 62
Reportagem HSM Management
SE O CÉREBRO
FALASSE 68
Entrevista com David Rock
CASOS REAIS
Por Jeffrey Schwartz, Pablo
Gaito e Doug Lennick
72
O BRASIL
E A ERA DO 76
Foto: Divulgação
CÉREBRO
Entrevista com Miguel Nicolelis
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Dossiê
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A
FISIOLOGIA
DO
GERENCIAMENTO
as descobertas da A falta de reconhecimento no trabalho dói tanto quanto
neurociência estão, cada uma pancada na cabeça: o cérebro sente a exclusão e emite
um impulso neural intenso que termina por prejudicá-lo.
vez mais, chegando às “Posso lhe dar um conselho?” não é uma pergunta simpá-
tica: para quem ouve é o equivalente à angústia de escutar
empresas. reportagem hsm passos desconhecidos durante a noite. O cérebro entende
management mostra como que quem pergunta está impondo sua superioridade, fica na
defensiva e envia a ordem para que as glândulas produzam
esse novo conhecimento hormônios do estresse.
Um aperto de mãos ou uma troca de olhares sobre algo
tende a modificar, e a engraçado dilui a sensação de perigo que muitos líderes
humanizar, a gestão, causam em seus subordinados, que, com medo deles, sen-
tem como se sua vida estivesse ameaçada. É que o cérebro
que por muitos anos libera o hormônio do amor diante de gestos simpáticos, esti-
pautou-se pela visão mulando confiança, empatia e generosidade.
Graças à neurociência, conjunto de disciplinas científi-
mecanicista desenvolvida cas que estudam o cérebro para estabelecer a base orgâ-
nica do comportamento, hoje se sabe que a dor “social”
na era industrial descrita nas três situações acima é um impulso primá-
rio. Isso significa que, contrariando a crença comum, o
sofrimento por motivos emocionais acontece em regiões
do cérebro similares às que processam a dor física e não
deve ser desconsiderado. O cérebro humano é um órgão
A reportagem é de Florencia Lafuente, colaboradora social e sua luta para atenuar o sofrimento emocional é
de HSM MANAGEMENT. uma batalha pela sobrevivência.
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Fotos: iStock/Divulgação
“Estudos do cérebro CÉREBRO sional é um sistema social. Da mesma forma que os pre-
SOCIAL dadores estão programados para reagir diante da caça, o
têm demonstrado que a Em menos de uma cérebro humano está conectado de modo a responder às
crítica melhora o fluxo década, avanços tec- ameaças sociais como se sua existência dependesse disso.
nológicos como a Basicamente, para o cérebro não há diferença entre ser
de ideias” condenado ao ostracismo e ter fome.
ressonância magné-
Jonah Lehrer
tica tiraram a neu- As pessoas não podem ser criativas, trabalhar em harmo-
rociência dos limites nia com sua equipe ou tomar decisões acertadas quando seu
do laboratório. As re- sistema de defesa está em alerta. Consideremos o seguinte
centes descobertas sobre exemplo: para lidar com o estresse, o cérebro consome oxi-
a flexibilidade do cérebro, gênio e glicose destinados à função da memória recente, que
sua capacidade de criar no- processa novas informações e ideias. Tal procedimento re-
vas conexões neurais em sulta em deterioração do pensamento analítico, diminuição
qualquer idade, sua receptivi- da capacidade de resolver problemas e queda de criatividade.
dade ao treinamento cogniti- “Qualquer mudança, por menor que seja, em como perce-
vo e a confirmação de que a bemos uma situação ou realizamos uma tarefa tem efeitos
conduta humana tem origem drásticos em nosso desempenho e bem-estar pessoal”, afir-
fisiológica são revelações for- ma Susan Greenfield, especialista em fisiologia do cérebro e
midáveis para o mundo dos professora de farmacologia sináptica da Oxford University
negócios e, sobretudo, para a [veja quadro na página 65].
área de gestão. David Rock, cofundador e CEO do NeuroLeadership Ins-
Sabemos que o trabalho é titute, iniciativa global que busca criar uma ciência para o
uma transação econômica desenvolvimento de novos líderes, vai além: “No futuro, a
—horas de dedicação em capacidade de colocar o cérebro social a serviço do desem-
troca de salário—, mas para penho será um diferencial dos gestores”. [Veja entrevista com
o cérebro o ambiente profis- David Rock na página 68.]
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GLOSSÁRIO
interdisciplinar, a neurociência engloba, além da biologia, química, ciência da computação, engenharia, linguística, matemática,
medicina, filosofia, física e psicologia. muitas vezes, o termo é usado no plural, porque há as neurociências molecular, celular,
sistêmica, comportamental e cognitiva.
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O PRÓXIMO PASSO
“sabemos que o cérebro humano vai comparar e colocar os dados em pers-
mudar, a pergunta é se para o bem ou pectiva são habilidades que se aprendem
para o mal”, diz a reconhecida cientista interagindo com outros, lendo livros. o
britânica susan greenfield, especializa- cérebro humano adapta-se ao ambiente;
da em fisiologia do cérebro e professora se o ambiente indica que deve falar com
de farmacologia sináptica da oxford uni- um computador, ele fará isso.
versity, do reino unido. “as novas gera-
ções estão se afastando da interação hu- 2. Assumir e gerenciar riscos. a cultu-
mana, dos abraços, dos cheiros, e isso é ra da tela ensina que os atos não têm
um exemplo do que será a vida no século consequências —tudo pode ser apa-
21. a cultura da tela de computador está gado ou revertido— e que recomeçar
gerando uma mudança mental equipa- é algo natural. no mundo real, porém,
rável à mudança climática.” as ações causam efeitos. uma empre-
a pesquisadora acha que as conse- sa quer que seus funcionários se arris-
quências da cultura da tela serão senti- quem, mas com consciência.
das em três aspectos principais:
3. Identidade, empatia e socialização.
1. Informação versus conhecimento. as como a identidade das pessoas será cereais, calcei minhas meias”. quem se
pessoas detectarão padrões e processa- afetada pelo fato de a principal atividade importa? parecem as crianças quando
rão informação com rapidez. no entanto, de socialização acontecer nas redes so- dizem: “olha, mamãe, olha o que eu
informação não é conhecimento. enten- ciais? vejamos o caso do twitter —e não consigo fazer”. se a mamãe não olha,
der conceitos e estabelecer relações, há aqui uma crítica à tecnologia, e sim elas não existem. hoje, o sentido da
a seu uso—, onde as pessoas escrevem identidade está dado pelo outro. muito
coisas como: “olá, eu me levantei, comi facebook e pouca interação.
“Os melhores
programas
organizacionais podem
ser uma ameaça se não 76% declararam ser Um exemplo célebre é o Building 20, um prédio do campus
interrompidos com do Massachusetts Institute of Technology (MIT) construído
considerarem as frequência. As dis- durante a Segunda Guerra Mundial e destinado à incubação
reações do cérebro” trações no trabalho de projetos inovadores.
Gregory Berns reduzem a energia, Sua edificação básica e incoerente —tinha sido pen-
diminuem a atenção, sado como algo temporário— formava um labirinto de
prejudicam a tomada pequenas salas, corredores, escadas e áreas de descan-
de decisões e impedem so nas quais se encontravam cientistas de todo tipo. Em
a formação da memória. seus 55 anos de existência, nele surgiram avanços tão
Segundo estudos de 2009 fundamentais como o radar, as micro-ondas, os primei-
reunidos por David Rock, uma ros videogames e a linguística chomskiana. Batizado na-
pessoa perde 546 horas de traba- quele tempo de “santuário da ciência”, hoje é possível
lho por ano devido a interrupções explicar cientificamente a origem de tanta capacidade
no escritório e demora 25 minutos criativa: privacidade.
para recuperar a atenção depois de Outro exemplo de uma teoria obsoleta? A que sustenta
uma dispersão. que o brainstorming é um processo criativo por excelên-
A convivência criativa acontece cia. Inventado na década de 1940 por Alex Osborn, um dos
de maneiras mais sutis que for- fundadores da agência de publicidade BBDO, o método é
çando os funcionários a conviver conhecido: um grupo se reúne e começa a propor ideias;
em espaços onde as únicas portas nenhuma proposta pode ser criticada, e sim aproveitada
conduzem aos banheiros ou à rua. como base para outras.
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ções ou sentimentos, nossa mente chega a conclusões rá- cada vez mais popular,
pidas. O hemisfério esquerdo do cérebro tenta dar sentido por sua eficiência e “A ressonância
ao mundo e, em busca de significado, atribui um enorme porque os custos
peso às evidências que apoiam nossas teses e ignora as de aplicação con-
magnética revela
que não interessam. O renomado psicólogo experimental tinuarão baixan- preferências de compra
e linguista Steven Pinker diz que “há um mundo de dife- do. “Ao revelar que o próprio usuário é
rença entre crer que se sabe a verdade e saber de fato que dados sobre as
algo é verdade”. preferências de
incapaz de verbalizar”
Dan Ariely
Um estudo realizado no California Institute of Technolo- compra que o pró-
gy analisou de que modo os preços de um produto influen- prio usuário é incapaz
ciam as preferências de gosto. Os participantes provaram de verbalizar, as companhias
dois vinhos: um de US$ 10 e outro de US$ 90. Na verdade, poderão intervir na fase de de-
os vinhos eram o mesmo, mas as pessoas não sabiam dis- senvolvimento de seus produ-
so. A bebida mais cara foi qualificada como a mais sabo- tos, testar conceitos com rapi-
rosa. Contudo, segundo o estudo das imagens, as regiões dez e eliminar os que não são
do cérebro associadas ao gosto promissores.”
não sofreram alteração,
enquanto as relaciona- TREINAMENTO PARA A
das com o prazer da POSITIVIDADE
experiência foram O neurocoaching oferece fer-
“Há um mundo de modificadas. ramentas para intervir de ma-
diferença entre crer Pesquisadores neira consciente em processos
que se sabe a verdade em neuroecono- cerebrais automáticos. A ado-
mia da Univer- ção e prática de novas condu-
e saber de fato a sity of Pennsyl- tas criam circuitos neurais e
verdade” vania, liderados os reforçam.
Steven Pinker pelo professor de Uma pesquisa de 2009 de-
psicologia Joseph nominada Neuroleadership
Kable, identificaram and the Productive Brain
uma parte específica concluiu que quatro horas
do cérebro —o córtex de treinamento cerebral on-
frontal ventromedial— co- line durante 30 dias melho-
mo a responsável por tomar ram de modo significativo a
decisões sobre o valor. Esse produtividade e a capacida-
estudo procura determinar de dos funcionários de au-
as configurações de produtos torregularem suas emoções,
e preços que os consumido- um fator-chave no controle cognitivo, uma vez que as
res percebem como justas. emoções negativas absorvem a energia neural e disper-
De acordo com o neuro- sam a atenção.
marketing, a maioria das de- Mudar é um desafio. Dos 60 mil pensamentos diários de
cisões de consumo responde uma pessoa, 80% são negativos. Segundo os especialistas,
às emoções e não à razão. para manter o estado de bem-estar, são necessários três
Martin Lindstrom, um dos pensamentos positivos para cada pensamento negativo.
especialistas mais reconheci- É possível reverter a inclinação natural do ser huma-
dos na área, diz que no futuro no ao pessimismo? Sim; tornando-se consciente da ten-
próximo o papel do especia- dência mental para libertar a negatividade. Se alguém
lista em marketing ficará ob- se apega aos pensamentos e sentimentos negativos, con-
soleto para dar lugar à prática tinua revisando-os e persistindo em compreendê-los e
de psicólogos e cientistas. termina conseguindo o que deveria evitar: reforça o pes-
Dan Ariely, professor de psi- simismo. Ao desviar a energia e a atenção das conexões
cologia e economia do compor- neurais negativas, estas se debilitam e desaparecem.
tamento da Duke University,
acha que o uso da ressonância
magnética em marketing será HSM Management
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Saiba
mais sobre
David Rock
David Rock é um dos fundadores do
NeuroLeadership Institute, iniciativa
global que reúne neurocientistas e es-
pecialistas em liderança com o objeti-
vo de construir uma nova ciência para o
desenvolvimento dos gestores. Também
é fundador e CEO da empresa de con-
sultoria NeuroLeadership Group. Entre os
clientes que têm utilizado seus treinamen-
tos estão a Nasa (agência espacial dos Esta-
dos Unidos), outros departamentos do gover-
no norte-americano, bancos de atuação global
e empresas listadas entre as 500 maiores dos
Estados Unidos pela revista Fortune.
Um dos editores do NeuroLeadership Journal, é autor
dequatrolivros,entreelesobest-sellerYourBrainatWork:
Strategies for Overcoming Distraction, Regaining Focus, and
Working Smarter All Day Long (ed. HarperBusiness) e
Coaching with the Brain in Mind: Foundations for
Practice (ed. Wiley), nenhum lançado no Bra-
sil ainda. David Rock é Ph.D. em neuro-
ciência da liderança pela Middle-
Fotos: Cortesia David Rock/iStock
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Se o cérebro
falasse
EM ENTREvISTA ExCLUSIvA, DAvID ROCk, UM DOS FUNDADORES DO
NEUROLEADERSHIP INSTITUTE, FALA SOBRE A NEUROLIDERANçA, qUE
PRETENDE FORNECER UM qUADRO CIENTíFICO PARA COMPREENDER DE
ONDE vEM A MAESTRIA DOS GRANDES LíDERES, POR qUE ELES ERRAM,
COMO MUDAM E COMO INFLUENCIAM OS OUTROS
‘‘Os líderes bem-sucedidos do futuro se caracterizarão Quais são os campos de estudo da neuroliderança?
pela capacidade de adaptação, uma habilidade que vai Em primeiro lugar, queremos entender a base lógica das ta-
exigir muita flexibilidade cognitiva. A boa notícia, porém, refas comuns a todo líder —por exemplo, tomar decisões e
é que o cérebro é um órgão com plasticidade e aprende.” solucionar problemas. Então, observamos quais são os pro-
A afirmação é de David Rock, criador do conceito de neu- cessos que interferem em cada trabalho e como funcionam
roliderança e diretor do NeuroLeadership Institute, rede os níveis do consciente e do inconsciente em relação a isso.
de especialistas e organizações que fazem pesquisas no Nosso segundo campo de estudo é o da autorregulação, ou
campo da neurociência. seja, da capacidade das pessoas de regular as próprias emo-
Há muitos anos, Rock explora as consequências dos ções. Acreditamos que todo líder deve controlar emoções, an-
resultados científicos que derivam de estudos na área de siedade, atenção; em outras palavras, ele tem de controlar a si
gestão e vida organizacional. Desde 2007, compartilha suas mesmo, a ponto de poder executar tarefas difíceis, como con-
descobertas com o público no NeuroLeadership Summit, duzir um exército, pensar nos outros, gerenciar a incerteza.
evento que a cada ano acontece em uma cidade diferente Nosso terceiro domínio é o da colaboração. Os líderes pre-
dos Estados Unidos e tem por objetivo explorar novos para- cisam se conectar com os outros e ajudá-los a se conectar,
digmas para o desenvolvimento dos líderes de amanhã. O assegurar-se de que a informação é compartilhada e incen-
próximo ocorrerá entre 15 e 17 de outubro em Nova York. tivar o trabalho em equipe.
Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, Rock Finalmente, os líderes devem facilitar a mudança: influen-
conta por que acredita que a chave para o desenvolvimento ciar os outros, inspirar.
dos melhores gestores está definitivamente na ciência. O que fazemos na neuroliderança é estudar a base lógica
de cada um desses quatro domínios.
O sr. poderia definir o que é neuroliderança?
Neuroliderança é a ciência que estuda a arte de liderar. O que são os fundamentos biológicos da neuroliderança?
Não tentamos responder à pergunta “o que é liderança” É muito difícil explicar brevemente! É como contar a história
porque achamos que depende muito do contexto: ser lí- do mundo em cinco minutos. Entretanto, na essência, o que
der nas Forças Armadas é muito diferente de ser líder em fazemos é observar o cérebro de uma perspectiva sistêmica.
uma pequena organização criativa ou o líder de um país. O cérebro é muito diferente em cada pessoa. Isso é sur-
Agora, tentar definir o que é liderança é perigoso. Já fo- preendente, e também um grande desafio. Os circuitos
ram escritos muitos livros sobre o tema e seus autores através dos quais a informação flui são distintos em cada
coincidiram em poucas coisas. um e mudam constantemente. Um dia a informação pode
fluir em uma direção e no dia seguinte em outra. O que
tentamos fazer é compreender o funcionamento desses cir-
A entrevista é de Francisca Pouiller, colaboradora de cuitos, detectar os processos mentais que podem ser vistos
HSM MANAGEMENT. e identificar a linguagem mais precisa para descrevê-los.
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Até a maneira como ocorre o feedback é importante para
isso. Se o líder oferece feedback sobre o desempenho, ten-
de a desenvolver seus funcionários em um padrão fixo; ao
fazê-lo pelo esforço realizado, permite que encontrem um
padrão de crescimento, flexível.
Normalmente somos educados em um padrão mental
fixo. Foi o sistema educacional de muitos países que nos fez
crer que a inteligência é imutável, o que não está certo. Isso
explica o que os estudos concluem: os líderes costumam
ser bons na obtenção de resultados, o que tem a ver com o
padrão fixo, mas não no pensamento estratégico, ligado ao
padrão de crescimento e a desenvolver o talento das pessoas.
Organizações também possuem padrão mental? A neurociência da liderança ainda evoluirá muito?
As organizações “desenvolvem” as pessoas nesses padrões Sim, estamos apenas começando a compreendê-la! Ainda
—é assim que falamos em neuroliderança. Mesmo sem sa- há muito que fazer. Uma centena de pessoas pesquisa esse
ber, as empresas desenvolvem as pessoas em um desses campo atualmente e haverá muitas novidades ainda.
dois padrões: as que usam o padrão fixo separam as pessoas
entre as que têm talento e as que não o têm; as que operam
no padrão de crescimento favorecem quem pode crescer. HSM Management
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Casos reais
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A CArgill e A AmeripriSe FinAnCiAl provAm que é poSSível modiFiCAr
hábitoS de modo mAiS eFiCAz e durAdouro Com A AjudA dA neuroCiênCiA,
em SeiS pASSoS, Como eSCreve o pSiquiAtrA jeFFrey SChwArtz, em
pArCeriA Com oS exeCutivoS que implAntArAm Seu método
‘‘É assim que fazemos as coisas aqui.” Proferida no con- A Ameriprise Financial entrou em ação em 2007. Os
texto empresarial, a frase é muito mais do que uma expli- resultados de um estudo sobre o desempenho dos in-
cação. Em geral, incorpora crenças que se fortaleceram ao vestidores fizeram com que os líderes da empresa deci-
longo dos anos pela repetição de rotinas e de centenas de dissem submeter a exame seus hábitos organizacionais.
conversas sobre o que (não) deve ser feito. O estudo, realizado pela empresa de pesquisas Dalbar,
Essas crenças constituem práticas complexas e sutis tão mostrou que havia uma lacuna entre o êxito individual
enraizadas na cultura corporativa que acabam moldando dos investidores e o do mercado como um todo.
sua identidade. De fato, não são ruins em si; constituem A origem do problema era orgânica: o instinto de so-
muitas vezes a razão pela qual a empresa vai bem. Porém, brevivência levava os profissionais a evitar algumas
quando as circunstâncias se transformam ou a companhia das receitas características de um mercado volátil. Por
se torna disfuncional, “o que fazemos aqui” precisa mudar. exemplo, quando as ações caem subitamente, um inves-
Modificar um hábito é difícil; nas empresas, a com- tidor que pensa de modo racional deveria se afastar da
plexidade da conduta coletiva faz com que o desafio seja situação e esperar um sinal do que está por vir. No en-
ainda maior. Nos últimos anos, as pesquisas no campo tanto, muitos se apressam em vender por temerem uma
da neurociência abriram espaço para trilhar caminhos queda maior. Isso aumenta as perdas: frequentemente as
radicais. A chave é implementar novos comportamen- ações logo voltam a subir. Tentando se garantir, os inves-
tos que substituam essas atitudes fixas, quase gravadas tidores comprometem as próprias carteiras.
nos circuitos neurais. A Ameriprise viu a oportunidade de melhorar suas
práticas e evitar continuar caindo nessa armadilha. Im-
DUAS EMPRESAS QUE FIZERAM ISSO plementou um programa de capacitação para todos os
A Cargill, gigante dos setores agroindustrial e alimentí- seus assessores destinado a aumentar a consciência so-
cio, e a Ameriprise Financial, empresa de assessoria fi- bre o processo de tomada de decisões.
nanceira, utilizaram as descobertas sobre o cérebro para
dar início a mudanças internas profundas. PRINCÍPIOS DA MUDANÇA
Em 1999, a Cargill se propôs ser uma organização Os focos da mudança organizacional são baseados nas des-
mais ágil. Em 2006, a direção decidiu renovar seu com- cobertas que a neurociência considera em diversos fatores
promisso e elevar a aposta de colaboração e inovação em relacionados ao funcionamento do cérebro, tais como:
todas as unidades de negócios. Para isso, teve de modi-
ficar alguns aspectos de sua cultura que a impediam de Hábitos são difíceis de mudar. Muitos padrões conven-
construir um ambiente verdadeiramente livre, no qual cionais de pensamento nunca chegam à atenção cons-
os funcionários tivessem o poder de agir de maneira de- ciente. Isso acontece com a informação processada por
cisiva e assumir responsabilidades diante dos clientes. órgãos como os gânglios basais —também chamados de
A companhia é composta por mais de 70 unidades dis- “centro dos hábitos”—, que normalmente controlam ati-
tribuídas em 66 países; o desafio era complexo, porém a vidades semiautomáticas (dirigir e andar, por exemplo),
Cargill o abordou com base na definição de mudanças a amígdala, que dá origem às emoções fortes (medo, irri-
estruturais e comportamentais —uma grande transfor- tação etc.), e o hipotálamo, que lida com instintos (fome,
mação na “maneira como fazemos as coisas aqui”. sede e desejo sexual, entre outros).
Toda vez que os padrões neurais dos gânglios basais
são convocados, criam mais raízes. Quando uma prática
O psiquiatra Jeffrey Schwartz, professor e pesquisador da organizacional ativa um órgão, torna-se extremamen-
faculdade de medicina da University of California em Los te difícil removê-la. Por isso, é necessário desenvolver
Angeles (UCLA), escreveu este artigo com Pablo Gaito, novas condutas, que devem ser geradas nos gânglios
vice-presidente da Cargill Learning and Development, basais. Aprender novos comportamentos costuma ser
e Doug Lennick, assessor da Ameriprise Financial e de difícil e doloroso porque implica superar de maneira
outras empresas. consciente um circuito neural profundamente cômodo.
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ÁT
IC
5 F
NI
ICA 3 çando padrões relacionados a violar a regra.
Responder S I G Refletir sobre Portanto, para engendrar uma mudança em
com expectativas e
repetição uma empresa, é importante focar a atenção
valores no estado final desejado, não em evitar os
4
Reorientar problemas. Esse reforço positivo orientado
a conduta Fontes: Gaito (círculo para a meta deve ocorrer repetidas vezes.
interno); Schwartz e
Lennick (passos). A capacidade do “veto cognitivo” permite con-
siderar rapidamente provocações externas
e escolher deter os impulsos disfuncionais
antes que entrem em ação. Muitas pessoas
Também envolve utilizar partes do cérebro que exigem acreditam que o controle de seus impulsos é limitado,
mais esforço e energia, como o córtex pré-frontal, asso- especialmente em vista de emoções fortes como a irrita-
ciado a funções executivas como o planejamento. ção, a frustração, o entusiasmo ou a pena, porém a neu-
No trabalho, tentar algo novo pode gerar medo e irrita- rociência tem demonstrado que um indivíduo sempre
ção (o que se denomina “sequestro da amígdala”), desejo pode limitar ou impedir (escolher não fazer) determi-
de fugir ou cansaço desproporcional em relação à ação nado impulso. Tudo é questão de praticar. Mesmo uma
real que o provocou. Diante do surgimento dessas emo- simples ação, como contar até dez, abre possibilidades
ções, as pessoas resistem à mudança e a capacidade de de resposta mais funcionais.
pensamento racional e criativo diminui.
A capacidade de focar a atenção deve ser constantemente
As conexões neurais são plásticas e até os pensamen- cultivada. Poucas empresas têm conseguido isso. Suge-
tos mais enraizados podem ser modificados. O tipo de rimos um método para fazê-lo: composto de seis passos,
atenção que faz essa mudança combina a metacognição é uma síntese de nosso trabalho em diversas áreas da
(pensar sobre o que se está pensando) e a metaconscien- neurociência [veja quadro acima].
tização (dar-se conta momento a momento daquilo a que
se presta atenção). O filósofo Adam Smith chamou esse • Passo 1: Reconhecer a necessidade de mudança. A chave
método de “espectador imparcial”. consiste em se dar conta de quando uma pessoa está imer-
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sa em uma rotina. Para evitar tal imersão, é fundamental ficos sugerem que dizer, por exemplo, “As coisas serão
aumentar a consciência sobre os pensamentos, emoções melhores se mudarmos” acalma as reações como um
e ações e sua conexão com os resultados na vida real. De- placebo alivia a dor.
pois de um episódio difícil, por exemplo, você pode se dis-
tanciar e perguntar: “Em que eu estava pensando? • Passo 4: Reorientar a conduta. Aqui é necessário ali-
Como me sinto agora? Meu comporta- nhar hábitos e metas. As práticas a adotar
mento estava alinhado com meu são identificadas e colocadas em prática.
objetivo e com o quadro mais Nas empresas que navegam por águas
amplo que tenho?”. A etapa do turbulentas (como em uma crise
Coletivamente, a eta- reconhecimento econômica), reorientar-se talvez
pa do reconhecimento signifique perseguir práticas de-
significa falar sobre significa falar sobre liberadas para ativar o especta-
as possibilidades de as possibilidades de dor imparcial. Um líder pode
mudança com a pre- começar falando abertamente
missa de que a ma-
mudança com a premissa sobre como se sente, pedir a
neira como fazemos de que a maneira como sua equipe que faça o mesmo
as coisas não pode fazemos as coisas não e então ajudá-la a encontrar
continuar. A prática des- uma perspectiva mais ampla.
sa etapa pode trazer grande pode continuar “Ainda estão bem, têm traba-
carga emocional, porque significa lho, suas famílias não sofre-
recusar ou abandonar ações cômo- ram.” Logo trata de gerar um es-
das, porém contraproducentes. tado emocional mais calmo, levando
Jim Cracchiolo, presidente-executivo da as pessoas a um pensamento preme-
Ameriprise, por exemplo, reconheceu a necessi- ditado. Essa é a etapa crucial da sequên-
dade de transformação no setor de assessoria finan- cia, por causa de seu poder de impacto no
ceira e isso influenciou sua rejeição ao programa de córtex pré-frontal, onde se processam novas condutas
apoio do governo dos Estados Unidos, após a crise de que, ao se repetirem, constroem circuitos nos gânglios
2008. Segundo ele, o financiamento do governo impediria basais e se convertem em um conjunto de novos hábitos.
a empresa de atingir todo o seu potencial. Essa explicação
ressoou fortemente nos funcionários. • Passo 5: Responder com repetição. Significa ser responsá-
vel e tornar os demais responsáveis pondo em prática con-
• Passo 2: Renomear as reações. Essa etapa foi inspirada dutas apropriadas para a mudança de modo constante. A
na terapia de transtorno obsessivo-compulsivo, o conhe- disciplina é necessária para criar novos hábitos. A Cargill,
cido TOC. Se uma pessoa com TOC dá um novo nome a por exemplo, usa indicadores para estabelecer prioridades
um comportamento inadaptado, ela pode superar pen- de liderança e avaliar o comportamento dos gestores.
samentos disfuncionais (“Tenho de lavar as mãos para
me assegurar de que estão limpas”) e aprender que são • Passo 6: Revalorizar as escolhas em tempo real. Essa
simplesmente pensamentos (“Sinto que a urgência volta, etapa é a da atenção plena. É possível reconhecer os
mas é somente um pensamento que me é produzido pela próprios pensamentos no momento em que acontecem,
síndrome do TOC”). O ato mental de renomear melhora resistir ao sequestro da amígdala e controlar a crise.
a capacidade de distinguir e, portanto, diminui o apego Nas empresas, em vez de reverter automaticamente a
pessoal ao que se está pensando. ideia da “maneira como fazemos as coisas aqui”, as
pessoas pensam na “maneira como fazíamos as coisas,
• Passo 3: Refletir sobre expectativas e valores. Nessa pois agora fazemos melhor”. Quando as respostas auto-
etapa, as expectativas antigas são suplantadas por uma máticas mudam em um grande grupo de pessoas, surge
nova imagem do estado que se deseja alcançar. Tanto a uma nova ética organizacional. A transformação deixa
Cargill como a Ameriprise mantêm seções internas de de ser imposta e passa a ser escolhida, instalando-se
treinamento para fomentar a capacidade de reflexão co- como um novo hábito.
letiva. Os participantes falam sobre o tipo de empresa
que estão tentando criar, sobre a liderança que será ge-
rada e sobre as necessidades e valores de seus clientes. HSM Management
Nessa reflexão, a companhia emprega as expectativas © strategy+business
de condições melhores como ferramenta para reforçar reproduzido com autorização.
padrões neurais produtivos. Experimentos neurocientí- todos os direitos reservados.
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O Brasil e a
era do cérebro
Além de revolucionAr o mundo, o neurocientistA
miguel nicolelis contA, em entrevistA exclusivA, como
pode AjudAr A revolucionAr o pAís com suA especiAlidAde
‘‘Um assunto de suma importância quando um novo Os estudos de Nicolelis nessa fronteira, batizada por ele e
macaco chega ao laboratório é descobrir qual seu suco de seus colegas de “interface cérebro-máquina”, vêm se desen-
fruta favorito”, ensinou o neurocientista brasileiro Miguel volvendo velozmente desde então e os impactos potenciais
Nicolelis durante esta entrevista, mostrando que mesmo as são imensos. O menor deles é que um brasileiro finalmente
grandes inovações têm detalhes prosaicos. A macaca Rhesus ganhe um Prêmio Nobel e eleve a autoestima nacional. Ou-
Aurora, por exemplo, adorava suco de laranja, e foi para be- tros, sem a pretensão de esgotar a lista, incluem a terapia
ber litros dele que, entre 2002 e 2003, aprendeu a controlar de doenças como epilepsia e Parkinson, a possibilidade de
um braço robótico, localizado em outra sala, apenas com a um tetraplégico voltar a andar, a revolução da educação
força do pensamento —como se fosse um terceiro braço seu. brasileira, a criação de uma plataforma de inovação im-
Em seu laboratório na Duke University, na Carolina do portantíssima para o País —a indústria da neurotecnologia,
Norte, Estados Unidos, Aurora aprendeu primeiro a con- já iniciada, de certa maneira, no Rio Grande do Norte—, a
trolar mentalmente o joystick de um videogame —os mi- recuperação da vocação científico-tecnológica, que o Brasil
croeletrodos implantados em seu cérebro transmitiam seus perdeu de Alberto Santos Dumont para cá, e, filosoficamen-
impulsos neurais e estes eram convertidos em comandos te, a libertação do cérebro em relação ao corpo, o que repre-
matemáticos que podiam ser interpretados pelo computa- senta “a” mudança de paradigma mundial.
dor. Sem se mexer, Aurora acertava com o cursor os alvos Assim, no limiar da substituição da “era do corpo” pela
que apareciam na tela do computador, fazendo a melhor e “era do cérebro”, como define Nicolelis, com desdobra-
mais rápida trajetória possível. mentos imprevistos, HSM Management foi discutir to-
Quando o joystick foi trocado por um braço mecânico, das essas questões com um de seus maiores protagonistas,
num intervalo curto, Aurora continuou a fazer a mesma coi- professor de neurobiologia e engenharia biomédica, codi-
sa. Detalhe: ela acertava 98% das jogadas. Então, Nicolelis e retor do Center for Neuroengineering, da Duke University,
sua equipe entenderam: assim como a raquete se torna, para e responsável pelo Instituto Internacional de Neurociên-
o cérebro do tenista, uma extensão de seu braço ou o violão cias de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), para citar
passa a ser uma extensão dos dedos do violonista, aquele algumas de suas credenciais. Nesta entrevista exclusiva à
braço robótico virou uma extensão do corpo da macaca —só editora-executiva Adriana Salles Gomes, ele mostra oti-
que controlado apenas por sua vontade, sem exigir nenhum mismo em relação ao empresariado brasileiro —“estão
Fotos: lolastudio.com.br/Zen
trabalho muscular. Uma descoberta impressionante é que mais preocupados com o assunto do que imaginamos”—,
os comandos motores para o braço mecânico não vinham pede-lhe mais ambição e, ao mesmo tempo, externa seu
só dos neurônios normalmente ativados para mover os bra- temor de que se feche a janela de oportunidade que temos,
ços, mas também de outras áreas do cérebro, comprovando calculada em mais dois anos.
uma incrível capacidade cerebral de adaptação.
Nossas empresas se dizem ansiosas por inovar. Elas devem
perseguir uma vocação científica brasileira? Isso existe?
A entrevista é de Adriana Salles Gomes, editora-executiva Tem de existir. Acho que precisamos ser capazes de expor-
de HSM MANAGEMENT. tar conhecimento tropical, fruto do que eu posso chamar de
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“o neurocientista é um astrônomo descobrindo um novo universo: Apesar de hoje dividir seu tempo
o cérebro.” essa é a poética definição que miguel Ângelo laporta igualmente entre Brasil, estados uni-
nicolelis, de 51 anos de idade, dá a sua profissão e que reposi- dos e suíça, nicolelis é impregnado de
cionou o cérebro imediatamente em meu imaginário, muito mais suas memórias de infância, aquelas
do que suas tão impressionantes credenciais: foi o primeiro bra- que moldam o cérebro. seu conheci-
sileiro a ter artigo de capa da revista science; integra a lista dos do radicalismo pode ser atribuído em
20 maiores cientistas do mundo da década de 2000 no ranking da grande parte ao convívio estreito com
scientific American; tem um índice H (métrica de quantas vezes o a avó anarquista lygia laporta. esse
trabalho de um cientista é citado por outros na literatura mundial) neurocientista quer não apenas curar
de 57, o que é elevadíssimo; já orientou 20 teses de doutorado e doenças consideradas incuráveis, co-
45 de pós-doutorado em 29 anos de carreira, 18 dos quais na duke mo também ajudar a elaborar uma es-
university. mais que tudo, porém, a hábil analogia levou-me a que- tratégia para um país sem estratégia e
rer enxergá-lo, e descrevê-lo, da perspectiva de seu cérebro. cooperar para criar uma cultura cientí-
A neurociência comprovou que a multidisciplinaridade é chave fica em um povo que não a tem, pondo
para o cérebro desenvolver-se, e esse médico formado pela uni- o Brasil no mapa da inovação e da rele-
versidade de são paulo também é múltiplo: seguiu carreira aca- vância mundial. o radicalismo não o faz
dêmica (doutorado em fisiologia no instituto de ciências Biológicas de fácil convívio: ele não perdoa quem
da usp, professor de medicina da mesma universidade, pós-dou- colaborou com o regime militar, recusa-se a pedir recursos a
torado na Filadélfia, professor e pesquisador da duke university, empresas que ganham dinheiro com produtos nocivos à saúde,
de durham, carolina do norte), mas, ao mesmo tempo, foi em- como cigarros ou bebidas alcoólicas —“deveriam, no mínimo,
preendendo (como no instituto internacional de neurociências de financiar pesquisas sobre a cura dos males que causam”—, não
natal edmond e lily safra, iinn-els), participando de comissões poupa de críticas os que chama de “pseudocientistas” e “terro-
governamentais (preside a comissão do Futuro, do ministério de ristas”, que atemorizam as pessoas com as ciências. e provo-
ciência e tecnologia), escrevendo ficção, sendo pintor autodidata, cou a ira de um grupo de neurocientistas ligados à universidade
torcendo fanaticamente por futebol (Brasil e palmeiras) e, quando Federal do rio grande do norte, que foi à mídia contra ele [leia
o twitter apareceu, participando ativamente desse microblog. mais sobre isso no quadro da página 80].
se “ensinar para aprender” é a lógica cerebral, nicolelis ensi- no entanto, suas memórias tão profundamente brasileiras
na às mais distintas plateias, seja de um programa de tv popular explicam a paixão pelo país. As saudades que declara sentir
como o dominical Fantástico ou um talk show cool como o de jon de pão de queijo, sanduíche bauru, esfiha paulistana, bombom
stewart nos euA, seja no livro infantil que trabalha com a mãe es- sonho de valsa, chocolate diamante negro, goiabada com quei-
critora, giselda laporta nicolelis —uma versão de muito Além do jo de minas fortalecem seu comprometimento com o Brasil.
nosso eu (ed. companhia das letras)—, ou num evento para ges- tudo me faz crer que o cérebro de miguel nicolelis é bas-
tores como o Fórum novas Fronteiras da gestão, organizado pela tante complexo. como a história mostra, contudo, não são cé-
Hsm do Brasil, que ocorrerá em agosto próximo em são paulo. rebros simples que mudam os países —ou o mundo.
ciência tropical. Exemplo disso é o que está acontecendo lá crianças, coisas que o mundo inteiro está observando. Por
no Fundão, no Rio de Janeiro, em que estão criando prova- exemplo, estamos avançando rapidamente no desenvolvi-
velmente o maior parque tecnológico industrial da indús- mento de uma nova terapia da doença de Parkinson, já em
tria do petróleo e do gás em todo o mundo. Outras frentes? teste com primatas. Temos outras pesquisas que vão ser pu-
Biologia marinha, doenças tropicais, fontes alternativas de blicadas este ano também, completamente diferentes do que
energia, farmacologia, botânica e, claro, neurociência. fizemos até agora: são na área da interface cérebro-máquina
Já fazemos pesquisas de ponta no Instituto Internacio- e descobertas sobre mecanismos fisiológicos de funciona-
nal de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra, no Rio mento do cérebro, que não têm aplicação prática imediata,
Grande do Norte, relativas a doenças degenerativas, à inter- mas terão no futuro. Só que, seguindo o protocolo científico,
face cérebro-máquina e a uma educação revolucionária de ainda não posso falar sobre elas, que estão sendo revisadas.
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Queremos ampliar o instituto transformando-o no Cam- Como não estamos atrelados a ninguém, podemos dizer
pus do Cérebro. Seria um parque neurotecnológico, que ins- a verdade, e ela é chocante. O único remédio é: precisamos
talaria no Brasil uma cadeia produtiva de neurotecnologia, e formar gente. E nós estamos tratando essa questão com
futuramente isso se converteria na Cidade do Cérebro —um uma dolorosa superficialidade.
modelo a replicar em outras regiões do País.
Uma parte do empresariado brasileiro parece que já se con-
O que vocês estão fazendo para que isso aconteça? formou com o gap que o Brasil tem em relação aos países
Para dar visibilidade a nosso objetivo, estamos buscando mais inovadores em termos de ciência e tecnologia e desistiu
patrocínio para fazer uma demonstração do nosso projeto de tentar diminuí-lo. Outra parte, menor, quer avidamente
Walk Again na abertura da Copa do Mundo de Futebol ser “tech”. Se isso fosse um jogo, que time venceria?
que será sediada pelo Brasil em 2014. Nosso sonho é que A diferença entre o Brasil e os Estados Unidos nas condi-
uma criança tetraplégica volte a andar utilizan- ções para fazer ciência é realmente grande,
do um terno robótico comandado por a começar pelo fato de que lá a ciência
seu cérebro e dê o chute inicial no faz parte do dia a dia das pessoas e
jogo inaugural. aqui não. Mas é preciso entender
Isso, aliás, teria um efeito ex- que essa situação é produto de
tremamente benéfico para a
“De acordo com essa lógica um pensamento conformista
marca Brasil, ao tirar o es- atrasada [de parte do como o desses empresários
tigma de que aqui só tem empresariado], devemos do time número um, que
futebol e música, conferin- dominou nossa vida du-
do-nos uma imagem cien- continuar sendo uma rante 400 anos. De acordo
tífica que ajuda a construir colônia, não de Portugal, com essa lógica atrasada,
a cultura de ciência e inova- devemos continuar sendo
ção de que tanto precisamos.
mas dos países que uma colônia —não mais
desenvolvem ciência” de Portugal, mas de outros
O projeto Walk Again continuaria lá fora países que desenvolvem
ou seria transferido para cá? ciência e tecnologia.
Ele é financiado por um consórcio interna- Esse conformismo é quase
cional e continuaria entre Estados Unidos, Suíça aético, porque nos condena a ser
e Alemanha, mas a gente quer trazer toda essa tecnologia subservientes, seguidores eternos,
para Natal —e eventualmente para São Paulo— para servir obedecendo às normas científicas
também como alavanca do parque neurotecnológico. ditadas por outra sociedade. Ciência, neste
século, é uma questão de soberania nacional.
E como anda o processo de viabilização, tanto do pontapé ini-
cial como desse cluster de neurotecnologia no Brasil? Por quê?
O patrocínio ao chute inicial temos dois meses para viabili- Se um país não investir em áreas estratégicas, científicas e
zar e estamos conversando com muitas empresas —o apoio tecnológicas, ele fica completamente à mercê de quem de-
do governo já possuímos, mas é preciso mais do que isso. tém o conhecimento. Hoje, se os fornecedores de micropro-
Por exemplo, em São Paulo, procuramos um hospital par- cessadores decidirem boicotar o Brasil, o País para. Se os
ceiro, para fazer toda a parte clínica, algo bem difícil. satélites internacionais não aceitarem fazer o serviço de que
Sobre a viabilização do cluster, creio que temos uma jane- o Brasil precisa, já era. Não tenho muita dúvida de que, se
la de oportunidade de dois anos, não mais; outros países têm quiserem desligar a internet do Brasil fora daqui, desligam.
se dedicado ao assunto também. Por exemplo, eu me orgulho muitíssimo da Embraer, mas
ela não faz turbina nem avionics no Brasil; compra fora e, se
O governo faz a figura de um planejador central na iniciativa? o fornecimento parar, não terá a quem pedir socorro.
Não no projeto do chute inicial, mas o governo é o planeja-
dor de um modelo de ciência para o Brasil. Não sei se os lei- Em cenários de guerra ou catástrofes, o fornecimento pode
tores da sua revista conhecem a Comissão do Futuro. É uma cessar, de fato. Mas parece impossível reduzir a diferença...
comissão de cientistas voluntários e independentes, da qual Outros países a estão reduzindo, por que não o Brasil? Hoje
faço parte, que foi convidada pelo Ministério da Ciência e os Estados Unidos enfrentam uma crise tremenda em seu
Tecnologia para criar esse modelo. Nos próximos dois a três financiamento científico e no grau de educação científica, e
meses devemos terminar um primeiro relatório que trará à outras nações, que há décadas ninguém imaginaria compe-
tona, creio eu, a gravidade da situação do País em relação a titivas na área, aparecem com força, como a Coreia do Sul
seus competidores. ou a Finlândia, com o melhor ensino de ciência do mundo.
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O que é essa crise científica dos Estados Unidos? a Lua; não tinham a menor ideia de como chegar lá, mas
Essas universidades maravilhosas dos Estados Unidos o desafio que eles se impuseram como nação galvanizou a
só existem porque receberam subsídios gigantescos do população inteira, e eles encontraram uma forma de ir.
governo federal. Harvard, para citar um exemplo, recebe
centenas de milhões de dólares por ano em verba para Como podemos construir uma cultura da ciência no dia a dia?
pesquisa, e é isso que faz com que possa funcionar. Na Como nos Estados Unidos, onde você leva seu filho ao Air
hora em que o dinheiro estatal for removido, elas vão de- Space Museum, em Washington, e mostra a conquista do es-
saparecer; estão se dando conta de que esse é um modelo paço. A criançada vai lá já aos 4 anos de idade e se emocio-
absolutamente não sustentável. na. Temos de contar histórias da ciência do mundo inteiro
A sociedade norte-americana, mais do que qualquer ou- e do Brasil, como a de meu orientador, que conto em meu
tra, reconhecia a necessidade do desenvolvimento tecnoló- livro, dr. César Timo-Iaria —foi uma pessoa fenomenal.
gico e científico como parte essencial do desenvolvimento
econômico do país. Agora não há mais esse pacto social. Há um pouco de culpa das nossas universidades na história?
Sim, as universidades brasileiras têm um modelo de fun-
Esse pacto nunca houve no Brasil... cionamento muito arcaico e corporativista, ainda não che-
Nunca. Ciência e tecnologia aqui sempre foram feitas para garam ao século 21. Impõem dificuldades imensas a seus
uma minoria, de maneira artesanal; você precisava ser fi- pesquisadores: eles têm de fazer múltiplas coisas ao mesmo
lho de família rica para entrar na USP [Universidade de São tempo além de pesquisar, como dar aulas, cuidar das ques-
Paulo], fazer doutorado e virar cientista. Nos Estados Uni- tões administrativas e agora ser empreendedores. Com tan-
dos, você sempre pôde ter origem humilde e conseguir uma tas atribuições, é difícil fazer bem alguma.
bolsa de estudos para se dedicar à pesquisa; há estímulo à
carreira científica e reconhecimento pela sociedade. Mas o sr. teve de ser empreendedor nos Estados Unidos...
Talvez o ponto de partida do Brasil seja uma cultura de Sim, mas lá tenho equipe e fui treinado para isso. Reproduzi
ciência e um desafio que galvanize o país inteiro, como o esse aprendizado aqui, no Instituto de Neurociências de Na-
da Copa. Pense em quando os americanos decidiram ir para tal. Conseguimos o terreno, em Macaíba, como doação da
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte; o governo es-
Entenda o
tadual cuidou de água, luz e estrada; o governo federal con-
tribuiu com os recursos para a construção; e a sra. Lily Safra trabalho de
nos ajudou a equipá-lo e sustentá-lo, fazendo, creio, a maior
doação privada para a ciência em toda a história do Brasil. Nicolelis
O que precisaria mudar na universidade brasileira? miguel nicolelis, com o cientista john chapin, ajudou a
Criar a carreira de pesquisador e treiná-lo para estruturar mudar o enfoque dos estudos da fisiologia do cérebro.
um negócio são bons começos. Outro ponto de virada se- eles foram estudar como se comportava o cérebro de
ria não ter tanto receio de reconhecer e privilegiar o que animais como ratos quando estes faziam atividades inte-
tem mérito. Como há muita dificuldade em dizer “não” no ressantes: “em vez de olhar uma célula de cada vez, ana-
Brasil, quando surge um pool de recursos, eles são pulveri- lisamos grandes grupos que nos permitem chegar mais
zados para contentar todo mundo, em vez de concentrados perto da dinâmica de funcionamento dessa estrutura em
em uma pesquisa que tenha mérito e possa realmente fazer termos operacionais, o como funciona”. em 1995, eles
diferença, que é como se faz mundo afora. começaram a medir os impulsos cerebrais (sinais elétri-
Além disso, em ciência existe uma premência de apoiar cos) de 50 neurônios ao mesmo tempo, ouvindo o som do
os jovens, que estão iniciando a carreira —a ciência vive des- cérebro em tempo real. já estão conseguindo fazê-lo com
sa renovação contínua. Só que, no Brasil, acontece o oposto: mil neurônios ao mesmo tempo e, em cinco a dez anos,
a gente concentra todo nosso apoio financeiro, estratégico pretendem fazê-lo com até 100 mil. A partir desse feito,
e político em quem está no final da carreira. Essa casta do vieram várias descobertas, entre elas:
CNPq [Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico] não existe em nenhum lugar do mundo. • O cérebro funciona como uma demo-
cracia neural, não como a ditadura de um
E foi assim que o Brasil exportou Miguel Nicolelis? neurônio específico. cada função é exercida
Não, quando fui embora fazer meu doutorado, no começo de por vários neurônios e cada neurônio tem
1989, eu era muito jovem, nem sabia dessas coisas. Por ou- potencial para exercer várias funções.
tro lado, quando terminei o doutorado, logo vi que não teria
a menor chance de fazer aqui o que eu queria. Só comecei a
voltar, ainda parcialmente, em 2003. • Os sinais elétricos emitidos pelos neu-
rônios são caóticos —e devem sê-lo, pois,
Houve um esforço do governo para repatriar cientistas, não se ficam muito sincrônicos e disciplinados,
foi? Bem, um modelo de ciência que atraia as empresas deve ocorre a crise de epilepsia. desorganizar
conter uma promessa de lucro. Como garantir isso? esses sinais somando-lhes sinais elétricos
No parque neurotecnológico, por exemplo, há essa promes- artificiais no nervo da face faz cessar a crise.
sa. Uma fração dessa atividade econômica tem de gerar os
recursos para manter e ampliar as ações sociais que inicia- • Com o mal de Parkinson, o cérebro se
mos e o restante fica para o investidor. Se nosso empreen- comporta como numa crise epiléptica de
dedorismo não fosse tão primitivo em geral, essa promessa baixa frequência. então, desorganizar os
de lucro seria enxergada. Não dá para querer ter o máximo sinais com estímulos na medula espinhal,
possível de lucro daqui a 10 milissegundos. por exemplo, melhora sensivelmente os
É hora de as empresas brasileiras verem que o resto do sintomas da doença, que, contudo, não
mundo está fazendo coisas inovadoras e de longo prazo, tem cura. um rato com parkinson avançado, que já não se
aceitando o desafio do complexo, e nós não. Eu acredito no movia, conseguiu ir beber água e uma macaca no mesmo
futuro do capitalismo brasileiro como ganha-ganha. estágio da doença escalou a jaula para pegar uma banana.
Só que o sr. fala em não registrar patente e doar tudo para • E se os sinais elétricos artificiais forem
a humanidade, à la Santos Dumont... Isso provoca arrepios. comandados pelo cérebro? talvez os te-
Na Duke University, também sofro uma pressão muito gran- traplégicos possam voltar a andar, com a
de para patentear tudo o que eu faço. Em alguns casos, não ajuda de uma interface cérebro-máquina,
tive alternativa e patenteei de fato. o terno robótico do projeto Walk Again. o
Veja: eu entendo essa discussão da propriedade intelec- experimento da macaca Aurora no videoga-
tual, só que, como muitas coisas, ela é usada de maneira me, descrito no início deste texto, provou isso e somou-
indevida. Em algumas situações, as patentes são aceitáveis; se a ele outro, igualmente bem-sucedido, em que a
em outras, não. Por exemplo, precisávamos desenvolver, no macaca idoya comandou, com o pensamento, um robô no
Japão.
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o conteúdo de gordura de uma semente do semiárido nor- E que, ao fazê-lo, inclui a inovação e o empreendedorismo.
destino como possível fonte de biodiesel e já está pensando Com que empresas o sr. está conversando?
na possibilidade de abrir um negócio de certificação de óleo Foram várias nos últimos meses e estou animado; tem mais
vegetal do semiárido, algo que não existe. gente preocupada com esse tipo de coisa do que imagina-
mos. Esse diálogo da ciência com as empresas certamente
Ou seja, mesmo que essas crianças não se tornem cientistas, ainda é mais fácil fora do Brasil, mas começa a melhorar
elas se tornam empreendedores... aqui também. Ainda não posso anunciar nada oficialmen-
Sim, à medida que pegam o gosto por inovar. Esse é o cami- te, porém tenho a impressão de que nos próximos meses
nho: inovação se faz com gente que pensa diferente e que vamos fazer alguns anúncios que chocarão o empresariado
quer mudar o mundo. E, se essas crianças, apesar de se- brasileiro que ainda não embarcou nessa filosofia.
rem de lugares tão periféricos que quase ninguém sabe que
existem, hoje têm certeza de que podem mudar o Esses princípios da neurociência para a edu-
mundo, há futuro para o Brasil, principal- cação são bem similares às ideias de
mente se conseguirmos multiplicar educadores como Paulo Freire e Ru-
essa experiência. bem Alves, não?
Eu gosto de dizer que nosso cur-
Eu desconfio que Peter
“Esse diálogo da ciência rículo é produto de um matri-
Drucker, que é a maior len- com as empresas mônio de Paulo Freire com
da do pensamento de ges- certamente ainda é mais Santos Dumont. Porque é
tão e gostava particular- importante ter conteúdo
mente do Brasil, vibraria fácil fora do Brasil, mas também e não apenas ins-
com essa perspectiva. Em começa a melhorar tigar a pensar. Sabe o que é
sua última entrevista em impressionante? A autoes-
vida, que foi concedida a HSM
aqui também” tima dos nossos alunos é
Management, ele disse que nos- elevadíssima. Pode entrar
so real entrave era essa desigualdade a Lady Gaga lá, ou qualquer
Norte-Sul... outra celebridade, eles não se
Sem dúvida. Nós precisamos de escala —um abalam. Continuam focados.
conceito que qualquer empresário entende—
para ter os grandes talentos necessários à inovação no Posso fazer uma provocação? Paulo
Brasil; não pode haver escala só com o Sul e o Sudeste, ex- Freire não era exatamente um fã da
cluindo todo o resto. ciência... E o sr. não acha que a sociedade
Como podemos extrair um Neymar da ciência se concen- atual tenta transformar a ciência num novo deus?
tramos todo o esforço de recrutamento de cientistas em dois Paulo Freire tinha um pré-conceito em relação à
ou três estados do País? Eu sou de São Paulo e adoro isso ciência porque não a praticou, apenas a viu de fora. Mas
aqui, mas não tem nenhum cabimento você concentrar 70% fez um trabalho neurocientífico sem saber. Agora, não po-
da produção científica em São Paulo. Do ponto de vista hu- demos transformar ciência em religião. Ela tem limites
mano, ciência é que nem futebol ou arte: precisa de talentos, metodológicos, interpretações, e a gente tem sempre de
onde quer que estejam. saber que toda descoberta precisa ser reproduzida antes
de ser considerada um fato. E devemos tomar muito cui-
Dá para incutir mentalidade científica nas escolas públicas? dado com a pseudociência.
Sim! Neste instante, minha ambição é criar um currículo
que possa ser espalhado por toda a rede federal e estamos Qual o limite dessa popularização da neurociência? Por
conversando com o governo a esse respeito. E também es- exemplo, no caso dos negócios, ela tem levado as empresas
tamos falando com empresas para que criem as próprias a repensar suas práticas, humanizando-as, o que é bom...
escolas baseadas nos princípios da neurociência. Assim, Estou entre os que defendem o entendimento de que tudo o
contribuirão duplamente: para o Brasil, porque ajudarão a que fazemos depende do tipo de cérebro que temos. Mas a
fazer essa revolução educacional de que tanto precisamos; manipulação com argumentos neurocientíficos é grave.
para si, porque vão garantir seu futuro estrategicamente
com mão de obra qualificada —as crianças vão ser tão gra- Há terrorismo em relação a essa capacidade que a ciência
tas e tão vinculadas a sua filosofia que serão seus melhores teria de nos manipular ou nos dominar? Ou é tudo verdade?
e mais leais executivos, engenheiros e técnicos. Seus CEOs A ficção científica, hoje em dia, é dominada pelos cená-
sairão dessas escolas. É um novo tipo de cadeia produtiva rios aterradores de que a ciência vai nos conduzir ao fim
que inclui a educação. da raça humana e isso cria uma imagem, no inconsciente
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“O Prêmio Nobel é
coletivo, de que cientistas importante para a autoestima
são agentes do mal e da
destruição. Ocorre que de um país como o Brasil,
a vasta maioria dos mas, se a gente fizer
cientistas está preocu-
pada em fazer coisas 20 milhões de pessoas
que, se derem certo, no mundo voltarem a andar,
podem mudar nossa
que diferença
vida para muito melhor.
Uma das motivações que tive faz um prêmio?”
para escrever meu livro, Muito Além
do Nosso Eu, foi tentar mostrar uma vi-
são muito mais otimista do que pode acon-
tecer em decorrência de todas essas pesquisas atuais.
Com os computadores cada vez mais inteligentes, a máquina futuro. Além disso, o cérebro é um sugador de estatísticas,
não vai substituir o homem mesmo? de informações e de padrões do mundo. Quando você vai
Nunca! O cérebro não pode ser reduzido a um algoritmo. ao cinema e vê uma atriz que acha fenomenal fazendo um
Boa parte do que fazemos em nossa rotina diária até é pas- gesto, tende a incorporar aquilo também.
sível de um tratamento computacional, como escrever um Agora, pode-se dizer que ele também cria o futuro, na me-
texto, entrar na internet, postar uma fotografia, mas escrever dida em que os neurônios se movimentam 200 milésimos
um soneto de Shakespeare nenhum computador escreve. E de segundo antes de o corpo executar o comando corres-
isso vai ser sempre necessário. pondente. E ainda não há consenso, mas são fortes as supo-
sições de que, durante o sonho, o cérebro faz simulações de
O computador não imitará o cérebro a ponto de substituí-lo, cenários futuros, como se estivesse planejando coisas com
que bom! Mas a sociedade imita o cérebro? grande antecedência.
Essa é uma das questões em que tenho pensado muito nos
últimos anos: será que o modo de funcionamento do cére- Para terminar: o sr. vai trazer o primeiro Prêmio Nobel para
bro ganha escala, tanto para baixo quanto para cima? Tra- o Brasil, de medicina ou fisiologia?
duzindo: será que influencia tanto uma unidade “menor”, O Prêmio Nobel é importante para a autoestima de um país
como o gene, quanto uma unidade “maior”, como o grupo como o Brasil. Seria uma afirmação da ciência brasileira,
social? Será que nossos padrões de comportamento social que o merece porque tem muita gente talentosa —e algum
em grupos refletem a maneira como a população de neurô- brasileiro vai acabar ganhando uma hora dessas. Mas eu
nios do cérebro funciona? pessoalmente não posso pautar minha carreira científica
Mais e mais a biologia tem mostrado que o processamen- por esse tipo de recompensa, porque quem faz isso tende
to distribuído por populações pode, sim, vir a ser o algoritmo a se frustrar e porque, comparativamente, não tem tanta
da biologia para tudo: para gene, para proteína, para como graça: se a gente conseguir fazer 20 milhões de pessoas no
uma membrana das células funciona, para como as células mundo voltarem a andar, que diferença faz um prêmio?
funcionam em cooperação etc. Então, as evidências dessa Por outro lado, admito que o fato de eu ter sido o primeiro
escalada para baixo têm aumentado muito. Agora, para brasileiro a ir a um Simpósio Nobel fez valer meus quase
cima, eu tenho a suspeita, sem nenhuma prova científica, de 30 anos de trabalho duro. Acho que os suecos sentiram o ba-
que existe uma relação entre as coisas de fato. E é uma linha que do projeto Walk Again. Agora, permita-me compartilhar
de pesquisa em que gostaria de embarcar: a neurociência uma lição valiosa que aprendi com os americanos: você tem
social. Descobrir algo assim seria uma revolução. de “talk the talk” e “walk the walk”. Falar é necessário, mas
não basta; precisa correr atrás e fazer.
Quanto o cérebro reproduz o passado e cria o futuro?
O passado está totalmente registrado em nosso cérebro e
determina em grande parte como vamos reagir a um evento HSM Management
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