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空手道

Karate-dō
師範語録
Analetos do Shihan

大塚博紀著
por Ōtsuka Hironori

Abelardo Luz - SC, 2023


Karate-dō: Analetos do Shihan, por Ōtsuka Hironori. Guilherme Babo Editor, 2023.

Traduzido em Abelardo Luz - SC, entre os meses de julho de 2022 e janeiro de 2023, por
Guilherme Babo Sedlacek, a partir da edição do texto em língua inglesa, com a tradução
de Shingo Ishida, de Masters Publication - Hamilton, 1997.

Edição original em língua japonesa por Tōyō Publishing - Tokyo, 1970.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

Ō92 Ōtsuka Hironori

Karate-dō : analetos do shihan [livro eletrônico] / Ōtsuka


Hironori ; tradução Guilherme Babo Sedlacek – 1. ed. – Abelardo
Luz, SC : Guilherme Babo Editor, 2023.
68 p. ; PDF ; 14,8cm x 21cm.

Título original: Wado Ryu Karate


ISBN: 978-65-00-61897-6

1. Artes marciais - karatê. 2. Artes marciais - filosofia. 3.


Budō. 4. Wadō-Ryū Karate. 5. Paz e harmonia. I. Título.

CDD 796.8153

Índice para catálogo sistemático:

1. Karatê : Artes Marciais Asiáticas 796.8153

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte, autoria e
tradução, sendo proibido qualquer uso para fins comerciais.
Nota do tradutor

A coletânea de textos a seguir constitui apenas a primeira parte do livro do


sensei Ōtsuka Hironori, que na edição original se chama Shihan Goroku
(師範 語録) e na edição em língua inglesa consta como Analects of the
Instructor, sendo seguida por outras duas partes: 実技篇 (Jitsugi-hen, ou
“compilação de habilidades práticas”) e 形の部 (Katachi no bu, ou “seção
de kata”) – traduzidas em inglês como Technique e Kata. Embora não
pretenda aqui apresentar uma tradução definitiva para a língua portuguesa
dos textos coletados, e considere que uma tradução integral do livro,
diretamente do texto japonês, seja necessária, ainda assim considero que
esta publicação tem algum interesse para praticantes e estudiosos do karatê
no nosso país. O karatê Wadō-Ryū já era ensinado em terras brasileiras em
1970, ano da edição japonesa original, da Tōyō Publishing, mas levou
vinte e sete anos para que o livro fosse traduzido para o inglês e outros
tantos para que surgisse esta tradução parcial em português.
Se, por um lado, os fundamentos e as formas vêm sendo preservados e
transmitidos de forma imaterial pelos mestres do karatê Wadō-Ryū no país,
já os textos do mestre fundador eram pouco acessíveis entre nós por mais
de cinquenta anos desde que foram escritos. Espero contribuir em alguma
medida para a transmissão destes textos entre praticantes de karatê e
demais artistas marciais brasileiros, materializando o princípio do
bunbu-ryōdō (文武両道), tão caro ao sensei Ōtsuka.
Embora esta coletânea tenha sido traduzida a partir de outra tradução,
editada em língua inglesa, algumas palavras ou expressões presentes nos
títulos e nos corpos dos textos foram mantidas em japonês ou traduzidas de
forma distinta do texto-base. Tais escolhas foram feitas para que a essência
e os significados mais profundos do pensamento marcial presentes nesses
conceitos fossem enfatizados, ou ainda para maior fidelidade com o texto
original - como no caso do título do livro “Karate-dō”, em lugar de “Wado
Ryu Karate”, tal como na tradução de Shingo Ishida. Também optei por
traduzir os dois pensamentos que abrem e fecham os analetos (páginas 08 e
68) diretamente do texto original em japonês.

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Como a edição usada como texto-base para esta tradução oferecia o título
de cada texto da coletânea em língua japonesa, optei por reproduzi-los aqui
também, acrescentando sua transliteração no sistema Hepburn. Busquei
assim facilitar a leitura dos títulos originais e reforçar ao leitor e praticante
de karatê o sentido de conceitos e expressões que podem ser familiares a
este, por estarem presentes no seu treinamento, mas cujos caracteres (kanji)
muitas vezes são desconhecidos – como kata, seiken, kamae ou uke.
Em contrapartida, a edição em língua inglesa apresenta dois textos da
coletânea apenas com os nomes em conceitos japoneses derivados do título
original – “Igata and Kata” e “Machite and Kakete”, respectivamente
traduzidos aqui como “Molde e forma” e “Antecipação e iniciativa”.
Acredito que esta escolha enriquece a experiência de leitura, uma vez que
já forneci os títulos transliterados em língua japonesa, além dos títulos
originais. Tratando-se essencialmente de escolhas de tradução, preferi
evitar o jogo de palavras “fôrma e forma”, considerando que o exemplo
fornecido no texto pela metáfora da panela torna-se mais claro com a
tradução do caractere igata (型) por “molde”.
Espero que a leitura do último texto – “Antecipação e iniciativa” – ajude a
explicar três dos fundamentos de mais difícil compreensão e aplicação no
karatê: gosen no te (後先の手) ou go no sen (後の先); sensen no sente
(先々の先手) ou sensen no sen (先々の先); e sente (先手) ou sen no sen
(後の先). São princípios relacionados à “antecipação” (ação a partir de
uma previsão ou pré-leitura do adversário) e “iniciativa” (precipitar-se
sobre o adversário; colocar em moção). Há variações de nomenclatura e
definição desses conceitos entre diferentes artes marciais japonesas e
okinawanas e deve-se ter em conta que o karatê Wadō-Ryū tem princípios
herdados do Shindō Yōshin-ryū jūjutsu que lhe são específicos e
distinguem de outros estilo de karatê.
Algumas escolhas da tradução foram um pouco mais difíceis, como, por
exemplo, os conceitos de kokoro e ki, ou os termos técnicos kamae e uke.
Certamente, os caracteres 心 e 気 estão entre os de mais difícil tradução,
embora sejam centrais nas artes marciais. O primeiro deles pode ser lido
kokoro ou shin, enquanto o segundo é lido ki. Ambos significam ao mesmo
tempo “mente, coração e espírito”, o que representa uma trindade
indissociável na língua japonesa e revela um aspecto holístico do
pensamento oriental que se manifesta nas artes marciais. Além disso, 気

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também pode se referir ao conceito taoísta ki, a energia vital (embora o
caractere chinês tradicional para qì seja 氣, este não é usado na língua
japonesa). O leitor não pode perder de vista esta unidade entre aquilo que
no pensamento ocidental são três dimensões distintas e a influência taoísta.
Neste texto, optei por traduzir kokoro por “espírito” e ki por “mente”, pois
me pareceram escolhas mais fiéis ao pensamento do shihan Ōtsuka.
Optei por não traduzir kamae (構え) por “postura”, como na edição em
língua inglesa, embora não considere que esta seja uma tradução errada.
Acontece que “postura” pode ser também confundido com o termo tachi
(立ち), que é lido dachi quando se encontra na posição de sufixo, e que
muitos traduzem por “base”, mas que traz mais a ideia de “postura para
movimentação”. Assim, traduzi kamae por “preparação”, o que considero
mais adequado também para as expressões de kigamae (気構え) e
kokorogamae (心構え), respectivamente traduzidas por “preparação
mental” e “preparação espiritual”. Também optei por não traduzir uke (受
け) por “defesa” ou “bloqueio”, preferindo a noção de “recepção”. Uke traz
consigo a ideia de “aquele que recebe a técnica” e, como o próprio texto
enfatiza, é simultaneamente defesa e ataque. Além disso, o karatê
Wadō-Ryū é baseado em noções como nagasu (流す), inasu (往なす) e
noru (乗る), em que deixar o ataque do adversário fluir, esquivar-se dele ou
acompanhá-lo é priorizado em lugar de bloqueá-lo.
Cabe por fim destacar que a palavra “Analetos”, presente no subtítulo desta
obra, pode levar a uma confusão sobre sua acepção, associando-a aos
famosos textos da tradição confuciana. Tratam-se, no entanto, de diferentes
palavras e caracteres na língua japonesa. Para referir-se especificamente
aos “Analetos de Confúcio” usam-se os caracteres 論語 (pinyin: Lúnyǔ),
cuja leitura em japonês é Rongo. Já os caracteres utilizados no subtítulo
“Analetos do Shihan” - 語録, cuja leitura japonesa é goroku - referem-se
de modo geral a uma coletânea de textos ou dizeres de um autor.
Dedico esta tradução ao sensei Ladislav Lenoch, da Undo Kan Wado Ryu
Karatê-Dô (Francisco Beltrão - PR), e ao sensei Darci Wittes da Silva, da
Associação Xanxerê de Karatê (Xanxerê - SC), cujas vidas dedicadas ao
karatê Wadō-Ryū me permitiram ter acesso aos ensinamentos e técnicas
desenvolvidas pelo shihan Ōtsuka Hironori.
Fonte dos analetos: ŌTSUKA Hironori, Wado Ryu Karate. Translated by Shingo Ishida.
Hamilton: Masters Publication, 1997, p. 3-34.

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師範語録
Shihan Goroku
Analetos do Shihan



和 は

道 た
究 あ
め ら

和 と

博 求 な
紀 む 思
道 ひ

“O caminho da marcialidade não é algo vulgar, penso eu.


Trata-se de dominar o caminho da paz e da harmonia;
de buscar o caminho da paz e da harmonia”

Ōtsuka Hironori

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Sumário

A origem do budō ……………………………………………… p. 10


O caminho da marcialidade ……………………………………… p. 12
Caminho e técnica ……………………………………………… p. 14
Propósito do treinamento em artes marciais ……….…………… p. 16
O que é o Espírito do Budō? ……………………………………… p. 18
O Espírito do Budō também é necessário às pessoas modernas …… p. 19
O Caminho Duplo Civil-Marcial (bunbu-ryōdō) é indissociável … p. 20
Como deve ser o budō dos tempos modernos …………………… p. 22
Relação entre o Espírito do Budō e o treinamento em artes marciais p. 24
Artes marciais são técnicas de paz e harmonia ……………… p. 28
Punho correto / punho justo (seiken) …………………………… p. 31
O ideal e o atual …………………………………………… p. 32
Espírito do Budō e espírito do esporte ………………………… p. 33
Concessão e cooperação ……………………………………… p. 35
Shuhari …………………………………………………… p. 37
Veneração às divindades do altar de um dōjō do caminho marcial .. p. 38
Entrar no kata, então afastar-se do kata ……………………… p. 41
Molde e forma ……………………..……………………… p. 43
Diferença entre atos grandiosos e atos inúteis ………………… p. 45
Diferença entre atos rápidos e atos banais …………………… p. 47
Artes marciais e defesa pessoal ……………………………… p. 48
Preparação mental e preparação espiritual ………………… p. 50
Percepção, espírito, força e técnica são um só ……………… p. 55
Força física, força mental, força técnica ……………………… p. 62
Preparação e recepção ……………………………………… p. 64
Antecipação e iniciativa ……………………………………… p. 66

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武道の発祥
Budō no hatsusachi
A origem do budō

Eu não possuo conhecimento muito específico de história –


portanto, eu não posso declarar com precisão a origem histórica do budō
(武道 - “caminho marcial”). Entretanto, eu acredito que o seguinte seja
possível. Quase todos os animais possuem algum tipo de habilidade ou
algo com que se proteger de danos externos. Isto inclui camuflagem,
veneno, visão precisa, presas, garras, chifres, movimentação rápida e
agilidade, vôo, entre outras coisas, para citar algumas. Cada um tem
também seu próprio método particular para lutar.

Os humanos também têm a habilidade para lutar, embora essa


habilidade varie enormemente de pessoa para pessoa. Métodos para socar,
chutar e arremessar existem como hábitos para alguns indivíduos.

Seres humanos podem ter incorporado essa habilidade natural para


caçar alimentos, ou para se protegerem de seus predadores. Então, essa
habilidade para lutar foi usada pelos fortes para controlar os fracos,
levando ao estabelecimento de grupos e associações organizados. Para
além da manutenção da unidade e estabilidade do grupo, o poder era
necessário para manter a autoridade do grupo sobre outros.

Juntamente com o desenvolvimento da sociedade, armas e


armamentos foram criados juntos com seus métodos de uso e assim

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surgiram a espada, o arco e flecha e a arma de fogo. Da mesma forma,
métodos de luta que não incorporam armas como o sumō (相撲), o jūjutsu
(柔術) e o karate (空手) se desenvolveram depois. O progresso científico
agora atingiu um ponto em que a bomba de hidrogênio e mísseis nucleares
são facilmente produzidos.

Uma vez que os seres humanos possuem cobiça e desejo, esta


conclusão era inevitável. Desnecessário dizer que, em tempos
pré-históricos, esse não era o caso - tudo era mais pacífico. A ironia no
progresso científico é que, ao tornar as vidas das pessoas mais fáceis de
serem vividas, ele rompeu a ordem e a paz que anteriormente existiam na
sociedade. Não existe fim para o progresso científico. O desenvolvimento
de armas eventualmente alcançará, se é que ainda não o fez, um ponto em
que as armas servirão apenas para nos destruir. Isto então tornaria os
humanos equivalentes às bestas primitivas. Por isso, o estabelecimento do
budō deve servir àquilo que é o seu propósito.

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武の道
Bu no dō
O caminho da marcialidade

Diz-se que bu simboliza a paz. O caractere para bu – 武 – se divide


em duas partes, uma significa guerra ou luta, enquanto a outra parte
significa reduzir. Um velho ditado afirma, “reduza a guerra e o conflito no
mundo para estabelecer a paz e tornar a vida frutífera”. Portanto, esta
afirmação é essencialmente o significado do caractere bu e este é o
caminho marcial.

Todas as nações e sociedades adaptaram suas principais crenças de


acordo com o tempo e as mudanças progressivas. Bu se adapta de forma
similar e se reorienta também, é claro. No período feudal, o único objeto
de preocupação era ser vitorioso sobre o inimigo - a ênfase era colocada na
habilidade, na prática e na força do corpo.

Após as guerras, durante a pacífica reconstrução da sociedade, o


foco foi transferido, sendo colocado nas forças mentais como lealdade,
integridade, sacrifício e dedicação. Da era Tokugawa em diante, tais
deslocamentos de foco e ênfase ocorreram não apenas entre a classe militar
(武士 - bushi), mas entre os cidadãos comuns também.

Assim, bu voltou a ter sua ênfase na paz - todavia, era usado como
método com o qual manter a autoridade do controle por certos indivíduos.

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Conforme a história avançou para as eras Meiji, Taishō e Shōwa e nós
assistimos à derrota final do Japão na 2ª Guerra Mundial, bu manteve sua
existência na sociedade de uma maneira ou de outra.

Então, nós assistimos ao nascimento de uma nação democrática no


Japão a partir de seu estado fascista anterior. Em uma sociedade tão
altamente progressista e culturalmente desenvolvida, paz e harmonia não
devem ser apenas para um indivíduo nem para um governo. Deve haver
paz para todos os indivíduos. Se não for assim, paz e verdadeira felicidade
nunca poderão existir, tanto para a nação quanto para seus indivíduos
constituintes.

O caminho da marcialidade deve ser o caminho para a paz.


Dominar o caminho marcial, que é o caminho para a paz, e,
consequentemente, desejar o caminho da paz é, de fato, o verdadeiro
caminho marcial. A essência do caminho marcial reside na paz e felicidade
de todos os seres humanos. Independentemente da mudança trazida pelo
tempo, assim como era no passado, bu não alterou sua verdadeira essência
agora e nunca irá fazê-lo no futuro porvir.

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道と術
Dō to jutsu
Caminho e técnica

No passado, kenjutsu (剣術), jūjutsu (柔術), kyūjutsu (弓術) etc.


eram chamados de técnicas. Durante a era Meiji, o falecido Kanō Jigorō
começou a chamar o jūjutsu de jūdō, o kenjutsu de kendō, e assim por
diante; incorporando “caminho” (道 - dō) aos seus nomes, no lugar de
“técnica” (術 - jutsu).

Entretanto, havia uma inclinação durante a era Meiji para


minimizar o valor das artes marciais em função da expansão cultural da
sociedade japonesa. Igualdade era enfatizada e, desse modo, as artes
marciais não eram mais exclusivas para a classe bushi; camponeses,
fazendeiros – pessoas “normais” – eram livres para praticar artes marciais.

A classe bushi também começou a praticar outras formas de artes


marciais também. Devido a não serem mais exclusivas, as artes marciais se
tornaram menos importantes em alguma medida. Posteriormente, todavia,
o interesse pelas artes marciais foi restabelecido quando o kendō (剣道) e o
jūdō (柔道) foram incorporados à educação física nas escolas e outras
instituições educacionais.

Então, como “caminho” e “técnica” se diferenciam? Observando os


caracteres dos dois, ambos expressam algum tipo de lógica.

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“Caminho” e “técnica” expressam o mesmo objetivo. Não existe
diferença em usar qualquer dos termos. Durante a era Meiji, pode ter soado
mais orgulhoso ou “estabelecido” usar “caminho” em lugar de “técnica”.
Pode ser que isto se deva ao fato de “caminho” parecer enfatizar o aspecto
mental mais do que somente a técnica por si.

Se este fosse o caso, então haveria uma diferença entre “caminho” e


“técnica”. A relação entre técnicas e aspectos mentais desapareceria e não
levaria ao domínio da arte marcial. Diz-se que “técnica” inclui tanto a
mente quanto a habilidade. Assim, “caminho” deve ser definido de forma
similar.

Considerar que a habilidade é inferior à mente em importância seria


totalmente sem sentido e fútil. Para se referir tanto à técnica quanto à
mente, não importa se “caminho” ou “técnica” é usado. Se “caminho” soar
mais correto, está bem; entretanto, nenhum preconceito deve ser colocado
sobre “técnica”.

Por outro lado, o mesmo se aplica a “técnica” também. Ver esta


situação de outra forma, seria sinônimo de blasfêmia da própria arte
marcial. A habilidade deve ser do tipo que expressa a mente. Ao praticar a
habilidade que expressa sua mente, pode-se treinar a própria mente. A
mente e a habilidade das artes marciais deve ser um todo unificado, ou não
haveria sentido em treinar para esta arte marcial. A falta desta unidade
seria prejudicial para a sociedade; se este for o caso, a arte marcial não
deve nem ser praticada ou aprendida.

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武技鍛錬の目的
Bugi tanren no mokuteki
Propósito do treinamento em artes marciais

Toda pessoa pensa de forma diferente por si mesma.

Existem aqueles que buscam fortalecer suas mentes, aqueles que


buscam fortalecer o corpo, aqueles que buscam um método para defesa
pessoal, aqueles que precisam das artes marciais por causa de suas
ocupações, aqueles que têm um interesse sem pressa, aqueles que podem
ter uma combinação destas ou outras razões para tanto.

É inevitavelmente verdadeiro que cada pessoa tenha seus próprios


objetivos para treinar artes marciais. Entretanto, aqueles que aprendem e
aqueles que ensinam precisam atuar com a intenção de aprenderem a
verdadeira essência da arte marcial. Pois muitos, se não acreditam nisto
para começo de conversa, verão que conforme o tempo progride, um
sentimento de “incompletude” se tornará aparente e será verdade.
Eventualmente, esta sensação de incompleto começa a afetar a mente
também. Este é o ponto no qual o caráter de alguém se torna essencial.

Entretanto, se o objetivo de alguém é aprimorar sua mente e caráter,


devem existir numerosos métodos diferentes das artes marciais para tal.
Similarmente, se o objetivo de alguém é para o corpo, deve haver outros
métodos também. O treinamento mental correto é extremamente difícil.
Para superar essa defasagem, o treinamento que permite a alguém competir

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disputando força com força, corpo a corpo com outra pessoa, é muito
efetivo. Todavia, o rigor desta forma competitiva de treinamento,
infelizmente, é similar a um remédio violento e eficaz. Se um método
correto for utilizado na aplicação, benefícios incríveis resultarão;
entretanto, se incorreto, grave dano pode resultar também.

Aqueles que buscam treinar suas mentes devem manter em


perspectiva seus objetivos; não deixando-se extraviar em direção ao mal,
enquanto simultaneamente demandando o rigoroso, mas correto
ensinamento do instrutor, a amizade e o apoio dos colegas estudantes.

Para aprender uma arte marcial, deve-se constantemente ter em


mente tanto inteligência quanto sabedoria. Deve-se possuir uma firme e
duradoura força mental assim como a habilidade física em igual proporção,
de forma a não desistir do treinamento antes que ele esteja completo.
Portanto, o propósito do treinamento de artes marciais é exercitar e
aprimorar o Espírito do Budō de um indivíduo.

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武道精神とは何か
Budō Seishin to wa nanika
O que é o Espírito do Budō?

A paz, enquanto essência da raiz das artes marciais, é fácil de ser


dita em palavras, mas não é tão fácil pô-la em ação ou como realidade na
sociedade humana. Ao olhar a história passada e o estado atual das
relações internacionais, pode-se até dizer que é impossível.

Entretanto, não importa quão impossível pareça, se a paz não existir


na sociedade, a existência humana nunca será feliz ou próspera. Não
importa quão difícil ou impossível isto possa parecer, a paz deve ocorrer.
Deus, Buddha ou outras entidades não nos trarão isto. Os seres humanos
devem estabelecer a paz por si próprios. A sociedade humana, havendo
progredido de um estado simples feudal para seu presente estado complexo
e científico, torna esta tarefa ainda mais difícil para si mesma.

Os seres humanos necessitam de poderes mentais extraordinários


para alcançar esta tarefa aparentemente impossível. Esses “poderes mentais
extraordinários” são o Espírito do Budō. Tal espírito será a força condutora
na tentativa de trazer a paz e a ordem para a humanidade. Este “espírito do
caminho marcial” (武道 精神 - Budō Seishin) é a habilidade extraordinária
necessária para alcançar este difícil, senão impossível, objetivo para todos

os seres humanos.

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武道精神は現代人にも必要
Budō Seishin wa gendaijin ni mo hitsuyō
O Espírito do Budō também é necessário às
pessoas modernas

É algo infeliz e lamentável que “Espírito do Budō” soe tão feudal e


contrário à sociedade contemporânea. Isto é provavelmente o resultado do
uso das artes marciais por certos indivíduos durante as eras feudais para
oprimir as pessoas, assim como da ignorância da população em geral.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a consequente


democracia na sociedade japonesa, palavras como “feudalismo” e outras
noções associadas a isto podem parecer pouco atraentes. Como já foi dito,
o “caminho” das artes marciais é a fundação de uma sociedade pacífica e
existe para aperfeiçoar a existência coletiva humana; deste modo, isto é
incondicionalmente necessário: a pessoa que trilha este “caminho” precisa
ver que ele é mesmo necessário independente de data e tempo.

Desenvolvimentos na comunicação e transporte “diminuem” a


distância de nação para nação, criando atrito, dúvida e conflito entre as
pessoas. O estabelecimento da paz então tende a se tornar mais difícil
conforme o tempo progride. Assim, o Espírito do Budō se torna cada vez
mais necessário. Essencialmente, o que é mais importante é usá-lo de

forma adequada, dentro dos limites da sociedade.

19
文武両道は不離不即
Bunbu-ryōdō wa furi fu soku
O Caminho Duplo Civil-Marcial (bunbu-ryōdō) é
indissociável

A difícil tarefa de estabelecer a paz não pode ser realizada apenas


com o Espírito do Budō. O que é exatamente a paz?

Perguntas do tipo “como trazer tal paz para a sociedade” não


podem nem mesmo começarem a ser respondidas por indivíduos comuns
como eu. Política, economia, ciência, educação, religião, racionalidade,
filosofia, belas artes etc., sem dúvida, todas representam um papel.
Provavelmente, seria a combinação de uma ou mais destas para alcançar
uma solução que seja verdadeira.

Entretanto, mesmo que este consenso seja alcançado, a ideia por si


só não trará a paz. Para realizar a ideia, uma força condutora poderosa seria
necessária. Em outras palavras, a habilidade de realizar ações decisivas. O
Espírito do Budō é a habilidade de trazer paz e ordem. Não se pode ser
interrompido por obstruções no caminho rumo ao que é correto; deve-se
empenhar-se e possuir a habilidade de realizar seus objetivos. Mas a ação
decisiva por si só envolverá perigo.

É óbvio que se deve combinar independência com razão e ideais


elevados admiráveis quando desempenhando qualquer ação que seja.
Ademais, conhecimento elevado pode ser alcançado através de níveis

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elevados de educação. Além disso, ser capaz de utilizar o conhecimento
adquirido através de níveis elevados de educação. Outrossim, ser capaz de
utilizar o conhecimento adquirido por meio de palavras e gramática
também é uma força do Espírito do Budō. Altos níveis de habilidade
gramatical e semântica são o que permite alguém perceber ou apresentar de
forma adequada e efetiva o Espírito do Budō. Independentemente de quão
elevadas as habilidades marciais e gramaticais de alguém são, se ambos os
componentes não estão em igual proporção, graves e desastrosos danos
podem resultar. Portanto, o Caminho Duplo Civil-Marcial (文武両道 -
bunbu-ryōdō), como o par de asas de um pássaro, é indissociável.

21
現代武道の在り方
Gendai budō no arikata
Como deve ser o budō dos tempos modernos

O fato de que a paz é a essência verdadeira dos assuntos militares


foi, é e será sempre imutável. Mas a maneira como ela existe varia
dependendo do contexto cronológico e do progresso do tempo.

Portanto, o budō dos tempos modernos deve levar em conta este


fato e tornar seu objetivo principal o cultivo de seres humanos que
possuam alta habilidade intelectual, bom controle emocional, bem como
mente e corpo saudáveis. Estas qualidades e o empenho para alcançá-las
não devem ser impostas a eles. Em vez disso, os indivíduos devem
constatar por si mesmos que isto é sua responsabilidade, enquanto parte de
uma sociedade democrática como a nossa. Não pode ser nunca um budō
feudal que ignore a independência e a racionalidade.

Ademais, deve-se entender que ele não é voltado ao ganho ou


benefício pessoal, mas à paz e a ordem social - para melhorar as vidas de
todos em sociedade. Não pode ser um caminho separado da sociedade;
deve ser um caminho para a sociedade em questão.

O budō dos tempos modernos deve ser virtuoso. Não pode se tornar
voltado estritamente a fins competitivos também. A história ensina que, se
a virtude desaparece, as artes marciais só se tornam “venenosas” para a

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sociedade. O budō dos tempos modernos deve colocar a paz e o bem-estar

da sociedade como seus objetivos.

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武道精神と武技鍛錬との関連性
Budō Seishin to bugi tanren to no kanren-sei
Relação entre o Espírito do Budō e o treinamento
em artes marciais

O treinamento em artes marciais no presente ocorre com o uso de


técnicas de vida e morte sob condições que devem proteger completamente
uma pessoa do perigo.

Ao praticar, nunca se deve esquecer a seriedade das ações que são


executadas. O treinamento deve permitir que se observe pronta e
precisamente a postura ou ação do oponente, julgar rápida e corretamente o
ambiente em torno de si e responder apropriadamente à situação. Não pode
haver um momento sequer de hesitação ou relutância.

Com o tempo, desenvolver-se-á as habilidades de resposta,


julgamento e execução de ações. Além disso, quando diz-se que as artes
marciais “começam com uma saudação e terminam com uma saudação”, a
ênfase é colocada no respeito à etiqueta. Esta cortesia nas artes marciais é
uma expressão de respeito pelo seu oponente. Este respeito então é nascido
do amor. A etiqueta a ser expressa não pode ser mero “gesto”, mas deve ser
uma expressão adequada de respeito por amor.

De modo a expressar adequadamente a etiqueta nas artes marciais,


a própria saudação deve ser perfeita no sentido de que se possa revertê-la
para uma postura ofensiva ou defensiva independentemente do que venha a

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ocorrer quando se faz a saudação. Esta é a razão pela qual a saudação nas
artes marciais difere da saudação normal; e é com esta consciência que
deve-se treinar suas habilidades mentais nas artes marciais.

Ao treinar-se nas artes marciais, se a etiqueta é perdida, o mal passa


a ser considerado. Uma das coisas básicas quando se treina em artes
marciais é o fato de que a sudação é uma expressão de respeito por amor.
Alguém que treina sob orientação de um instrutor deve estar
constantemente consciente deste fato, enquanto o instrutor deve avaliar a
habilidade, o talento, a força etc. de seu estudante, e instruí-lo
adequadamente com bondade, embora com rigor.

Aqueles que estão aprendendo, por sua vez, devem apoiar uns aos
outros com amizade e um senso de união. É com este tipo de contato por
longos períodos de tempo que alguém cultiva seu controle emocional e
natureza moral. Deve-se enfatizar que a saudação vem do respeito e que o
respeito nasce do amor.

Os seres humanos tendem a amar a si mesmos antes de amar aos


demais. Entretanto, de modo a verdadeiramente amar a si mesmo, deve-se
amar a sociedade e toda a humanidade vivendo nesta sociedade. Aqueles
que amam a sociedade irão, em contrapartida, ser amados por aquela
sociedade e toda a humanidade vivendo nela. Ao amar os demais, a
sociedade e toda a humanidade, ama-se verdadeiramente a si mesmo; tanto
o amor mútuo, quanto o respeito mútuo e, finalmente, a etiqueta surgem.
Os humanos também procuram se satisfazer realizando seus respectivos
desejos. A busca por estes desejos é a vida humana. Provavelmente este

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desejo é ser feliz e contente. Como o “contentamento” é concebido ou
como é emocionalmente recebido varia de pessoa a pessoa, mas este
“contentamento” deve ser adequado.

Os seres humanos não podem existir sozinhos. Juntamente aos


demais, eles formam a sociedade – e sua função só se torna possível
quando ele é considerado membro daquele grupo. Portanto, se aquela
sociedade não está contente, não se pode ter verdadeiro contentamento
para si mesmo.

O verdadeiro contentamento só pode vir a existir em uma sociedade


harmônica. Somente em uma sociedade pacífica pode ocorrer uma
existência humana virtuosa, livre e satisfatória. Respeito e amor dão
origem à harmonia entre as pessoas. Respeito e amor juntos tornam alguém
pacífico, então os demais, então a sociedade, que é então seguida por toda
a humanidade. Esta harmonia é o verdadeiro objetivo e desejo das artes
marciais. A razão pela qual as artes marciais começam e terminam com
uma saudação e pela qual tanta ênfase é colocada na saudação é esta; é este
desejo pela paz e harmonia.

Além disso, treinar em condições de frio extremo ou calor extremo


por longos períodos de tempo, assim como o treinamento fisicamente
estressante, auxiliará a adquirir a força mental (assim como a física) que
pode enfrentar qualquer situação medonha.

Capacidade de julgamento desenvolvida, maior força moral e


controle emocional, força física e mental treinada; todos se tornam fatores
motivacionais e forças condutoras da harmonia que as artes marciais tanto

26
desejam alcançar. O treinamento em artes marciais é voltado ao
desenvolvimento e treinamento do Espírito do Budō, que é então a força
condutora para a paz e a harmonia.

27
武技は和の術
Bugi wa Wa no jutsu
Artes marciais são técnicas de paz e harmonia

Artes marciais são técnicas de paz e harmonia. As técnicas são uma


forma de paz e harmonia sendo expressas através da ação. Treinando tais
técnicas, observa-se a ideologia subjacente às artes marciais, assim como
desenvolve-se o espírito de preservação da paz e da harmonia.

Sendo uma expressão da paz e da harmonia, as artes marciais não


encontram impossibilidades. Elas são tanto científicas como teóricas. Não
ultrapassam o céu, não se opõem à terra, nem se opõem às pessoas; estão
de acordo com tudo isto. Assim como o vento que sopra ou a água que flui,
está de acordo com os caminhos da natureza. A água sempre flui de cima
para baixo. Quando o fluxo é obstruído, a água contorna a obstrução e
continua a fluir suavemente como antes. Ela irá fluir através dos mínimos
espaços e fendas, talvez levando consigo em seu fluxo qualquer coisa que
se coloque em seu caminho. Da mesma forma o vento. Uma cabaça que
flutua na água percorre por cima esse fluxo invencível; portanto, nunca
submerge.

A terminologia especial usada para descrever técnicas nas artes


marciais japonesas são verdadeiramente uma expressão de paz e harmonia.
Não se deve opor-se a um forte ataque do adversário, devendo-se usar a
força dele e proteger a si mesmo dela, aproveitando a força desta

28
auto-defesa para atacar o adversário em contrapartida. Uma roda d’água
não se opõe ao fluxo de água caindo sobre ela; em vez disso, usando esta
força, ela a aproveita em vantagem própria. De forma semelhante ocorre
com um moinho de vento.

Tanto a defesa como o ataque devem estar em acordo com os


caminhos da natureza. Defesa e ataque nas artes marciais trabalham
juntamente com os caminhos da natureza. Os movimentos devem ser como
os de uma bola - ininterruptos e fluidos. O movimento de uma bola é suave
e não contraria os caminhos da natureza. As técnicas das artes marciais
devem ser flexíveis à mudança e a outras forças – como uma “bola de ar”.
Independentemente do grau de suavidade, uma fluidez de movimentos
deve ocorrer. Uma “bola de ar” move-se livremente; a partir de outras
forças externas, ela se move de acordo com o seu entorno. Ela pode mudar
sua forma ou formato infinitamente. Portanto, sua superfície e limites
variam infinitamente. Existe forma sem forma, superfície sem superfície e
limite sem limite. Essas mutações são infinitas. Como o espaço sideral, ela
é infinitamente ilimitada. Ela é como o céu. Esta infinitude envolve todas
as coisas e gera a paz e a harmonia. Em artes marciais, não existe tal coisa
como a técnica derradeira. As técnicas devem ser infinitamente mutáveis e
alteradas, assim como o céu e o espaço.

A forma e o formato das artes marciais configuram a “entrada” para


a infinidade e a ilimitação. Formas ilimitadas e técnicas não moldadas
compõem as artes marciais. Por isso, elas são técnicas de paz e harmonia.
Treinando-se as formas e técnicas que expressam a paz e a harmonia,
percorre-se o caminho da paz e da harmonia que é o objetivo das artes

29
marciais, e que permite o desenvolvimento do espírito da paz e da
harmonia. Portanto, se a técnica não é do interesse da paz e da harmonia,
não é uma arte marcial. Na verdade, isto iria resistir à natureza e traria
calamidade - a paz e a harmonia seriam perdidas.

As técnicas das artes marciais não são apenas um padrão de


movimento – são a forma da paz e da harmonia expressa através e de
acordo com os caminhos da natureza, o céu, a terra e as pessoas.

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正拳
Seiken
Punho correto / punho justo

Se o espírito de alguém não é justo, tampouco há de ser a sua


espada (剣 - ken). Diz-se que a espada é a alma do espadachim;
consequentemente, para estudar adequadamente o caminho da espada,
deve-se ter um espírito justo também. Com relação à essência do karatê, o
punho (拳 - ken), isto não é diferente. Se o espírito de alguém não é justo,
ele arrisca os perigos do mal uso e qualquer mal resultante. “Ter um
espírito justo” soa fácil, entretanto, os seres humanos são frequentemente
tentados pelo mal em cada aspecto da vida. Portanto, na verdade, é muito
difícil ter um espírito justo (精神 - seishin).

Ao treinar corretamente uma arte marcial, é possível treinar


corretamente seu espírito também. Por isso, a arte marcial treinada deve ser
correta em cada aspecto imaginável. A arte marcial não pode ser
considerada “correta” a menos que esteja em harmonia com a lógica e a
razão do céu e da terra. O punho correto (ou o punho justo) é o punho da
paz e da harmonia, e o espírito correto (ou o espírito justo) é o espírito da
paz e da harmonia. Portanto, o caminho correto do punho é o caminho da
paz e da harmonia.

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理想と現実
Risō to genjitsu
O ideal e o atual

Seria possível, então, pôr em prática este caminho correto das artes
marciais? Devido a infindáveis diferenças em política, economia, e outras
diferenças da raça humana, esta efetivação encontraria muitas dificuldades.
Além disso, nenhum ser humano tem ideais ou crenças idênticos ao de
outro. Haverá sempre diferenças entre uma nação e seus nacionais. Podem
haver situações em que tais crenças estejam em desacordo umas com as
outras e resultem em um inevitável confronto de indivíduos.

Haverá sempre diferenças na história pessoal, religião, hábitos,


educação assim por diante. Poderiam a paz e a harmonia social serem
mantidas com todas essas diferenças? Haverá sempre um confronto
inevitável de opiniões e crenças – sempre.

Mesmo hoje, existem diferenças que separam indivíduos uns dos


outros. O forte oprime o fraco - uma atualidade inegável – e é muito difícil
alcançar a paz e a harmonia para todos. Por esta razão, desde os tempos
antigos, houve histórias de messias, anjos, apocalipses e o nascimento de
seitas religiosas em todo o mundo. Estes são similares a remédios que
apenas oferecem alívio temporário para doenças terminais.

32
武道精神とスポーツ精神
Budō Seishin to supōtsu seishin
Espírito do Budō e espírito do esporte

A paz para a humanidade seria como fornecer uma cura para uma
doença terminal. Pode tratar-se de uma doença terminal, mas seria correto
simplesmente desistir? De forma similar, seria correto deixar o forte
oprimir o fraco? Permitir que um número pequeno de indivíduos lucre às
custas da maioria? O fato de alguém pensar: “não, algo deve ser feito”
também é atual. A se deixar este problema por si, seu resultado inevitável –
a morte por definhamento de nações e indivíduos – é mais do que claro.

Quando os seres humanos vêem que estão prestes a morrer, eles


tentam qualquer coisa possível para não morrer. Mas não seria parte da
natureza humana o fato de, ainda que lentamente, estarmos todos, de fato,
morrendo e mesmo assim somos capazes de viver normalmente a cada dia?
Se nós estamos gradualmente morrendo, então a paz parece ser impossível.
A menos que cada ser humano se torne um buda, um shaka, ou Jesus
Cristo, a paz para a humanidade parece impossível. Todavia, nós
obviamente não desejamos este resultado.

Todo indivíduo deve empenhar-se em ações que irão melhorar a si


mesmo mentalmente e fisicamente. Ao aumentar o número de tais
indivíduos, aumentamos as chances de alcançar a paz e a harmonia para a
humanidade. Não são as artes marciais os instrumentos apropriados para

33
tal aprimoramento humano? Porém, na sociedade moderna, é difícil
dedicar-se ao treinamento nas artes marciais. Atualmente, é difícil até
mesmo dedicar-se ao aprimoramento de si mesmo, que dirá às artes
marciais. É um fato lamentável que haja indivíduos que, literalmente,
vendem artes marciais para benefício próprio e não para o aprimoramento
dos outros. Por sua vez, esta ação é como envenenar um rio; só serve para
prejudicar a sociedade. A paz é um assunto que todo ser humano deve
pensar a respeito. Para a humanidade, desejar a paz e a harmonia é o mais
importante, embora também seja o mais difícil. Fazer este ideal tênue
aproximar-se um passo a menos do atual é a tarefa de todos os seres
humanos.

Eu tenho muito pouco conhecimento de educação física humana.


Entretanto, duvido que o esporte seja voltado apenas ao aumento de força
física; também é voltado ao desenvolvimento tanto mental quanto físico.

Através da atividade física, o desenvolvimento da mente, intelecto,


juízo etc. para produzir um indivíduo “melhor” deve ser igual ao
treinamento em artes marciais. O objetivo derradeiro, produzir a paz e a
harmonia, não é em nada diferente do objetivo do treinamento nas artes
marciais. Certamente, não deveria haver diferença. Dissuadir-se deste fato
essencial e tornar-se um atleta “glamoroso”, ou utilizar as próprias
habilidades atléticas para seu ganho pessoal, é provocar a sua inevitável
ruína. O esporte por si só é prejudicial. Portanto, eu acredito firmemente
que o espírito do esporte e o Espírito do Budō são um só; com objetivos e

metas idênticos.

34
妥協と協調
Dakyō to kyōchō
Concessão e cooperação

A força e a concessão não devem ser usados para resolver todos os


problemas, sempre. Sempre há desentendimentos quanto tenta-se
argumentar com base em ideais, em lugar da história e dos fatos. Deve-se
conversar pacientemente - nunca apressadamente. Haverá ocasiões em que,
mesmo conversando pacientemente, não se chegará a uma resolução
conciliadora. Entretanto, se qualquer acordo ou consenso puder ser
identificado, os lados opostos chegarão este tanto mais próximos de uma
resolução.

Se os partidos se aproximarem, eles irão eventualmente se


sobrepor. Não importa se isso ocorre em um ou em dez anos. O espírito de
abordagem a partir dos próprios ideais é, todavia, intolerável. Uma vez que
é mais fácil resolver um problema através do uso da força ou do poder, os
humanos tendem a exercê-los.

Aquilo que é obtido através da força e do poder será eventualmente


perdido através da força e do poder de outrem. Uma olhada de relance na
nossa própria história, a história da China ou a história da Europa
Ocidental prova este fato. O shōgun Hideyoshi governou por apenas 30
dias. Entretanto, seu sucessor, Tokugawa, fez com que sua dinastia durasse
por 260 anos. Isso foi possível porque Tokugawa utilizou-se do governo e

35
da política, em lugar do poderio militar, para governar todo o território. A
força e a concessão sempre radicam o mal. Cooperação (e compreensão)
tem precedência em qualquer questão.

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守破離
Shuhari
Shuhari

Nas artes marciais, existe o termo Shuhari desde os seus


primórdios. Parece que também existe nas cerimônias do chá japonesas
(sadō) e eu não sei a partir de onde este termo surgiu.

Shu (守) significa manter os ensinamentos do antecessor e aderir


totalmente aos mesmos. Ha (破) é não duvidar de nada que sirva para
romper com aquela tradição. Ri (離) é separar-se destas duas dimensões e
aprimorar os ensinamentos sempre que possível. Isto não se aplica apenas
às artes marciais, mas também a outras disciplinas. Todavia, é difícil
dominar de fato qualquer ensinamento - nunca menos do que cinco ou dez
anos, o que varia de acordo com a habilidade natural do indivíduo.

Além do mais, mesmo quando se é talentoso, treinamento sério


demanda abstenção de alimento ou descanso algumas vezes - coisas que
não são possíveis para as pessoas na sociedade moderna. É reconfortante,
porém, ver que certos grupos e organizações reconheceram e honraram
aqueles indivíduos que se engajaram no Shuhari em quaisquer áreas a que
se dedicaram.

37
武道道場祭神への拝礼
Budō dōjō saijin e no hairei
Veneração às divindades do altar de um dōjō do
caminho marcial

Desde os tempos antigos, como uma forma de hábito, todos os dōjō


têm algumas divindades em um altar dentro deles. Geralmente, tratava-se
da divindade na qual o dono do dōjō acreditava.

Após a Segunda Guerra Mundial, as forças ocupantes proibiram as


artes marciais na polícia e nas escolas públicas. Posteriormente, as artes
marciais foram permitidas, mas as artes marciais e a religião foram
separadas. Por isso, muitos dōjō passaram a existir sem pequenos altares
para divindades específicas. Atualmente, muitos locais têm pequenos
altares, mas trata-se apenas de decoração. Ou ainda, alguns decoram seus
dōjō com nomes de indivíduos reconhecidos e não com altares em
miniatura.

Existem dōjō que praticam a saudação (礼 - rei) adequada e


etiqueta na entrada e saída, ou início e fim do treinamento (como antes da
Segunda Guerra Mundial), enquanto outros não atentam à saudação e
etiqueta, ou se tornam quadras de basquetebol, um lugar para crianças
brincarem e assim por diante.

38
Após a Segunda Guerra Mundial, alguns acreditavam que era
desnecessário curvar-se ou demonstrar o respeito adequado ao entrar em
um dōjō porque as artes marciais e a religião haviam sido separadas.
Entretanto, presentemente, já não é assim: as pessoas decoram os dōjō com
altares adequados ou respeitam a saudação e a etiqueta.

Ainda assim, isto é feito de forma muito sucinta ou inadequada. Os


jovens de hoje não acreditam nas divindades. Se alguém pudesse suplicar
aos deuses e assim aprimorar suas habilidades, ninguém passaria pelo
esforço do treinamento. Mas isto não é somente uma questão de hábito. O
treinamento em artes marciais é voltado ao aprimoramento de si mesmo
enquanto membro da sociedade. O dōjō em que este treinamento é
realizado não carece de sacralidade. Portanto, quaisquer negligências no
respeito aos dōjō são intoleráveis. Todavia, os seres humanos naturalmente
têm um lado fraco para si mesmos. Eles se aborrecem ou irritam ao treinar
dentro do dōjō. Não se pode ceder às emoções sempre – não é possível
treinar adequadamente dessa forma. As artes marciais se tornam imorais.

Existem dez “demônios” no treinamento em artes marciais. Estes


dez “demônios” nunca nos deixam sós. Livrar-se desses males e treinar por
si mesmo não é tarefa fácil. Apelar ao auxílio dos deuses não melhora as
coisas. Deve-se reprimir as próprias fraquezas por si mesmo. Somente
quando alguém encontra sua fraqueza ao treinar para o
auto-aprimoramento, então a divindade irá vigiar e protegê-lo desta
fraqueza. Deve-se fazer isto diligentemente.

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Caso não se venere nenhuma divindade, o mesmo efeito pode ser
alcançado a partir dos seus progenitores. É razoável pedir auxílio aos
próprios pais. É possível retribuir aos pais de alguma forma após o
treinamento ser concluído. Aqueles cujos pais já faleceram podem se valer
dos espíritos dos mortos.

Pode-se pedir ajuda a si mesmo. Não importa a quem ou ao quê


alguém recorre por auxílio, e sim o como ele recorre. A saudação não é
apenas uma formalidade, é uma expressão da própria alma. Recorra à
própria alma – não importa como o auxílio é obtido. “Respeitar a
divindade sem, no entanto, depender dela” – essas são as palavras de
Yoshikawa Eiji, um famoso autor. Certamente, são palavras para serem
lembradas.

40
形に入って形から抜ける
Katachi ni haitte katachi kara nukeru
Entrar no kata, então afastar-se do kata

As artes marciais têm numerosas variações de kata (形). Os


antepassados, ao longo de muito tempo, criaram os kata através da
experiência, mudanças e imaginação.

É óbvio que esses kata precisam ser treinados e praticados


suficientemente, mas ninguém precisa ficar “preso” a eles. Deve-se
afastar-se do kata para produzir formas sem limites ou ele se torna inútil. É
importante alterar a forma do kata treinado sem hesitação para que se
produzam incontáveis outras formas de treinamento. Essencialmente,
trata-se de uma questão de hábito – desenvolvido ao longo de muito
treinamento. Por se tratar de um hábito, ele vem à luz sem hesitação – pela
mente subconsciente.

Esses hábitos aparecem sem que nos apercebamos deles, então


muitas vezes nem se notam. O aspecto a se cuidar com relação a esses
hábitos é que eles ainda podem surgir em situações nas quais são
inapropriados ou mesmo perigosos. É difícil livrar-se de tais hábitos. “Olhe
os erros alheios e corrija a si mesmo” – é um ditado velho, mas quão
verdadeiro!

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Como um ator que é capaz de representar diferentes personagens,
assim também devem ser as artes marciais. Não deixar que elas ocorram
conscientemente, mas na forma de um hábito, ainda que um hábito não tão
arraigado ao ponto de causar efeitos negativos – esta não é uma tarefa fácil.
O treinamento em artes marciais não tem fim. Por esta razão, nunca se
pode parar de treinar.

42
型と形
Igata to kata
Molde e forma

O primeiro caractere – 型 – é lido “molde” (igata). Panelas feitas


do mesmo molde são todas iguais, sem diferenças. O molde de panelas não
serve a outro propósito, a não ser o de fazer panelas.

As artes marciais nunca devem tornar-se “molde”. Elas são sempre


“forma” (形 – kata). Forma é expressão; assim como um espelho, ela muda
a cada ação e situação. Um espelho muda no instante em que seu reflexo
muda. Isto é essencialmente a forma das artes marciais.

Igata é morto – não possui vida; kata é vivo. O molde morto de


nada serve. Por ser vivo, o kata tem utilidade. Desse modo, ao realizar o
kata das artes marciais, deve-se fazê-lo de acordo com seu significado e
objetivo, senão ele se torna inútil.

Realizar um kata vivo é difícil, mas é importante para o


treinamento em artes marciais. Dependendo do indivíduo a realizá-lo, o
mesmo kata pode variar muito. Isto é porque a personalidade de cada um
se apresenta através do seu kata. O fato de que a forma é preferível ao
molde não se aplica somente às artes marciais. Na escrita, se alguém
escreve de uma maneira “moldada”, as palavras não ganham vida – ela se
torna apenas um signo ou uma exibição de palavras. Pode parecer

43
fantástico, mas as aparências por si sós não podem ser consideradas
habilidades úteis.

Ouvi dizer que para se sobressair na escrita, deve-se praticar ao


menos por três anos. De outra maneira, as palavras “morrem”. O mesmo
pode ser dito da dança folclórica autóctone. A maneira pela qual alguém
move seu corpo, pernas e braços pode parecer bonita – “molde” – mas se a
própria dança – “forma” – está morta, o ato de dançar perde o sentido. A
música, a poesia, a dança só ganham vida quando observa-se a forma, não
o molde. Encenação, apresentação musical, canto – isto se aplica a tudo.

Quando moldes sem nenhuma relação são combinados na música,


dança, canto ou qualquer outra coisa, ela não significa nada. Nas artes
marciais, os movimentos de cada kata não são exceções. Esses
movimentos são idênticos às pinceladas na escrita.

Movimentos corretos, reunidos como uma coisa só, dão origem aos
movimentos fundamentais, que por sua vez dão origem aos kata. O kata
deve ser correto, ilimitado e, acima de tudo, vivo. As artes marciais se
desenvolvem do kata para o kumite, do kumite para o combate, e assim por
diante. O kata é um aspecto fundamental das artes marciais e,
consequentemente, de importância inexorável. Não pode ser uma forma
qualquer. É essencial treinar uma forma “viva”. As artes marciais, portanto,
são forma – não molde.

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大きい業と無駄な業の相違
Ōkī waza to mudana waza no sōi
Diferença entre atos grandiosos e atos inúteis

Cada movimento dos kata fundamentais deve ser grandioso e vivo,


não excessivo ou inútil. A partir destes movimentos amplos, progride-se
para movimentos mais rápidos. Deve-se começar pelos movimentos
fundamentais (kihon - 基本), passando para as formas (kata - 形), para o
treino com adversário (kumite - 組手), para treinos diferentes de kumite,
então para o combate, caso contrário, não se consegue qualquer
aprimoramento.

“Atos grandiosos” quer dizer significativos, movimentos vivos, não


atos inúteis ou excessivos ou o simples movimento das mãos e dos pés.
Movimentação excessiva não é igual a movimentos grandiosos.
Geralmente, isto é visto em uma disputa. Quando alguém deseja desferir
um soco enquanto avança sobre um oponente, há uma tendência a trazer o
punho para trás e para para o lado antes de realmente socar. Isto ocorre
porque tenta-se socar apenas com a força do braço – levando a uma
movimentação desnecessária como resultado. Ocorre uma distribuição
insuficiente de força que, consequentemente, é desperdiçada.

Na situação acima, socar apenas com a força do braço contraria o


movimento do corpo. Isto não pode ser chamado um ato “vivo e
grandioso”. É um ato lento, com movimentação excessiva. Dessa forma, é

45
um soco inadequado, uma vez que ignora os fundamentos para socar um
oponente. Quaisquer movimentações desnecessárias antes e depois de um
soco, tornam-se apenas obstáculos a um soco adequado e são inúteis.

A força só é necessária no momento exato do contato. Isto não se


aplica somente a golpes, mas a defesas também. Como dito anteriormente,
não deve haver limites para o movimento.

Usar um igata morto para socar envolve atos inúteis e


desnecessários. Além do mais, serve para enfraquecer o soco em
comparação com seu verdadeiro potencial de atingir o oponente. Esses atos
inúteis e o uso ineficiente da força começarão a sobressair frequentemente.
De fato, eles não são atos grandiosos, mas atos inúteis. Eles se tornam
habituais e servem para atrapalhar alguém a aprimorar suas habilidades.

Todavia, como também já foi dito, não existe tal coisa como um
estudo de kata derradeiro ou acabado. “Bom” ou “mau” são subjetivos –
por isso, você é “bom” ou “mau” quando comparado ao seu oponente.
Portanto, a depender do oponente, pode ser às vezes vantajoso realizar atos
ou movimentos excessivos. Atos excessivos ou inúteis também podem ser
uma estratégia.

46
速い業と細かい業の相違
Hayai waza to komakai waza no sōi
Diferença entre atos rápidos e atos banais

“Atos rápidos” referem-se aos atos sem movimentos excessivos e


no menor tempo possível, não a movimentos da mão ou dos dedos
(chamados “atos banais”), e são um movimento correto derivado dos
fundamentos do karatê.

“Atos banais” parecem rápidos, mas na verdade são lentos e não


muito potentes e, por vezes, pouco efetivos. Obviamente, se for isto
vantajoso, deve-se usar apenas atos banais. Por exemplo, atos banais
incluem o ataque aos olhos ou garganta do oponente, morder, arranhar ou
pequenas estocadas com o cotovelo.

Além disso, os atos rápidos não devem ser somente rápidos, mas
devem possuir força e um objetivo para seu uso também.

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武技と護身
Bugi to goshin
Artes marciais e defesa pessoal

As vidas e os patrimônios dos cidadãos deveriam ser protegidos e


preservados pelo Estado, mas na realidade, uma pessoa pode apenas
confiar no poder da lei. Danos podem resultar de uma falta de cautela
aproveitada por outro indivíduo, mas pode-se também ser receber danos
sem havê-lo provocado; danos a uma pessoa livre de culpa.

Em algumas situações, o conhecimento de artes marciais pode


prevenir, ou ao menos minimizar, os efeitos de tais danos. Não há nada de
errado em utilizar as artes marciais nessas situações. Porém, em artes
marciais, a mente e o espírito devem estar constantemente preparados – e
esta preparação é de máxima importância. Bastante atenção e cautela são
necessárias.

Não obstante, deve-se lembrar que as artes marciais podem afetar a


segurança, ou pior, provocar a si mesmo o dano em certas situações. Numa
situação de vida ou morte, alguém que pretende confiar nas artes marciais
precisa, em primeiro lugar, prestar ainda mais atenção e usar de cautela
extrema para que não se deixe levar pela pretensão. É importante
desenvolver confiança nas próprias habilidades através do treinamento,
mas se tornar arrogante e confiar nessas habilidades é altamente perigoso.

48
Não há maior infortúnio que se encontrar numa situação na qual
seja necessário o uso de artes marciais para defesa pessoal. O objetivo do
treinamento em artes marciais é treinar duro e, no entanto, buscar um
estado no qual as artes marciais não são utilizadas. Consequentemente,
deve-se buscar o caminho da paz e da harmonia e desejar este caminho.

49
気構え、心構え
Kigamae, kokorogamae
Preparação mental e preparação espiritual

Tratam-se de sinônimos. Como já disse antes, é um infortúnio


encontrar-se em uma situação em que é necessário usar suas habilidades
em artes marciais.

Como diz um velho ditado: “Ao sair de seu próprio quintal,


encontra-se sete inimigos”. Não importa quão habilidoso em artes marciais
alguém é, pois se encontrará despreparado se for pego de surpresa.
Idealmente, então, deve-se estar em um estado constante de preparação.

No passado, os bushi frequentemente dormiam com suas espadas


apontando para fora dos mosquiteiros ao redor do leito. Geralmente, se um
invasor corta as cordas que sustentam o mosquiteiro, fica-se desamparado.
Mas com uma parte da espada do bushi adormecido apontando para fora,
ele poderia facilmente remover ou cortar o mosquiteiro caso um invasor
aparecesse.

Eu não me lembro da data ou lugar, mas existia um bushi que era


muito habilidoso com a espada. Uma noite, ele tomou um pouco de sake na
casa de um amigo e, armado apenas com uma lanterna de papel, partiu para
casa. Na manhã seguinte, um criado do anfitrião perguntou a ele: “Senhor,
caso fosse atacado na noite passada você conseguiria se proteger mesmo

50
estando embriagado, certo?” E o bushi respondeu: “Não, um bushi nunca
deve se exceder na bebida para que não arrisque perder sua vida para
agressores”. Isto é verdade também para qualquer pessoa, exceto para
personagens de histórias de ficção.

Antigamente, quando se passava por alguém, tomava-se a esquerda


e para se aproximar do transeunte pela direita. Isto se devia ao fato de as
espadas serem desembainhadas com a mão direita. Esta prática pode ser
associada hoje aos carros trafegando pela mão esquerda no Japão.

À esquerda, deixava-se espaço suficiente para possibilitar sua


defesa, caminhar silenciosamente para escutar ruídos ao redor de si e
observar os transeuntes com o canto dos olhos. Contornavam-se esquinas
deixando espaço suficiente para observar se havia alguém do outro lado e,
ao abrir portas ou divisórias, dava-se um passo atrás para observar o
cômodo antes de entrar nele. Costumava-se estender suas roupas no
cômodo antes da própria pessoa entrar. Até mesmo ladrões removiam as
janelas mas não entravam imediatamente nas casas, pois poderia haver
dentro um guarda esperando para matá-lo.

Quando eu era uma criança, no 35° ano da era Meiji [1902], ainda
havia muitos bushi. Suzuki Yoshio, um bushi de 75 anos de idade que eu
conhecia, sempre me observava com o canto do olho e dava passos
silenciosos quando nos cruzávamos pelas ruas. Eu tinha apenas dez anos e
obviamente não tinha intenção de matá-lo. Ainda assim, para Suzuki, isto
era uma questão de hábito.

51
Na televisão e no cinema, vemos com frequência um indivíduo
sentado em frente a um hibachi fumando um longo cachimbo. Isto era, na
verdade, uma posição defensiva – caso um invasor aparecesse de repente, o
cachimbo poderia ser atirado no seu rosto e, enquanto ele lutasse para se
recuperar, o homem sentado poderia alcançar uma espada e matar o
invasor. Os hibachi são propositalmente construídos à altura da cintura. O
cachimbo, o hibachi e todas essas coisas são apenas elementos da
preparação mental.

Vemos também com frequência na televisão e no cinema


apostadores e yakuza vestindo roupas folgadas com um nó frouxo ou sem
qualquer nó. Isto é para o caso de a polícia agarrar o apostador ou o yakuza
por trás para prendê-lo, pois ele poderia se desfazer da sua roupa
rapidamente e fugir. Antigamente, andar seminu ou descalço também era
comum. Embora não fossem admiráveis, esses apostadores e yakuza se
protegiam com espadas curtas escondidas por dentro dos tecidos que
envolviam suas cinturas.

Costumava-se posicionar pequenos objetos próximos a saídas,


entradas e janelas, tudo em preparação para ser atirado em um inimigo.
Atirar cinzeiros cheios de cinzas, ou atirar panelas com água fervente –
tudo isto era feito em preparação ao encontro de um inimigo. O cachimbo
mencionado acima hoje é segurado em frente à boca, mas nos tempos
antigos ele era segurado firmemente com uma mão e apontando para o
lado, de modo a impedir que um invasor subitamente empurrasse o
cachimbo goela abaixo do fumante.

52
Ao tomar o chá em uma chawan, ao invés de colocá-la na palma da
mão, seguravam-na pela lateral com o dedo indicador na sua superfície
interna. Assim, caso a chawan fosse forçada repentinamente contra a
cabeça de quem tomava o chá, ela não acertaria a cabeça.

Mesmo na sociedade moderna de hoje, uma mulher vivendo


sozinha deve ponderar sobre como usar itens do cotidiano como armas e
estar preparada para usá-los, caso seja necessário. Ao sair na rua, deve-se
considerar como cruzar uma rua sem faixa de pedestres, ou como tomar
precauções ao andar em trens, automóveis e assim por diante.

Por exemplo, ao andar de trem, prefira ir no vagão do meio, em


lugar do dianteiro ou traseiro. Em caso de uma parada súbita ou um
acidente, menos danos serão sofridos no vagão do meio. Eu costumo viajar
no trem-bala para ir à região de Kansi e já vi situações em que as bagagens
nos compartimentos superiores caíram devido a uma parada repentina e
feriram seriamente os passageiros. Com a vibração dentro do trem, a
bagagem eventualmente irá cair, mas não diretamente abaixo e sim na
direção em que o trem viaja. Eu não tenho conhecimento de Física, mas
este fenômeno está ligado à inércia, a gravidade e a velocidade do trem.

A questão é que importa estar consciente de tudo e todos ao seu


redor. Especialmente hoje em dia, numa sociedade em que letreiros e
pessoas caem de qualquer edifício, a preparação mental é necessária a todo
momento. Não ao ponto de se tornar uma paranoia, mas como um hábito.

Eu mesmo já passei por um acidente deste tipo próximo ao


Nihon-hashi, em Tóquio. Ventava bastante e um letreiro de um edifício

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próximo em obra veio voando em minha direção. Eu consegui evitá-lo no
último segundo, mas uma pessoa ao meu lado sofreu um ferimento. Este
tipo de evento não é uma questão de probabilidades, como na loteria, mas
uma questão de infortúnio.

Não fique perambulando se não for necessário, feche todas as


portas e janelas em uma tempestade etc. Objetos afiados ou pontiagudos
que podem subitamente se tornar instrumentos nocivos não devem ser
colocados ao alcance. No passado, as pessoas tomavam precauções para
evitar situações embaraçosas ou mesmo ameaçadoras depois. Este tipo de
precaução ainda pode ser tomada no presente, especialmente, por aqueles
que são pais – as ações dos pais têm muita influência sobre seus filhos.
Portanto, devemos ser cuidadosos em nossas ações.

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眼、心、力、技 は 一体
Manako, kokoro, ryoku, waza wa ittai
Percepção, espírito, força e técnica são um só

Os olhos falam tão alto quanto a boca. Olhar furioso, olhar feliz,
olhar perspicaz, olhar envergonhado, olhar duvidoso, olhar assustado, olhar
confuso, olhar ensandecido, olhar sonolento etc. – todos eles expressam o
estado em que alguém se encontra.

Tudo isto resulta das ações do espírito expressas e tornadas visíveis


pelos olhos. Os olhos são, de fato, as janelas do espírito. Portanto, olhando
nos seus olhos, pode-se ver o espírito de alguém. Porém, nem sempre é
possível ver o espírito através dos olhos. Se alguém tem a visão fraca ou é
cego, não poderá ver os olhos alheios e, consequentemente, tampouco seu
espírito. Aqueles que possuem um espírito cruel têm um olhar sombrio e
seu espírito não pode ser determinado. Este é o tipo de olhar que é
desejável nas artes marciais. Embora os socos e chutes de alguém acertem
o alvo e o façam parecer um especialista, se o seu olhar é distraído a cada
movimento, em um chute baixo, por exemplo, ele irá olhar para baixo.
Neste caso, não importa o quanto ele pareça um especialista, na verdade
está apenas usando um kata. Isto ocorre porque aquilo que alguém guarda
em seu espírito naturalmente aparece através do olhar. Se o kata, expressão
do espírito, e o próprio espírito estiverem separados um do outro, o kata é
sem sentido.

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Ao observar uma marionete, se a pessoa que controla o boneco é
natural, sua naturalidade aparecerá através dos movimentos da própria
marionete.

Um kata que não acompanha um espírito que contém kata é morto.


Um kata morto não tem sentido. O mesmo pode ser dito de um artista que
pinta seu quadro sem o espírito. Em cada movimento do kata, existe um
sentido ou um objetivo. Se o movimento de alguém não incorpora estes
sentidos ou objetivos, então não importa o quanto treine, pois será inútil.

Se o kata não é vivo, então é obviamente morto. A menos que o


kata seja vivo, não poderá ser utilizado. Além disso, é difícil utilizar um
kata de forma viva. O indivíduo deve começar a prática com o espírito, ou
ele nunca irá se aprimorar. Muitas vezes, a prática e o treinamento em
grupos começa com um comando. Isso ocorre da mesma forma com
quaisquer outros movimentos, havendo uma constante repetição de
comandos do instrutor. Por vezes, parece que o instrutor está apenas
gritando algo aos alunos, enquanto estes realizam apenas uma espécie de
dança coreografada.

Todos os movimentos nas artes marciais existem com um oponente


em mente. Mesmo quando se está praticando sozinho, deve-se
constantemente visualizar seu oponente. Nos treinamentos em grupo,
deve-se considerar o oponente da mesma forma, e não somente desferir
golpes no ar à sua frente. Socos devem ser desferidos em todas as direções,
assim como chutes, recepções e outras defesas nunca devem ser ignorados.

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Estas ações em sequência formam o kata e foram organizadas para que
alguém pudesse praticar sozinho.

Aquilo que importa é que, independentemente da direção à qual a


pessoa estiver voltada após completar um movimento, ela deve ser capaz
de reagir em qualquer direção a seguir. Isto é, ao socar para a frente, e
quanto às costas? Se alguém é descuidado, irá perder sua postura para
desferir um soco. A cada instante, deve-se ser capaz de reagir em qualquer
direção ao seu redor. Este tipo de preparação é uma expressão desta
mentalidade. Dessa forma, os olhos podem estar voltados à frente, mas o
espírito deve estar olhando em todas as direções. Se o espírito apenas olha
em uma direção, então a preparação desta pessoa favorece esta direção e
impede reações súbitas em qualquer outra direção. Isto não se aplica
apenas ao espírito, mas à força também.

Naturalmente, a força atua assim como o espírito, de forma que a


relação entre espírito e força é similar àquela entre espírito e preparação;
do mesmo modo, força e preparação também não podem ser separadas. A
força deve ser elevada ao máximo no momento do contato com o
oponente, mas deve voltar ao nível normal imediatamente a seguir, de
modo a reagir à nova situação simultaneamente. Sendo assim, a força não é
utilizada até o momento exato de fazer o contato. A força não é necessária
antes ou depois do momento de contato. A força deve ser distribuída
igualmente por todo o corpo e o centro desta distribuição não pode ser
alterado sob qualquer circunstância.

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Se o centro de distribuição permanecer no centro do corpo da
pessoa, não há medo de perder a postura após o contato ocorrer, nem
haverá qualquer temor de não ser capaz de deslocar a postura após o
contato com o oponente. Quando muita força é colocada nos braços ao
socar, ou muita força é colocada nas pernas ao chutar, torna-se difícil
mudar a postura do corpo porque o centro de distribuição de força foi
alterado.

O mesmo se aplica ao espírito – se o espírito estiver muito


preocupado em uma direção, o centro será perdido e, como consequência,
o espírito não poderá se direcionar uniformemente em todos os sentidos.
Todavia, o espírito não pode permanecer no centro também. O espírito não
pode deixar o centro de distribuição e, no entanto, deve ser distribuído. O
espírito exige não ser direcionado, mas deseja fazê-lo. Como
pombos-correio que são livres para voar e entregar suas mensagens, mas
sempre retornam para casa. Isto não é algo visível, mas ocorre porque há
uma conexão entre os pássaros, seus espíritos e seus corpos.

O karatê não é diferente disso, uma vez que deve haver uma
conexão entre força e espírito de modo que o espírito e o corpo se tornem
um só. A técnica é uma expressão do espírito. A técnica não pode ser
separada do espírito, e vice-versa. Da mesma forma, a percepção, que
também é uma expressão do espírito, não pode ser separada dele. Se o
olhar se concentrar em um ponto fixo, o espírito o seguirá, deixando seu
centro. Por sua vez, se o espírito parar em um ponto, os olhos não poderão
perceber mais nada.

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Durante o treinamento de karatê, quando alguém olha fixamente os
olhos, punhos ou pernas do oponente, seu espírito se fixa neste ponto. Isto
também pode ser dito em relação ao espírito – a percepção se fixa no
mesmo ponto. A percepção e as técnicas corporais operam a partir de um
comando do espírito, portanto, a preparação espiritual é extremamente
importante. Por conseguinte, um espírito “não-fixo” é desejável. O ápice
do treinamento em karatê é o treinamento espiritual.

Os olhos são importantes para os seres humanos, mas às vezes


podem atrapalhar também. Conta-se uma história de um professor cego
cujos alunos pediram para que ele parasse de ensinar porque uma ventania
havia apagado as luzes. Em vez disso, ele começou a rir dos alunos que
enxergavam. Isto quer dizer que os olhos que vêem as coisas cotidianas
podem ser inconvenientes algumas vezes. A excitação que alguém sente ao
ver uma pessoa atraente, ou o medo que alguém sente ao ver algo terrível
só ocorrem porque a pessoa enxerga as coisas. Essas coisas entram pelas
janelas que são os olhos e se fixam no espírito. O que importa não são os
olhos, mas o espírito, que é o mestre da percepção. O treinamento em artes
marciais serve para controlar o espírito e não reagir tão involuntariamente.
Pode-se permanecer calmo sob qualquer circunstância se o espírito estiver
preparado adequadamente. É importante manter o espírito constantemente
neste estado de preparação.

Senshin (専心 - “espírito concentrado” ou “atenção total”) é um


objetivo do treinamento em artes marciais. Entretanto, será possível existir
tal espírito que sempre permaneça calmo através de longos anos de
treinamento? Perguntar-se coisas desse tipo significa que o espírito já não

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está calmo. Mas ao encarar a morte, por exemplo, haverá indivíduo que
poderia dizer que seu espírito está calmo?

Existe uma história que conta o seguinte:

Um monge budista treinado ao longo de muitos anos para resistir a


qualquer tipo de dor ou aflição pediu ao médico que o explicasse
qual era a natureza de sua doença. Então o médico falou ao monge
que era um câncer e o monge budista que antes era supostamente
capaz de suportar qualquer dor ou aflição começou a chorar e acabou
morrendo em meio às lágrimas.

Eu acredito que esta história seja verdadeira. Os seres humanos


temem a morte mais que tudo. Esta morte é inevitável – ninguém pode
escapar dela. Seria espantoso se alguém buscasse a morte, a acolhesse com
prazer e morresse. O treinamento em artes marciais – por falar nisso,
qualquer treinamento – é apenas um método de treinar o espírito. Porém,
somente este tipo de treinamento parece ineficaz. Para que se possa
permanecer calmo e impassível diante da morte, não se pode ter qualquer
apego ou vínculos com o mundo ao morrer. Para reduzir os apegos ou
vínculos com o mundo, é preferível não arrependimentos e tristezas por
ações passadas, mas ter satisfação e alegria na vida. Eu acredito que a vida
e as ações cotidianas influenciam o treinamento espiritual de todos.

Não importa qual seja o objetivo que cada indivíduo almeja


alcançar na vida, se não tiver arrependimentos até a hora da morte, a
realização deste objetivo será o único desfecho viável, penso eu. O método
é fácil – é a realização dele que parece tão difícil. De fato, os seres
humanos têm hoje uma fraqueza devida à relativa facilidade de suas vidas.
Seria desejável ver os seres humanos cooperando para alcançar um estado
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de paz e harmonia ao viverem uma existência alegre, satisfatória e
realizadora. Se um espírito calmo e impassível for alcançado, o olhar que
expressa este tipo de espírito será verdadeiramente belo. O treinamento em
artes marciais, que é o treinamento espiritual, não ocorre apenas no dōjō.
Diz-se com frequência: “Uma pessoa deve estar constantemente treinando
para aprimorar a si mesma” – quão verdadeiro é isto!

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体力、気力、技力
Tairyoku, kiryoku, waza-ryoku
Força física, força mental, força técnica

Independentemente de qual seja a arte marcial, é desejável que o


indivíduo se notabilize nesses três elementos. O treinamento ajuda, mas o
talento (aquilo com o que se nasce) também separa os bons dos piores.

Dentre os três elementos, se qualquer um deles ultrapassar o do


oponente, então haverá este tanto de vantagem sobre ele. Se a força física e
mental forem idênticas, então a força técnica se tornará o fator decisivo, e
assim por diante.

Se uma das forças está abaixo do nível daquela do oponente, mas se


outra força for particularmente notável, então esta força poderá cobrir a
outra mais fraca. Mesmo que alguém seja fisicamente fraco, sua
superioridade técnica pode colocá-lo em vantagem. Todavia, mesmo se a
força física e a força técnica forem notáveis, se a força mental não for
suficiente, as outras duas não poderão ser bem utilizadas.

Se qualquer um dos três elementos for muito fraco, então este


servirá como ruína para o indivíduo. Pode haver situações em que uma
pessoa pequena derrota uma pessoa maior e mais forte, embora
mentalmente mais fraca. Ademais, eu também já vi a força técnica de um

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indivíduo sobressair no treinamento, mas enfraquecer consideravelmente
em uma disputa. Isto ocorre porque sua força mental é débil.

Pode-se possuir força mental e técnica, mas ter pouca força física e
perder. Algumas vezes, nenhuma delas importa. Durante a minha
juventude, no 7° ano da era Taishō [1918], houve uma disputa entre um
wrestler estrangeiro e um judōka japonês. Não havia muitos integrantes da
Kōdōkan nessa época. O wrestler era muito habilidoso e venceu facilmente
muitos outros, mas este judōka conseguiu encaixar uma chave de braço no
wrestler e fazê-lo deitar de costas. A plateia estava torcendo para o judōka,
mas algo então aconteceu. O wrestler simplesmente se levantou, ergueu
seu braço esquerdo e sacudiu o judōka, livrando-se dele. A disputa acabou
em empate. Eu também já escutei muitas histórias semelhantes.

Se existe muita diferença em relação à força física do oponente, a


situação se assemelha a um adulto torcendo o braço de uma criança.
Especialmente nos dias de hoje, em que estrangeiros treinam as artes
marciais, é importante que os indivíduos treinem com afinco a força
técnica, a força física e, sobretudo, a força mental. Além disso, deve-se
considerar as diferenças de peso dos participantes quando um japonês e um
estrangeiro se enfrentam em uma disputa.

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構えと受け
Kamae to uke
Preparação e recepção

Existem muitas variações de preparação. Não há uma postura fixa.


Essencialmente, uma preparação deve ser capaz de responder a quaisquer
mudanças realizadas pelo oponente, defender ou simplesmente receber o
golpe com o qual ele ataca.

No entanto, nas artes marciais japonesas, não existe uma recepção


(uke - 受け) cujo objetivo primário seja somente a defesa. O pré-requisito
da recepção é o ataque. Da mesma forma, a preparação (kamae - 構え)
também compreende o ataque como um pré-requisito. Não há necessidade
de recepção ou mesmo de preparação se atacar o oponente for um objetivo.
A preparação é para o ataque e a defesa; a recepção é defesa somente
porque não se está na ofensiva.

Consequentemente, atacar após defender resulta em empatar no


ataque ou em ficar para trás na ofensiva. Deve ser sempre uma
defesa-ataque, ou um ataque-defesa. Como o ataque é um pré-requisito
tanto para a preparação quanto para a recepção, elas devem ser capazes de
gerar um ataque imediatamente e também de responder a qualquer ataque.
Se este aspecto não puder ser visto no kata de alguém, então este kata é
inútil. Se muita força for colocada numa preparação, se o pulso é dobrado
após desferir o soco, se alguém olha para baixo quando chuta, todas estas

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ações só servem para tornar aquele ato sem sentido. Na essência, isto se
tornou um igata morto.

Usar um kata vivo é tão difícil que pode levar dez ou vinte anos, até
mesmo toda uma vida de experiências, para apenas começar a usar um kata
adequadamente. No kendō, deve-se estar constantemente preparado para
sacar sua espada, mesmo que a espada não venha a ser sacada – isto é
semelhante à preparação no karatê. Se o kamae não for vivo, de nada serve.
Isto pode ser lido em todo escrito ou livro de qualquer arte marcial.

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待ち手と懸け手
Machite to kakete
Antecipação e iniciativa

Em uma disputa, existe tanto a antecipação (待ち手 - machite)


quanto a iniciativa (懸け手 - kakete). Antecipação é o método pelo qual
alguém responde quando o oponente ataca primeiro; iniciativa é o oposto.

Há dois tipos de antecipação. Iniciativa é uma só. Vitória e derrota


são decididas dessas três maneiras.

O primeiro tipo de antecipação, gosen no te (後先の手), defende e


simultaneamente ataca – consequentemente, é defesa/ataque.

O segundo tipo, sensen no sente (先々の先手), ataca o inimigo


quando ele está prestes a dar o primeiro golpe e defende este golpe. Por
isso, ataca-se antes de o oponente atacar, sendo também defesa/ataque.

Quando defesa e ataque se dão separados, o indivíduo é


frequentemente colocado apenas na defensiva. Deve-se lembrar que o
ataque também é a melhor defesa.

Sente (先手), a iniciativa, é atacar primeiro ao perceber o que o


oponente está desprevenido, ou forçando o oponente a esta situação de
surpresa.

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Além disso, o oponente não é estúpido – ele responderá de uma das
três maneiras acima; portanto, deve-se tomar cuidado para não ser vítima
de si mesmo. Dessa forma, tais ações vão de um lado para o outro.
Também lembre-se de manter um bom estado de espírito e um espaço
adequado entre você e o oponente.

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に 宇
極 宙
致 の
は 如


き 無
も 限
の に
博 と て

紀 れ

“O estudo da marcialidade, como o universo, vai ao infinito.


Saiba que algo como a perfeição neste estudo não existe.”

Ōtsuka Hironori

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