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OPINIÃO VÁRIOS AUTORES

Há um 'historicídio' em curso no Brasil


Nos 200 anos da Independência, objetiva-se falsificar a história ou até mesmo expurgá-la

3.set.2022 às 21h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2022/09/04/)

VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

É comum que professores de história ouçam em conversas casuais frases como: "Eu gosto
muito de história!", "Os jovens precisam conhecer mais a nossa história!" ou "O brasileiro
não tem memória!"... Quem nunca?

Já outros manifestam perplexidade ao lerem por aí que o nazismo era de esquerda


(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/04/nazismo-e-de-direita-define-museu-do-holocausto-visitado-por-bolsonaro-em-israel.shtml)

ou que a ditadura militar brasileira (https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/ditadura-militar/) foi uma


"revolução democrática"(!). Eles, os perplexos, ainda lembrarão a importância de saber
história "para que os erros não se repitam" (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/2018/12/lembrar-a-
historia-para-nao-repetir-o-passado.shtml). A verdade é que certas pessoas odeiam a história e o seu

ensino. Fosse diferente, não estaríamos assistindo inertes ao "historicídio", com o perdão
do neologismo, que está em curso em São Paulo e no Brasil.

Recentemente esta Folha noticiou que "Aulas de história e geografia em SP poderão ter
professor sem formação na área" (https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/06/aulas-de-historia-e-geografia-em-sp-
(22/6). Nós, professores, pais e estudantes da rede
poderao-ter-professor-sem-formacao-na-area.shtml)

pública estadual, fomos surpreendidos com essa resolução da Secretaria da Educação do


Estado de São Paulo que propõe resolver a falta de professores, diversas vezes
denunciada pela Rede Escola Pública e Universidade (Repu), com mais precarização.

Com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (https://www1.folha.uol.com.br/especial/2016/base-nacional-


comum-curricular/) homologada em 2018 no ensino médio, a história perdeu seu lugar como

disciplina escolar no currículo, que ocupava desde a primeira metade do século 19!
A disciplina foi diluída em uma miscelânea "4 em 1" (história, geografia, sociologia e
filosofia), que é de tudo um pouco, e de um pouco, nada. Como se todas essas disciplinas
não tivessem suas especificidades e um único professor híbrido resolvesse a questão.

Destaque-se que esse agrupamento por área pasteurizou conteúdos e reduziu o número
de professores, dando lugar para componentes curriculares alienígenas à cultura escolar,
como "empreendedorismo e projeto de vida", que não têm lastro acadêmico, pois não se
constituem como cursos de graduação e, portanto, inexistem professores licenciados.

A lei 14.038/2020 (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.038-de-17-de-agosto-de-2020-272747785), que


regulamenta a profissão de historiador, informa em seu artigo 4º que uma das atribuições
desse profissional é exercer o "magistério da disciplina de história nos estabelecimentos
de ensino fundamental e médio". Uma ilegalidade ronda a escola pública brasileira! Ou
simplesmente a letra da lei garante um direito inócuo?

Como se não bastasse, através da resolução 02/2019, o Conselho Nacional de Educação


(CNE) estabeleceu uma mudança nos cursos de formação de professores que tem sido
amplamente criticada.

Essa resolução propõe a diminuição da carga horária dos conteúdos específicos em favor
de genéricos, formando professores num praticismo raso. Sua implantação despreza a
autonomia universitária, inúmeras experiências curriculares em andamento e projetos de
cursos consolidados.

É um desastre cognitivo o que está em curso, um verdadeiro "historicídio" promovido por


negacionistas que desejam falsificar a história (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/10/negacionismo-da-
casa-grande.shtml). Mas também produzido por aqueles que desejam, simplesmente, se livrar

dela expurgando-a do seu estudo escolar. Excluir a história do currículo é apagar o


passado e ameaçar o futuro. Precarizar a formação docente favorece a deformação e a
desinformação. Não sendo revertidas essas medidas, a cidadania ficará privada do mais
básico conhecimento de nossas histórias. Será esta a nossa contribuição ao futuro no
bicentenário da Independência (https://www1.folha.uol.com.br/independencia-200/)?

Antonio Simplicio Neto


Departamento de História da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)

Paulo Eduardo Mello


Departamento de História da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa)

Valdei Araujo
Associação Nacional de História - Brasil e Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto)
Paulo Eduardo Teixeira
Associação Nacional de História - São Paulo e Unesp (Universidade Estadual Paulista)

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