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Na Plataforma da Ineficiência: Uma Análise Económica da Má

Manutenção dos Transportes Públicos nos Países em


Desenvolvimento" (Caso de Moçambique)
Em muitos países em desenvolvimento, o péssimo estado dos transportes públicos tornou-se um
desafio diário para os cidadãos. Desde autocarros que parecem ter sobrevivido a batalhas épicas a
comboios que se mexem mais do que andam, surge a pergunta óbvia: porque é que a manutenção
dos transportes públicos nestes países é tão má? Este artigo procura explorar esta questão a partir de
uma perspetiva económica, centrando-se principalmente no contexto moçambicano.

Com os avanços tecnológicos que todos os anos chegam ao continente africano vindos do Ocidente,
observamos que, nas últimas décadas, se tem registado um aumento da natalidade e uma diminuição
da mortalidade no continente, contrastado com o
envelhecimento progressivo da população europeia.
Existem várias teorias que tentam explicar a razão
deste facto, mas não é isso que nos interessa neste
artigo, pelo que apenas comentaremos que tal se
deve principalmente (no caso de África) à redução
massiva das principais doenças devido às vacinas e
medicamentos, bem como à redução da agricultura
de subsistência, fazendo com que a qualidade de
vida das populações melhore, o que implica uma
melhoria da esperança de vida.

Isto, juntamente com outros factores, faz com que a população aumente todos os anos, o que faz com
que os transportes desempenhem um papel cada vez mais importante na saúde económica do
continente africano, que, como estamos a observar, está em contínuo crescimento (demográfico).
Enquanto na Europa e na América do Norte encontramos meios de transporte em bom estado,
relativamente modernos e, em geral, sempre em contínuo melhoramento ou atualização, em lugares
como África e em alguns países da América Latina encontramos um panorama totalmente diferente.
A seguir, apresentamos algumas das razões pelas quais este fenómeno ocorre;
Problema de Agência
A teoria da agência sugere que a falta de uma propriedade clara e de incentivos adequados pode levar
a uma gestão ineficiente dos recursos. No caso dos transportes públicos nos países subdesenvolvidos,
observa-se frequentemente que as empresas operadoras não são propriedade direta do governo, mas
também não são inteiramente propriedade privada. Esta falta de clareza da propriedade cria um
problema de agência, em que os gestores podem não ter os incentivos correctos para manter os
veículos em boas condições.
No caso de Moçambique, podemos ver que esta razão não é muito relevante, uma vez que a maior
parte do sector dos transportes públicos está nas mãos do sector privado e o resto nas mãos do sector
público, não encontramos empresas mistas que poderiam dar origem a problemas de agência.
Efeito da Corrupção
Em muitos países em desenvolvimento, a corrupção é uma realidade que afecta todos os níveis de
governo. Os fundos destinados à manutenção dos transportes públicos são frequentemente desviados
e a corrupção impede a aplicação efectiva das políticas de manutenção. Os contratos de prestação de
serviços podem ser adjudicados a empresas amigas e não a empresas com experiência comprovada,
o que leva a uma gestão ineficaz dos activos dos transportes públicos.
Moçambique não é um país que se destaque pela sua falta de corrupção, na verdade, de acordo com
o "worlddata.com", Moçambique tem uma pontuação de 74 num índice que classifica os países numa
escala de 0 a 100, sendo que quanto maior o valor, mais corrupto é o país. Moçambique está
classificado em 145º lugar, portanto, o resultado está muito acima da média em comparação com
outros países.

Como se pode ver na tabela, Moçambique esteve sempre um passo à frente em termos de corrupção
em comparação com a média do continente africano. Se acrescentarmos a isto o escândalo não muito
longe das dívidas ocultas, podemos concluir que a corrupção é um problema real que contribui
certamente para uma gestão ineficiente dos transportes.

Como já foi anteriormente referido, a maior parte do sector dos transportes públicos está nas mãos
do sector privado, que funciona com base em licenças emitidas pelo organismo competente, que
concede a autorização legal para oferecer esse serviço a qualquer particular que o solicite e cumpra
os requisitos de aprovação. Será que pensamos realmente que todas as licenças são concedidas
legitimamente? Pergunto-me quantos refrescos serão oferecidos ao diretor de turno para obter
licenças, independentemente de o meio de transporte do particular ser o adequado ou não. Já para
não falar do famoso "link" que é preciso ter para que as coisas funcionem, a típica: "o meu tio trabalha
lá, não se preocupem, vai-nos tchunar".
Este facto provoca, sem dúvida, uma falta de incentivo para manter os veículos em boas condições de
manutenção regular, uma vez que, no final do dia, pode sempre recorrer ao Sr. "bilhetinho" para
resolver o problema.
Escassez de Recursos Financeiros
Os países em desenvolvimento enfrentam frequentemente restrições orçamentais significativas. Os
governos são obrigados a equilibrar várias necessidades, e a manutenção dos transportes públicos
pode não ser uma prioridade quando enfrentam problemas mais imediatos, como a pobreza ou a
saúde. A escassez de recursos financeiros pode resultar numa afetação insuficiente de fundos para a
manutenção adequada das infraestruturas de transportes públicos.

De facto, olhando para o caso de Moçambique, podemos verificar que o governo, ao emitir o PESOE
(Plano Económico e Social e Orçamento do Estado) tem como prioridades questões como a pobreza,
a criação de emprego ou a saúde, deixando o sector dos transportes muito a desejar. Também
podemos considerar o facto de Moçambique ser um país que recebe quantias significativas de
doações internacionais para o desenvolvimento, segundo o Banco Mundial em 2021 Moçambique
recebeu 15,4% do RNB, o que poderíamos considerar como uma espécie de compromisso para
demonstrar que tais quantias de recursos são
realmente destinadas a fins mais visuais e mais
"importantes" do que a melhoria da gestão e
organização dos transportes públicos. A verdade é
que seria interessante saber o investimento exato
do governo nos transportes, mas infelizmente é uma
informação que não tem sido possível encontrar.

Manutenção de um preço máximo


Não é surpreendente que os governos dos países em desenvolvimento tentem frequentemente
convencer os seus cidadãos com promessas de melhores condições de vida, e que melhor exemplo
disso do que baixar o preço dos transportes públicos para fazer as pessoas felizes, mesmo que isso
signifique perdas para os bolsos do Estado. Tal ação significa que as poucas receitas geradas pela
redução das tarifas serão utilizadas para despesas mais relevantes, como o pagamento dos salários do
pessoal ou do combustível, e é menos provável que sejam gastas na melhoria ou manutenção dos
veículos.

Mas isto não é tudo, no caso em que o serviço é maioritariamente oferecido por particulares/sector
privado como é o caso em Moçambique, a tentativa do governo de estabelecer uma tarifa acessível a
todos, significará que os particulares não poderão cobrar o preço de mercado que seria sem dúvida
muito mais elevado do que o estabelecido pelo governo, com consequências não muito diferentes das
acima mencionadas. Os particulares não terão incentivos para melhorar os serviços e os veículos, uma
vez que as receitas geradas poderão não ser suficientes para cobrir os custos de operação, quanto
mais para investir numa manutenção de qualidade.

Há ainda uma outra consequência um pouco mais subtil de detetar, mas não menos importante, que,
embora possa não parecer, contribui para o mau estado dos transportes públicos. Estamos a falar de
um conceito básico de economia que se chama "Lei da Oferta e da Procura". Sem entrar em
demasiados pormenores técnicos, podemos apenas
dizer que o facto de se estabelecer um preço máximo
para o preço dos transportes indica que o mercado
não está em equilíbrio, pois está a funcionar a um
preço inferior ao que deveria estar se não houvesse
regularização. Por outras palavras, há mais pessoas à
procura de transporte do que pessoas dispostas a
oferecê-lo ao preço fixado pelo governo. Penso que
este facto explica as clássicas cenas dos chapas e dos
TPMs apinhados, com pessoas em cima umas das
outras e tendo de suportar longas viagens em
posições e condições bastante desconfortáveis. É
óbvio que este uso, para não dizer "mau uso" dos
transportes por parte da população contribui para a
deterioração dos meios de transporte a um ritmo
cada vez mais rápido. Não há dúvida de que, se as
forças de mercado fossem deixadas atuar por si
próprias, a manutenção e o estado dos transportes
públicos estariam em melhores condições.

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