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11/12/2014 A construção do nacionalismo em São Tomé e Príncipe

A construção do nacionalismo
em São Tomé e Príncipe
Renato Pignatari Pereira
renato_pignatari@klepsidra.net
Bacharel em História pela USP
download ­ saotome.doc ­ 16KB

O presente trabalho tem por objetivo compreender as questões nacional e colonial em São
Tomé, mais precisamente, entender a falta de um sentimento nacional anterior à
independência. Para tanto, foi basicamente utilizada a bibliografia final.

Num primeiro momento será


apresentada pequena história do
arquipélago, a fim de que seja
possível identificar revoltas contra
o colonialismo e aspectos que
poderiam ter desenvolvido uma
nacionalidade são­tomense. A
história de São Tomé e Príncipe,
assim como a história de todos os
países africanos, é marcada pelos
maus tratos dirigidos aos negros e
mestiços.

Num segundo momento, aspectos dessa história serão analisados. Não serão trabalhadas
as relações entre grupos políticos, no caso o MLSTP (Movimento de Libertação de São
Tomé e Príncipe) ­ e a questão nacional.

O arquipélago de São Tomé e Príncipe é formado


por ilhas vulcânicas e de grande vegetação. Foi
provavelmente descoberto por João de Santarém
e Pedro Escobar, os quais descobriram Tomé em
1460 e Príncipe em 1461. Há dúvidas relativas à
habitação de São Tomé e Príncipe antes da
descoberta, alguns estudiosos dizem que o
arquipélago era habitado por “angolares”. Tais
figuras, que apresentavam uma atividade simples
de agricultura e pesca, serão posteriormente
utilizadas para a construção da idéia nacional.
Sua imagem está ligada ao ataque de engenhos. A Ilha de Bom Bom, no Arquipélago de
São Tomé e Príncipe

Vários grupos humanos uniram­se para formar a população do arquipélago: europeus (em

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sua maior parte degredados), filhos de judeus e escravos originários da costa africana; São
Tomé foi importantíssimo entreposto comercial.

No período que vai de 1470 a 1485, o


arquipélago era administrado pelo sistema das
capitanias hereditárias. A principal cultura era
a de cana­de­açucar, introduzida em 1501,
tendo seu término no ano de 1822;
posteriormente, foram introduzidas as culturas
de cacau e fumo e o comércio de pimenta e
madeira. Indubitavelmente, a ação
colonizadora européia rapidamente ocupa as
terras realizando um sistema de latifúndio e
monocultura; em São Tomé, os grandes sítios
eram conhecidos como “roças”.
Vista atual da Roça Água Izê

Para o trabalho foi utilizada, em enormes


quantidades, a mão de obra escrava, a qual se
rebelou diversas vezes contra os desmandos do
sistema colonial.

Basicamente, a sociedade sãotomense é


constituída por grandes proprietários e
administradores, pequenos proprietários
Residência do Administrador da Roça Água Izê
nativos, trabalhadores rurais e, com o fim da com seus funcionários em dia de pagamento
à frente
escravidão, serviçais contratados, a enorme
maioria.

Durante o período que se iniciou em 1501 com a exploração da cana­de­açucar, o tráfico


negreiro era sobremaneira praticado, as hostilidades contra os negros eram cada vez
maiores e várias revoltas ocorreram; entretanto, devido ao caráter localizado das mesmas,
ao excesso de espontaneidade e à falta de organização, o colonizador sempre conseguiu
conter os revoltosos. Em decorrência das grandes e violentas repressões, assim como pelo
desejo de fugir da colonização e viver a própria cultura, os escravos sempre escapavam
para o interior, para as florestas, onde se juntavam a outros escravos fugidos e revoltados.
Muitas vezes continuavam atacando as grandes fazendas, provocando incêndios e mortes
que abalavam a estrutura dos colonizadores.

Uma das mais conhecidas oposições, a mais


forte delas, foi realizada por Amador, o qual se
autoproclamou rei de São Tomé em julho de
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1595, e seu grupo. Amador ­ que foi escravo de


um capitão­do­mato, e em decorrência disso
conseguiu aprender alguma estratégia de
guerra, organizou de forma militar um enorme
contingente de escravos e combateu os
colonos, conseguindo libertar a maior parte do
território e, inclusive, a administração colonial
localizada na capital. Devido ao menor poderio
bélico e à traição de alguns membros do
exército, Amador foi capturado e assassinado
em janeiro de 1596.

Foto atual do Centro da Capital, São Tomé

Entretanto, a derrota do rei Amador não caracterizaria o fim das resistências, as quais
teriam continuidade por todos os séculos seguintes. Vale ressaltar que o incidente do rei
Amador também foi utilizado na posterior construção de uma pretensa nacionalidade.

No período que vai do fim do séc. XVI ao final do


séc. XVIII a economia agrícola mostra­se
estagnada, porém, com a introdução das
culturas de cacau e café, que prosseguem até a
independência, a agricultura recebe nova injeção
de vigor. Mais mão­de­obra é requerida, porém,
a escravidão já não se constitui como método
válido e vantajoso para os colonos. Ocorre a
abolição, imediatamente seguida pela introdução
do contrato do trabalho, o qual trouxe a São
Tomé enormes quantidades de negros
angolanos, cabo­verdianos e moçambicanos.
Empregados cabo­verdeanos da Roça Boa
Entrada
(foto do começo do Séc. XX)

Não obstante, os contratados continuam desgostosos com as condições de trabalho, as


quais, a bem da verdade, continuavam péssimas e só objetivavam os lucros dos
colonizadores, desconsiderando os mínimos direitos dos povos submetidos. Vários
movimentos contestatórios ocorrem, entre eles o de 1953, que ficou posteriormente
conhecido como Massacre de Batefá. Tal acontecimento, que foi um movimento de total
resistência aos trabalhos nas roças, recebeu esse nome pois aproximadamente mil
revoltosos foram mortos pelos colonizadores. Aparentemente, esse acontecimento separa a
revolta são­tomense em dois grandes momentos, a saber: o anterior a ela, quando as
revoltas eram mais espontâneas e desorganizadas; e o posterior a ela, onde a resistência
começa a ficar mais organizada e, vista a falta de uma sociedade revolucionária, toma as
características de resistência cultural.

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Uma das características da colonização é tentar dar


um fim à cultura do colonizado, substituindo­a pela
cultura do colonizador. Em São Tomé, esse também
foi um ponto. As danças e músicas tradicionais eram
proibidas, não obstante, com a ajuda delas,
especialmente do Congo – dança de querra que
poderia incitar o povo à revolta – e do Lundum –
canções metafóricas que muitas vezes escarneciam os
colonizadores e o sistema colonial – começou a se
forjar a idéia de nacionalidade e de unidade.
Igreja de Santana
Como dito anteriormente, na falta de uma sociedade revolucionária ou de um projeto político
para a independência, o projeto independentista foi baseado na oposição racial, sendo
considerada (criada) uma unidade a partir de tudo aquilo que não era branco. Entretanto, tal
projeto racista encobriu uma série de diferenças sociais que existiam em São Tomé,
deixando de fora todo um pluralismo social. Forjou­se um sentimento identitário, de
pertença a algo, encobrindo uma série de diferenças sociais em nome de uma semelhança.
Em 12 de julho de 1975, quando São Tomé e Príncipe tornou­se independente de Portugal,
podia­se falar em Estado São­tomense, entretanto, a nação são­tomense continuava
inexistindo.

Após a anterior exposição dos fatos e de aspectos da questão colonial, passamos agora à
análise que buscará mostrar que, mesmo em face de um passado colonial comum, não foi
possível o surgimento de um sentimento nacional são­tomense responsável pela
independência. Apesar de uma certa identidade, principalmente racial, não se pode falar em
nacionalidade.

Parafraseando o que afirma Augusto Nascimento em seu texto Identidades e Saberes na


Encruzilhada do Nacionalismo São­Tomense (op. cit.), recusa­se ver, nas circunstâncias
que cercam as revoltas do período colonial, em qualquer reação contra as autoridades
coloniais, um indício qualquer de nacionalismo, antes, eram um sinal de revolta grupal
contra um inimigo comum, não a batalha de uma identidade comum contra um inimigo
comum. Ou seja, as revoltas do período colonial, até mesmo o levante do rei Amador, não
são revoltas que trazem algum cunho nacionalista, são revoltas contra a ordem imposta.
Antes de ser de cunho nacionalista, a independência foi marcada pela conjuntura e pelo
arrastamento da questão colonial portuguesa. Em 1974, já bem perto do 12 de julho,
apenas uma pequena minoria tinha a independência como projeto político, mas
rapidamente conseguiu apoio popular. Como dito anteriormente, esse projeto, que criava a
identidade são­tomense levando em conta a oposição com a raça branca, acabava por
encobrir uma diferença social entre os filhos da terra e os de outra origem. Além disso, após

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a independência, em vez da repartição das terras, a estrutura das roças foi mantida,
traçando desse modo a estrutura da distribuição do poder no período pós­independência.

O fato de os roceiros utilizarem mão­de­obra


angolana, cabo­verdiana e moçambicana nas
roças são­tomenses também é um empecilho
para a formação de um ideário nacional antes da
independência. Por meio dessa contratação, os
roceiros tentavam prevenir as contestações e as
mudanças sociais nas roças, evitando a criação
de uma identidade comum; os trabalhadores
também tinham as suas localizações modificadas
constantemente.
Entrada da Roça Sundy, em Príncipe

Sem dúvida, o arquipélago de São Tomé e Príncipe assemelha­se mais a uma sociedade
colonial, ou seja, uma sociedade que se arregimenta ao redor dos valores e do poderio da
metrópole, no caso Portugal. Se a semelhança fosse com uma sociedade crioula, onde
ocorre maior interação­integração entre os diversos grupos, raciais e de outros matizes, ao
redor de valores locais, provavelmente haveria maior crescimento relativo à idéia e
sentimento de nação.

Por fim, outro aspecto que merece ser levantado é o que chamaremos aqui de
“mestiçagem”, o qual foi muito bem trabalhado por Roland Corbisier em seu prefácio ao livro
Retrato do Colonizado Precedido Pelo Retrato do Colonizador (op. cit.), de Albert Memi. De
acordo com Corbisier, o colonizado, só existe em função do colonizador, fazendo sua
imagem a oposta da dele. Entretanto, tanto colonizador como colonizado são influenciados
um pelo outro, num processo constante de mestiçagem cultural. Ao negar totalmente a raça
branca, forjando sua identidade num projeto racista de oposição e total rejeição ao branco,
o povo são­tomense perde a oportunidade de se compreender melhor em comparação ao
outro, além de, conforme dito anteriormente, encobrir uma série de diferenças sociais. Deixa
de compreender seu caráter mestiço, o qual, infelizmente, ocorreu por imposição. Daí
claramente se justifica o projeto de oposição racial, pois após anos de exploração, passa­se
a se odiar aquele que explorou.
________________________
Bibliografia:

1) AGUIAR, Armindo: “Os Fundamentos Históricos da Nação São­tomense” in V/A: A

Construção da Nação em África – Os Exemplos de Angola, Cabo Verde, Guiné­

Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe. Colóquio INEP / CODESRIA /


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UNITAR.

2) MEMI, Albert: Retrato do Colonizado Precedido Pelo Retrato do Colonizador. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1989, 3 ed.

3) NASCIMENTO, Augusto: “Identidades e Saberes na Encruzilhada do Nacionalismo

São­Tomense” in Revista Política Internacional: nº 24, outono / inverno de 2001.

Este texto é de total responsabilidade de seu autor e destina­se à divulgação científica.


Utilize­o apenas como fonte de consulta.

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