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Fragmento da Fonte:

Relação do descobrimento e
conquista do Perú-1571
(Relación Del
descubrimiento y conquista
Del Perú - 1571)
Autor: Pedro Pizarro

Como tenho dito, os espanhóis estiveram acordados toda a noite e com muito medo por causa da grande quantidade
de gente que os índios tinham (como Soto e os que foram com ele disseram que tinham visto), e os espanhóis não
faziam ideia de como estes índios lutavam, nem que tipo de espírito tinham, porque até agora não tinham lutado
com índios de guerra, exceto em Tumbez e La Puna com alguns poucos, que eram menos de seiscentos, e depois do
amanhecer o Marquês Don Francisco Pizarro organizou seus homens, dividindo-o sem duas partes, os homens a
cavalo, dando uma a Hernando Pizarro e outra a Hernando de Soto. Da mesma forma, dividiu a gente a pé em duas
partes, ficando com uma e dando a outra ao seu irmão Juan Pizarro.
Ordenou também a Pedro de Candia que, com dois ou três soldados a pé e com as trombetas subissem a uma
pequena fortaleza que está na praça de Caxamarca, e ali estivesse com um pequeno falconete 1 que levavam no
campo, e que fazendo-lhes um sinal desde o galpão, que seria feito quando todos os índios tivessem entrado na
praça e Ataualpa com eles, e quando estivessem dentro fariam o sinal, e assim começariam a atirar e tocariam as
trombetas, e quando as tivessem tocado sairiam os homens a cavalo sairiam de um grande galpão em tropel, onde
todos estavam escondidos, onde cabiam bem e muitos, tendo o galpão muitas portas, todas para a praça, grandes,
que podiam sair muito bem a cavalo os que estavam lá dentro. E também D. Francisco Pizarro e seu irmão Juan
Pizarro estavam no mesmo galpão, de um lado, para saírem atrás dos que iam a cavalo; e assim estavam todos
dentro deste galpão, não faltando ninguém, para que os índios não vissem que gente havia e causas sem medo
quando saíssem todos em tropel. Todos colocaram peiteiras2 de guizos em seus cavalos, para aterrorizar os índios.
Quando os espanhóis estavam assim, chegou a notícia a Atabalpa, de índios que estavam espionando, que os
espanhóis estavam todos metidos no galpão, cheios de medo, e que nenhum aparecia na praça, e a verdade é que os
índios o diziam, porque já ouvi de muitos espanhóis que, na verdade, se urinavam de puro medo.
Depois disso, o Atagualpa pediu que lhe dessem comida e ordenou que toda sua gente fizesse o mesmo.
Estes senhores tinham o hábito de comer de manhã, tal como todos os indígenas deste reino; os senhores, depois de
comerem, como disse, passavam todo o dia bebendo e toda a tarde, pois jantavam muito pouca coisa; e os outros
índios trabalhando.
Depois de ter comido, o que seria por volta da hora da missa, começou a reunir a sua gente e partiu para
Caxamarca, e tendo feito os seus esquadrões, que cobriam os campos, e tendo-se colocado em umas liteiras,
começou a caminhar, pondo à sua frente dois mil índios que varriam o caminho por onde vinha caminhando, e a
gente de guerra, metade de um lado e metade do outro, pelos campos, sem entrar no caminho. Trazia consigo o
senhor de Chincha, numa liteira, o que pareceu à sua gente motivo de admiração, porque nenhum índio, por maior
senhor que fosse, apareceria à sua frente se não levasse uma carga aos ombros e descalço. Pois eram tantos os
adornos de ouro e prata que traziam consigo, que era estranho ver como brilhavam ao sol. Muitos índios vinham à
frente de Ataualpa, cantando e dançando. Este senhor demorou em andar esta meia légua desde os banhos, onde
estava, até Caxamarca, desde a hora da missa, como digo, até três horas antes do anoitecer.
Quando o povo chegou à porta da praça, começaram a entrar os esquadrões com grandes cânticos, e assim entrando
ocuparam toda a praça por todas as partes. Quando o Marquês D. Francisco Pizarro viu que Atahualpa já havia
chegado, pediu ao padre Frei Vicente de Valverde, primeiro bispo de Cuzco, e a Hernando de Aldana, um bom
soldado, e a Don Martinillo, intérprete, para que fossem falar com Atahualpa e a requerer em nome de Deus e do
Rei, que se submetesse à lei de Nosso Senhor Jesus Cristo e ao serviço de Sua Majestade, e que o Marquês o teria
como um irmão, e não consentiria que lhe ofendessem nem fizessem mal a sua terra. Quando o Padre chegou às
1
Antiga peça de artilharia.
2
Peça dos arreios que envolve o peito dos cavalos.
1
liteiras onde estava Atahualpa, falou-lhe e disse porque vinha e pregou coisas de nossa Santa Fé, declarando as o
intérprete. O Padre levava um breviário nas mãos, no qual lia o que pregava. Atahualpa o pediu, e ele o deu
fechado, e como o teve nas mãos não soube abri-lo atirou-o no chão. Chamou o Aldana para que viesse ter com ele
e lhe desse a espada, e o Aldana tirou-a e a mostrou, mas não quis lhe dar. Depois disso, Ataualpa disse-lhes que se
fossem embora, que eram ladrões astutos e que os mataria a todos.
Depois de ouvir isso, o padre voltou e contou ao Marques o que tinha acontecido.
Ataualpa entrou na praça com todo o seu trono que trazia, e o senhor de Chincha atrás dele, e desde que haviam
entrado viu que não aparecia nenhum espanhol, e perguntou aos seus capitães:
– Onde estão esses cristãos, que não aparecem?
Eles lhe responderam:
– Senhor, estão escondidos de medo.
Quando o Marquês viu as duas liteiras, sem saber qual era a de Atahualpa, ordenou a Juan Pizarro, seu irmão, que
fosse com os seus homens para uma e ele para a outra. Quando isso foi ordenado, fizeram o sinal a Candia e ele
disparou o tiro e, depois de ter disparado, tocaram as trombetas e os cavaleiros saíram em tropel, e o Marquês, com
os que estavam a pé, como referido, seguiu-os, de modo que, com o estrondo do tiro e das trombetas e o tropel dos
cavalos e guizos, os índios ficaram alvoroçados. Os espanhóis os atacaram e começaram a matar, e os índios
ficaram tão assustados que, para fugirem, não saindo pela porta, derrubaram um pedaço de um muro que cercava a
praça, com mais de dois mil passos de comprimento e mais de um estado 3 de altura. Os homens a cavalo seguiram-
nos até as termas, onde fizeram um grande estrago, e teriam feito mais se não tivesse anoitecido.
E voltando a Dom Francisco Pizarro e seu irmão, que saíram, como foi dito, com os homens a pé, o marquês foi
atrás da liteira de Ataualpa. E o irmão com o senhor de Chincha, a quem mataram ali com as liteiras, e o mesmo
aconteceria com Ataualpa, se o Marquês não estivesse ali, porque não conseguiam derrubá-lo da liteira, pois
embora matassem os índios que as sustentavam, logo outros se metiam no lugar para sustentá-la. Desta maneira
estiveram muito tempo lutando e matando índios. E cansado, um espanhol deu um golpe para matá-lo, e o Marquês
dom Francisco Pizarro a deteve, e com isso o espanhol o feriu na mão, querendo acertar Atahualpa, pelo que o
Marquês gritou, dizendo:
– Ninguém deve machucar o índio, sob pena de morte!
Quando perceberam isso, sete ou oito espanhóis correram para ele e agarraram uma das bordas da liteira e, usando
a força, a levaram para um lado, e assim Atahualpa foi preso, e o Marquês o levou para os seus aposentos, e ali
colocou guardas para o vigiassem de dia e de noite.
Quando a noite chegou, os espanhóis se recolheram todos e deram muitas graças a Nosso Senhor pelas dádiva que
lhes tinha concedido, e ficaram muito contentes por terem prendido o senhor, porque se não o prendessem, não se
ganharia a terra como se ganhou.

PIZARRO, Pedro. Relación Del descubrimiento y conquista Del Perú. Lima:Pontificia Universidad Católica Del
Perú, 1978.

3
Unidade de medida tomada da estatura regular de um homem, equivalente a sete pés.
2

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