Você está na página 1de 8

Renato Franco de Almeida

Promotor de Justiça

EXMº SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE

BELO HORIZONTE – MG

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por


seus PROMOTORES DE JUSTIÇA DE DEFESA DO CONSUMIDOR, no uso de
suas atribuições legais, vem, respeitosamente perante V. Exª, com fulcro no artigo
129, III da Constituição Federal e nos dispositivos do Código de Defesa do
Consumidor – Lei 8.078/90, propor

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO

em face da COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS –


COPASA-MG, pessoa jurídica de direito privado, sediada na Rua Mar de Espanha,
525, Bairro Santo Antônio, Belo Horizonte-MG, na pessoa de seu representante
legal, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor


Av. Raja Gabaglia, nº 615 / 1º andar – Cidade Jardim – CEP 30380-090
Tel. 3335.9794
Números de página
Renato Franco de Almeida
Promotor de Justiça

1. DOS FATOS

Instaurou-se Procedimento Preparatório sob o nº 06/03 com o


escopo de se investigar a legalidade do aumento ocorrido nas tarifas públicas de
água e esgoto no mês de fevereiro de 2003.
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política
Urbana, através da Resolução n.º 004/2003, de 28 de fevereiro de 2003, autorizou a
Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA – a revisar e reajustar as
tarifas dos serviços públicos de abastecimento de água e coleta de esgotos,
conforme tabela anexa à supracitada Resolução.
Tal aumento nos preços dos referidos serviços teve sua justificativa
nos aumentos de custos operacionais, segundo a Ré.
Ocorre que, segundo o parecer técnico-contábil do Centro de Apoio
Operacional à Execução – CAEX – às fls. 151/156 do mencionado Procedimento
Preparatório, o aumento dos custos operacionais da COPASA revela o percentual
de 19,82% (dezenove inteiros e oitenta e dois por cento), no período que discrimina.
Não obstante, o aumento praticado pela Ré nas tarifas públicas
situou-se, considerado o mesmo lapso temporal, entre 29,80% (vinte e nove inteiros
e oitenta por cento) e 35,00% (trinta e cinco por cento), segundo a faixa de
consumo, sobrepujando o aumento constatado nos custos em 9,98% (nove inteiros
e noventa e oito por cento) e 15,18% (quinze inteiros e dezoito por cento),
respectivamente.

2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor


Av. Raja Gabaglia, nº 615 / 1º andar – Cidade Jardim – CEP 30380-090
Tel. 3335.9794
Números de página
Renato Franco de Almeida
Promotor de Justiça

Ao praticar aumento em porcentagem superior àquela verificada em


seus custos, a Ré violou direito dos consumidores mineiros no que toca à vedação
do fornecedor de serviços elevar sem justa causa o preço destes, ensejando, via de
conseqüência, o direito à redução de tais aumentos, bem como à restituição em
dobro dos valores cobrados e já pagos pelos vulneráveis consumidores.
De efeito, o parágrafo primeiro do artigo 4º do Decreto 36.611 de
21/05/1992 está assim redigido:

o custo dos serviços, a ser computado na determinação da tarifa, deve


ser o custo mínimo necessário à adequação da exploração dos sistemas
operados pela COPASA-MG e a sua viabilização econômico-financeira.

Sendo assim, a adequação da tarifa tem como objetivo tão-somente


viabilizar financeiramente a prestação de serviços pela COPASA, não se incluindo aí
o aumento de seus lucros. O aludido aumento, portanto, deve limitar-se a um mero
repasse do aumento dos custos operacionais.
Segundo ainda o disposto no inciso X do art. 39 do CDC:

Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras


práticas abusivas:
............................omissis.........................................
X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;

Da análise doutrinária sobre o inciso transcrito extrai-se que:

“A nosso ver, será justificado o aumento do preço que seja proporcional à


taxa da inflação ocorrida no período compreendido entre a fabricação e a
venda; que reflita a elevação do custo da mão-de-obra ou das matérias-
primas.” 1

1
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: lei 8.078, de 11.9.90. 3ª ed.
São Paulo: LTr, 1998. p. 354.

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor


Av. Raja Gabaglia, nº 615 / 1º andar – Cidade Jardim – CEP 30380-090
Tel. 3335.9794
Números de página
Renato Franco de Almeida
Promotor de Justiça

A matéria é tratada em jurisprudência sedimentada do TJMG:

EMENTA: REPETIÇÃO DE INDÉBITO - MAJORAÇÃO DE TARIFAS DE


ENERGIA ELÉTRICA PELAS PORTARIAS 038/86 E 045/86, DURANTE
O CONGELAMENTO DETERMINADO PELOS DECRETOS-LEIS 2.283
E 2.284/86, QUANDO DA INSTITUIÇÃO DO PLANO CRUZADO -
ILEGALIDADE - RESTITUIÇÃO DEVIDA - CORREÇÃO MONETÁRIA -
JUROS MORATÓRIOS - INCIDÊNCIA.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.00.340773-1/000 - COMARCA DE BELO


HORIZONTE - APELANTE(S): CEMIG CIA. ENERGÉTICA MINAS
GERAIS - APELADO(S): CIANE CIA. NACIONAL ESTAMPARIAS -
RELATOR: EXMO. SR. DES. AUDEBERT DELAGE

Em suas razões recursais, à f. 225/256, a apelante alega, em síntese, que


a revisão das tarifas encontrava previsão no art. 167, II e III da
Constituição Federal de 1967 com redação dada pelo Emenda
Constitucional n. 1 de 1969, visando à que fosse mantido o equilíbrio
econômico-financeiro do contrato através da paridade entre a receita e o
custo do serviço. Aduz que, em virtude disso, a aludida revisão estaria
fundada em ato jurídico perfeito, amparada pelo direito adquirido,
devendo ser observadas as regras contidas nos Decretos 24.643/34 e
41.019/57, vigentes à época da feitura do contrato.
Não vislumbro a alegada ofensa aos dispositivos constitucionais
apontados. Estabelece o art. 167 da CF de 1967, com a redação dada
pela emenda constitucional n. 1 de 1969:
Art. 167 - A lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias de
serviços públicos federais, estaduais e municipais, estabelecendo:
I - obrigação de manter serviço adequado;
II - tarifas que permitam a justa remuneração do capital, o melhoramento
e a expansão dos serviços e assegurem o equilíbrio econômico-financeiro
do contrato;
III - fiscalização permanente e revisão periódica das tarifas, ainda que
estipuladas em contrato anterior.
Depreende-se que o texto constitucional consagrou os princípios da
razoabilidade e da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro nos
contratos administrativos, em consonância com as legislações
infraconstitucionais pertinentes, existentes até então. Contudo, a
interpretação do texto constitucional deve operar-se de forma técnica,
devendo ser feita a distinção entre os conceitos de revisão,
constitucionalmente permitida, e reajuste, que veio a ser vedado pelos
Decretos-leis 2.283 e 2.284 de 1986. O reajuste periódico das tarifas
encontra sede em legislação infraconstitucional ou contratual que deverão
ser observados quando de sua efetivação. A revisão, contudo, objetiva a
recomposição financeira de prejuízos eventualmente sofridos pelo
concessionário provocados por acontecimentos extraordinários e
imprevistos, que o reajuste periódico previsto não seja capaz de
contornar.

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor


Av. Raja Gabaglia, nº 615 / 1º andar – Cidade Jardim – CEP 30380-090
Tel. 3335.9794
Números de página
Renato Franco de Almeida
Promotor de Justiça

Vejamos:
O posicionamento pela ilegalidade do reajuste das tarifas de energia
elétrica durante a vigência do congelamento de preços encontra-se
sedimentado na remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça:
TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. PLANO CRUZADO.
CONGELAMENTO DE PREÇOS. REAJUSTAMENTO.
IMPOSSIBILIDADE. PORTARIAS NºS. 038/1986, 045/1986 E 153/1986
DO DNAEE. EFEITO CASCATA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
I - A jurisprudência desta corte firmou entendimento no sentido da
ilegalidade da cobrança da tarifa de energia elétrica com base nas
portarias supramencionadas, porquanto violam o congelamento de preços
estabelecido pelos Decretos-leis nºs. 2.283/1986 e 2.284/1986.
II – A declaração de ilegalidade do reajuste das tarifas não contamina os
aumentos futuros que incidam sobre aquele. Com efeito, liberados os
preços, nenhum impedimento havia a que as tarifas fossem reajustadas
na conformidade com os custos dos insumos, podendo, inclusive, daí por
diante, incorporar os custos anteriores e, portanto, tornar eficaz o
aumento decorrente das citadas portarias. Na verdade, a Portaria nº.
153/1986, do DNAEE não reajustou os valores preexistentes, mas sim
fixou tarifas com base no custo operacional, quando não mais vigiam os
Decretos-leis nºs. 2.283/1986 e 2.284/1986, que estabeleceram o
congelamento da economia.

Dessarte, vislumbra-se que, em outro raciocínio, a Ré exige também


vantagem manifestamente excessiva do consumidor, violando, assim, o art. 39, V do
Código de Defesa do Consumidor.
Daí deflui, por outro lado, a necessidade da devolução em dobro
dos valores já pagos, visto sua flagrante abusividade e ilegalidade.

3. DOS PEDIDOS

3.1. DO PEDIDO LIMINAR

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor


Av. Raja Gabaglia, nº 615 / 1º andar – Cidade Jardim – CEP 30380-090
Tel. 3335.9794
Números de página
Renato Franco de Almeida
Promotor de Justiça

Liminarmente, pleiteia o Autor, com base no art. 84 da Lei nº


8.078/90, a concessão de medida liminar, eis que presentes os requisitos
necessários para sua concessão.
Com efeito, a ocorrência do fumus boni juris flui claramente do
acima exposto, isto porque com o aumento realizado nas tarifas públicas – muito
acima do permitido na legislação de regência –, os consumidores estarão, a cada
mês, sujeitos ao pagamento de um valor abusivo e ilegal, maculando a economia
popular sobremaneira. Ademais, é necessário ser lembrado que os fatos expostos
foram informados pela própria Ré (procedimento em anexo), o que faz com que os
requisitos trazidos exigidos pelo art. 84 do CDC fiquem demonstrados.
Lado outro, o periculum in mora resta, de seu turno, evidente,
porquanto, uma vez continuada a cobrança das tarifas no percentual atualmente
praticado pela Ré, os consumidores mineiros estarão sendo, cada vez mais,
lesados. Juntando a isso a razoável dificuldade de serem regularmente indenizados,
tais fatos se mostram suficientes o bastante para atender ao requisito insculpido no
§ 3º do art. 84 do CDC.

De efeito, para que se evite trágicas conseqüências à economia


popular, faz-se mister o deferimento do pedido liminar.

Pelo exposto, requer o Autor o deferimento do pedido liminar


inaudita altera pars e com efeito erga omnes para todo o Estado de Minas
Gerais – posto não se aplicar a Lei 9.494/97 (arts. 1º e 2º) às ações previstas no
CDC – para:

a) obrigar a Ré, in continenti, nos Municípios em que preste


seus serviços, a reduzir os valores cobrados dos
consumidores a título de tarifa pública de água e esgoto

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor


Av. Raja Gabaglia, nº 615 / 1º andar – Cidade Jardim – CEP 30380-090
Tel. 3335.9794
Números de página
Renato Franco de Almeida
Promotor de Justiça

no percentual de 9,98% (nove inteiros e noventa e oito


por cento) e 15,18% (quinze inteiros e dezoito por cento),
respectivamente, de acordo com a tabela de fls. 04/05 do
PP nº 06/03, em anexo, sob pena de multa diária de R$
50.000,00 (cinqüenta mil reais) em razão de
descumprimento da ordem judicial;

3.2. DO PEDIDO PRINCIPAL

Em definitivo, requer a V . Exª. que, declarando a conduta da Ré


ilegal, confirme a liminar para condená-la, por sentença com efeito erga
omnes para todo o Estado de Minas Gerais – posto não se aplicar a Lei 9.494/97
(arts. 1º e 2º) às ações previstas no CDC:

1) a cobrar dos consumidores, nos Municípios em que


preste seus serviços, os valores da tarifa pública de
água e esgoto com redução no percentual de 9,98%
(nove inteiros e noventa e oito por cento) e 15,18%
(quinze inteiros e dezoito por cento), respectivamente,
de acordo com a tabela de fls. 04/05 do PP nº 06/03, em
anexo, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00
(cinqüenta mil reais) em razão de descumprimento da
decisão judicial;

2) à devolução em dobro dos valores já efetivamente


pagos a maior pelos consumidores, cujo montante
deverá ser apurado no momento próprio.

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor


Av. Raja Gabaglia, nº 615 / 1º andar – Cidade Jardim – CEP 30380-090
Tel. 3335.9794
Números de página
Renato Franco de Almeida
Promotor de Justiça

4. DOS REQUERIMENTOS

Ø a citação da COPASA-MG, na pessoa de seu representante


legal, para, querendo, contestar a presente demanda, sob
pena de revelia;

Ø em razão da verossimilhança (rectius: notoriedade) das


alegações, a inversão do ônus da prova sobre os fatos
narrados na presente;

Ø a produção de provas documentais, testemunhais, periciais e


outras necessárias e admitidas em direito;

Ø a publicação de edital no órgão oficial, assim como


publicidade na imprensa – escrita e televisiva – da
propositura desta para que os consumidores interessados se
habilitem como litisconsortes (art. 94 do CDC)

Dá-se, apesar de inestimável, à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil


reais).

Pede deferimento.

Belo Horizonte, 26 de abril de 2004.

RENATO FRANCO DE ALMEIDA


Promotor de Justiça

Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor


Av. Raja Gabaglia, nº 615 / 1º andar – Cidade Jardim – CEP 30380-090
Tel. 3335.9794
Números de página

Você também pode gostar