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Tribunal de Justiça da Paraíba

PJe - Processo Judicial Eletrônico

01/05/2023

Número: 0810353-18.2020.8.15.0731
Classe: RECURSO INOMINADO CÍVEL
Órgão julgador colegiado: 2ª Turma Recursal Permanente da Capital
Órgão julgador: Juíza Túlia Gomes de Souza Neves
Última distribuição : 03/05/2022
Valor da causa: R$ 40.000,00
Processo referência: 0810353-18.2020.8.15.0731
Assuntos: Perdas e Danos, Fornecimento de Energia Elétrica
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
ENERGISA PARAIBA - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A DANIEL SEBADELHE ARANHA (ADVOGADO)
(RECORRENTE)
C ROMERO & CIA LTDA - EPP (RECORRIDO) JOSE PIRES RODRIGUES FILHO (ADVOGADO)
MAURÍCIO LUCENA BRITO (ADVOGADO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
21045 25/04/2023 18:48 Acórdão Acórdão
401
PODER JUDICIÁRIO DA PARAÍBA

2ª TURMA RECURSAL PERMANENTE DA CAPITAL

GABINETE DA JUÍZA TULIA GOMES DE SOUZA NEVES

Recurso Inominado nº 0810353-18.2020.8.15.0731

Origem: JUIZADO ESPECIAL MISTO DE CABEDELO

Recorrente: ENERGISA PARAIBA - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A

Recorrido: C ROMERO & CIA LTDA - EPP

Juiz(a) Relator(a): Dra. Túlia Gomes de Souza Neves

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS C/C


TUTELA DE URGÊNCIA. REFATURAMENTO DE CONTAS DE ENERGIA ELÉTRICA.
CONSUMO REAL. EMPRESA DEMANDANTE AFETADA PELOS EFEITOS DA PANDEMIA.
PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS. RECURSO INTERPOSTO PELA PROMOVIDA.
CONHECIMENTO DO RECURSO. NEGO PROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA
OBJURGADA.

Cuidam os autos de Recurso Inominado interposto por ENERGISA PARAIBA - DISTRIBUIDORA DE


ENERGIA S.A em desfavor de C ROMERO & CIA LTDA - EPP, irresignada com a sentença lançada
nos autos da AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS que julgou procedente em
parte os pedidos iniciais.

Na origem afirma a promovente que houve das diversas solicitações para alteração da tarifação de suas
faturas, tendo a promovida empreendido cobranças com base na demanda mínima contratada, as quais
reconhece não terem sido adimplidas em razão da situação econômico financeira da empresa, além dos
elevados valores cobrados. Requer, assim, o refaturamento das contas de energia e indenização por danos
morais.

Sentença lançada nos autos que julgou procedente em parte os pedidos iniciais para que seja compelida a
faturar e cobrar a quantidade de energia elétrica efetivamente consumida, suspendendo, portanto, os
contratos atinentes à aquisição da quantidade mínima mensal de energia elétrica contratada, inclusive das
tarifas especiais ali previstas, retomando as tarifas gerais de consumo efetivo, desde 26/03/2020, enquanto
vigente a fase de calamidade pública decorrente da pandemia da COVID-19 no Estado da Paraíba,

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passando a cobrar, nesse período, a disponibilização da potência proporcional à energia efetivamente
consumida, sem qualquer penalidade à parte autora.

Inconformada, a parte recorrente, interpôs Recurso Inominado protestando no sentido de ser reformada a
sentença de primeiro grau para julgar improcedentes os pedidos iniciais e restaurar o contrato de
fornecimento de energia elétrica mantido entre as partes, ou, ao menos, limitar os efeitos da decisão
judicial até o retorno das atividades desenvolvidas do setor econômico.

A parte recorrida apresentou contrarrazões ao RI.

É o que importa relatar.

Voto

Preambularmente, verifica-se ter sido devidamente recolhido o preparo recursal.

O que busca a parte recorrente/promovida é a reforma da sentença objurgada, no sentido de ser


acolhido o presente RI para reformar a sentença de 1o grau julgando improcedentes os pedidos autorais e
restaurar o contrato de fornecimento de energia elétrica mantido entre as partes, ou, ao menos, limitar os
efeitos da decisão judicial até o retorno das atividades desenvolvidas do setor econômico.

De saída, a meu sentir, entendo NÃO ASSISTIR RAZÃO à parte recorrente, devendo a sentença
a quo ser mantida em todos os seus termos e próprios fundamentos.

Consabido que nos termos do Código Consumerista, será considerado consumidor toda pessoa
física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, ex vi do art. 2º, do
referido codex.

Neste sentido, inexistem maiores dificuldades em se concluir pela aplicabilidade do referido


diploma legal, ao presente caso, visto que este corpo de normas aplica-se a todas as relações
desenvolvidas no mercado brasileiro que envolva um consumidor e um fornecedor.

Por este viés, é perfeitamente aplicável in casu o art. 14 do CDC, que estipula a responsabilidade
do fornecedor de produtos e serviços pelos danos causados por defeitos relativos à prestação de serviços.

Analisando detidamente os autos do caderno processual eletrônico, verifica-se que as partes


firmaram contrato de disponibilização da demanda de energia elétrica por demanda contratada, que
consiste na obrigação da empresa contratante pagar pela energia que é colocada à sua disposição,
independentemente de haver consumação integral ou não.

A recorrida/autora pleiteia a readequação do contrato, enquanto permanecer a situação de


calamidade, para que sejam emitidas novas faturas de energia elétrica, desta feita lhes seja cobrado pelo
efetivo consumo a partir do dia 26.03.2020, ao argumento de que por conta dos efeitos da PANDEMIA
DO COVID 19, e a paralisação das atividades em todos os setores da atividade empresária, tornou-se
inviável a manutenção do pagamento da demanda não utilizada nos termos contratados.

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É cediço que o princípio do pacta sunt servanda rege as relações contratuais, devendo as partes
buscarem o fiel cumprimento das cláusulas a que se obrigaram. Entretanto, é cediço também que, embora
seja a regra geral, tal princípio não é absoluto e é, inclusive, mitigado pelos arts. 317 e 393 do Código
Civil, em virtude de motivos imprevisíveis e inevitáveis e nas hipóteses de caso fortuito ou força maior.
Assim, o pacta sunt servanda pode ser flexibilizado, buscando o restabelecimento do equilíbrio
econômico contratual, de modo a evitar a onerosidade excessiva a ser suportada por somente um dos
contratantes, bem assim a própria resolução do contrato.

Dessa maneira, a PANDEMIA de COVID-19 e a publicação de sucessivos decretos estaduais e


municipais de isolamento social rígido comprometeram o funcionamento dos diversos estabelecimentos,
de modo que a parte recorrida/autora teve seu consumo de energia reduzido, bem como queda na
lucratividade do seu negócio, todavia, a demanda de energia contratada continua sendo cobrada no valor
fixo anteriormente avençado.

É do conhecimento de todos que a crise ocasionada pela PANDEMIA se trata de fato imprevisível,
extraordinário e de força maior, o que altera o equilíbrio contratual entre as partes contratantes, atraindo a
aplicação da teoria da imprevisão.

Destarte, em virtude de motivos imprevisíveis e inevitáveis e nas hipóteses de caso fortuito ou


força maior, o pacta sunt servanda pode ser flexibilizado, buscando o restabelecimento do equilíbrio
econômico contratual, de modo a evitar a onerosidade excessiva a ser suportada por somente um dos
contratantes, bem assim a própria resolução do contrato.

Ademais, nos termos do art. 478 do Código Civil, a Teoria da Imprevisão, adotada nas relações e
contratos paritários, busca equilibrar as relações jurídicas, afetadas por situações extraordinárias e
imprevisíveis, a exemplo da PANDEMIA de COVID 19. Dessa forma, com base nos princípios da
conservação dos contratos, do equilíbrio econômico, é possível alterar ainda que temporariamente as
obrigações das partes.

Incontroverso que a situação da pandemia do COVID-19 se mostrou totalmente extraordinária e


imprevisível, a ensejar a revisão dos contratos paritários. Contudo, é necessário analisar as situações
detalhadamente, caso a caso, para que se busque, da melhor forma possível, trazer justiça ao caso
concreto para ambas as partes contratantes.

No caso em apreço, a meu ver, laborou com serenidade o juízo a quo ao prolatar sua sentença,
determinando que a parte recorrente proceda com as cobranças através do consumo efetivo do
estabelecimento C ROMERO & CIA LTDA, devendo, inclusive, suspender os contratos com relação a
quantidade mínima mensal de energia elétrica contratada desde o dia 26.03.2020, enquanto perdurar a
calamidade pública no Estado da Paraíba, devendo a autora pagar apenas pela quantidade de energia
efetivamente consumida nos períodos em que o empreendimento sofreu restrições de funcionamento por
atos do Poder Público. Neste sentido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMPLA. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. Decisão que


deferiu, em parte, a tutela de urgência para: 1) determinar a suspensão dos efeitos da cláusula
contratual que obriga a autora a pagar pela integralidade da demanda contratada, a fim que lhe seja
permitido pagar somente a demanda que efetivamente consumir, enquanto permanecer a situação de
pandemia (no que se refere ao fechamento de estabelecimentos comerciais); 2) determinar que a ré
proceda ao refaturamento da conta do autor, somente o consumo real, a contar do dia em que foi
enviado a notificação, no prazo de 20 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 limitada
inicialmente a R$ 60.000,00, devendo, portanto, em abril emitir duas faturas: até o dia 15
correspondente a 50% do valor referente a demanda contratada e a segunda fatura referente aos
demais dias, cobrando somente o que efetivamente foi consumido. Recurso da concessionária ré. A

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obtenção da tutela antecipada se subordina à presença dos requisitos previstos no art. 300 e ss do CPC,
quais sejam, probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, bem
como a reversibilidade da medida. A situação decorrente da pandemia de Covid-19 resultou em
rigorosas medidas de isolamento social e restrição de funcionamento do comércio, afetando o aspecto
econômico-financeiro de pessoas físicas e jurídicas. Possibilidade de cobrança de energia elétrica com
base no efetivo consumo e não pela demanda contratada. O deferimento da tutela de urgência
antecipatória para abstenção de suspensão do aludido serviço somente se fundamenta caso a parte
autora arque com o pagamento das faturas que se vencerem durante o trâmite processual, sob pena de
enriquecimento sem causa. Somente se reforma a decisão concessiva ou não, da tutela de urgência,
cautelar ou antecipatória, se teratológica, contrária à lei, notadamente no que diz respeito à
probabilidade do direito invocado, ou à prova dos autos. Súmula 59 do TJRJ. Decisão mantida.
DESPROVIMENTO DO RECURSO. Conclusões: Por unanimidade de votos, negou-se provimento ao
recurso, nos termos do voto do Relator. (TJ-RJ, AGRAVO DE INSTRUMENTO
0046762-74.2020.8.19.0000, Relator(a): DES. SÔNIA DE FÁTIMA DIAS, Publicado em: 21/01/2021)

“RECURSO INOMINADO. SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. CONDIÇÕES DE


ADMISSIBILIDADE PREENCHIDAS. CONTRATO DE SERVIÇOS POR DEMANDA. ALEGAÇÃO
DE DIMINUIÇÃO DE CONSUMO EM RAZÃO DA QUEDA DA PRODUÇÃO DURANTE A
PANDEMIA. PAGAMENTO MÍNIMO QUE SE TORNOU EXCESSIVO. SENTENÇA QUE
DETERMINOU A COBRANÇA COM BASE NO EFETIVO CONSUMO. POSSIBILIDADE DE
REFATURAMENTO E REVISÃO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO. VOTO Trata-se de ação em que a parte autora é titular da conta contrato n°
7017998115. Alega, em síntese, que é uma grande consumidora de energia, que realiza com a Ré um
contrato denominado ¿demanda contratada¿ de energia elétrica. Relata que desde a metade do mês de
março de 2020 houve uma queda muito grande na produção e (...) serem suportados pela Recorrente,
estes fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa. Julgamento pela ementa nos termos do
art. 46 da Lei nº 9.099/95. É como voto. Salvador, 01 de novembro de 2021. MARY ANGÉLICA
SANTOS COELHO Juíza Relatora ACÓRDÃO Realizado Julgamento do Recurso do CONHECER E
NEGAR PROVIMENTO ao recurso mantendo a sentença em todos os seus termos. Custas e
honorários advocatícios, a serem suportados pela Recorrente, estes fixados em 20% (vinte por cento)
sobre o valor da causa. Salvador, 01 de novembro de 2021. MARIA VIRGÍNIA ANDRADE DE
FREITAS CRUZ Juíza Presidente MARY ANGÉLICA SANTOS COELHO Juíza Relatora (TJ-BA,
Classe: Recurso Inominado, Número do Processo: 0007149-86.2020.8.05.0113, Órgão julgador:
QUARTA TURMA RECURSAL, Relator(a): MARY ANGELICA SANTOS COELHO, Publicado em:
24/02/2022)

... não condizem com o real consumo de energia, mormente em face da diminuição de sua produção no
período indicado, em virtude da pandemia do COVID – 19. Afirma, ainda, que a concessionária
procedeu (...) real consumo da unidade consumidora venha a ser apurado na ação principal,
determinando-se que a ré realize novo faturamento dos referidos meses, conforme média de consumo
dos 12 (doze (...) referidos meses; determinar que seja instalado um novo medidor de energia elétrica,
que reflita o real consumo de energia elétrica da unidade consumidora, com a juntada aos autos de
laudo técnico comprobatório ... (TJ-PB, 0804263-19.2021.8.15.0000, Rel. Desa. Maria das Graças
Morais Guedes, AGRAVO DE INSTRUMENTO (202), 3ª Câmara Cível, juntado em 12/04/2021)

De mais a mais, em que pese a decisão do Supremo Tribunal Federal que entendeu indevida ser a
suspensão do contrato de fornecimento de energia elétrica na modalidade “demanda contratada” pelo

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Poder Judiciário, no contexto da PANDEMIA da covid-19, contudo, a decisão proferida em sede de
suspensão liminar, possui efeitos apenas interpartes, isto é, não é revestida de efeito vinculante de
observância obrigatória. Desnecessário relembrar que a ratio decidendi, isto é, as razões de decidir, não
integram o dispositivo e a decisão, não fazendo coisa julgada.

Ressalto, ainda, que a parte recorrida/promovida não objetiva a suspensão ou rescisão do contrato,
tão somente pretende pagar pela energia efetivamente consumida durante o período de calamidade
pública, liberando-se da necessidade de consumir toda a carga contratada. Não há dúvida que o mundo
vive uma situação sem precedentes em decorrência da PANDEMIA da COVID 19, o que impacta
diretamente as atividades econômicas. E bem evidente que por conta dos efeitos da pandemia houve a
paralisação da atividade empresária e a redução inesperada da produção, tornando-se inviável a
manutenção do pagamento da demanda não utilizada.

Por todo o exposto, verifica-se acertada a decisão do juízo a quo ao julgar parcialmente
procedentes os pedidos iniciais para restabelecer o fornecimento de energia elétrica à autora e que o
pagamento seja com base no efetivo consumo e não pela demanda contratada no período a partir de
26.03.2020 até o término da fase de calamidade pública no Estado da Paraíba, devendo nesse período ser
considerado o quantitativo efetivamente consumido e lido pelo medidor.

Destarte, conheço do recurso por ser tempestivo, e no mérito, NEGO provimento


ao presente RI, mantendo a sentença vergastada em todos os seus termos e fundamentos.

Custas já recolhidas.

Condeno, ainda, a recorrente/promovida ao pagamento dos honorários advocatícios


sucumbenciais, estes no importe de 10% sobre o valor da causa.

É como voto.

Sala de Sessões da E. Segunda Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, aos
25 dias do mês de abril do ano de 2023, terça-feira.

Túlia Gomes de Souza Neves

Relatora

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