Você está na página 1de 9

TREINANDO A ESCRITA ✍

DIREITO ADMINISTRATIVO - SERVIÇOS PÚBLICOS

José e Maria, recém-casados, decididos a buscar uma vida melhor, decidem ir morar na cidade de

Gramado, no Rio Grande do Sul, tendo em vista o grande fluxo turístico da cidade e a possibilidade de

trabalho que a região oferece.

Ao chegar na cidade, no mês de maio de 2021, resolvem alugar a residência de Pedro, realizando contrato

verbal de locação, sem prazo determinado.

De acordo com Pedro, as contas de luz e de água estariam no nome do antigo morador, Sr. João, que

residiu naquela casa com a família até o mês de abril de 2021, mas saiu da casa sem avisar e, por isso,

Pedro ainda não havia modificado a titularidade das contas.

Tudo corria bem até que no mês de agosto de 2021 a companhia de energia elétrica foi até a residência

do casal e realizou o corte do serviço. Indagado pelo casal, pois adimplentes em todas as faturas após o

mês de maio, o funcionário da concessionária de energia elétrica afirmou que o corte estava sendo

realizado em razão do inadimplemento da conta do mês de janeiro de 2021.

José foi até a sede da concessionária e foi informado que o valor da conta de janeiro de 2021 era de R$

550,00 (quatrocentos e cinquenta reais) - 180% mais cara que a média de consumo do casal -, pois

derivada de recuperação de consumo, mas que a concessionária ainda não havia concluído a apuração

referente ao medidor.

Diante do caso narrado, disserte sobre a relação entre o casal e a concessionária de serviço público, a

possibilidade de corte de serviço público essencial e se agiu corretamente a concessionária de serviço

público.

RESPOSTA

1
2
CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO

Inicialmente, cumpre esclarecer que a relação entre a concessionária de energia elétrica e o consumidor

final é uma relação de consumo, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor para esse contrato. Veja:

A relação entre concessionária de serviço público e o usuário finaldos serviços

públicos essenciais, tais como energia elétrica, é consumerista, sendo cabível a

aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1061219/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em

22/08/2017.

O fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço público essencial, razão pela qual, em

regra, não podem ser interrompidos, sendo a continuidade é uma das características do serviço público

adequado, nos termos do art. 6º, § 1º da Lei nº 8.987/95 e art. 4º da Lei nº 13.460/2017.

Não obstante, mesmo sendo um serviço essencial, em caso de inadimplemento do consumidor, é

possível o corte do serviço de energia elétrica, desde que obedeça determinados critérios.

A jurisprudência classifica esses débitos em três grupos:

1) débitos decorrentes do consumo regular (atraso normal de pagamento);

2) débitos relacionados com recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária e;

3) débitos relacionados com recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor

(fraude do medidor).

Sobre os débitos decorrentes do consumo regular, é permitido o corte da energia elétrica do

consumidor quando se tratar de inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo. Para isso, no

entanto, antes de fazer o corte, a concessionária é obrigada a comunicar o consumidor, ou seja, exige-se aviso

prévio. Veja o que diz o art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95:

Art. 6º (...)

§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção (...)

após prévio aviso (...):

(...)

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

3
No entanto, cumpre ressaltar que não se admite o corte para débitos antigos, já consolidados. Assim,

não é permitido que a concessionária suspenda o fornecimento do serviço se os débitos forem antigos

(consolidados no tempo). Portanto, o corte de serviços essenciais, como água e energia elétrica, pressupõe o

inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo. Veja:

O corte de serviços essenciais, tais como água e energia elétrica, pressupõe o

inadimplemento de conta regular, sendo inviável, portanto, a suspensão do

abastecimento em razão de débitos antigos.

STJ. 1ª Turma.AgRg no Ag 1320867/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em

08/06/2017.

O corte do serviço por dívidas antigas ofende o art. 42 do CDC:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a

ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Se o débito é antigo, como no caso em tela, a concessionária deverá buscar a satisfação de seu crédito

pelas chamadas “vias ordinárias de cobrança” (exs: protestar o débito, inscrever nos cadastros restritivos, propor

ação de cobrança etc.).

Ademais, importante ressaltar que a obrigação de pagar a conta de energia elétrica é de natureza

pessoal (não é propter rem). Assim, o débito de energia elétrica (assim como o de água) é de natureza pessoal,

não se vinculando ao imóvel. Não se trata, portanto, de obrigação propter rem. Desse modo, o consumidor não

pode ser responsabilizado pelo pagamento de serviço de fornecimento de energia elétrica utilizado por outra

pessoa. Veja:

A obrigação de pagar por serviço de natureza essencial, tal como água e energia,

não é propter rem, mas pessoal, isto é, do usuário que efetivamente se utiliza do

serviço.

STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 45.073/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,

julgado em 02/02/2017.

Assim, o casal não pode ser responsabilizado pela conta em atraso, pois do antigo morado da casa, Sr.

João.

Continuando.

4
Reparação de consumo não faturado é uma expressão utilizada pela concessionária para representar

uma determinada quantidade de energia elétrica que foi fornecida e utilizada pelo consumidor, mas que, apesar

disso, não foi registrada corretamente.

Isso significa que existe um débito deste consumidor para com a concessionária.

Esse fato pode ter ocorrido por dois motivos principais:

a) falha da concessionária (ex: medidor instalado estava com “defeito”); ou

b) por fraude no medidor (vulgo “gato”).

Assim, é possível que a concessionária de energia elétrica realize a recuperação de consumo em duas

hipóteses:

a) quando exista um faturamento lançado a menor, em decorrência de deficiência nos equipamentos de

medição (recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária);

b) quando ocorra procedimento irregular na medição, por ato fraudulento de responsabilidade do

consumidor/usuário (recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor).

Na primeira situação (letra “a”), existe o consumo de energia sem o devido registro pelo medidor, que

pode derivar, ou de algum defeito presente no aparelho, ou da impossibilidade de realização de correta aferição,

devendo a distribuidora detectar a causa, apurar o consumo efetivo do período e providenciar o faturamento do

correspondente valor.

No caso de recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária, essa situação somente é

descoberta depois de um tempo, ou seja, depois que a conta do mês “fechou”. Logo, são débitos pretéritos. E,

nestes casos, o STJ entende que não é possível o corte do serviço. A concessionária deverá exigir os seus créditos

pelas “vias ordinárias de cobrança”. Veja:

É ilegítima a suspensão de fornecimento de energia elétrica por dívida pretérita, a

título de recuperação de consumo, devendo o valor ser cobrado pelas vias ordinárias.

STJ. 1ª Turma. EDcl no REsp 1339514/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 05/03/2013.

Por sua vez, na recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor (corte

administrativo por fraude no medidor), é possível o corte da energia elétrica nos casos de dívidas decorrentes de

fraude no medidor desde que:

1. a responsabilidade do consumidor pela fraude deverá ser devidamente apurada, conforme

procedimento estipulado pela ANEEL (agência reguladora), assegurando-se ampla defesa e

contraditório. Em outras palavras, a suposta fraude no medidor de consumo de energia não poderá ser

apurada unilateralmente pela concessionária.

2. deverá ser concedido um aviso prévio ao consumidor;

5
3. a suspensão administrativa do fornecimento do serviço deve ser possibilitada quando não forem pagos

débitos relativos aos últimos 90 dias da apuração da fraude, sem prejuízo do uso das vias judiciais

ordinárias de cobrança.Isso porque o reconhecimento da possibilidade de corte do serviço de energia

elétrica pelas concessionárias deve ter limite temporal de apuração retroativa.

4. deve ser fixado prazo razoável de, no máximo, 90 dias após o vencimento da fatura de recuperação de

consumo, para que a concessionária possa suspender o serviço.

Veja tese fixada:

Na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no

aparelho medidor atribuída ao consumidor, desde que apurado em observância

aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é possível o corte

administrativo do fornecimento do serviço de energia elétrica, mediante prévio

aviso ao consumidor, pelo inadimplemento do consumo recuperado

correspondente ao período de 90 (noventa) dias anterior à constatação da

fraude, contanto que executado o corte em até 90 (noventa) dias após o

vencimento do débito, sem prejuízo do direito de a concessionária utilizar os

meios judiciais ordinários de cobrança da dívida, inclusive antecedente aos

mencionados 90 (noventa) dias de retroação.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.412.433-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em

25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 634).

Assim, agiu de forma errada a concessionária, pois a responsabilidade do consumidor pela fraude não

foi devidamente apurada, conforme procedimento que assegure ampla defesa e contraditório; não foi

concedido um aviso prévio ao consumidor; não foi respeitado o prazo máximo de 90 dias.

ESPELHO DE RESPOSTA

A relação entre a concessionária de energia elétrica e o consumidor final é uma relação de consumo,

aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor para esse contrato.

O fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço público essencial, razão pela qual, em

regra, não podem ser interrompidos, sendo a continuidade é uma das características do serviço público

adequado, nos termos do art. 6º, § 1º da Lei nº 8.987/95 e art. 4º da Lei nº 13.460/2017. Não obstante seja um

serviço essencial, em caso de inadimplemento do consumidor, é possível o corte do serviço de energia elétrica,

desde que obedeça determinados critérios.

6
Sobre os débitos decorrentes do consumo regular, é permitido o corte da energia elétrica do

consumidor quando se tratar de inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo. Para isso, no

entanto, antes de fazer o corte, a concessionária é obrigada a comunicar o consumidor, ou seja, exige-se aviso

prévio, nos termos do art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95, o que não foi realizado no caso em tela.

Ademais, cumpre ressaltar que não se admite o corte para débitos antigos, já consolidados. Portanto, o

corte de serviços essenciais, como água e energia elétrica, pressupõe o inadimplemento de conta regular,

relativa ao mês do consumo.

Ainda, a obrigação de pagar a conta de energia elétrica é de natureza pessoal (não é propter rem).

Assim, o débito de energia elétrica (assim como o de água) é de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel.

Assim, o casal não pode ser responsabilizado pela conta em atraso, pois do antigo morado da casa, Sr. João.

Reparação de consumo não faturado é uma expressão utilizada pela concessionária para representar

uma determinada quantidade de energia elétrica que foi fornecida e utilizada pelo consumidor, mas que, apesar

disso, não foi registrada corretamente, que pode ocorrer por falha da concessionária ou por fraude no medidor.

No primeiro caso (falha) existe o consumo de energia sem o devido registro pelo medidor, que pode

derivar, ou de algum defeito presente no aparelho, ou da impossibilidade de realização de correta aferição,

devendo a distribuidora detectar a causa, apurar o consumo efetivo do período e providenciar o faturamento do

correspondente valor. No caso de recuperação de consumo por responsabilidade da concessionária, essa

situação somente é descoberta depois de um tempo, ou seja, depois que a conta do mês “fechou”. Logo, são

débitos pretéritos. E, nestes casos, o STJ entende que não é possível o corte do serviço.

Por sua vez, na recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao consumidor (corte

administrativo por fraude no medidor), é possível o corte da energia elétrica nos casos de dívidas decorrentes de

fraude no medidor desde que a responsabilidade do consumidor pela fraude deverá ser devidamente apurada,

assegurando-se ampla defesa e contraditório, deverá ser concedido um aviso prévio ao consumidor, a

suspensão administrativa do fornecimento do serviço deve ser possibilitada quando não forem pagos débitos

relativos aos últimos 90 dias da apuração da fraude, sem prejuízo do uso das vias judiciais ordinárias de

cobrança e deve ser fixado prazo razoável de, no máximo, 90 dias após o vencimento da fatura de recuperação

de consumo, para que a concessionária possa suspender o serviço.

Assim, agiu de forma errada a concessionária, pois a responsabilidade do consumidor pela fraude não

foi devidamente apurada, conforme procedimento que assegure ampla defesa e contraditório; não foi

concedido um aviso prévio ao consumidor; não foi respeitado o prazo máximo de 90 dias.

PONTUAÇÃO

Tópico PONTUAÇÃO MÁXIMA

7
1. A relação entre a concessionária de energia elétrica e o consumidor final é uma 1,00

relação de consumo, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor para esse

contrato.

2. O fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço público essencial, razão 1,50

pela qual, em regra, não podem ser interrompidos, sendo a continuidade é uma das

características do serviço público adequado, nos termos do art. 6º, § 1º da Lei nº

8.987/95 e art. 4º da Lei nº 13.460/2017.

Não obstante seja um serviço essencial, em caso de inadimplemento do consumidor, é

possível o corte do serviço de energia elétrica, desde que obedeça determinados

critérios.

3. É permitido o corte da energia elétrica do consumidor quando se tratar de 1,50

inadimplemento de conta regular, relativa ao mês do consumo. Para isso, no entanto,

antes de fazer o corte, a concessionária é obrigada a comunicar o consumidor, ou seja,

exige-se aviso prévio, nos termos do art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95, o que não foi

realizado no caso em tela.

4. Não se admite o corte para débitos antigos, já consolidados. 2,00

A obrigação de pagar a conta de energia elétrica é de natureza pessoal (não é propter

rem). Assim, o débito de energia elétrica (assim como o de água) é de natureza pessoal,

não se vinculando ao imóvel.

5. Reparação de consumo não faturado é uma expressão utilizada pela concessionária 4,00

para representar uma determinada quantidade de energia elétrica que foi fornecida e

utilizada pelo consumidor, mas que, apesar disso, não foi registrada corretamente, que

pode ocorrer por falha da concessionária ou por fraude no medidor.

No primeiro caso (falha) existe o consumo de energia sem o devido registro pelo

medidor, que pode derivar, ou de algum defeito presente no aparelho, ou da

impossibilidade de realização de correta aferição, devendo a distribuidora detectar a

causa, apurar o consumo efetivo do período e providenciar o faturamento do

correspondente valor. No caso de recuperação de consumo por responsabilidade da

concessionária, essa situação somente é descoberta depois de um tempo, ou seja,

depois que a conta do mês “fechou”. Logo, são débitos pretéritos. E, nestes casos, o STJ

entende que não é possível o corte do serviço

Por sua vez, na recuperação de consumo por responsabilidade atribuível ao

consumidor (corte administrativo por fraude no medidor), é possível o corte da energia

elétrica nos casos de dívidas decorrentes de fraude no medidor desde que a

8
responsabilidade do consumidor pela fraude deverá ser devidamente apurada,

assegurando-se ampla defesa e contraditório, deverá ser concedido um aviso prévio ao

consumidor, a suspensão administrativa do fornecimento do serviço deve ser

possibilitada quando não forem pagos débitos relativos aos últimos 90 dias da

apuração da fraude, sem prejuízo do uso das vias judiciais ordinárias de cobrança e

deve ser fixado prazo razoável de, no máximo, 90 dias após o vencimento da fatura de

recuperação de consumo, para que a concessionária possa suspender o serviço

TOTAL 10,00

Você também pode gostar