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Suspensão de fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento

se aplica também a hospitais, escolas ou órgãos públicos?

Princípio da continuidade dos serviços públicos


Os serviços públicos são considerados essenciais ou necessários à coletividade. Por essa
razão, eles, em regra, não podem ser interrompidos. A isso chamamos de princípio da
continuidade dos serviços públicos.
A continuidade é uma das características do serviço público adequado segundo expressa
previsão legal.

Lei nº 8.987/95 (dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de


serviços públicos):
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao
pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas
pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade,
eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade
das tarifas.
(...)

Lei nº 13.460/2017 (dispõe sobre os direitos do usuário dos serviços públicos)


Art. 4º Os serviços públicos e o atendimento do usuário serão realizados de forma
adequada, observados os princípios da regularidade, continuidade, efetividade,
segurança, atualidade, generalidade, transparência e cortesia.

Os serviços públicos, mesmo gozando da garantia da continuidade, podem ser


interrompidos/suspensos em caso de inadimplemento do usuário? Em palavras mais
simples, o serviço (ex: energia elétrica) pode ser “cortado” se o cliente deixar de
pagar a conta?
SIM. A Lei nº 8.987/95 prevê que será possível a interrupção do serviço público em
caso de inadimplemento do usuário, desde que ele seja previamente avisado. Veja a
redação legal:
Art. 6º (...)
§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação
de emergência ou após prévio aviso, quando:
(...)
II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

O que fez a Lei nº 14.015/2020?


Alterou a Lei nº 8.987/95 e a Lei nº 13.460/2017 para deixar isso ainda mais explícito.

Confira os dispositivos inseridos na Lei nº 13.460/2017:


Art. 5º O usuário de serviço público tem direito à adequada prestação dos serviços,
devendo os agentes públicos e prestadores de serviços públicos observar as seguintes
diretrizes:
(...)
XVI – comunicação prévia ao consumidor de que o serviço será desligado em virtude de
inadimplemento, bem como do dia a partir do qual será realizado o desligamento,
necessariamente durante horário comercial.
Parágrafo único. A taxa de religação de serviços não será devida se houver
descumprimento da exigência de notificação prévia ao consumidor prevista no inciso
XVI do caput deste artigo, o que ensejará a aplicação de multa à concessionária,
conforme regulamentação.

Art. 6º São direitos básicos do usuário:


(...)
VII – comunicação prévia da suspensão da prestação de serviço.
Parágrafo único. É vedada a suspensão da prestação de serviço em virtude de
inadimplemento por parte do usuário que se inicie na sexta-feira, no sábado ou no
domingo, bem como em feriado ou no dia anterior a feriado.

Resumindo a Lei nº 14.015/2020:


• Em caso de inadimplemento, é possível a suspensão da prestação do serviço público,
mesmo que se trate de serviço público essencial (ex: energia elétrica, água etc.);
• Essa suspensão/interrupção não viola o princípio da continuidade dos serviços
públicos;
• Para que essa suspensão seja válida, contudo, é indispensável que o usuário seja
previamente comunicado de que o serviço será desligado, devendo ser informado
também do dia exato em que haverá o desligamento;
• O desligamento do serviço deverá ocorrer em dia útil, durante o horário comercial;
• É vedado que o desligamento ocorra em dia de feriado, véspera de feriado, sexta-feira,
sábado ou domingo.
• Caso o consumidor queira regularizar a situação e pagar as contas em atraso, a
concessionária poderá cobrar uma taxa de religação do serviço. Essa taxa de religação,
contudo, não será devida se a concessionária cortou o serviço sem prévia notificação.
• Assim, se a concessionária não comunicou previamente o consumidor do corte ela
estará sujeita a duas consequências:
a) terá que pagar multa;
b) não poderá cobrar taxa de religação na hipótese do cliente regularizar o débito.

Vigência
A Lei nº 14.015/2020 entrou em vigor na data de sua publicação (16/06/2020).
É ilegítimo o corte no fornecimento de energia elétrica quando puder afetar o direito
à saúde e à integridade física do usuário
A suspensão do serviço de energia elétrica, por empresa concessionária, em razão de
inadimplemento de unidades públicas essenciais - hospitais; pronto-socorros; escolas;
creches; fontes de abastecimento d'água e iluminação pública; e serviços de segurança
pública -, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, despreza
o interesse da coletividade.
STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 543.404/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em
12/02/2015.

É legítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando


inadimplente pessoa jurídica de direito público, desde que precedido de notificação e
a interrupção não atinja as unidades prestadoras de serviços indispensáveis à
população
A legitimidade do corte no fornecimento do serviço de telefonia quando inadimplentes
entes públicos, desde que a interrupção não atinja serviços públicos essenciais para a
coletividade, tais como escolas, creches, delegacias e hospitais.
STJ. 1ª Turma. EDcl no REsp 1244385/BA, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em
13/12/2016.

É ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando


inadimplente unidade de saúde, uma vez que prevalecem os interesses de proteção à
vida e à saúde
Quando o devedor for ente público, não poderá ser realizado o corte de energia
indiscriminadamente em nome da preservação do próprio interesse coletivo, sob pena de
atingir a prestação de serviços públicos essenciais, tais como hospitais, centros de
saúde, creches, escolas e iluminação pública.
STJ. 2ª Turma. AgRg no Ag 1329795/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em
19/10/2010.

É ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais por débitos de


usuário anterior, em razão da natureza pessoal da dívida
O débito de energia elétrica/água é de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel.
Não se trata, portanto, de obrigação propter rem.
Desse modo, o consumidor não pode ser responsabilizado pelo pagamento de serviço de
fornecimento de energia elétrica utilizado por outra pessoa.
A obrigação de pagar por serviço de natureza essencial, tal como água e energia, não é
propter rem, mas pessoal, isto é, do usuário que efetivamente se utiliza do serviço.
STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 45.073/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
julgado em 02/02/2017.

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