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Os precedentes judiciais e os assentos da casa da suplicação em Portugal:

eficácia, vinculatividade e publicação

OS PRECEDENTES JUDICIAIS E OS ASSENTOS DA CASA DA SUPLICAÇÃO EM


PORTUGAL: EFICÁCIA, VINCULATIVIDADE E PUBLICAÇÃO
Casa da suplicação’s precedents and assentos: effects, bindingness and reporting
Revista de Processo | vol. 268/2017 | p. 533 - 566 | Jun / 2017
DTR\2017\1352

Marcus Seixas Souza


Doutorando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pós-Graduado em Direito Tributário pela
Fundação Faculdade de Direito da Bahia (UFBA). Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo
(ANNEP), do Instituto Brasileiro de História do Direito (IBHD) e da Associação Brasileira de Professores de Processo
(ABDPRO). Professor-assistente na Faculdade Baiana de Direito. Advogado. marcus.seixas.souza@gmail.com

Área do Direito: Processual


Resumo: O presente artigo trata dos precedentes e dos assentos da Casa da Suplicação, analisando a discussão
doutrinária sobre a sua vinculatividade, bem como a publicidade das suas decisões, com o objetivo de desmitificar a
ideia segundo a qual a razão para a ausência de vinculatividade dos precedentes judiciais no Direito brasileiro anterior
ao CPC/2015 estaria nas suas raízes históricas.

Palavras-chave: Casa da Suplicação - Precedente - Aresto - Estilo - Assento - Vinculatividade - Publicidade - Lei da
Boa Razão.
Abstract: This paper deals with the precedents and assentos of the Casa da Suplicação, analyzing the doctrinal
discussion about its binding force, as well as the publicity of its decisions, in order to demystify the idea that the reason
for the absence of binding legal precedents in Brazilian Law prior to the Brazilian Civil Procedure Code of 2015 would
be in its historical roots.

Keywords: Casa da Suplicação - Precedent - Aresto - Estilo - Assento - Binding force - Publicity - Lei da Boa Razão.
Sumário:

1 Introdução - 2 A Casa de Suplicação e a estrutura judiciária portuguesa - 3 Os precedentes dos tribunais superiores -
4 A discussão sobre o efeito vinculante dos precedentes em Portugal - 5 A publicidade dos precedentes da Casa de
Suplicação - 6 Os estilos das cortes - 7 Os assentos da Casa de Suplicação - 8 O impacto da Lei da Boa Razão - 9
Bibliografia

1 Introdução

Ao contrário do que o senso comum e a maior parte dos livros de introdução ao estudo do Direito afirmam,1 a
ausência de vinculatividade dos precedentes judiciais no Direito brasileiro não está fundada nas suas raízes históricas,
decorrentes de sua filiação à tradição romano-germânica.2
Diversos institutos demonstram que o respeito aos precedentes judiciais era uma característica daquele sistema
jurídico. Uma breve apresentação desses institutos precede a sua análise mais apurada.

A doutrina, os advogados e os juízes se referem à expressão aresto3 para designar as decisões judiciais que desejam
qualificar como precedentes para casos futuros.4
Por sua vez, os estilos são espécies de costumes judiciais decorrentes do reconhecimento de um uso de julgar em
determinado sentido – em outras palavras, a repetição constante de precedentes judiciais com uma mesma ratio
decidendi.
Por fim, os assentos são decisões colegiadas a respeito da interpretação autêntica de um determinado texto legal por
um tribunal competente (a partir da Lei da Boa Razão, de 1769, somente a Casa da Suplicação foi autorizada a
proferir assentos autonomamente). Os assentos eram úteis à uniformização da interpretação constante dos
precedentes divergentes nos tribunais.
O objetivo do presente artigo é tratar desses institutos que materializam o respeito aos precedentes judiciais no Direito
português, especialmente dos precedentes e dos assentos do mais alto tribunal português, a Casa da Suplicação,
analisando a discussão doutrinária sobre a sua vinculatividade, bem como a publicidade das suas decisões e o regime
jurídico da sua utilização no Direito português.
2 A Casa de Suplicação e a estrutura judiciária portuguesa
A Casa de Suplicação era o mais graduado tribunal superior ordinário da burocracia juridicial portuguesa e do
Ultramar, responsável por conhecer dos recursos ordinariamente cabíveis provenientes das Relações e de outros
órgãos julgadores. As suas decisões somente poderiam ser revertidas pelo Rei ou pelo Desembargo do Paço, um
órgão administrativo e judicial que assessorava o soberano em matéria de graça tocante à Justiça.5
A possibilidade de reforma das decisões da Casa de Suplicação pelo Desembargo do Paço fez com que Cândido
Mendes qualificasse aquele tribunal como uma mera Relação6 graduada,7 em vez de alto tribunal; contudo, a atuação
do Desembargo do Paço na modificação das decisões da Casa da Suplicação foi excepcional, pois não se submetia
às regras processuais e estava fundada mais na equidade que o respeito às normas instituídas. A sua interferência no
processo era uma modificação do seu curso ordinário, sob a autorização do Rei, não sendo possível considerar a
concessão de graça como uma etapa do processo judicial, mas uma atuação real extraordinária – o que não permite
concluir se tratar o Desembargo do Paço de um tribunal superior ordinário.
A Casa da Suplicação foi criada como um tribunal para o séquito do Rei e, a partir de 1392, passou a acompanhar o
soberano, instalando-se no Alentejo, na Estremadura e na cidade de Lisboa, onde terminou por se estabelecer
definitivamente.8 O tribunal não julgava apenas processos oriundos das muitas esferas de jurisdição régia, mas
também das jurisdições privilegiadas senhoriais em Portugal e nas colônias.9 Era fictamente presidido pelo Rei, do
qual deriva a autoridade vinculante dos assentos, decisões colegiadas tomadas pela Casa da Suplicação e sobre as
quais se tratará adiante.
Não se tratava de um tribunal unicamente integrado por juízes no exercício de um único grau de jurisdição, como é
característica dos tribunais modernos. Disciplinada nas Ordenações,10 a composição plenária da Casa da Suplicação
contava com um Chanceler,11 dez Desembargadores dos Agravos e Apelações,12 dois Corregedores da Corte dos
Feitos Crime,13 dois Corregedores da Corte dos Feitos Civis,14 dois Juízes dos Feitos da Coroa e da Fazenda,15
quatro Ouvidores do Crime,16 um Procurador dos Feitos da Coroa,17 um Procurador dos Feitos da Fazenda,18 um Juiz
da Chancelaria19 e um Promotor de Justiça.20
Como é possível observar, alguns dos integrantes da Casa da Suplicação não exerciam funções jurisdicionais, a
exemplo dos dois Procuradores dos Feitos da Coroa e da Fazenda e do Promotor de Justiça. Apesar disso, tanto o
Procurador dos Feitos da Coroa quanto o Juiz dos Feitos da Coroa (competente para decidir os casos em que o
Procurador atuava) mantinham o mesmo status de desembargadores; o mesmo ocorre com os Corregedores dos
Feitos Civis e dos Feitos Crime, que tinham como atribuição fiscalizar os juízes ordinários e de fora que atuassem
dentro de uma competência fixada para a Corte (processos de cortesãos e da Casa Real) e para um raio de cinco
léguas, podendo conhecer, em determinadas circunstâncias, das causas que seriam julgadas pelos juízes locais (em
primeira instância).
A atuação da Casa da Suplicação como tribunal recursal variava de acordo com a matéria a que se refere; em casos
cíveis, os Desembargadores dos Agravos e Apelações conheciam de agravos e apelações interpostas em uma grande
quantidade de hipóteses em face das Relações (superada a alçada)21, dos Corregedores da Corte22 e até mesmo dos
juízes de jurisdições privilegiadas.23 Nos casos criminais, a Casa da Suplicação conhecia de apelações julgadas pelos
Ouvidores do Crime. O nome do tribunal derivava desses recursos ordinários de última instância (“súplicas”) relativos
aos feitos criminais e aos feitos do lugar da Corte.24
A revista, que, com a Independência do Brasil, tornaria-se uma modalidade de recurso interposto em face do Supremo
Tribunal de Justiça, era no Direito português do Antigo Regime um instrumento processual com o qual era possível
rever uma decisão definitiva, mas fundamentada em falsas provas ou tomada por juízes subornados;25 havia também
a possibilidade de concessão de revista por graça especial, concedida pelo Rei por intermédio do Desembargo do
Paço.26 A revista não era, contudo, considerada um recurso, mas uma revisão extraordinária da decisão com
fundamento na violação de regras processuais determinadas.
Em adição à Casa da Suplicação, a estrutura judiciária portuguesa contava com tribunais também considerados
superiores, mas hierarquicamente subordinados à Casa da Suplicação: a Relação de Goa (ou da Índia), fundada em
1544; a Relação da Bahia, estabelecida em 1609, fechada em 1626 e reinstituída em 1652; a Relação do Rio de
Janeiro, fundada em 1752;27 e as Relações do Maranhão e de Pernambuco, criadas, respectivamente, em 1812 e
1820.
Quando se discute sobre a relevância dos precedentes da Casa da Suplicação para a prática jurídica, há que se fazer
referência a seus arestos (precedentes em sentido estrito), aos estilos (jurisprudência em matéria de processo) e aos
assentos, espécies de decisões abstratas que serviam à uniformização da jurisprudência e ao estabelecimento de
uma interpretação autêntica da lei pelo tribunal.
3 Os precedentes dos tribunais superiores
A utilização das sentenças e decisões dos tribunais superiores como precedentes aplicáveis a outros casos
semelhantes foi um tema frequente na literatura portuguesa dos séculos XVII e XVIII. De fato, foram até mesmo
debatidas questões referentes à vinculação ou não dos tribunais às decisões judiciais proferidas pelos reis e pelos
tribunais superiores, assim como a vinculação dos tribunais aos seus próprios precedentes.
De um modo geral, o ius commune restringia a possibilidade de reconhecimento de força normativa apenas às
decisões proferidas pelos magistrados nomeados vitaliciamente (tribunais superiores ou senados). Essa ideia se
conecta ao princípio do Direito romano segundo qual o edito do pretor não vinculava o seu sucessor, tendo em vista a
natureza temporária de seu ofício; os precedentes dos tribunais superiores, contudo, por serem produto de decisões
colegiadas tomadas por magistrados vitalícios, assumiriam a especial dignidade do edito perpétuo, em clara
manifestação de ius edicere, e não apenas de ius dicere (jurisdição).28
4 A discussão sobre o efeito vinculante dos precedentes em Portugal
Talvez a mais relevante discussão sobre o papel dos precedentes judiciais no Direito português do Antigo Regime
tenha sido o debate referente à vinculação ou não dos juízes aos precedentes da Casa da Suplicação.29
Inicialmente, é importante fazer referência a essa discussão no âmbito do Direito romano, especificamente no Corpus
Juris Civilis.
É famosa a citação do fragmento do Codex que ordena aos juízes que as decisões das cortes não devam se fundar
nos “exemplos estabelecidos por outros” (i.e., precedentes), mas nas leis (C. 7.45.13).30 A existência de contradição
aparente entre o fragmento mencionado e o texto do Digesto em D. 1.3.38, segundo o qual “(...) em questões nas
quais haja dúvida advinda de enunciados de estatutos, os costumes ou a autoridade de decisões que sempre foram
decididas da mesma forma devem obter a força de lei”,31 foi suscitada por vários juristas, entre os quais está situado
Teixeira de Freitas e, contemporaneamente, José Rogério Cruz e Tucci.32 Não há oposição entre os textos: embora os
exemplos (precedentes) individualmente considerados não devessem servir de fundamento para as decisões, uma
jurisprudência consolidada (interpretada como um costume judiciário, um uso de julgar) não seria limitada pela
proibição do Codex.33
Sem exaurir a menção aos diversos juristas que participaram do debate sobre essa questão controvertida em
Portugal,34 é possível fazer referência pelo menos a alguns dos mais notórios.

Jorge de Cabedo35 se manifestou de forma contrária à aplicação dos precedentes da Casa da Suplicação a casos
semelhantes, equiparando tal fato ao exercício de função legislativa (vedado ao tribunal, especialmente quando o Rei
não estivesse presente).
Álvaro Valasco, ao tratar do assunto, também se posicionou contrariamente à vinculação dos precedentes da Casa da
Suplicação, sob o argumento, baseado no fragmento do C. 7.45.13, segundo o qual ninguém deve ser julgado a partir
de exemplos, bem como no argumento segundo o qual as decisões da Casa da Suplicação apenas seriam dotadas da
autoridade do caso julgado perante as partes, mas não de qualquer outra autoridade em face de todos, pois, caso
contrário, haveria “inúmeras leis” de autoridade da Casa de Suplicação.36

Domingos Antunes Portugal,37 autor de um importante tratado sobre as doações régias, também opinou pela não
vinculação dos juízes ao precedente da Casa da Suplicação, sob o argumento de que sua decisão “não tem força de
lei, a ponto de os Senadores, em outras causas, ficarem obrigados a segui-la”, o que, à semelhança de Valasco, fez
com fundamento no Direito romano (regra do C. 7.45.13), ressaltando, ainda, que é lícito aos juízes da Casa de
Suplicação deixar de seguir os próprios precedentes, “como sói acontecer no dia a dia”.

Por outro lado, António da Gama38 e Raphael de Lemos deAffonseca39 foram favoráveis à vinculação dos precedentes
da Casa de Suplicação a todos os casos similares: o primeiro respaldado nas respeitáveis opiniões de Baldus de
Ubaldis e Matthaeum de Afflictis, o segundo comparando a autoridade da Casa da Suplicação ao Senado romano e
conferindo aos acórdãos do tribunal a autoridade de precedentes, exemplos para casos semelhantes.
É importante ressaltar que a tese favorável à aplicação dos precedentes da Casa da Suplicação a casos semelhantes
estava em conformidade com o estilo desse tribunal, segundo o qual “as sentenças da Supplicação fazem exemplo
para casos semelhantes”.40 Além disso, há registro de que, em 26 de maio de 1651, chegou-se a determinar a
suspensão da execução de qualquer decisão sempre que se percebesse a existência de precedente em sentido
contrário.41
A “força de lei”, a que se referiam alguns autores, pode ser compreendida, em linguagem moderna, com a
vinculatividade do precedente judicial. A percepção desse fato permite compreender a forma como se expressa
Domingos Antunes Portugal, acima citado, ao afirmar que as decisões da Casa da Suplicação “não têm força de lei,
de tal modo que os seus desembargadores sejam obrigados a segui-la, noutros casos”.
Por outro lado, ao afirmarem que o caso julgado das decisões da Casa da Suplicação só afetava as partes do
processo, percebe-se que os juristas careciam da teorização da distinção entre a eficácia da coisa julgada e a eficácia
do precedente judicial. Como percebeu corretamente Barbas Homem, “se é em relação a decisões proferidas nos
tribunais superiores que se questiona a sua aplicabilidade como precedente, a teorização desta figura vem muitas
vezes confundida com o conceito de caso julgado”42 – conclusão a que é fácil chegar da leitura das transcrições das
opiniões dos juristas mencionadas anteriormente.
Confirmando a conclusão de Barbas Homem, Giovanni Pugliesi observou, ao estudar o pensamento das escolas
medievais, que na doutrina se distinguiam as sentenças cuja coisa julgada atingia apenas as partes do litígio e
aquelas que tinham “força erga omnes” e, por esse motivo, eram consideradas “fontes do direito”43 – já que não se
vislumbrava, na doutrina europeia daquele tempo, a possibilidade eficacial do precedente como distinta da eficácia da
sentença.
Controvérsias à parte, havia uma previsão expressa nas Ordenações, entretanto, de precedente com efeito vinculante:
o oriundo de decisão proferida pelo Rei em decisão de integração de lacuna, ao qual estava expressamente
associada eficácia em face de todos os casos semelhantes;44 aliás, entendia-se que decisões régias em casos
concretos eram consideradas façanhas45 e, portanto, constituiriam precedentes vinculantes para casos similares,
assim como sucedia no Direito justinianeu.46
5 A publicidade dos precedentes da Casa de Suplicação
Um problema prático constituía um impasse à plena aplicação dos precedentes judiciais a casos semelhantes no
Direito continental europeu: o segredo das atividades jurisdicionais, que se manifestava tanto na não obrigatoriedade
ou simples proibição da motivação das sentenças judiciais47 quanto na ausência da publicação de um repertório oficial
das mesmas sentenças na maior parte dos países continentais.
Quanto ao primeiro aspecto, o Direito português se destaca por ter positivado desde a publicação das Ordenações
Manuelinas o dever de fundamentação das decisões judiciais em todas as instâncias da administração da Justiça (Liv.
III, Tit. L, § 6), disposição praticamente mantida nas Ordenações Filipinas (Liv. III, Tit. LXVI, § 7), enquanto na maior
parte dos países europeus essa foi uma conquista alcançada com o pensamento iluminista.
O exame da ratio decidendi das decisões judicias era, no entanto, uma tarefa muito difícil. O acesso a essas decisões
era dificultado pela impossibilidade de conhecimento do teor das decisões judiciais por quaisquer indivíduos que não
as partes e os seus advogados. Não houve, em um primeiro momento, publicação oficial de decisões judiciais
proferidas pelos tribunais.
Especificamente no que se refere à Casa de Suplicação, um breve esclarecimento se faz necessário. Como se
explicará com mais detalhes adiante, além de proferir decisões tomadas em face de casos concretos (acórdãos), esse
tribunal superior se manifestava em face de pronunciamentos abstratos (assentos), cujo objetivo era esclarecer
alguma questão jurídica controvertida, constituindo, na prática, a interpretação de um determinado dispositivo legal
sobre o qual havia divergência jurisprudencial.
No final do século XVIII, foi publicada uma coletânea oficial de assentos da Casa de Suplicação (a Collecção
Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicação e do Cível),48 que tornou pública a maior parte dos assentos
tomados por aquele tribunal e pela antiga Casa do Cível.49 Por outro lado, não houve impressão de coletâneas oficiais
de acórdãos proferidos pela Casa de Suplicação na resolução de questões concretas.
Assim, o acesso às decisões da Casa de Suplicação somente era possível pela leitura das obras doutrinárias
(tratadistas, comentaristas, praxistas) a que a elas faziam menção ou que transcreviam o inteiro teor de seus
acórdãos.
Outra possibilidade era a consulta às compilações de arestos, com a transcrição integral ou de trechos de decisões.
Elas podem ser encontradas em algumas obras, como nas Practicarum Observationes, de Jorge de Cabedo,50 e nas
Decisiones, de Belchior Febo,51 obras de decisiones que reservaram uma seção especial ao final dos livros para expor
a essência do que havia decidido a Casa da Suplicação em alguns casos selecionados. Essas coletâneas de arestos
funcionavam como coletânea de decisões judiciais (no jargão em inglês: records),52 porque nelas não havia
contribuição doutrinária original, tão somente a transcrição das decisões do tribunal.
Por fim, havia a possibilidade de conhecer as decisões da Casa da Suplicação por intermédio de relatos de como
alguns problemas concretos eram decididos pelo tribunal, o que ocorria com o estudo dos temas escolhidos para
análise nas obras de decisiones.
6 Os estilos das cortes
O stylus curiae (estilo da corte) é outro instituto que demonstra a relevância dos precedentes judiciais na prática
jurídica do Direito português do Antigo Regime.
Correspondendo a necessidades de organização interna dos tribunais e de definição de regras processuais omissas
na legislação, o ius commune admitiu a figura dos estilos da corte, os quais exprimem uma continuidade decisória
num tribunal superior ao qual a doutrina e a própria praxe atribuem força vinculativa.53
O estilo da corte era certo entendimento jurídico decorrente da prática reiterada dos tribunais, algo que equivale, em
linguagem contemporânea, à “jurisprudência constante” dos tribunais superiores.54 Estilo poderia ser entendido como
o “uso ácerca do modo de praticar o que as Leis mandão”, na clássica definição de Correia Telles.55
A doutrina aplica à figura do estilo os contornos dogmáticos do costume, exigindo o decurso de um prazo e a
reiteração de condutas para a sua configuração.56 Exigia-se, normalmente, que não houvesse violação à lei, que fosse
“prescrito” (isto é, observado durante dez anos)57 e que tivesse introduzido, pelo menos, por dois ou três atos
judiciários de tribunal superior, embora a doutrina divergisse quanto a esse número.58
Embora muitas divergências marcassem o debate, em geral, a doutrina distinguia os dois institutos pelo fato de o
estilo ser um uso introduzido por um tribunal, especificamente no que se refere a um domínio processual, enquanto o
costume teria como fundamento a conduta de toda ou de parte da comunidade, que se comporta de uma determinada
forma sob a crença de que se trata de uma prática conforme o Direito: opinio juris vel necessitatis.
A doutrina também propôs a distinção entre estilo e precedente (aresto, sentença), ou seja, entre o próprio estilo e a
decisão judicial proferida com o conteúdo do estilo,59 da mesma forma como é possível hodiernamente defender a
diferença entre precedente e jurisprudência.
A partir das Ordenações Afonsinas (Liv. II, Tit. IX) indicavam-se, entre as fontes do Direito português, além das ditas
Ordenações e leis extravagantes, “o estillo da nossa Corte ou custume dos nossos Regnos antigamente usado”; por
sua vez, as Ordenações Manuelinas60 (Liv. II, Tit. V) e as Filipinas61 (Liv. III, Tit. LXIV) se referiram ao “estillo de nossa
Corte ou custume em os ditos Regnos, ou em cada hua parte deles longamente usado, e tal que por Direito se deva
guardar”.
Também o Regimento da Casa de Suplicação, de 07 de junho de 1605, confere um elevado prestígio aos estilos das
cortes, que se devem “guardar e conservar”, considerando-os parte do Direito nacional.62 Além disso, o regedor da
Casa de Suplicação tinha o dever de ofício de zelar pelo acatamento as praxes decisórias nessa alta instância
judicial.63
Uma grande divergência foi alvo de disputa entre juristas a respeito da afirmação de Bártolo de Sassoferrato, segundo
a qual os estilos apenas poderiam referir-se à ordem do processo, nunca sobre o Direito substancial dessa própria
decisão;64 -65 ao menos no contexto da realidade portuguesa, essa afirmação parece ser verdadeira (certamente
obteve o apoio de um séquito de juristas por Bártolo influenciados), tendo em vista as consultas realizadas às fontes
de estilos das cortes compiladas, que parecem apenas tratar de Direito afeto à ordem do processo:66 temas como
competência, alçada, citação, custas, sentenças, agravos, apelações, modos de contagem de votações.
Inicialmente, os estilos das cortes somente eram aplicáveis nos tribunais em que eram constatados, mas uma Carta
Real de 16 de junho de 1609 mandava seguirem-se “os Estilos da Casa do Porto à da Suplicação em quanto forem
applicaveis” e determinava que cada Casa guardasse os seus estilos, sendo bons.
Quanto à possibilidade de coexistência de estilos nos vários tribunais superiores, e não apenas nas Casas da
Suplicação e do Cível (depois Relação do Porto), é importante observar que a fórmula constante das Ordenações
Manuelinas e Filipinas explicitamente abre essa possibilidade no que se refere ao instituto do costume, sendo,
contudo, omissa no que se refere aos estilos da corte.
Fato é que os tribunais do Ultramar julgaram-se autorizados a reconhecer seus estilos. Essa tese é confirmada pelo
relato de Antonio Vanguerve Cabral, em sua Pratica Judicial,67, a qual, segundo o autor, foi “tirada de vários autores
práticos” e dos “estilos mais praticados nos auditórios” sendo, portanto, uma obra dedicada à prática forense.68
Cabral advertiu que os juízes deverão julgar segundo as leis do Reino, “não obstante a praxe em contrário, porque os
estilos contra a dita lei não se devem observar”69, além de ter anunciado a existência de estilos divergentes nos
tribunais da Bahia e do Porto referentes a diversos atos processuais70, o que pode ser atribuído à peculiaridade da
situação colonial. Por fim, o assento de 13 de fevereiro de 1755, tomado na Casa de Suplicação, pareceu deixar claro,
ainda que em obiter dictum, que o reconhecimento dos estilos das Relações era possível, mesmo que ficasse adstrito
a elas.71
Os estilos da Relação da Bahia e do Rio de Janeiro constituíam, portanto, jurisprudência aplicável geograficamente
apenas no território submetido às suas jurisdições, sugerindo, portanto, que o Direito praticado no Brasil durante o
período colonial era marcado, em algum grau, por um componente jurisprudencial que, se não prevalecia sobre o
Direito derivado das Ordenações, certamente dotava-o de “cor local”, e o autonomizava, ainda que em limitada
medida, do Direito oriundo da metrópole, tal qual um Direito “particular”.
7 Os assentos da Casa de Suplicação
O Direito português antigo conservava o princípio segundo o qual a intepretação autêntica das leis era uma
prerrogativa real, a ser exercida pela publicação de leis interpretativas ou na presidência das conferências dos mais
importantes tribunais superiores:72 as Casas da Suplicação e do Cível. Aos poucos, contudo, à Casa de Suplicação foi
atribuído o poder de declarar a interpretação autêntica da lei em substituição ao Rei, a quem competiria, a partir de
então, interpretar as leis em cuja inteligência a Casa de Suplicação enfrentasse divergência ou dúvida.
O primeiro assento que se sabe73 ter sido tomado sem a presença do Rei data do ano de 1488; “com tudo, a
delegação da authoridade para tomar os mesmos Assentos nos casos duvidosos, e ficarem com authoridade legal, he
d'El Rei D. Manoel”, por meio do Alvará de 10 de dezembro de 1518, que, no entanto, referia-se apenas à
possibilidade de a Casa de Suplicação tomar “assentos nos autos”, isto é, aqueles “tomados em algum Processo, que
corre na Relação, ou a ella he remettido para o mesmo fim: cujo objecto he mais a decisão particular da duvida que
respeita áquelle Feito, que firmar huma regra authentica para as outras causas”74.
Mais tarde, essa regra, que não integrava as Ordenações Afonsinas, foi ampliada e inserida nas Ordenações
Manuelinas (Liv. V, Tit. LVIII, § 1) e mantida nas Ordenações Filipinas (Liv. I, Tit. V, § 5)75.

A partir de então, fosse decidida pelo tribunal ou pelo Rei, a inteligência da lei seria registrada em um livro76 “para não
mais vir em dúvida”. Assento era definido pela doutrina como uma “resolução sobre alguma cousa disputada, e
controversa”,77 mas, especialmente, “a interpretação authentica da Casa da Supplicação sobre alguma lei”, a qual
tinha força de lei, isto é, era de observância obrigatória.78
Não obstante os assentos tivessem sido concebidos como mecanismos de identificação da interpretação autêntica da
lei, na prática tinham como objetivo formar jurisprudência, porque, muitas vezes, eram tomados como meio apto à
uniformização de diversos entendimentos jurídicos concorrentes e presentes nos debates nos tribunais (“auditórios”,
para usar a expressão da época) portugueses. Por esse motivo, não causou espanto o fato de os novos Estatutos da
Universidade de Coimbra de 1772 terem reconhecido os assentos como dotados de força de lei (v. Liv. II, Tit. VI, Cap.
III, § VII), entendimento corroborado pela publicação dos assentos nas coletâneas de legislação real, como a de
Antonio Delgado da Silva, entre outros.
As interpretações constantes dos assentos não eram imutáveis; elas eram “sujeitos com tudo, como as Leis, á
derogação do Soberano, e á de outro Assento posterior, de que ha exemplo”.79 Os assentos ficavam registrados no
Livro dos Assentos da Casa da Suplicação, embora tenham sido publicados oficialmente em 1791, como já se afirmou
acima. Abaixo, transcrevem-se dois assentos retirados da mencionada coletânea; o primeiro data de 15 de agosto de
1603:
“Assento I
Ord. Liv. I, Tit. 5, §9
Os Desembargadores, que se oppoem ao recebimento de Artigos, não votão sobre elles a final.
Aos 15 dias do mez de Agosto de 1603, diante do Regedor Fernão Telles de Menezes se pôs em duvida se a
Ordenação Lib. I, Tit. 5, §9 devia haver lugar nas interlocutorias, postas pelos Desembargadores do Aggravo, em que
huns fossem de parecer, que se devião receber certos artigos, e certos não; e outros, que nenhum era de receber? E
se venceo por mais votos, que se puzesse desembargo, que recebão huns, e outros não: e assentou-se por mais
votos, que a dita Ordenação se não devia entender nas taes interlocutorias porque no tal caso os Desembargadores,
que forão em não receber por Tenções artigo algum, não podem votar em final sobre a materia dos ditos artigos
recebidos; e assignarão aqui para assim (...) não vir isto mais em duvida. Lisboa. O Regedor. Fernão de Magalhães.
Sousa. Carlos Brandão Pereira. Dom Francisco de Sande. Luiz Pereira. O Doutor Gonçalo Gil Coelho. Simão Monteiro
de Leiria. Belchior Pimenta. Jeronymo Cabral”.
O segundo assento ora transcrito foi tomado em 23 de julho de 1811, portanto, 208 anos após o primeiro.
“Assento CCCXXIV
Ord. Liv. 4, Titt. 23 e 24
Em Causas de despejo tem lugar vista suspensiva somente nos casos de bemfeitorias, feitas por expresso
consentimento dos Senhorios, provadas em continente, e de aposentadoria legitimamente concedida.
Aos 23 de Julho de 1811, em Mesa grande, estando presente o Senhor João Antonio Salter de Mendonça, do
Conselho do Principe Regente Nosso Senhor, Secretario do Governo destes Reinos, Desembargador do Paço, e
Procurador da Coroa, que serve de Regedor, por elle foi proposto, que sendo frequentes os clamores dos
Proprietarios, que se vem privados da livre disposição das suas casas pela má intelligencia, que alguns Julgadores
dão às Ordenações Liv. 4, Tit. 23 e 24, e abuso, que dellas se faz no Foro, onde por isso durão annos as Causas de
despejo, conservados os Inquilinos despedidos, contra a forma das ditas Ordenações, que prohibem expressamente a
retenção e morada da casa alheia contra vontade de seu Dono, a quem autorisão para mandar expulsar os Inquilinos
pelo Alcaide, e ainda durante o tempo de arrendamento, nos casos nellas expressos; e por isso se faz necessário
remover todas as dúvidas e embaraços, que obstão à devida execução das mesmas Leis, pelo meio, que parecer
mais adequado e conveniente à sua devida e inteira observancia; e por pluralidade de votos pelos Desembargadores
abaixo assinados foi assentado, que, requerendo os Senhorios despejo dos seus Inquilinos nos termos das sobreditas
Ordenações Liv. 4. Tit. 23, §1, e Tit. 24, no princ., qualquer vista, que estes pedirem, só deve ser concedida sem
suspensão, excepto, quanto a primeira referida Ordenação, nos dous unicos casos de bemfeitorias provadas em
continente, e feitas com expresso consentimento do Senhorio, e de aposentadoria legitimamente concedida; pois
deste modo ficão acautelados os abusos, que a praxe tem introduzido: para o que tomou este Assento, que o dito
Senhor assinou com os Desembargadores, que nelle votarão. Como Regedor, Salter. Fonseca Coutinho. Doutor
Guião. Mattos. Costa Pinto. Borges e Silva. Teixeira Homem. Saraiva do Amaral. Teixeira. Doutor Faria. Pereira de
Barros. Rocha. Pereira. Alvares. Veiga. Tavares de Sequeira. Doutor Sousa Sampaio. Bandeira. Silva. Sarmento”.
A transcrição desses assentos tem como objetivo identificar algumas características que se consolidaram nesse tipo
de decisão colegiada. Em primeiro lugar, observe-se o estilo do texto da redação dos dois assentos: não há referência
a um ou vários casos concretos em que a dúvida jurídica por ele enfrentada tenha surgido. Há, simplesmente,
referência à reunião da “Mesa grande” (o colegiado do tribunal) para resolver uma questão que “veio em dúvida”.
Em um primeiro momento, indica-se qual é a questão jurídica submetida à apreciação e, em ambos os casos, a que
texto das Ordenações ela se refere (embora naturalmente pudessem se referir a leis extravagantes ou outros
documentos normativos). Em seguida, apresentam-se os argumentos e é exposta a interpretação da Casa da
Suplicação sobre o mencionado dispositivo legal, sempre constando a informação sobre o resultado da votação (se foi
unânime ou por maioria).
É interessante que, ao final do primeiro assento, os desembargadores empregam a fórmula constante do texto das
Ordenações (“para não vir isto mais em duvida”), deixando clara a função dos assentos de esclarecer questões
controversas, provavelmente que tenha sido suscitada em precedentes judiciais divergentes.
O segundo assento é prova irrefutável da função dessas decisões de firmar a tese jurídica que deverá ser seguida nos
precedentes futuros. Em seu texto há referência aos “clamores dos Proprietarios, que se vem privados da livre
disposição das suas casas pela má intelligencia, que alguns Julgadores dão às Ordenações”, e, após firmar a correta
interpretação legal sobre o tema em questão, justifica-se a necessidade de tomar o assento, “pois deste modo ficão
acautelados os abusos, que a praxe tem introduzido: para o que tomou este Assento”.
A interpretação constante dos assentos não estava protegida contra mutações nem livre da necessidade de
esclarecimentos; como se afirmou acima, poderiam ser modificados por leis régias ou por outros assentos, assim
como esses poderiam interpretar ou esclarecer alguns pontos estabelecidos em assentos anteriores (assentos que
interpretavam outros assentos). É o caso do assento transcrito a seguir:
“CCLVIX
Assento de 29 de março de 1770.
A nullidade dos Legados, julgado pelo Assento de 29 de Março de 1770, não comprehende os Legados já cumpridos,
nem as despezas ja feitas pelos Testamenteiros.
Aos 5 dias do mez de Dezembro de 1770, na Mesa grande da Casa da Supplicação, e presença do Senhor Joze de
Seabra e Silva, do Conselho de Sua Magestade, seu Desembargador do Paço, Procurador da Coroa e Chanceler da
Mesma Casa, que serve de Regedor della, duvidou-se, se o Assento de 29 de Março deste presente anno, tomado
para declaração do §. 21 da Lei Novissima de 9 de setembro de 1769, no qual se julgárão nullos todos os
Testamentos em que a Alma, ou qualquer Irmandada estivesse instituida herdeira, e assim mesmo todos os Legados
determinados nelles, comprehendia também os já cumpridos, e recebidos pelos Legatarios, e as mais despesas feitas
pelos Testamenteiros, na conformidade das disposições Testamentarias, e hade ser retractado, restituido aos
herdeiros abintestados, e os Executores responsaveis? E foi assentado uniformemente pelos Ministros abaixo
assignados, que todos os legados, que se achassem cumpridos, e despezas justamente feitas, ficasse tudo firme, e
valioso, sem que os ditos Testamenteiros, que com jurisdição e boa fé procederão na observancia do disposto pelos
Testadores, tenhão obrigação de responder por nada do que legitima, e sinceramente dispenderão: E para não tornar
a duvidar-se, se tomou este Assento, que todos com o mesmo Senhor Regedor assignárão. Lisboa, dia, e era supra.
Como Regedor Seabra. Cunha. Doutor Barros. Velho. Abreu. Pereira da Silva. Gama. Vidal. França. Doutor Cunha.
Manoel. Leitão. Ferreira. Silva. Silveira. Lemos. Doutor Almeida. Doutor Silva. Maldonado. Giraldes. Viegas. Castro”.
A faculdade de tomar assentos interpretativos fora inicialmente concedida apenas à Casa da Suplicação; contudo,
com a transferência da Casa do Cível para o Porto,80 em 1582, a Relação do Porto se achou no direito de proferir os
seus próprios assentos e guardar os seus próprios estilos (como já se mencionou, ela, de fato, o fazia). A partir de
então, as Relações ultramarinas de Goa,81 da Bahia e do Rio de Janeiro poderiam achar-se analogamente legitimadas
a fazê-lo.
Apesar de ser essa notícia amplamente divulgada pela doutrina jurídica, até mesmo por conta do teor expresso do §
8º da Lei da Boa Razão, a que se aludirá adiante, a história e o registro dos assentos publicados no Brasil até então
parece ter caído no esquecimento; sendo esse um campo aberto para exploração na historiografia jurídica brasileira.
As pesquisas puderam apontar, até o presente momento, a existência de assentos tomados por tribunais situados no
Brasil durante o período colonial. Há citação indireta82 a um assento tomado na Relação da Bahia, descrito no texto de
um Alvará real,83 que parece ter fixado uma interpretação segundo a qual o Rei de Portugal estava obrigado
juridicamente a comprar açúcares por determinado preço perante os latifundiários baianos.
Outro assento tomado na Relação da Bahia versou sobre a guerra contra os “índios selvagens”, declarando-a “justa”
para fins de adequação à legislação régia sobre a repressão à população indígena, e que parece concretizar o
conceito indeterminado acima mencionado;84 assento este extraído do livro 4º de Ordens Régias ao Governador e
Capitão General do Brasil, no período de 1694 a 1695.85
Por fim, no setor de códices86 do Arquivo Histórico Ultramarino, em Portugal, foi possível encontrar um documento
oficial manuscrito com o traslado de alguns assentos tomados pela Relação do Rio de Janeiro até 1752 (um ano após
a criação da Relação daquela Província). Sob a expressa autorização do Governador, o Desembargador da Relação
do Rio de Janeiro Mathias Pinheiro da Silveira “lavrou” um livro dedicado ao registro dos assentos que viessem a ser
tomados na Relação do Rio de Janeiro.

Das seis entradas constantes do livro, apenas três delas são relevantes87 para este estudo; a primeira delas data de
29 de julho de 1752 e se refere à dúvida referente às assinaturas (os salários) dos desembargadores (discute a
interpretação do Tit. V, § 68 do Regimento da Relação para o fim de estipular o pagamento dos desembargadores da
Relação).
A segunda entrada data de 02 de setembro de 1752 e trata da dúvida referente à possibilidade de os
desembargadores da nova Relação que tivessem atuado ou se manifestado, no tempo em que atuavam na Relação
da Bahia,88 em processos de competência da nova Relação (por desconhecimento do teor do Tit. 5º, § 67 do
Regimento dessa Relação), poderem atuar nos ditos processos agora já enviados para a apreciação do novo tribunal,
por força da referida regra regimental. Essa possibilidade foi considerada juridicamente possível, “por ser assim mais
conforme à lei e não haver inconveniente em contrário nem expressa proibição no dito Regimento (...)”.

A terceira entrada se refere a um assento referente à dúvida sobre a interpretação do Tit. VIII, § 9489 do Regimento da
Relação do Rio de Janeiro. A dúvida era se a menção expressa do texto do Regimento a “desembargadores dos
agravos” impediria que, na ausência destes por motivo de serviço, outros magistrados atuassem em seu lugar. A
decisão da Relação adotou a tese segundo a qual em tais casos seria necessário aguardar o regresso do
desembargador dos agravos, não podendo atuar no caso o ouvidor-geral dos crimes, considerando o expresso teor do
Regimento da Relação (argumento de legalidade).
Como visto, a tomada de assentos pelos tribunais da colônia parece demonstrar a aptidão do Direito para permitir que
as localidades procedessem a uma regulação própria e propusessem soluções jurídicas adaptadas às necessidades
de sua situação individual e dos problemas que afetavam a sua realidade específica. Como se verá adiante, todavia,
essa capacidade autorregulatória não alcançou o final do século XVIII.
8 O impacto da Lei da Boa Razão
Eis o estado do Direito em Portugal e Ultramar durante todo o século XVII e na primeira metade do século XVIII: a
doutrina e a prática dos tribunais “vergadas sob o peso da praxe”, que se aceita como “um mal menor” e como única
garantia de certo grau de certeza, no quadro de uma legislação extremamente insuficiente e de “um Direito subsidiário
(Direito romano) batido (sic) pelas mil interpretações divergentes dos comentadores”.90 Assim sucedeu até o momento
de grandes mudanças que marca a legislação pombalina e, particularmente, a Lei da Boa Razão, que reorganizou o
sistema de fontes do Direito português.
A Lei da Boa Razão (Lei de 17 de agosto de 1769) confirmou a autoridade da Casa de Suplicação para proferir
assentos nos três casos já previstos em lei, tratando sucessivamente: a) em seu § 1º, dos assentos por efeito de
glosas do Chanceler (Ord. Fil., Liv. I, Tit. IV) – para os quais estabelece regime diferenciado consoante a glosa caísse
sobre decisão proferida contra as Ordenações ou leis do Reino (§ 2º) ou sobre Direito Romano expresso (§ 3º); b) no
§ 4º, dos assentos por dúvida dos Desembargadores (Ord Fil., Liv. V, Tit. LVIII); e c) no § 5º da Lei, dos assentos para
definição dos estilos da Casa da Suplicação (§ 8º da Carta Régia de 07 de junho de 1605, Regimento da Casa de
Suplicação, acima citado).
Estabeleceu a Lei nova modalidade de assento (§ 6º), a ser tomado por efeito de dissidência interpretativa entre os
advogados dos litigantes quanto ao entendimento da lei aplicável ao caso. Reconhecendo, porém, que esse
dispositivo poderia prestar-se a abusos por parte dos advogados com a realização de “chicanas”, a lei impôs severas
penas91 aos infratores que perpetravam tais condutas, discriminadas em seu § 7º.
A mencionada Lei também pôs fim à dúvida referente à força de lei dos assentos, que anteriormente era sujeita a
controvérsias.
Outra consequência do advento da mencionada Lei foi a determinação segundo a qual os estilos da corte apenas
deteriam valor normativo se “estabelecidos e aprovados” nos assentos da Casa de Suplicação. Os estilos perderam,
portanto, o status de fonte do direito autônomo, da qual eram dotados até então:
“14. Item. Porque a mesma Ordenação e o mesmo preambulo della, na parte em que mandou observar os estylos da
Côrte, e os costumes destes Reinos, se tem tomado por outro nocivo pretexto para se fraudarem as minhas Leis;
cobrindo-se as trangressões dellas, ou com as doutrinas especulativas e praticas dos differentes Doutores, que
escreverão sobre os costumes, e estylos; ou com certidões vagas extrahidas de alguns Auditorios:
Declaro, que os estylos da Côrte devem ser somente os que se acharem estabelecidos, e approvados pelos
sobreditos Assentos na Casa da Supplicação (...)”.
Decerto a medida teve como objetivo evitar que as Ordenações fossem transgredidas, contornadas ou a elas negadas
aplicação por força do regulamento específico de estilos locais no Ultramar. O que antes era tolerado passara agora a
ser expressamente proibido.
O § 8º da Lei da Boa Razão esclareceu que a disposição no Liv. I, Tit. V, § 5 das Ordenações Filipinas. “não foi
estabelecida para as Relações do Porto, Baía, Rio de Janeiro, e Índia, mas sim, e tão somente para o Supremo
Senado da Casa da Suplicação”. Os assentos propostos pelas Relações precisariam ser confirmados em recurso à
Casa de Suplicação, sob o fundamento de ser:
“(...) manifesta a differença, que ha entre as sobreditas Relações Subalternas, e a Suprema Relação da Minha Corte,
a qual antes pela Pessoal Presidencia dos Senhores Reis Meus Predecessores; e depois pela proximidade do Throno,
e facilidade de recorrer a elle; pela authoridade do seu Regedor; e pela maior graduação, e experiencia dos seus
doutos, e provectos Ministros, não só mereceo a justa confiança, que della fizeram sempre os ditos Senhores Reis
Meus Predecessores (bem caracterizada nos sobreditos Paragrafos da Ordenação do Reino, e Reformação della)
para a interpretação das Leis, mas tambem constitue ao mesmo tempo nos Assentos, que nella se tomam sobre esta
importante materia toda quanta certeza póde caber na providencia humana para tranquillizar a Minha Real
consciencia, e a justiça dos Litigantes sobre os seus legitimos Direitos”.
Assim, como é possível observar, a Lei da Boa Razão procurou restringir a proliferação de práticas locais de direito
jurisprudencial e costumeiro, passou a reconhecer como única jurisprudência apta a orientar normativamente a da
Casa de Suplicação e desautorizou os estilos da corte não contemplados em seus assentos, além de ter impactado
diretamente na diminuição da citação de praxistas e casuístas, com a valorização do Direito real contido nas leis e
diminuição da importância da doutrina.
Dúvidas podem ser levantadas quanto ao sucesso da Lei da Boa Razão nesse aspecto específico, o desaparecimento
da proliferação de estilos próprios dos tribunais coloniais. Isso só poderia ser comprovado com uma análise
documental, mas, provavelmente, não deve ter se verificado de imediato – principalmente em face das dificuldades
práticas em se conhecer bem o teor das decisões da Casa da Suplicação.92
Esses dados históricos foram confirmados na análise de Arno Wehling a respeito da fundamentação legal e doutrinária
de uma amostragem de processos que tramitaram na Relação do Rio de Janeiro, a partir de sua criação, em 1751.
Segundo o autor, o advento da Lei da Boa Razão impôs restrições ao recurso à doutrina, ao direito comum e aos
costumes locais,93 o que se manifestou na diminuição de sua menção nos processos consultados. Por outro lado, foi
possível relatar citações de praxistas, bem como de assentos da Casa de Suplicação que firmavam jurisprudência do
tribunal sobre temas controversos. Em alguns processos, invocava-se a Lei da Boa Razão como princípio unificador e
excludente de interpretações.94
O estudo de Álvaro de Araújo Antunes sobre a atuação do advogado setecentista José Pereira Ribeiro e seus colegas
juristas na cidade de Mariana também confirma os dados acima mencionados. O autor examinou muitas ações
judiciais que tramitaram em Mariana e observou95 uma consistente prática de citações e remissões “reconhecidas
pelos demais advogados, uma vez que faziam parte de uma cultura livresca própria do métier”.
O autor percebeu, por outro lado, a diminuição na utilização da literatura dos praxistas e decisionistas nas
manifestações dos advogados que foram educados em Coimbra após a Lei da Boa Razão e as reformas pombalinas,
e um esforço por parte dos advogados educados segundo a tradição do ius commune e da praxística na tentativa de
adaptação ao novo momento, em que se dava maior primazia às Ordenações do Reino. A partir de então, os estilos
das cortes só poderiam ser aplicados quando reconhecidos nos assentos da Casa da Suplicação, e os casuístas e
praxistas serão citados em situações em que também se citam leis.96
Seria um erro, no entanto, afirmar que tudo mudou com a edição da Lei da Boa Razão. É muito provável que a prática
não tenha sido facilmente modificada97, especialmente em um momento de vagarosa penetração do Estado; mas,
certamente, tratou-se do momento inicial de uma série de importantes alterações que atingiriam o Direito brasileiro no
século seguinte.
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1 Não é possível fazer referência a todas as obras; entre as mais importantes, cf. LIMA, Hermes. Introdução à ciência
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ciência do direito. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1954. p. 298-303; BATALHA, Wilson de Souza Campos.
Introdução ao direito: filosofia, história e ciência do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. v. I. p. 260-263;
PAUPÉRIO, A. Machado. Introdução ao estudo do direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1986. p. 163-166;
MACHADO NETO, Antonio Luiz. Compêndio de introdução à ciência do direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p.
212-214; MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 26. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
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Paulo: Atlas, 2008. p. 209-211; REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 141-
154; MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 76-77; VENOSA,
Silvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 127-131; NUNES,
Rizzatto. Manual de introdução ao estudo do direito. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 137-142; DINIZ, Maria
Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 296-308; GUSMÃO,
Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 126-129 e 301-313.

2 Sobre a relação entre os sistemas jurídicos de tradição romano-germânica com os precedentes judiciais, cf. SOUZA,
Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: Colônia e Império. Dissertação
(Mestrado em Direito). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014. p. 39-48.

3 Para um estudo etimológico da expressão “aresto”, cf. ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. As formas da praxe
forense. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo. v. 12, 1904. p. 7-9.

4 Alguns juristas apenas qualificam como arestos as decisões dos tribunais superiores, não servindo as decisões de
juízes de primeira instância como exemplos para casos semelhantes (ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. As formas
da praxe forense. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo, v. 12, 1904. p. 15).

5 As competências judiciais e administrativas do Desembargo do Paço estão disciplinadas nas Ord. Fil., Liv. I, Tit. III,
bem como em seu Regimento. Sobre o tema, cf. HESPANHA, Antonio Manuel. História das instituições, épocas
medieval e moderna, cit. p. 359-363.

6 Como eram chamados os tribunais superiores portugueses, com exceção da antiga Casa do Cível (que
posteriormente se transformou na Relação do Porto) e da Casa da Suplicação, hierarquicamente superior às
Relações.

7 Essa qualificação foi disputada por Cândido Mendes, que a reputava uma mera Relação graduada, em virtude da
possibilidade de reforma de decisões da Casa de Suplicação pelo Desembargo do Paço: “A Casa da Supplicação, não
obstante ser o primeiro Tribunal de Justiça da Monarchia Portugueza, não passava de uma Relação graduada, cujas
sentenças podião ser reformadas pela Mesa do Desembargo do Paço” (ALMEIDA, Cândido Mendes de. Código
Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal Recopiladas por Mandado D’El-Rey D. Philippe. 14. ed. Rio de
Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico, 1870. t. I. p. 17).

8 Além da Casa da Suplicação, a estrutura judiciária portuguesa contava com a Casa do Cível, tribunal superior
sediado em Lisboa que foi extinto em 1582 por Felipe I, no mesmo ano em que foi criada a Relação do Porto. A Casa
do Cível era o último grau de jurisdição para uma grande quantidade de causas cíveis dentro de sua jurisdição
territorial, sendo poucas as hipóteses de revisão de suas decisões pela Casa da Suplicação.

9 SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial, o Tribiunal Superior da Bahia e seus
desembargadores, 1609-1751, cit.. p. 31 e ss., 43 e ss.

10 Cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit. VI, pr.

11 Sobre as atribuições do Chanceler da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit. IV.

12 Sobre as atribuições dos Desembargadores dos Agravos e das Apelações da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv.
I, Tit. VI.

13 Sobre as atribuições dos Corregedores da Corte dos Feitos Crime da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit.
VII.

14 Sobre as atribuições dos Corregedores da Corte dos Feitos Civis da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit.
VIII.

15 Sobre as atribuições dos Juízes dos Feitos da Coroa da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit. IX; sobre as
atribuições dos Juízes dos Feitos da Fazenda da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit. X.

16 Sobre as atribuições dos Ouvidores do Crime da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit. XI.

17 Sobre as atribuições do Procurador dos Feitos da Coroa da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit. XI.

18 Sobre as atribuições do Procurador dos Feitos da Fazenda da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit. XII.

19 Sobre as atribuições do Juiz da Chancelaria da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit. XIII.

20 Sobre as atribuições do Promotor da Justiça da Casa da Suplicação, cf. Ord. Fil., Liv. I, Tit. XIV.

21 As Ordenações mencionam 100.000 réis para bens móveis e 80.000 réis para bens de raiz como alçada referente
à Relação do Porto (Ord. Fil., Liv. I, Tit. VI, pr.). Com a criação das Relações ultramarinas de Goa, Bahia, Rio de
Janeiro, Maranhão e Pernambuco, foram definidos em seus respectivos Regimentos os casos de julgamentos de
apelações e agravos por esses tribunais, bem como alçadas para que alguns desses recursos chegassem à Casa da
Suplicação.

22 Como os Corregedores conheciam de certas ações no exercício do primeiro grau de jurisdição, os recursos contra
as suas decisões eram julgados por outro “órgão” da Casa da Suplicação: os Desembargadores de Apelações e
Agravos.

23 A exemplo dos Corregedores de Lisboa, do Juiz dos Alemães, do Juiz de Índia e Mina e dos Conservadores das
Universidades de Coimbra e Évora.

24 HESPANHA, Antonio Manuel. História das instituições, épocas medieval e moderna, cit. p. 434.

25 Ord. Fil., Liv. III, Tit. XCV, pr.

26 Ord. Fil., Liv. III, Tit. XCV, § 1º.

27 A criação dessa Relação, que teve jurisdição sobre as 13 comarcas do sul do Brasil, incluindo as de Minas e de
Cuiabá, havia sido já antes proposta e até ordenada pela Corte em 08 de julho de 1734 (VARNHAGEN, Francisco
Adolpho de. História geral do Brazil. Rio de Janeiro: E. e H. Laemmert, 1857. t. II. p. 241).
28 Sobre essa interessante discussão, cf. HOMEM, Antonio Pedro Barbas. Judex perfectus: função jurisdicional e
estatuto judicial em Portugal 1640-1820. Coimbra: Almedina, 2005. p. 299.

29 Não eram considerados arestos (i.e., precedentes) as decisões do Desembargo do Paço, que, como visto, era
mais de jurisdição graciosa que contenciosa. Nesse sentido, ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. As formas da praxe
forense, cit., p. 14.

30 C. 7.45.13: “Nenhum juiz ou árbitro pense ter o dever de seguir as decisões proferidas em consultas que entenda
não estarem corretas, e, muito menos, as sentenças dos eminentíssimos prefeitos ou de outros juízes superiores (de
fato, se alguma coisa não foi bem decidida, esse erro não deve ser imposto a outros juízes, pois deve-se julgar não
com base nos exemplos, mas nas leis), nem mesmo se forem sentenças proferidas pela respeitadíssima prefeitura ou
por qualquer máximo magistrado: determinamos que todos os juízes se deixem guiar pelos caminhos da verdade e da
lei e da justiça”. (“Imperator Justinianus. Nemo iudex vel arbiter existimet neque consultationes, quas non rite iudicatas
esse putaverit, sequendum, et multo magis sententias eminentissimorum praefectorum vel aliorum procerum (non
enim, si quid non bene dirimatur, hoc et in aliorum iudicum vitium extendi oportet, cum non exemplis, sed legibus
iudicandum est), nec si cognitionales sint amplissimae praefecturae vel alicuius maximi magistratus prolatae
sententiae: sed omnes iudices nostros veritatem et legum et iustitiae sequi vestigia sancimus”).

31 D. 1.3.38: “(...) De fato, o nosso imperador Severus respondeu que, nas ambiguidades provenientes das leis, deve
ter força de lei o costume ou a autoridade das coisas constantemente julgadas de modo uniforme” (“Callistratus l. 1
quaest. Nam imperator noster severus rescripsit in ambiguitatibus quae ex legibus proficiscuntur consuetudinem aut
rerum perpetuo similiter iudicatarum auctoritatem vim legis optinere debere”).

32 FREITAS, Augusto Teixeira de. Vocabulário jurídico com apêndice. São Paulo: Saraiva, 1883. t. I. p. 16; CRUZ E
TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 83-89.

33 HARRER, G. A. Precedent in Roman Law. Studies in Philology. Chapel Hill. v. 19. n. 1, 1922. p. 52-63

34 Para uma descrição sucinta, mas abrangente, da opinião de alguns dos mais destacados juristas europeus e
portugueses sobre o tema, inclusive com menção a juristas que não foram mencionados no presente trabalho, cf.
HOMEM, Antonio Pedro Barbas. Judex perfectus: função jurisdicional e estatuto judicial em Portugal 1640-1820, cit. p.
302-305.

35 “Com a ajuda de Deus: não importa se o Príncipe, por lei criada na forma da Lei [anterior], ou por sentença dada &
por ele firmada [assinada] e que é proferida para (ter) força de lei, e (ele) declara [ser tal a] sua vontade, sobre o caso
proposto [em questão], pois o Príncipe é, na terra [em seu reino], a lei viva [em ato]. (...). (Não) porém, se as
sentenças do senado forem proferidas pelos senadores, na ausência do Rei, do modo que acima expusemos, mesmo
que sejam editadas sob o nome do Rei, como é de praxe em nosso reino”. (“Deo iuuante: nihil refert, an Princeps lege
condita in forma legis, seu sententia lata, & per illum signata, quae in vim legis profertur, voluntatem suam declaret,
super casu proposito, est enim Princeps lex animata in terris. (...) Si autem sententiae senatus proferantur per se, sine
praesentia Regis, eo modo, ut supra diximus, quamuis sub nomine Regis exeanti ut de stylo nostri regni sit. veluti”).
CABEDO, Jorge de. Practicarum Observationum sive Decisionum Supremi Senatus Regni Lusitaniae. Antuerpiae:
Ioannem Mevrsivm, 1635, Dec. CCXII, 3-4. p. 208.

36 “Nem também aos sujeitos acima citados obstam, de alguma forma, sentenças proferidas, neste Reino, contra
‘tutores’ em linha paterna, a favor dos ‘descendentes’ de primogênitos mortos em guerra, como se estes, pelo
heroísmo, fossem considerados vivos, [sentença a que refere D. Gama. Decis. 307.] porque, primeiro, pode-se dizer
que ninguém deve ser julgado a partir de exemplos (...). Nem tais sentenças foram assim proferidas no propósito de
ganharem força de lei coativa, pois, [então], teríamos inumeráveis leis, se todas as sentenças proferidas em nosso
senado tivessem força de leis, & embora proferidas & subscritas em nome do Rei, isso diz respeito à autoridade delas,
& sejam inteiramente acatadas & cumpridas por aqueles, partes interessadas, em cuja circunscrição foram proferidas,
& por isso são consideradas direito, & institui a verdade, a coisa julgada. [ff. de reg.iur.I.ingenuu, ff.] sobre o estado do
homem, não porém para serem tidas como por leis gerais, & geralmente como obrigatórias, pois nosso senado não
tem o poder de criar leis, nem o nosso direito Régio lhe atribui isso, como, pelo direito comum, se atribuía às decisões
do senado dos Romanos” (“Nec obstant item praedictis, aliquot sententiae latae in hoc Regno, contra patruos, pro
nepotibus ex primogenitis mortuis in bello, quasi ij per gloriam viuere existimentur, quas refert D. Gama. decis. 307.
quia primum dici potest, exemplis non esse iucicandum, l. nemo, C. de sententijs, & interlocution. nec ita latae sunt
illae sententiae, ut vim legis coactiuae haberent, infinitas enim leges haberemus si omnes sententiae latae in nostro
senatu, vim legum haberent, & licet sint latae, & scriptae sub nomine Regis, illud est ad autoritatem earum & ut illis
omnino pareatur, & omnino exequantur, inter partes inter quas latae sunt, & quoad hoc dicutunr ius, & veritatem facere,
l. res iudicata, ff. de reg.iur.l. ingenuu, ff. de statu hominum, non vero vt p legibus generalibus, & generaliter
obligantibus habeantur, nam noster senatus non habet autoritatem leges condendi, nec ius nostrum Regium illi hoc
tribuit, quemadmodum à iure communi tribuitur senatus consultis Romanorum”). VALASCO, Álvaro. Decisionum,
Consultationum, ac Rerum Iudicatarum in Regno Lusitaniae. Olyssipone: Georgij Rodriguez Typogr., 1601, Cons.
CXLVIII. t. II. 26-27. p. 127, v.

37 “A partir daqui [de agora] questiona-se: Gera sentença do Senado direito em decisões de causas semelhantes?
Nessa questão duas opiniões contrárias se confrontam (...). Mas a opinião mais verdadeira é essa: a sentença do
Senado não tem força de lei, a ponto de os Senadores, em outras causas, ficarem obrigados a segui-la. Isso, pelo fato
de que deve-se julgar pelo critério das leis, e não de exemplos (...). Muito embora o Senado, até os tempos de
Justiniano, tivesse o poder de criar leis, como dissemos supra, núm. 1 & 2. Contudo [o próprio] Justiniano retirou-
lhe(s) [tal] poder, deixando aos Senadores tão somente a decisão das causas. Daí, embora as sentenças sejam
promulgadas em nome do Rei, não podem obter a força de lei (como em Valasc. & Cabed., aliás). Daí resulta que os
Senadores não estão restritos às sentenças do Senado, de modo a ser lícito antigos Senadores terem seguido uma
primeira opinião, e abraçado uma segunda, contrária, como soe acontecer no dia a dia (...)”. (“Hinc quaeritur: An
sententia Senatus faciat jus in decisione similium causaram? In qua quaestione duae reperiuntur opiniones contrariae
(...). Sed illa verior est opinio: Quod sententia Senatus non habet vim legis, ut Senatores in aliis causis illam sequi
teneantur. Ex eo quia legibus, non exemplis judicandum est. (...). Quamvis enim Senatus usque ad tempora Justiniani
condenti leges potestarem haberer: uc dixius supra num. 1 & 2. Tamem Justinianus potestarem abstulit, & decisionem
causarum tantum Senatoribus reliquit. Urde quamvis sententiae Regis nomine expediantur vim legis obtinere non
possunt: ut per Valasc. & Cabed. ubi proxime. Et inde fit, quod Senatores non adstringutur sententiis Senatus, ita ut
licet Senatores antiqui unam opinionem tenucrinc, possint aliam contrariam amplecti, ut quotidie fieri solet (...)”).
PORTUGAL, Domingos Antunes. Tractatus de Donationibus Jurium et Bonorium Regiae Coronae. Lugdunum, 1726.
Lib. II. Cap. X. n. 42. t. I. p. 178, e passim).

38 “E porque uma sentença do Senado estabelece o direito em relação a todos os casos semelhantes (...), penso que,
a partir desse ponto, dever-se-á julgar, como o fizemos na presente causa de Christoforo de Moura, mesmo sem
anuência de outrora colega nosso”. (“Et quia sententia senatus facit jus quoad omnes similes casus, (...) puto deinceps
ita judicarum fore, prout in praedicta causa, Christophori de Moura judicavimus, renuente collega quodam ex nostris”).
GAMA, António da. Decisionum Supremi Senatus Lusitaniae. Antverpiae: Joannem Baptistam Verdussem, 1683, Dec.
XXXIII. p. 67-68.

39 “Por isso as sentenças e decisões do supremo Senado da Casa da Suplicação, onde se decidem as cousas de
maior importância, (...), fundada à semelhança do Senado que estava em Roma, (...), fazem Direito” (AFFONSECA,
Raphael de Lemos de. Commento Portugues dos Quatro Livros da Instituta do Imperador Justiniano, ou Breve
Resumo do Direito Civil. Coimbra: Manoel da Silva, 1656. v. 47. p. 46).

40 Reproduzido em ANDRADE E SILVA, José Justino de. Colleção Chronologica da Legislação Portugueza
Compilada e Annotada. 1603-1612. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1854. p. 358 e em ALMEIDA, Cândido Mendes
de. Auxiliar Juridico Servindo de Appendice à Décima Quarta Edição do Codigo Philippino ou Ordenações do Reino de
Portugal Recopiladas pro Mandado de El-Rey D. Philippe I, a Primeira Publicada no Brazil, Obra Útil aos que se
Dedicão ao Estudo do Direito e da Jurisprudência Prática, 2T. Rio de Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico,
1869. t. II. p. 95. Cândido Mendes se refere a esse estilo como o n. 26 da Casa de Suplicação.

41 RIBEIRO, João Pedro. Dissertações cronológicas e críticas sobre a história e jurisprudência ecclesiastica e civil de
Portugal. 2. ed. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1867. t. IV. p. 219-220.

42 HOMEM, Antonio Pedro Barbas. Judex perfectus: função jurisdicional e estatuto judicial em Portugal 1640-1820,
cit., p. 307.

43 PUGLIESE, Giovanni. Giudicato Civile. Enciclopedia Del Diritto. Varese: Giuffré, 1958. t. 18. p. 770-775.

44 Ord. Fil., Liv. III, Tit. LXIV, § 2º: “E acontencendo caso, ao qual por nenhum dos ditos modos fosse provido,
mandamos que o notifiquem a Nós, para determinarmos; porque não sómente taes determinações são desembargo
daquelle feito que se trata, mas são Leis para dezembargarem outros semelhantes”.

45 SILVA, Paula Costa e. L’Uniformazione della Giurisprudenza nel Diritto Portoghese. Rivista di Diritto Processuale.
Milano. v. 67. n. 2, 2012. p. 410; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito, cit. p. 119-
121.

46 C. 1.14.12: “Se a majestade imperial examinou uma causa e disse [proferiu] uma sentença entre as partes
constituídas, todos os juízes que estiverem sob o nosso império, sem exceção, saibam que aquela sentença faz lei
não apenas na causa em que foi proferida, mas em todos os casos similares”. (“Si imperialis maiestas causam
cognitionaliter examinaverit et partibus cominus constitutis sententiam dixerit, omnes omnino iudices, qui sub nostro
império sunt, sciant hoc esse legem non solum illi causae, pro qua producta est, sed omnibus similibus (...)”).

47 De um modo geral, a partir do século XIII, os julgamentos passaram a ser cada vez mais reduzidos a escrito, mas,
embora contivessem normalmente indicações quanto aos nomes das partes, o objeto da lide e até mesmo os
resultados de investigações e os argumentos das partes, não eram fundamentadas juridicamente. Aliás, desde 1344
havia diplomas legais que proibiam os membros do Parlement de Paris de “violar o segredo da decisão” dando a
conhecer os fundamentos da sentença, havendo também estilo do Grande Conselho de Malines de 1559 proibindo a
revelação “dos segredos do tribunal” (GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito, cit., p. 395). Os tribunais
parecem pressupor, portanto, que a ratio decidendi de suas decisões seria verdadeira questão de arcana imperii.

48 Cf. Portugal. Collecção Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicação e do Cível. 2T. Coimbra: Real
Imprensa da Universidade, 1791.

49 Em obras privadas, contudo, os assentos foram publicados anteriormente, como na obra de João Martins da Costa,
a qual, inclusive, trouxe assentos de um período anterior aos encontrados na mencionada coletânea oficial, uma vez
que o primeiro assento mencionado por ela data de 1603, enquanto em Costa há assentos emitidos entre 1523 e
1621.

50 CABEDO, Jorge de. Practicarum Observationum sive Decisionum Supremi Senatus Regni Lusitaniae, cit.

51 FEBO, Belchior. Decisionum Senatus Regni Lusitaniae. Lisboa: Officina Georgij Roderici, 1623. t. I.

52 Quando se refere a compilações oficiais ou privadas de precedentes judiciais, há uma distinção fundamental que
precisa ser feita entre record e report. Enquanto o primeiro é uma memória ou registro oficial da decisão tomada pelo
tribunal, o segundo consiste em um relato, geralmente não oficial, de como um caso foi decidido ou do que teria
motivado a decisão (permitindo, assim, identificar a ratio decidendi). Sobre essa distinção, João Mendes de Almeida
Junior esclarece: “(...) records são as compilações das deliberações e sentenças dos tribunaes (...) compilações estas
que são muito volumosas; os reports não têm por objeto dar o texto oficial dos julgamentos, mas destavam, nos
negocios tratados perante os tribunaes, os pontos de facto e de direito uteis para precisar a jurisprudência” (ALMEIDA
JUNIOR, João Mendes de. As formas da praxe forense, cit., p. 28). Ainda sobre o tema, cf. BAKER, John H. Preface.
In: BAKER, John H. Judicial Records, Law Reports and the Growth of Case Law. Berlim: Duncker & Humblot, 1989. p.
7.

53 HOMEM, Antonio Pedro Barbas. Judex perfectus: Função Jurisdicional e Estatuto Judicial em Portugal 1640-1820,
cit., p. 296.

54 JUSTO, Antonio Santos. O direito brasileiro: raízes históricas. Revista de Direito Comparado Luso-Brasileiro. v. 20.
Rio de Janeiro, 2001. p. 4.

55 TELLES, José Homem Correia, Commentario Crítico á Lei da Boa Razão, em data de 18 de agosto de. 1769.
Lisboa: Typografia de N. P. de Lacerda, 1824. p. 15.

56 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito, cit., p. 136-137.

57 ALMEIDA JUNIOR, João Mendes de. As formas da praxe forense, cit., p. 41.

58 Para uma breve introdução da discussão jurídica que sucedeu no Direito português a respeito do conceito de estilo,
v. SILVA, Nuno Espinosa Gomes da. História do direito português, fontes do direito, cit., p. 378-384.

59 SYLVA, Emmanuelle Gonçalves da. Commentaria ad Ordinationes Regni Portugalliae. Ulyssipone, Antonii Pedrozo
Galram, 1732. p. 284-285.

60 As Ordenações Manuelinas inovaram em relação às Afonsinas, regulamentando a matéria das fontes do Direito em
um Título dedicado a explicar “Como se julguaram os casos que nom forem determinados por Nossas Ordenaçoens”.

61 É interessante observar que o Título que disciplinava as fontes do Direito português nas Ordenações Afonsinas e
Manuelinas estava posicionado no Livro II das mencionadas compilações (sobre os privilégios das classes
eclesiásticas e das relações da Igreja com o Estado). A localização topográfica dessas disposições talvez possa ser
explicada pelo fato de o assunto das fontes do Direito se relacionar com a aplicação do Direito canônico enquanto
Direito subsidiário. Nas Ordenações Filipinas, passaram a constar no Livro III, consagrado ao processo. Essa
mudança talvez tenha sido motivada pelo fato de as fontes do Direito terem sido consideradas uma questão afeta à
matéria da ordem do processo (já que dizia respeito a qual fundamento poderiam recorrer os juízes para proferir as
decisões e sentenças, de que tratava o Livro III das Ordenações). Esse raciocínio talvez tenha sido o mesmo
empregado pelos juristas que organizaram o Corpus Juris Civilis, e que posicionaram a constituição imperial de
Justiniano, segundo a qual “legibus non exemplis judicandum est”, no Título XLV do Livro VII do Codex, que trata das
“decisões finais e interlocutórias dos juízes”. A história, de certa forma, repete-se.

62 “(...) VIII. E por que convém e importa muito, que os estylos antigos da dita Caza da Supplicação se guardem, sem
se permittir introduzirem-se outros de novo, nem práticas particulares, assim no despacho dos feitos, como no fazer
das audiencias, encommendo e encarrego muito ao Regedor, e Chanceller della, que procurem saber, e averiguár
bem, quaes são os ditos estylos antigos, informando-se para isso dos Officiaes de mais prática e experiencia; e que os
fação inviolavelmente guardar e conservar; e que movendo-se sobre elles alguma duvida, ou alteração, ouvidos os
que se virem foram della, que delles tenhão conhecimento, se tome na Meza Grande, perante o Regedor, a resolução
que parecer que mais convém à boa administração da Justiça; e se faça disto assento no Livro da Relação, para d'ahi
por diante se guardar assim, e se não tornar a dar na mesma duvida”.

63 Ord. Fil., Liv. I, Tit. I, § 37: “Ao Regedor pertence prover e conservar os stilos e bons costumes acerca da ordem
dos feitos, que sempre se costumaram e guardaram na dita Casa”.

64 V. PROSDOCINI, Luigi. Tra Civilisti e Canonisti dei sec. XIII e XIV. A Proposito della Genesi Del Concetto de Stylus
in Bartolo da Sassoferrato. Studi e Documenti. Milão, 1962. t. II. p. 415 e ss. Apud SILVA, Nuno Espinosa Gomes da.
História do direito português, fontes do direito, cit., p. 378-384.

66 Para consultar os Estilos da Relação do Porto, que nella deixou o Governador Henrique de Sousa e os Estilos mais
praticados na Casa de Suplicação, cf. ANDRADE E SILVA, José Justino de. Colleção Chronologica da Legislação
Portugueza Compilada e Annotada. 1603-1612. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1854. p. 326-359.

67 VANGUERVE CABRAL, Antonio. Pratica Judicial, Muyto Util, e Necessaria para os que Principiaõ os Officios de
Julgar, e Advogar e para Todos os que Solicitaõ Causas nos Auditorios de Hum, e Outro Foro, Tirada de Vários
Authores Praticos, & dos Estylos Mais Praticados nos Auditórios. Coimbra: Antonio Simoens Ferreyra, 1730.

68 As obras dedicadas à prática notarial e forense tratavam, segundo a ordem normal do decurso processual, das
questões que usualmente aí se levantavam, baseando-se numa tradição sistemática que teria raízes em Aristóteles,
Cícero e Quintiliano (HESPANHA, Antonio Manuel. História das instituições, épocas medieval e moderna, cit., p. 521).
Os autores praxistas também foram os responsáveis pela publicação de coleções de estilos da Casa de Suplicação e
da Relação do Porto, como a de João Martins da Costa, datada de 1622.

69 VANGUERVE CABRAL, Antonio. Pratica Judicial, cit., p. 1.

70 VANGUERVE CABRAL, Antonio. Pratica Judicial, cit., p. 1-2.

71 O mencionado assento foi tomado pelo tribunal no contexto da lide havida entre o Corregedor dos Remolares,
Manoel Gonçalves de Carvalho, e o Corregedor do Rocio, Manoel Estevão de Almeida Vasconcellos Barbarino,
pretendendo cada um deles servir de Conservador da cidade de Lisboa. A questão chegara ao conhecimento da Casa
de Suplicação, que decidira em favor desse último; o fundamento da decisão foi o fato de que, ainda que o Corregedor
de Remolares fosse mais antigo no Serviço de Sua Majestade, o do Rocio mostrava ter tomado posse do seu lugar
primeiro como Corregedor da Cidade, “(...) porque conforme a Direito se regula a antiguidade pela prioridade da
posse, sem attençao à antiguidade do Serviço e da Leitura; e com isto he coerente o Estilo sempre observado nesta
materia de servir de Conservador da Cidade o Corregedor mais antigo na posse do Lugar, como attestava o Escrivão
da mesma Conservatoria (...)”. Referindo-se a uma prática em sentido contrário adotada nas Relações do Ultramar
(estilo segundo o qual o critério para escolha do Conservador seria outro, que não o acima mencionado), os
Desembargadores afastaram a sua incidência na “jurisdição” da Casa de Suplicação, haja vista a existência de estilo
próprio, e em sentido contrário: “(...) nem podia favorece-lo o Estilo praticado nas Relações, (...), pois este Estilo,
como particular das Relações, e introduzido contra as regras de Direito, não devia nem podia extender-se a outros
Lugares, e muito menos ao de que se trata, em que ha Estilo contrario de se julgar sempre mais antigo para esta
Conservatoria o Corregedor, que primeiro tomava posse, como fica dito”.

72 A esse respeito, o desembargador da Casa da Suplicação João Pedro Ribeiro afirmava, em obra clássica sobre o
tema, que “He hum Direito inauferivel dos Legisladores a interpretação das suas Leis, direito, de que tantas vezes tem
usado os Reis Portuguezes; mas este direito foi em parte delegado nas Relações, dando a isso origem, e occasião a
freqüência com que os nossos antigos Soberanos nellas assistião á decisão das causas” (RIBEIRO, João Pedro.
Memoria sobre a authoridade dos assentos das relações. Lisboa: Imprensa Nacional, 1821. p. 3).

73 Afirma RIBEIRO, João Pedro. Memoria sobre a authoridade dos assentos das relações, cit., p. 4.

74 RIBEIRO, João Pedro. Memoria sobre a authoridade dos assentos das relações, cit., p. 5.

75 Ord. Fil. Liv. I, Tit. V, § 5: “E havemos por bem, que quando os Desembargadores, que forem no despacho de
algum feito, todos os algum delles tiverem alguma duvida em alguma nossa Ordenação do entendimento della, vão
com a duvida ao Regedor; o qual na Mesa grande com os Desembargadores que lhe bem parecer, a determinará, e
segundo o qu ahi for determinado, se porá a sentença. E a determinação, que sobre o entendimento da dita
Ordenação se tomar, mandará o Regedor escrever no livro da Relação, para depois não vir em duvida. E se na dita
Mesa forem isso mesmo em duvida, que ao Regedor pareça, que he bem de nol-o fazer saber, para a Nós logo
determinarmos, nol-o fará saber, para nisso provermos. E os que em outra maneira interpretarem nossas Ordenações,
ou derem sentenças em algum feito, tendo algum delles duvida no entendimento da Ordenação, sem ir ao Regedor,
será suspenso até nossa mercê”

76 Como bem sistematizou José Rogério Cruz e Tucci, esse livro, muitas vezes mencionado como “livrinho”, passou a
ser chamado de “Livro Verde” e, mais tarde, de “Livro dos Assentos da Relação” (CRUZ E TUCCI, José Rogério.
Precedente judicial como fonte do direito, cit., p. 135). Acrescente-se algumas fontes se referem a este livro como
“Livro 8” da Casa da Suplicação, como, por exemplo: FIGUEIREDO, Jozé Anastasio de. Synopsis chronologica de
subisidios ainda os mais raros para a historia e estudo critico da legislação portugueza, mandada publicar pela
Academia Real das Sciencias de Lisboa. 1143-1549. Lisboa: Officina da Academia Real das Sciencias, 1790. t. I. p.
320.

77 Os velhos assentos da Casa de Suplicação tinham como finalidade a promoção da interpretação autêntica (isto é,
a interpretação “original”, a manifestação explícita da intenção do legislador real). A interpretação neles consagrada
era considerada autêntica sob o argumento de ser o tribunal fictamente presidido pelo Príncipe; afinal, o tribunal era
intitulado “de Supplicação” porque supplica ou supplicação “He a petição dirigida ao Príncipe, que se suppunha
sempre presidir aquele Tribunal, para reparar o rigor da Justiça. E erão os seus membros quem resolvião sobre as
infracções ou gravames das Leis” (ALMEIDA, Cândido Mendes de. Codigo Philippino ou Ordenações e Leis do Reino
de Portugal Recopiladas por Mandado D’el Rey D. Philippe I, cit., p. 17, nota 3).

78 SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Esboço de Hum Diccionario Juridico, Theoretico, e Practico, Remissivo
às Leis Compiladas, e Extravagantes. Tomo Primeiro: A-E. Lisboa: Typlographia Rollandiana, 1825. Vocábulo
“Assento”.

79 RIBEIRO, João Pedro. Memoria sobre a authoridade dos assentos das relações, cit., p. 4.

80 Passando a se chamar Relação do Porto e obtendo status de tribunal superior, ainda que subordinado
hierarquicamente à Casa de Suplicação.

81 As pesquisas permitiram encontrar alguma documentação sobre assentos tomados na Relação de Goa. Há no
Arquivo Histórico Ultramarino, em Portugal, um Index das Leis, Regimentos, Alvarás, Decretos, Provisões, Avisos e
Assentos da Relação de Goa Respeitantes à Regulação da Justiça Nesta Relação, entre os Anos de 1526 e 1828
(AHU, CU, Legislação da Relação de Goa, Cod. n. 2.124; Inv. n. 1.290; 1 v.; 310x220 mm; 15 fls). Um interessante
assento da Relação de Goa tomado em 1779 versa sobre a ilegalidade da prisão por dívida e opina pela
impossibilidade de revogação da nova legislação portuguesa sobre o tema pelas instâncias administrativas de Goa,
transcrito em O Oriente Portuguêz, Revista da Commissão Archeologica da India Portugueza. v. 8, n. 1. Nova Goa:
Imprensa Nacional, 1911. p. 35-40.

82 Não foi possível encontrar o documento que transcreve o assento, somente o Alvará real que o confirma; cf. nota
seguinte.

83 Alvará de 1 de Fevereiro de 1690: Confirma o Assento, tomado na Relação da Baía, para se aceitarem por
determinado preço os açúcares com que o Povo contribuía para o dote de Inglaterra e Paz de Holanda (ANDRADE E
SILVA, José Justino de. Collecção Chronológica da Legislação Portugueza Compilada e Annotada: 1683-1700. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1859. p. 235).

84 A “guerra justa” era um conceito teológico e jurídico formulado após a Controvérsia de Valladolid, episódio que
marcou a história da Espanha, na qual a discussão sobre a legitimidade da colonização espanhola sobre os gentios
ameríndios foi posta em questão sob a perspectiva ética, política e teológica. Sobre o assunto, v. TOSI, Giuseppi.
Guerra e Direito no Debate sobre a Conquista da América (século XVI). Verba Juris. João Pessoa. v. 5, 2006. p. 277-
320. Em Portugal, a Lei sobre a Liberdade dos Gentios, de 20 de março de 1570, determinou que dali em diante só
pudessem ser escravizados os índios aprisionados naquelas “guerras justas” que fossem autorizadas pelo rei,
contassem com a permissão do governador ou fossem feitas contra os índios “que costumam saltear os Portugueses
e a outros gentios para os comerem”. Posteriormente, outras leis acrescentaram novos critérios, muito genéricos,
permitindo a guerra justa contra os índios que atacassem os portugueses ou impedissem a propagação do Evangelho
católico.

85 “Assento tomado na Relação da Bahia sobre a guerra aos Indios selvagens, extrahido do Liv. 4º de Ordens Régias
ao Governador e Capitão General do Brazil, no anno de 1694 a 1695”, transcrito na Revista Trimensal de Historia e
Geographia, ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brazileiro. Rio de Janeiro. v. 27, 1845. p. 391-398.

86 AHU, CU, Livros do Rio de Janeiro, Cod. n. 1.166; Inv. n. 1.195; 1 v.; 435x300 mm; 290 fl.; 285br.

87 As outras três entradas (todas datadas de 12 de agosto de 1752) se referiam a atos administrativos do tribunal,
respectivamente à nomeação de médico, cirurgião e barbeiro para o atendimento dos desembargadores e suas
famílias; nada têm a ver com os assentos a que se refere o presente estudo. Provavelmente, foram registradas nesse
livro porque foram decisões colegiadas tomadas pelos mesmos desembargadores que se manifestavam para a
decisão de tomada de um assento.

88 Os desembargadores aos quais se refere o assento só podem ter sido Manuel da Fonseca Brandão e Agostinho
Telles dos Santos Capello, que até a criação da Relação do Rio de Janeiro atuavam no tribunal da Bahia. Em 25 de
março de 1752, os dois desembargadores partiram de Salvador, encarregados de “regular a Relação do Rio de
Janeiro”, a cujo Governador foi remetida uma cópia do Livro dourado da Relação da Bahia, “para que alli se
seguissem os mesmos arestos”, conforme determinara o Secretário de Estado em carta de 17 de dezembro de 1751
(LIMA, José Ignácio de Abreu e. Synopsis ou deducção chronologica dos factos mais notaveis da historia do Brasil.
Recife: Typographia de M. F. de Faria, 1845. p. 218).

89 O mencionado fragmento dava competência ao juiz dos feitos da Coroa e da Fazenda para conhecer dos agravos
contra os procedimentos dos juízes e prelados eclesiásticos “nos casos em que pela Ordenação, e concordata do
Reyno, se pode usar deste remedio”; na forma do regimento, no caso de descumprimento de duas cartas rogatórias
pelos juízes, seria passada certidão aos recorrentes, por meio da qual se invocava a tomada de assento para o caso,
na presença do Chanceler da Relação e de dois desembargadores dos agravos mais antigos.

90 CRUZ, Guilherme Braga da. o direito subsidiário na história do direito português, cit., p. 383.

91 “(...) 7. Item. Por quanto a experiencia tem mostrado, que as sobreditas interpretações de Advogados consistem
ordinariamente em raciocínios frivolos, e ordenados ais a implicar com sofismas as verdadeiras disposições das Leis,
do que a demonstrar por ellas a justiça das partes: mando que todos os Advogados, que commetterem os referidos
attentados, e forem nelles convencidos de dolo, sejão nos autos, a que se juntarem os Assentos, multados; pela
primeira vez em cincoenta mil réis para as despezas da Relação, e em seis mezes de suspensão; pela segunda vez
em privação dos graos, que tiverem da Universidade; e pela terceira em cinco annos de degredo para Angola, se
fizerem assignar clandestinamente as suas Allegações por diferentes pessoas, incorrendo na mesma pena os
assignantes, que seus nomes emprestarem para a violação das minhas Leis, e perturbação do socego publico dos
meus Vassallos”.

92 A publicação da coleção oficial dos assentos (a que se referiu acima) data de 1791, portanto, 22 anos após o
surgimento da Lei da Boa Razão, não se sabendo ao certo quando os livros foram distribuídos no Brasil. Além disso,
se os desembargadores não conheciam os assentos, que eram mais facilmente relatados, não é de se espantar a
dificuldade de se conhecer as demais decisões não publicadas, já que não havia repertórios de jurisprudência; é, por
isso, que as obras dos decisionistas e praxistas eram tão relevantes.

93 Em um estudo publicado em autoria com Maria José Wehling, o autor afirma que “(...) elas [as referências ao
Direito romano e aos doutrinadores] não desapareceram de todo, entretanto, mas em geral quando ocorriam eram
mencionadas num contexto em que se citavam, também, leis”, o que, segundo os estudiosos, parece significar que o
predomínio do Direito real sobre o Direito comum foi se impondo na prática dos tribunais (WEHLING, Arno; WEHLING,
Maria José. Despotismo ilustrado e uniformização legislativa. O direito comum nos períodos pombalino e pós-
pombalino. Revista da Faculdade de Letras. II série. Porto. v. XIV, 1997. p. 413-428).

94 WEHLING, Arno. A atividade judicial do tribunal da relação do Rio de Janeiro, 1752-1808”. Revista Chilena de
Historia del Derecho. Santiago, n. 17. 1992. p. 105.

95 ANTUNES, Álvaro de Araújo. Espelho de cem faces: o universo relacional de um advogado setecentista. São
Paulo: Annablume/PPGD-UFMG, 2004. p. 206-209.

96 ANTUNES, Álvaro de Araújo. Espelho de cem faces: o universo relacional de um advogado setecentista, cit., p.
209-221.

97 O trabalho de Maria Lúcia Resende Chaves Teixeira sobre o impacto da legislação penal no território da Capitania
das Minas reúne elementos que permitem concluir pela continuidade da citação de praxistas pelos advogados e na
prática jurídica do Brasil-Colônia no período que se seguiu à publicação da Lei da Boa Razão (TEIXEIRA, Maria Lúcia
Resende Chaves Teixeira. Justiça lusitana na capitania das Minas Gerais, Brasil Colônia. XXX Encontro da APHES,
Programa Detalhado do XXX Encontro da Associação Portuguesa de História Econômica e Social. Lisboa, 2010).

65 Para alguns autores, era justamente aí que residia a diferença entre costumes e estilos; os estilos seriam a espécie
de costume que trataria do Direito processual. Cada instância ou tribunal mantinha o seu estilo, “(...) que compreendia
o conjunto das regras que era de uso seguir para recorrer à jurisdição, e aí intentar a acção e obter uma decisão
judicial; os estilos são, portanto, os usos bem conhecidos daqueles que vêm habitualmente à jurisdição: juízes,
queixosos, partes etc.” (GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito, cit., p. 254).

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