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Quanto à sua hierarquia, temos o direito internacional geral, a Constituição, as leis de valor
reforçado, as leis e decretos-leis, os decretos legislativos regionais, os regulamentos gerais (do
Estado), os regulamentos regionais e os regulamentos locais.
Os princípios sobre a hierarquia das normas, pode enunciar-se assim: a norma de valor
superior pode revogar a norma inferior que não se conforme com ela (afectada de ilegalidade,
e se, implicar directa ou indirectamente (directamente: lei de valor reforçado) a Constituição
da República Portuguesa, a nulidade de que fica afectada (ilegalidade ou
inconstitucionalidade), é declarável pelo Tribunal Constitucional; se ofender norma
internacionalista ou comunitária/unionista, é inaplicável, considerando-se, no mínimo como
de vigência suspensa).
É em relação ao conjunto destas orientações que se põe a questão de saber se elas são ou não
fontes de direito. E em sentido criador ou revelador?.
Seguindo de perto DIOGO FREITAS DO AMARAL, que distingue entre fontes juris essendi e
fontes juris co-gnoscendi, podemos encontrar várias teorias sobre a matéria:
Como refere DIOGO FREITAS DO AMARAL, esta teoria é inaceitável, porquanto os tribunais não
são meras máquinas de reprodução exacta da vontade do normador, constituídos por juízes
transformados em puros agentes passivos, meros conversores de «ditados» exteriores em
soluções concretas, e portanto a jurisprudência não é um mero altifalante da voz do legislador,
neutra, sendo certo que os tribunais ultrapassam o mero labor de executores da norma escrita
ou costumeira, pelo que tal teoria é de afastar.
Consideramos que, quer a teoria clássica em Portugal, quer a teoria realista radical,
generalizam «o campo factual» que seleccionam e a que se agarram redutoramente nas suas
análises, pois, não é pelo facto de, muitas vezes, os juízes tal como os órgãos das
Administração Pública, na aplicação de certos conceitos e previsões normativas não terem
margens de inovação jurídica que pode negar-se as outras, e são muitas, em que o têm, por
não se estar perante conceitos e previsões muitas precisas (em que se limitam à efectivação de
operações de cálculo matemático) ou perante uma estreita margem de densificação jurídica,
em que não há espaço para grande criatividade apreciativa e decisória.
c)-Nesta linha de constatação e numa postura teórica realista moderada, em que nos
colocamos, e que em Portugal vemos perfilhada, desde logo, por DIOGO FREITAS DO AMARAL,
há que considerar que, embora na maioria dos casos, a fonte primária do direito seja a lei ou o
costume, a jurisprudência, também pode ser fonte juris esssendi, e fonte cognoscendi.
Com efeito, nas situações em que os tribunais intervêm, os juízes, de facto, muitas vezes,
desempenham uma função criativa, que há que reconhecer que integra o seu espaço
institucional de intervenção.
Além disso, a jurisprudência dos tribunais será também fonte indirecta do costume,
designadamente quando leve à afirmação de normas claramente contrárias ao direito tido
como vigente até aí ou quando seja manifestação da sua existência, em que ela apareça como
nomogenética, na medida em que seja inovadoramente «geradora» de actos jurídicas gerais e
abstractos, que posteriormente não só a generalidade dos tribunais como também as
autoridades administrativas e os cidadãos acatem como sendo de natureza obrigatória, ou
seja, verdadeiro direito. No entanto, como se constata, neste caso de co-autoria material de
direito, juridicamente a verdadeira fonte é o costume, cuja lógica protocriativa propicia ou a
cuja afirmação responde, embora o arranque da sua prática reiterada possa partir da própria
actuação dos tribunais, em processo algo semelhante à do costume internacional com base
nas resoluções parlamentares da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (que
alguns autores chamam de fonte parlamentar, para distinguir do costume de criação
normativa não escrita e inicialmente não intencional).
***
Desde já, se afirma que não se considera nunca doutrina em geral como fonte primária de
direito.
Mas afirma-se que ela pode exercer um papel protonormador ou conformador do conteúdo
ou interpretação concretos de normas pré-existentes, pois, por vezes, exerce uma influ-ência
decisiva não só na criação de normas positivas e outras na explicitação de normas
consuetudinárias, quer junto do legislador e Administração Pública (elaboração de novas leis e
regulamentações e alteração de normas existentes), como na aplicação das normas pela
Administração Pública e, sobretudo, pelos julgadores, desde logo junto dos tribunais
superiores, ajudando, juntamente com a acção casuística dos advogados, a construir aquela
parte da jurisprudência que muitas vezes se revela mais estável.
E, sobretudo, a «doutrina unânime» ou, pelo menos, «maioritária» têm realmente uma
influência marcante, junto dos tribunais. Com efeito, quotidianamente a jurisprudência
portuguesa, em apoio aos fundamentos das suas decisões judiciais, recorre e cita
essencialmente a doutrina, que assim, por esta via, ganha foros de uma «fonte ‘indirecta’ do
Direito» (Diogo Freitas do Amaral).
***
Não terminaremos estas breves considerações sem lembrar que a Administração Pública
portuguesa é chamada a aplicar directamente normas comunitárias, quer as de vigência
directa e transcrição interdita em normas nacionais, como acontece com os regulamentos da
CE, quer as dependentes de transcrição obrigatória, e mesmo que não efectivada, apesar de
decorrido o tempo para o efeito (Directivas; e mesmo Decisões dirigidas ao Estado) desde que
tenham efeito directo (nos termos fixados pela doutrina pretoriana do Tribunal do
Luxemburgo)[14].
Pela sua importância, vejamos, pois, especificamente a teoria das fontes unionistas.
[1] Segundo ele, «le juge c’est la bouche qui prononce les paroles de la loi».
[2] HOLMES, O.W. –The Path of Law. In The Holmes Reader, oc, p.60, apud LATORRE, Ángel –
«Los Realistas Norteamericanos». In Introducción al derecho: Nueva edición puesta al día.
Barcelona: Ariel, 1997, p.142, tradução portuguesa de Manuel de Alarcão: Introdução ao
Directo. 5.ª reimpressão, Coimbra: Almedina, p.191.
[4] Noutro lugar nos referimos ao papel do TC nas suas declarações de inconstitucionalidade
com eficácia geral, eliminadora das normas jurídicas. E do STA, em aplicação da al.g) do n.º1 do
artigo 119.º da CRP, ao produzir declarações de ilegalidade com força obrigatória geral (artigos
72.º, 73.º e 76.º do CPTA).
[5] Recorde-se que, em Portugal, existiu até 1993 o chamado instituto chamado dos
«assentos», previsto no artigo 2.º do Código Civil, que foi declarado inconstitucional pelo
Acórdão do Tribunal Consti-tucional n.º 810/93, de 7.12.93, solução que, aliás, tem sido
criticada por alguma doutrina.
[6] Artigo 8.º (Obrigação de julgar e dever de obediência à lei): «1. O tribunal não pode
abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável
acerca dos factos em litígio.2. O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto
de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.3. Nas decisões que proferir, o
julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de
obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».
[10] Vide, desenvolvidamente sobre o tema, AMARAL, DIOGO FREITAS DO –o.c., p.459 e ss.
[11] Em plenário das secções cíveis, requerido pelas partes ou MP, sugerido pelo relator ou
adjuntos, presidentes das secções, parecer MP, publicação 1.ª Série A do DR: artigos 732.º-A e
732.º-B do Código do Processo Civil). Sobre os assentos, na sua configuração antiga, sem
contraditório e imodificáveis: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º810/93.
[12] De facto, mesmo quer toda a doutrina defenda uma dada interpretação de uma norma
que pode ter mais do que uma interpretação possível, se o juiz optar por uma interpretação
diferente, é esta a que passa a valer, enquanto a doutrina, sendo uma mera opinião de
especialistas, existente a montante do momento aplicativo, por muito conceituada que seja,
não é aplicável por si, ao não obrigar nem cidadãos nem autoridades.
[13] Com efeito, o cidadão ou a Administração Pública ficarão sujeitos à interpretação em que
assenta a sentença, no caso submetido a julgamento, independentemente das posições
científicas propostas pelas Escolas e seus Doutores. Para se compreender a diferença, basta
reproduzir a seguinte explicação dada por AMARAL, DIOGO FREITAS DO: «se acerca de um
dado assunto, toda a doutrina entender A e a jurisprudência decidir B, um advogado
português, interrogado por um cliente estrangeiro sobre qual é o Direito português sobre a
matéria, terá de responder B; se responder A, estará a enganar o cliente - e poderá ser
responsabilizado pelos danos que lhe causar».
[14] Sob pena de condenação pelo TUE. Seria, v.g., impensável que um dirigente da
Administração Pública tivesse punido um funcionário, que acabasse de ser progenitor e, à falta
de legislação de aplicação da Directiva sobre a igualdade dos cônjuges, tivesse gozado desse
direito com ausência ao serviço, nos termos da normativa europeia, que teve efeito directo no
período de inadimplemento estatal, até ser objecto de transcrição em fonte interna.