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SAÚDE PÚBLICA

Emergências e urgências
de Saúde Pública:
falando de DDO e
outras, em jeito de
vademecum
JOANA MARQUES*, MÁRIO FREITAS**

RESUMO
As doenças transmissíveis de declaração obrigatória (DDO) encontram-se consagradas na legis-
lação portuguesa desde 1949. A legislação tem sempre sido clara em atribuir às autoridades de missíveis.
saúde a competência genérica para a vigilância epidemiológica. Tal actividade tornar-se-ia impossí- Vigilância epidemiológica pode defi-
vel sem a colaboração de todas as entidades para as tarefas definidas para cada sistema de vigi- nir-se como uma actividade sistemá-
lância. A notificação é a primeira medida a ser tomada e a que desencadeia os procedimentos que
tica e contínua de recolha, armazena-
se afiguram necessários, segundo o estado da arte, para o controlo da infecção. Este controlo epi-
mento, análise, interpretação e trans-
demiológico destina-se a interromper a cadeia de transmissão da infecção e implica sempre inter-
missão de dados que reflectem o estado
venções distintas. Nalguns casos, a actuação da autoridade de saúde constitui uma resposta a uma
de saúde de uma população.2 Esta acti-
emergência de saúde pública.
vidade, configurando um instrumento
fundamental de planeamento e gestão
s doenças transmissíveis de

A
dos recursos da saúde, proporciona os
declaração obrigatória, vul- elementos para uma pronta e efectiva
garmente designadas por actuação sobre factores de risco indu-
DDO, encontram-se consa- tores de doença e contribui para a me-
gradas na legislação portuguesa desde lhoria dos níveis de saúde das popula-
1949. Com efeito, a Lei 2036, de 9 de ções. Assim, torna-se clara a necessi-
Agosto de 1949,1 prevê como compe- dade de coerência e homogeneidade dos
tência da Direcção-Geral da Saúde dados e seu tratamento, de forma a tor-
(DGS) a elaboração da «tabela das doen- nar possível uma vigilância epidemioló-
ças contagiosas cuja declaração for gica bem estruturada, flexível e ágil, in-
obrigatória», atribuindo também à DGS dispensável para a protecção e promo-
a função de «coligir os dados estatísti- ção da saúde dos cidadãos, das famí-
cos da morbilidade e mortalidade» de- lias e das comunidades.
correntes dessas doenças. Na mesma A legislação tem sempre sido clara
Lei, é referido que «os médicos que, no em atribuir às autoridades de saúde a
exercício da sua profissão, tenham co- competência genérica para a vigilância
nhecimento ou suspeita de casos de epidemiológica, tal como consta no De-
*Médica, Interna do Internato doença contagiosa, deverão comunicá- creto-Lei nº 286/99, de 27 de Julho,3
Complementar de Saúde -lo, no prazo máximo de quarenta e oito em vigor, e que determina serem os ser-
Pública, UOSP de Braga.
**Médico, assistente da carreira
horas, ao delegado ou subdelegado de viços de saúde pública «os serviços do
médica de Saúde Pública, UOSP saúde da respectiva área». Na realida- Estado competentes para promover a
de Braga/Centro Regional de de, data de 1949, em Portugal, a géne- vigilância epidemiológica e a monitori-
Saúde Pública do Norte; docente
da Escola de Ciências da Saúde
se do que é hoje denominado de vigilân- zação da saúde da população». Como fa-
da Universidade do Minho. cia epidemiológica das doenças trans- cilmente se depreenderá, tal actividade

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por parte dos serviços de saúde públi- síveis.6


ca tornar-se-ia impossível sem a cola- A declaração da DDO é a primeira
boração de todas as entidades indivi- medida,7 e a que desencadeia a actua-
duais ou colectivas, públicas ou priva- ção dos serviços de saúde pública, a ser
das, nas tarefas definidas para cada tomada face a um caso duma destas
sistema de vigilância, condição indis- doenças. Embora a declaração deva
pensável para garantir o sucesso desta ocorrer no espaço de 48 horas após o
função do sistema de saúde pública. conhecimento, pelo médico, de doença
Relativamente às doenças transmis- ou óbito5,8 devidos a uma doença trans-
síveis, encontra-se ainda em vigor a já missível de declaração obrigatória, esta
referida Lei 2036, de 9 de Agosto de não deverá deixar de ocorrer apesar de
19491, que aponta como dever de qual- decorrido esse período de tempo. A con-
quer médico, em exercício público ou sulta do manual «Definição de caso para
privado,5 que se depare com uma doen- doenças de declaração obrigatória»,9 da-
ça que seja considerada como de decla- tado de Março de 1999, permite ao mé-
ração obrigatória, segundo o preestabe- dico que notifica o esclarecimento de
lecido pela DGS, a sua comunicação à dúvidas que naturalmente surgem face
autoridade de saúde da área de residên- a certos quadros clínicos que poderão
cia do doente, independentemente do ser classificados como casos suspeitos,
local onde foi assistido,5 no espaço de prováveis, ou confirmados, de doença.
48 horas. Independentemente desta classificação,
O facto da vigilância epidemiológica a declaração deve ser efectuada, ou
das doenças transmissíveis ser uma ac- seja, um caso classificado como suspei-
tividade contínua tem permitido uma to deverá ser notificado, não sendo ne-
constante revisão e actualização das cessária a confirmação anterior à decla-
doenças a serem obrigatoriamente de- ração. Este manual integra também a
claradas. Actualmente, e desde 1 de Ja- descrição clínica de caso e os critérios
neiro de 1999, a tabela dessas doenças, laboratoriais de diagnóstico. O médico
constante na Portaria nº 1071/98, de notificador deverá preencher todos os
31 de Dezembro,4 compreende 45 enti- campos/variáveis do impresso de noti-
dades nosológicas, utilizando a nomen- ficação, à excepção dos que se encon-
clatura e encontrando-se ordenada de tram nas áreas sombreadas, e que se
acordo com a 10ª Revisão da Classifi- destinam ao delegado de saúde.5 Tam-
cação Internacional de Doenças (CID). bém data de Março de 1999 o manual
A mesma tabela encontra-se no verso de instruções de preenchimento do im-
do impresso de notificação, cuja forma presso das DDO, destinado a todos os
actual data também de 1999.5 Em médicos, incluindo os de saúde públi-
2005, a infecção pelo vírus da imuno- ca, e que realça que deve ser o médico
deficiência humana (VIH) passa a inte- notificador a preencher o verso da 3ª via
grar a lista de DDO, sendo a declaração do impresso no que se refere ao desti-
obrigatória aquando do diagnóstico natário da notificação. Este é sempre o
qualquer que seja o estádio da infecção, delegado de saúde do concelho de resi-
e sempre que se verifique mudança de dência do doente, devendo ser inscrita
estadiamento ou morte.6 Para este efei- a morada correspondente ao centro de
to, foi aprovada pela Portaria nº 258/ saúde onde aquele se sedia, mesmo que
/2005, de 16 de Março o modelo da fo- o doente não esteja inscrito nesse cen-
lha de notificação relativa à vigilância tro de saúde. Se o médico que notifica
epidemiológica da infecção por VIH, a desconhecer qual a área de residência
ser endereçado ao Centro de Vigilância do doente, o impresso deverá ser ende-
Epidemiológica das Doenças Transmis- reçado para o centro de saúde da área

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pessoa infectada, ou com um ambien-


Médico notificador te contaminado por um agente infeccio-
(invólucro com 3 vias) so, tem a oportunidade de adquirir essa
infecção.10 Embora clinicamente exis-
tam diferenças entre um doente (infec-
Delegado
ção com sintomas) e um portador (in-
concelhio de saúde
fecção sem sintomas), as medidas de
controlo relativamente aos seus contac-
tos são, de um modo geral, idênticas.7
Adjunto do delegado Tal como para os casos de doença in-
Direcção-geral da de saúde da fecciosa, também os contactos destes
Saúde Sub-região de casos poderão estar sujeitos a afas-
(via original) Saúde respectiva tamento temporário de certos locais, o
(segunda via) que acontece, por exemplo, em certos
casos de doença transmissível de decla-
Figura 1. Organograma do circuito das três vias do ração obrigatória que condicionam
impresso de notificação das doenças transmissíveis de evicção escolar, de acordo com o Decre-
declaração obrigatória. to Regulamentar n.o 3/95 de 27 de Ja-
Fonte: Circular Informativa no 7/DSIA, de 24 de Março de 1999, da neiro.11
Direcção-Geral da Saúde. Relativamente ao afastamento tem-
porário da frequência escolar e demais
actividades desenvolvidas nos estabele-
do seu local de trabalho. Sempre que cimentos de ensino, não são só os dis-
surjam dúvidas relativamente ao preen- centes que se encontram sujeitos ao
chimento do impresso, que deverá ser mesmo quando acometidos por uma
o mais completo possível, o médico no- DDO. Também o pessoal docente e não
tificador deve solicitar esclarecimentos docente, quando coabitantes ou contac-
ao delegado de saúde da sua zona.5 (Fi- tos de indivíduos atingidos por algu-
gura 1). mas doenças transmissíveis, está obri-
A partir do momento em que os ser- gado a evicção escolar11 (Quadro).
viços de saúde pública tomam conhe- Nalguns casos de controlo epidemio-
cimento do caso de doença declarado, lógico, a actuação da autoridade de saú-
prontamente são desencadeados os de constitui uma resposta a uma emer-
procedimentos que se afiguram neces- gência de saúde pública. Tal ocorre na
sários, segundo o estado da arte, para presença de certas infecções que, pela
o controlo da doença. Este controlo epi- sua possível gravidade clínica, pela fá-
demiológico, consistindo em medidas cil forma de transmissão, pelo elevado
que visam a interrupção da cadeia de risco de contágio, ou pelo elevado nú-
transmissão da infecção, implicam mero de indivíduos que podem ser in-
sempre intervenções distintas da auto- fectados, obrigam à intervenção ime-
ridade de saúde. O isolamento do indi- diata dos serviços de saúde pública. Um
víduo infectado relativamente à via de destes casos é, por exemplo, um diag-
transmissão, apenas durante o período nóstico de meningite bacteriana numa
de transmissão da doença, é uma das criança ou adulto que frequentem um
medidas a tomar,7 devendo ser presta- estabelecimento de ensino.
da atenção aos que possam ser consi- Face a uma declaração urgente, seja
derados contactos para essa doença. ela realizada por telefone ou fax, à au-
Considera-se contacto duma infecção toridade de saúde de um diagnóstico de
toda a pessoa ou animal que, por ter es- meningite bacteriana num indivíduo
tado em associação com um animal ou que frequente um estabelecimento de

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QUADRO

PRAZOS DE EVICÇÃO ESCOLAR APLICÁVEIS FACE A DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS DE DECLARAÇÃO OBRIGATÓRIA

PRAZO DE EVICÇÃO ESCOLAR


Docentes e não docentes coabitantes
DDO Discentes ou contactos de indivíduos com DDO
Difteria Até 2 análises negativas de exsudado 7 dias ou até 2 análises negativas de exsudado
nasal e faríngeo com 24h de intervalo nasal e faríngeo com 24h de intervalo
e após 24h de suspensão do antibiótico
Escarlatina Após 24h do início da antibioterapia Não se aplica
adequada mediante apresentação de
declaração médica comprovativa da mesma
Febres tifóide Pelo menos 4 semanas após o início da Não se aplica
e paratifóide doença e até à apresentação de 3 análises
de fezes negativas com 24h de intervalo,
após 48h de suspensão do antibiótico
Hepatite A Pelo menos 7 dias ou até ao Não se aplica
desaparecimento da icterícia
Hepatite B Até à cura clínica quando curso agudo ou Não se aplica
na presença de dermatose exsudativa ou
hemorragias quando curso crónico
Impétigo Até à cura clínica Não se aplica
Infecções Até à cura clínica Até apresentação de declaração médica
meningocócicas comprovativa do início da quimioprofilaxia
adequada
Parotidite epidémica Pelo menos 9 dias após o surgimento Não se aplica
da tumefacção glandular
Poliomielite Até ausência de vírus nas fezes Até ausência de vírus nas fezes em
indivíduos incorrectamente vacinados
Rubéola Pelo menos 7 dias após o início do exantema Não se aplica
Sarampo Pelo menos 4 dias após o início do exantema Não se aplica
Tinha Até cura clínica ou apresentação de Não se aplica
declaração médica comprovativa de
terapêutica adequada ou ausência de risco
de contágio, conforme a localização
Tosse convulsa 5 dias após o início de antibioterapia ou, se Pelo menos 5 dias após início de
ausência de terapêutica, 21 dias após o antibioterapia profiláctica em indivíduos
início dos acessos paroxísticos de tosse com idades inferiores a 7 anos e
incorrectamente vacinados
Tuberculose pulmonar Até apresentação de declaração médica Não se aplica
comprovativa de ausência de risco de
contágio passada com base no exame
bacteriológico
Varicela 5 dias após o início do exantema Não se aplica

ensino, o delegado de saúde desloca-se de controlo. As meningites meningocó-


imediatamente ao local para pronta- cica e a Heaemophilus influenzae tipo b
mente tomar as medidas necessárias, (Hib), sendo as meningites bacterianas

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mais frequentes e sendo doenças de de- declaração urgente de um caso de me-


claração obrigatória, devem ser notifi- ningite a Hib englobam também a qui-
cadas assim que o médico as diagnos- mioprofilaxia e a vigilância clínica dos
tique ou delas suspeite, não necessi- contactos, considerando-se os domici-
tando, para isso, de utilizar nesse mo- liários e os ocorridos numa instituição
mento o modelo adequado e que está infantil. Todos os contactos com idade
recomendado para todas as DDO.12 inferior a 6 anos que apresentem febre,
Uma vez que o período de incubação estando ou não imunizados contra o
da meningite meningocócica oscila en- Hib, devem ser submetidos a avaliação
tre 1 e 10 dias, não ultrapassando, em médica. A rifampicina é o fármaco in-
geral, os 4 dias,12 medidas de quimio- dicado para proceder à quimioprofilaxia
profilaxia devem ser tomadas relativa- dos contactos, a iniciar o mais precoce-
mente aos indivíduos que sejam consi- mente possível, não estando nas grávi-
derados contactos íntimos do doente e das indicada a profilaxia. Se no domi-
que tenham com ele privado durante os cílio do doente viver alguma criança
10 dias que antecederam o início da com idade inferior a 12 meses, vacina-
sintomatologia e hospitalização. O con- da ou não, a todos os contactos domi-
ceito de contacto íntimo encontra-se de- ciliários deve ser prescrita rifampicina.
finido12 e varia consoante a idade do Se se tratar dum coabitante com idade
doente, o que se deve à forma de trans- inferior a 48 meses e não vacinado cor-
missão desta infecção. Em qualquer rectamente, também está indicada a
caso, e perante situações de risco espe- profilaxia a todos os contactos domici-
cial, esta definição pode ampliar-se, de liários. Relativamente aos contactos em
acordo com avaliação específica levada instituições infantis, e embora exista
a cabo pela autoridade de saúde, a par- controvérsia relativa à administração
tir das características da população de quimioprofilaxia quando só ocorreu
afectada.12 Também o facto de se tratar um caso de doença, esta está indicada
de um caso esporádico ou de um clus- para todos os contactos quando existem
ter determina os indivíduos a serem na instituição crianças com menos de
considerados contactos íntimos e a efec- 2 anos e o contacto é superior a 25 ho-
tuarem quimioprofilaxia. Esta adminis- ras por semana. Quando ocorrem dois
tra-se, preferencialmente, nas primei- ou mais casos de doença invasiva por
ras 24 horas que se seguem à hospita- Hib em alunos da mesma instituição,
lização do doente, sendo o fármaco de num prazo de 60 dias, deverá adminis-
eleição a rifampicina. Como fármacos trar-se rifampicina a todas as crianças
alternativos apontam-se a ciprofloxaci- e aos funcionários encarregues da sua
na e o ceftriaxone, sendo este último o supervisão.12
indicado na grávida. Outra medida de Outra emergência em saúde pública
controlo a ser instituída é a vigilância são as toxinfecções alimentares. Consi-
clínica dos contactos íntimos do caso, dera-se toxinfecção alimentar qualquer
que nos 10 dias que se seguem à hos- doença de natureza infecciosa ou tóxi-
pitalização do doente, em caso de febre ca causada (ou que se presume ter sido
ou sintomas suspeitos ou compatíveis causada) pelo consumo de géneros ali-
com meningite meningocócica, devem mentícios ou de água, sendo as toxin-
ser rapidamente submetidos a uma fecções alimentares colectivas (TAC) as
avaliação médica.12 A legislação em vi- situações em que dois ou mais indiví-
gor relativa à evicção escolar deverá ser duos são afectados e em que a origem
cumprida,12 tal como anteriormente re- é comum, exceptuando-se os casos de
ferido. botulismo ou de envenenamento quími-
As medidas de controlo face a uma co, em que um caso único já constitui

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um surto. O sistema de notificação em que seja possível o controlo da situação.


vigor (DDO), não prevê a notificação de Para que tais medidas sejam possíveis,
surtos mas tão só a notificação de ca- os factores determinantes devem ser
sos individuais, referindo-se apenas a apurados, permitindo não só um me-
existência de casos associados, quan- lhor conhecimento da epidemiologia
do tal ocorre. Qualquer clínico que, no das TAC, como a prevenção de surtos
exercício da sua actividade, tenha co- futuros.13 A investigação epidemiológi-
nhecimento de uma TAC, deve dar co- ca de uma doença, ou seja, o conjunto
nhecimento da mesma à autoridade de de procedimentos através dos quais é
saúde, sem prejuízo da notificação dos possível obter informação adicional so-
casos através do sistema de DDO, bre a mesma, é, no caso das TAC, um
quando aplicável. A TAC será comuni- trabalho interinstitucional, devendo ser
cada através de telefone por quem diag- privilegiados os contactos entre vários
nostica os casos. Para esse contacto te- profissionais, nomeadamente os clíni-
lefónico poderá ser utilizada a meto- cos. A autoridade de saúde, sendo a
dologia adoptada, a nível de cada Sub- responsável pela investigação, deverá
-Região de Saúde, relativamente à confirmar o diagnóstico de TAC; proce-
comunicação de um caso de meningite der ao inquérito epidemiológico; identi-
meningocócica. Como só a presença si- ficar os alimentos suspeitos; requisitar
multânea do agente nos alimentos e em a realização de exames laboratoriais aos
produtos biológicos dos doentes permi- alimentos suspeitos; estudar a distri-
te estabelecer uma relação de causali- buição dos casos no tempo, no espaço,
dade, é fundamental analisar produtos e nos indivíduos; investigar a etiologia;
biológicos de alguns dos doentes envol- identificar a fonte de contaminação,
vidos no surto, sendo o pedido de exa- avaliando os pontos críticos da cadeia
mes da responsabilidade dos médicos alimentar; recomendar ou tomar medi-
que assistem os doentes, apenas com- das de prevenção e controlo; e elaborar
petindo à autoridade de saúde fazê-lo um relatório final.14
em ocasiões excepcionais. A colheita de Também os casos de alergia atribu-
amostras de produtos biológicos como ídos à processionária ou lagarta do pi-
vómito e fezes – ou a utilização de zara- nheiro têm constituído emergências de
gatoas anais, quando o doente é uma saúde pública, verificando-se um eleva-
criança pequena ou quando não é pos- do número de casos ocorridos em esta-
sível a obtenção de amostras fecais, de- belecimentos de ensino, causando per-
verá sempre ser efectuada antes da ins- turbação nestes e obrigando os serviços
tituição de terapêutica antibiótica, de- de saúde, particularmente os de urgên-
vendo estas amostras ser analisadas cia, a um grande esforço na prestação
nos laboratórios dos hospitais ou do adequada de cuidados aos doentes. A
Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricar- Thaumetopoea pityocampa Schiff é o
do Jorge em Lisboa e no Porto.13 As con- principal insecto desfolhador de pinhei-
dições a observar na colheita das amos- ros e cedros em Portugal e o seu nome
tras, bem como a informação a forne- de processionária resulta do facto de
cer ao laboratório encarregue da análise constituir longas procissões de lagartas
das mesmas, encontram-se contempla- que se dirigem das árvores para o solo,
das na Circular Normativa n.º 14/DT, local onde crisalidam. As alterações cli-
de 9 de Outubro de 2001, da DGS.13 A máticas recentemente verificadas pro-
comunicação precoce de TAC permite à porcionaram um aumento do número
autoridade de saúde desenvolver a in- de situações relacionados com a lagar-
vestigação epidemiológica necessária, ta do pinheiro. Estas lagartas libertam
de forma a actuar em tempo útil para milhares de pêlos contendo uma proteí-

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na, a taumatopoína, que pode causar ta temperatura.


reacções alérgicas, de gravidade variá- Não existe uma publicação que reú-
vel, no homem e animais e que habi- na as orientações relativas à actuação
tualmente se manifestam clinicamente ideal a ter perante cada DDO,7 existin-
sob a forma de urticária, olho vermelho do apenas algumas orientações técni-
e edema periorbitário, e dificuldade res- cas da DGS relativas a certas doenças
piratória. Em ambiente urbano, este in- infecciosas. Porém, e tal como referido
secto impõe uma vigilância constante e anteriormente, cada caso de doença no-
combate urgente e atempado, o que tificada é um caso, e deve ser tratado,
consiste numa série de medidas de con- na actividade que é a vigilância epide-
trolo que impedem a sua proliferação. miológica das doenças transmissíveis
Estas medidas compreendem o impedi- de declaração obrigatória, segundo o
mento da reprodução das lagartas (a estado da arte, pelo médico de Saúde
efectuar entre Junho e Setembro); a uti- Pública.
lização de insecticidas nos primeiros es- Torna-se claro que a actuação dos
tádios de desenvolvimento das lagartas serviços de saúde pública, no âmbito da
(a efectuar entre Setembro e meados de prevenção e controlo das doenças trans-
Novembro); a destruição de ninhos (a missíveis, só é possível através do co-
efectuar até finais de Dezembro); e a nhecimento do padrão epidemiológico
destruição das lagartas na altura das destas doenças, o que apenas é exequí-
procissões (a efectuar de Janeiro a Abril, vel se delas tiver conhecimento na co-
conforme as regiões do País e as con- munidade, pelo que se reveste de extre-
dições do clima), e devem ser tomadas ma importância a sua declaração. Só
sempre que haja suspeita de lagarta de desta forma poderão os serviços de saú-
processionária. Nas escolas e outros lo- de pública agir em conformidade com
cais onde estejam presentes crianças as suas atribuições, salvaguardando a
deverá impedir-se o seu acesso à zona saúde da comunidade através de medi-
das árvores atacadas, sobretudo na al- das que visam a prevenção da doença
tura em que as lagartas descem da ár- e a promoção da saúde de todos os ci-
vore. Numa situação em ambiente es- dadãos.
colar que envolva uma ou mais crianças Resta salientar a importância, mui-
acometidas de reacção alérgica à pro- tas vezes olvidada por ambas as partes,
cessionária, o professor responsável de- duma eficiente articulação entre os mé-
verá encaminhar os casos para os ser- dicos de Medicina Geral e Familiar e os
viços de urgência e deverá ser ele a aler- médicos de Saúde Pública que, e ape-
tar a autoridade de saúde, de forma a sar da sua aparente proximidade no
que esta possa intervir no possível con- seio dos cuidados de saúde primários,
trolo das lagartas no local, o que depen- se encontram muitas vezes afastados
derá da altura do ano em que a situa- no que concerne às respectivas tarefas,
ção se verifique. Cabe ao médico assis- complementares, a desempenhar no
tente destes casos a avaliação e insti- âmbito da vigilância epidemiológica das
tuição da terapêutica adequada. Os doenças transmissíveis, esquecendo
sintomas são habitualmente transitó- também, dessa forma, o objectivo últi-
rios e desaparecem em menos de 24 mo, e comum, que é a saúde das popu-
horas, embora reacções anafilácticas lações.
possam ocorrer. Convém sempre refe-
rir que as peças de roupa deverão ser
lavadas a uma temperatura igual ou
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
superior a 60º, uma vez que a tauma-
topoína só é desnaturada a partir des- 1. Lei nº 2036, de 9 de Agosto de 1949,

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da Presidência da República. «Diário do Saúde Primários.


Governo - I Série», p. 559-60. 9. Circular Normativa nº 3/DSIA, de 30
2. Erme MA, Quade TC. Epidemiologic de Março de 1999. Ministério da Saúde.
surveillance. In: Breslow L, Goldstein B, Direcção-Geral da Saúde.
Green LW, Keck CW, Last JM, McGuinnis 10. Last J. A Diccionary of Epidemiology.
M, editors. Encyclopedia of Public Health. 2nd ed. New York: Oxford University Press;
USA: Macmillan Reference; 2002. Disponível 1988.
em: URL: http://health.enotes.com/public- 11. Decreto Regulamentar nº 3/95, de 27
health-encyclopedia/epidemiologic- de Janeiro. «Diário da República - 1ª sérieB»,
surveillance [acedido em 18/03/2007]. p. 500.
3. Decreto-Lei nº 286/99, de 27 de Julho. 12. Sistema de Alerta e Resposta Apro-
«Diário da República - 1ª série A», p. 4690. priada. Divisão das doenças transmissíveis.
4. Portaria nº 1071/98, de 31 de Meningites - Normas de procedimento. 2ª ed.
Dezembro. «Diário da República - 1ª série B», Lisboa: Direcção-Geral da Saúde; 1999.
p. 7381. 13. Circular Normativa nº 14/DT, de 9 de
5. Circular Informativa nº 7/DSIA, de 24 Outubro de 2001. Ministério da Saúde.
de Março de 1999. Ministério da Saúde. Direcção-Geral da Saúde.
Direcção-Geral da Saúde. 14. Circular Informativa nº 22/DT, de 9
6. Portaria nº 258/2005, de 16 de Março. de Outubro de 2001. Ministério da Saúde.
«Diário da República - 1ª série B». p. 2343. Direcção-Geral da Saúde.
7. Pina A. Portal de Saúde Pública.
Manual de controlo de doenças infecciosas
- Actuação preventiva perante um caso
clínico. [edição online] 1998. Disponível em:
URL: http://www.saudepublica.web.pt/04-
PrevencaoDoenca/DTDOmanual/manual.h Endereço para correspondência:
tm [acedido em 18/03/2007]. UOSP de Braga
8. Norma de Serviço nº 11/86/DTP/IS, Largo 12 de Dezembro, 5
de 18 de Dezembro de 1986. Ministério da 4705-259 Braga.
Saúde. Direcção-Geral dos Cuidados de E-mail: freitasmario@gmail.com

ABSTRACT
The infectious communicable diseases have been considered in the Portuguese legislation since
1949. Legislation has always been clear in attributing health authorities the generic competence
for epidemiologic surveillance. Such activities would be impossible without the collaboration of all
the entities for the tasks defined for each surveillance system. The notification is the first mea-
sure to be taken and that sets up the procedures considered necessary to control the infection accor-
ding to the state of the art. This epidemiologic control aims at breaking the chain of transmission
of infection and always implies different interventions. In some cases, the measures of the health
authority are an answer to a public health emergency.

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