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EDUCAÇÃO INTEGRAL NAS QUATRO LINHAS:

JOSÉ MOURINHO COMO PEDAGOGO

INTRODUÇÃO

O presente relato busca documentar brevemente a experiência do autor no trabalho


desenvolvido no turno integral de uma escola municipal, mais especificamente no
trabalho realizado através da prática do futebol com alunos do segundo e quinto ano
dos anos iniciais, visando o desenvolvimento de habilidades como: disciplina,
cooperação, responsabilidade e confiança. O relato irá abordar o início do turno
integral na escola, o trabalho inicial do futebol como instrumento pedagógico, as
dificuldades e progressos, a elaboração de uma interséries com anos iniciais, e
posteriores consequências e resultados do trabalho ao final do ano, extrapolando ao
âmbito apenas do público do integral. José Mourinho, mencionado no subtítulo, é
um treinador português de futebol que serviu de referência para o autor do texto na
abordagem com os alunos.

FUTEBOL: ORGANIZAÇÃO E DISCIPLINA

I turn good players into great players, and great teams into champions
(Eu torno bons jogadores em grandes jogadores, e grandes times em campeões).
José Mourinho, 2022. Tradução nossa.

Ao iniciar o trabalho no turno integral, compreendendo os segundos e quintos


anos, no período do “meio-dia” (compreendendo o fim do período de aula pela
manhã, onze horas e cinquenta minutos, hora do almoço por volta de meio dia e
dez, meio dia e vinte, até o início das aulas da tarde, às treze e vinte), fiquei
encarregado das atividades dirigidas envolvendo os meninos. Devido ao grande
interesse da maioria deles pelo futebol, utilizamos a quadra durante esse período
para realizar esse esporte.
Logo nos primeiros momentos observando os alunos jogarem, percebi a
maneira desorganizada como jogavam: não utilizavam as linhas de fundo, ou seja,
sem laterais, continuavam a disputa da bola, ao acontecer um gol, a bola não era
levada ao meio de campo, simplesmente se saía jogando livremente, em lance de
falta, independente da área do campo em que ocorreu, os alunos cobravam como
se fosse pênalti, além das constantes brigas e desentendimentos, seja pelos
motivos mais diversos, desde frustração com um gol ou dividida até provocações
que facilmente saíam do controle.
Frente a esse cenário, logo percebi que meu trabalho deveria começar do
mais básico: as regras do futebol. Foi preciso ser muito enfático nesse quesito,
reforçando a todo momento durante as partidas essas regras, os alunos do quinto
ano internalizaram as normas muito depressa, com o segundo ano foi necessário
maior insistência, no entanto havia o progresso, mesmo que lentamente. Mas não
apenas as regras, o pilar do meu trabalho e que sempre o retomava era: futebol
necessita de organização, disciplina e comunicação. Com o segundo ano, muito
trabalho foi direcionado para trabalhar a convivência entre os estudantes, havia sim
qualidade no quesito futebol, com notável destaque para alguns, mas demonstrando
de maneira geral que todos gostavam e jogavam o esporte com frequência. Com o
quinto ano, bem resolvida essa parte da convivência, foi possível adentrar a fundo
no estudo e treino do futebol para além das meras regras, possibilitando o estudo de
táticas e organização.
Ensinei para o quinto ano, reforçando através de exemplos reais, noções de
marcação alta, baixa, e equilibrada, as vantagens e desvantagens de cada uma, e
cobrei para que pensassem nisso no momento do jogo, definindo o que, como time,
eles escolheriam como tática mais adequada. Esse ensino teórico foi reforçado com
treinos práticos, de marcação, faltas, escanteio, cobrança de pênaltis, um contra
um, entre outros. Posteriormente, trabalhamos posicionamento em campo e suas
respectivas funções, ressaltando a importância de cada um cumprir seu papel e se
comunicar como time para atingir os objetivos. Reparando o empenho e foco dos
alunos nas atividades propostas, sugeri a ideia de realizar uma partida contra o
sexto ano, que inicialmente foi recebida com receio, os alunos tinham medo de
enfrentar o sexto ano devido à qualidade e tamanho dos alunos. Entra aqui mais um
aspecto a se trabalhar: confiança.
Fui alimentando essa ideia e conversando com os alunos do quinto ano sobre
esse medo, afirmei que por melhor que fossem os jogadores do sexto ano, eles não
eram jogadores do Real Madrid, ou seja, não eram tudo aquilo que o medo dizia.
Para os alunos, o grande foco obviamente era jogar a partida e vencer, no entanto
não era o meu, o que estava em jogo para mim era que eles fossem capazes de se
desafiar e encarar esse medo. Eu valorizei isso acima de qualquer resultado.
Os alunos do quinto ano também aprenderam outro aspecto importantíssimo:
responsabilidade. O integral funcionava em quatro dos cinco dias da semana, em
dois deles, o quinto ano ficava junto com o segundo ano, foi assim que os alunos do
quinto serviram como meus assistentes dentro de campo. Já enfatizei o
comportamento turbulento do segundo ano em relação à convivência, e ao falar
desse comportamento para os alunos do quinto, mencionei que pelo fato de serem
maiores e estarem na última etapa dos anos iniciais, eles servem de modelos para
os que vêm pela frente, dessa forma possuem uma grande responsabilidade. É com
essa responsabilidade que disse pra eles orientarem o segundo ano em campo,
ajudando, dando exemplo, e reforçando a importância da boa convivência para um
bom jogo.
Convivência também foi algo que eu me envolvi. No momento do almoço, me
sentava junto aos alunos, em especial os alunos que treinavam no futebol. Esse era
um momento importante de descontração, descanso, humor e criação de vínculo,
nesse momento que eu e os alunos conversávamos sobre os mais diversos
assuntos, nos conhecendo e possibilitando, progressivamente, uma fraternidade.
Sempre fui muito exigente na quadra em relação aos treinos, às regras, e ao
comportamento, mas ao mesmo tempo descontraído, afetivo e compreensivo, e da
mesma maneira que eu exigia também sabia reconhecer os méritos, dedicação e
evolução de cada um. Aqui, muito além de colegas, estava se formando um time,
com companheirismo, responsabilidade, diálogo e dedicação. E, claro, a relação
alunos-professor, jogadores-treinador, se fortalecia com um poderoso vínculo de
confiança, compromisso e respeito.

INTERCLASSE: COMPETIÇÃO, EXPERIMENTAÇÃO E ANÁLISE DO


PROGRESSO DO INTEGRAL

Com os progressos destacados acima, conversando com o coordenador do


turno integral a respeito da realização do jogo do quinto ano contra o sexto ano, foi
sugerida a ideia de realizar uma interclasse com os anos iniciais. Do primeiro ao
sexto ano, organizamos jogos dividindo em três categorias, para ser justo com as
devidas faixas etárias: primeiro contra segundo ano, terceiro contra quarto, e quinto
contra sexto. O chaveamento ficava entre, por exemplo, primeiro A contra primeiro
B, o vencedor ia pra final contra o vencedor da outra partida, segundo A contra
segundo B, assim fechava uma categoria com a turma campeã.
Com a aprovação da coordenação, passamos nas turmas para avisar da
realização do torneio, das regras, e ajudar a elaborar os times. Cada turma deveria
ter um nome, um mascote, e uma bandeira. Esse torneio também era uma
experimentação, pois eu e o coordenador do turno integral não tínhamos certeza se
iria funcionar, mas tínhamos de tentar, mas para assegurar o funcionamento, fomos
muito enfáticos na elaboração e cumprimento das regras1. Tanto eu como as
professoras das turmas ficamos muito surpresos e impressionados com a
empolgação e mobilização das turmas para o torneio, até mesmo daqueles que não
jogavam futebol.
O calendário e o clima foram contratempos para realizar os jogos, o
calendário pois era apertado devido ao fim do ano letivo, o clima pois, quando
chovia muito, a quadra ficava alagada, impossibilitando a realização dos jogos
previstos. Porém, felizmente, foi possível a realização dos jogos e, melhor ainda,
com o comportamento adequado por parte dos alunos. O comprometimento e
dedicação dos alunos foi admirável, até mesmo os alunos do segundo ano, que eu
temia que o comportamento impulsivo explodisse em algum conflito durante o jogo,
atuaram de maneira exemplar nos jogos. Outro fator muito positivo durante essa
interséries foi a participação de alunos dos anos finais como “técnicos” das equipes.
Alguns dos alunos do oitavo ano se dispuseram a vir na escola durante a realização
dos jogos para treinar as equipes e orientá-las em campo, reforçando aquele fator
de modelo e responsabilidade, além do estabelecimento de vínculos com os alunos
e com a escola como um lugar pelo qual os alunos atuam ativamente, não apenas
passivamente.

JOSÉ MOURINHO: TREINADOR, MODELO, PEDAGOGO

José Mourinho é um treinador de futebol português muito reconhecido na


Europa pelo seu estilo de jogo, sua personalidade provocativa e, claro, sua trajetória
multi-campeã, sendo campeão em quase todo lugar por onde passou. Cabe dar um

1
Isso se deve principalmente à faixa etária dos anos iniciais, sendo mais emotiva e também mais
“pavio curto”, claro que não está se generalizando, mas dentro da realidade dessa escola, era um
fenômeno recorrente. Por isso o cumprimento das regras não apenas era exigido, como era condição
para os alunos poderem participar.
breve contexto de sua carreira como treinador para que depois possamos explicitar
o motivo pelo qual sua figura foi de extrema importância para o desenvolvimento do
meu trabalho no integral. José Mourinho tem seu nome elevado ao reconhecimento
mundial em 2004, quando foi técnico do FC Porto, de Portugal, este reconhecimento
se deve ao “simples” fato de ter levado o FC Porto, com um elenco limitado e
desprovido de qualquer favoritismo, a ser campeão da Liga dos Campeões da
Europa daquele mesmo ano, superando desafios colossais como eliminar o
Manchester United de Alex Ferguson2 em pleno Old Trafford3.
Após esse feito extraordinário, foi anunciado em 2005 como treinador do
Chelsea, time inglês que tinha sido comprado por um grande magnata russo e com
o objetivo de formar uma grande equipe. Em sua primeira coletiva, Mourinho ficou
conhecido como “a special one” devido a sua fala que justificava sua contratação
dizendo que ele não era qualquer um, era campeão europeu, portanto era um
técnico especial. Logo em sua primeira temporada pelo clube, foi campeão do
campeonato inglês batendo recordes, na temporada seguinte repetiu o feito,
provando que, de fato, era um técnico especial, até hoje sendo ídolo no time inglês.
Sua personalidade provocativa, arrogante, se mostrou clara nesse período na
Inglaterra, tendo constantes conflitos com a imprensa e com outros técnicos.
Seu próximo desafio foi na Itália, comandando a Internazionale de Milão, aqui
mais uma vez Mourinho cravou seu nome na história ao ganhar, em 2010, a triplete:
campeonato italiano, copa da Itália, e Liga dos Campeões da Europa, sendo esse
último seu segundo título. Essa conquista também seguiu, em partes, a fórmula da
anterior conquistada com o FC Porto, Mourinho detinha um time bom, mas com
muitos jogadores passados do auge, com idade considerada avançada, e
novamente não era considerado favorito. No entanto, foi com essa equipe que
Mourinho estabeleceu um espírito aguerrido e uma defesa intransponível que
sedimentou sua habilidade em criar sistemas defensivos eficientes. Foi com essas
qualidades que Mourinho mais uma vez superou outro desafio colossal, eliminou o
poderoso Barcelona de Pep Guardiola4 em pleno Camp Nou5. Mesmo com um time
2
Treinador mais vitorioso do futebol britânico e um dos ídolos máximos do Manchester United,
ganhando diversos títulos pelo clube, e criando times lendários. É o responsável pela contratação de
Cristiano Ronaldo para o Manchester United, o resto é história.
3
Estádio do Manchester United, apelidado de “O teatro dos sonhos”.
4
Mais um dos grandes treinadores europeus, famoso por seu Barcelona avassalador de Messi,
Iniesta, Xavi e tantos outros. Aterrorizou a Europa com a tática tiki-taka, domínio da posse de bola e
toques rápidos para envolver o adversário.
5
Estádio do Barcelona
inferior tecnicamente, o poderoso time culé não foi páreo para a defesa quase
perfeita do time italiano.
A trajetória de Mourinho seguiu, mas para não nos delongar muito e focarmos
no que nos é importante, iremos encerrar essa recapitulação por aqui. Como já
destacado, as maiores conquistas de Mourinho, as duas Liga dos Campeões da
Europa, chamam atenção pelo modo qual foram vencidas, com times limitados,
longe do favoritismo, e enfrentando equipes superiores taticamente e
financeiramente. Além, é claro, do fator tático que Mourinho elaborou para esses
times, possibilitando chegarem tão longe e superar times superiores, há outro fator
crucial: confiança, união e mentalidade.
Esses times do treinador compensam suas limitações com esses fatores
extracampo, por mais desafiador que fosse o adversário, os jogadores davam a
alma em campo e mantinham a confiança em suas capacidades, isso somado a
uma equipe que era verdadeiramente unida como um time, criou esses elencos
históricos. Mentalidade sempre foi uma grande exigência de Mourinho para seus
jogadores, sendo um dos seus focos a criação de uma mentalidade vencedora, com
essa mentalidade implantada e o cumprimento da parte tática, a vitória era questão
de tempo.
A própria postura provocativa e arrogante de Mourinho fazia parte de jogos
mentais, como o próprio treinador já explicou, através de declarações, provocações,
o treinador atrai o foco das críticas e os holofotes para ele, deixando sua equipe
livre da atenção, provando ser além de um grande técnico, um grande líder, sendo
idolatrado por muitos de seus ex-jogadores até hoje, a exemplo de uma fala de John
Terry, jogador ídolo do Chelsea que afirmou, que por Mourinho, deixava o campo
dentro de um caixão se fosse preciso.
Frente a essas características de Mourinho que me inspirei nele como
modelo na minha postura no trabalho do integral com o futebol, tentando fazer dos
métodos do treinador português uma certa pedagogia, sendo esses métodos meus
“planos e didática”, e a quadra, a mesa do almoço, a arquibancada a minha “sala de
aula”.

PARA ALÉM DO INTEGRAL: FUTEBOL COMO PEDAGOGIA E FORMAÇÃO


HUMANA
Com meus alunos no integral, fiz questão de transformá-los em um time,
tanto no sentido tático do termo como no comportamental e relacional. Já mencionei
como foi obtido grandes progressos nesse sentido, os alunos que não conseguiam
seguir regras, jogar uma partida sem brigas constantes, agora eram capazes de
participar de um torneio na frente de toda a escola, jogando bem e se comportando
bem também. Até os alunos do segundo ano conseguiram a evolução, mesmo que
mais lenta, a ponto de na véspera do jogo do segundo A contra segundo B, um dos
alunos de cada time6 (como se fosse o capitão), vieram me mostrar o esquema
tático que eles armaram, com posições e funções de cada um definidas, vindo pedir
até sugestões. Fiquei extremamente surpreso e orgulhoso, confesso que não
imaginava que isso fosse ocorrer partindo deles espontaneamente, pois uma coisa
era ensinar eles sobre isso e cobrar nos treinos, mas não esperava que fossem
sentar, pensar, e elaborar visando um jogo.
O quinto ano jogou contra o sexto, eles não sabiam, mas meu foco principal
nunca foi eles ganharem e aplicar uma goleada no sexto ano, o meu foco era que
encarassem esse medo que tinham do adversário e colocassem a cara a tapa, pois
se eles não jogassem, jamais ganhariam mesmo, agora se jogassem, a
possibilidade era de ganhar ou não ganhar, mas ganhar virava uma possibilidade.
No melhor estilo José Mourinho, cobrei confiança e mentalidade, eu queria que eles
entrassem em campo acreditando em si mesmos, em suas habilidades, e não que
entrassem já acovardados, pois isso já era meia derrota. Disse que o problema não
era sentir medo, todos sentimos, o problema é ser paralisado pelo medo, essa
paralisação que pode nos impedir de vencer o medo e alcançar potenciais que nem
imaginamos ter.
No jogo, a tática foi montada visando enfrentar aquele time do sexto ano, que
de fato, era muito bom. Devido à qualidade e força bruta do sexto, o jogo do quinto
era ser uma defesa sólida com transição rápida para o ataque, embora o quinto
estava desfalcado de seu goleiro, tendo que improvisar com outro jogador. Logo no
início o quinto teve chance de abrir o placar em chance clara, porém desperdiçada.
Frente à posse de bola e ofensiva do sexto, a marcação estava impecável, falhando
apenas por uma desatenção ao fim do primeiro tempo, ocasionando o primeiro gol
do sexto. Mesmo frente a isso o time não desanimou e seguiu disputando, mas

6
Interessante ressaltar que eles eram irmãos, um do segundo A e outro do segundo B.
acabou levando mais dois gols, novamente por desatenção e não por uma
inferioridade gigantesca como se imaginava. O placar de 3 a 0 aparentemente
mostra um péssimo jogo para o quinto, aparentemente, pois o placar não refletiu o
que aconteceu em campo. O grande problema foi não encaixarem o jogo previsto, o
cansaço físico, e a desatenção em momentos cruciais. Entretanto, a entrega que eu
vi em campo me deixou muito satisfeito e orgulhoso, os meninos jogaram com raça,
entrega e disputa em cada dividida, entrega inclusive que rendeu dois alunos se
lesionando na partida, o que também afetou no rendimento7, e mesmo lesionados
seguiram jogando para não desfalcar o time.
Se o jogo não trouxe a vitória, trouxe ensinamentos duradouros e valiosos. O
jogo foi perdido não pela superioridade invencível do sexto ano, mas por erros
pontuais, inclusive tendo a chance de abrir o placar logo no início, o que poderia
fazer o jogo ser outro, ou seja, o quinto ano competiu, ofereceu dificuldades e não
entrou derrotado. A tática foi a correta, no entanto mal executada, mostrando que
necessita mais treinamento para concretizá-la, mas essas falhas se apresentam
para que possam ser corrigidas com o tempo. E o mais importante, mesmo com a
esperada decepção pela derrota no pós jogo, a sensação que pairava não era de
tristeza ou humilhação, mas uma gana de jogar de novo e tentar mais uma vez. Não
havia mais medo, apenas motivação para tentar novamente. Em minha conversa
com os alunos pós jogo, disse a eles como estava orgulhoso e satisfeito com o que
mostraram, e que se não veio hoje, a vitória pode vir no futuro, eles tem mais quatro
anos pela frente jogando contra aqueles adversários. Mas exigi deles mais uma
coisa: queixo alto8, não queria eles envergonhados ou de cabeça baixa, pois eles
tinham que se orgulhar de terem superado os seus próprios obstáculos e seguir em
frente para tentar de novo, seja no futebol ou na vida, caiu? Se levanta e tenta de
novo.
Ainda me cabe contar mais um relato, esse extrapola os alunos do integral e
evidencia mais uma vez o futebol como instrumento pedagógico. Nessa escola,
acompanhei uma turma de anos iniciais como monitor desde o fim de 2021 até fim
de 2023, acompanhando os pequenos desde o primeiro ano (2021), segundo ano
7
Os alunos do sexto, em divididas, por seu físico mais robusto acabaram causando tais lesões,
embora não intencionais.
8
Referência a um gesto icônico de José Mourinho para a torcida adversária quando o Chelsea
perdeu o título da liga para o Manchester United ao empatar com o Arsenal. Mourinho fez o gesto
apontando pro queixo, significando queixo alto, e apontando para seu time. Eles saem de cabeça
erguida.
(2022) e terceiro ano (2023) dos anos iniciais, construindo uma relação intensa de
afeto, confiança e muito aprendizado. Quando anunciei a realização das interséries
para eles, fiquei encarregado de treinar eles para os jogos, foi uma oportunidade de
condensar aqueles ensinamentos do integral e aplicá-los para esse terceiro ano B.
O time da turma era bom, com potencial, mas desorganizado, mas dava pra
competir com toda certeza. Treinei com eles tudo aquilo que desenvolvi no integral,
desde táticas até os aspectos de organização e disciplina.
Na primeira partida, contra o terceiro ano A, a turma e os jogadores estavam
empolgados mas também nervosos, elaborei um esquema para o time e expliquei
aos alunos que iam jogar. No entanto, logo ao iniciar a partida, a equipe do terceiro
B se desorganizou devido ao nervosismo e começou levando dois gols, depois
conseguiram empatar em 2 a 2. Perto do fim da partida levaram o terceiro gol, mas
logo empataram, quase no lance final, fim de jogo 3 a 3, decisão por pênaltis. Da
arquibancada orientei eles para que ficassem tranquilos e confiassem em si
mesmos na hora de chutar. De 5 penalidades, o terceiro B converteu 3 contra
nenhuma do terceiro A, os classificando para a final contra o quarto A, que venceu o
quarto B.
No pós jogo, parabenizei a equipe pela vitória, mas também dei um “puxão
de orelha” pela desorganização, e ressaltei que para a final não era possível mais
depender apenas da raça, e teríamos de trabalhar esse fator que ficou deficiente.
Logo ao descobrirem que a final era contra o quarto ano, logo os alunos se
encheram de pensamentos negativos como “já perdemos”, “agora acabou”. Logo de
cara já inibi a continuação dessa mentalidade e tive uma conversa meio
“terapêutica”, parecida com a que tive com o quinto ano em relação ao sexto.
Reiterei aqueles aspectos de confiança, medo e mentalidade que já explicitei
anteriormente, e organizei uma nova tática para enfrentar o quarto ano, que sim,
tinha um time muito bom.
A tática era defensiva e apostava no contra ataque, na hora do jogo, fiz uma
preleção final motivando os alunos e reforçando a mentalidade, confiança e o
cumprimento das funções. Dessa vez, eles cumpriram a tática como designado, o
time estava impecável defensivamente, fazendo com que mesmo com sucessivos
ataques e chutes, o quarto ano A não conseguiu nenhuma finalização ao gol. O
terceiro B poderia ter aproveitado alguns contra-ataques para abrir o placar,
entretanto foram desperdiçados, 0 a 0 no placar, penalidades novamente. Nessa
disputa, a aflição ficou até o último pênalti, cobrado pelos goleiros, com o
desperdício da cobrança do goleiro do quarto A, o placar final de 5 a 4 dava a vitória
e o título ao terceiro B.
Muito além de um título, essa vitória teve impactos grandiosos na confiança,
auto-estima e comportamento dos alunos, inclusive fortaleceu minha figura de
modelo e referência para eles, fui apelidado de treinador e constantemente era
perguntado quando iríamos treinar novamente, mesmo a intersérie tendo atingido
seu fim, mas para eles, acho que isso era apenas detalhe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente a essas experiências, essas vivências, pude evidenciar como o


futebol, atividade de grande interesse dos alunos daquela escola, pode ser uma
poderosa ferramenta pedagógica para formar habilidades e comportamentos que
são fundamentais não só na escola como na vida. Uma bola, quatro linhas, dois
times e duas goleiras, por detrás dessa aparência superficial, se for observado com
um olhar cuidadoso, atento, pode-se perceber um campo de enormes
possibilidades, aprendizados, cujo título não é um caneco, mas uma profunda
mudança na vida dos sujeitos envolvidos. Mas esse olhar não é compartilhado por
todos, é o olhar de quem consegue transformar times bons em campeões, é o olhar
de quem consegue ver a educação muito além da sala de aula, é o olhar dos
Special ones.

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