Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Marcelo Carcanholo - As Aventuras de Karl Marx Contra A Pulverização Pós-Moderna Das Resistências Ao Capital
Marcelo Carcanholo - As Aventuras de Karl Marx Contra A Pulverização Pós-Moderna Das Resistências Ao Capital
1
Michael Löwy, As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo
R
74 M A R G E M E S Q U E R D A 13
CUNHA BARUCO
produtivo a sua lógica fundante, como na época moderna. Estaria
muito mais ligada ao crescimento do setor de serviços e à exacer-
bação do consumo3.
O individualismo seria, assim, uma de suas características, o que
redefine uma importância para o que se chama micrologia do coti-
DA
diano, isto é, às distintas e heterogêneas microidentidades da vida
GRASIELA CRISTINA
cotidiana. Esse individualismo teria nascido com o modernismo, mas
seria exagerado, de forma narcisista, na realidade pós-moderna.
Dessa forma, cada microidentidade teria como perspectiva política
a atuação voltada aos diversos e específicos modos de opressão e
poder que atingem esses distintos e autônomos campos da vida so-
cial. A origem da defesa pós-moderna das contestações fragmentadas
está no rechaço que essa forma de pensamento promove a qualquer
E
realidade social.
2
A esse respeito ver Deise Mancebo, “Contemporaneidade e efeitos de subjetivação”, em Ana
Mercês Bahia Bock (org.), Psicologia e o compromisso social (São Paulo, Cortez, 2003); e Virgínia Fon-
tes, Reflexões im-pertinentes: história e capitalismo contemporâneo (Rio de Janeiro, Texto, 2005).
3
É exatamente o que fazem Michael Hardt e Antonio Negri, Império (Rio de Janeiro, Record,
2001), cap. 3.4, ao assumirem que a pós-modernidade se caracteriza pela passagem do paradigma
industrial para o dos serviços e da informação, no que eles chamam de informatização.
AS AV E N T U R A S D E KARL MARX C O N T R A A P U LV E R I Z A Ç Ã O P Ó S - M O D E R N A DA S R E S I S T Ê N C I A S AO C A P I TA L 75
4
Alex Callinicos, em seu Contra el postmodernismo: una crítica marxista (Bogotá, El Ancora, 2003),
disponível na internet em <http://www.socialismo-o-barbarie.org/actualizaciones_formacion/
formacion.htm>, identifica na origem desse tipo de pensamento uma mescla entre três fontes:
movimento artístico pós-moderno, em contraposição dialética com as bases da arte moderna;
filosofia pós-estruturalista, principalmente as ideias de Deleuze, Derrida e Foucault; e a noção
do que seria uma sociedade pós-industrial.
5
“É essa análise do porquê dos saberes que pretende explicar sua existência e suas transfor-
mações situando-o como peça de relações de poder ou incluindo-o em um dispositivo político,
S
que em uma terminologia nietzscheana Foucault chamará ‘genealogia’.” Cf. Roberto Machado,
O
“Introdução: por uma genealogia do poder”, em Michel Foucault, Microfísica do poder (23. ed.,
G
6
Ibidem, p. 12.
T
7
Ibidem, p. 13: “[...] entendendo-se mais uma vez, que por verdade não quero dizer ‘o
R
conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou fazer aceitar’, mas o ‘conjunto das regras
A
76 M A R G E M E S Q U E R D A 13
CUNHA BARUCO
na definição dos mecanismos de poder quem o exerce? Para Foucault,
ele se exerce em todo espaço: ninguém é propriamente dono do po-
der, ele é genuinamente difuso; não se sabe ao certo quem o detém,
embora se possa saber quem não o detém.
DA
GRASIELA CRISTINA
segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos espe-
cíficos de poder’”.
8
Isso não significa que o poder e o Estado, para Marx, sejam meras correias de transmissão
do domínio de uma classe perante a outra, ainda que essa concepção se apresente, em maior
ou menor grau, em algumas interpretações que se pretendem marxistas. De fato, o poder e
o Estado, dentro de uma sociedade capitalista, estão inseridos em uma lógica de dominação/
exploração de uma classe que vive do seu trabalho por outra que vive do trabalho alheio,
E
mas isso não permite desconsiderar as contradições internas e/ou fracionamentos dentro
MARCELO DIAS CARCANHOLO
das próprias classes sociais, da estrutura de poder e do Estado. A sociedade capitalista não é
um reflexo perfeito da contradição capital-trabalho em todas as suas instâncias, mas, a partir
dessa contradição fundamental do capitalismo, constitui-se como um complexo de comple-
xos, obviamente dialéticos. Ver Antonino Infranca, Trabajo, individuo, historia: el concepto de
trabajo em Lukács (Caracas, Monte Ávila Editores Latinoamericanos, 2006), cap. IV.
9
Desde já é salutar o alerta de que, para uma análise marxista mais robusta e condizente com
a dialética marxista, não existe essa interpretação direta e rasteira da determinação linear da
estrutura sobre a superestrutura. O que parece, em muitas passagens de Foucault, é que ele
está tratando certo tipo de marxismo, realmente reducionista e vulgar, próprio da época em
que pensava esse autor, como se fosse o pensamento de Marx e/ou de qualquer perspectiva
marxista possível.
AS AV E N T U R A S D E KARL MARX C O N T R A A P U LV E R I Z A Ç Ã O P Ó S - M O D E R N A DA S R E S I S T Ê N C I A S AO C A P I TA L 77
10
“Foucault rejeita o marxismo como saber inscrito na racionalidade de mundo ocidental e
trata de mostrar que este saber constrói um sistema de poder que ele mesmo, Foucault, não
pode senão recusar.” Roberto Nigro, “Foucault lecteur et critique de Marx”, em Jacques Bidet
e Eustache Kouvélakis (orgs.), Dictionaire Marx contemporain (Paris, PUF, 2001), p. 434.
11
Michel Foucault, Microfísica do poder, cit., p. 172.
12
“El poder no es unitario, sostiene, y consiste en una multiplicidad de relaciones que infiltran
la totalidad del cuerpo social. Por ello, es imposible asignar una prioridad causal a la base
económica, como lo hace el marxismo. Más aún, el poder es productivo: no opera median-
te la represión de los individuos y no circunscribe sus actividades, sino que las constituye.
Foucault ilustra lo anterior, primordialmente, en las instituciones ‘disciplinarias’ tales como
la prisión, creada a comienzos del siglo XIX. Por último, el poder suscita por necesidad una
S
oposición, una resistencia, si bien tan fragmentaria y descentralizada como las relaciones de
O
poder que combate” (Alex Callinicos, Contra el post modernismo, cit., cap. 3, p. 11). Deve-se
G
destacar o caráter profundamente crítico que Callinicos imprime a esse tipo de pensamento
I
em sua obra.
T
13
É fundamental notar que, nessa passagem, Foucault está endereçando a crítica também, em
R
78 M A R G E M E S Q U E R D A 13
14
Michel Foucault, Microfísica do poder, cit., p. 172.
15
David Harvey, Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural (16
ed., São Paulo, Loyola, 2007), p. 51-2.
16
Michel Foucault, Microfísica do poder, cit., p. 8.
AS AV E N T U R A S D E KARL MARX C O N T R A A P U LV E R I Z A Ç Ã O P Ó S - M O D E R N A DA S R E S I S T Ê N C I A S AO C A P I TA L 79
17
“No holismo, os indivíduos empíricos são, sobretudo, representados como identidades
posicionais, isto é, como identidades cujo valor é dado pelo lugar que ocupam na hierarquia es-
tratificada da sociedade; no individualismo, forma hegemônica das sociedades ocidentais, o valor
da identidade individual é dado, sobretudo, pela ideia de autonomia do sujeito em relação ao
todo.” Cf. Deise Mancebo, “Indivíduo e psicologia: gênese e desenvolvimentos atuais”, em Ana
S
Maria Jacó-Vilela e Deise Mancebo (orgs.), Psicologia social: abordagens sócio-históricas e desafios
O
18
Ellen Meiksins Wood, em seu Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo
I
histórico (São Paulo, Boitempo, 2003), prefere chamá-las de terreno das contestações extra-
T
econômicas.
R
19
Ibidem, p. 236.
A
80 M A R G E M E S Q U E R D A 13
20
Ibidem, p. 232.
21
“Karl Marx (1818-1883) procura estabelecer um ponto concreto, calcado na vida material,
a partir do qual se poderia definir o processo histórico. Considera os homens não a partir
AS AV E N T U R A S D E KARL MARX C O N T R A A P U LV E R I Z A Ç Ã O P Ó S - M O D E R N A DA S R E S I S T Ê N C I A S AO C A P I TA L 81
dos valores aos quais aderem, mas a partir da forma social de produção e reprodução na qual
se inserem. É a organização da vida social, o que, para ele, permite explicar a emergência e
a generalização de determinados valores, e não o contrário.” Cf. Virgínia Fontes, “História e
verdade”, em Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta (orgs.), Teoria e educação no labirinto do
capital (Petrópolis, Vozes, 2001), p. 126.
22
Essa é a base categorial em Marx para uma teoria das classes sociais, mas está longe de dar
conta de toda a complexidade do assunto, especificamente dos diferentes níveis de mediação
entre as distintas frações de classe. O debate marxista acerca do tema é extenso, e se torna ainda
mais complexo pelo fato de Marx, no capítulo LII do livro III de O capital, que trata justamente do
assunto, terminar a escrita, após algumas pistas, sem fornecer sua resposta. Um bom tratamento
da questão pode ser encontrado em Daniel Bensaïd, Marx, o intempestivo: grandezas e misérias
de uma aventura crítica (séculos XIX e XX) (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1999), segunda
parte, especialmente o capítulo 4.
23
Os discursos que tratam a “sociedade civil”, as ONGs, o “terceiro setor”, como únicas formas
de confronto social caem nas mesmas armadilhas porque “[...] oscurecen la profunda división de
clases, la explotación y la lucha clasista que polarizan la ‘sociedad civil’ contemporánea. Aunque
analíticamente inútil y engañoso, el concepto de ‘sociedad civil’ facilita la colaboración de las or-
ganizaciones no gubernamentales con los capitalistas que financian sus instituciones y les permite
orientar a sus proyectos y seguidores hacia relaciones subordinadas a los intereses de las grandes
empresas a la cabeza de las economías neoliberales.” Cf. James Petras e Henry Veltmeyer, El
Imperialismo en el siglo XXI: la globalización desenmascarada (Madri, Popular, 2002), p. 194. Isso
S
não significa que toda ONG seja funcional e esteja a serviço do capitalismo neoliberal; apenas que
O
considerar a luta fragmentada como única forma de confronto ao capital é, primeiro, afirmá-lo ao
G
invés de negá-lo, e, segundo, justamente esconder as diferenças ideológicas que existem entre
I
24
Fredric Jameson, “O pós-modernismo e o mercado”, em Slavoj Žižek (org.), Um mapa da
R
82 M A R G E M E S Q U E R D A 13
25
Ellen Meiksins Wood, Democracia contra capitalismo, cit., p. 229.
26
Ibidem, p. 241.
AS AV E N T U R A S D E KARL MARX C O N T R A A P U LV E R I Z A Ç Ã O P Ó S - M O D E R N A DA S R E S I S T Ê N C I A S AO C A P I TA L 83
27
Note-se que essa forma de colocar a questão está perfeitamente adequada ao discurso pós-
G
moderno, uma vez que não haveria mais um único sujeito histórico, mas vários, que representam
I
múltiplas e distintas identidades, conformando, portanto, alternativas, ao invés de uma única alter-
T
nativa totalizante. Colocar a questão no plural, e não no singular, não é meramente uma opção
R
84 M A R G E M E S Q U E R D A 13
28
Michael Hardt e Antonio Negri, Império, cit., p. 314-5.
29
É fundamental ressaltar já neste ponto a total incompreensão dos pós-modernos – embora
isso se estenda para outros tipos de interpretação, inclusive algumas “marxistas” – a respeito do
que é capital industrial, força de trabalho, trabalho produtivo e classe trabalhadora. Para esse tipo
de pensamento, capital industrial e indústria são sinônimos. Assim, só seria trabalho produtivo
aquele que fosse implementado no processo industrial e, portanto, a teoria do valor trabalho e a
E
classe trabalhadora, em Marx, só seria aquela ligada ao setor industrial. O que nem de longe se
MARCELO DIAS CARCANHOLO
aproxima do que Marx realmente entendia por essas categorias é algo que basta uma leitura nem
tão atenta assim da seção I do livro II de O capital. Ricardo Antunes, em Os sentidos do trabalho:
ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho (São Paulo, Boitempo, 2003), também trata do
tema, ainda que se sinta obrigado a falar da classe-que-vive-do-trabalho para representar a classe
trabalhadora na atualidade, quando bastaria, em nosso entendimento, o tratamento correto da
categoria trabalho produtivo em Marx.
30
“Cérebros e corpos ainda precisam de outros para produzir valor, mas os outros de que eles
necessitam não são fornecidos obrigatoriamente pelo capital e por sua capacidade de orquestrar
a produção.” Cf. Michael Hardt e Antonio Negri, Império, cit., p. 315. Tudo se passa como se
alguma(s) micrológica(s) pudesse(m) tornar-se independente(s) do processo de acumulação de
capital, ou seja, como se este deixasse de ser totalizante, ainda que em algum grau.
AS AV E N T U R A S D E KARL MARX C O N T R A A P U LV E R I Z A Ç Ã O P Ó S - M O D E R N A DA S R E S I S T Ê N C I A S AO C A P I TA L 85
31
“Na expressão de suas próprias energias criativas, o trabalho imaterial parece, dessa forma,
S
Antonio Negri, Império, cit. p. 315. Os autores conseguem, com isso, pensar a possibilidade de
G
um comunismo elementar (quase lógico), espontâneo, natural, isto é, a-histórico! Isso sim é uma
I
32
Marilena Chaui, Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas sob o signo do neo-
R
86 M A R G E M E S Q U E R D A 13
33
Essa dupla possibilidade de postura política a partir do pós-modernismo relaciona-se a “aquilo
que Habermas denomina pós-modernismo anárquico (desconstrucionismo e relativismo em des-
taque) e aquilo que ele chama de pós-modernismo conservador, a saber, que ambos despedem-se
E
dos fundamentos autoconscientes da razão que caracterizam o espírito moderno em sua origem,
MARCELO DIAS CARCANHOLO
AS AV E N T U R A S D E KARL MARX C O N T R A A P U LV E R I Z A Ç Ã O P Ó S - M O D E R N A DA S R E S I S T Ê N C I A S AO C A P I TA L 87
36
Desconsidera-se, obviamente, qualquer validade alternativa para aquilo que Hardt e Negri
chamaram de “comunismo espontâneo e elementar”.
37
O que é indevido aqui é justamente a associação direta e linear que se faz das experiências do
“socialismo real” com o socialismo enquanto projeto emancipatório. Que as experiências históricas
tenham construído formas de opressão – distintas das formas do Ocidente capitalista – não se
pode concluir que isso seja inerente a uma sociabilidade socialista. Esta última se caracterizaria,
S
O
entre outras coisas, pelo fato de que as relações sociais seriam diretas e não intermediadas, seja
pela troca de mercadorias (nas economias capitalistas), seja pela imposição de um Estado bu-
G
do caráter socialista dessas experiências. As referências aqui são muitas, mas pode-se consultar,
T
a título de ilustração, István Mészáros, Para além do capital: rumo a uma teoria da transição (São
R
88 M A R G E M E S Q U E R D A 13
38
Adolfo Sánchez Vázquez, “Posmodernidad, posmodernismo y socialismo”, Trabajo y Capital,
Montevideo, n. 3, 1992, p. 86.
39
Ibidem, p. 87.
AS AV E N T U R A S D E KARL MARX C O N T R A A P U LV E R I Z A Ç Ã O P Ó S - M O D E R N A DA S R E S I S T Ê N C I A S AO C A P I TA L 89
40
Ricardo Antunes, Os sentidos do trabalho, cit., p. 113-4.
R
41
Michel Foucault, Microfísica do poder, cit., p. 77-8.
A
90 M A R G E M E S Q U E R D A 13
42
Nestor Kohan, “Desafios actuales de la teoria critica”, cit., p. 25-6.
AS AV E N T U R A S D E KARL MARX C O N T R A A P U LV E R I Z A Ç Ã O P Ó S - M O D E R N A DA S R E S I S T Ê N C I A S AO C A P I TA L 91