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Ricardo César Gonçalves e Paulo Roberto Ceccarelli

O unheimlich e as transexualidades
Unheimlich and transexualities
Ricardo César Gonçalves
Paulo Roberto Ceccarelli

Resumo
O presente artigo aborda aspectos da temática das transexualidades e sua relação com o
Unheimlich (estranho) apresentado na teoria freudiana. Inicialmente, partimos de uma re-
visão bibliográfica dos escritos de Freud, buscando conceitos basilares para compreender o
masculino e feminino, bem como, os processos identificatórios. Em seguida, analisamos as
contribuições teóricas de Robert Stoller ao fenômeno transexual. Concluímos, reiterando que
o fenômeno transexual, eventualmente, causa em profissionais especializados um sentimento
de estranhamento, por reativar processos anteriormente recalcados. Por fim, entendemos que
as transexualidades se mostram como uma “solução”, uma forma de “sobrevivência psíquica”
(Mcdougall, 1997).

Palavras-chave: Unheimlich [estranho], Transexualidades, Clínica.

Espelho, espelho meu


Como reverter
Aquilo que você me deu?
Vou renascer
Desse reflexo que me encara
Essa cara que é minha sem ser
Z ên i te Astr a

Um breve percurso histórico Embora os anos 1950 tenham representa-


sobre as transexualidades do um aumento considerável de indagações
Apesar de sua notória partição nos debates sobre a transexualidade, o sentimento de ser
contemporâneos, o “fenômeno transexual” do outro sexo é tão antigo como qualquer
em si, não é novo. Já em meados de 1950, outra expressão da sexualidade humana. Em
emergiu um número significativo de pes- seu livro Psycophatia Sexualis, o psiquiatra
quisas sobre a temática. Provenientes das di- alemão Krafft-Ebing (1886) relata o caso de
versas partes do globo, essas pesquisas não um sujeito que afirmava comedidamente
demonstravam uma unanimidade sobre a que todo seu exterior era “masculino”, po-
temática. É válido destacar também, que as rém toda sua maneira de sentir e pensar era
diversas áreas do saber se debruçaram sobre “feminina”.
o tema, abrangendo desde a medicina positi- Evidentemente, a nomenclatura transe-
vista até a psicanálise pós-freudiana. xual manifestou-se fortemente apenas anos

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depois, no polêmico artigo denominado tarista como forma de dominação e adminis-


Psychopathia Trans-sexualis1 (1949), de auto- tração dos discursos sobre a sexualidade.
ria do Dr. Cauldwell, o termo “trans-sexua- A psicanálise, em um primeiro momento,
lism” é utilizado pela primeira vez (Cecca- empregou a descrição nosográfica da psico-
relli, 2017). Gradualmente, o termo “tran- se para caracterizar o fenômeno transexual.
sexualidade”2 foi ganhando espaço não ape- Stoller (1993, p. 206) comenta que: “Inicial-
nas na pesquisa acadêmica, mas também em mente, alguns analistas de 1950 descreviam
diversas áreas da mídia. o transexualismo como uma máscara para
Castel (2001) comenta que de uma situa- psicose”.
ção aparentemente “individual”, passou-se A despatologização das transexualidades
progressivamente, como atestam todos as se deu de forma lenta e gradativa. Em 2010
estatísticas dos países desenvolvidos, a um o Ministério da Saúde francês retirou o tran-
crescimento exponencial de demandas por sexualismo da lista de patologias mentais.
“mudança de sexo”. No Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS)
Stoller (1993, p. 220) reitera que: passou a realizar cirurgias de redesignação
sexual (transgenitalização) a partir de 2008.
Na época de 1950, certos jornalistas, comen- Além disso, o governou brasileiro também
taristas de televisão, produtores cinemato- passou a reconhecer o nome social no cartão
gráficos e editores uniram o exibicionismo nacional de saúde e em diversos documentos
de alguns pacientes e dos médicos em shows (Ceccarelli, 2017).
exóticos. Feitas as considerações iniciais do percur-
so histórico sobre esse enigma denominado
O debate sobre as transexualidades ga- transexualidade, elucidaremos algumas defi-
nhou ampla repercussão, embora não hou- nições teóricas que visem balizar nossa tra-
vesse consenso entre os teóricos. A forte jetória.
moralidade religiosa presente nesse período Sendo assim,
histórico condenava a mudança de sexo, vis-
to que destruiria a capacidade reprodutiva e [...] em transexualidade, o prefixo ‘trans’ su-
incentivaria a homossexualidade (Stoller, gere que se pode atravessar, passar através do
1993). Portanto, tais prerrogativas iriam con- corte da sexuação. O transexual seria, então,
tra a lei natural de Deus, logo se caracteriza- aquele que ‘viaja’ através da sexuação. (Cec-
riam como pecado. carelli, 2017, p. 19)
Novamente, o paradigma sexo e reprodu-
ção se faz presente, refletindo também a po- Contudo, é válido salientar que, diferente-
sição tecnicista e positivista vigente na majo- mente do mito de Tirésias,3 o transexual não
ritária classe médica (Foucault, 1985). Em “permuta” seu sexo. Ele troca as insígnias do
outras palavras, o discurso médico relacio- gênero pelas aparências externas presentes
na o termo “sexualidade” com a reprodução no outro sexo.
biológica, utilizando-se de uma lógica utili- Roudinesco e Plon (1998, p. 765) esclare-
cem:

1. Vale ressaltar que o título do artigo do Dr. D. O. Cauld- Somente o transexualismo leva o sujeito não
well provavelmente teve como inspiração o célebre trabalho
de Krafft-Ebing. apenas a mudar de estado civil, mas também
2. “Termo introduzido em 1953, pelo psiquiatra norte-a-
mericano Harry Benjamin, para designar um distúrbio pu- 3. Tirésias foi um famoso profeta cego de Tebas. Sua par-
ramente psíquico da identidade sexual, caracterizado pela ticularidade se dá pelo fato de ter passado sete anos trans-
convicção inabalável que tem um sujeito de pertencer ao formado em mulher. Ele também é um dos personagens da
sexo oposto” (Roudinesco; Plon, 1998, p. 764). Odisseia, de Homero.

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a transformar, através de uma intervenção ci- irmãos Karamazov, obras que reencenaram o
rúrgica, seu órgão sexual normal num órgão mito de Édipo, da tragédia de Sófocles. Essa
artificial do sexo oposto. Assim, o transexual construção teórica, que começa em uma das
masculino tem a convicção de ser uma mu- inúmeras cartas que Freud trocava com seu
lher, embora anatomicamente seja um ho- amigo Wilhelm Fliess, perpassa por sonhos,
mem normal. Do mesmo modo, a mulher sua relação com seus pais e parentes próximos.
transexual está convencida de ser homem, Como observado, é lícito adentrar para a
muito embora seja mulher em termos anatô- íntima ligação da vida pessoal de Freud e sua
micos. construção conceitual do complexo de Édi-
po.
Ressalta-se que o desejo de mudar de sexo Burker (2010, p. 219) acertadamente afir-
existia bem antes da invenção e do aperfei- ma:
çoamento de procedimentos cirúrgicos. Na
mitologia grega, três personagens abarcam Édipo incorpora o detetive de seu próprio
esse fenômeno: Cibele, Átis e Hermafrodito destino [...] Freud se identificava com Édipo.
(Roudinesco; Plon, 1998). Ele também era um homem do destino, um
Ademais, aquilo atualmente conhecido herói que vence os obstáculos em seu cami-
como transexualidades não é próprio de nho.
nossa cultura e de nossa época. O que é novo
é justamente a possibilidade de “mudar de Em suma, a descoberta do complexo de
sexo”, graças às avançadas técnicas de cirur- Édipo, na realidade, se trata de sua própria
gia e à hormonoterapia constantes (Cecca- descoberta.
relli, 2017). Diante das transexualidades, Loures e Borges (2017, p. 582) apontam:
somos convocados a pensar em suas diversas
facetas. Ao acompanharmos os passos que levaram
Neste artigo pretendemos analisar, atra- Freud ao complexo de Édipo, inevitavelmente
vés do arcabouço teórico disponibilizado na esbarramos em sua autodescoberta. Não dife-
teoria psicanalítica, a relação entre as tran- rente de nós, Freud reencena a trama do herói
sexualidades e o sentimento de estranheza de Sófocles, cujo desvelamento de sua origem
[Unheimlich], frequentemente sentido por acontece de forma gradativa e engenhosa –
profissionais especializados (psicanalistas, assim como percurso de uma análise. Nesse
psicólogos e psiquiatras) frente à demanda desvelamento, Édipo, que se vê como estra-
do transexual. nho em Tebas, se descobre, contudo, filho de
Laio e Jocasta. E Freud, ao se deparar com o
Freud e a esfinge: o enigma dos sexos estranho destino de Édipo, encontra na tra-
Considerado a medula espinhal da psicaná- gédia algo de familiar: uma metáfora de seus
lise, o complexo de Édipo ocupa um lugar próprios desejos infantis (grifo nosso).
central das teorizações freudianas. Assim
sendo, o mestre de Viena começa a pensar Torna-se interessante estabelecer uma
sobre o conceito de Édipo a partir de vivên- analogia entre a figura do herói trágico Édipo
cias que experenciou no decorrer da vida e e o arqueólogo do inconsciente Freud. Indu-
faz paralelos com grandes obras da literatura bitavelmente, como afirma a tragédia grega,
e do teatro. Édipo foi capaz de desvendar o enigma da
De acordo com Moreira (2004), a teoriza- esfinge. Já Freud, por sua vez, caracterizou-
ção sobre o complexo de Édipo remete a clás- se por desvendar os segredos da sexualidade
sicos da literatura mundial, como Hamlet, de infantil. Ambos, Freud e Édipo, demonstra-
Shakespeare, e à trama do parricídio de Os ram ser capazes de resolver enigmas, e se-

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gundo as palavras de Sófocles em grego anti- contribuições para a temática. Sucintamente,


go: “Quem desvendou o célebre enigma é um podemos dizer que, em Freud, encontramos
homem poderoso!” (Burker, 2010). bases alicerçantes para indagar a questão do
Freud utiliza-se da peça de Sófocles Édi- gênero.
po Rei como forma de explicar a constituição No texto Sobre as teorias sexuais infantis
psíquica humana, sua trajetória, e o vínculo ([1908] 2015), o intérprete dos sonhos escre-
de identificação com os pais se desdobraria ve sobre a primeira distinção executada pela
a ponto de construir um objeto de desejo na criança, isto é, homem/mulher5 ou pai/mãe.
fase adulta. Esse percurso costuma ser tor- De forma análoga, em um primeiro momen-
tuoso e estruturante, na medida em que esta- to a criança não faz correspondência entre
belece em grande parte dos casos a neurose sexo e gênero. É somente em um segundo
no indivíduo (Roudinesco; Plon, 1998). momento, na “primazia do falo”, que a crian-
Burker (2010, p. 219) afirma: ça atribuirá a todos os seres (até as coisas
inanimadas) um órgão sexual semelhante ao
Freud encontrara um mito que tornou central seu. Nessa etapa, o sexo feminino é definido
para psicanálise e continuou a desenvolver pela ausência de pênis (Freud, [1908] 2015).
um mito que, para ele, explicava os homens, Ser capaz de distinguir pai/mãe e colocar-
as mulheres, a família, o sexo e a civilização. se de um lado ou de outro é, sem objeção,
uma forma de identificação. Refere-se a uma
Diante disso, leva-se em conta a tendên- identificação independente dos conflitos edí-
cia universalizante do complexo de Édipo. picos, que desempenha um papel importante
Nas palavras do pai da psicanálise: na história pregressa com complexo de Édi-
po:
Verifiquei, também no meu caso, a paixão
pela minha mãe e o ciúme do pai, e agora con- É possível dizer que, em Freud, existe uma
sidero isso como um evento universal do iní- classificação segundo o gênero, uma distinção
cio da infância. (Freud, [1887] 1986, p. 272) que começa em uma etapa anterior à castra-
ção, sem levar em conta a anatomia, cuja base
O complexo de Édipo constitui-se como é a definição pai/mãe. A apreensão dos gêne-
uma experiência vivenciada por uma criança ros se faz sem levar em conta o órgão sexual.
por volta dos quatro ou cinco anos de idade, Isso significa que o que distingue os gêneros
que, motivada por um forte desejo de ordem não é o sexo anatômico, inversamente, o sexo
sexual incontrolável, precisa aprender a lidar anatômico não garante, a priori, o gênero. A
e limitar seus impulsos (Nasio, 2007). presença ou a ausência do órgão sexual mas-
Em Algumas consequências psíquicas da culino ou feminino não constitui garantia de
diferença anatômica entre os sexos, Freud que o sujeito se coloque ao lado dos homens
([1925] 2011), pela primeira vez, admite que ou das mulheres [...] trata-se, então, de dois
o primeiro objeto de amor da menina é tam- movimentos distintos que ocorrem em mo-
bém a mãe. Como veremos, na teoria freu- mentos diferentes: um, a distinção dos gê-
diana, a posição masculina e a feminina não neros, outro, a diferença dos sexos. (Cecca-
são de simples apreensão. relli, 2017, p. 57)
Em Freud não encontramos o termo
“gênero”,4 todavia é possível extrair valiosas

4. “Não encontramos o termo “gênero”, pois em alemão, 5. Novamente um problema de tradução: “no original lê-se:
uma só palavra designa sexo e gênero: Geschlecht” (Cecca- Mannilich oder weiblich, ou seja, ‘masculino ou feminino’”
relli, 2017, p. 56). (Ceccarelli, 2017, p. 58).

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Apesar da importância atribuída ao perío- Contribuições de Robert Stoller


do pré-edípico, o período edipiano dará um para as transexualidades
“acabamento” à identidade de gênero, visto Nascido em Nova York, no Bronx, Robert
que reforçará as implicações de pertencer a Stoller foi um psiquiatra e psicanalista per-
um gênero ou a outro. A angústia de castra- tencente à terceira geração de analistas nor-
ção, a inveja do pênis, resumidamente, todos te-americanos. Stoller obteve seu doutorado
os aspectos correspondentes ao complexo de em medicina em São Francisco e anos de-
Édipo, ocorrerão apenas depois da consoli- pois, foi nomeado professor de psiquiatria na
dação do núcleo da identidade de gênero. Universidade da Califórnia de Los Angeles,
A partir de Freud, os fatores sexuais, so- onde criou a Gender Identify Research Clinic
bretudo a sexualidade infantil, passam a ga- (Roudinesco; Plon, 1998).
nhar uma autêntica importância na consti- Além disso, a obra stolleriana é composta
tuição psíquica humana. Suas contribuições de inúmeras publicações, além de participa-
teórico-clínicas são magistrais para a com- ção em eventos os mais diversos. Suas con-
preensão dos fatores inconscientes. O com- tribuições teórico-clínicas giram em torno
plexo de Édipo6 representa a pedra angular de temas tais como sexualidades, perversões,
na qual repousa o edifício da psicanálise. Da construção da identidade sexual e da identi-
mesma forma, Freud fez da esfinge o símbo- dade de gênero, transexualidades, problemá-
lo de representação da psicanálise. tica de gênero, dinâmicas das disfunções e da
Burker (2010, p. 224) relembra que: excitação erótica e outras tantas.
Stoller é considerado um teórico freudia-
[...] uma pequena gravura de Édipo e a Es- no sui generis, carregando com muita serie-
finge [...] se encontrava pendurada no con- dade as contribuições do pai da psicanálise
sultório de Freud, próximo ao divã, onde ele (Ferraz, 2002). Outrossim, Stoller privi-
poderia contemplá-la enquanto decifrava os legiou as ideias freudianas não organicistas
enigmas de seus pacientes. e, sobretudo, acreditava fortemente que não
existiria uma “sexualidade natural” regrada
Roudinesco (2016) recorda que Freud por imperativos biológicos. Ao contrário,
foi um homem de sua época, e o complexo para Stoller, a sexualidade se baseia na di-
de Édipo analisado por Freud corresponde nâmica pulsional e na história das relações
par excellence ao recorte social de seu tem- objetais. No presente escrito, centraremos
po. A psicanálise pós-freudiana se debruça- nossas observações nas contribuições inova-
rá a estudar mais profundamente o período doras de Stoller para a construção da identi-
pré-edipiano. Entre os diversos teóricos que dade de gênero.
surgiram, destacaremos as contribuições de O termo “gênero” é utilizado por Stoller
Robert Stoller ao fenômeno transexual. pela primeira vez em 1964, época em que
os alunos da escola lacaniana de psicanálise
comentavam a teoria clássica de Freud sob
nova ótica/perspectiva. Robert Stoller ques-
tionou a teoria clássica de ponta a ponta, em
6. Outro vetor relevante a ser abordado é o lugar do sujeito especial ao introduzir na psicanálise a noção
no desejo do Outro. Em outras palavras, o que o enigma de diferença sexual e de gênero (gender).
da esfinge nos diz? Para a psicanálise, o enigma da esfinge
nos questiona sobre o nosso lugar no mundo e no desejo do Um dos seus principais trabalhos, Sex and
outro. Analogamente, o lugar que Édipo ocupava no dese- Gender (1968), assim como inúmeros outros
jo de seus pais era o da morte. Édipo literalmente significa escritos, renovariam a abordagem clínica
“pés inchados”, pois seus pais quiseram eliminá-lo quando
nasceu. Seu nome representa o desejo de seus pais (Quinet, das transexualidades, das perversões e da
2017) dinâmica do erotismo (Roudinesco; Plon,

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1998). Para o autor, “[...] sexo e gênero de servado para desenvolver-se sadiamente, ao
modo algum necessariamente estão relacio- contrário, ela é uma conquista.
nados” (Stoller, 1993, p. 21).
A contribuição do conceito de gênero para Conforme Stoller (1993, p. 49), “[...] a
a psicanálise representa um valor inestimá- gratificação não conflituosa pode levar ao
vel. A concepção stolleriana parte do pres- impasse no desenvolvimento”. Dito de outra
suposto de que faltava ao freudismo clássi- forma, uma simbiose mãe-bebê excessiva-
co uma categoria que permitisse diferenciar mente estreita e gratificante, não perturbada
radicalmente a pertinência da anatomia (o pela presença de uma figura paterna, pode
sexo) da pertinência a uma identidade social impedir a construção da masculinidade.
ou psíquica (o gênero), existindo a possibili- Portanto, os eventos relativos ao período
dade de ambas terem uma dissimetria radi- anterior ao complexo de Édipo também são
cal (Roudinesco; Plon, 1998). imprescindíveis para compreensão sobre as
Assim, a distinção entre sexo e gênero, transexualidades.
utilizada para melhor compreensão da psi- Ainda sobre o primeiro estágio de iden-
codinâmica transexual sugerida por Stoller tificação o psicanalista norte-americano res-
(1993), tem por finalidade isolar, para me- salta: “No estágio pré-edípico existe a proto-
lhor delimitar, os aspectos da psicossexuali- feminilidade formada pelo abraço da mãe”
dade que são “independentes” do biológico. (Stoller, 1993, p. 259).
Em sua obra, o psicanalista norte-americano O menino, para entrar no conflito edípi-
busca analisar a gênese do fenômeno tran- co, terá que progressivamente se desidenti-
sexual. ficar da mãe e paulatinamente se identificar
Essa odisseia teórica, por meio das ruínas com o pai (temido/admirado) para, assim,
psíquicas, por assim dizer, levou Stoller a ter direito à neurose.
pesquisar profundamente os primeiros anos
de infância de seus pacientes. Na concepção Nós estamos acostumados a encontrar o con-
do autor, o processo formador da identidade flito edípico como uma fonte de patologia.
de gênero, ocorre por meio de identificações Dessa forma, nós podemos esquecer que nes-
primárias no período pré-edipiano. Em ou- se conflito – com suas ameaças, invejas, me-
tras palavras, a gender identity será resultado dos e raivas – estão as forças necessárias para
das aquisições de masculinidade e feminili- produzir as estruturas de caráter, tais como a
dade em um momento primordial (Stoller, masculinidade e a feminilidade, que mantêm
1993). a sociedade. Os meninos transexuais, con-
Stoller argumenta que a primeira forma tudo, nos lembram de como é necessário o
de identidade de gênero origina-se na sim- desenvolvimento com sofrimento e sugerem
biose com a mãe na qual não existe frontei- que conflito de menos também pode produzir
ra nem anatômica, nem psíquica. Por meio patologia. (Stoller, 1993, p. 93)
dessa perspectiva, a identificação primeva
pré-verbal pode naturalmente incrementar Em seus estudos sobre Masculinidade
o desenvolvimento da feminilidade nas me- e feminilidade (1993) e como citado ante-
ninas, porém, para o menino, ela se tornará riormente em Sex and Gender (1968), Stol-
um obstáculo a ser superado na construção ler também traça um breve perfil das mães
da masculinidade. de crianças transexuais. Em sua concepção,
Diante disso, para Stoller (1993, p. 37): essas mães seriam basicamente bissexuais,
apresentando um perfil depressivo. Além
A masculinidade nos homens não é simples- disso, não é raro casos em que anteriormente
mente um estado natural que precisa ser pre- existiu uma criança que veio a falecer (ge-

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ralmente do sexo oposto ao da criança que freudiano o Infamiliar (Freud, [1919] 2019),
nasce). essa inusitada estranheza, pode ser obser-
vado quando se é confrontado à dissimetria
Essas crianças, verdadeiros falos da mãe, têm entre seu sexo anatômico e seu gênero. Em-
seu ‘destino transexual’ traçado bem cedo, en- bora o transexual tenha consciência de seu
tre dois ou três anos de idade, às vezes, antes. sexo anatômico, ocorre uma familiaridade/
(Ceccarelli, 2017, p. 44) estranheza (heimlich/unheimlich) entre seu
sentimento de identidade sexual e a imagem
Em síntese, a identidade de gênero será que tem de seu corpo. Ou seja, entre seu sexo
resultado das identificações e das aquisições e gênero. Essa familiaridade/estranheza o
da masculinidade e da feminilidade. Não ex- acompanha em inúmeras situações ao longo
cluindo também os diversos fatores sociais, da vida, causando-lhe desconforto e levan-
comportamentais e imaginários presentes do-o à demanda da cirurgia de redesignação
em nossa cultura, a questão do gênero em sexual.
si é extremamente vasta, e neste trabalho a Adicionalmente, o sujeito transexual
questão não foi tratada de forma exaustiva. apresenta aquilo que denominamos de “nar-
Adicionalmente, Stoller (1993, p. 28) nos cisismo negativo”. Por esse conceito, enten-
lembra de que: de-se

Masculinidade ou feminilidade é uma con- [...] uma profunda repugnância pelos órgãos
vicção – mais precisamente, uma densa massa genitais que são percebidos como “estranhos
de convicções, uma soma algébrica. apêndices” destruídos de valor erótico, pois
no período autoerótico e do narcisismo pri-
Por fim, o psicanalista norte-americano mário não foram libidinalmente investidos.
conclui que o gênero prima sobre o sexo. (Ceccarelli, 2008, p. 59)

Um corpo infamiliar: Dito de outro modo, o transexual teste-


o transexual e o Unheimlich munha um arranjo pulsional muito singular,
Neste tópico abordaremos mais detalhada- visto que em sua cartografia erógena certas
mente a relação entre as transexualidades partes de seu corpo não receberam “infor-
e o sentimento de estranheza (unheimlich), mação libidinal” do ponto de vista econômi-
frequentemente presente nos médicos e pro- co.
fissionais especializados ao se deparar com a A mesma familiaridade inquietante pode
demanda do transexual. ser igualmente observada em psicanalistas,
Souza (2015) nos lembra que o Infami- psicólogos e psiquiatras frente àquele ou
liar, além de ser um trabalho audacioso de àquela [diante daquele ou daquela] que se diz
Freud ([1919] 2019), pois carrega uma estéti- ser portador(a) de um desacordo entre seu
ca literária peculiar, cronologicamente é um corpo anatomobiológico que não apresente
escrito na transição da primeira para a se- nenhuma anomalia e sua identidade de gê-
gunda tópica do aparelho psíquico. Destarte, nero. Não raro, somos tomados por um sen-
através do terreno da psicanálise freudiana, timento de horror, espanto ou até mesmo,
somos convidados a pensar que o humano é em certos casos, rejeição. Além disso, não
regido por algo que lhe é íntimo e estranho, excluímos as atitudes defensivas contratrans-
isto é, o inconsciente (Souza, 2015). ferenciais que podem interferir no processo
Os transexuais, por vezes, têm sensa- terapêutico.
ção de ser inquilinos em seu próprio corpo. Pode ocorrer que o sentimento de estra-
Através do ponto de vista expresso no texto nheza produzido frente ao transexual esteja

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relacionado a complexos infantis que haviam gular, que leva o sujeito ao caminho mais ra-
sido recalcados. Essa inabitual estranheza é dical das identificações.
revivida, mais uma vez, por meio de movi- Ao estudar as dinâmicas pulsionais pre-
mentos que o processo terapêutico suscita. sentes nas transexualidades, somos convoca-
Stoller (1993, p. 223) nos adverte dizendo dos a refletir sobre as posições de masculi-
que: “A moralidade pode ser a mais inflexível nidade e feminilidade na cultura ocidental:
das contratransferências”. quais as condições para que alguém possa
Ademais, a transexualidade não constitui afirmar com segurança ser homem ou mu-
uma entidade nosográfica fixa (definida), e lher? Indubitavelmente, aspectos sociais per-
progressivamente aceita-se que ela seja uma meiam essa pergunta, pois as representações
manifestação da sexualidade como qualquer simbólicas de masculino e feminino variam
outra. Nesse sentido, não se pode falar de de acordo com o tempo e a cultura. É fato
uma transexualidade típica, assim como não que as posições masculinas e femininas so-
é plausível dizer existir uma “heterossexuali- freram mudanças.
dade ou homossexualidade típica” (Cecca- Em A mínima diferença, Maria Rita Kehl
relli, 2008). (1996, p. 23), reitera que:
Sintetizando, enquanto para a maioria
das pessoas existe uma correspondência si- Na dinâmica de encontro e desencontro entre
métrica entre seu corpo anatômico e a repre- os sexos, a intensa movimentação das tropas
sentação psíquica (fantasmática) desse corpo, femininas nos últimos trinta anos parece ter
nos transexuais o cenário é diferente. Esses deslocado os significantes do masculino e do
sujeitos, embora reconheçam possuir um feminino.
corpo anatômico de homem ou mulher, ex-
perienciam uma profunda estranheza, uma Dissertando sobre o processo identifi-
inquietação, um mal-estar: o corpo lhes pa- catório, Freud ([1923] 2011) ressalta que as
rece infamiliar. Para esses estrangeiros de si primeiras relações com os progenitores são
mesmos, anatomia não é o destino em que fundamentais para construção do sentimen-
desejam pousar. to de identidade. Outrossim, masculinidade
e feminilidade seriam pontos de chegada es-
Considerações finais tabelecidos ao longo dos processos identifi-
Em nossa pequena excursão pelo transexual, catórios.
procuramos demonstrar alguns apontamen- Stoller (1993), utilizando-se de uma
tos teóricos que consideramos relevantes contribuição cultural cruzada, busca es-
para uma melhor compreensão da temática. tabelecer hipóteses acerca das origens da
Parece-nos claro que, na realidade, a transe- masculinidade. Ao analisar achados etno-
xualidade mostra-se como uma ‘solução’. gráficos da Nova Guiné, Stoller (1993) ob-
Entendemos solução no sentido matemá- serva que para a tribo dos Sâmbia, a cons-
tico do termo, ou seja, trução da masculinidade requer uma série
de ritos, entre eles, um dos procedimentos
[...] uma equação que comporta diferentes a que os meninos devem se submeter para
variantes frente às quais, tal como em um sis- se tornarem masculinos é ingerir sêmen via
tema vetorial de forças, uma resultante, uma felação. Destarte, através dessa contribui-
solução, será encontrada. (Ceccarelli, 2008, ção antropológica, Stoller (1993) procura
p. 56) demonstrar como a masculinidade é uma
conquista a ser adquirida progressivamen-
Frente às múltiplas variáveis possíveis, a te e, portanto, não é um simples estado na-
transexualidade é um arranjo pulsional sin- tural.

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Ricardo César Gonçalves e Paulo Roberto Ceccarelli

Masculinidade(s) e feminilidade(s) mos- Abstract


tram-se como destinos pulsionais, influen- This article addresses aspects of the theme of
ciados também pelo imaginário social em trans-sexuality and its relationship with Un-
que se está inserido. heimlich (uncanny) presented in Freudian
Ademais, theory. Initially, we started with a bibliograph-
ic review of Freud’s writings, looking for ba-
[...] não se nasce psiquicamente menino ou sic concepts to understand the masculine and
menina, nasce-se macho ou fêmea, em fun- feminine, as well as, the identification pro-
ção da anatomia, e torna-se homem ou mu- cesses. Then, we analyze Robert Stoller’s theo-
lher, no sentido psíquico. (Ceccarelli, 2017, retical contributions to the trans-sexual phe-
p. 160) nomenon. We conclude by reiterating that the
transsexual phenomenon eventually causes
Tratando-se de transexualidades, muita a feeling of strangeness in specialized profes-
coisa mudou no decorrer dos últimos anos sionals, by reactivating previously repressed
e, atualmente, o número de procedimentos processes. Finally, we understand that trans-
cirúrgicos para redesignação tem se revelado sexualities are shown as a “solution”, a form of
exponencial em diversos países. “psychic survival” (Mcdougall, 1997).
Gostaríamos de terminar enfatizando que
não buscamos estabelecer um diagnóstico Keywords: Unheimlich (uncanny), Trans-
das transexualidades, pois entendemos que sexualities, Clinic.
nem as neuroses, nem as psicoses, nem as
perversões oferecem uma compreensão sa-
tisfatória desta categoria nosográfica. Além
disso, toda tentativa de criar um enquadre
que lhes fosse próprio mostrou-se impossível.
Concluímos insistindo na colocação de
Stoller (1993, p. 26):

Utilize todas as técnicas de coleta de dados que


lhe agradem, mas jamais pare de psicanalisar.

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O unheimlich e as transexualidades

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Ricardo César Gonçalves e Paulo Roberto Ceccarelli

Sobre os autores

Ricardo César Gonçalves


Graduado em Psicologia
pela Universidade da Amazônia (UNAMA).
Pós-graduando em psicopedagogia
pela Escola Superior da Amazônia (ESAMAZ).
Psicanalista em formação
pelo Círculo Psicanalítico do Pará (CPPA).

Paulo Roberto Ceccarelli


Psicólogo.
Psicanalista.
Doutor em Psicopatologia Fundamental
e Psicanálise pela Universidade de Paris 7 - Diderot.
Pós-doutor por Paris 7 - Diderot.
Chercheur associé da Universidade
de Paris 7 - Diderot.
Membro da Associação Universitária
de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental.
Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
Sócio fundador do Círculo Psicanalítico do Pará
(CPPA)
Membro da Société de Psychanalyse Freudienne, Paris.
Pesquisador associado do LIPIS (PUC-RJ).
Professor e orientador de pesquisa no Programa
de Pós-Graduação em Psicologia/UFPA.
Professor e orientador de pesquisa no Mestrado
Profissional de Promoção de Saúde e Prevenção
da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG.
Membro do Programa Antártico Brasileiro.
Diretor científico da Clínica Ampliada de Saúde
Mental. (CASM: https://casm.bhz.br). Coordenador
do Instituto Mineiro de Sexualidade
(IMSEX - www.imsex.com.br).

Endereço para correspondência

Ricardo César Gonçalves


E-mail: ricardo-cesar123@hotmail.com

Paulo Roberto Ceccarelli


E-mail: paulorcbh@mac.com
Homepage: www.ceccarelli.psc.br

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