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PSICA

João NÁ LISE
Eduardo Torrecillas Sartori &E SEX
Paulo UA
Roberto LI DA DE
Ceccarelli

A feminilidade (1933):
uma “virada subversiva” na teorização freudiana e
a elaboração psicanalítica do gênero
João Eduardo Torrecillas Sartori*
Paulo Roberto Ceccarelli**

Resumo
Freud não conceituou o gênero, mas no texto de 1933 A feminilidade, evidencia-se a conven-
cionalidade da concepção ocidental da masculinidade e da feminilidade. No presente artigo,
sustentamos que, embora o conceito de gênero não tenha sido discutido na teoria freudiana, o
texto de 1933 fornece elementos utilizáveis em uma elaboração de gênero em psicanálise. Acre-
ditamos igualmente que certas teorizações freudianas de 1933 foram utilizadas na desconstrução
do gênero, décadas mais tarde. A feminilidade corresponderia, então, a uma “virada subversiva”
em certas concepções freudianas.

Palavras-chave: Freud, Gênero, Feminilidade.

1 A noção de gênero Nesse contexto, Money (1955, p.


na psicanálise: considerações iniciais 254) o utilizou de modo que designasse
O conceito de gênero mais comumente uma entidade integrante de um âmbito
mobilizado nas sociedades ocidentais se sociocultural, diferenciada do sexo (con-
originou somente no século XX. Embora siderado como uma entidade integrante
o gênero tenha sido essencializado no de um âmbito natural). E articulando
imaginário coletivo ocidental nas últimas a noção de gênero, Money concebeu a
décadas, sendo em muitos casos consi- inexistência de uma relação causal entre
derado acriticamente como a-histórico, sexo e identidade de gênero (Lattanzio,
resulta de uma construção social e, assim, 2011, p. 27).
consiste em entidade datada (Sartori; Inicialmente, Money trabalhou um
Mantovani, 2016a, Oka; Laurenti, 2018; conceito de gênero que representasse uma
Ceccarelli, 2019). categoria identitária (denominada, naque-
Em 1955, Money ressignificou o le momento, em sua obra, “identidade se-
termo “gender” – traduzido para a língua xual”), tendo ressignificado o termo “gen-
portuguesa como “gênero” – e o utilizou der” de modo a utilizá-lo na designação de
em sua explicação sobre a subjetivação uma entidade que tinha sido representada
nos indivíduos então identificados como implicitamente em certas teorias, inclusive
hermafroditas (Lattanzio, 2011, p. 27) e em certos aspectos, na teoria psicanalí-
atualmente referidos como intersexuais. tica freudiana. A criação desse conceito
Até então, o termo era utilizado na língua veio concretizar um anseio socialmente
inglesa em outros campos de conhecimen- constituído progressivamente, desde o
to além da sexologia. surgimento de certas perspectivas teóricas
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A feminilidade (1933):
uma “virada subversiva” na teorização freudiana e a elaboração psicanalítica do gênero

com as quais estariam compatibilizadas do o gênero”, anterior à percepção da


teorias acerca das “identidades sexuais” diferença anatômica (Ceccarelli, 2017,
(Lattanzio, 2011, p. 27). p. 141).
Por sua vez, a introdução inicial do
conceito de gênero na psicanálise ocorreu Na versão original alemã do ensaio
com o psicanalista Robert Stoller, em 1968 Sobre as teorias sexuais das crianças (Freud,
(Cossi, 2018). Assim como Money, Stoller [1908] 1996), o termo “geschlecht” desig-
(1968) utilizou o termo para designar uma nou tanto sexo quanto gênero. Na língua
entidade concebida como psicossocial; e alemã, esse termo comumente designava
diferente do sexo, nessa teoria concebido – e ainda designa – o sexo, mas, após a
como biológico e natural (Gonçalves; criação do conceito de gênero, o termo
Mello, 2017). A identidade de gênero veio também a se referir a este último.
proposta por Stoller corresponderia à con- Entretanto, em um dos excertos do ensaio
vicção íntima de um indivíduo quanto ao freudiano mencionado, anos antes da con-
seu sexo; o gênero constituiria uma espécie ceituação do gênero, o termo designaria,
de “alma sexual verdadeira do indivíduo” curiosamente, uma entidade atualmente
(Henriques; Vidal, 2019). correspondente à categoria de gênero.
Stoller contribuiu implicitamente à Nesse excerto, Freud ([1908] 1996,
manutenção da problemática histórica do p. 189), na versão original, não remeteu
binarismo natureza-cultura, tendo atribuído o termo “geschlecht” à diferença anatômica
naturalidade ao conceito de sexo, não – utilizada como um substrato imaginário
considerando que esse conceito, assim na concepção dos sexos masculino e femi-
como o de gênero, consistiria em uma re- nino na sociedade na qual Freud estivera
presentação de uma entidade socialmente inserido, mas, indiretamente, às diferenças
construída (Butler, 2004). Entretanto, a estereotípicas de gênero – as quais, na-
elaboração stolleriana do gênero ocorreu quela sociedade, ainda não tinham sido
mediante a estabilização de outra noção, explicitamente diferenciadas da diferença
freudiana. anatômica, mas são utilizadas atualmente
Stoller conceituou o gênero se utili- como um substrato imaginário na concep-
zando do termo “gender” na designação ção dos gêneros masculino e feminino
aproximada de uma entidade que já tinha (Ceccarelli, 2017). Portanto, Freud não
sido articulada na teoria freudiana, ora articulou em sua teoria um conceito de
referida ao conceito de caracteres sexuais gênero, embora certa noção de gênero
psíquicos, ora ao conceito de atitudes se- seria coerente com esta.
xuais. Ainda assim, embora Stoller tenha Freud (1908) sugeriu que, apesar de,
introduzido a noção de gênero no campo inicialmente, as diferenças sexuais não
psicanalítico, a sua articulação no campo serem concebidas pela criança, ela muito
não seria consensual (Lattanzio, 2011, cedo conceberia a existência de seu pai e
p. 14; Ceccarelli, 2013; Sartori; Man- de sua mãe e certas diferenças entre ambos.
tovani, 2016b). Ao menos em alguns casos, as diferenças
Freud não conceituou o gênero – o estereotípicas de gênero são concebidas
que se inferiria se comparando o ano de pelo indivíduo, em seu desenvolvimento,
falecimento do autor (1939) com o da anteriormente à concepção da diferença
criação do conceito (1955). anatômica. Todavia, o autor não utilizou
Contudo, Freud termo outro senão o termo “geschlecht” –
para designar aproximadamente a entida-
[...] fala de uma forma de classificação, de atualmente correspondente à categoria
que atualmente chamaríamos de “segun- de gênero. E não à toa: essa entidade era
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concebida como associada ao sexo em Mesmo não tendo conceituado o


algum aspecto, ainda que não mediante gênero, o modo como concebeu a mascu-
uma relação causal. linidade e a feminilidade até 1933 se apro-
Em A psicogênese de um caso de ho- ximaria do modo como outros autores as
mossexualidade numa mulher (1920), Freud conceberiam anos mais tarde – autores que
utilizou originalmente a expressão alemã as consideraram como entidades constitu-
psychischer geschlechtscharakter [caracteres tivas do gênero. Mas, em A feminilidade,
sexuais psíquicos], muito semelhantemen- Freud (1933) evidenciou a convenciona-
te ao modo como atualmente se mobili- lidade das noções de masculinidade e de
zaria a noção de expressões de gênero em feminilidade mais comuns no ocidente.
certos setores da militância identitária. Na seção seguinte, recorremos a
Tal noção representaria estereotipias uma análise dessa obra, no intuito de
comportamentais estabelecidas sociocul- sustentar que, embora Freud não tenha
turalmente, referidas como masculinas conceituado o gênero, sua teoria contém
ou femininas, cada estereotipia tendo elementos consistentemente utilizáveis na
sido considerada constitutiva de um dos elaboração teórica dessa categoria. Mais
gêneros estabelecidos. ousadamente, algumas das suposições
Freud (1920) concebeu os “caracteres freudianas de 1933 acerca da masculini-
sexuais psíquicos” como correlacionados dade e da feminilidade são utilizáveis na
às atitudes sexuais. Nesse caso, considerou desconstrução da categoria de gênero,
a existência de dois tipos de atitudes se- estabelecida somente décadas mais tarde.
xuais – as masculinas e as femininas –, que
corresponderiam respectivamente à mas- 2 A feminilidade (1933)
culinidade e à feminilidade. Essa concep- e a desconstrução da categoria
ção freudiana sustentaria a aproximação de gênero na teoria psicanalítica1
ocorrida neste artigo entre “expressões de Em A feminilidade, Freud ([1933] 1991),
gênero” e “caracteres sexuais psíquicos”. O implicitamente, naturalizou – exatamente
autor articulou em sua teoria psicanalítica como em outras de suas obras – o sexo, es-
a expressão “psychischer geschlechtschara- tabelecendo relações de necessidade entre
kter”, que incluiu o termo Geschlecht, de o sexo feminino e certos atributos. Apesar
modo que ela designasse certa entidade disso, o autor criticou a noção de sexo
psíquica, a qual se aproximaria atualmente mais comumente concebida socialmente.
a um dos aspectos do gênero, diferencian- Assim, asseverou ([1933] 1991) que a
do-a, de uma entidade anatômica. maioria das meninas somente aparentaria
Mas a teorização psicanalítica freu- ser menos autônoma que a maioria dos
diana seria divisível em dois momentos, meninos.
se considerarmos 1933 como o ano de Freud ([1933] 1991) considerou que
certa ‘virada’ na concepção freudiana a aparência de uma menor autonomia da
acerca das noções de masculinidade e de maioria das meninas estaria relacionada
feminilidade ou, mais amplamente, das com um condicionamento sociocultural
noções de atitudes sexuais e de caracte- imaginário, pelo qual se constatariam ne-
res sexuais psíquicos. Nesse contexto, se las certos elementos (aparências), que se
evidencia certo movimento freudiano de acreditavam essenciais. Em outros termos:
essencialização dessas noções em obras
de Freud escritas antes de 1933; de outro
lado, certo movimento de desconstrução 1. Esta seção deriva da dissertação de mestrado de João
Eduardo Torrecillas Sartori, intitulada A articulação
dessas noções no ano mencionado (Sar- da noção de identidade na teoria psicanalítica freudiana
tori, 2019). (PPGFil/UFSCar).

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A feminilidade (1933):
uma “virada subversiva” na teorização freudiana e a elaboração psicanalítica do gênero

a naturalização de certas estereotipias nas Então, mesmo não tendo abandonado


sociedades ocidentais contribuiria com o a concepção da constituição anatômica
estabelecimento de convicções que oca- dos sexos como condicionante da agres-
sionariam reiteradamente a constatação sividade em alguma medida, ao analisar
dessas aparências. Nesse caso, o autor criticamente o estatuto da agressividade
evidenciou não somente a existência, mas de cada um dos sexos, o autor estaria
também a inconsistência, desse condicio- relativizando uma das distinções entre os
namento sociocultural. sexos mais recorrentemente consideradas
De modo a evidenciar a inconsistência em sua época. O conceito de gênero ainda
desse condicionamento, Freud ([1933] não tinha sido utilizado em psicanálise,
1991) sustentou teoricamente que, nas mas era esperado de uma mulher da época,
meninas, ocorrem significativamente para que viesse a ser socialmente concebi-
impulsos agressivos. O autor contrariou da como normal, que seu comportamento
a suposição de que as meninas seriam na- não indicasse agressividade.
turalmente menos agressivas: muitas delas Ainda nesse ensaio, Freud considerou
tão somente aparentariam sê-lo. Portanto, como inexistente a relação de continui-
Freud concebeu a inexistência de uma dade entre o sexo de um indivíduo e
diferença entre a agressividade de cada seus caracteres sexuais psíquicos. Pre-
um dos sexos – mais restritamente, entre cisamente nesse sentido, outros autores
uma taxa de ocorrência ou um montante estabeleceram mais tarde que a anatomia
de impulsos agressivos nos indivíduos de de um indivíduo não determinaria sua
cada um desses sexos. A agressividade expressão de gênero – isto é, não causaria
seria constitutiva dos indivíduos indepen- masculinidade ou feminilidade. Freud
dentemente de seu sexo. escreveu esse ensaio anteriormente ao
Além disso, Freud ([1933] 1991) estabelecimento do conceito de gênero,
considerou que seriam condicionáveis e, assim, não considerou masculinidade e
socioculturalmente, não somente as feminilidade como expressões de gênero
considerações sobre a agressividade de masculina e feminina. No entanto, o autor
cada um dos sexos, mas também o modo desconstruiu a masculinidade e a femini-
como seria concretizada a agressividade lidade socialmente concebidas, inclusive
da maioria dos integrantes de cada sexo. contrariando outras suposições concebidas
Nesse contexto, embora tenha concebido por si mesmo (em outras obras), mediante
a constituição [anatômica] feminina como as quais as considerou como entidades
contributiva para a ocorrência de certa essenciais.
modalidade de agressividade (nesse caso, Freud ([1933] 1991) considerou, ori-
a masoquista), Freud ([1933] 1991) con- ginalmente, como inexistente:
siderou que certos modos de organização • a relação de continuidade entre a
social – e, consequentemente, atributos feminilidade e a passividade – isto é, a
de certos sistemas socioculturais – podem assunção de um posicionamento passivo; e
condicionar o desenvolvimento dos seus • a relação de continuidade entre
integrantes do sexo feminino à assunção a masculinidade e a atividade – isto é, a
de certos posicionamentos passivos. O assunção de um posicionamento ativo.
autor considerou que a supressão da agres- O autor escreveu:
sividade de uma mulher, associada com
a prescrição moral dessa supressão, con- [...] os senhores logo verão como é inade-
diciona ao desenvolvimento de impulsos quado fazer o comportamento masculino
masoquistas, considerados como impulsos coincidir com atividade e o compor-
agressivos direcionados ao Eu. tamento feminino com a passividade.

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(Freud, [1933] 1991, p. 107, tradução ao discurso hegemônico (e heteronorma-


nossa) tivo) de poder.2
Obviamente, em meio à análise de
Freud ([1933] 1991) exemplificou as obras do autor escritas anteriormente a
inexistências consideradas, asseverando 1933, também seriam constatados elemen-
que uma mãe assumirá necessariamente tos teóricos contributivos à subversão de
um posicionamento ativo em sua materna- normatividades socialmente estabelecidas.
gem e no ato de sua amamentação, e que, E Freud articulou em obras publicadas
em uma convivência entre dois homens, antes de 1933 elementos que seriam uti-
ambos assumirão necessariamente um po- lizáveis em uma conceituação (posterior)
sicionamento passivo em certos aspectos. do gênero.
Algumas suposições freudianas arti- No entanto, a escrita de A feminilidade
culadas nesse ensaio seriam consideradas (1933) incluiu uma “virada subversiva”
subversivas ainda atualmente nos sistemas ainda mais ousada à época, corresponden-
socioculturais ocidentais em um aspecto te à articulação de elementos teóricos uti-
identitário sexual ou, identitário de gêne- lizáveis na desconstrução de um conceito
ro. Em alguns excertos de A feminilidade que ainda nem mesmo tinha sido criado:
(1933), embora não tenha sido utilizado o o conceito de gênero.
termo “gênero”, seria desnaturalizada em
alguns aspectos a entidade correspondente Considerações finais
à categoria de gênero – então denominada Em um momento histórico no qual o gêne-
geschlecht. ro ainda não tinha sido conceituado, Freud
Muito comumente, se essencializou – articulou sua noção de caracteres sexuais
e se normatizou – o gênero, não somente psíquicos, estabelecendo a inexistência de
em setores abertamente conservadores, uma relação de continuidade entre o sexo
mas, também, em comunidades psica- anatômico do indivíduo e seus caracteres
nalíticas. Mas a desconstrução da femi- sexuais psíquicos masculinos ou femininos.
nilidade e da masculinidade por Freud Antes de 1933, essas entidades, já
em 1933 consistiria em instrumento de concebidas na teoria freudiana, eram tidas
subversão. Evidenciando indiretamente como essenciais – isto é, como a-históricas
a arbitrariedade da atribuição de ativi- –, mas naquele ano Freud indicou o cará-
dade à masculinidade e, de passividade à ter convencionado da masculinidade e da
feminilidade, Freud desestabilizaria a sua
essencialização.
2. Nesse contexto, Ceccarelli (2010, p. 274) escreveu:
Freud dicotomizou o aspecto da “[...] uma leitura cuidadosa da obra de Freud no que
sexualidade correspondido nesse artigo diz respeito à “masculinidade” e à “feminilidade” revela
à categoria de gênero – considerando, o quanto ele estava à frente do seu tempo, operando
aquilo que chamaríamos hoje de desconstrução, no
como subcategorias constitutivas desta, sentido que Derrida dá a este termo. Embora trabalhe
masculinidade (atitude masculina) e fe- com categorias binárias, Freud acaba desconstruindo
minilidade (atitude feminina). Ainda que tais categorias ao mostrar que tanto a “masculinidade”
quanto a “feminilidade” são pontos de chegada e
Freud não o tivesse escrito nesses termos, não de partida; e que o ponto de chegada é sempre
seria coerente com a teorização freudiana único, pois tributário da particularidade dos processos
a suposição de que, independentemente identificatórios de cada um. Ao chamar a atenção para
o caráter incerto da masculinidade e da feminilidade,
do modo como tais entidades tenham sido para a dificuldade em se definir masculino e feminino,
concebidas, as noções de masculinidade e Freud é revolucionário, pois recusa toda amarra na
de feminilidade seriam não representações realidade anatômica: a significação dessas noções nada
tem de natural e de convencional. Elas são resultados
de entidades essenciais, mas antes ideais de processos bem mais complexos que as determinações
socialmente construídos, que respondem instintuais”.

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A feminilidade (1933):
uma “virada subversiva” na teorização freudiana e a elaboração psicanalítica do gênero

feminilidade, isto é, a concepção dessas FEMINILITY (1933):


entidades como construções sociais. In- A “SUBVERSIVE TURN”
dependentemente da inexistência de um IN FREUDIAN THEORIZATION
conceito de gênero na obra de Freud, sua AND THE DEVELOPMENT OF
teoria articulou elementos utilizados anos GENDER IN PSYCHOANALYSIS
mais tarde na elaboração teórica da cate-
goria de gênero na psicanálise, oferecendo Abstract
recursos a essa elaboração. Freud did not conceptualize the gender issues,
Conforme mostramos, algumas das but in the 1933 text Femininity, the conven-
suposições freudianas acerca da masculini- tionality of the western conception of mascu-
dade e da feminilidade – mais restritamen- linity and femininity is evident. In the present
te as de 1933 – seriam consistentemente article, we sustain that, although the gender
utilizáveis na desconstrução da categoria category has not been discussed in Freudian
de gênero, apenas conceituada em 1955, theory, the 1933 text provides elements usable
mais de dez anos após a última publicação in a gender elaboration in Psychoanalysis.
de Freud. Além disso, a teoria freudiana We also believe that certain Freudian theo-
conteria alguns instrumentos de subversão ries from 1933 were used to deconstruct the
da normatividade denominada, décadas gender, decades later. Femininity, then, would
mais tarde, na obra de Butler, matriz hete- correspond to a “subversive turn” in certain
rossexual. Muito embora certas obras freu- Freudian conceptions.
dianas tenham sido criticadas – inclusive
por Butler (1990) – de modo que algumas Keywords: Freud, Gender, Femininity.
de suas teorias constitutivas tenham sido
consideradas como normatizadoras no âm-
bito sexual, seria justamente nesse âmbito
que A feminilidade (1933) manteria sua
importância como instrumento crítico de
análise da cultura. j

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João Eduardo Torrecillas Sartori & Paulo Roberto Ceccarelli

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uma “virada subversiva” na teorização freudiana e a elaboração psicanalítica do gênero

Sobre os autores

João Eduardo Torrecillas Sartori


Médico.
Psicanalista.
Mestre em Filosofia (UFSCar).
Doutorando em Ciência Política (UFSCar).
Doutorando em Teoria Psicanalítica (UFRJ).
Pesquisador da Associação Universitária de
Pesquisa em Psicopatologia Fundamental.

E-mail: joao.sartori@hotmail.com.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6718-8042.

Paulo Roberto Ceccarelli


Psicólogo.
Psicanalista.
Doutor em Psicopatologia Fundamental e
Psicanálise pela Universidade
de Paris 7 - Diderot.
Pós-doutor por Paris 7 - Diderot.
Chercheur associé da Universidade
de Paris 7 - Diderot.
Membro da Associação Universitária
de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental.
Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
Sócio fundador do Círculo Psicanalítico
do Pará (CPPA).
Membro da Société de Psychanalyse
Freudienne, Paris.
Pesquisador associado do LIPIS (PUC-RJ).
Professor e orientador de pesquisa no Programa
de Pós-Graduação em Psicologia/UFPA.
Professor e orientador de pesquisa no Mestrado
Profissional de Promoção de Saúde e Prevenção
da Violência da Faculdade de Medicina da
UFMG.
Membro do Programa Antártico Brasileiro.
Diretor científico da Clínica Ampliada
de Saúde Mental.
(CASM: https://casm.bhz.br).
Coordenador do Instituto Mineiro
de Sexualidade (IMSEX - www.imsex.com.br).

E-mail: paulorcbh@mac.com

Homepage: www.ceccarelli.psc.br

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