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Parte I

Anatomia, Citologia e Histologia do Colo


do Útero, da Vagina e da Vulva Normais e
Patológicos: Ecossistema Vaginal
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Anatomia e Histologia Normais
do Colo do Útero, da Vagina e da Vulva

Lucía H. Cardinal

■ ANATOMIA linfática é complexa. A porção proximal e anterior e os fun-


dos de saco se dirigem para os gânglios ilíacos externos; a
parte posterior, para os gânglios glúteos inferiores, sacros e
O trato genital inferior feminino é formado pelo colo do úte-
anorretais, mas a parte distal da vagina drena para os gânglios
ro, pela vagina e pela vulva.
inguinais. A inervação é fornecida pelo plexo hipogástrico
O colo do útero é a porção inferior do útero e é deli-
superior, e a parte inferior, pelo plexo sacral (nervo pudendo
mitado pelo istmo e orifício interno da cérvice que protui
interno).2
na vagina. Ele mede entre 2,5 e 3 cm de comprimento na
A vulva, ou genitais externos, é a porção da genitália
nulípara e se situa para trás de forma oblíqua. Divide-se na
externa que se estende anteriormente do introito vaginal e
porção vaginal, ou ectocérvice, e no canal, ou endocérvice. A
da região himenal, incluindo o monte pubiano, chega pos-
ectocérvice apresenta dois lábios – anterior e posterior – deli-
teriormente ao ânus e lateralmente aos sulcos inguinais. É
mitados pelo orifício cervical externo.1
formada, portanto, pelo monte de Vênus, os grandes lábios,
A irrigação sanguínea do colo é dada por ramificações
os pequenos lábios, o prepúcio, o clitóris, o vestíbulo, o me-
das artérias uterinas que ingressam lateralmente através dos
ato uretral, as glândulas de Bartolino e Skene, o hímen e o
ligamentos de Mackenrodt. Esses ligamentos, junto aos liga-
introito vaginal (Figura 1-1).
mentos uterossacros, servem também para fixar e dar sus-
tentação ao órgão. A irrigação venosa é paralela à irrigação
arterial. A rede linfática nasce perto da mucosa e na profun-
didade do estroma para dar origem a quatro diferentes canais 2
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eferentes que drenam para os gânglios ilíacos externos, ob-
turadores, hipogástricos e ilíacos. A inervação está presente 3
na porção externa da ectocérvice e na endocérvice, provindo
do sistema autonômico dos plexos superior, médio e inferior
hipogástricos.2
A vagina é uma estrutura tubular, geralmente colapsada,
e se estende desde o vestíbulo vulvar até o colo do útero.
Seu comprimento é de 8 cm e se situa posterior à uretra e 5 4
anteriormente em relação ao fundo de saco de Douglas e ao
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reto. Ela apresenta um ângulo de 90° em relação ao útero. Na
união com a ectocérvice forma um canal circular ao redor do
colo denominado domo vaginal, abóbada ou fórnix. Para o 6
seu estudo, divide-se em quatro fundos de saco – um ante-
rior, dois laterais e um posterior – que se estendem sem tran-
sição, sendo o posterior o mais profundo. A irrigação sanguí-
nea é provida por ramos da artéria ilíaca interna, havendo
inúmeras anastomoses que impedem o dano isquêmico. As
veias rodeiam a vagina formando as veias uterinas, pudendas Figura 1-1 Vulva normal: 1. Monte pubiano; 2. Grandes lábios; 3. Cli-
e retais que drenam para a veia ilíaca interna. A drenagem tóris; 4. Pequenos lábios; 5. Meato uretral; 6. Hímen; 7. Vestíbulo.
22 Silvio Alejandro Tatti & Cols.

A vulva – como todo o aparelho reprodutor feminino Abaixo do epitélio escamoso, encontra-se uma camada
– apresenta inúmeras mudanças na puberdade. O aumento de tecido conectivo, terminações nervosas e uma fina vascu-
do tamanho do monte pubiano e dos lábios maiores se deve larização que nutre o epitélio suprajacente. Além disso, po-
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a um incremento do tecido gorduroso, e há um crescimento dem encontrar-se terminações nervosas.
dos folículos pilosos. Isso declina na menopausa.3 Na idade reprodutiva, a ação dos estrogênios e da pro-
A drenagem linfática da vulva flui para os gânglios lin- gesterona produz o crescimento, a maturidade e a descama-
fáticos inguinais e femorais. Portanto, o local mais frequente ção do epitélio. Este é totalmente renovado em 4 a 5 dias,
para metástases de tumores malignos vulvares são os gânglios mas, com a utilização de estrogênios, o ciclo pode ocorrer em
inguinais superficiais. As estruturas mediais, como o clitóris, apenas 3 dias.
drenam ambos os lados das estruturas linfáticas inguinais e Na pós-menopausa, esse epitélio se atrofia, diminui sua
raramente formam um canal linfático que chegue até os ple- espessura, e não se observam vacúolos de glicogênio intra-
xos linfáticos do lado anterior vesical para acabar nos gân- citoplasmáticos. A maturidade normal da idade reprodutiva
glios interilíacos e obturadores. está ausente nesse período da vida, e esse epitélio perde sua
A irrigação sanguínea é provida da artéria pudenda ex- função de proteção, sendo frequentes as infecções e os san-
terna – ramo da artéria femoral – e da artéria pudenda inter- gramentos.
na – ramo da ilíaca interna.4 Os retinoides também atuam sobre o epitélio, o excesso
Os nervos ílio-hipogástricos, ílioinguinais e genitofemo- de vitamina A promove a formação do epitélio mucíparo, e
rais são responsáveis pela inervação do monte de Vênus e a sua deficiência resulta em uma metaplasia escamosa com
da parte anterior dos grandes lábios.2 Os ramos perineais e queratinização epitelial.
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o ramo superficial do nervo perineal – ramos do pudendo O canal endocervical ou endocérvice é formado por
– tomam conta da inervação da parte posterior dos grandes uma camada de células cilíndricas mucíparas que reveste a
lábios.4 superfície e as estruturas glandulares. Essas estruturas glan-
dulares são invaginações tortuosas do epitélio superficial,
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mas não são glândulas verdadeiras. As glândulas verdadeiras
■ HISTOLOGIA apresentam diferentes tipos de epitélio em suas porções se-
cretoras e em seus ductos. Na endocérvice, o epitélio mucí-
Colo do útero paro é o mesmo. As ramificações e os cortes determinam que
essas ramificações apresentem um aspecto nodular.
O colo do útero tem duas porções bem delimitadas: a que pro-
As células cilíndricas apresentam um núcleo basal com
tui dentro da vagina, “a ectocérvice”, e o canal endocervical.
seu eixo perpendicular à membrana basal e um citoplasma
A ectocérvice está revestida por um epitélio escamoso
alto, finamente granular e cheio de pequenos vacúolos muci-
não queratinizado similar ao epitélio vaginal. Esse epitélio é
nosos. Esses vacúolos estão constituídos por mucopolissaca-
dividido em três camadas:
rídeos, e isso pode ser visto com a técnica de azul de Alcian.
■ A camada basal/parabasal, ou estrato germinal, consti- Também se observam células cilíndricas ciliadas – encarrega-
tuída por uma só camada de células basais que apresen- das do transporte do muco – e células argentafins, cuja fun-
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tam núcleos alargados e dispostos em forma perpendicu- ção é desconhecida.
lar à membrana basal. As células parabasais constituem As mitoses são muito difíceis de se observar neste epi-
as duas camadas superiores e são células maiores que télio, e a regeneração, acredita-se, é proporcionada por cé-
as basais e com maior quantidade de citoplasma. Essas lulas de reserva que se encontram disseminadas por todo o
células são as responsáveis pelo crescimento e pela rege- epitélio.
neração epitelial. Debaixo do epitélio cilíndrico mucíparo, encontra-se
■ A camada média, ou estrato espinhoso, formada por cé- uma espessa e desenvolvida trama de vasos capilares em um
lulas que estão em processo de amadurecimento, carac- estroma com maior inervação que a ectocérvice. Podem ser
teriza-se pelo aumento do tamanho do citoplasma. Os achados, tanto na endocérvice como na ectocérvice, folículos
núcleos são redondos com cromatina finamente granu- linfoides com ou sem centros germinativos com células den-
lar. Tais células são as chamadas células intermediárias dríticas, células de Langerhans, linfócitos T, que são respon-
em uma citologia esfoliativa. Elas podem ter glicogênio sáveis pela resposta imune.
no seu citoplasma e dar uma imagem característica de O muco produzido por este epitélio responde também
um vacúolo claro no citoplasma. a estímulo hormonal. Os estrogênios estimulam as células
■ A camada superficial é o compartimento mais diferen- a produzirem um muco abundante, alcalino e aquoso que
ciado do epitélio. As células são achatadas, apresentam facilita a penetração espermática. A progesterona produz a
abundante citoplasma e um núcleo picnótico caracterís- diminuição do muco, que se acidifica e se torna espesso com
tico. A função dessas células é proteger e evitar infecções. inúmeros leucócitos que dificultam a penetração dos esper-
Sua descamação é devida à escassez de desmossomas.3 matozoides.
Colposcopia e Patologias do Trato Genital Inferior: Vacinação Contra o HPV 23

ocorre por dois mecanismos: por epitelização com o cres-


cimento do epitélio escamoso na zona da união e por pro-
liferação de células de reserva que se diferenciam para o
epitélio escamoso. Esse último processo é geralmente cha-
mado de metaplasia escamosa (Figura 1-4). No início do
processo de metaplasia escamosa, as células de reserva são
muito imaturas, e em geral deve-se estabelecer o diagnósti-
co diferencial com lesões escamosas de alto grau. O resul-
tado final de ambos os processos é um epitélio escamoso
maturo que responde aos estímulos hormonais e no qual se
assentam as lesões precursoras do câncer de colo do útero
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(Figura 1-5).

Figura 1-2 União escamocolunar (HE – 25 x). União do epitélio esca-


moso da ectocérvice com o epitélio colunar da endocérvice.

A zona de transformação
A união escamocolunar é o ponto no qual o epitélio escamo-
so da ectocérvice se une ao epitélio cilíndrico mucíparo da
endocérvice (Figura 1-2). No nascimento, o ponto de união
entre o epitélio escamoso e o cilíndrico se encontra no orifício
cervical externo e se denomina união escamocolunar original.
Durante a infância e a puberdade, com o desenvolvimento
do colo do útero, ocorre um alargamento do canal cervical
com a consequente saída do epitélio mucíparo que forma um
epitélio ectópico fisiológico. Este apresenta seu maior desen-
Figura 1-4 Metaplasia escamosa inicial (HE – 40 x). Proliferação das
volvimento durante a menarca e os primeiros anos da vida células de reserva que formam a metaplasia escamosa. Observe-se
reprodutiva. Posteriormente, esse epitélio mucíparo é substi- que as células cilíndricas estão na zona apical do epitélio.
tuído por um epitélio escamoso do tipo metaplásico. A união
entre este novo epitélio escamoso e o epitélio cilíndrico volta
a encontrar-se no orifício cervical externo e se chama agora
Vagina
de união escamocolunar fisiológica ou funcional. A zona com- A parede vaginal é constituída por três camadas de tecido:
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preendida entre a união escamocolunar original e a funcional a mucosa, a muscular e a adventícia. A mucosa se dispõe
se denomina zona de transformação. A zona de transformação de maneira rugosa e forma pequenas pregas de 2 a 5 mm
é revestida por epitélio escamoso do tipo metaplásico e é o de espessura de acordo com o estímulo hormonal presente.
local de desenvolvimento de todas as lesões precursoras do Essa mucosa está recoberta por um epitélio escamoso estra-
câncer do colo do útero. Tudo isso reforça a importância de tificado que em geral é não queranitizado e contém glico-
ler, de conhecer e de estudar adequadamente esses aconteci- gênio (Figura 1-6). Este epitélio estratificado está dividido
mentos (Figura 1-3). nas mesmas camadas que o epitélio cervical: basal – uma
Chamamos de metaplasia escamosa a substituição do camada de células –, parabasal – duas a cinco camadas de
epitélio cilíndrico mucíparo por epitélio escamoso. Isso células –, e intermediária e superficial, ambas com espessura

Epitélio colunar

Epitélio escamoso

Figura 1-3 Zona de transformação. Esquema União escamocolunar Ectopia endocervical com Zona de transformação com
da formação e local da zona de transformação. “original” união escamocolunar “original” união escamocolunar “funcional”
24 Silvio Alejandro Tatti & Cols.

nais. A adventícia está formada por um tecido conectivo


frouxo, vascularizado e com inúmeros nervos e plexos ve-
nosos e linfáticos.5

Vulva
A vulva está revestida, exceto na zona do vestíbulo, por epi-
télio escamoso estratificado e queratinizado.1
Os grandes lábios apresentam fibras musculares e tecido
adiposo, e os pequenos lábios são ricos em fibras elásticas e
vasos sanguíneos. As glândulas sebáceas se associam aos folí-
culos pilosos na parte externa dos grandes lábios e se abrem
diretamente na superfície do epitélio na porção interna des-
Figura 1-5 Metaplasia escamosa concluída. O epitélio escamoso me-
ses lábios3 (Figura 1-7).
taplásico apresenta glicogênio. São reconhecidas glândulas endocervi- Os pequenos lábios não contêm elementos glandulares,
cais normais por baixo. exceto na união com o sulco interlabial.8
As glândulas apócrinas dos grandes lábios, no vestíbulo
posterior e no períneo, são ativadas durante a menarca, ao
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variável. O epitélio escamoso vaginal responde ao estímulo passo que as glândulas que regulam a transpiração começam
hormonal, já que contém receptores intranucleares para es- a atuar antes da puberdade.3
teroides sexuais. É por isso que a espessura e a maturidade A mucosa do vestíbulo é parecida com a mucosa vaginal
do epitélio variam com cada ciclo menstrual. O estímulo e apresenta glicogênio durante a fase reprodutiva. Este epité-
estrogênico aumenta a espessura do epitélio, e a progestero- lio rico em glicogênio se encontra com o epitélio transicional
na o faz maturar, aumentando a quantidade de glicogênio. do meato uretral e com o epitélio dos condutos excretores
Durante a gravidez, o epitélio vaginal apresentará muito gli- das glândulas menores e maiores da região vestibular e com
cogênio intracitoplasmático. Durante a lactância e na pós- as glândulas parauretrais.9
menopausa, o epitélio pode sofrer atrofia e ter apenas 6 a 8 As glândulas parauretrais ou de Skene são compostas
camadas celulares. por um epitélio cilíndrico pseudoestratificado mucossecretor
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Os melanócitos encontram se na camada basal. e drenam seu conteúdo em condutos revestidos por epitélio
Debaixo do epitélio, encontra-se a lâmina própria, que é transicional que desembocam aos lados do meato uretral.5
formada por um tecido conectivo, com inúmeras fibras elás- As glândulas de Bartolino são glândulas túbulo-alveola-
ticas e nervos, observando-se escassos vasos sanguíneos. res com seus ácinos revestidos por epitélio cilíndrico mucípa-
A camada muscular está constituída por fibras mus- ro (Figura 1-8). Os condutos que drenam a glândula medem
culares lisas dispostas de forma circular no setor aderido à aproximadamente 2,5 cm e estão revestidos por epitélio ci-
mucosa e de maneira longitudinal na parte externa. Essas líndrico no começo, depois por epitélio do tipo transicional e
duas camadas não estão bem delimitadas, e algumas dessas terminam como um epitélio do tipo escamoso; eles desembo-
fibras longitudinais passam a compor os ligamentos cardi- cam na porção posterolateral do vestíbulo.

Figura 1-6 Vagina (HE – 25 x). O epitélio escamoso apresenta elonga- Figura 1-7 Vulva, grandes lábios (HE – 25 x). Epitélio escamoso quera-
ção dos eixos conectivo-vasculares e glicogênio dentro de suas células. tinizado no qual se reconhecem folículos pilosos e glândulas sebáceas.
Colposcopia e Patologias do Trato Genital Inferior: Vacinação Contra o HPV 25

■ REFERÊNCIAS

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tral revestido por epitélio escamoso e alvéolos revestidos por epitélio
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cilíndrico mucíparo.
Vulval Disease. Martin Dunitz ltd, London, 1995.
9. Calandra D, di Paola G, Gomez Rueda N, Baliña LM. Enfermedades de la
vulva. Buenos Aires: Editorial Médica Panamericana; 1979.

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