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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

INTERCOM SUDESTE 2006 – XI Simpósio de Ciências da Comunicação na Região Sudeste.


Ribeirão Preto, SP - 22 a 24 de maio de 2006.

Comunicação, Semiótica e Música: relações e reflexões1

Maria Cristina Fernandes2


Instituto Municipal de Ensino Superior de Bebedouro “Victório Cardassi”

RESUMO: Esse trabalho visa estabelecer um diálogo e, conseqüentemente,


uma reflexão entre a Comunicação, a Semiótica e a Música, observando suas relações e
alguns estudos atuais sobre esses temas. A Comunicação, por natureza, possui estreita
relação com as Ciências da Linguagem. Assim, ela se insere perfeitamente nos estudos
semióticos, já que esses observam os níveis da significação, tanto de textos verbais
quanto não-verbais e sincréticos, exercendo importante papel nas pesquisas em
Comunicação. Por outro lado, a Música desempenha papel relevante entre os meios de
comunicação, principalmente no que concerne à maneira de expressar o conteúdo e a
expressão de suas letras, melodias e ritmos. Tendo em vista a repercussão rápida e
poderosa da música popular contemporânea em todas as ramificações midiáticas e sua
conseqüente influência na mente e no comportamento das pessoas, não podemos
interpretar o signo musical e sincrético apenas como um mero despejar de emoções ou
uma biografia do autor. É neste ponto que escolhemos a Semiótica como uma das
ferramentas dignas de serem trabalhadas dentro do âmbito musical. Desta maneira,
pretendemos suscitar uma breve reflexão e um diálogo a respeito dos três assuntos,
muitas vezes estudados de maneira isolada, mas que estão tão estreitamente
interligados.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Semiótica; Música.

1
GT 12 – Teorias da Comunicação do Intercom Sudeste 2006
2
Possui Graduação em Letras (Português/Inglês), Especialização em Língua Portuguesa e Mestrado em
Comunicação pela UNESP – Bauru; é docente das disciplinas de Língua Portuguesa e Língua Inglesa há 15 anos;
atualmente leciona as disciplinas de História da Comunicação e Língua Portuguesa no IMESB.
E-mail: tinacrisfer@ig.com.br

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1 INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade a música é representada pela natureza


do som em durações, alturas, timbres e intensidades nos mais variados níveis rítmicos.
Podemos dizer até que o homem primitivo já pensava musicalmente pelas ondas do
mar, pelos cantos dos pássaros, pelos rituais de tambores e, mas principalmente, pela
modulação da própria voz humana.
Por sua vez, tão remoto quanto o som dos seres existentes na terra, é o som
da linguagem humana. A controvérsia sobre sua origem remonta milhares de séculos,
desde a hipótese de que nos foi doada por um ser transcendental (“Deus” na linguagem
cristã), até a de que se trata da própria criação do homem.
A única certeza que temos é a de que a linguagem humana não parou em seu
processo evolutivo no que concerne ao seu poder comunicativo.
Hoje a comunicação ultrapassa e muito os limites da pedra e do papel. A
comunicação do século XXI é a comunicação midiática. É aquela que atravessa as
fronteiras do espaço e do tempo.
A música se insere com facilidade no atual contexto midiático, pois possui
um valor comunicacional que transcende as barreiras do tempo e do espaço.
Entretanto, tendo em vista a repercussão rápida e poderosa da música
popular contemporânea em todas as ramificações midiáticas e sua conseqüente
influência na mente e no comportamento das pessoas, não podemos interpretar o signo
musical e sincrético apenas como um mero despejar de emoções ou uma biografia do
autor.
Uma das ferramentas de estudo utilizada para tentarmos nos aprofundar
neste aspecto é a Semiótica, já que ela “deve apresentar-se inicialmente como o que ela
é, ou seja, como uma teoria da significação. Sua primeira preocupação será, pois,
explicitar, sob a forma de uma construção conceitual, as condições da apreensão e da
produção do sentido”. (GREIMAS & COURTÉS, 1989, p. 415).
Dessa forma, este trabalho tentará desenhar alguns traços análogos e
intrínsecos existentes entre Semiótica, Comunicação e Música, propiciando um diálogo
entre esses importantes conceitos.

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Para delimitarmos um pouco mais o tema, escolhemos como norte básico


alguns tópicos básicos da teoria Semiótica de A . J. Greimas sem, contudo, esquecermos
da contribuição dos signos em Peirce e de teóricos da Comunicação.
Além disso, trataremos a Música, delimitando seu extenso conteúdo através
do enfoque do pop rock brasileiro, seu papel e influências junto à mídia.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Muito se tem estudado a respeito dessas duas teorias de maneira isolada, mas
a discussão sobre os dois assuntos tem sido rara quando tentamos uma fusão entre elas.
A Semiótica, desde o âmago de sua origem, como sendo a teoria dos signos,
beirando outras teorias como a lingüística ou a semiologia dentre outras, encontra
respaldo epistemológico suficiente para ser instrumento básico necessário e
indispensável para os estudos da comunicação midiática já que, somando-se a todos os
conceitos já pesquisados, ela se define de forma mais ampla como a teoria da
significação, conforme acepção descrita por Greimas (1973).
Roland Barthes, Hjelmslev, Saussure e outros pesquisadores da linguagem já
se preocuparam com a essência da significação e sua influência na comunicação humana.
Adriano Duarte Rodrigues explica o papel da semiótica em relação à
experiência cultural na era da informação:
A resposta da semiótica tradicional às questões da comunicação
consiste em dizer que o destinatário ou alocutário de uma mensagem
reconhece a intenção do locutor e identifica o objeto para que a sua
mensagem remete, graças à existência de um código que determina as
correspondências entre os signos trocados, os objectos e as
significações para que estes signos remetem, código que tanto o
locutor como o alocutário dominam e possuem em comum. A
comunicação consistiria então fundamentalmente em processos de
codificação e de descodificação correctamente efectuados, isto é,
realizados de acordo com as regras sintácticas e semânticas do código
comum, utilizados pelos interclocutores. (RODRIGUES, 1999, p.
141).

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Acerca do conceito sobre Comunicação, Greimas (1989, p. 67) aponta dois eixos
básicos no que concerne às atividades humanas “o da ação sobre as coisas, pela qual o
homem transforma a natureza - é o eixo da produção - , e o da ação sobre os outros
homens, criadora das relações intersubjetivas, fundadoras da sociedade – é o eixo da
comunicação”.
E ainda acrescenta:
se a linguagem é comunicação, é também produção de sentido, de
significação. Não se reduz à mera transmissão de um saber sobre o
eixo ‘eu/tu’, como poderia afirmar certo funcionalismo;
complementarmente, ela se desenvolve, por assim dizer, para si
mesma, para aquilo que ela é, possuindo uma organização interna
própria. (1989, p. 67).

O percurso narrativo de sentido preconizado por Greimas também nos


oferece uma importante noção de como as manipulações por sedução (fazer querer-
fazer), provocação (fazer dever-fazer), tentação (fazer querer-fazer), intimidação (fazer
dever-fazer) acontecem e influenciam sobremaneira o receptor diante da cultura
midiática moderna.
Assim, a semiótica, em especial a greimasiana, observa os discursos
midiáticos sob olhares fixos na enunciação. Também ocupa-se em descobrir como a
força manipuladora da mensagem transmitida pode transformar pensamentos, atitudes e
até culturas inteiras.
As grandes emissoras de televisão, por exemplo, conseguem seduzir o
telespectador a um “querer” assistir aos programas, muitas vezes sem conteúdo ético e
(ou) educativo.
O jornalismo brasileiro, especialmente o das grandes emissoras, também é
um caso a parte. Sua manipulação por sedução consiste em apresentar os temas acima
descritos, não mostrando a informação de forma reflexiva, mas a notícia do “aqui, agora”
utilizando, principalmente, imagens sedutoras e (ou) de fascinante impacto ao
telespectador. Desta forma, do “querer” assistir às programações, o indivíduo passa ao
“dever” continuar assistindo.
Se pudéssemos elaborar o esquema narrativo em cada discurso que nos é
colocado pela mídia, com certeza descobriríamos como se realiza o “sentido da vida”
idealizado por Greimas:
Com efeito, o esquema narrativo constitui como que um quadro em
que vem se inscrever o “sentido da vida” com suas três instâncias: a

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qualificação do sujeito, que o introduz na vida; sua “realização” por


algo que “faz”; enfim, a sanção – ao mesmo tempo retribuição e
reconhecimento – que garante, sozinha, o sentido de seus atos e o
instaura como sujeito segundo o ser. Esse esquema é suficientemente
geral para autorizar todas as variações sobre o tema: considerado num
nível mais abstrato e decomposto em percursos, ajuda a articular e a
interpretar diferentes tipos de atividades, tanto cognitivas quanto
pragmáticas. (GREIMAS, A . J. & COURTÉS, 1989, P. 297-298).

Por ser a ciência que estuda a significação, amparada por análises relativas às
manifestações manipuladoras dos discursos, sejam eles representados pela linguagem
verbal ou não-verbal, a teoria greimasiana pode contribuir sobremaneira para o
desenvolvimento de novas pesquisas em comunicação midiática, considerando as
transformações que esta última têm provocado nos pensamentos e nas atitudes de
indivíduos e culturas.
Já Peirce através de suas três categorias da experiência, primeiridade,
secundidade e terceiridade, nos remete à idéia de relações comunicacionais do signo
consigo mesmo, do signo com o objeto e do signo com seu interpretante.
Vejamos a noção de infinitude que a cadeia semiótica formulada por Peirce
se nos apresenta:

Um signo “representa” algo para a idéia que provoca ou modifica. Ou


assim é um veículo que comunica à mente algo do exterior. O
“representado” é seu objeto; o comunicado, a significação; a idéia que
provoca, o seu interpretante. O objeto da representação é uma
representação que a primeira representação interpreta. Pode conceber-
se que uma série sem fim de representações, cada uma delas
representando a anterior, encontre um objeto absoluto como limite. A
significação de uma representação é outra representação. Consiste, de
fato, na representação despida de roupagens irrelevantes; mas nunca
se conseguirá despi-la por completo; muda-se apenas de roupa mais
diáfana. Lidamos apenas, então, com uma regressão infinita.
Finalmente, o interpretante é outra representação a cujas mãos passa o
facho da verdade; e como representação também possui interpretante.
Aí está nova série infinita”. (PEIRCE, 1974, p. 99 apud PLAZA,
2001, p.17)

Podemos perceber que cada percepção corresponde a mais uma conexão, que
por sua vez dará origem a outra percepção e interpretação e, assim ad infinitum, existirá
uma interminável rede de afetabilidades comunicacionais entre interpretantes.

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Não nos aprofundaremos nos conceitos sígnicos peirceanos neste momento.


Contudo podemos notar traços dialógicos bastante interessantes entre algumas de suas
idéias com as teorias comunicacionais.
Assim vemos que tanto Greimas quanto Peirce trabalham a questão da
comunicação em diferentes aspectos porém, de certa forma, eles se entrecruzam, seja no
que diz respeito aos signos e interpretantes em Peirce, seja no poder concedido à
enunciação e ao enunciatário em Greimas.

2.2 SEMIÓTICA E MÚSICA

Quando seguimos a linha do fazer manipulador de Greimas inferimos a idéia


de que a música carrega em sua estrutura um poder de manipulação capaz de
interferências e transformações individuais e sociais através dos mais variados tipos de
cultura midiática.
A música possui um poder que ultrapassa os níveis de escuta e oralidade e na
atual era comunicacional a linguagem musical não só participa das emoções e
sentimentos do ser humano, mas possui todo um sistema de significação rítmico-
melódico, além de uma considerável força narrativa que pode influenciar o público
ouvinte-receptor.
Assim, podemos explicar, por exemplo, o papel manipulador que a mídia
(especialmente o rádio e a TV) exerce no jovem através da mensagem persuasiva
presente na linguagem musical atual e as propriedades capazes de alterar o
funcionamento psicológico do indivíduo de tal forma que ele reaja francamente em
direção ao produto, objeto da persuasão.
Longe de ser vista apenas como um jorrar de emoções e sentimentos
advindos de seus autores, a música pode ser estudada de forma a observar seu caráter
manipulador para com o ouvinte-receptor.
As pesquisas em semiótica sincrética podem, sem dúvida, corroborar para o
desenvolvimento de análises profundas da significação em relação a todo tipo de
linguagem, não apenas a verbal, mas também a não-verbal, já que seu objeto é o sentido.

Num sentido mais amplo, serão consideradas como sincréticas as


semióticas que – como a ópera ou o cinema – acionam várias
linguagens de manifestação; da mesma forma, a comunicação verbal
não é somente de tipo lingüístico; inclui igualmente elementos

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paralingüísticos (como a gestualidade ou a proxêmica),


sociolingüísticos etc. (GREIMAS, A . J. & COURTÉS, 1989, p. 426).

Conforme os estudos de D’Ávila (1999, p. 470), os elementos verbais


e não-verbais da música possuem caráter entonativo e intonativo, salientando que este
último é considerado “pivô narrativo do dinamismo do discurso, ao redor do qual gira
todo um sistema de valores capaz de engendrar a significação pela manipulação”.

Na produção simultânea do sentido, podemos verificar alguns


interferentes de estruturas semânticas e/ou sintáxicas no objeto
semiótico em análise. Estes serão interpretados como ocasionais ou
de atuação constante. Neste último caso, a simultaneidade pode
permitir que uma certa linguagem se faça presente como “figura de
fundo” sem que possa intervir na resultante significativa do objeto em
questão. (D’ÁVILA, p.468, 1999)

Assim, segundo a pesquisadora, é importante que observemos o “como do


sentido”; de que forma o som de determinada música, em determinados compassos e
contextos rítmico-melódicos podem interferir ocasionalmente ou permanentemente no
discurso verbal da mesma, ocorrendo uma alteração do “significado da linguagem verbal
no conteúdo daquilo que foi dito, segundo a maneira de dizer”. (D’ÁVILA, p.469, 1999)
Greimas também nos dá pistas sobre a importância de estudarmos as camadas
mais profundas de uma determinada linguagem para compreendermos o poder
persuasivo que esta exerce sobre o enunciatário-ouvinte.

A significação não é apreensível senão no momento da sua


manipulação, no momento em que, ao interrogar-se sobre ela em uma
linguagem e num texto dados, o enunciador é levado a operar
transposições, traduções, enfim, para outra linguagem. (...) Enquanto
atividade cognitiva programada, a significação se acha, então,
suportada e sustentada pela intencionalidade, o que é uma outra
maneira de parafrasear a significação. (GREIMAS, A . J. &
COURTÉS, 1989, p. 419) .

Se tomarmos a categoria de primeiridade em Peirce, veremos que a


linguagem musical aí se insere como ícone, fruto da percepção humana, quando o ser
humano abre as portas dos seus sentidos.
O canal auditivo é constantemente aberto, por isso abre espaço para que o
som penetre em nichos do psiquê humano.
Segundo Plaza:
tomando o fonema como unidade mínima de material sonoro e
fazendo um paralelo com a música, vemos que ambos, música e

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fonema, possuem uma estrutura tanto harmônica quanto melódica. A


melodia é uma seqüência temporal de sons, já a harmonia é um feixe
de sons simultâneos. Para efeitos de análise, tanto a fala quanto a
música se revelam como um fluxo de sons dos quais é possível extrair
tanto um acorde musical quanto um fonema. (2001, p. 159)

Já, Greimas, entende o “entrar” no mundo dos sentidos como efeito de


sentido. “Situado na instância da recepção, o efeito de sentido corresponde à semiose,
ato situado no nível da enunciação e à sua manifestação que é o enunciado-discurso.”
(GREIMAS & COURTES, 1979, p. 137).
A música possui um caráter passional e produz efeitos de sentido. Segundo
D’Ávila (1996, p. 461) a melodia, possuindo a qualidade do “tornar-a ser”, “permanece
na memória sensitiva quando sensitiva e cognitivamente elaborada, com coesão
(sintaxe), coerência (semântica) e poética”.
Podemos tomar como exemplo a música “Pais e Filhos” da consagrada banda
pop rock brasileira, Legião Urbana.
Mesmo após quase uma década da morte de Renato Russo, autor da letra e
considerado um dos fundadores do estilo rock no Brasil, os jovens ainda continuam
cantando a música, cujas características verbais e não-verbais de suas estrofes,
especialmente de seu refrão (“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã,
porque se você parar pra pensar, na verdade não há”), são capazes de persuadir o
ouvinte-enunciatário de forma que o mesmo busque seu objeto de persuasão através das
mais diversas formas de cultura midiática, comprando e usufruindo seus produtos.
Santaella (2002), em seus estudos sobre semiótica aplicada, considera que o
interpretante possui vários níveis de realização: o imediato (primeiridade), o dinâmico
(secundidade) e o final (terceiridade).
Relacionando esses níveis ao contato que o destinatário-ouvinte possui diante
da linguagem musical contemporânea, podemos fazer a seguinte analogia: quando o
interpretante entra em contato com a música não existe, nesse primeiro momento, um
nível de abstração elevado, ou seja, o signo ainda não encontrou seu intérprete em
potencial. Nesse caso, o interpretante é imediato.
Santaella também nos explana que o interpretante dinâmico ocorre quando o
signo atinge o intérprete, podendo produzir três efeitos: emocional, energético ou lógico.
No caso da linguagem musical, percebemos que ela carrega, por si mesma,
elementos sígnicos, verbais e não-verbais capazes de provocar os três efeitos acima.

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Assim, os aspectos melódicos, rítmicos e (ou) verbais de uma música são capazes de
provocar no ouvinte-receptor, sentimentos, reações físicas e intelectuais, assim como,
interpretações lógicas internalizadas.
Como interpretante final, teremos o resultado interpretativo, a verificação do
signo musical como algo internalizado o suficiente para possíveis mudanças de atitude
do receptor musical.
A pesquisa em música e semiótica torna-se ainda mais profunda e
interessante quando percebemos que tanto a semiótica greimasiana quanto a peirceana
contêm, cada uma em sua essência, elementos suficientemente capazes de colaborar para
o estudo de análise musical, tanto em seu aspecto verbal quanto o não-verbal.

2.3 MÚSICA E COMUNICAÇÃO

Seguindo a linha do “universal sem totalidade” encontra-se a música


contemporânea.
Conforme Pierre Lévy (2001, p. 137), “universal pela difusão e de uma
audição planetárias; sem totalidade, já que os estilos mundiais são múltiplos, em via de
transformação e de renovação constantes”.
Além disso, nunca na história da vida humana, a arte pôde conhecer tantas
técnicas que auxiliassem de forma rápida, eficiente e eficaz, seu poder criativo.
Lembremo-nos que arte e técnica não tinham conotações diferentes no
passado como as têm hoje em dia.
O termo arte, em latim “ars artis”, traduzia o termo grego “têchnê”. Portanto,
arte e técnica mantinham uma identidade que lhes eram inerentes.
No atual contexto de cultura midiática, a técnica na arte ou a arte na técnica
retomam o antigo conceito e ganham nova roupagem.
Com a arte musical não poderia ser diferente. Novas concepções criativas têm
permeado músicos de todo o globo devido à presença das novas tecnologias e suas
constantes renovações.
O artista que abraça a música eletroacústica, às vezes chamada de
música concreta ou acusmática, compõe obras que são uma elaborada
montagem de sons modificados pelos modernos recursos da
computação. A maior parte dos sons é pré-gravada e se origina de
instrumentos musicais ou de qualquer outra fonte de áudio, como uma
porta que bate, o soar de uma buzina. Os mais maldosos diriam que a

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música eletroacústica é mais eletroacústica do que música, mas tal


estranhamento se deve ao caráter vanguardista do movimento.
(PIVETTA, 2003, p. 83-84)

Pesquisas como essas, realizadas pelo Instituto Virtual de Música e Ciência


casam música e tecnologia, dando-nos prova de como as formas de composição se
transformaram e se transformam a cada segundo por causa de uma das características do
atual contexto cultural: a criação constante de incessantes atualizações.
Tomemos como exemplo a música tecno. Ela “está de acordo com o princípio
de comunidade virtual, já que os acontecimentos musicais são muitas vezes produzidos
durante festas rave e adquirem sentido em comunidades mais ou menos efêmeras de
músicos ou disc-jóqueis” (LÉVY, 2001, p.142).
Isso sem falar nas formas híbridas de cultura artística nas quais incluem
música, imagem, poesia e todo tipo de linguagem, amparadas pelo aparato tecnológico
que os entrelaça.
O video-clip foi um dos precursores dessa vertente cultural, mas com o
advento da era high-tech, cria-se uma visão inovadora no que diz respeito à comunicação
musical entre indivíduos e comunidades.
Segundo Adriana Amaral:

As múltiplas relações entre música e imagem desenham-se nesse


contexto de mudanças estéticas, sociais e culturais. A velocidade, a
fragmentação, a cultura enquanto produto e a crescente informatização
mudaram definitivamente o pensamento sobre a arte. Os samplers,
estúdios, os softwares de composição musical, enfim, todo o aparato
digital à disposição dos sentidos e do bolso, facilitam a técnica e criam
um novo paradigma na seleção auditiva e visual feita pelos sentidos. A
ruptura entre o que se escutava antes e o que se ouve agora deu-se
através das novas possibilidades técnicas relacionadas ao som. (2002,
p. 18)

Além das transformações tecnológicas causadoras de tantas mudanças em


relação à criação musical, outro fator interessante é no que diz respeito aos estilos
musicais.
Hoje existe uma espécie de “enxerto estilístico” inserido em grande parte das
músicas nas quais ouvimos. Às vezes parece que estamos ouvindo um pop rock e de
repente ele se transforma num rap, ou então é uma música lenta com batidas tecno.

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A criação artística tem assimilado a idéia do todo num só, e estilos


diversificados se unem numa espécie de “enxerto” musical. Porém, felizmente, nesse
caso não existe a inclusão de um em detrimento de outro.
A modernidade requer a ubiqüidade. A mídia tende a estar em todos os
lugares, sem limites de espaços e tempos. A música inseriu-se nesse contexto com
enorme facilidade, pois possui o mesmo caráter globalizante e transcultural.
Conforme Edgar Morin,
quando se trata de arte, música, literatura, pensamento, a
mundialização cultural não é homogeinizante. Constituem-se grandes
ondas transculturais que favorecem a expressão das originalidades
nacionais em seu seio. Mestiçagens, hibridações, personalidades
cosmopolitas ou biculturais (Rushdie, Arjun Appadura) enriquecem
sem cessar esta vida transcultural. Assim, muitas vezes para pior, mas
também com freqüência para melhor – e isso sem se perder -, as
culturas do mundo inteiro entrefecundam-se, sem saber, no entanto,
que fazem filhotes planetários. (2003, p.352)

Podemos fazer um recorte dessa mundialização cultural, enfocando o rock,


em especial o pop rock brasileiro, como forte marca de um dos estilos musicais de nossa
civilização midiática pós-moderna.
Como produto de uma geração advinda do mundo tecno-industrial onde
capitalização e consumismo se misturam com arte, o rock exerceu transformações na
cultura do homem inserindo-se também como cultura midiática.
Segundo Adriana Amaral
O fator de socialização que a música apresenta possibilitou a
constituição do rock n’roll como uma forma de manifestação cultural
que transcende limites sociais, culturais e geográficos, ganhando a
mente dos jovens a partir da década de 50, pipocando sua sonoridade
nos mais variados cruzamentos do mundo. O mundo paradoxal,
ambíguo e mundializado do rock o torna a música da
contemporaneidade, fazendo-o facilmente passível de identificação,
bem como servindo de totem de adoração a grupos de indivíduos.
(2002, p.39)

Desde 1957, quando o primeiro rock made in Brazil apareceu, “Rock and roll
em Copacabana”, de Miguel Gustavo, as rádios brasileiras se aperceberam do que isso
significaria em termos de receptividade e audiência do público ouvinte.
Pouco a pouco, aliás, as rádios foram acordando para o mulatinho
americano. No final da década de 50, até mesmo a Nacional de São
Paulo reservava um espaço para o rock’n’roll e demais
excentricidades: o programa “Ritmos para a juventude”, apresentado
por Antônio Aguillar. Outro proto-DJ, Carlos Imperial, pilotava

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“Clube do rock” (na Tupi) e “Os brotos comandam” (na Guanabara).


(DAPIEVE, 2000, p.13)

Sem dúvida nenhuma o rock brasileiro contribuiu sobremaneira para uma


mídia mais voltada aos interesses dos jovens.
Contudo, mesmo no auge de seu aparecimento no país, beirando os anos 80,
ainda existia perante as pessoas um certo ar de marginalidade em relação ao BRrock . O
movimento punk, com seu jeito agressivo de usar os cabelos e se vestir, também
contribuía para essa visão.
Mas a imprensa brasileira foi generosa. Em 1982, o SESC Pompéia lançou o
Festival Punk de São Paulo, conhecido como “O Começo do Fim do Mundo”, show com
as bandas Olho Seco, Ulster, Cólera, Extermínio, Anarkoólatras e Inocentes. Após o
espetáculo, o público era convidado a assistir vídeos e prestigiar o lançamento do livro
“O que é punk”, do jornalista Antônio Bivar, editado dentro da coleção Primeiros
Passos, da Brasiliense.
E assim, fomentava-se a divulgação de muitas bandas roqueiras brasileiras.
Entre elas, o Aborto Elétrico (mais tarde Legião Urbana e Capital Inicial), Blitz, Barão
Vermelho, Plebe Rude, Paralamas do Sucesso, dentre as que mais se destacaram.
É evidente que a participação da mídia como elemento-chave de
comunicação dessa nova vertente musical foi primordial para que a tendência pop rock
brasileira se firmasse como estilo e moda, próprios do nosso país.
Segundo Dapieve (2000), a presença de pessoas influentes na mídia
colaboraram para a difusão do BRock , dentre elas, o jornalista destaca: Ana Maria
Bahiana, do jornal “O Globo” e da revista “Pipoca Moderna”, Jamari França, do “Jornal
do Brasil” e Maurício Kubrusly, da revista “Som Três” e da rádio Excelsior FM, de São
Paulo.
Assim, vemos que a música contemporânea, e aqui destacamos a de estilo
pop rock brasileiro, encontrou e encontra na mídia, seja ela escrita ou falada, espaço
propício para sua difusão, mesmo sendo produto de uma sociedade que carregou e
carrega consigo o espólio deixado por anos de ditadura militar, tempos em que a arte,
principalmente a música, no melhor estilo rock’n’roll nacional, não era bem recebida
pelo poder político da época.

3 CONCLUSÃO

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Tentamos neste presente trabalho facilitar uma relação de intercomunicação


entre Comunicação, Semiótica e Música, observando suas afinidades e correlações; no
entanto faz-se necessário uma pesquisa mais abrangente em relação aos aspectos
epistemológicos de cada um desses temas pois, como ciências, podem ser compreendidas
através do estabelecimento de um diálogo profundo e significativo, contribuindo, assim,
para a definição do ser humano contemporâneo, enquanto ser mergulhado na nova onda
midiática.
A Semiótica, enquanto ciência da significação e baseada num processo de
ações sígnicas oferece subsídios suficientes para a compreensão da linguagem musical,
seu poder persuasivo e manipulador, seus signos traduzidos em notas, ritmos, timbres,
melodias enfim, todos os elementos não-verbais e (ou) verbais que a compõe.
Outrossim, teóricos da Comunicação têm se empenhado em responder
perguntas que a atual cibercultura estabelece para um público-receptor ainda em fase de
adaptação às novas tendências tecnológicas.
A definição do papel da Música nesse novo contexto cultural faz-se
necessária, uma vez que, trabalhando com o “universal sem totalidade”, poderá colaborar
para futuros estudos em comunicação midiática, especialmente no que diz respeito às
novas técnicas utilizadas para a composição de músicas e estilos.
A inserção do pop rock brasileiro na mídia é um dos exemplos de como esta
última exerce importante papel na atual era comunicacional, influenciando o público
receptor e até uma geração.
Concluímos em nossas reflexões a respeito dos assuntos aqui tratados que
ainda há um longo caminho a ser percorrido nos estudos sobre
Comunicação e suas relações com outras teorias. Porém, além da chegada é esse
caminhar da Ciência que a torna mais interessante e fascinante.

1
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
INTERCOM SUDESTE 2006 – XI Simpósio de Ciências da Comunicação na Região Sudeste.
Ribeirão Preto, SP - 22 a 24 de maio de 2006.

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