Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Preâmbulo do viajante
“Justement ce n’est pas ce résultat qui m’intéresse mais que chacun puisse le
produire, et cela, parce qu’il parle, qu’il dispose d’une langue qui est à elle-même
son mode d’emploi.” (NORMAND, 2002, p.7/8).
“Ce faisant, nous expérimentons à la fois le recul des limites qui caractérisent le
monde contemporain, le recul en symbolique et l’altérité, le récit de soi, l’identité
narrative au sens que Paul Ricoeur donne à ce terme.” (ROBIN, 2001, p. 263)
1
Sublinhado por Milner.
2
Os deslocamentos no espaço geográfico quer seja ele real ou virtual e por conseqüência os deslocamentos
lingüísticos, culturais e discursivos na sociedade em geral, são temas de interesse na literatura, nas artes
plásticas (ver, por exemplo, a pesquisa estética realizada por Maurício Dias e Wlater Riedweg em vídeo
instalação chamada de Os Franciscos, os Severinos e os Raimundos na 24 BIENAL de São Paulo, com 33
porteiros nordestinos na cidade de São Paulo) e mais especificamente nos estudos relativos à língua e ao
discurso.
tende a apagar as fronteiras entre o mundo do inconsciente e do consciente
sobre/na/pela língua?
Podemos começar, então, a pensar a língua como Elias Canetti, por
exemplo, quando ele se reporta à matéria em si:
“Minhas primeiras recordações estão imersas no vermelho. Saio por uma porta nos
braços de uma menina, o chão a minha frente é vermelho e a minha esquerda
desce uma escada igualmente vermelha. A nossa frente, à mesma altura, abre-se
uma porta e aparece um homem sorridente que, alegre, vem em minha direção. Ele
se aproxima bem pára e me diz: "Mostre a língua!" Mostro a língua e ele leva a mão
ao bolso, tira um canivete, abre-o e põe a lâmina bem perto de minha língua. Ele
diz: “Agora lhe cortaremos a língua.” Não ouso recolher a língua; ele se aproxima
cada vez mais, até quase tocá-la com a lâmina. No último momento ele recolhe a
faca e diz: "Hoje ainda não, amanhã”. Ele dobra o canivete e o guarda no
bolso.”(CANETTI, 1987:11).
Mas nem por isso a língua deixa de ser uma instância densa e
significativa. Vejamos com Kateb Yacine: “Une langue appartient à celui qui la
viole, pas à celui qui la caresse.”
Ou ainda, pela via de Garcia Márquez (1998) em Cem Anos de Solidão,
que pela epidemia da insônia que atacou Macondo, para não esquecer o nome
dos objetos, seus habitantes colavam etiquetas em cada coisa: “balde”, “mesa”,
“vaca.”
Ou como aquela de Mia Couto:
“- Lembra que eu andava a aprender idioma da passarada? Pois, sua mãe nunca me
autorizou.
- Pai, escute...
- Agora, meu filho, eu já não falo nenhuma língua, falo só sotaques. Entende ?”
(COUTO, 2000 p. 53).
Mas o quê na língua nos fascina tanto? Ela nos esconde o quê ? Como
ela nos torna tão consciente inconsciente para falarmos dela e com ela? Ou
como pergunta Robin: “Qu’est-ce qui pousse la langue à être toujours sur les
bords, tout près de l’abîme, là où ça bascule, ça bouscule, ça trébuche,
bredouille, bafouille ; à être toujours au-delà ou en deçà, jamais sur le trait, sur
la lettre, en écart ...” (ROBIN, 2003, p.7).
Estamos vendo a própria concepção de língua como limite “impossible
de dire, impossible de ne pas dire d’une certaine manière” (MILNER, 1978, p.
26) ou então como nos ensina Pêcheux: “ l’ordre de la langue? Rien d’autre
que l’ordre politique dans la langue.” (PECHEUX, 1981a, p. 28).
Se a língua como limite traz ruptura nesses discursos é porque o
deslimite também se faz presente pela língua. Por isso o discurso sobre a
língua está sempre prestes a romper o deslimite transgredindo, encarregando-
se de constituir o nonsense. Ao nosso ver, ela poderia estar representada pela
tríade pechetiana “enchâssement, articulation et dé-liaison” (PECHEUX,
1981b).
Entendemos também que pela sua reiteração em situações enunciativas,
como vimos anteriormente, sentidos se deslocam e se articulam em uma
multiplicidade na historicização do acontecimento. Está aí a força de se pensar
o acontecimento como marca de significação carregada de sentidos
pela/na/sobre língua porque:
Por outro lado, a surveillance desse espaço de língua toca muito perto
uma questão importante: a do sujeito no/do discurso e sua identificação com
a língua. A língua pode ser considerada, então, como o lugar privilegiado da
nossa textualização na relação com o outro:
“La langue en soi n’est rien d’autre que cette partition considérée en général, une
langue en est une forme particulière; um dialecte d’une langue, une réorganisation
spécifique d’une partition particulière.” (MILNER, 1978, p.27)
Viajante se define
Para nós, constituir-se como sujeito, é constituir pela língua e pelo lugar
ocupado nela. Mas o lugar ocupado por ela constitui-se pelo lugar que
ocupamos, também fisicamente, nesse espaço. Lugar3 físico, corpo social,
sujeito cindido, deslizes e constituição, diversidade e unidade, vestígios e
errâncias de discurso e de sujeito e, por conseguinte, de identificações. O
sujeito vai, assim, se constituindo na língua pela sua história, na história dessa
materialidade.
Pensar a língua como território profundo, jardim sem limites, é pensar a
nossa própria essência como nos ensina a escritora portuguesa Lídia Jorge
(1998). Para nós, território é o intermédio do lugar de negociação que se faz
com a língua, pela língua e na língua. E é, pela interpelação da língua pela
língua se misturando na língua, pelo sujeito da língua, que nos constituímos.
Vida e História. História de Vida. Acontecimento Fundador.
Vejamos novamente Robin:
“J’ai longtemps pensé que je n’avais ni langue, ni nom, ni lieu, ni feu. J’en ai changé
tant des fois ! Mes premiers souvenirs: changer d’appartement tous les jours,
dormir dans des terrains vagues, des abris de fortune, des caves, des couloirs.
Tromper l’ennemi! Ne pas se faire prendre, ne pas se faire surprendre, ne pas
recontrer la police française ou la Gestapo. Ne pas ouvrir la bouche car la langue
qui en sortirait serait sans arrêt de mort, parler français, comme tout le monde,
sans accent, sans inaperçue.” (ROBIN, 2004, p.81)
3
Lugar é tomado aqui como uma forma de dar seguimento a um projeto pessoal e coletivo, que desde o
começo, configura-se no movimento de sentidos, na sua dimensão histórica e política.
Vivre, c’est passer d’un espace à l’autre en essayant le plus possible de ne pas se
congner.” (PEREC, 1974, p. 14)
“Ce passage à l’acte qui trouble la frontière entre le réel, le principe de la réalité, la
finitude et l’imaginaire, où l’on peut faire l’economie de la castration symbolique,
est la source d’une grande jouissance même s’il se révèle mortifère.” (2001, p. 260)
Bibliografia
ALTHUSSER. Louis. Ecrits philosophiques et politiques. Tome 2, Paris, Stock-
Imec, 1995.
BARRENO, Maria Isabel. Um imaginário europeu. Lisboa, Caminho, 2000.
BALIBAR, Renée. La langue républicaine: une politique des textes in
Institution des Langues, sous la direction Branca-Rsoff, Sonia. Paris, Editions de
Sciences de l’homme et de la société, 2001.
CANETTI, Elias. Les voix de Marrakech – journal d’un voyage. Paris, Albin Michel,
1980.
CANETTI, Elias. A língua absolvida historia de uma juventude. São Paulo,
Companhia das Letras, 1987.
COUTO, Mia. O último vôo dos flamingos. São Paulo, Companhia Das Letras,
2000.
COURTINE, Jean-Jacques. Georges Orwell e a questão da língua in Identidade
Cultural e Linguagem (org. Baronas Roberto Leisa), Campinas, Cáceres, Pontes e
UNEMAT, 2005.
DOUBROVSKY, Serge. Le livre brisé, Paris, Grasset, 1989.
FONTOURA DORNELES, Elizabeth. Interdiscurso: espaço de encontro do
factual e do teórico-discursivo in II Seminário em Análise do discurso, Porto
Alegre, UFRGS, nov. 2005.
GARCIA MARQUEZ, Gabriel. Cem anos de solidão. Rio de Janeiro/São Paulo,
Editora Record, 1998.
HUSTON, Nancy; Koraïchi, Rachid. Tu es mon amour depuis tant d’années. Paris,
Editons Thierry Magnier, 2001.
MARIANI, Bethania e Medeiros, Vanise. Simpósio 7 – Língua in II Seminário
em Análise do Discuso, Porto Alegre, UFRGS, novembro, 2005.
MESCHONNIC, Henry. La rime et la vie. Paris, Lagrasse: Verdier, 1989.
MESCHONNIC. Henry. Présentation, in Et le génie des langues, Paris, Presses
Universitaires de Vincennes, 2000.
MILNER, Jean-Claude. L’amour de la langue. Paris, Editons du Seuil, 1978.
NORMAND, Claudine. Bouts, brins. Bribes: petite grammaire du quotidien, Orléans,
Edition Le Pli, 2002.
ORLANDI, Eni P. Discurso fundador a formação do país e a construção da identidade
nacional. Campinas, Pontes, 1993
ORLANDI, Eni P. Análise de discurso. Campinas, Pontes, 1999.
ORLANDI, Eni P. Michel Pêcheux e a Análise de Discurso, in Estudos da
Língua(gem), Vitória da Conquista, Junho 2005, n. 01, Edições UESB, 2005.
PECHEUX, Michel; GADET, Françoise. La langue introuvable. Paris, François
Maspero, 1981a.
PECHEUX, Michel. L’énoncé: enchâssement, articulation et dé-liaison in
Matérialités Discursives, Lille, Presses Universitaires de Lille, 1981b.
PÊCHEUX, Michel. O discurso estrutura ou acontecimento, Campinas, Pontes,
1990.
PEREC, Georges. Espèce d’espaces, Paris, Galilée, 1974.
ROBIN, Régine. Identités et mémoires de substitution in Lignes, Paris, n. 6,
Editions Léo Scheer, 2001.
ROBIN, Régine. Le deuil de l’origine: une langue en trop, la langue en moins. Paris,
Edition Kimé, 2003a.
ROBIN, Régine. Cybermigrances, Montréal, VLB Editeur, coll. Le soi et l’autre,
2003b.
ROBIN, Régine. La mémoire saturée, Paris, Stock, coll. Un ordre d’idées, 2003c.
SCHERER, Amanda Eloina; MORALES, Gladys; LECLERCQ, Hélène.
Palavras de intervalo no decorrer da vida ou por uma política imaginária de
identidade e da linguagem in CORACINI, Maria José (org.) Identidade e
Discurso, Campinas, Editora da UNICAMP, 2003.
SCHERER, Amanda Eloina. A constituição de sentido nas fronteiras do eu:
memória da língua e a língua na memória in Revista Letras, Santa Maria, PPG
Letras/UFSM, número 26, p. 119- 130, dezembro 2003.
SCHERER, Amanda Eloina As inquietudes discursivas de um orientador in
Revista Letras, Santa Maria, PPG Letras UFSM, número 21, p. 11-19,
dezembro 2002.
SCHERER, Amanda Eloina. Sens, historie et mémoire: le silence fondateur
dans la reconstruction d’un passé professionnelle in Revue Histoires de Vie,
Rennes, Presses Universitaires de Rennes 2, vol. 1, p. 39- 49, I semestre, 2001.
SERRANI, Silvana M. A Linguagem na Pesquisa Sociocultural: um estudo da
repetição na discursividade, Campinas, Ed. da UNICAMP, 1993.