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DISCURSO PUBLICITÁRIO E ADMINISTRAÇÃO: UM ESTUDO DE CASO

Liliane Müller1
Katia Cristina Schuhmann Zilio2

RESUMO
Este artigo pretende analisar discursivamente a peça publicitária "Ostrich" ("Avestruz") da Samsung,
compreendendo como o consumo pode ser influenciado pelos discursos que se organizam em torno
da ideia de oferta e procura. Os discursos publicitários transmitem valores, ideais, emoções, utilizando
recursos próprios da língua. Na peça em estudo há também a mobilização de conceitos da
Administração, como: empreendedorismo, liderança e motivação, que, se entrelaçam com noções da
Análise do Discurso, e, nos proporcionam uma interpretação pautada em como a ideologia capitalista
se faz presente no comercial e como ela nos influencia. O discurso do “eu posso” presente no comercial,
nos chama atenção pelo fato de tornar possível, coisas que biologicamente seriam impossíveis. O
objetivo é nos fazer acreditar que tudo está ao nosso alcance, desde que façamos uso da tecnologia
como aparato. O olhar do analista é crítico e busca analisar os efeitos de sentido que estão presentes
na textualidade. Os aspectos metodológicos que dizem respeito a este trabalho correspondem ao viés
da análise de discurso, de origem francesa mais precisamente de Michel Pêcheux. Concluímos que,
além de vender a marca, a empresa empreende um discurso que revitaliza o discurso capitalista.

Palavras-Chave: Ideologia. Administração. Análise do Discurso. Memória.

ABSTRACT
This paper aims to discursively analyze the advertising piece "Ostrich" (Samsung's "Ostrich"),
understanding how consumption can be influenced by the discourses that are organized around the
idea of supply and demand. Advertising speeches convey values, ideals, emotions, using the language's
own resources. In the article under study there is also a mobilization of management concepts, such as:
entrepreneurship, leadership and motivation, that come into contact with the notions of Discourse
Analysis, and give us an interpretation based on how the capitalist ideology is not present and how it
influences us. The discourse of the non-commercial present "I can" calls us attention to the fact that it
makes things biologically impossible. The goal is to make us believe that everything is within our reach,
as long as we make use of technology as an apparatus. The analyst's view is critical and seeks to
analyze the effects of meaning and disposition in literature. The methodological methods that concern
the work corresponding to the means of discourse analysis, of French origin more precisely of Michel
Pêcheux. We conclude that in addition to selling a brand, a company undertakes a speech that
revitalizes the capitalist discourse.

Keywords: Ideology. Administration. Speech Analysis. Memory.

1 Graduanda em Administração, Universidade do Contestado, Av. Leoberto Leal, nº 1904, Bairro


Universitário, Curitibanos / SC, CEP 89520-000, e-mail: lilianemuller12@hotmail.com
2Professora Orientadora, Universidade do Contestado, Av. Leoberto Leal, nº 1904, Bairro Universitário,

Curitibanos / SC, CEP 89520-000, e-mail: katiaz@unc.com.br


1 INTRODUÇÃO

O discurso publicitário e a Administração merecem um olhar aguçado de quem


se interessa em compreender como o consumo pode ser influenciado pelos discursos
que se organizam em torno da ideia de oferta e procura. A publicidade está
diretamente ligada ao Marketing, que por sua vez, é uma peça importante na área da
Administração.
É preciso ter conhecimento de ambas (administração e marketing), para
realizar trabalhos que tenham resultados satisfatório, que atraiam os clientes, que os
convençam de que há uma necessidade em adquirir tal produto/ideia. A partir disso,
queremos compreender o discurso publicitário pelo viés da Análise do Discurso
(doravante AD). Para esta empreitada, faz-se necessário enveredar pelos conceitos
da administração e pelos dispositivos da AD.
O corpus que debruçaremos olhar é a peça publicitária "Ostrich" ("Avestruz"),
da Samsung, criada por Leo Burnett. A propaganda foi lançada junto com a revelação
do Galaxy S8, em março deste ano. Recebeu sete condecorações no Festival de
Cannes (Festival de cinema), dentre elas estão as premiações de melhor direção,
melhor animação e melhores efeitos especiais.
O comercial nos mostra um avestruz curioso, que se distancia do grupo à
procura de alimentos. Acidentalmente os óculos de realidade virtual são colocados
sobre seus olhos, o aparelho mostra como seria alçar voo e tudo que está envolvido
neste ato, nuvens, o horizonte, despertando assim a vontade de voar na ave. O
avestruz inicia o processo de aprendizagem, sofre quedas, é observado de perto pelas
outras aves, que ficam curiosas com a cena. Para finalizar, seu objetivo é
concretizado, ele consegue voar, deixando que o grupo siga apenas a sua sombra.
É possível perceber diversas estratégias para atrair a atenção do consumidor,
despertando além do desejo de compra, o sentimento de confiança, estimulando a
força de vontade para conseguir realizar seus objetivos. Analisaremos as formas com
as quais o texto promove o produto/ideia e como o discurso de liderança se organiza
na peça. Os discursos que se entrelaçam na perspectiva da empresa e na perspectiva
do sujeito consumidor consomem a energia no que diz respeito à oferta e à procura,
por isso interessa-nos como foram organizados e de que forma os conceitos da
administração se tornam visíveis nesse discurso.
O trabalho justifica-se pela intenção de entender como o texto publicitário,
utilizando-se de um discurso ideológico capitalista, convence o público de que tudo é
possível. A peça em estudo aborda conceitos da Administração, como
empreendedorismo, motivação e liderança.
A visão empreendedora tem sido muito questionada na atualidade, dados do
GEM (Global Entrepreneurship Monitor) comprovam que em nosso país, empreender
não se dá através de oportunidades, mas sim por necessidade, diferente de países
desenvolvidos. O ser empreendedor desperta nosso olhar para a motivação, a força
de vontade, o treino e o aperfeiçoamento para alcançar o sucesso almejado. Há traços
de perfil empreendedor, que é destacado na peça publicitária que nos leva a
considerar o que realmente ela deseja vender ou que sentidos se depreende do
conjunto imagem e texto.
Esta textualidade midiática, no decorrer do trabalho, chamaremos de corpus.
Utilizando como metodologia a AD de linha francesa, mais precisamente de Michel
Pêcheux. Para efetuar uma análise a partir da AD é necessário compreender que o
discurso, para a AD, é efeito de sentido, embora tenha interesse na gramática e na
língua, trata apenas do discurso. De acordo com Orlandi (2012, p. 15), “o discurso é
assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso
observa-se o homem falando ”. A AD é um conjunto de procedimentos teóricos-
metodológicos que se redefine a cada análise, Zilio (2013), nos diz: Analisar é, pois,
um processo de compreensão das formações discursivas que constituem o corpus a
que os esforços depreendem olhares. O olhar do analista de discurso quer ultrapassar
a língua, e entender efeitos de sentido, que se materializam no texto/discurso. Além
de discurso, também mobilizamos os conceitos de ideologia, memória.

2 ANÁLISE DE DISCURSO E CONCEITOS DA ADMINISTRAÇÃO: ENTRE


TROPEÇOS E DESCOBERTAS

A Análise do Discurso é uma prática da linguística no campo da comunicação,


consiste em analisar a estrutura de um texto e a partir disto compreender as
construções ideológicas presentes nele. Ao estudar o discurso, a AD busca ver a
língua não apenas como transmissão de informações ou ato de fala, mas a língua
numa visão discursiva que busca a exterioridade da linguagem como a ideologia e o
fator social. Um dos precursores da Análise do Discurso de linha francesa foi Michel
Pêcheux que forneceu uma base teórico-metodológica para o desenvolvimento da AD.
Pêcheux considera a língua como sistema capaz de ambiguidade e define a
discursividade como a inserção dos efeitos materiais da língua na história, incluindo a
análise do imaginário, na relação dos sujeitos com a linguagem.
Embora exista a ideia de que o discurso se constrói a partir de um emissor, um
receptor e uma mensagem, devemos relacionar os sujeitos e os sentidos. Daí a
definição de discurso: “o discurso é efeito de sentido entre locutores” (ORLANDI,
2012, p. 21).
Na AD, não devemos entender o discurso como oralidade nem meio de
comunicação, e sim, como o “lugar em que se pode observar a relação entre língua e
ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos para os sujeitos”.
(ORLANDI, 2012, p.17). Cada corpus estudado exige que o analista mobilize
dispositivos de interpretação, a fim de criar uma análise coerente.

2.1 DA CURIOSIDADE AOS GRANDES DESAFIOS

A peça publicitária "Ostrich" ("Avestruz"), apresenta conceitos de Administração


que, entrelaçados aos conceitos de AD nos fazem refletir sobre quais os sentidos
estão disponíveis para interpretação.
Ao analisarmos esse corpus notamos ênfase no empreendedorismo, que está
na lista dos assuntos mais discutidos na atualidade, podendo ser associado ao
desenvolvimento econômico.
De forma simplificada empreender é enxergar o novo, uma oportunidade onde
ninguém jamais viu antes, sair da área do sonho e do desejo e partir para a ação. “Um
empreendedor é uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza visões.“ (FILION,
1999, p. 19). Ação é algo que nos chama atenção no decorrer do corpus, pois a partir
desta intenção conseguimos analisar o quão intenso é o apelo da mídia capitalista.
Figura 1 – Print peça Ostrich (Avestruz), da Samsung, criada por Leo Burnett, 0m18s.

Fonte: Youtube (2017).

Na figura 1 observamos o avestruz usando o aparelho que lhe permite a


realidade virtual. Mobilizamos então o conceito de memória. Quando se trata na
mobilização da memória na AD, levamos em conta as experiências que o sujeito
vivenciou. Ao visualizar está cena, automaticamente lembramos que avestruz é uma
ave com características peculiares, não consegue alçar voos, normalmente andam
com a cabeça baixa, tudo isso nos faz refletir, colocando em dúvida todas as
informações que temos em relação a ave, a fim de que possamos realizar a
interpretação.
Apesar de ter um longo pescoço, a cabeça é pequena, como poderia um
aparelho desse porte encaixar-se perfeitamente no avestruz? Vale a pena refletir
sobre a intenção da empresa em fazer-nos acreditar na mensagem de que todos
podem ter acesso a este produto, que é “adaptável” a qualquer sujeito.
Com características peculiares em relação ao discurso, a memória é vista por
Orlandi (2012, p. 31.) como interdiscurso, definida como aquilo que fala antes, em
outro lugar. A todos os momentos adquirimos lembranças, de coisas ditas e não-ditas.
Quando nos colocamos diante de tais situações já temos um pré-conceito formado
devido as mobilizações de memória. Avestruz é incapaz de alçar voos, todos sabemos
disso, mas, por qual razão não poderia tentar?
A forma como a questão do impossível é tratada, nos faz refletir sobre os
conceitos que temos formados em nossa mente, todos conhecem as habilidades e
incapacidades de um avestruz, mas isso tudo é posto em dúvida a partir do momento
que ele consegue alçar voo. Pondo-se em um papel de empreendedor, a ave busca
pelo novo, pelo desconhecido, que, a partir daquele momento lhe é mostrado através
do aparelho.
Ninguém nasce um empreendedor nato, é claro que algumas pessoas têm mais
facilidade em unir criatividade e imaginação e transformá-las em algo extraordinário.
De toda forma, desde que nascemos sofremos os discursos a que somos expostos,
pela família, amigos, pela sociedade e são essas influências que favorecem ou não o
desenvolvimento de nossos talentos e caracterizam nossa personalidade.
Comprovamos esse pensamento através de Orlandi (2012, p. 35) que nos diz “quando
nascemos os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo.
Eles não se originam de nós”.
O avestruz é uma ave que pesa em média 150 kg, com uma altura aproximada
de 2 metros, totalmente incapaz de voar, mas, para compensar, tem a habilidade de
correr, atingindo cerca de 40 km/h. Todos somos dotados de habilidades, mas
também, marcados por algum fracasso. Por isso empreender, desenvolver talentos,
de acordo com Hengemühle (2014, p. 28):

O empreendedorismo é a arte de inovar, revolucionar, criar o que ainda não


existe. Portanto, já́ iniciamos com a ideia do sujeito em movimento. Um sujeito
empreendedor é ágil, tem personalidade forte, é criativo, explora novas ideias
e conhecimentos, tem objetivos claros, dá os primeiros passos.

Dar os primeiros passos é importante, mas, precisamos de uma motivação.


Isso se dá através de uma experiência, do contato com o novo que nos faz querer
melhorar e reviver as mesmas experiências, mas de uma forma nova. A todos os
momentos sofremos abordagens ideológicas, que consistem em fazer com que os
indivíduos inconsciente ou conscientemente, sejam levados a ocupar seu lugar na
sociedade, dividindo-se em grupos e classes. Cada qual acreditando em suas ideias,
formando novos e novos pensamentos e criando uma nova visão em relação ao meio
que estão inseridos.
Até que ponto devemos acreditar na realização do impossível, que se faz
possível no corpus. Essa é a ideia que a empresa tenta transmitir, não importa o quão
improvável seja, é possível. Faz-nos lembrar de muitos outros discursos que buscam
o mesmo objetivo, convencer-nos que apesar de várias barreiras, sociais, intelectuais
e tantas outras, podem ser quebradas, se soubermos dar os passos certos, contanto
com a ajuda dos itens e pessoas certas.
Quando nos deparamos com imagens do infinito, automaticamente lembramos
o significado, podemos atribuir à memória imagens que já vimos antes, em outro lugar,
diferentes e que transmitem o mesmo sentido. Associamos rapidamente com a
questão de realização, conquistas, o horizonte é vasto e cheio de oportunidades, cabe
a nós saber aproveitá-las. Pensando nisso cabe-nos analisar a figura 2.

Figura 2 - Print da peça Ostrich (Avestruz), da Samsung, criada por Leo Burnett, 2017 0m28s

Fonte: Youtube (2017).

Podemos observar como é a realidade de acordo com a visão do avestruz, o


céu, as nuvens, o horizonte, pleno e calmo, tudo isso nos remete a infinitas
possibilidades, as cores, mais escuras de primeira instância e mais claras no fim,
indicam que há uma luz que brilha forte ao além. Esse horizonte pode ser alcançado,
desde que, você siga os passos certos. Todos esses fatores despertam na ave a
motivação necessária para que comece a praticar a fim de alçar voo.
As cores bem combinadas transmitem sensações de tranquilidade, liberdade,
mesmo sendo apenas uma mera imagem. Orlandi (2012, p 15.), nos diz que a Análise
do Discurso concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a
realidade natural e social. A linguagem se faz presente não somente através da fala,
mas também, em imagens, palavras, experiências, mas, devemos levar em conta a
história de cada um, o papel que desempenham na sociedade, a posição social e a
ideologia que permeia as relações humanas, que influenciam os sujeitos a tomarem
certas atitudes e não outras.
As coordenadas que se apresentam tímidas na imagem, não nos deixam perder
o foco que seriam os óculos Samsung Gear VR. Deparamo-nos com o que é
desejável, o voo, a liberdade.
2.2 SE SABE ONDE QUER IR, SABERÁ QUAL CAMINHO SEGUIR

Um conceito da Administração que também nos chama atenção no corpus em


análise é a motivação, despertando-nos a curiosidade em entender como esse
processo se faz importante na realização dos nossos objetivos.
A motivação está atrelada ao comportamento humano, quando se pretende
alcançar algum objetivo, existem inúmeros fatores que podem influenciar nosso
comportamento, quando há uma necessidade a ser suprida, há uma busca por
estratégias que a façam realizar-se. É importante considerarmos o contexto histórico,
social e ideológico que o sujeito faz parte e, assim, quais os discursos se fazem
presentes, o discurso seria o resultado, a consequência do efeito de sentido sobre os
locutores.
Em uma passagem do filme/livro ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (2002) a
garota está perdida e pede ao gato que lhe diga por qual caminho seguir, o mesmo
lhe dá a seguinte resposta: “Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.”
A motivação é o que nos move, e cabe a cada um de nós saber que a temos conosco,
basta procurar. Somos expostos a estes discursos durante muito tempo, o que acaba
nos prendendo à ideologia de que devemos ter uma meta, um objetivo e motivação
para realizá-lo.
Na visão de Chiavenato (1999), a motivação é o desejo de exercer altos níveis
de esforço em direção a determinados objetivos organizacionais condicionados pela
capacidade de satisfazer objetivos individuais.
Quando estamos motivados, sabemos exatamente onde queremos chegar, é
este o ponto crucial do tema. Este e muitos outros conceitos, estão ligados à nossa
formação social, que é o lugar onde se estabelecem as relações entre as classes
sociais historicamente definidas, mantendo entre si relações de aliança, antagonismo
ou dominação.
Figura 3 – Print peça Ostrich (Avestruz), da Samsung, criada por Leo Burnett, 0m45s

Fonte: Youtube (2017).

Na figura 3 somos pegos por uma ave motivada a desenvolver sua habilidade
de voo, causando espanto e curiosidade nos que estão ao seu redor, deixando-os
sem entender nada. O discurso que se forma em torno desta cena, nos faz refletir
sobre a ideologia de poder, de conseguir tudo de qualquer forma, ignorando até
mesmo a realidade.
A análise da ideologia na sociedade atual não é uma tarefa fácil, uma vez que
sua manifestação aparece, às vezes, de forma explícita, e, em outras, de forma tão
sutil, pois as formas simbólicas são muitas e seu atravessamento com as relações de
poder ganham uma dimensão ainda maior.
Para estudar a ideologia é preciso estudar, também, as maneiras como o
sentido, mobilizado pelas formas simbólicas, pelos signos ideológicos, pelo discurso
e pela linguagem, servem para estabelecer e sustentar relações e o exercício do poder
O discurso pode ser interpretado como uma forma de nos convencer de algo
ou alguma coisa, não somente através da língua, mas também de imagens, dogmas,
crenças, por meio de ideologias. Afinal, como diz Pêcheux (1975), não há discurso
sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela
ideologia e é assim que a língua faz sentido. (ORLANDI, 2015, p. 15).
Quando somos expostos aos discursos é necessário que saibamos nossas
forças e fraquezas, para que entendamos a que estamos sendo submetidos.
Nesta mesma figura, observamos que ainda existe o horizonte, distante, mas,
iluminado. No centro da imagem está o nosso personagem em sua missão, que passa
destrambelhado pelas outras aves, que o observam de perto todo o processo e
demonstram curiosidade em entender o que está havendo, o que é comum diante de
situações inesperadas.
Em relação à AD, vale questionar por que somos afetados por certos sentidos
e outros não, ficamos por conta da história e do acaso. A AD nos propõe construir
escutas que nos permitam levar em conta esses efeitos e explicitar a relação com
esse “saber” que não se aprende, que não se ensina, mas que produz seus efeitos.
(ORLANDI, 2012, p. 34). A escuta a que nos propomos aqui é entre a AD e a
administração.
O efeito de que estamos sempre em busca de oportunidades e de que isso é
considerado a chave de uma boa administração para que nunca percamos
oportunidades. Mencionamos aqui, um profissional chamado coaching que trabalha
com a questão da motivação nos colaboradores, usando métodos diferenciados,
busca trabalhar autocontrole, bons relacionamentos além de foco e sucesso.
Sucesso é um dos novos valores presentes na sociedade atual. O sucesso é
uma forma de dividir a sociedade entre os que têm sucesso e aqueles que não o
possuem. Sucesso abrange a formação social da qual depreendemos a ideologia
reproduzida no discurso, que, por sua vez, se imprime na prática da língua. Nos dias
atuais o sucesso está ligado à produção de sentidos.
Como diz Orlandi (2012), a ideologia materializa-se no discurso, esse
concretiza-se no texto, que, por sua vez, se efetiva pelo uso da língua. É observando
a ligação entre ideologia, discurso e língua que poderemos compreender os efeitos
de sentido que determinado discurso carrega.
Não basta analisarmos apenas um item (ideologia, linguagem, memória) do
corpus, ele não está sozinho, ele é formado por uma série de conceitos, que juntos
nos possibilitam a interpretação. Não podemos falar em ideologia sem falarmos e
sujeito, e assim sucessivamente. Nada mais é do que um conjunto de conceitos,
unidos para que atinja o objetivo principal, neste caso: atrair consumidores para os
produtos Samsung.

2.3 DO VOO DO AVESTRUZ A AUTORREALIZAÇÃO

Torno a dizer que somos influenciados diretamente pelos discursos que


sofremos, mencionando um último conceito voltado para a Administração: liderança.
De acordo com HUNTER (2004, p. 25.), “ Afirmo que liderança – influenciar os outros
– é uma habilidade que pode ser aprendida e desenvolvida por alguém que tenha o
desejo e pratique as ações adequadas”.
Para ser um líder nato é preciso acreditar em seu potencial, ser proativo e acima
de tudo ser otimista, acreditar em sua equipe. Uma pessoa positiva transmite boas
energias para todos ao seu redor.

Figura 4 – Print peça Ostrich (Avestruz), da Samsung, criada por Leo Burnett, 1m23s

Fonte: Youtube (2017).

Tendo uma visão do alto, observamos na figura 4 o grupo de aves seguindo


apenas a sombra do avestruz que conseguiu alçar voo. As mesmas aves que antes
observavam curiosas, agora o seguem, só que em terra firme. Há, possivelmente, dois
sentidos a serem levados em conta com esta imagem, trataremos primeiro o
relacionado a liderança.
Para liderar é preciso ser influente e provar que os resultados serão positivos,
acreditar em si e em sua equipe, motivando-os a que outros melhorem suas
habilidades para que todos consigam cumprir com os objetivos esperados. Alcançar
o sucesso almejado, autorrealização e conquistar seguidores.
Outro ponto para refletir está relacionado ao fato do grande grupo seguir
apenas a sombra da ave que voa, a ideologia capitalista presente aqui faz menção ao
fato de que, aqueles que não se atrevem a correr riscos devem permanecer à sombra
daqueles que se atrevem. Para uns, as nuvens; para outros, o chão.
O fato de que aqueles que se arriscam normalmente alcançam os seus
objetivos está explícito, pois quando a ave consegue alçar voo, somos induzidos a
crer que é possível, nos fazendo esquecer do que pode acontecer com aqueles que
estão sobre a terra firme. Talvez tenham o mesmo futuro, dedicando-se ao treino
consigam voar, mas, aqueles não puderem realizar tal façanha, permanecem ali,
apenas observando.
Althusser já apontava sobre o poder do Estado Capitalista na formação de uma
ideologia oca, mutável e serviçal ao capital. Logo, o Estado passa além de suas
instituições políticas, só existindo em decorrência da legitimação da sociedade civil.
Porém, para que tal legitimação ocorra, o Estado utiliza os seus aparelhos ideológicos
para perpetuar o controle dos valores a serem legitimados pela sociedade civil.

2.4 EU QUERO, EU POSSO E EU CONSIGO

A AD busca compreender como os símbolos inseridos no objeto de análise


fazem sentido, a AD visa a compreensão de como um objeto simbólico produz
sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos. (ORLANDI, p.
26, 2012). É importante saber como os sentidos funcionam, quando as fazemos já
sabemos qual o sentido.
É a partir da linguagem que o sujeito pode ampliar seus conhecimentos sobre
tempo e espaço, desenvolvendo sua capacidade de raciocinar. O interesse é analisar
como a construção de sentido está diretamente ligado ao sujeito. Segundo Althusser
(1998) O sujeito é um efeito ideológico elementar, pois a ideologia transforma
indivíduos concretos em sujeitos concretos através da interpelação por meio da
função ideológica dos aparelhos de Estado.

Figura 5 – Print peça Ostrich (Avestruz), da Samsung, criada por Leo Burnett, 1m06s

Fonte: Youtube (2017).

Ao tratarmos de ideologia, pensamos em discursos ideológicos, que tem como


objetivo transmitir visões, doutrinas, pensamentos. Apostando na ideia de senso
comum para o convencimento dos sujeitos. Na figura 5, observamos a imagem do
autorrealização, mais uma vez o olhar empreendedor nos prende. Olhar de quem está
preparado para enfrentar seus obstáculos é alcançar aquilo que deseja.
O horizonte está presente a cada cena, ora tomando conta de toda nossa
atenção, ora tímido e opaco, mas, ainda presente. É exatamente assim que tudo
funciona, há tempos que nos dedicamos com todo fervor à realização de nossas
metas, mas também tempos que apenas deixamos o tempo passar, aceitando o que
nos oferecido.
A mídia busca nos convencer de que o que precisamos é que ela está
vendendo, que muitas vezes pode ser um produto, uma ideia ou como nesse caso
uma instituição. Dependemos da língua como fonte de lapidação, crescimento e acima
de tudo comunicação.
Para Althusser, (1998) é impossível ter acesso as “condições reais da
existência” devido à nossa dependência da linguagem. No entanto, através de uma
abordagem rigorosa da sociedade, economia e história, nós podemos chegar pelo
menos perto de perceber o modo como somos inscritos na ideologia por processos
complexos de reconhecimento.

Figura 6– Print peça Ostrich (Avestruz), da Samsung, criada por Leo Burnett, 1m27s

Fonte: Youtube (2017).

Aparentemente o Samsung Gear VR seria o produto em questão na peça, mas


no decorrer do anúncio notamos que ele é institucional, percebemos o discurso
capitalista de que tudo e possível fica mais claro na última cena. Não esquecendo de
levar em conta que há ênfase na questão de que podemos o que quisermos, desde
que, tenhamos a ajuda da tecnologia e, neste caso, a tecnologia oferecida pela
Samsung.
A primeira impressão que temos é que o intuito é apresentar ao mercado as
vantagens do produto Gear VR, considerando a hipótese de que está ao alcance de
todos, afinal como é possível o objeto encaixar-se perfeitamente em uma ave?
Novamente podemos mobilizar os dispositivos da memória. O avanço da tecnologia
de certa forma vai nos afastado da necessidade de termos uma memória social.

Figura 7 – Print peça Ostrich (Avestruz), da Samsung, criada por Leo Burnett, 1m33s

Fonte: Youtube (2017).

Na frase final “Nós fazemos o impossível, para que você faça o impossível”
presente nas imagens 6 e 7, a empresa se autopromove e instiga-nos a acreditar que
consumindo sua linha de produtos/serviços seremos capazes de realizar o impossível.
A ideologia capitalista que somos submetidos fica evidenciada nas palavras:
“para que você faça o impossível” faz referência ao eu/nós posso/podemos tudo,
muitas vezes isso não é verdade, o objetivo é de nos motivar a buscarmos por nossos
ideais e desejos.
A Samsung busca espalhar a ideia de que adquirindo seus produtos,
conseguiremos realizar coisas grandiosas, realizar o improvável, nos tornamos reféns
da tecnologia, de marcas e de pessoas que acreditam que a ideologia capitalista é a
melhor a seguir. Capitalismo e Administração, andam lado a lado, o conceito de que
o melhor sempre realiza tudo o que quer, está sempre presente, tal qual a ideologia.
Retomando os conceitos da AD em relação à memória, pois a frase final sepulta
a ideia do impossível rejeitada pelo capitalismo, você pode tudo, basta querer. A ideia
é repetida e insiste na possibilidade do impossível. Tudo corrobora o discurso de que
o sujeito é como o avestruz: nada pode ser impossível àquele que deseja.

Se há repetição é porque há retomada/regularização de sentidos que vão


construir uma memória que é social, mesmo que está se apresente ao sujeito
do discurso revestida da ordem do não-sabido. São os discursos em
circulação, urdidos em linguagem e tramados pelo tecido sócio-histórico, que
são retomados, repetidos, regularizados. (INDURSKY, 2011, p. 71).
A partir desta experiência que vivenciamos, quando ouvirmos e/ou vermos um
avestruz, na hora vamos lembrar deste comercial, novamente o que sabemos será
posto em questionamento, se a situação e o contexto forem diferentes. A todos os
momentos somos expostos a várias mobilizações que agregam conhecimentos
imensos, lapidando nossas crenças, costumes e ideologias.
Ao final da peça somos surpreendidos com o aparecimento da logo da
empresa, Samsung, que esteve ausente durante todo o desenrolar do comercial. É
isso que nos prende, ficamos fascinados com a ideia de um avestruz alçar voo que
observamos tudo com atenção, entendemos que se trata de um anúncio de
eletroeletrônico, mas já estamos presos ao discurso.
Frisando mais uma vez a questão do institucional o grande final nos faz ver a
marca do produto, nos fazendo lembrar assim de toda a sua diversidade de aparelhos
envolvidos na área tecnológica. Não há somente a opção dos óculos, embora os
outros produtos não se façam presente, sabemos o quão imenso é o seu mix de
produtos, uns mais acessíveis que outros. Cada item direcionado a uma modalidade
de clientes, separados por ideologias que ignoram muitas características.
Com a trilha sonora de “Rocket Man”, de Elton John, a música é para nós o
fecho de discurso que amplia o desejo do impossível e inspira a ave a realizar o que
biologicamente o é. Tudo combina: forma simétrica, imagens, música, discurso,
objetivando vender além dos produtos, também imagem da empresa, através de
formas de convencimento, diferenciadas.
A mídia publicitária utiliza de inúmeras abordagens, a fim de conquistar clientes
e vender produtos, marcas e ideologias. Algumas empresas apresentam propostas
inovadoras que realmente atraem atenção, outras nem tanto. É preciso buscar as
estratégias necessárias para sobreviver ao mercado. A sociedade atual está cada vez
mais competitiva e o capitalismo sempre presente, obrigando-nos a se adequar a este
mundo, onde ideologias sempre classificam pessoas.

3 CONCLUSÃO

O corpus analisado neste artigo nos traz inúmeras possibilidades de análises,


separamos para um olhar interpretativo, com viés da AD, os conceitos de
Administração, pautados em motivação, liderança e empreendedorismo e os
dispositivos teóricos que dizem respeito a AD, o sujeito, a ideologia e a memória.
Conseguimos trabalhar com conceitos totalmente diferentes, mas que se
entrelaçam no decorrer da peça. Ao analisarmos conceitos da Administração,
admitimos a presença deles no texto analisado e encontramos possibilidades de
entrelaçamento com a AD, pois motivação, liderança e empreendedorismo, tão
presentes na administração, são atravessados pelas noções de ideologia, memória e
sujeito.
O discurso do “eu posso” pode ser visto durante os poucos minutos em que o
comercial vai ao ar. Há um atravessamento de conceitos da Administração, em
relação a não desperdiçar as oportunidades. Alcançar o sucesso almejado depende
muito de qual caminhos escolhemos percorrer, tudo está em jogo, a carreira, o
crescimento profissional e pessoal.
Na sociedade atual, a tecnologia possibilita uma maior abrangência da
circulação das formas de comunicação e, com isso, alcança um número significativo
de audiência, tornando as mensagens por ela veiculadas de fácil acesso e recepção.
Isso só comprova que a mídia ocupa um papel central de mecanismo de reprodução
social e, justamente por isso, deve ser estudada mais cuidadosamente, sobretudo, no
que se refere aos contextos e aos processos em que as mensagens são produzidas
pelas instituições da mídia e recebidas pelos indivíduos em sua vida cotidiana.
A mídia influencia a todos, em todos os lugares, claramente observamos na
peça que ao atingir o objetivo final, a ave consegue também seguidores. Sucesso é
sinônimo de ser seguido, ser exemplo. A ideologia de que tudo é possível, basta
querer nos transforma e nos faz acreditar que realmente poderemos tudo. E, no corpus
analisado, isso acontece se tivermos auxílio da tecnologia.
Sem dúvida, a comunicação de massa faz circular a ideologia na sociedade,
porém, não é o único meio. A ideologia pode ser percebida em diversos contextos. A
observação integrada destes aspectos ajuda na compreensão da ideologia, não só na
sua forma de produção e transmissão, via meios de comunicação, mas também, em
todas as demais manifestações ideológicas que se encontram no universo dos
discursos.
A todos os momentos somos expostos a discursos publicitários que tem como
objetivo vender produtos e marcas. As estratégias de convencimento são
diferenciadas, muitas fazem apelos a questões sociais, outras não transmitem
nenhum tipo de mensagem ou ideologia, apenas o desejo de vender o produto.
A capacidade gigantesca de como esses veículos de comunicação se
espalham na vida da sociedade, faz com que a propaganda influencie cada vez mais
a opinião das pessoas sem que elas percebam isso. Desse modo, são levadas a agir
da forma que lhes é imposta, mas que parece por elas escolhida livremente.
Obrigadas a conhecer a realidade somente naqueles aspectos que tenham sido
previamente permitidos e liberados, acabam tão envolvidas que não têm outra
alternativa senão a de pensar e agir de acordo com o que pretendem delas. Assim,
constrói-se uma estrutura defensora de princípios e ideais capitalistas, adotados por
uma minoria e aplicados sobre uma maioria.

REFERÊNCIAS

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