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Universidade Federal da Paraíba - Campus IV

Disciplina: Literatura de Tradição Oral


Discente: João Victor Carvalho da Silva

Análise do Conto “A menina de lá” de João Guimarães Rosa

CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
Sabe-se que o tratamento com a oralidade, sempre foi desgarrado e até visto como desconexo
pelos estudiosos, mas com o passar do tempo percebeu-se a riqueza, a qual estava contida nessa
oralidade, se pensarmos em literatura oral, evocamos a identidade cultural de diversos povos, que
ainda preservam a sua história e conhecimento por meio da oralidade.
É necessário compreender que o precedente da escrita, é a oralidade, dado que é um recurso
que é primário para o ser humano, uma vez que somos seres dotados de linguagem. Alguns estudiosos
buscaram compreender esses artifícios da oralidade e suas ramificações, uma vez que a escrita passou
a ocupar esmagadoramente a preocupação dos indivíduos, como se a oralidade fosse separada da
escrita ou até mesmo vista como inferior, “é inútil julgar a oralidade de modo negativo, realçando-lhe
os traços que contrastam com a escritura. Oralidade não significa analfabetismo, o qual, despojado
dos valores próprios da voz e de qualquer função social positiva, é percebido como uma lacuna”
(ZUMTHOR, 1997, p. 27).
A literatura trouxe um novo olhar para a oralidade, conservando alguns traços com o objetivo
de demonstrar a riqueza, que predomina por exemplo as narrativas orais, passadas de pai para filho
em tribos indígenas. Com o intuito de preservar e perpetuar essas histórias, foi que a escrita ganhou
espaço, mas percebemos traços orais nessas manifestações escritas como poesia, romances, contos e
entre outros.
Diante disso, o presente trabalho tem como finalidade realizar uma análise do conto “A
menina de lá” de João Guimarães Rosa, à luz das teorias de literatura oral de Paul Zumthor (1993), a
qual carrega a noção de “performance” da fala, demonstrando que o corpo, os gestos, todos esses
artefatos também comunicam, além de Walter Ong (1998), que faz uma descrição da importância do
som, por meio dessas vertentes teóricas verificaremos como as manifestações mágicas da
personagem, são decorrentes de sua fala, ou seja, da verbalização das palavras. Como recurso
metodológico realizamos uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativa.
Para melhor aproveitamento da leitura da análise em questão, se faz necessário ler as seções
em suas respectivas ordens e divisões que são: considerações iniciais, momento em que capta-se o
objetivo do trabalho, qual é o respaldo teórico e entre outros; análise do corpus literário, momento em
que de fato é realizado uma leitura minuciosa do conto em questão, fomentando os argumentos
levantados com a teoria de Zumthor e Ong, observando como a fala é um artifício místico e poderoso;
Considerações finais, destinado para as constatações acerca da análise realizada, sobretudo de que
forma a literatura oral está presente no conto.

ANÁLISE DO CORPUS:

O texto em questão é bastante peculiar, dado que narra a história de uma menininha, a qual
tudo em proferia se tornava realidade, favorecendo a sua família com esses dizeres “mágicos”,
repletos de misticismo, porém, esse falar mágico faz com que a grande protagonista seja refém do seu
próprio poder, levando-a morte.
O espaço não é muito descrito, “Sua casa ficava para trás da Serra do Mim, quase no meio de
um brejo de água limpa, lugar chamado o Temor-de-Deus.”. Observa-se mais um cenário típico de
Guimarães Rosa, o espaço pode ser equiparado a um interior, o que de certa forma irá justificar o uso
linguístico. A produção de Guimarães Rosa conta com o número mínimo de personagens, os quais são
caracterizados e descritos brevemente, ressalta-se Maria, seu pai e sua mãe:

O Pai, pequeno sitiante, lidava com vacas e arroz; a Mãe,


urucuiana, nunca tirava o terço da mão, mesmo quando matando
galinhas ou passando descompostura em alguém. E ela, menininha,
por nome Maria, Nhinhinha dita, nascera já muito para miúda,
cabeçudota e com olhos enormes. (ROSA)

Para melhorar o entendimento, se faz necessário voltar um pouco no tempo e remontar o


período em que para as pessoas, as palavras verbalizadas possuíam um poder mágico, como é
assimilado por Ong (1998, p.43), “O som sempre exerce um poder”, dessa forma abordagem adotada
na habilidade especial de Maria vem por meio da força do seu falar.

Dias depois, com o mesmo sossego: - “Eu queria uma pamonhinha


de goiabada” – sussurrou; e, nem bem meia hora, chegou uma
dona, de longe, que trazia os pãezinhos da goiabada enrolada na
palha. Aquilo, quem entendia? Nem os outros prodígios, que
vieram se seguindo. O que ela queria, que falava, súbito acontecia.
(ROSA)

Diante do exposto, os milagres só poderiam ser realizados se a menininha os falasse,


demonstrando a força na voz que Ong pontuou, mas os pedidos realizados por Maria eram muito
levianos, nada muito circunstancial. Tratando-se de voz, é inegável a contribuição do narrador que em
alguns momentos é em primeira pessoa, ora em terceira pessoa.
No trecho, “Nunca mais vi Nhinhinha. Sei, porém, que foi por aí que ela começou a fazer
milagres.”, o narrador em terceira pessoa não participa, mas é uma voz externa, o que reforça o caráter
de força emitido no ato de contar, o que seria o narrador em terceira pessoa se não, alguém de fora do
texto no qual está narrando/contando a história. Por meio dessa linguagem mais próxima e até mesmo
pelas escolhas lexicais, que infere-se como uma narrativa, como aquelas em que eram contadas pelos
mais velhos em certas ocasiões. É nessa relação texto, leitor, interlocutor em que o narrador ganha
força.

Assim, quando a Mãe adoeceu de dores, que eram de nenhum


remédio, não houve fazer com que Nhinhinha lhe falasse a cura.
Sorria apenas, segredando seu – “Deixa... Deixa...” – não a podiam
despersuadir. Mas veio vagarosa, abraçou a Mãe e a beijou ,
quentinha. A Mãe, que a olhava com estarrecida fé, sarou-se então,
num minuto. Souberam que ela tinha também outros modos.
(ROSA, p.2)

É preciso resgatar a concepção de performance segundo Zumthor, para melhor compreender a


citação acima, em que na performance é englobado tanto o ato de falar, quanto às expressões faciais,
corporais e entre outras, no trecho em questão percebesse como o abraço de Maria contribuiu para
potencializar seus poderes, uma vez que nessa circunstância só o falar não resolveria. Segundo Paul
Zumthor, “o texto se prepara para entrar em performance, para integrar-se no movimento de um
corpo, em sua verdade vivida, ao abrigo de todo seqüestro racional” (ZUMTHOR, 1993, p. 162), o
texto passa por uma adaptação para alcançar a performance.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Conclui-se que por intermédio dos estudos de Ong e Zumthor, observou-se traços orais no
conto “A menina de lá” de Guimarães Rosa, nos detivemos a evidenciar como por meio da “fala” da
Nhinhinha, os seus “poderes” ganham força. Implicando na força do som, apontada por Walter Ong,
como também o conjunto dos seus gestos impulsionaram a curar a sua mãe, o que compreendemos
como “performance” para Paul Zumthor.
O conto em questão possui diversas outras instâncias a serem observadas, mas o enredo da
história é construído em detrimento da sua força mística, que para ocorrer precisa ser verbalizada pela
mesma. Além desses traços, o tom que é estabelecido pelo conto remonta as antigas narrativas, as
quais eram proferidas oralmente.
Por fim, conforme foi descrito ante

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