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Farsa
Género teatral em que se representam cenas do quotidiano de forma caricatural e em tom cómico. Numa farsa,
a análise de aspetos de uma comunidade é feita com o propósito de criticar certos grupos sociais, a fim de
corrigir os com- portamentos reprováveis. Vários são os temas tratados neste género literário, mas o engano
desempenha frequentemente um papel central na ação.
4 A peça aparece na Compilaçam de toda/as obras de Gil Vicente, publicada por Luís Vicente, filho de Gil Vicente, em 1562, como Auto de Inês Pereira
Cena 1 - Situação inicial de Inês Pereira (inconformada com a sua vida recatada
e doméstica).
ATO 1
Do início até à Cena 2 - Diálogo entre Inês e a Mãe; queixas de Inês pelo seu enfadonho trabalho de
rejeição de costura e conselhos da Mãe sobre os predicados necessários para arranjar casamento.
Pero Marques Cena 3 - Chegada de Lianor Vaz e proposta de casamento com Pero Marques,
camponês rico, mas antiquado.
Cena 4 - Entrada e apresentação de Pero Marques que declara os seus bens e anuncia
o seu interesse por Inês, revelando-se rústico e imbecil.
Cena 5 - Saída de Pero Marques e chegada da Mãe; repúdio do casamento com
Pero Marques devido a aspirações a um consorte com outros atributos.
Pero Marques corresponde ao Vilão, como tipo social. «Viste tão parvo vilão?», diz Inês ao ler a
carta em que Pero Marques se declara seu pretendente. A alcoviteira Lianor Vaz diz a Inês: «Eu vos trago
um bom marido, / rico, honrado, conhecido; / diz que em camisa vos quer.». Para além desta
heterocaracterização, esta personagem revela as suas características sempre através das suas atitudes e
das suas falas, isto é, de forma indireta. Trata-se de um camponês rico e honrado, que não está interessado
em mulher com dotes, mas rude e estúpido. É o «asno» que leva Inês, na encenação do provérbio.
Antiquado e desconhecedor dos hábitos da vida urbana, não sabe usar uma cadeira («Mãe - Tomai aquela
cadeira. / Pero - E que vai aqui uma destas?»). Não vê nem percebe nada e, portanto, no final da peça,
carrega a mulher às costas para que esta se vá encontrar com o Ermitão e também as duas «lousas» que a
mulher transporta. A sua característica dominante é uma simplicidade néscia.
Brás da Mata, o Escudeiro, é também um tipo social. Começa por ser descrito pelo Judeu Viciai:
«Soube mos d'um escudeiro/ de feição d'atafoneiro, / que virá logo essora, / que fala, e como fala, / que
estrugirá esta sala!». E ele próprio se autocaracteriza: «Sei bem ler, / e muito bem escrever, / e bom jogador
de bola, / e quanto a tanger viola, / logo me vereis tanger.». Inteligente, seguro de si, sabe falar e tocar
viola. No entanto, é, no decorrer da ação, através dos seus comportamentos e falas, que evidencia melhor
as suas características. Pobre, mas com aspirações de ascensão social, comporta-se como um fanfarrão, é
mentiroso e hipócrita. Aparenta ser o oposto de Pero Marques, correspondendo ao homem «avisado» e
«discreto» que Inês deseja. Diz Inês: «Porém, não hei de casar/ senão com homem avisado/ ainda que
pobre e pelado, / seja discreto em falar.”. No entanto, uma vez casado, revela-se tirânico e proíbe a mulher
de sair de casa. Em Marrocos, para onde partira em serviço militar, acaba, porém, morto por um pastor,
como um cobarde. No provérbio, corresponde ao «ca valo», que tanto irá desiludir Inês Pereira.
A Mãe é o tipo social que representa a sensatez, a prudência. A Mãe é a voz da experiência, que
aconselha a filha e a elogia quando é necessário («Mãe - Ui e ela sabe latim/ e gramática, e alfaqui / e tudo
quanto ela quer.»). No entanto, também a avisa dos perigos que pode correr («Mãe - Inês, guar-te de rascão
/ escudeiro queres tu?»).
Lianor Vaz corresponde à alcoviteira como tipo social, mulher que servia de intermediária nas relações
amorosas. Esperta e persuasiva, pretende convencer Inês das vantagens de Pero Marques para seu marido
(«Lianor - Eu vos trago um casamento/ em nome do anjo bento/ filha, nam sei se vos praz.»).
Latão e Vidal são os judeus casamenteiros, um tipo social com uma função semelhante à da
alcoviteira. Mostram que foram incansáveis na tarefa que Inês lhes encomendou: encontrar um marido que
falasse bem e soubesse tocar viola («Latão - Eu, e este/ pola lama e polo pó/que era pera haver dó, / com
chuiva, sol e noroeste. / Foi a coisa de maneira/tal friúra e tal canseira, / que trago as tripas maçadas/ assi
me fadem boas fadas/ que me saltou caganeira.»). Fazem deste trabalho um negócio de que querem obter
lucro. Por isso, exageram no discurso como forma de persuasão.
O Moço, tipo social, é o criado do Escudeiro, que mantém um constante discurso crítico em relação a
este. Apesar de ser obediente e cumpridor, é, no entanto, através dele que ficamos a conhecer a real situação
eco nómica do Escudeiro, bem como a hipocrisia que se esconde por detrás das suas atitudes.
O Ermitão, tipo social, vive na pobreza, no ermitério, longe dos homens, dedicando-se à penitência e
à oração. Porém, o Ermitão desta farsa serve o deus Cupido, isto é, o deus do amor. Sendo ele um «ermita rio de
Copido», logo se depreende que deverá ser uma personagem de moral duvidosa.
RELAÇÕES ENTRE AS PERSONAGENS
Na Farsa de Inês Pereira, de acordo com a sua relevância na ação, poder-se-á hierarquizar as personagens
do seguinte modo:
• protagonista (personagem principal) - Inês Pereira;
• personagens secundárias (com participação direta na ação) - Pero Marques e Escudeiro;
• personagens secundárias (com participação indireta na ação) - Mãe, Lianor Vaz, Judeus Casamenteiros e
Ermitão;
• figurantes - Luzia e outras Moças e Mancebos.
Todas as personagens gravitam em volta de Inês. A Mãe procura aconselhar e ajudar Inês. Pero Marques e
o Escudeiro constituem as duas alternativas que se apresentam a Inês, para que, através do casamento, possa
transformar e melhorar a sua vida de rapariga solteira recatada e entregue a tarefas enfadonhas. Lianor Vaz
esforça-se por convencer Inês de que Pero Marques será o melhor partido. Os Judeus Casamenteiros
encontram o marido que corresponde aos anseios de Inês. Inês decide casar com o Escudeiro para satisfazer
os seus sonhos, mas arrepende-se e, por sorte do destino, acaba por poder escolher Pero Marques para o
segundo casamento, com quem poderá ter uma vida que lhe permita ser feliz. Assim, a farsa demonstra a
sabedoria popular contida no provérbio «Mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube». O Ermitão
surge no desenlace para mostrar que o adultério, a infidelidade, será a fuga para a felicidade desejada.
MÃE
ESCUDEIRO
PERO MARQUES
(CAVALO)
(ASNO)
JUDEUS
LIANORVAZ
CASAMENTEIROS
ERMITÃO