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HUMANIDADES – FECHAMENTO 2 / PROBLEMA 3


são contemplados com os mesmos cuidados oferecidos aos
REFERÊNCIAS
agudamente enfermos. Se para os últimos, com frequência,
Conflitos bioéticos do viver e do morrer/Organização de Rachel Duarte alcança-se plena recuperação, para os crônicos pouco se
Moritz; Câmara Técnica sobre a Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos
do Conselho Federal de Medicina. – Brasília: CFM; 2011. oferece além de um sobreviver precário e, às vezes, não
mais que vegetativo.
Márcia Helena Mendonça e Marco Antonio Monteiro da Silva. VIDA,
DIGNIDADE E MORTE: CIDADANIA E MISTANÁSIA. Iusgentium, v.9, n.6 – Despreparados para a questão, passamos a praticar uma
2014 – Edição Extra medicina que subestima o conforto do enfermo terminal
Abordagens e reflexões sobre diretivas antecipadas da vontade no Brasil. impondo-lhe uma longa e sofrida agonia. Adiamos a morte
Hassegawa LCU, Rubira MC, Vieira SM, Rubira APA, Katsuragawa TH, Gallo as custas de insensato e prolongado sofrimento para o
JH, et. al. Rev Bras Enferm [Internet]. 2019;72(1):266-75 paciente e sua família. As evidências parecem demonstrar
que esquecemos o ensinamento contido no adágio francês
ESPIRITUALIDADE EM CUIDADOS PALIATIVOS. Dr. Luis Alberto Saporetti.
do século XVI que reconhecia como função do médico “curar
Lucchetti G, Granero AL, Bassi RM e col. Espiritualidade na prática clínica: às vezes, aliviar muito frequentemente e confortar sempre”.
o que o clínico deve saber? Rev Bras Clin Med 2010;8(2):154-8 A obsessão de manter a vida biológica a qualquer custo nos
conduz à chamada obstinação terapêutica. Alguns alegando
Francisco, Daniel Pereira et al. Contribuições do serviço de capelania ao
cuidado de pacientes terminais. Texto & Contexto - Enfermagem [online].
ser a vida um bem sagrado por nada se afastam da
2015, v. 24, n. 1 [Acessado 5 Março 2023], pp. 212-219. Disponível em: determinação de tudo fazer enquanto restar um débil sopro
<https://doi.org/10.1590/0104-07072015003180013>. ISSN 1980-265X. de vida. Um documento da Igreja Católica de maio de 1980
https://doi.org/10.1590/0104-07072015003180013. sobre Eutanásia assim considera a questão: “É lícito
Maria Júlia Paes da Silva. O papel da comunicação na humanização da
renunciar a certas intervenções médicas inadequadas à
atenção à saúde. Rev Bioetica N5 final 11/25/02 situações reais do doente, porque não proporcionadas aos
resultados que se poderiam esperar ou ainda porque
Gesser, AM, dos Santos, MS, & Gambetta, MV (2021). Spikes: um protocolo demasiado gravosas para ele e sua família. Nestas situações,
para a comunicação de más notícias / Spikes: a protocol forcommunicating
bad news. Brazilian Journal of Development , 7 (11), 103334–
quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se
103345. https://doi.org/10.34117/bjdv7n11-111 em consciência renunciar a tratamentos que dariam
somente um prolongamento precário e penoso da vida..”.
APRESENTAR OS ASPECT OS BIOÉTICOS E LEGAI S Inevitavelmente cada vida humana chega ao seu final.
ASSOCIADOS AO PROCESSO DE MORTE (EUTANÁSI A, Assegurar que esta passagem ocorra de forma digna, com
MISTANÁSIA, DISTANÁS IA, ORTOTANÁSIA) E AO cuidados e buscando-se o menor sofrimento possível é
EXERCÍCIO DE AUTONOM IA LIGADO A ESSE MOMENTO missão daqueles que assistem os pacientes terminais.
(DIRETIVAS ANTECIPAD AS DE VONTADE).
Um grave dilema ético se apresenta hoje para os
Resolução CFM 1805/2006 e o novo profissionais de saúde se refere a quando não utilizar toda
Código de Ética Médica tecnologia disponível. Jean Robert Debray em seu livro
“L’acharchement thérapeutique” assim conceitua
Com relação à Resolução CFM 1805/2006, que trata da obstinação terapêutica: “Comportamento médico que
ortotanásia e da implantação dos Cuidados Paliativos no consiste em utilizar procedimentos terapêuticos cujos
cotidiano da medicina, importante considerar que o efeitos são mais nocivos do que o próprio mal a ser curado.
Conselho Federal de Medicina em nenhum momento teve a Inúteis, pois a cura é impossível e os benefícios esperados
pretensão de criar instrumento para ser incorporado ao são menores que os inconvenientes provocados”. A
Código Penal do país. Todos sabemos que o código em vigor limitação do tratamento considerado fútil e a introdução de
é de 1940 e, àquela época, a medicina não dispunha dos procedimentos médicos que visam promover alívio e
avanços tecnológicos que passamos a dispor a partir dos conforto ao paciente terminal são práticas recomendadas
anos 1960. Hoje, contamos com enorme arsenal de pela Associação Médica Mundial, Conselho da Europa, Corte
equipamentos para manutenção de um sem número de Europeia de Direitos Humanos e de supremas cortes de
variáveis vitais, que oferecem aos profissionais a diferentes países, como Canadá, Estados Unidos e Reino
possibilidade de adiar por longo período o momento da Unido.
morte. Cresceu enormemente o poder de intervenção do
médico sem que ocorresse simultaneamente uma reflexão Opinando sobre a Resolução 1805/2006 sob a luz da
sobre o impacto dessa nova realidade na qualidade de vida Constituição brasileira, o constitucionalista Luís Roberto
dos enfermos. Seria ocioso comentar os benefícios auferidos Barroso, em matéria publicada pelo caderno cotidiano da
com as novas metodologias diagnósticas e terapêuticas. Folha de S. Paulo de 4 de dezembro 2010, assim se
Incontáveis são as vidas salvas em situações críticas como, pronunciou: “Não há nenhuma dúvida, nem ética nem
por exemplo, os pacientes recuperados após infarto agudo jurídica, à luz dos valores sociais e dos princípios
do miocárdio e/ou enfermidades com graves distúrbios constitucionais que a ortotanásia é legítima. A Resolução
hemodinâmicos que foram resgatados plenamente [do CFM] é uma interpretação adequada da Constituição.”
saudáveis através de engenhosos procedimentos Por ter sido motivo de Ação Civil Pública movida pelo
terapêuticos. Ocorre que nossas UTIs passaram a receber, Ministério Público Federal, a Resolução teve suspensa sua
também, pacientes portadores de doenças crônicas vigência em outubro de 2007 e, somente em 2011, o juiz
incuráveis com intercorrências clínicas as mais diversas e que federal Roberto Luis Demo revogou a liminar por ele mesmo
concedida quatro anos antes, o que permitiu o

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reconhecimento da legalidade da mesma e concluir que o terminais, internados e submetidos a procedimentos


tema não mais será motivo de futuros impedimentos dolorosos e fúteis, para que apenas sobrevivam a custa de
judiciais. Dessa forma, o novo Código de Ética Médica do seu isolamento e sofrimento desnecessários”.
CFM já incorporou como norma deontológica (Princípio
Fundamental XXII e parágrafo único do artigo 41) a A cultura da medicalização da vida, justificada pela
obrigação de todo médico oferecer todos os Cuidados concepção falaciosa de que a morte é o resultado do
Paliativos aos pacientes portadores de enfermidades fracasso do conhecimento e da técnica médica, tem gerado
terminais, ao mesmo tempo em que veda ao profissional a e legitimado, indevidamente, os abusos da onipotência de
prática da obstinação terapêutica. Cuidados Paliativos são muitos profissionais de saúde que acreditam agir sob a égide
considerados pelo Conselho Federal de Medicina e de um falso dever de prolongar a vida a qualquer custo e de
Associação Médica Brasileira como área de conhecimento vencer a morte.
obrigatória em diferentes especialidades médicas e já conta
com programas de residência médica em andamento em Comentário: a ideia da distanásia é oriunda do modelo que
dois estados brasileiros. visa à cura, que enxerga a morte como um fracasso.
Portanto, consideram que a morte deve ser combatida a
A luta contra a morte, obstinada e sem limites, em qualquer custo, mesmo que isso resulte em pior qualidade
quaisquer circunstâncias, não pode mais ser considerada de vida ao enfermo. Além disso, outra justificativa para
como dever absoluto dos médicos, que, antes, devem realização da distanásia, é o temor de culpabilização frente
compreender a dimensão da existência e da dignidade a morte, seja ela criminal, civil ou ética. Dessa forma,
humana diante dos limites da medicina e da ciência. Embora prolongam a vida a fim de evitar criminalização, reparação
os avanços das técnicas da medicina estejam trazendo de danos e perda da licença para atuação profissional.
indiscutíveis vantagens para a sociedade, não é menos
verdade que, muitas vezes, como observa Gisele de A obstinação terapêutica, fenômeno sociocultural com
Carvalho, acarretam “consequências negativas, paradoxais causas múltiplas, como a medicalização da vida, a carência
e indesejáveis, tais como o suposto prolongamento da vida da educação tanatológica, as irreais expectativas de cura
nas unidades de terapia intensiva a todo custo, nas quais o que a própria medicina incute na sociedade, as
desejo humano de combater a morte culmina com a perspectivas derrotistas quanto à superveniência da morte,
expropriação da própria existência, com baixa qualidade de motivos econômicos e até mesmo a intenção de realização
vida e altos custos, emotivos e econômicos. de experimentos científicos com pacientes terminais,
conduz os médicos a adotarem ou a manterem
É assim que, excedendo seus limites técnicos procedimentos inúteis, que não garantem benefícios aos
(proporcionados) e deontológicos (superar as pacientes e que, por gerarem ainda mais sofrimentos,
enfermidades e eventos críticos, buscando a vida plena violam a dignidade humana.
para o paciente), a manutenção artificial da vida nas UTIs,
na grande maioria dos casos, em que os doentes já não Segundo Horta, “quando a vida física é considerada o bem
apresentam mais qualquer possibilidade de cura, supremo e absoluto, acima da liberdade e da dignidade, o
transformou-se na extensão exagerada e sem sentido do amor natural pela vida se transforma em idolatria”; “a
processo da morte (distanásia), vale dizer, no cruel e medicina promove implicitamente esse culto idólatra da
desacertado prolongamento da agonia dos pacientes vida, organizando a fase terminal como uma luta a todo
terminais, internados e submetidos a procedimentos custo contra a morte”; e, por isso, há “centenas ou talvez
dolorosos e fúteis, para que apenas sobrevivam a custa de milhares de doentes hoje jogados a um sofrimento sem
seu isolamento e sofrimento desnecessários”. perspectiva em hospitais, sobretudo em UTIs e
emergências”, os quais, “não raramente, acham-se
submetidos a uma parafernália tecnológica que não só não
DISTANÁSIA
consegue minorar-lhes a dor e o sofrer, como ainda os
DISTANÁSIA prolonga e os acrescenta inutilmente” 3 .
Também chamada de Obstinação Terapêutica, ela se refere
a atos e condutas que prolonguem, de modo artificial, a vida →Além disso, essa obstinação terapêutica é estimulada
do paciente. Aqui, não há perspectiva de melhora no pela prática de uma “medicina defensiva”, consistente na
prognóstico ou na qualidade de vida. É como uma tentativa adoção de todos os recursos e procedimentos disponíveis,
incessante de manter o paciente vivo, custe o que custar. A ainda que sabidamente inúteis e desnecessários, com o
morte pode ser mais lenta, dolorosa e ainda causa desgaste único objetivo de fazer prova de uma boa atuação
físico, emocional e financeiro ao paciente e seus familiares. profissional. E, especialmente com relação aos pacientes
terminais, o temor em face da possibilidade da
É assim que, excedendo seus limites técnicos responsabilização ética, civil e criminal pela morte, com a
(proporcionados) e deontológicos (superar as consequente perda da licença profissional ou imposição de
enfermidades e eventos críticos, buscando a vida plena reparação de danos e criminalização, tem conduzido os
para o paciente), a manutenção artificial da vida nas UTIs, profissionais de medicina à adoção de tratamentos
na grande maioria dos casos, em que os doentes já não desnecessários e até mesmo gravosos para o paciente, mas
apresentam mais qualquer possibilidade de cura, hábeis para justificar a sua exculpação.
transformou-se na extensão exagerada e sem sentido do
processo da morte (distanásia), vale dizer, no cruel e No Brasil pode ocorrer juridicamente a mesma coisa: o
desacertado prolongamento da agonia dos pacientes médico que insistir em manter um tratamento ou qualquer

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procedimento inócuo, artificioso, postiço e gravoso para o quantidade de vida, a negligência ao cuidado humano de
doente terminal, acometido de doença incurável, expondo- quem está morrendo, o investimento inaceitável em
o, assim, à dor e ao sofrimento, contrariando a vontade do recursos inúteis e a adoção de paradigmas inadequados, não
paciente ou de seu representante legal, estará praticando a apenas científicos, mas comerciais prioritariamente, viola os
censurável distanásia e também estará sujeito a responder, direitos humanos e a dignidade do doente, é ilícita, é
no âmbito da responsabilidade civil e criminal, pelas lesões inaceitável e pode caracterizar conduta criminosa. Ademais,
corporais (Código Penal, art. 129. Ofender a integridade não se pode deixar de lembrar que a Declaração de Veneza,
corporal ou a saúde de outrem), pelo constrangimento de 1983, instrumento internacional que no âmbito dos
ilegal (Código Penal, art. 46. Constranger alguém, mediante direitos humanos trata da enfermidade terminal, dispõe
violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido que “o médico deve evitar empregar qualquer meio
a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, extraordinário que não traga benefício algum para o
ou a fazer o que ela não manda), pela tortura e pelo paciente”.
tratamento cruel que impuser ao paciente. Assim sendo,
ressalta-se que o CFM agiu de forma absolutamente correta →DIREITO À AUTONOMIA E À AUTODETERMINAÇÃO:
ao editar a Resolução 1.805/06 e o parágrafo único do art. Assim, se o paciente tem o direito à autonomia, o direito de
41 do CEM, regulamentando a prática da ortotanásia e autodeterminação, o direito de tomar decisões, o direito a
reprovando a distanásia. informação, o direito de negar consentimento a qualquer
tratamento, o direito de respeito à sua privacidade, o direito
→ Tortura e tratamento desumano ou cruel: Lembremo- de não interferência, de não ingerência e de não
nos de que o inciso III do art. 5º da Constituição Federal intromissão, o direito de não ser submetido a tratamento
dispõe, expressamente, que “ninguém será submetido a desumano e cruel e o direito de opção pelo tratamento de
tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. E não saúde que lhe for reputado mais favorável, além do
se olvide que o Brasil também ratificou a Convenção contra constitucional direito de respeito à sua dignidade, é
a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos evidente que o médico não tem o dever de manter, contra
ou Degradantes e, ainda, a Convenção Interamericana para a vontade do paciente, quaisquer tratamentos que, além
Prevenir e Punir a Tortura, incorporando esses instrumentos de não serem curativos, são inúteis, fúteis, degradantes,
internacionais de defesa dos direitos humanos ao nosso humilhantes, gravosos ou prejudiciais ao interesse pessoal
sistema jurídico, conferindo-lhes, inclusive, natureza daquele. Por tudo isso, a prática da distanásia é, jurídica e
constitucional. Como se vê, é juridicamente inadmissível eticamente, condenável. Portanto, está correto o Código de
afirmar que o médico tem o dever de manter tais Ética Médica quando, no Capítulo I, ao eleger os princípios
tratamentos inúteis, que têm a exclusiva finalidade de fundamentais da conduta médica, dispõe que “nas situações
prolongar a vida artificialmente, causando ao doente clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a
terminal acometido de enfermidade incurável sofrimentos realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos
físicos e mentais, além de inegável constrangimento. desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção
todos os cuidados paliativos apropriados” 7. Como se vê, o
Claramente, a permanência do suporte vital, com ventilação CEM, além de acolher e estimular a prática da ortotanásia,
assistida, reanimadores e outros procedimentos, só é reprova e censura a distanásia.
justificável e aceitável se tiver sentido curativo, diante da
esperada reversibilidade e da possível transitoriedade da ORTOTANÁSIA
situação, o que não acontece quando a doença é incurável e
o doente está em fase terminal. Assim, inexoravelmente, se ORTOTANÁSIA
a manutenção dos mencionados procedimentos e Significa o não prolongamento do processo de morte de um
tratamentos é inútil, e até mesmo fútil e gravosa para o paciente com uma doença grave, permitindo que ela
doente, essa prática, caracterizadora de censurável aconteça de forma natural. Normalmente, ela está
obstinação terapêutica, constitui flagrante violação aos associada ao conceito de Cuidados Paliativos.
direitos humanos do paciente e pode, até mesmo,
constituir conduta criminosa. São feitas adequações de tratamentos e medicações
invasivas que podem estar causando ainda mais sofrimento
→A dignidade humana: Assim, a dignidade humana há de ao paciente e seus familiares. Neste caso, o objetivo não é
ser respeitada como critério constitucional orientador e abreviar nem adiar a morte, mas MANTER A DIGNIDADE da
corretor de todas as normas jurídicas e condutas. Em pessoa que está doente, respeitando seus desejos de fim
consequência, como lembra Gisele de Carvalho, “a de vida.
manutenção de terapias que não oferecem quaisquer
expectativas reais de recuperação para o paciente A Resolução/CFM 1.805/06: o primeiro enfrentamento
(mormente nos casos de pacientes em estado vegetativo ético da conduta médica diante da terminalidade da vida; a
crônico, cuja sobrevivência poderia ser artificialmente reação no âmbito do Poder Judiciário; a edição do novo
protraída durante meses ou até anos) implica grave Código de Ética Médica
atentado à dignidade da pessoa humana, em tudo
Dando o primeiro passo no caminhar em busca de uma
contrário à proibição constitucional de submissão a
solução ética para o enfrentamento da postura médica ante
tratamentos desumanos ou degradantes”. Como se vê, a
a “terminalidade da vida”, o Conselho Federal de Medicina
distanásia, que implica exatamente a postergação
(CFM), em 2006, editou a Resolução CFM nº 1.805,
injustificável da morte para além de qualquer benefício
asseverando, em seu art. 1º, que “é permitido ao médico
(obstinação terapêutica), a priorização indevida da

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limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que proscrever a eutanásia em seu art. 41, o novo CEM afirma,
prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de também de forma expressa, no parágrafo único desse
enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da mesmo dispositivo normativo, que ”nos casos de doença
pessoa ou de seu representante legal”. incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os
cuidados paliativos disponíveis, sem empreender ações
Todavia, diante dessa inovadora postura do CFM, surgiu diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando
imediata reação sistêmica, tanto no seio da medicina como sempre em consideração a vontade expressa do paciente
no bojo do mundo jurídico: enganadamente, afirmou-se ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.
que ficaria caracterizado o crime de homicídio se o médico
limitasse ou suspendesse os tratamentos e procedimentos Como se vê, atualmente, no âmbito ético da prática da
que estavam prolongando a vida de paciente em estado medicina, está consolidado, às completas, o entendimento
terminal de uma doença incurável, causando, assim, a sua de repúdio à “distanásia” e de total aprovação da
morte. “ortotanásia”, cuja prática há de ser estimulada. Todavia, é
preciso aprofundar ainda mais a análise dessas questões,
Em reação à Resolução CFM 1.805/06, o Ministério Público enfrentando-as à luz do sistema jurídico-penal brasileiro,
Federal, em 9 de maio de 2007, promoveu uma ação civil para que os profissionais de medicina, bem como os demais
pública contra o CFM e pediu à Justiça Federal a revogação atores do sistema sanitário, espancadas todas as eventuais
da mencionada resolução, alegando que a ortotanásia, bem dúvidas, tenham a plena convicção de que as condutas
como a eutanásia, caracteriza o crime de homicídio e que, ao médicas disciplinadas pelos dispositivos normativos
regulamentá-la, o CFM extrapassou os limites de sua editados pelo CFM, especificamente no que diz respeito à
atribuição normativa e violou preceitos constitucionais, “ortotanásia”, não caracterizam a prática de nenhuma
especialmente aqueles que cuidam da proteção do conduta criminosa ou ilícita.
indisponível direito à vida e da exclusiva competência do
Congresso Nacional para legislar em matéria penal. E a A ortotanásia e os aspectos
Justiça Federal, acolhendo o pedido de antecipação de tutela
deduzido na referida ação civil pública, suspendeu
jurídico-penais da
liminarmente a vigência da Resolução CFM 1.805/06. Resolução/CFM 1.805/06 e
Contudo, depois, ouvido o CFM e encerrado o trâmite do Código de Ética Médica
processual, o Ministério Público Federal, autor da ação,
reconheceu o equívoco de sua propositura e requereu que →O CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME: Se o objetivo
fosse julgada improcedente a sua pretensão inicial, primacial deste estudo é enfrentar e esclarecer os aspectos
admitindo que a ortotanásia não constitui crime de jurídico-penais da Resolução CFM 1.805/06 e dos
homicídio e que “o CFM tem competência para editar a dispositivos do CEM/2009 que tratam da “ortotanásia”, bem
Resolução nº 1.805/06, que não versa sobre direito penal e, como da “distanásia”, é preciso lembrar a definição analítica
sim, sobre ética médica e consequências disciplinares”. de crime: “fato típico, antijurídico e culpável”. Assim, para
ser considerada criminosa, a conduta humana deve ser
Finalmente, a Justiça Federal, acolhendo integralmente a típica, antijurídica e culpável.
alegação final do Ministério Público, julgou improcedente a
ação proposta e, em consequência, a resolução voltou a →A tipicidade Antes de qualquer coisa, para ser considerada
viger com toda a sua força e vigor. criminosa a conduta humana deve estar descrita em lei
como “crime”. E a norma penal que descreve a conduta
Assim, hoje, é possível afirmar, inclusive com base em criminosa é chamada de “tipo”. É por isso que uma conduta
decisão judicial definitiva, que a Resolução CFM 1.805/06, humana que se enquadra em uma “norma penal proibitiva”
atualmente em plena vigência, diz respeito à prática da é considerada “típica”. Aliás, a exigência da previsão das
ortotanásia, nada tem a ver com a eutanásia, constitui um condutas criminosas em lei decorre do princípio da “reserva
alerta contra a distanásia, é constitucional, não acarreta legal”, insculpido no art. 5º, inciso XXXIX da Constituição
violação a nenhum dispositivo legal, não representa Federal, que proclama que “não há crime sem lei anterior
apologia ao homicídio nem incentiva a prática de qualquer que o defina”. Portanto, somente podem ser consideradas
conduta criminosa ou ilícita e está absolutamente de como criminosas as condutas “típicas”. Em consequência, as
acordo com a nossa sistemática jurídico-penal. condutas humanas que não se enquadram em nenhum
“tipo penal” não podem ser consideradas criminosas, ainda
Além disso, é preciso lembrar de que, após a edição da que sejam ilícitas sob a ótica do sistema de normas civis,
resolução e mesmo durante o trâmite da mencionada ação comerciais, administrativas ou mesmo éticas. Como se vê,
civil pública, o CFM, em 2009, no uso de suas atribuições há inúmeras condutas que podem caracterizar ilícitos
legais, editou o novo Código de Ética Médica (CEM), administrativos, éticos, comerciais e civis, mas que nem por
proibindo a prática da “distanásia” e legitimando, isso constituem condutas criminosas, exatamente por falta
expressamente, a “ortotanásia”. Com efeito, o item XXII de de “tipicidade”, ou seja, por falta de previsão na legislação
seu Capítulo I, que trata dos princípios fundamentais da penal. Por exemplo, “receitar de forma ilegível” é uma
medicina, dispõe, expressamente, que “nas situações conduta profissional que viola um dever ético e pode gerar
clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a consequências no âmbito disciplinar para os médicos, mas
realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos não é crime, pois não existe um “tipo penal” que traga a
desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção previsão dessa conduta. Em paralelo, revelar sigilo
todos os cuidados paliativos apropriados”. E depois de profissional, além de ser comportamento que viola um dever

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ético 8 , também é conduta definida como crime no art. 154 Os crimes são classificados, com relação à conduta descrita
do Código Penal. “Coletar moluscos”, “sonegar impostos”, no tipo, em “comissivos” e “omissivos”.
“efetuar operação de câmbio não autorizada”, “maltratar
plantas ornamentais”, “estuprar”, “não comunicar aos Os “omissivos” são aqueles crimes cujo “tipo penal”
órgãos competentes a realização de uma vasectomia”, respectivo descreve uma “omissão”, ou seja, um “não fazer
“realizar uma laqueadura em desacordo com os requisitos algo que deveria ser feito”. O art. 135 do Código Penal, que
legais”, “omitir socorro a uma pessoa ferida” são exemplos tipifica a “omissão de socorro”, por exemplo, é um crime
de condutas definidas como “crime” na legislação penal. “omissivo” porque descreve um não fazer algo que deveria
ser feito, ou seja, descreve uma omissão: “Deixar de prestar
→A antijuridicidade ou ilicitude Para que haja crime, não assistência, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, a
basta que o fato seja “típico”. É necessário que a conduta criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa 166
seja “antijurídica” ou ilícita também. “Furtar” é uma Conselho Federal de Medicina inválida ou ferida, ao
conduta típica, mas não é criminoso o “furto famélico”, ou desamparo ou em grave e iminente perigo; (...)”. Trata-se,
seja, aquele praticado para saciar a fome. O homicídio está pois, de um “crime omissivo”. O art. 269 do Código Penal
definido como crime no Código Penal, mas, se alguém matar também é “omissivo”, pois também descreve, no plano
uma pessoa em legítima defesa, não haverá um crime, nos abstrato, uma omissão: “Deixar o médico de denunciar à
termos do art. 23 do Código Penal, que assim dispõe: “Não autoridade pública doença cuja notificação é compulsória”.
há crime quando o agente pratica o fato: II. em legítima Em consequência, esses crimes, como todos os demais
defesa”. Realizar um procedimento médico sem o “omissivos”, somente podem ser praticados, materialmente,
consentimento do paciente constitui “constrangimento por uma conduta de “omissão”.
ilegal”, tipificado no art. 146 do Código Penal, mas, se o
médico proceder de tal forma para evitar a morte do doente, Já os “crimes comissivos”, diferentemente, são aqueles
diante do iminente perigo de vida, não praticará uma cujos tipos respectivos descrevem uma ação, ou seja, um
conduta antijurídica, ou seja, não haverá crime, nos termos “fazer”. O tipo do “furto”, previsto no art. 155 do Código
do inciso I do parágrafo 3º do mencionado dispositivo penal. Penal, por exemplo, é “comissivo”, pois descreve uma ação:
Portanto, para ser criminosa, a conduta deve ser “típica e “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Os
antijurídica”. tipos do “estupro” (Código Penal, art. 213. Constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
→A culpabilidade Para ser considerada criminosa, além de conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
típica e antijurídica, a conduta também deve ainda ser pratique outro ato libidinoso) 9 e do “roubo” (Código Penal,
culpável, ou seja, censurável ou reprovável. Se o agente art. 157. Subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem,
praticar qualquer “fato típico e antijurídico” sob “coação mediante violência ou grave ameaça a pessoa, ou depois de
moral irresistível”, por exemplo, não haverá possibilidade de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de
reprovação penal de sua conduta no âmbito penal, ou seja, resistência) 9 também são “comissivos”, pois descrevem
não haverá “culpabilidade”, como dispõe o art. 22 do Código condutas de ação. Logo, para que haja tipicidade comissiva,
Penal. E para que haja “culpabilidade” é imprescindível a para que a conduta humana possa enquadrar-se em um tipo
presença de três requisitos fundamentais: imputabilidade, comissivo, de acordo com o princípio da reserva legal, o
exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da agente deve “fazer algo” que acarrete o resultado previsto.
ilicitude da conduta.
Em consequência, como o homicídio descreve uma ação
A ortotanásia, conduta prevista na Resolução/CFM (“matar alguém”), sendo, portanto, “comissivo”, somente é
1.805/06 e no art. 41, parágrafo único do Código de Ética possível praticá-lo mediante a realização de uma “ação”. Isso
Médica – a ausência de tipicidade no âmbito penal é imprescindível. Assim, em princípio, não se pode realizar
um homicídio praticando-se uma “omissão”. A conduta
Eis, então, o problema a ser enfrentado: como o Código humana de omissão não se enquadra no tipo comissivo do
Penal define o homicídio como crime (art. 121. Matar homicídio. A princípio, pois, “deixar morrer” (conduta
alguém. Pena – reclusão de 6 a 20 anos) 9 , se o médico omissiva) não é o mesmo que matar (conduta de ação) e
limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que não tipifica o homicídio (“matar alguém). Ou seja,
estavam prolongando a vida de um doente em estado ortotanásia não está tipificada pelo Código Penal.
terminal de uma doença incurável responderá por homicídio
diante da superveniente morte do paciente? Ou seja, se Na ortotanásia, o seu autor não pratica nenhuma conduta
praticar a conduta prevista no art. 1º da Resolução/CFM de ação, não mata o doente, mas apenas o deixa morrer,
1.805/06, bem como no parágrafo único do art. 41 do CEM, praticando, portanto, uma conduta de omissão, não de
praticará uma conduta “típica” de homicídio? Por fim, a ação, ao contrário do que ocorre nas duas hipóteses acima
“ortotanásia”, que é exatamente a conduta descrita nos mencionadas (“eutanásia” e “auxílio ao suicídio”). Na
referidos dispositivos normativos, enquadra-se no tipo de eutanásia, pratica-se uma ação: mata-se alguém; mas na
homicídio descrito no art. 121 do Código Penal? Trata-se de ortotanásia pratica-se uma omissão: deixa-se alguém
conduta “típica” sob o aspecto penal? Trata-se de um crime morrer.
de homicídio?
Crimes comissivos
Crimes comissivos e crimes omissivos
praticados por omissão:

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quando deixar morrer é dois casos poderá ficar caracterizado o “homicídio


matar privilegiado”, nos termos do art. 121, parágrafo 1º do Código
Penal; e nos dois casos o criminoso, sendo condenado,
O problema a ser enfrentado, agora, é: se o homicídio é um poderá ser beneficiado por uma diminuição de pena.
“crime comissivo”, e se esse crime somente pode ser
À “ortotanásia”, que não tipifica o homicídio, nem por ação
praticado por ação, seria possível praticá-lo por omissão? Em
nem por omissão. Decididamente, a “ortotanásia” é um
princípio, não. Mas, excepcionalmente, sim.
“deixar morrer” atípico, ou seja, não criminoso, que não se
É possível, sim, cometer um homicídio, ou seja, “matar confunde com a “eutanásia ativa” nem com a “eutanásia
alguém”, praticando-se uma omissão, mas apenas quando passiva”.
presente a hipótese do parágrafo 2º do art. 13 do Código
A ortotanásia: quando deixar morrer não é homicídio e
Penal, que dispõe o seguinte: “a omissão é penalmente
nem crime, ante a impossibilidade de evitar o resultado
relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar
morte de doente terminal e incurável
o resultado”. Assim, se o médico, querendo que o doente
morra, deixa de ministrar-lhe um medicamento que seria Como anteriormente consignado, de acordo com os
hábil para salvar a sua vida, responderá pela morte desse conceitos do sistema penal, para que o omitente tenha a
paciente, como homicida. Trata-se da hipótese jurídica que sua conduta enquadrada em um crime comissivo, como é o
os penalistas chamam de “crime omissivo impróprio ou caso do homicídio, é imprescindível que tenha, antes de
impuro” ou de “crime comissivo por omissão”, ou seja, de qualquer outra coisa, “a possibilidade material de evitar o
um crime que é comissivo por definição legal, mas que, no resultado”. Logo, se o médico limitou ou suspendeu
mundo real, é praticado por omissão, não por ação. determinado procedimento ou tratamento que estava
sendo ministrado a um doente, ele somente será
Portanto, excepcionalmente, é possível praticar um
considerado o causador da morte desse doente se aqueles
homicídio por omissão. Mas, para que uma omissão possa
tratamentos ou medicamentos tivessem potencial para
ser considerada penalmente relevante, para que um crime
evitar a morte, ou seja, se houvesse a possibilidade
comissivo possa ser praticado por omissão e, assim, para que
material de se evitar a morte do doente.
um homicídio (comissivo) possa ser praticado por omissão, é
imprescindível que os requisitos do mencionado dispositivo Assim, se o médico não tem essa possibilidade, a sua
penal estejam caracterizados: a) possibilidade de agir para conduta de suspender ou limitar determinados
evitar o resultado; e b) dever de impedir o resultado 11. Para procedimentos destinados apenas para prolongar a vida não
praticar um homicídio por omissão o médico precisa ter a pode ser enquadrada no tipo do homicídio. Se não há
possibilidade de evitar a morte do paciente e, também, o esperada reversibilidade nem possível transitoriedade com
dever jurídico de agir para evitá-la. Exige-se, pois, relação à doença, não há como falar na possibilidade de se
possibilidade e dever de evitar o resultado morte. evitar o resultado morte. Portanto, obviamente, não haverá
tipicidade possível. Não é possível, juridicamente, admitir a
Se um doente apresenta uma enfermidade possivelmente
caracterização do crime comissivo por omissão nessa
reversível e transitória, ou seja, se há possibilidade de cura,
hipótese.
o médico tem o dever de agir para evitar a sua morte. Logo,
nesse caso, diante de uma situação de esperada E é exatamente esta a hipótese prevista na Resolução CFM
reversibilidade e possível transitoriedade, o médico 1.805/06 e no parágrafo único do art. 41 do CEM: o doente
praticará um homicídio por omissão se não agir para evitar a é terminal e a enfermidade é incurável; a morte é
morte do paciente. Nesse caso, o “deixar morrer” tipificará materialmente inevitável; não há esperada reversibilidade
um homicídio. e não existe possível transitoriedade; logo, nessa situação
restrita e específica, se o médico limita ou suspende
O médico, nessa situação, praticará um crime de homicídio
procedimentos e tratamentos destinados exclusivamente a
por omissão, pois podia e devia agir para evitar o resultado
prolongar a vida desse doente, não está praticando uma
e não agiu para evitá-lo. Em tal circunstância, caso deixe o
ação dirigida a causar a sua morte e não está praticando a
doente morrer por piedade, em face de seu sofrimento,
“eutanásia”, nem a “eutanásia ativa” nem a “eutanásia
poderá até mesmo ficar caracterizada uma “eutanásia
passiva”, mas, apenas e tão somente, uma omissão de
passiva”, o que não evitará a sua condenação, mas
assistência inútil. E essa omissão não é relevante para o
possibilitará diminuição de pena, de acordo com o disposto
direito penal, diante da irreversibilidade da doença e da
no art. 121, parágrafo 1º do Código Penal.
inevitabilidade da morte. Essa é a situação que caracteriza
É assim que se pode diferenciar a “eutanásia ativa” da nitidamente a “ortotanásia”, que não tipifica o crime de
“eutanásia passiva”: na “eutanásia ativa” o agente mata homicídio e que não é, portanto, criminosa.
outrem por piedade (pratica uma conduta de ação); na
Indubitavelmente, se a doença era incurável e o doente
“eutanásia passiva” o agente, omitente, deixa alguém
estava em estado terminal, o médico omitente, sob o
morrer por piedade (trata-se de omissão relevante; o agente
aspecto jurídico-penal, não causou a morte do paciente ao
tem possibilidade e dever de evitar a morte, mas nada faz
interromper, total ou parcialmente, os procedimentos
para evitá-la). Todavia, apesar da apontada diferença, a
destinados a prolongar a vida artificialmente. Nessa
“eutanásia ativa” e a “eutanásia passiva” assemelham-se em
hipótese, pois, não é possível dizer, juridicamente, que o
razão dos seguintes aspectos: nos dois casos haverá crime de
médico “matou” o doente, mas, sim, que ele “deixou o
homicídio (homicídio por ação e homicídio por omissão); nos

Emilly Melissa – 6°p. Turma XXXI.


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paciente morrer”. E o “deixar morrer”, que é uma conduta Se um doente apresenta uma enfermidade possivelmente
de omissão, não é passível de tipificação no art. 121 do reversível e transitória, ou seja, se há possibilidade de cura,
Código Penal nesse caso, pois não é possível curar uma o médico tem o dever de agir para evitar a sua morte. Logo,
doença incurável e é impossível evitar uma morte inevitável. nesse caso, diante de uma situação de esperada
reversibilidade e possível transitoriedade, o médico
Aliás, sobre a inevitabilidade do resultado, Bitencourt praticará um homicídio por omissão se não agir para evitar a
assevera que “se a realização da conduta não tivesse morte do paciente. Nesse caso, o “deixar morrer” tipificará
impedido a ocorrência do resultado, que, a despeito da ação um homicídio. O médico, nessa situação, praticará um crime
do agente, ainda assim se verificasse, deve-se concluir que a de homicídio por omissão, pois podia e devia agir para evitar
omissão não deu causa a tal resultado. E a ausência dessa o resultado e não agiu para evitá-lo. Em tal circunstância,
relação de causalidade, ou melhor, no caso, relação de não caso deixe o doente morrer por piedade, em face de seu
impedimento, impede que se atribua o resultado ao sofrimento, poderá até mesmo ficar caracterizada uma
omitente, sob pena de consagrar-se uma odiosa “EUTANÁSIA PASSIVA” (homicídio por omissão), o que não
responsabilidade objetiva”. evitará a sua condenação, mas possibilitará diminuição de
pena, de acordo com o disposto no art. 121, parágrafo 1º do
Decididamente, portanto, na ortotanásia, que é exatamente Código Penal.
a situação regulada pela Resolução CFM 1.805/06 e
autorizada pelo parágrafo único do art. 41 do CEM, há uma É assim que se pode diferenciar a “EUTANÁSIA ATIVA” da
situação de irreversibilidade e de não transitoriedade e, “eutanásia passiva”: na “eutanásia ativa” o agente mata
obviamente, a impossibilidade de cura, o que afasta outrem por piedade (pratica uma conduta de ação); na
totalmente a tipificação do homicídio por omissão. É por isso “eutanásia passiva” o agente, omitente, deixa alguém
que se pode afirmar, com absoluta certeza jurídica, que o morrer por piedade (trata-se de omissão relevante; o
“deixar morrer”, no caso da ortotanásia, não é crime, mas agente tem possibilidade e dever de evitar a morte (É
sim uma conduta ética, lícita e jurídica. REVERSÍVEL), mas nada faz para evitá-la). Todavia, apesar
da apontada diferença, a “eutanásia ativa” e a “eutanásia
A omissão de socorro E não se diga, porque totalmente passiva” assemelham-se em razão dos seguintes aspectos:
injurídico, que o médico estaria praticando um crime de nos dois casos haverá crime de homicídio (homicídio por
omissão de socorro ao interromper ou limitar os ação e homicídio por omissão); nos dois casos poderá ficar
tratamentos na situação referida na Resolução 1.805/06 e caracterizado o “homicídio privilegiado”, nos termos do art.
no parágrafo único do art. 41 do CEM. É que o art. 135 do 121, parágrafo 1º do Código Penal; e nos dois casos o
Código Penal, em sua dimensão típica, cuida exclusivamente criminoso, sendo condenado, poderá ser beneficiado por
de coibir apenas a omissão de socorro às pessoas inválidas uma diminuição de pena.
ou feridas, ao desamparo ou em grave e iminente perigo, o
que, obviamente, não se aplica à situação do doente Nos casos de “eutanásia”, a conduta do agente subsume-se
terminal acometido de doença incurável, que não pode ser com exação ao tipo “comissivo” do homicídio. É que, no
sujeito passivo desse delito. Ademais, como anteriormente procedimento eutanásico, o agente pratica uma conduta de
ficou esclarecido, não se pode falar em omissão de socorro “ação”, pois a morte é causada mediante uma ação, como,
quando o médico deixa de praticar condutas inúteis e até por exemplo, no caso da aplicação de uma injeção letal.
mesmo fúteis e prejudiciais ao paciente terminal, Lembre-se, aliás, de que a palavra eutanásia deriva do grego
contrariando a sua vontade. Assim, a omissão de socorro e significa “boa morte”, “morte tranquila, sem dor nem
somente ficará caracterizada se não forem adotados os sofrimento” (eu corresponde a “bem” e thanasía, a morte).
necessários tratamentos paliativos (terapia de alívio).
Pratica-se, pois, a “eutanásia” quando se realiza uma
EUTANÁSIA conduta de ação, por compaixão, para dar uma “boa
morte” a alguém que sofre em razão de uma enfermidade
EUTANÁSIA incurável. Pratica-se a “eutanásia” quando, por
Consiste na abreviação da morte de pacientes que estejam misericórdia ou piedade, o agente realiza uma “ação”
com doenças em estágio terminal e incurável, promovendo causadora da morte.
a diminuição do sofrimento.
A possibilidade da Eutanásia é levada em consideração Indubitavelmente, portanto, quem pratica a eutanásia
quando não há mais tratamentos possíveis para melhorar o “mata alguém”, ou seja, realiza uma conduta de ação que
quadro clínico do paciente. se tipifica no art. 121 do Código Penal. O fato é típico. Trata-
se de homicídio. E, de acordo com o caput do art. 41 do
EUTANÁSIA VOLUNTÁRIA: após CEM, a “eutanásia”, exatamente por ser um homicídio sob
consentimento, medicamentos ou procedimentos são o aspecto jurídico-penal, também é condenável no âmbito
administrados para levar a morte do paciente. ético da medicina.
Legalizada na Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Colômbia e
Espanha. No Brasil, contudo, a “eutanásia” não está legalizada e
continua sendo uma conduta que se enquadra no tipo do
EUTANÁSIA INVOLUNTÁRIA: administração de homicídio. É uma conduta típica e antijurídica, embora
medicamentos ou procedimentos que levam o paciente a possa o autor dessa conduta criminosa, quando
morte. NÃO HÁ CONSENTIMENTO E ESSA PRÁTICA É ILEGAL condenado, ser beneficiado por uma “redução de pena”.
NO MUNDO TODO. Trata-se de um “homicídio privilegiado”. Como dispõe o

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parágrafo único do art. 121 do Código Penal, a pena do rua que não recebem assistência médica ou o mínimo de
homicídio pode ser diminuída de um sexto a um terço se o dignidade para viver.
agente comete o crime “impelido por relevante valor social
ou moral”. Assim, nos casos de “eutanásia”, no Brasil, pode A MORTE INDIGNA: MISTANÁSIA: A mistanásia (do grego:
ocorrer uma diminuição de censura ou de reprovação, mas mis, miserável; e thanatos, morte) refere-se a morte infeliz,
haverá crime. prematura, abandonada, fora e/ou antes do seu tempo. A
palavra dá significado à morte de milhares de pessoas sem
Na realidade, o que importa dizer é que a “eutanásia”, que é nenhuma assistência, deixadas à própria sorte, em lixões,
uma conduta homicida, não se subsume a hipótese prevista embaixo de viadutos, pontes, ruas e, principalmente, nos
na Resolução CFM 1.805/06, nem na situação prevista no hospitais com corredores lotados, com pacientes
parágrafo único do art. 41 do CEM, as quais se referem, moribundos e abandonados pelo Estado e por todos.
nitidamente, a uma conduta médica de “omissão”, não de
“ação”: ao suspender ou limitar o tratamento ou os O termo foi cunhado por Martin (1998, p. 174) para destacar
procedimentos adotados, o médico pratica uma “omissão”, a impropriedade do uso corrente da expressão eutanásia
ou seja, deixa de agir, deixa de prestar a assistência que até social. Para o autor, a eutanásia, tanto em sua origem
então estava sendo prestada ou que poderia ser iniciada. etimológica como em sua intenção, pretende ser um ato de
misericórdia, quer propiciar ao doente que está sofrendo
SUICÍDIO ASSISTIDO uma morte boa, suave e indolor. As situações a que se
referem os termos eutanásia social e mistanásia, porém,
Para abreviar a morte, o próprio paciente se auto não têm nada de boas, suaves, nem indolores.
administra uma dose letal de um fármaco, prescrita por um
médico Na categoria de mistanásia, percebe-se três situações
Legalizado na Suíça, Canadá e em dez estados dos Estados distintas: primeiro, a grande quantidade de doentes e
Unidos. deficientes que, por motivos políticos, sociais e
econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não
→Auxílio ao suicídio: Estariam, então, esses dispositivos conseguem ingressar efetivamente no sistema de
normativos fazendo menção à conduta prevista no art. 122 atendimento médico; segundo, os doentes que conseguem
do Código Penal, que prevê a hipótese típica de “auxílio ao ser pacientes para, em seguida, se tornarem vítimas de erro
suicídio”? Também não. É que esse tipo penal, também médico e; terceiro, os pacientes que acabam sendo vítimas
“comissivo”, é igualmente praticado por ação: “Induzir ou de má-prática por motivos econômicos, científicos ou
instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que sociopolíticos. A mistanásia é uma categoria que nos
o faça”. permite levar a sério o fenômeno da maldade humana.
Como se vê, no “auxílio ao suicídio” quem causa a ocisão é Um dos grandes contrapontos entre a mistanásia e a
a própria pessoa, que se mata com o auxílio indireto de eutanásia é o resultado. Na eutanásia a morte ocorre antes
terceiros. Assim, se o médico fornece uma substância letal do seu tempo natural, porém sem dor e sofrimento. Na
ao doente, que a ingere ou a injeta no próprio corpo, mistanásia também ocorre a antecipação da morte, porém
morrendo em decorrência dessa prática (suicídio), a há muito sofrimento por parte do moribundo.
conduta do médico, comissiva, será enquadrada no tipo do
art. 122 do Código Penal (auxílio ao suicídio). De mesma forma, a mistanásia não se confunde com a
ortotanásia, pois não respeita o processo natural do final
Entretanto, à evidência, essa hipótese também não se da vida. Consiste em uma das piores modalidades do
amolda à situação normativa prevista na Resolução/CFM processo que envolve a morte. Na mistanásia, tal como
1.85/06 e no parágrafo único do art. 41 do CEM, que não vista frequentemente no Brasil, não há tratamento
cuidam da “eutanásia” nem do “auxílio ao suicídio”. Aliás, humanitário algum e tampouco acontece por obstinação
vale lembrar que o direito alemão, como o brasileiro, pune a terapêutica nos eventualmente luxuosos hospitais, como é
eutanásia com pena reduzida em relação ao homicídio o caso da distanásia. Ocorre por abandono, descaso e
simples, mas, ao contrário do direito brasileiro, não pune o desamparo.
“auxílio ao suicídio”. Assim, se o médico alemão entrega a
injeção letal ao paciente, possibilitando que ele a aplique em Vieira23 , em um excelente trabalho, classifica a mistanásia
si próprio, cometendo o suicídio, a conduta do médico será em duas espécies, sendo ativa e passiva:
considerada atípica, ou seja, não haverá crime.
Para o autor, a MISTANÁSIA ATIVA é fenômeno proposital
MISTANÁSIA de “reificação” (valoriza mais as coisas que as pessoas ou
relações pessoais – conceito do marxismo) e “nadificação”
MISTANÁSIA do homem. Neste caso, o indivíduo é submetido a
É a morte miserável, por omissão, negligência ou experiências, como se fosse uma cobaia, ou a extermínio.
incompetência (ou insuficiência) de atendimentos de saúde. Exemplos deste fenômeno foram a política de purificação
Considera-se Mistanásia uma morte indevida, precoce e racial dos nazistas, o genocídio cambojano provocado pelo
evitável, associada a um erro médico – que pode fazer com Khmer Vermelho, a retirada arbitrária de órgão de adultos e
que o profissional de saúde venha a enfrentar processos e a crianças carentes para atender o mercado negro de
perda de seu CRM. transplantes.
Um exemplo disso é a situação de morte de moradores de

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Já a MISTANÁSIA PASSIVA OU OMISSIVA, é o processo de Os direitos de seguridade social são elencados na


nadificação da pessoa, por meio da antecipação da morte Constituição Federal do Brasil, de 1998, especialmente nos
ou o prolongamento de dor ou sofrimento desnecessário, artigos 194, 196 e 203. A legislação infraconstitucional segue
devido à falta de acesso aos serviços de saúde ou a mesma linha. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990,
decorrentes de erro médico. Seria, portanto, a que dispõe sobre as ações e serviços de saúde no território
inacessibilidade do indivíduo ao tratamento necessário à nacional, onde determina:
preservação de sua saúde (condição quantitativa ou
ontológica), ou acessibilidade precária, carente de condições Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano,
adequadas para o correto tratamento (condição qualitativa devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao
ou axiológica). seu pleno exercício.

Os agentes passivos deste processo são as pessoas § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na
deficientes ou doentes em condição de carência, de formulação e execução de políticas econômicas e sociais
exclusão econômica, política ou social, que estão que visem à redução de riscos de doenças e de outros
impossibilitados de ingressar no sistema de atendimento agravos e no estabelecimento de condições que assegurem
médico público ou privado, ou, os doentes e pessoas acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a
debilitadas que ingressam no sistema público de sua promoção, proteção e recuperação.
atendimento, mas são vítimas da já referida negligência,
imprudência ou imperícia. O espírito das leis, no entanto, não se traduz na realidade
social. A mistanásia continua sendo uma realidade
Martin (1998, p. 176-179) detalha as espécies de mistanásia frequente nas mais variadas cidades do Brasil. Não há
por erro médico. A mistanásia negligente seria o fenômeno estruturas hospitalares, nem tampouco recursos suficientes
resultante da omissão de socorro, ou seja, o agente médico destinados à área da saúde. Em consequência, milhares de
se recusa a atender emergencialmente o paciente ou o pessoas morrem diante da omissão de socorro estatal, pela
pretere em função de outro mais “viável”. A mistanásia por negligência e precariedade dos serviços públicos oferecidos.
imprudência é a consequência de julgamento subjetivo do
médico que não aplica determinado tratamento paliativo Em acréscimo, na sociedade brasileira, marcada pela
em pacientes em condições gravíssimas, idosos ou desigualdade social, não é somente nos hospitais públicos
pacientes terminais, por considerar um equívoco (tempo que o pobre idoso ou não, sofre com a mistanásia; ela
perdido). A mistanásia por imperícia é a consequência da deriva também de moradias precárias, falta de água limpa,
inaptidão técnica dos agentes médicos ou hospitalares, que alimentação diária, entre outros fatores que, além de
não se atualizam, nem se aprimoram devido às próprias serem indignos, provocam doenças que acabam ficando
condições materiais da instituição médica e/ou sem tratamento e atingem parcela significativa da
remuneratórias. população.

De acordo com Goldim (2009)25, a mistanásia como fruto A mistanásia é, portanto, uma nova denominação para um
da maldade humana refere-se aos atos que mesmo não problema tão antigo como a própria formação da sociedade.
sendo premeditados poderiam ser evitados, mas não o Reflete a exclusão social sob um aspecto institucionalizado e
foram. A maldade, assim, não estaria necessariamente específico, resistente à distributividade e equidade do
ligada ao planejamento do mal, mas, à falta de planejamento Estado de Garantia, relacionado às relações médico-
do bem. (ALMEIDA, 2000, p. 165) hospitalares. A exclusão social, por sua vez, é um fenômeno
expropriador, excludente, alienador da própria condição
Desta forma, a mistanásia ultrapassa o contexto médico humana. O homem excluído não mais apresenta importância
hospitalar fazendo refletir sobre uma morte provocada de econômica, viabilidade, no mundo da produção e consumo.
forma lenta e sutil, pelo descaso do sistema e da estrutura O ser, desconstituído de humanidade, ao se tornar inviável,
e de razões subjacentes, que passam pelo simplorismo deixa de existir para a sociedade de consumo de massa.
ético, pela incompreensão, pela falta de vontade política de Torna-se invisível, descartável. O indivíduo vive, mas não
resolver questões polêmicas e difíceis. existe. A mistanásia é a de demonstração definitiva da
exclusão coletiva e institucionalizada.
A ausência ou a precariedade de serviços de atendimento
médico, em muitos lugares, garante que pessoas com DIRETIVAS ANTECIPADA S DE VONTADE
deficiências físicas ou mentais, ou com doenças que
poderiam ser tratadas, morram antes da hora, padecendo, Resolução CFM n° 1.995/2012
enquanto vivem, dores e sofrimentos, a princípio, evitáveis.
(ALMEIDA, 2000, p. 165) Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos
pacientes.
O direito ao acesso à saúde pública é uma das premissas
básicas no exercício da cidadania, constituído em um dos Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o
direitos fundamentais, com posição de destaque dentro da conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados
Constituição Federal de 1988. A promoção e o cuidado com pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou
o atual bem-estar estão diretamente relacionados com a não, receber no momento em que estiver incapacitado de
dignidade da pessoa humana, inscrita na Constituição como expressar, livre e autonomamente, sua vontade.
um dos Princípios Fundamentais da República (art. 1º, III).

Emilly Melissa – 6°p. Turma XXXI.


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Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de as diretrizes do paciente e a nomeação de um procurador
pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou abrangem ambos os modelos.
de expressar de maneira livre e independente suas
vontades, o médico levará em consideração suas diretivas Há três estados clínicos em que a tomada de decisão sobre
antecipadas de vontade. § 1º Caso o paciente tenha o fim da vida é citada em entrevistas sobre DAV: doença
designado um representante para tal fim, suas informações terminal, estado vegetativo persistente e demências
serão levadas em consideração pelo médico. § 2º O médico avançadas.
deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de
vontade do paciente ou representante que, em sua análise, Contudo, ainda persiste o conflito entre valores culturais e
estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo individuais, e critérios técnicos. Por outro lado, o
Código de Ética Médica. § 3º As diretivas antecipadas do profissional médico receia em cumprir o desejo do paciente
paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não e sofrer com as consequências da judicialização da
médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. § 4º O medicina. Justifica-se um direcionamento e definição, tanto
médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas do CFM e do Poder Legislativo que forneça respaldo legal
de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo para que os profissionais de saúde reformulem seus
paciente. § 5º Não sendo conhecidas as diretivas conceitos a respeito das DAV, pois a recusa do paciente em
antecipadas de vontade do paciente, nem havendo ser hidratado e alimentado por sondas torna-se inválido se
representante designado, familiares disponíveis ou falta de os profissionais não respeitarem seu desejo.
consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de
Como podemos observar, em meio aos conflitos e discussões
Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à
já citados, situam-se as DAV do paciente, que se trata de um
Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho
instrumento redigido antecipadamente para ser aplicado
Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua
no término da vida do autor, momento esse que gera
decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida
tantas controvérsias éticas, jurídicas e religiosas.
necessária e conveniente.
As DAV são temas recentes no cenário do cuidado ao
Mais recentemente, em 2012, o Conselho Federal de
paciente, que visam atender e respeitar a autonomia do
Medicina (CFM), por meio da Resolução CFM 1.995/2012,
paciente ou de seus familiares. Contudo, também
legitima a postura médica sobre as diretivas antecipadas de
produzem discussões e conflitos entre os profissionais de
vontade dos pacientes. Além de sua atualidade e inovação
saúde pois modificam as rotinas empregadas no cuidado ao
frente aos novos desafios técnico-científicos, garante, no
paciente(20).
que tange às decisões sobre cuidados e tratamentos, a
consideração da vontade prévia e expressamente A Constituição Federal de 1988 garante direitos ao cidadão,
manifestada pelo paciente, desde que em consonância com e entre eles está o princípio da dignidade humana, que pode
os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica devendo ser entendida como uma satisfação subjetiva e pessoal.
essa vontade prevalecer sobre qualquer outro parecer não Assim sendo, conceder o pedido consciente de morte a um
médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. paciente terminal não seria contrário ao artigo 5o da
Constituição Federal. Entretanto, alguns autores não o
As Diretivas Antecipadas da Vontade (DAV) são entendidas
entendem dessa forma, pois o homem corre todos os riscos
como o conjunto de desejos manifestados previamente
e sofre todas as consequências em conviver com uma
pelo paciente sobre cuidados e tratamentos que deseja ou
sociedade dinâmica e cada dia mais sem preconceitos(16).
não receber quando estiver incapacitado de expressar, livre
e autonomamente, sua vontade. As DAV reconhecem o Legalmente, o médico não está vinculado à Resolução CFM
direito do paciente de recusar tratamentos fúteis, também 1.995/2012, de forma ética relacionado ao TV, não estando
conhecidos como extraordinários, ou seja, aqueles obrigado a acatá-los, pois há liberdade assegurada pela
tratamentos que visam apenas a prolongar sua vida Constituição Federal, que em seu artigo 5°, parágrafo II,
biológica, sem garantir sua qualidade. relata que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
nada, senão em virtude de lei. Não há proibição legal, e o
No Brasil ainda não há legislação específica para as DAV, e
médico pode, juridicamente, não acatar as DAV do
desde a Resolução 1.995/2012 do CFM, as discussões
paciente(13). A insegurança do paciente e do profissional
ocorrem informalmente de forma discreta entre grupos de
da Saúde no uso e aceite das DAV esbarra no receio de
profissionais.
infringir normas ético-legais da Resolução nº 1995/2012,
Sendo as DAV um instrumento do paciente, e que envolve que não tem força de lei. A ausência de força legal possibilita
decisões dos profissionais médicos e do procurador um importante instrumento de interpretação e
nomeado, é fundamental que seja esclarecido a diferença direcionamento da hermenêutica jurídica, e o fato das DAV
entre o modelo de pura autonomia e o julgamento não estarem prescritas em lei não afasta de imediato a sua
substituto. Enquanto o primeiro se aplica, de forma inclusão no ordenamento jurídico pátrio(15). A futura
exclusiva, a pacientes que já foram autônomos e aplicabilidade da Resolução 1.995/2012 envolve elementos
expressaram uma decisão autônoma ou de preferência importantes como aspectos bioéticos e jurídicos, a
relevante, o segundo busca desvendar quais seriam os linguagem e o fim de vida. Contudo, o cenário brasileiro não
desejos do paciente se este pudesse expressar sua vontade, possui lei que possibilite legislar sobre a elaboração de um
situação na qual o procurador age como se fosse o documento que expresse a vontade do paciente.
paciente. Entendidas essas definições, as DAV que contêm

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A responsabilidade civil dos médicos é, em regra, subjetiva, muitos questionamentos a respeito de como acessar a
e poderão ser responsabilizados caso não respeitem essas dimensão espiritual do ser humano e no que consiste o bom
DAV e, por consequência, não respeitem a autonomia do “cuidado espiritual”. (1,2) Noventa e cinco por cento dos
paciente. Salienta-se que, embora não haja lei específica americanos crêem em alguma força superior (3,4) e 93%
versando acerca das Diretivas Antecipadas de Vontade, o gostariam que seus médicos abordassem essas questões se
Código de Ética Médica e a Resolução CFM 1.995/2012, que ficassem gravemente enfermos.
tratam da temática, são normas em sentido amplo a serem
seguidas e respeitadas(12). Parece que o envolvimento religioso positivo e espiritual
está associado a uma vida mais longa e saudável (8) e um
Receios ligados às implicações legais aparecem como fator sistema imunológico mais eficaz. Outros estudos também
determinante e limitante na aplicação das DAV pelos demonstram que o estresse religioso negativo pode piorar o
enfermeiros, médicos e cuidadores familiares no contexto estado de saúde.
hospitalar. A Resolução do CFM 1.995/12 ainda suscita
dúvidas na sua aplicabilidade(23). Além disso, uma A atenção aos aspectos espirituais em cuidados paliativos
incerteza do diagnóstico somada ao desconhecimento da tem tanta relevância que alguns autores ousam colocá-la
sua doença e de seu prognóstico são pontos que se como maior indicador de boa assistência ao paciente no
traduzem como temores a profissionais e familiares(24). A final da vida.
equipe multiprofissional reconhece os direitos de
autonomia dos pacientes na fase terminal. No entanto, A espiritualidade busca a resposta para essa pergunta (“Qual
quando é preciso dialogar com familiares para que possam o sentido da vida?”), mais que uma simples resposta ela
se manifestar sobre a vontade do paciente, não há busca a experiência interior capaz de revelar a resposta:
segurança para atenderem à vontade exposta, devido ao transcendência.
entendimento de que os familiares se encontram em um
ESPIRITUALIDADE
momento de sofrimento. A Resolução CFM 1.995/12 dispõe
que cabe ao médico registrar as DAV no prontuário quando Espírito, do latim spiritus significa sopro e se refere a algo
lhe são comunicadas diretamente pelo paciente. A que dá ao corpo sua força vital e demonstra a relação do
manifestação de vontade do paciente interfere plano material com a dimensão imaterial, oculta, divina ou
sobremaneira na conduta médica e, na maioria das vezes, o sobrenatural que anima a matéria. O espírito conecta o ser
outorgante é tecnicamente vulnerável para fazê-lo(7). Um humano a sua dimensão divina ou transcendente.
responsável legal para tomar as decisões quando o paciente
estiver em fase terminal é uma forma de manter e aceitar os ESPIRITUALIDADE denomina uma qualidade do individuo
desejos do paciente. Contudo, os familiares preferem que as cuja vida interior é orientada para Deus, o sobrenatural ou
decisões sejam coordenadas pelo corpo médico junto ao o sagrado. A espiritualidade move-se para além da ciência e
doente(10). Com as DAV, os pacientes expõem e discutem da religião instituída. Ela é considerada mais primordial,
com a equipe médica suas vontades acerca de quais mais pura e mais diretamente relacionada com a alma em
tratamentos desejam realizar caso se encontrem em estado sua relação com o divino.
terminal(40). No Brasil, o nível de conhecimento entre
profissionais de saúde e estudantes a respeito das DAV • Espiritualidade é uma busca pessoal para entender
constitui um tema pouco versado entre a classe, uma vez questões relacionadas ao fim da vida, ao seu sentido, sobre
que existem poucos estudos sobre o tema. A despeito disso as relações com o sagrado ou transcendente que, pode ou
os participantes mostraram-se propensos à aceitação das não, levar ao desenvolvimento de práticas religiosas ou
DAV(7,9,41). formações de comunidades religiosas.

Decidir sobre o que fazer ou deixar de fazer ao paciente em A espiritualidade é uma forma pessoal de encontrar
fase terminal sempre é um dilema ético para os médicos(45). respostas às questões últimas relativas à vida, ao seu
As DAV permitem ao médico e à equipe de saúde respeitar a significado e à relação com o sagrado, com o
autonomia do paciente e cumprir com suas vontades frente transcendente; ela pode, ou não, levar ao desenvolvimento
às inúmeras opções de tratamento paliativos. Entretanto, de rituais religiosos e à formação de comunidades.
solicitar ao paciente ou ao seu representante que decida
qual o tipo de tratamento deverá ser feito ou não é um A espiritualidade é compreendida como uma orientação
amplo dilema ético(46). A relação médico-paciente filosófica que produz comporta mentos e sentimentos de
baseada no respeito e na ética é fundamental para a família esperança, amor e fé, proporcionando um significado à vida
considerar aceitar as vontades expressas pelo próprio e à relação com o transcendente, podendo ou não estar
paciente, ou designadas por seu representante legal, vinculada a determinada religião; a espiritualidade não se
quando não houver mais possibilidades para cura, limita a aspectos dogmáticos e doutrinários.
respeitando, dessa forma, a autonomia do paciente(15).
RELIGIOSIDADE
DIFERENCIAR RELIGIOSIDADE DE ESPIRITUALI DADE E
Já a religião é uma forma secundária, dogmática e
APRESENTAR SEU IMPAC TO NA SAÚDE, DE MANE IRA
frequentemente distorcida por forças sócio-econômicas,
ESPECIAL NO FIM DA V IDA.
culturais e políticas.
Não há mais dúvida da importância dos aspectos religiosos
e espirituais no cuidado dos pacientes, embora ainda haja

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• Religião é o sistema organizado de crenças, práticas, rituais partícula pela simples presença de um observador. Aquilo
e símbolos designados para facilitar o acesso ao sagrado, ao que é totipotente, uma probabilidade, se realiza. Uma vez
transcendente (Deus, força maior, verdade suprema ...); que o universo existe em realidade quem causou o colapso
das probabilidades subatômicas? Estaríamos finalmente
• Religiosidade é o quanto um indivíduo acredita, segue e próximos de uma fusão ciência e espiritualidade? Seriam as
pratica uma religião. Pode ser organizacional (participação sensações de atemporalidade e dissolução espacial uma
na igreja ou templo religioso) ou não organizacional (rezar, percepção desse universo transcendente subatômico?
ler livros, assistir programas religiosos na televisão);

A religião é compreendida como um sistema organizado de Espiritualidade em cuidados paliativos


crenças, práticas, rituais e símbolos, com a finalidade de Quando buscamos o alívio do sofrimento humano diante da morte
facilitar a aproximação com o transcendental, com o necessitamos expandir nossa compreensão do ser humano para
sagrado. além de sua dimensão biológica. A dimensão espiritual engloba a
relação do indivíduo com o transcendente, sendo necessário
Já a religião é a crença em uma forma divina ou sobrenatural, diferenciá-la das questões existenciais e religiosas. O ser humano
que tem poder acima de tudo e está ligada a uma doutrina apresenta diferentes dimensões, todas integradas pelo significado
atribuído a elas. Alguns autores consideram a dimensão existencial
específica, utilizando práticas, rituais e símbolos
como sinônimo da espiritual, o que é uma verdade apenas em
destinados a facilitar a aproximação com o transcendental.
parte. Todos as coisas que dão significado a vida de uma pessoa
(família, trabalho, religião, etc) podem apresentar um relação
................................................................................................ clara com o transcendente (Deus, o metafísico, o sobrenatural ou
o sagrado). Essa dimensão entre o existencial e o transcendente
Alguns indivíduos são portadores de um alto grau de chamamos espiritual. A religião instituída, por exemplo, pertence
espiritualidade sem pertencerem a uma religião instituída. a dimensão cultural e social e pode ser considerada espiritual se
Outros, ao contrário, terão sua espiritualidade realmente relaciona o individuo com o seu sagrado ou
fundamentada na religião. transcendente.

A percepção espiritual da realidade dá ao individuo uma O sofrimento humano pode nascer em qualquer dessas dimensões
dimensão mais ampla de significados para os eventos da e é integrada pelo significado e sentido dados a ele. O sofrimento
vida diária e reorganiza essas experiências. Segundo Victor espiritual se alicerça na violação da essência do eu, o que se
Frankl e Graf Dürckheim (16) a percepção de caracteriza frequentemente pela perda de sentido e identidade,
assim como o desejo de abreviar a vida. O sofrimento religioso se
sentido/significado transcendente na experiência cotidiana
caracteriza pela dor moral conduzida pela quebra de dogmas e
é a força motriz da existência humana. Tal percepção pode preceitos daquela religião. (20) Os pacientes desejam estar em paz
ser atingida através de rituais religiosos, da prece, com Deus e com seus familiares, serem capazes de rezar e
meditação, da arte, do contato com a natureza, do sentirem que sua vida foi completa.
sofrimento e até mesmo do relacionamento amoroso.
Entre as dificuldades para abordar a questão espiritual no final da
Até a bem pouco tempo atrás não havia nenhuma ponte que vida está o próprio desconhecimento da equipe a respeito da sua
ligasse as questões espirituais e a ciência moderna, em espiritualidade e a ignorância do paciente em relação à sua
especial à medicina. Os fenômenos religiosos eram finitude. Apesar da maioria dos pacientes quererem saber a
geralmente vistos como distúrbios psiquiátricos e seus respeito da gravidade de seus prognóstico (23 ) a maioria dos
médicos são favoráveis a não contar isso aos seus pacientes. (23 )
efeitos mal interpretados.
Não é possível abordar as questões espirituais sem uma real
percepção da morte. (20,22) A morte é a última crise a ser
Espantosamente, os padrões cerebrais foram idênticos,
enfrentada e a última oportunidade para o crescimento espiritual,
assim como as descrições desse estado de união sendo seu grande desafio, o de manter íntegra a identidade da
transcendente. Nota-se uma diminuição do fluxo cerebral pessoa diante da desintegração total.
nas áreas que controlam a orientação de tempo e espaço, a
qual é responsável pela sensação de dissolução do eu e Ao avaliar a história espiritual deve-se identificar a importância
atemporalidade. Notaram também que praticantes das disso na vida do paciente e de sua família, assim como isso pode
diferentes religiões apresentam saúde mental e física ser incluído nos cuidados do paciente. Puchalski (22) e Maugans
melhor do que a população geral. Tais fatos sinalizam uma (24) sugerem uma abordagem inicial através das siglas FICA e
SPIRIT:
grande ferramenta evolutiva para a sobrevivência da
espécie. Mas seria essa percepção apenas uma ferramenta
evolutiva? Ou estaria nosso cérebro percebendo uma
realidade transcendente, das quais todas as outras
percepções seriam originárias?

Antes de ser observado o elétron comporta-se como uma


onda e pode estar simultaneamente em diferentes
posições, tudo é probabilidade. Ao se definir um
observador externo seu comportamento é de partícula e
pode ser definido, passa a ser realidade. O comportamento
do elétron, enquanto onda gera uma seqüência de
possibilidades a qual os físicos chamam de onda de
probabilidades. A onda de probabilidade colapsa em

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espirituais sem antes conhecer a sua própria


espiritualidade.(20,22) A equipe deverá trabalhar com as
crenças e a fé do paciente sem, em nenhum momento,
pregar a sua verdade. Os cuidadores deverão ser
orientados com relação ao respeito à individualidade do
paciente, sendo que o cuidado espiritual cabe a todos os
envolvidos. (14) Já o atendimento religioso, com seus ritos
e sacramentos, deve ser incentivado pela equipe e
ministrado pelo sacerdote habilitado.

É somente através dela (a morte) que o homem se defronta


com a realidade da vida: tudo termina, tudo finda.

A finitude leva o espírito humano a sua essência:


transcender. O ser humano deseja transcender.
Transcender os limites do seu corpo, os limites de sua alma,
conhecer a Deus, Alá, Olorum, o Criador, seja lá quem ele for.
Devemos observar que ambos os questionários atentam Transcender a morte foi, no último século, um desejo
para sistemas espirituais e religiosos instituídos e não à concreto. Graças a esse desejo a medicina evoluiu
experiência individual de transcendência e significado. Uma vertiginosamente para então perceber que transcender a
das formas de aprimorar essa avaliação é a criação de uma morte não é eliminá-la, mas dar a ela sua dignidade
autobiografia (20) que enfatize as experiências espirituais merecida. A essência dos Cuidados Paliativos é espiritual,
legítimas ou assim chamadas “numinosas” (16). Essas pois ousa transcender o sofrimento humano e a morte
experiências se caracterizam por um encontro com o “ser dando a ela um significado.
unitário e absoluto”, ou como dizia Dürckheim (16), o “ser
essencial”. Mais do que uma mera percepção A dimensão espiritual é considerada o fator que integra e
transcendente, a experiência espiritual legítima deve levar a une os aspectos físicos, psicológicos e sociais do ser
uma mudança de comportamento ou entendimento da humano. (33) As experiências espirituais apresentam hoje
realidade. Tal evento poderá ocorrer dentro de um templo, explicações científicas que sugerem seus mecanismos
no contato com a natureza, durante uma cena familiar ou neurofisiológicos e físicos. Diversos estudos demonstram
ouvindo uma ópera. O bem estar espiritual parece estar os benefícios do envolvimento religioso/espiritual, não
associado a menor índices de depressão, ideação suicida, podendo mais este tema ser negligenciado pela medicina.
desejo de morte e desesperança em pacientes terminais. Os Cuidados paliativos devem abordar o ser humano em
sua totalidade incluindo o cuidado espiritual. Existem
Ao lidar com as questões espirituais de nossos pacientes evidências sugerindo ser esse tipo de cuidado eficaz no
devemos estar atentos às diversas formas de violência controle das questões existenciais e sintomas depressivos
espiritual que podem ser cometidas por profissionais, no final da vida. A equipe de cuidados paliativos deve estar
familiares e sacerdotes. Segundo Purcell (29,30), o abuso atenta as necessidades espirituais dos pacientes sem, no
espiritual é caracterizado pelo ato de fazer alguém acreditar entanto, impor qualquer tipo de atendimento nessa área.
numa punição de Deus ou na danação eterna por ter falhado O respeito às crenças e a fé de cada indivíduo deve ser
em alcançar uma vida adequada aos olhos de Deus. Existem prioritária. O ensino e pesquisa nessa área devem ser
diferentes intensidades e formas de abuso espiritual, incentivados para atingirmos um melhor cuidado no final
algumas tão sutis que se encontram nos alicerces de nossa da vida.
cultura judaicocristã.
Por que o clínico deve abordar a espiritualidade do paciente? Uma
Impedir o paciente de expressar suas necessidades das perguntas mais realizadas pelos médicos em geral é qual a
espirituais, assim como o proselitismo são formas comuns razão para abordar a espiritualidade do paciente. Inicialmente vale
de violência contra o paciente terminal. Num país como o lembrar que muitos pacientes são religiosos e suas crenças os
Brasil com tantas religiões e crenças é freqüente uma ajudam a lidar com muitos aspectos da vida8 . Além disso, as
dissonância de convicções religiosas entre o paciente, crenças pessoais dos médicos influenciam nas suas decisões,
familiares e equipe médica. A falta de conhecimento médico tanto por parte do paciente (tendo como exemplo o paciente que
é Testemunha de Jeová que não aceita o uso de hemoderivados),
a respeito do tema banaliza a experiência legítima daqueles
como por parte dos próprios médicos (tendo como exemplo,
que morrem e impede um atendimento adequado. Apesar médicos que se recusam a prescrever anticoncepcionais devido aos
de mais da metade dos médicos residentes acreditarem na seus princípios religiosos)9 . Mais do que isso, atividades e crenças
importância do seu envolvimento nas questões espirituais religiosas estão relacionadas à melhor saúde e qualidade de
de seus pacientes (31), não há uma discussão adequada a vida10, assim como os médicos que falam sobre as necessidades
respeito do tema. Nem mesmo os próprios pacientes espirituais não são novidades, tendo suas raízes na história e
acreditam na capacitação de seus médicos em discutirem muitos pacientes gostariam que seus médicos comentassem
temas espirituais (32) sobre suas necessidades espirituais11. Estudos demonstram que a
maioria dos pacientes gostaria que seus médicos abordassem sobre
O conhecimento das diferentes tradições espirituais, assim sua religião e espiritualidade12,13, e relataram que sentiriam mais
como a clareza com relação as suas próprias questões empatia e confiança no médico que questionasse esses temas11,
proporcionando o resgate da relação médico-paciente, com uma
espirituais auxiliará muito no cuidado do paciente nessa fase
visão holística e mais humanizada. Torna-se claro na prática clínica
da vida. (20) É impossível auxiliar alguém em questões

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que, na grande maioria das vezes, não é possível fragmentar o Aspectos negativos da religião
paciente em várias partes como social, biológica, psíquica e
espiritual, afinal todas são interligadas e podem ser responsáveis Nem todos os efeitos da religião são positivos. É importante
pelas comorbidades, aderência aos medicamentos, sucesso ou que os médicos estejam atentos quando a religião pode
fracasso no tratamento. desencadear problemas35 (principalmente no caso da
religião punitiva em que há uma sensação de que Deus está
O momento certo para abordar a espiritualidade de um paciente
poupa mal-entendido. O bom senso deve imperar. A abordagem punindo ou abandonando o paciente) e causar conflitos
em situações extremas como acidentes e eventos isquêmicos quanto às condutas médicas. No caso de dificuldades para
coronarianos, pode levar ao sentimento de medo no indivíduo. lidar com relações conflitantes a figura da capelania do
Entretanto, a avaliação ambulatorial de um novo paciente, uma hospital ou do líder religioso do paciente é essencial,
internação por descompensação de alguma doença, os cuidados conjuntamente com o Serviço de Psicologia Hospitalar.
paliativos e pacientes que serão acompanhados pelo mesmo
médico podem ser momentos ideais para a obtenção da história
EXPLICAR O QUE É O SERVIÇO DE CAPELANIA.
espiritual. Na anamnese médica, a história social, o
questionamento da atividade física, os hábitos e vícios podem Diante dessa necessidade, o acesso dos religiosos de todas as
preceder a abordagem da espiritualidade de forma natural. Desta confissões aos estabelecimentos civis e militares, bem como aos
forma, pode-se incluir o assunto na estruturação da anamnese, no hospitais da rede pública ou privada, foi assegurado pela Lei n.
segmento que aborda os hábitos de vida e condições 9.982/2000, para oferecer atendimento religioso e espiritual aos
socioeconômicas do paciente. internos. Dentre esses religiosos, destacam-se os capelães, os quais
prestam serviço religioso e espiritual aos enfermos em hospitais da
rede pública ou privada, caracterizando, dessa forma, o serviço
religioso hospitalar ou capelania.

É notório destacar que a missão da capelania é oferecer apoio


espiritual, emocional e social aos enfermos, seus cuidadores e
profissionais da saúde, além de desenvolver atividades de
assistência espiritual e acompanhar a evolução dos pacientes, de
forma não proativa e sem proselitismo. Tal assistência deve ser
provida independentemente de preferência religiosa,
circunstâncias situacionais, sexo, etnia, condição socioeconômica
ou qualquer outra característica pessoal, restabelecendo, dessa
forma, uma interação entre espiritualidade e saúde, promovendo a
Como deve ser abordada a espiritualidade e religiosidade Não rápida recuperação dos pacientes internados, o que melhora,
existe uma só forma de abordar a espiritualidade, assim como não também, a qualidade de vida daqueles que se encontram em fase
existe uma forma correta. Muitas vezes, a sua abordagem faz-se terminal, os quais tendem a mobilizar e expressar sua
de forma natural e tranquila, o que depende das próprias espiritualidade de forma mais intensa, em situações de crise
heranças culturais de cada médico. Entretanto, pesquisadores têm emocional e existencial.
criado formas de facilitar a abordagem da espiritualidade para os
médicos que ainda possuem dificuldades com o tema. Esses É mister destacar que, nos Estados Unidos e na Inglaterra, o capelão
instrumentos servem de norteador para a obtenção da história faz parte da equipe interdisciplinar de assistência ao paciente,
espiritual, sendo os principais instrumentos utilizados36-38 tendo acesso, inclusive, ao seu prontuário médico, no qual
dispostos no quadro 1. No caso de pacientes não religiosos35, ao registram suas visitas, avaliações, intervenções e as demais
invés de focar na espiritualidade, o médico pode perguntar como atividades de assistência espiritual, sendo essa uma ação rotineira
o paciente convive com a doença; o que promove um significado dentro dos hospitais. Tal fato ainda não ocorre no Brasil, onde se
e propósito à sua vida e quais crenças culturais pode ter impacto verifica que os capelães buscam o devido reconhecimento de sua
no seu tratamento. profissão e encontram dificuldades de acesso a cursos e processos
de formação e capacitação na área.

Mesmo diante da difícil tarefa de enfrentar dilemas acerca do


devido reconhecimento da profissão, como dificuldades de acesso
a cursos e processos de formação e capacitação na área, estudos
ratificam a eficácia e a importância da capelania no cuidar da
saúde, comprovadas pela satisfação da população e dos
profissionais da saúde. Esse serviço fornece um modelo de cuidado
para solucionar as atuais lacunas no atendimento espiritual dos
pacientes que se encontram na iminência da morte, os quais
requerem tratamento e cuidados especiais, além de alcançar os
familiares/cuidadores e a equipe de saúde. Portanto, observa-se
que a espiritualidade está atrelada à terminalidade, sendo um
instrumento de considerável relevância, visto que auxilia no
processo de enfrentamento, de estar em paz e de ter esperança
diante dos acontecimentos.

Observa-se que a espiritualidade é referida pelos capelães como


fonte de conforto, por reduzir as angústias e produzir sensação de
bem-estar, além de ser definida como transcendência, por
promover um autoconhecimento que permite ao indivíduo superar
o momento difícil e elevar-se em relação à situação imposta pela
doença. É oportuno destacar que se constata, de modo enfático, a

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espiritualidade indicada como religião, que, muitas vezes, não é problemas, porém, sempre buscam oferecer companhia e apoio
distinguida da espiritualidade que ajuda a lidar com a doença. aos pacientes e seus cuidadores, escutam e procuram atender suas
Cumpre assinalar que, no contexto da saúde, a vinculação entre necessidades mais profundas, ajudando-os a redefinir suas vidas.
espiritualidade e religiosidade pode resultar em severos problemas
éticos, caso os profissionais não estejam atentos aos limites da Segundo uma pesquisa, alguns capelães são hábeis em traduzir as
utilização do recurso da fé para a construção de um vínculo experiências e as subjetividades dos pacientes, possibilitando que
terapêutico junto ao paciente e sua família. a equipe de saúde entenda melhor a pessoa que está tratando. Ao
contrário de um intérprete profissional, o qual ajuda pacientes e
Ressalta-se que, no âmbito da capelania, a compreensão da médicos a se comunicar quando não falam uma mesma língua, o
dimensão espiritual é fortemente relacionada ao conceito de capelão não é um transportador de palavras ditas de um para o
religiosidade, já que se trata de um “serviço religioso hospitalar”, o outro, mas um transportador de sentimentos, de necessidades
qual, segundo pesquisas, consiste em um trabalho religioso emocionais e espirituais.
devidamente qualificado e que se luta cada vez mais pelo
reconhecimento da profissão; progressivamente, tem-se buscado Um estudo retrata que os capelães são especialistas em oferecer
conferir um cunho científico à formação de capelães, por meio de assistência espiritual, respeitando as crenças pessoais dos
seminários, escolas de teologia e cursos de capacitação, e, assim, a pacientes, sejam eles, especificamente, religiosos ou membros de
certificação de uma profissão apta a oferecer assistência espiritual uma categoria mais geral (agnósticos, ateus ou humanistas). Eles
ao paciente em fase terminal. podem oferecer seu tempo aos pacientes e familiares nesse
momento crítico e, ainda, oferecer apoio aos profissionais da
É importante assinalar, segundo estudos, que níveis mais elevados saúde. Além disso, os capelães podem ajudar os pacientes de
de envolvimento com a religião/espiritualidade, em relação a diferentes tradições de fé
pacientes sem possibilidade terapêutica de cura, estão
positivamente associados a indicadores de bem-estar físico e Os relatos denotam, ainda, a utilização da comunicação como
psicológico, atuando como potencial fator de prevenção de estratégia para empregar a espiritualidade no cuidar do paciente
doenças crônicas, de aumento da sobrevida, de diminuição das terminal, no sentido de auxiliá-lo a expressar sentimentos,
prevalências de depressão, de um enfrentamento da doença mais proporcionando uma palavra de conforto, melhorando sua
eficaz, de menor mortalidade, de menor tempo de internação e de autoestima, diminuindo seu sofrimento e possibilitando uma
melhor função imunológica. melhor qualidade de vida diante de momentos difíceis.

Contribuições da capelania ao empregar a espiritualidade no Nesse sentido, merece destaque a pesquisa que evidenciou a
cuidado ao paciente terminal imensa valorização da comunicação no contexto da terminalidade,
enfatizando que é imprescindível que o profissional da saúde
O cuidado holístico e humanizado dos indivíduos que se encontram perceba, compreenda e empregue adequadamente a comunicação
diante da terminalidade deve ser o primeiro pressuposto seguido para o cuidado do paciente que vivencia o processo de morrer.25
pela equipe da capelania. Ressalta-se que acolher esse movimento Outro estudo apontou a percepção acerca da influência positiva da
de transcendência, nesse momento da existência humana, que é comunicação no emprego da religiosidade/ espiritualidade para a
o término da vida, constitui papel primordial da capelania, que saúde.
torna a dimensão espiritual de grande importância no processo do
cuidar. Diante disso, cresce o número de capelães nos hospitais brasileiros,
cuja missão é oferecer apoio espiritual, emocional e social,
Enquanto os médicos tendem a focar as condições clínicas dos atendendo e respeitando as singularidades e subjetividades dos
pacientes, os capelães procuram contextualizar o indivíduo, enfermos, seus cuidadores e profissionais da saúde. Autores21
averiguando como é sua vida fora do ambiente hospitalar, com o ressaltam que, em termos administrativos, não há quem possa
que se preocupa, o que o faz feliz e onde ele busca apoio para o estimar o valor de um capelão e os diversos benefícios e as
enfrentamento de problemas, sendo adotadas diversas estratégias consequências que a capelania proporciona aos pacientes
para abordar o paciente e para promover o cuidado espiritual. terminais e seus familiares e/ou cuidadores.

ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELOS CAPELÃES: o ser solidário; o


DISCUTIR MEIOS DE FAVORECER A
ouvir; a realização de visitas, oficinas, rodas de conversas, de
orações e louvores; a utilização da comunicação por meio de COMUNICAÇÃO MÉDICO, PACIENTE E
palavras de encorajamento e consolo; bem como a oferta de FAMILIARES NO CONTEXTO DA SAÚDE
presentes e a exploração de literatura acerca da temática em (FERRAMENTAS/ INSTRUMENTOS).
questão.
Resgata a compreensão do ser humano como alguém que possui
A cautela que os capelães têm ao respeitar a opinião, a códigos psicossociais (lingüísticos) e psicobiológicos (seu
subjetividade e a singularidade dos pacientes, ao adotar comportamento e expressão não-verbal), argumenta que os
estratégias que possibilitem uma melhor aceitação e aproximação pacientes estão atentos e criam vínculos, basicamente, pela
com eles, sempre levando em consideração, principalmente, sua maneira como o profissional consegue ser coerente e
condição espiritual; os capelães não mascaram a realidade complementar na sua comunicação verbal e não-verbal. Entre os
falando de soluções, que não podem trazer, mas sempre buscam princípios de comunicação expostos, está o de que não existe
contornar a situação do paciente e são sinceros com eles. Os neutralidade nessas trocas de mensagens feitas entre as pessoas,
depoimentos evidenciam, ainda, a interação entre os capelães e a e que toda comunicação possui duas partes: o conteúdo, o fato, a
equipe de saúde na assistência ao paciente, visando a garantir, informação que queremos transmitir, e o que sentimos quando
dessa forma, o cuidado integral, ou seja, tanto físico como estamos interagindo com o outro. O conteúdo está ligado ao
psicológico. nosso referencial cultural (que é diferente entre o leigo e o
profissional) e o sentimento que demonstramos ao interagir, que
Assim, destaca-se que os capelães apresentam a concepção de que é percebido (mais ou menos conscientemente) pelo outro, porque
as pessoas constituem bem mais que uma dimensão física, mas, as emoções/sentimentos são expressos da mesma maneira (com
também, uma dimensão psicológica e espiritual; consideram não variações de intensidade) em todas as culturas humanas.
apenas suas condições de saúde e o conjunto de preocupações e

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Chamou-me a atenção, desde o começo de minha carreira palavras, a ênfase que colocamos na voz. Além do paraverbal,
profissional, que os pacientes, quando deles inicialmente nos temos as expressões faciais, as nossas posturas corporais diante
aproximamos, não olham para as nossas mãos, mas sim para o do outro, a maneira como o tocamos, as distâncias interpessoais
nosso rosto, por mais amedrontador que seja o cateter ou a agulha que mantemos com essa outra pessoa (1).
que estejamos segurando.
Para podermos afirmar que a comunicação está ocorrendo de
Nessa pesquisa verificou-se que apesar de a criança nunca ter maneira efetiva, temos que ser coerentes nas nossas palavras e em
aprendido por imitação, justamente por nunca ter olhado o rosto toda nossa comunicação não-verbal, até porque essa comunicação
da mãe, ela demonstra as emoções da mesma maneira que nós, (não-verbal) tem quatro finalidades: a primeira é justamente
videntes, ou seja, seus olhos brilham e sorri quando está feliz, chora complementar a comunicação verbal. É quando dizemos “bom
quando está triste, fica vermelha e desvia a direção do olhar dia” sorrindo para o outro e olhando nos seus olhos; a segunda, é
quando está com vergonha, levanta as sobrancelhas e abre mais os contradizer o verbal. É quando dizemos, por exemplo, “muito
olhos, e dependendo do grau de surpresa, também a boca (1). prazer” e apertamos a mão do outro como se fosse um “peixe
Constatou-se, assim, que as emoções básicas são expressas da morto” ou com medo ou nojo de tocar; a terceira, é substituir o
mesma maneira em qualquer ser humano. Fiquei me perguntando verbal. É quando utilizamos, por exemplo, o meneio positivo da
e tive a certeza, na minha observação, que os pacientes olham cabeça, olhando para a outra pessoa e dizendo não-verbalmente
para o nosso rosto e não para as nossas mãos porque esperam “estou te ouvindo”, “estou atenta a você”. A quarta função ou
entender o que nós, profissionais da saúde, sentimos ao lhes finalidade do não-verbal, mas não menos importante, é a
prestar cuidados, pois não têm condições de fazer a avaliação demonstração dos nossos sentimentos.
técnica do nosso trabalho.
Geralmente, não temos consciência nem controle voluntário de
Eles não têm a compreensão de nossa linguagem técnica, não são toda essa sinalização nãoverbal. Por exemplo, numa interação,
capazes de nos avaliar tecnicamente. Para tanto, basta lembrarmos quando estamos gostando do que está acontecendo, a nossa
do que o leigo fala quando vai a um consultório médico, para dizer pupila se dilata involuntária e inconscientemente. Claro que estou
que determinado profissional é um bom profissional. Ele diz que o me referindo a situações onde não existe alteração de
médico é bom porque apertou suas mãos, deu-lhe um “tapinha” luminosidade, nem alteração química, porém é fato comprovado
no ombro, deixou que falasse sobre suas necessidades, seus que quando a interação é prazerosa para a pessoa a sua pupila se
medos, suas dores, não interrompeu a sua fala e, mais do que isso, dilata. Podemos afirmar, por dados como esse, que na contradição,
foi capaz inclusive de tocá-lo afetivamente e de cumprimentá-lo na dúvida entre a mensagem verbal e a não-verbal, as pessoas
na despedida. confiam nessa linguagem silenciosa, que fala da essência do ser
humano, do que estamos sentindo (3).
Só após ter percebido isso aprendi que a compreensão que os
pacientes precisam ter do profissional da área da saúde passa, Raríssimas vezes falamos tudo o que pensamos e ou sentimos, mas
principalmente, pela compreensão de que quando nos para um bom entendedor somos sempre capazes de demonstrar o
comunicamos com as pessoas não temos apenas o compromisso que estamos sentindo, porque muita dessa sinalização não-verbal
de passar um conteúdo, uma informação, pois toda comunicação não é necessariamente consciente e também não tem controle
envolve um sentimento, ou seja, o que é que sentimos quando voluntário. Quem tem pele clara sabe, por exemplo, que ao sentir-
ficamos diante do outro; o que é que sentimos quando ficamos se envergonhada ficará ruborizada, independente de querer ou
diante daquela pessoa e diante da informação que temos a não querer ficar, pois essa demonstração de vergonha independe
transmitir; o quanto concordamos com Natagori, quando ele diz: da vontade. Também não temos a consciência de que os nossos
“Abandonarei todas as honras, menos a de te servir.” olhos brilham quando estamos felizes e em paz (4).

Princípios e funções da comunicação CUIDANDO ATRAVÉS DA COMUNICAÇÃO


Toda comunicação, portanto, tem duas partes: a primeira é o É importante colocar que a sinalização não-verbal tem um grande
conteúdo, o fato, a informação que queremos transmitir; a valor, e que ela permite que o relacionamento com as pessoas se
segunda, o que estamos sentindo quando nos comunicamos com transforme em algo positivo, algo efetivo, algo harmonioso (5).
a pessoa. O conteúdo da nossa comunicação está intimamente
ligado ao nosso referencial de cultura, e o profissional de saúde tem A primeira delas diz: “Cuidar é quando eu vejo que você é capaz de
uma cultura própria, diferente do leigo, por isso é importante saber sorrir e sentir-se feliz no desempenho do seu trabalho”. Com essa
que quanto mais informações possuirmos sobre aquela pessoa e fala podemos entender que os pacientes nos ensinam que estão
quanto maior a nossa habilidade em correlacionar esse saber do atentos e sabem que, se gostamos do que fazemos, nos pegamos
outro com o nosso, melhor será o nosso desempenho no aspecto sorrindo com muita freqüência. É óbvio que toda situação deve ser
da informação e do conteúdo. contextualizada e que sempre o primeiro elemento de
decodificação da comunicação interpessoal é o contexto (1);
A comunicação pressupõe a informação e o domínio sobre o que portanto não estou sugerindo que cheguemos rindo em qualquer
queremos comunicar, a nossa intenção, emoção e o que situação, porque dependendo do contexto o próprio paciente pode
pretendemos quando nos aproximamos do nosso cliente ou do perguntar: “Você está rindo do quê?”. Contudo, o que estão nos
nosso paciente. O interessante é que nem sempre o profissional da ensinando é que se gostamos do que fazemos, com freqüência
área de saúde tem a consciência de que, ao falarmos em temos a comissura labial voltada para cima durante o nosso
comunicação, não falamos apenas das palavras expressas para a trabalho, pois temos a consciência de que estamos ali porque
outra pessoa – que podem ser dimensionadas como comunicação queremos e que o nosso papel, a nossa escolha na vida, foi o de ser
verbal. Acontece que toda comunicação humana, face-a-face, cuidador.
interpessoal, também se faz através da comunicação não-verbal, ou
seja, de todas as formas de comunicação que não envolvem A segunda categoria que surgiu nessa pesquisa (6) foi: “Cuidar é
diretamente as palavras. Até podemos afirmar que quando falamos quando você me faz sentir seguro em suas mãos”. Podemos dizer
de relacionamento interpessoal a comunicação verbal, sozinha, que o fazemos sentir-se seguro quando explicamos o que estamos
não existe, pois além dela existe a maneira como falamos – que fazendo, quando explicamos os passos do procedimento que
podemos chamar de paraverbal: os silêncios e grunhidos que faremos, pois o paciente não tem nenhuma obrigação de saber o
utilizamos ao falar, as pausas que fazemos entre as frases e tempo dos exames, o tempo dos procedimentos e as etapas

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necessárias para sua realização - essa linguagem é técnica. Também sentir segura com o nosso cuidado, isto será fundamental para que
fazemos com que os pacientes se sintam seguros quando nos o paciente também sinta-se seguro. Se a família valorizar os
identificamos por meio de um crachá e nos apresentamos dizendo profissionais e sentir-se bem atendida, os seus comentários junto
o nosso nome. O fato de chamá-lo pelo próprio nome o faz se sentir ao paciente o tranqüilizarão e o farão suportar as dores,
seguro (5). Vários hospitais têm colocado na porta de entrada das procedimentos ou o isolamento que porventura tenha que vir a
UTIs a fotografia e o nome das pessoas que lá trabalham, para que passar.
ao chegar o familiar possa lembrar-se do nome e da pessoa com
quem falou anteriormente, haja vista que nos momentos de tensão Quando os pacientes nos dizem o que compreendem como cuidar,
as pessoas não têm lembrança de com quem conversaram. estão nos lembrando como devemos nos comunicar com eles,
estão apontando para a importância da comunicação não-verbal,
A terceira categoria foi: “Cuidar é quando você me faz sentir que dizendo-nos que entendem que cuidar é muito mais do que um
também serei capaz de me virar, espero, quando chegar a minha ato ou técnica, que cuidar é uma atitude, é o jeito como estamos
vez”. Nessa fala, os pacientes nos pedem para que não os diante do outro e como conseguimos compreendê-lo enquanto
tratemos como crianças, quando não o são, e que lembremo-nos ser humano e não somente enquanto ser doente. É o quanto somos
que não é por estarem doentes que sofreram redução do QI capazes de resgatar o nosso melhor lado, para fortalecê-lo naquilo
(Quoeficiente de Inteligência), pois muitas vezes usamos que ele têm de saudável, de mais bonito. Eles estão lembrando que
terminologias inadequadas do tipo: “queridinho”, “mãezinha”, a linguagem do corpo fala o que, muitas vezes, a nossa própria fala
“tiazinha”, quando eles podem se sentir diminuídos nessa situação, não diz (8).
já que são adultos. Todos os que já tomaram injeção de Benzetacil,
por exemplo, sabem que a mesma não é uma “picadinha” e que Eles pedem para que prestemos atenção no nosso rosto ao nos
quando nos aproximamos com este medicamento e dizemos aproximarmos, que prestemos atenção à nossa postura – que
“Agora é só uma picadinha!”, estamos tratando a pessoa como deve ser voltada para o paciente e não lateralizada –, pedem para
boba, porque ela vai sentir a inoculação do Benzetacil por, pelo que estejamos atentos às distâncias interpessoais, porque muitas
menos, uns três ou quatro dias. vezes o profissional faz perguntas a uma distância que os impedem
de ser realmente francos em suas respostas (9).
Como quarta categoria, disseram: “Cuidar é quando você me faz
sentir especial, embora eu seja como as outras pessoas também Uma outra importante dimensão dessa linguagem não falada, não-
são” (6). Podemos dizer que fazer alguém se sentir especial verbal, é a paraverbal ou paralinguagem, definida como a maneira
depende muito mais da disponibilidade, intenção e capacidade do como falamos com a pessoa (1), porque dependendo da forma
profissional de saúde do que das condições financeiras e recursos como falamos, como pedimos desculpas, sugerimos que estamos
materiais que ele possa dispor naquele momento. Todos temos com raiva (“Já falei desculpas, pô!”), que não estamos nos
“bilhetinhos” que não conseguimos jogar fora, porque nos foi dado desculpando coisa nenhuma e que muitas vezes essa desculpa é
em um momento especial; todos temos momentos em que nos apenas um cumprimento de tarefa ou obrigação social, e não uma
lembramos de alguém com carinho, mesmo que não recordemos demonstração do sentimento que esperam reconhecer quando
exatamente do que a pessoa nos disse, porém fica a lembrança da falhamos. É bom lembrar que o silêncio pode ser interpretado de
presença dessa pessoa, em um momento importante para nós. maneiras distintas, podendo significar desinteresse, paciência,
Podemos fazer o paciente se sentir especial quando, mesmo tendo medo, atenção, vergonha ou teste.
apenas 30 segundos, nos aproximamos dele, sentamos ao seu lado
e dizemos, olhando em seus olhos: “Eu só tenho 30 segundos, mas É importante lembrar, com relação aos silêncios, que muitas vezes
me conte como você está hoje” (5). Para ele, esta pergunta soa os pacientes não falam das próprias dúvidas porque têm vergonha
totalmente diferente se a fazemos a uma certa distância, como, por ou medo, ou percebem a nossa pressa.
exemplo, da porta da enfermaria (a uns 3 ou 4m de distância) - e a
essa distância ele necessariamente vai dizer “tudo bem.” Porém, Outra dimensão não-verbal, fundamental para os profissionais de
quando percebe a nossa aproximação, mesmo com um tempo tão saúde, é o toque, pois não existe neutralidade no toque. Todo
curto, ele se sente especial. toque envolve um aspecto afetivo que se faz presente a partir da
maneira como nos aproximamos para tocar, o tempo usado no
A outra categoria colocada foi: “Cuidar é quando você não me vê contato, o local onde tocamos as pessoas e a pressão que
apenas como um moribundo, e assim me ajuda a viver”. Aqui, eles exercemos no mesmo. O melhor então, se possível, é iniciar o
estão solicitando que não os tratemos como uma patologia e que contato físico pelo ombro, braço ou mãos, locais mais aceitos para
saibamos valorizar o que têm de positivo, independente do estado que o toque ocorra. O profissional precisa perceber os sinais que
de saúde. Isso ocorre quando, por exemplo, não nos referimos ao mostram que o paciente sentiu-se invadido ao ser tocado, ou seja,
paciente como a “gastrectomia do 43” ou como “a amputação do se ele enrijece o corpo, se desvia o olhar, se passa a responder de
15”, mas nos aproximamos como o “Seu Antonio que está tratando forma monossilábica, se não olha mais para o rosto do profissional
do seu pé diabético”, ou da “Dona Maria que está tratando o seu e, muitas vezes, se até cobre a cabeça com o lençol.
estômago” ou da “Dona Estela que fez uma colecistectomia”.
Também os valorizamos quando somos capazes de nos aproximar A última dimensão não-verbal a que o paciente está atento em um
deles olhando, primeiro, para os seus rostos e depois para o soro, profissional de saúde é que tipo de ambiente este profissional cria
sonda ou dreno. Nenhum deles se reconhece no soro, na sonda ou a sua volta, porque é o ambiente que demonstra qual a
no dreno, e quando nos aproximamos olhando para isso e não para importância que damos ao seu conforto e ao de sua família, qual
os seus rostos estamos dizendo que apenas cumprimos tarefas e é a mensagem que criamos a nossa volta para recebê-lo (8,9). É
que a tarefa é o nosso foco de interesse, e não eles, enquanto observado se criamos ambientes onde ele possa se sentir
pessoas. confortável, com um pouco de isolamento, onde seus familiares
possam sentar e ser recebidos, onde possam ter alguns minutos a
Na última dessas seis categorias, disseram que: “Cuidar é quando sós, lembrando que o quanto disponibilizamos de cadeiras e
ouço minha família falar bem de você e sentir-se confortada na poltronas para os familiares interfere na decodificação dessa
sua presença”. Com este enfoque eles estão nos lembrando de dimensão. Ela envolve o tipo de frase que colocamos na parede
que não podemos cuidar de alguém isolado ou marginalizado de para lembrar que a vida “vale a pena” ou não, a sinalização feita
sua família, e que é fundamental a atenção que dermos a ela, pois para facilitar o fluxo dentro de um hospital, as cores que utilizamos
é para o seu círculo que eles vão voltar; essas pessoas é que são para lembrar que a vida é colorida, enfim, tudo isso são sinais que
importantes para eles, nós somos os transitórios. Se a família se

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mostram o que sentimos quando nos aproximamos ou cuidamos de minimização do significado da informação, mesmo enquanto
alguém. participando do tratamento.

Quais São as Barreiras à Transmissão de Más Notícias? Tesser [42]


SABER O QUE SÃO MÁS NOTÍCIAS NO ÂMBITO
e outros conduziram experimentos psicológicos que mostraram
DA SAÚDE E COMO COMUNICA-LAS que o que carrega a má notícia frequentemente experimenta
ADEQUADAMENTE. emoções fortes como ansiedade, uma carga de responsabilidade
pela notícia e o mêdo de uma avaliação negativa. Este stress cria
Entretanto, transmitir más notícias é também uma tarefa complexa ma relutância na transmissão de más notícias, que ele chamou o
de comunicação. Além do componente verbal de dar de fato uma efeito “MUM”. O efeito MUM é particularmente forte quando já se
má notícia, ela também requer outras habilidades. Estas incluem percebe que o receptor da má notícia está entristecido [43], Não é
responder às reações emocionais dos pacientes, o envolvimento na difícil imaginar que esses fatores possam operar quando há que se
tomada de decisão, tratar com o stress criado pelas expectativas de dar más notícias aos pacientes com câncer.
cura do paciente, o envolvimento de múltiplos membros da família,
e o dilema de como dar esperança quando a situação é sombria. Como Pode uma Estratégia para Transmitir Más Notícias Ajudar o
Médico e o Paciente? Quando os médicos sentem-se
Má notícia pode ser definido como “qualquer informação que desconfortáveis para dar más notícias eles podem evitar discutir
afeta seriamente e de forma adversa a visão de um indivíduo informações entristecedores, como um mau prognóstico, ou levar
sobre seu futuro” [13]. Entretanto, a má notícia está sempre “na o paciente a um otimismo desaconselhável [46]. Um plano para
perspectiva de quem olha”, de modo que não se pode estimar o determinar os valores do paciente, o desejo de participar na
impacto da má notícia até que se tenha determinado as tomada de decisão, e uma estratégia de abordagem de sua
expectactivas e compreensão de quem a recebe. Por exemplo, tristeza quando a má notícia é transmitida pode aumentar a
uma paciente a quem se diz que sua dor nas costas se deve à confiança do médico na tarefa de transmitir informação médica
recidiva de um câncer no seio quando ela esperava ouvir que era desfavorável [47,48]. Pode também encorajar os pacientes a
uma dor muscular, provavelmente sentir-se-á chocada. participarem em difíceis decisões sobre o tratamento, como
quando há uma pequena probabilidade de um tratamento
TRANSMITINDO MÁS NOTÍCIAS: PORQUE ISTO É
diretamente dirigido ao câncer seja eficaz. Finalmente, médicos
IMPORTANTE?
que se sentem confortáveis na transmissão de uma má notícia
Uma Tarefa Frequente mas Estressante: No curso de um câncer, podem estar menos sujeitos ao stress e ao burnout [49].
um médico ocupado pode transmitir informação médica
desfavorável muitos milhares de vezes [14]. Transmitir más notícias Objetivos da Entrevista de Más Notícias
a pacientes com câncer traz aversão inerente, descrita como “dar
uma porrada da cabeça” ou “jogar uma bomba” [6]. Transmitir más O processo de transmissão de más notícias pode ser visto como
notícias pode ser particularmente estressante quando o médico é uma tentativa de alcance de quatro objetivos essenciais. O
inexperiente, o paciente é jovem, ou há perspectivas limitadas de primeiro é recolher informação do paciente. Isto permite ao
um tratamento bem sucedido. médico determinar o conhecimento do paciente e suas
expectativas e preparo para ouvir a má notícia. O segundo
Os pacientes Querem a Verdade: No final dos anos 70 a maioria objetivo é prover informação inteligível, de acordo com as
dos médicos estava aberta a contar para seus pacientes o seu necessidades e desejos do paciente. O terceiro objetivo é apoiar o
diagnóstico [15]. Entretanto, estudos começaram a indicar que os paciente utilizando habilidades para reduzir o impacto emocional
pacientes também queriam informações adicionais. e a sensação de isolamento experimentados pelo receptor da má
notícia. O último objetivo é o de desenvolver uma estratégia sob
Imperativos Éticos e Legais: Na América do Norte, os princípios do a forma de um plano de tratamento com a contribuição e
consentimento informado, autonomia do paciente e casos legais colaboração do paciente.
criaram obrigações legais e éticas claras de proporcionar tanta
informação quanto os pacientes desejarem sobre sua doença e O alcance desses objetivos é conseguido com a execução de seis
tratamento [29,30]. Médicos não devem restringir informação tarefas ou etapas, cada uma das quais é associada com habilidades
médica mesmo que suspeitem que esta tenha um efeito negativo específicas. Nem todo episódio de transmissão de más notícias irá
sobre o paciente. Ao mesmo tempo, uma obrigação de revelar a requerer todas as etapas do SPIKES, mas quando elas são
verdade, sem cuidado ou preocupação com a sensibilidade com requeridas deverão seguir-se umas às outras, em sequência.
que isto é feito ou o compromisso de dar suporte e assistência ao
paciente na tomada de decisão, pode resultar no paciente ficar tão
aborrecido quanto se lhe tivessem mentido [4]. Como já foi
adequadamente sugerido, a prática da frustração não pode ser
remediada instantaneamente por uma nova rotina de falar a
verdade de forma insensível [31].

Resultados Clínicos: O modo como a má notícia é discutida pode


afetar a compreensão da informação pelo paciente [32], a
satisfação com o cuidado médico [33,34], o nível de esperança
[35], e a adaptação psicológica subsequente [36-38]. Médicos que
têm dificuldade em dar más notícias podem submeter os pacientes
a tratamentos duros além do ponto que se espera que o
tratamento possa ajudar [39]. A idéia de que receber informação
médica desfavorável vai invariavelmente causar dano psicológico
não tem base [40,41]. Muitos pacientes desejam informações
precisas para lhes auxiliar em tomar importantes decisões a
respeito de qualidade de vida. Entretanto, outros que achem isso
muito ameaçador, podem empregar formas de negação, fuga ou

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