Você está na página 1de 31

Este livro é um panorama fascinante de uma Áfri- 0

ca desconhecida, a África subsaariana do século


H
pa'
3
vnl ao xv - séculosintermediários entre o perto 0
do antigo e o moderno Conduzido por comer-
0
ciantes, aventureiros, geógrafos e diplomatas de D
um passado distante, mas também pelos arqueó-
logos contemporâneos, o autor François-Xavier
Fauvelle leva o leitor do Saara para as margens do 0
C
H
rio Níger, no reino do Mâli, para os reinos cris- 0
da Núbia e da Etiópia, para os principados
da costa leste africana e para as enigmáticas e ma-
»a'
jestosas ruínas do Grande Zimbábue 0.
Essahistória revela poderosas e prósperas »d'
P
formações políticas, cidades densamente povoa' O Rinoceronte de Ouro
das nas quais os comerciantes do mundo islâmico D
se encontravam com os africanos, mercados on- Q.
Histórias da Idade Média Africana
de se negociavam âmbar de cachalote, escravose Q
utensílios de luxo, lingotes de metal e sal,
g
conchas e pérolas importadas da Ásia.
Um mapa, um afresco, uma carta, as ruínas de
uma cidade, uma moeda ou uma inscrição grava > FRANÇOIS-XAVIERFAUVELLE
q
da permitem ao autor redescobrir um mundo que
P
se pensavaestar perdido, ajudando a reconstituir =
P
a história de civilizações que, pela escassezde re-
gistros escritos, têm sido subestiiTadasquando
não simplesmente negadas. Raros e frágeis, esses H
Z
>
vestígios restabelecema história de uma Áâ'ica mó-
vel, mercantil e misteriosa 0
H
H
P
U
Ê
<
H
F
F
H
1''=
L
A respeito da teoria afrocentrista Studies, t97z), conferência não pu-
de um povoamento civilizador da blicada (mas várias bibliotecas pos
CAPÍTULO 25
América pelos africanos, ver Ber- suem uma cópia datilografada). O
nard R. Ortiz de Montellano, "Black estudo mais atualizado sobre a ge-
Warrior Dynasts:L'afrocentrisme nealogiados sultõesdo Mail conti-
/
et le Nouveau Monde" (em Fran nua sendo o de Nehemia Levtzion,
RUINASDE SAL
çois-Xavier Fauvelle-Aymar, Jean- :The Thirteenth and Fourteenth
Pierre Chrétien e Claude-Hélêne Century Kings ofMali" Oozzrnal oÍ
Perrot, Á#rocenfrfsmes: l,'/zfsfoíre Áfrlcafz Hístory, vol. 4, n. 3, pp. 341-
des Africains entre Égypte et Améri- 353,ig63). Os mitos do Congo pro- TAGHAZA, EXTREMONORTEDO MALI
qzze(Paris, Karthala, zoom,pp. z49 vêm de Luc de Heusch, l,e Roí de
ATUAL,DOSÉCULO XIAOSÉCULO XVI
27o). A pergunta ':A quem pertence Kongo ef les monstras sacros(Paria,
o Egito antigo?" é tirada do título Gallimard, 2000, pp. 44-48). O re-
do excelente artigo crítico de Wyatt lato dos marinheiros omanenses,
MacGaffey, "Who Owns Ancient que âgura em uma obra do século
Egypt?" OournaJofÁ/}ícatz Hisfory, x, escrito por um navegadorpersa,
vol. 3z, n. 3, pp 5i5-5ig, i99i). As Buzurg ibn Shahriyâr, foi traduzido
reflexões de Raymond Mauny a para o inglês por G.S.P.Freeman
propósito da suposta expedição -Grenville, em T;ze Easf Á#rican
marítima são apresentadas nas di- Coasf(Oxford, Clarendon Press,
versas páginas de N2zvigaflofzs mé- i96z, pp. g-i3). Uma tradução fran-
diévates sur tes cites sahariennes cesade L. Marcel Devic acampa
antérietires à ta découverte portu- nha a edição árabe de Pieter An- Em i934, 'lhéodore Monod, que quisera ser oceanógrafo e tor-
gaíse (z434) (Lisboa, Centro de Es thonie Van der Lith, l,ivre des
nara-seandarilho do deserto,embora ainda não tivesseadqui-
mudos Históricos Ultramarinos, merveilles de I'ltlde par le capitaine rido a notoriedade de saariano que conquistou mais tarde, toma
i96o), e divulgadas oralmente em Bozorg, .fias de Chahriyar de Ra a aza/ai, a grande caravana bianual que parte de Tombuctu. Três
:lÊxpédition maritime d'un sultan m/zormoz(Leiden, Brill, i883-t886,
mil dromedários conduzidos pelos tuaregues vão carregar bar-
du Maxi vers i3io , parte da Colláe 2 vols.), da qual existem várias
ras de sal na mina de Agorgot, próximo a Taudeni, no grande
rende on ÀÍandlng Sfudíes(Londres, reimpressoes. norte do Saara maliano. O percurso é de oitocentos quilómetros.
School of Oriental and African
Ao chegarao ponto final da linha, Monod quer visitar Taghâza,
ainda i5o quilómetros a noroeste dali. Ele não âcará decepcio-
nado,e escreve:
Duas ruínas de aldeias ainda estão visíveis, onde se encontra a praça dos edi-
fícios construídos [. ..]. E trata-se não só de basesde muros nivelados, mas
até, àsvezes,de verdadeiros fragmentos de arquitetura, por exemplo, arcos
em semicírculo. Em cloreto de sódio. [. . .]. No chão, são muitos os fragmen-
tos, cacos de cerâmica pintados e envernizados, de origem marroquina, ob
fetos de cobre, contas, inúmeros fragmentos de braceletesde fios de vidro
soldados,multicoloridos. No centro de uma região muito desértica,Taghaz-
200 Capítulo z4
zaé desprovida de pastos; não é um lugar no qual se possademorar. SÓpas
sei aí algumas horas.
Monod conhece seus clássicos. Sabe que antes dele, René
Caillié, que em t8z8 seguiu o mesmo itinerário disfarçadode
árabe, deteve-seem Telig, poço situado a pouca distância (cerca
de meio dia) de Taudeni; ali, Caillié fica sabendo que escravos
negros vendem pranchas de sal com a supervisão de mouros,
isto é, de berberes.Alguns dias mais tarde, tendo retomado a
estrada de Taâlalet, está em Taghâza. Encontram-se lá, diz ele,
grandes b[ocos de sa] e, a pouca distância do loca] em que os
animais tomam água, há várias casasconstruídas com tijolos

ll:,SS
feitos com essasubstância'l Muito tempo antesdele, lbn Battüta
havia estado em Taghâza. Era março de i35z: "dez dias de sofri-
mento e de tortura; pois a água é salobra, e nenhum lugar tem abastecer-se
ali no tempo em que a mina estavasob o controle Esboço deThéodore
Monod das ruínas de
tantas moscas quanto esteburgo't Coisa curiosa observadapelo de berberesmassufas.O império songaiadministrou-a por um
sal de Taghâza, no
viajante: as casase a mesquita são construídas com blocos de sal, tempo, depois Tombuctu. Os sultões do Marrocos apossaram- Mail
os telhados são feitos com peles de dromedário. Explora-se o -se dela na metade do século xvi, sem outro efeito a não ser Fonte:Th. Monod,
.A4éharées,
Arles, Actes Sud
sal-gema, que se apresenta em pouca profundidade do solo (três provocar um deslocamento da atividade mineira para Taudeni,
lg8g, p. 271]i ed, t937].
a quatro metros), sob a forma de superfícies planas que é preci- de exploração menos fácil, mas um pouco mais próximo de
so cortar. O trabalho é feito pelos escravosdos berberes,que se Tombuctu.Taghâzanão foi abandonada:ainda no século xvi]
alimentam de tâmaras trazidas do Marrocos e de milho miúdo ia-se até ali. Monod recolhe cacos de cerâmica desse período, e
importado do Sahel.Isso mostra a importância do tráfico em algumassondagensarqueológicas realizadas revelaram, sobre-
Taghâzana Idade Média. Um contemporâneo de Monod cons- tudo, as últimas ocupações.
tata a mesma rudeza em Taudeni. As condições de vida nas duas De Taghâza,diz-nos.Hasan al-Wazzân, mais conhecido na
minas vizinhas não deviam ser muito diferentes a alguns séculos Europapelo nome de Lébn, o africano, que passou ali alguns
de distância: "Taudeni é inabitável; sua água salobra mata em dias por volta de i5to, transporta-se essesal para Tombuctu,
alguns anos os operários negros que são importados e mantidos "que tem muita falta dele'l Na cidade do Mâli, escreve lbn Battü-
ali à força. Não deve haver na superfície do p]aneta [. ..] inferno ta, "um carregamento de came]o desse minera] ] . . .] vale de vin-
industrial comparável a este'l te a trinta dinares*, algumas vezesaté quarenta': No entanto, já
Taghâzaestá situada em uma vasta sebkha,uma espéciede na época em que se chamava Tatantal, quando o poder sobre
bacia natural de decantaçãoque esteve,há milhões de anos,à todo o Sahelocidental era exercido da cidade de Gana (-> 7, 8),
beira-mar. A igual distância da estepedo norte e do Sahelao âca-sesabendoque "o rei recolhe um dinar de ouro em cada
sul, venderam-se ali, durante séculos, lajes de sal para envia-las carregamento de sal que entra no país, e dois dinares em caso de
ao país dos negros. Talvez já seja a localidade chamada Tatantal exportação':O que signiâca, portanto, que o sal é importado,
no século xi, onde se ergue, ao que parece, "um castelo cujas evidentemente do deserto, para ser reexportado para as regiões
paredes, as salas, as seteiras e as torrinhas são construídas com de savana. Lê-se também: "Todos os outros reis dão presentes
pedaços de sal': Era tão importante a atividade de extração.de jao soberano de Gânal, pois têm, em seus países, uma necessi-
sal para a economia do comércio transaariano que Taghâza dade indispensável do sal que é exportado das regiões do lslã'l
aguçou a cobiça. Caravanas do Mali e do Marrocos vinham Entre a mina a céu aberto, administrada por nâmades que fazem
202 Capítulo z5 Ruínas de Sal zo3
seus escravos trabalhar ali, e as populações sedentárias de agri- pura de cloreto de sódio fóssil, o sal-gema,jaz aqui em partes
cultores. ao sul, estende-se,portanto, uma rota milenar, que só planas regulares intercaladas por finos leitos de argila. As fontes
variou de terminação meridional, Gana, Mail, Tombuctu, ao em árabeconhecem as minas do Saara.Taghâzaé uma delas.
longo dos séculos. A existência dessarota do salilustra a deman- Fala-setambém de Awlll, que devia situar-se na costa do sul da
da que satisfaz:de um produto tão precioso ao sul do Saara Mauritânia, ou ainda de Tawtok ou Toutek, mina subterrânea
anto o ouro ao norte. Isso porque os solos africanos, ricos em que não se sabelocalizar hoje, talvez situada no extremo leste do
minérios, sãoao contrário pobres em saisminerais e transmitem Maxi ou nos confins argelinos; daí importava-se sal para Gao,
essainsuficiência aos vegetaise aos animais, com o risco de ca- onde servia de moeda de troca. E é mais ou menos isso. A essa
rência. Para os dromedários e as vacas, palha-se essa deficiência raridade, acrescentam-seos problemas de uma exploração que
mineral com a prática da "cura salgada':transumância anual que não pode ser familiar nem provir de uma economia doméstica
consiste em levar o rebanho para lugares de pastagem ricos em ou local. O abastecimento dependede uma atividade que só po
minerais, onde o gado é deixado pastando ou lambendo as eflo- de ser "externalizada" e submetida a leis - e a riscos - do grande
rescências salinas. Para o homem, o consumo de sal (cloreto de comércio.Produto de primeira necessidade,o sal tem na África
sódio e oligoelementos) aplaca a "fome de sal" provocada pela subsaarianauma importância que explica a atração que um lu-
subnutrição mineral e aumenta, ao mesmo tempo, a resistência gar tão miserável quanto Taghâza exerceu durante séculos sobre
metabólica ao calor. os poderes ribeirinhos do Saara.
Raymond Mauny destacou a diversidade dos modos de pro-
dução do sal na escala do oeste da África. Os complexos técnicos
que identificou têm áreas de repartição .estreitamente correlatas
com as zonas ecológicas.A vizinhança do litoral atlântico no sul Nicole Vray publicou uma biogra- Vo7ages(Paria, La Découverte,
da Mauritânia e norte do Senegalé uma região de coleta do sal fia de Théodore Monod: À4orzsieur i98z, t. ni, pp. 396-397), assim co-
marinho por evaporaçãosolar em baciasnaturais ou artiâciais. Monod, scient$que, voyageur,pro mo na edição e tradução de Paule
Porém,taxasde hidrografia noturna muito elevadastanto ao festa?zf (Arles, Actes Sud, i994). O Charles-Dominique, Vo7ageurs
norte dessazona, tórrida, como ao sul, ao longo do golfo da Gui- fragmento citado de Th. Monod é árabes (Paria, Gallimard, i995). A
né, de clima equatorial, proíbem sua existência; pratica-se nesta retirado de sua obra À4é;zaréqs(Ar- passagemsobre Tatantal, de al-
última região a evaporação por ebulição da água do mar, e os tes, Actes Sud, i98g ]l. ed., i937], p. .Bakrí, encontra-se em joseph
blocos de sal assim formados são vendidos em toda a zona flo- z66). O trecho de René Caillié foi Cuoq, RecueíZ des sources árabes
restal. A vasta zona de savana corresponde à área de distribuição retirado de Vo7ageà Tomboucfou (Paras, Éditions du CNKS,1985, p.
das diversas técnicas de obtenção dos saisvegetais: com cinzas (Paras,La Découverte, 1996, t. 2, p. 95); da mesma obra provêm os
de fogueiras domésticas, obtidas de plantas halofitas, produz-se z94); a propósito de Taudeni, ver fragmentos referentes a Gana: al-
lexiviação e depois por decantação uma salmoura que é eva- páginas z84 e z85 da mesma obra. -Bakrí(p. loi) e lbn Hawqal(p. 74).
Sobre as condições de exploração Uma síntese sobre os parcos dados
porada em moldes de argila colocados sobre fornos. O mesmo
dessa mina, dispõe-se do artigo de arqueológicos relativos a Taghâza,
dispositivo aplica-se à produção de sal da terra, que é encontra-
do sobretudo entre o rio Níger, o lago Chade e o maciço do Alr: Dominique Meunier, "Le commer- no essencialnão publicados, foi
ali, os blocos de sal são produzidos da terra salgadaque é reco- ce du sel de Taoudeni"(JournaZ des realizada por Raymond Mauny, em
lhida e lavada. A salmoura é da mesma forma submetida a ebu- ({frfcanísfes,vol. 5o, n. z, pp i33- Tableau géographique de t'Ouest
lição, para formar blocos de sal no fundo de bacias de argila i44, l98o), e das indicaçõesbiblio- agricaflzau Mole/z Âge (Dacar, Ins-
Toda a zona do Sahel ocidental, por usa vez, é dependente de um gráficas fornecidas por esseautor. titut Français dIAfrique Nobre, i961,
recurso salino mais cómodo, mas de exploração mais complexa. O relato de lbn Battüta é acessível pp. n6-n7, 328-33a). As páginas
Mais cómodo, de fato, pois o sal, que se apresenta sob a forma na seguinte edição: lbn Battüta, 3zi-334 são dedicadas, de modo
Ruínas de Sal zo5
zo4 Capítulo z5
T
Larbi Mezzine, "Relation d'un vo-
mais geral, ao sal e a suas técnicas
de produção no oesteda África e yage de Tagaza à Sigilmasa en io96 CAPÍTULO Z6
H./i685 J.-C:' (Arábica, vol. 43, n. i,
no Saara (o mapa, precioso, merece
ser observado com atenção). No PP Zil'Z33, 1996). A citação do
mesmo registro, mas sem a docu- contemporâneo de Monod é de
mentação arqueológica, inscreve-se
Émile-Félix Gautier, l,e Sa/lata(Pa- A ALFÂNDEGA DO MÂLI
o artigo de E. Ann McDougall, ras, Payot, l9z3, p i63). Sobre a
;Salts ofthe Western Sahara: Myths, fome de sal, para o homem, e a im-
Mysteries, and Historical Signiâ- portância das curas minerais, para
cance"(ne InfernatfonaZ JournaJ of
o animal, ver, em uma abundante UALATA, MAURITANIA ATUAL,
literatura, de Pierre Gouletquer e POR VOLTA DE i7 DE ABRIL DE i35Z
African /Jfsforícal Sfudies, vol. z3,
Dorothea Kleinmann, "Structure
n. z, pp. z3l-z57,l99o). A passagem
sociale et commerce du sel dana
sobre Taghâza em Léon encontra-
se em Jean-Léon I'Africain, Des- 1%conomie touarêgue"(Recue de
í'Occident mtlsulman et de ta Médi-
cr@tíorzde IXJrlqzle, tradução de
Aléxis Épaulard, notas de Th. Mo terrarzée,
vol. zl, pp. i3l-l39, 1976)e
nod, Henri Lhote e R. Mauny (Pa- "Le dromadaire face à la sous-nu-
uis, A. Maisonneuve, lg8o, t. n, pp trition minérale: un aspect mécon-
455-456).Um notável documento nu de son adaptabilité aux condi-
que foi preservado é o relato de um
tions désertiques"(Scíences
ef
itinerário de caravana entre Taghâ changements ptanétaires/Séche-
za e Sijilmâsa, em i685; trata-se de resse,vol. n, n. 3, pp. i55-i6i, zooo).
Primeiro você vai enfrentar uma máíia do deserto. Pois se eles
não são seusguias nem seus guardas,eles o saqueiam. Recente-
mente, foram vistas cabeçascortadas dessesbandidos berberes
cobrir o chão do palácio de Sijilmâsa (-> 16); havia então inter
ceptadoresde estradaque o detinham impedindo a passagem
pelo Saara,em direção ao país dos negros. A autoridade, no nor-
te da África, pertencia aos almâadas. Atrapalhados com precei-
tos legalistas, não se continham muito em conservar a vida de
seu próximo. Em outras épocas, convertiam-se assaltantes em
protetores,que evidentementetiravam disso uma renda. Para
lbn Battüta, viajante marroquino que teve muito prazer em vi-
sitar o conjunto do mundo islâmico (-) 2g), a travessia do Saara
ocorreu em i352, de meadosde fevereiro e a meados de abril.
Indivíduos da etnia massufa, da confederação sanhaja, adminis-
travam a caravana.Entendamos: o chefe, os batedores,os cuida-
dores de camelos, os guardas são dessa tribo. De toda forma,
vale mais Carregar sua sorte nas mãos deles do que cair nas mãos
deles. Somos obrigados, de qualquer modo, a confiar neles: o
zo6 Capítulo z5
guia da caravana da qual participou lbn Battüta é caolho pelo
o-'- -- '" assageiros,

T É preciso ter espírito comerciante nessacaravana. Você


compra os camelos em Sijilmâsa, depois manda engorda-los por
menosfoioquefezcreraos. . . ainda
. assim é o melhor
.
conhecedor de uma rota não materializada como uma via de quatro meses,como íez lbn Battüta, a fim de que suportem a
travessia.Alguns grandes mercadores têm centenas de animais;
comércio romana, por ser traçada em um solo movediço ou pe' outros têm alguns.Não se parte nunca com um único camelo,
dregoso e semprepassível,como lhes fizeram acreditar também, mas sim com dois pelo menos: um para você, um para as baga-
de ser apagado por "montanhas de areia'l .,
gens. Se levar um cavalo, é preciso levar a água que ele vai beber.
Há, em seguida, o problema da água. Aliás, o melhor seria
Antes da partida, cada um provê tanto suas mercadorias como
dizer o problema da sede,sua única companheira durante a tra- seu equipamento e víveres. No último momento, enchem-se
vessia. Todos os viajantes, todos os geógrafos dizem: a água que
gzzerbas,
os odres feitos com pele de bode. É preciso também
se toma no caminho é salobra. Às vezes é "pútrida e perigosa" e,
munir-se de recomendaçõespara alojamento no ponto de che-
considera Yâqüt com humor, "não tem.outra prSlpriedade coT.
gada que alguém Ihe reserve uma casaou um quarto. No ca-
mum com a água a não ser a de ser um líquido': Tal beberagem minho, tudo é pago, nada é posto em comum. SÓsão fornecidos
provoca, infalivelmente, desarranjos intestinais, que tornam sua
vida difídl e deixam da experiência transaariana uma lembran- o conhecimento do caminho a ser seguido e a segurança da co
luna. Na hora do calor mais intenso, cada pessoaarma suatenda.
ça muito ruim. Nos anos bons, terá chovido e bastante água terá
É preciso poder contar com serviçais para as tarefas indignas. É
.scorrido até o fundo de ravinas pedregosas;então, bebe-se e
preciso subornar guardas para vigiar seusbens ou para que não
lava-se roupa. Nos anos ruins, o vento escaldanteterá secado a
os roubem. Na volta, você mesmo deve vigiar seu ouro ou seus
água nos odres; logo, degolam um camelo, retiram seu ventre escravos.De todo modo, será assim, sem contar as diâculdades
onde fazem decantar a água que contém, introduz-se aí um es-
que essecomércio causa.A história, que ainda data do início do
coadouro de onde se retira o líquido como com um canudo.No
século xn, tem valor de parábola. Diz um mercador:
limite do aceitável, será encontrada da mesma forma, nas entra-
nhas de um ádax (antílope) abatido com essafinalidade, uma
Meu tio materno fez uma viagem para o sul para aí comerciar ouro. Comprou
provisão de água esverdeada. Alguns autores lembram que ou-
um camelo para ir. Viu-se na companhia de um citadino[. . .]. O citadino se
trora os irmãos Maqqarí (-> t6) "organizaram a rota do Saara
põs a comerciar escravos.Depois, ambos tomaram a caravana para voltar
cavando poços e garantindo a segurança dos mercadores': En-
para casa [ . . .] . Meu tio estava à vontade e despreocupado: se a caravana saía,
tretanto, era na época em que os grandesmercadoresdo norte
ele montava em seu camelo; seela fazia uma parada, ele instalava sua tenda
da Áulica queriam eles mesmos garantir a organização material e descansava.Porém, nosso citadino estava esgotado e cheio de preocupações
da caravana e do itinerário; era no tempo em que se cortavam as
com seu grupo de escravos;um se enfraquecia, o outro tinha fome, este fugia,
cabeçasdos bandidos. Nesseperíodo, mandava-seanunciar a aquele seperdia na erga.Quando a caravanafazia uma parada, cada um se
partida com tambor, e um estandarte,prova:lflmente o do poder ocupavade suascoisas.Nosso citadino estavacansadono mais alto grau.
sijilmassiano, flutuava à frente da caravana.Depois, resignaram Durante essetempo, olhava para [meu tio], que estava sentado tranqui]a
se a subcontratar a organização da travessia de nâmades do mente à sombra, com sua fortuna bem arrumada saco em cima de saco e
deserto e, ou porque o serviço tenha se degradado nas mãos
mantendo-se ali em toda a quietude.
dessesbandidos arrependidos, ou porque os novos patrões da
caravanatenham achado bom cobrar muito caro por seusservi-
Quantas histórias circulam a respeito de velhos viajantes
ços, os poços desapareceram.A sede mata-o, mas essamorte ê
que tiram vantagem dos "citadinos" tão ambiciosos quanto
menos penosa do que sua causa.Uma espéciede atonia toma-o inexperientes?
primeiro, depois você perde a consciência. É encontrado ou não. E depois há os pequenos, mas numerosos, e no anal das
"É a forma comum de morte no Saara':diz calmamenteum ma-
contas execráveis, desprazeres cotidianos: as pulgas onipresen-
nual de oficial saarianodo tempo dascolónias.
A Alfândega do Mail zo9
zo8 Capítulo z6
tes, contra as quais vai menir-se de cordões embebidos em mer.
cúrio, usados em volta do pescoço; as moscas inumeráveis por
toda parte em que está um animal morto em estado de putreía.
«;."'=.=1:==::=='
:1 :::;:: : 1 :
"No dia seguinte, um massuíi concordou benevolamente em ir
ção, isto é, precisamente próximo dos poços e dos acampamen- em busca do homem Encontrou seu rastro que ora seguia a ro-
tos; as cobras. Na caravana de fevereiro de i35z, a de lbn Battüta ta, ora se afastavadela, mas ele não podia saber mais': Era pre-
certo al-Hâjj Zayyân, um mercador de Tlemcen que gostavade cisoenviar esseguarda? Essefoi, talvez, o terceiro erro. Não se
pegaras cobraseirrita-las, foi picado no indicador. O ferimento saberáqual foi fatal. No mesmo percurso, mas em sentido inver-
foi cauterizado com ferro em brasa; depois, a guisa de remédio. so,alguns séculosmais tarde, uma caravanade peregrinos perde
degolaram um camelo e ele âcou com a mão, durante uma noi- sucessivamentedois de seus membros e, entretanto, só percebe
te inteira, na barriga do animal. Isso era realmente útil? Eles um dia e uma noite depois do desaparecimento. O autor do re-
acreditavam. Em todo caso,foi insuâciente: o dedo íoi amputa- lato conclui com filosofa: "Nossa consciência estava tranquila,
do na articulação. Os massufas devem ter rido bastante de1lses porque os havíamos prevenido dos riscos que incorriam ao não
jogos de citadino. Cheios de âlosoâa, ou talvez desejososde au- se submeterem ao regulamento da caravana':
mentar os riscos, disseram que a mordida teria sido mortal se a Depois de exatamente dois meses de viagem, chega-se ao a-
cobra não tivesse bebido antes de picar. Enâm, há demónios que ; nal da travessia. No século xiv. o porto de chegada é Ualata, no
são numerosos nesse deserto, diz lbn Battüta. Essasdeidades sudoesteda atual Mauritânia. Já se está em outro mundo. Vários
imperceptíveis coabitam por toda parte com o Deus do islã. dias antes,íoi enviado um mensageiro encarregado de anunciar
Gostam de zombar dos viajantes isolados. Espertas, elas o fasci- a chegadada caravana. Ele leva a correspondência dos viajantes
nam e acabam por prejudica-lo. aos mercadores da cidade. Com a notícia, enviam-se carregamen-
Quanto às condições rigorosas, a caravana domina-as por tos de água, que são evidentemente vendidos aos viajantes, mas
meio de uma disciplina estrita; ela as diminui por meio de algu- ajudam oshomens e os cavalos a percorrer, e só de noite, o último
mas distrações. Você só vai afastar-se da coluna se aceitar sofrer segmentodo itinerário, por um desertoescaldantee estéril.
todas as consequências, deve ter dito o chefe berbere. Os came- lbn Battütachegaa IJalatano início do primeiro mês de ra-
los vão, de fato, em seu ritmo de metrânomo, e vão deter-se bi do ano 753da era muçulmana, isto é, nos dias que seguem l7
quando a ordem vier, isto é, no momento oportuno, declarando de abril de i35z.O calor é tórrido. Escreve:
a paradaprevista em um caminho em linha reta.E enquantoos
carregamentos avançam, regulares, assim como os massufas im- Veem-se na cidade algumas palmeiras pequenas à sombra das quais são cul-
passíveis,alguns daqueles que se sentem com a alma leve, que tivadosmelões.A águavem de poços cavadosem um terreno arenoso,onde
pagaram a travessia, divertem-se caçando antílope, fazendo cães as águasda chuva se infiltram. Vende-se muita carne de carneiro. As roupas
correrem, adiantando-se um pouco para fazer os cavalospasta- dos habitantessão bonitas e importadas do Egito. [. ..] As mu]heres são de
rem e aproveitarem a espera reconfortante fornecida pela rup- uma beleza rara e mais consideradas do que os homens.
tura do movimento. Contudo, os jogos, as intemperanças de ci-
tadinos custam caro. Embora as caravanascontem com várias Sãoimpressõesde turista, um pouco limitadas para quem
centenas de camelos em sequência, por vezes alguns milhares, ficou ali por cinquenta dias. É uma cidade em que a população
podemos perdê-lasde vista por trás de uma cortina de dunas. é constituída de berberes massufas. Mercadores do norte da
Eis dois primos que pertencem à caravanade nosso viajante África estabeleceram residência ali; aliás, foi junto a um ho-
marroquino. Chamam-se lbn Zirí e lbn Adí. Estavam brigando, mem de Salé, outro marroquino, que o viajante encontrou uma
e o primeiro afasta-separa demonstrar seu mau humor. Primei- casapara alugar.No entanto, a ordem que reina ali é a do Mâli,
ro erros Escreve lbn Battüta: "Quando se íez uma parada, não se o poderosoreino negro que íez de Ualata uma de suasposses
soube o que tinha acontecido com ele. Aconselhei, então, ao pri- iões, a "primeira província do Paísdos Negros': distante z4 dias
210 Capítulo z6 A Alfândegado Mâli 211
T
da capital, mais ao sul. Veja o governador da cidade, oJarbâ, ra evitar que se aventurasse a tomar um caminho de contraban
título mandinga. dista. Você deixa de lado a malta, você entra no Estado.
IEle] estavasentado em um tapete, sob um pórtico, seus
guardas estavam diante dele, com a lança e o arco na mão, os
notáveis massufas estavam atrás dele. Os mercadores permane-
ceram diante do tenente que lhes falava por intermédio de um A menção às cabeças de bandidos chique de I'Ouest a/ricain au mo-
intérprete, embora estivem bem próximos dele e com desprezo provém de al-Sarakhsi,em Joseph yen âge (Dacar, Institut Français
por eles. Cuoq, Recuei/des sources árabes dAfrique Nobre, i96i), dedica pá-
O ordenamento é tão preciso quanto as regras de protoco (Paris, Éditions du CNRS, lg85, p. ginas excelentes às condições ma-
i79). Da mesma obra, são tiradas a teriais do comércio das caravanas
lo: a guarda armada âca diante do governador; os dignitários
locais, atrás. citação de Yâqüt e a alusão à técni- (pp. 397-4o3). A citação do autor
Mal os camelos entraram na cidade, relata lbn Battüta, "os ca do escoadouro (p. l83); a citação que mantém sua boa consciência é
referente aos irmãos Maqqarí, de retirada de Larbi Mezzine, "Rela-
mercadoresdepositaram seusprodutos nos mercados" e "negros
foram encarregadosde vigia-los': enquanto os mercadores iam lbn al-Khatib (p. 3z4); a parábola tion d'un voyagede Tagazaa Sigil-
prestar homenagem ao governador. Essa prontidão e as marcas
do sábio mercador de ouro e do ci masaen lo96H./i685J.-C:'(Arábi-
de respeito que os mercadoresdemonstram para com olarbã tadino, deal-Wisyâni(p. i68). Os ca,vol. 43, n. i, pp. zn-z33, i996),
chocam nosso autor. Diz ele: "É então que lamentei ter vindo a hagmentos citados direta ou indire- aqui página zi6. O manual de saa-
tamente da narrativa de lbn Battüta riano citado é a excelente obra de
este país, considerando a descortesia dessesnegros e o desdém
são extraídos de Paule Charles-Do- Émile-Félix Gautier, l,e Sa;cara(Pa-
que demonstravam em relação aos brancos': Convidado mais
tarde pelo mtls/zr$ termo árabe que designa o recebedor de im- minique, Vo7ageursárabes(Paris, ria, Payot, lgz3, p 94 [citação] ), que
stos, a uma refeição de hospitalidade oferecida à caravana, ain- Gallimard, 1995,pp. ioz3-ioz8). possui outras edições.
da resistee mal olha para o prato de milho miúdo pelado,regado Raymond Mauny, Tableau géogra
a mel e coalhada, servido aos convivas em uma cabaça."Foi pa-
ra isso que o negro nos convidou?': perguntou ele a seuscompa'
nheiros com, adivinha-se, uma careta afetada."Responderam-
-me que era, para eles,o mais belo festim de hospitalidade:'
Tanta arrogância impede lbn Battüta de ver o que se tramou
e se trama em torno dele.As regrasde etiqueta, a disciplina, as
rivalidades de polidez às quais cada um se curva com diligência
demonstram um mundo de códigos mais sutis do que a rudeza
das caravanas. Os mercadores, que não conseguem livrar-se do
controle dos caravaneiros,entraram ali sem dificuldade, mas
não o turista, que viaja levando consigo seu mundo. Em Ualata,
o mercadorentra no Mâli. É um posto de fronteira, portanto,
um posto de alfândega. Na praça, imediatamente desâzeram-se
os carregamentos dos camelos e deixaram tudo sob a guarda de
funcionários, porque era preciso quitar as taxas equivalentes ao
peso das mercadorias transportadas. Quando se havia enviado
os mensageirosprecedendo a caravana,seria talvez também pa-
l
212 Capítulo z6 A Alfândega do Mâli zi3
Para uma síntese sobre a metalur fhe clave frade(Cambridge, Cam
T
gia do cobre na África saheliana, bridge University Press,ig86). So- CApÍTul.o a8
fazendo referência sobretudo aos bre a vertente asiática do comércio
estudos comparativos sobre ligas de
dos cauris, consultar Bin Yang,
"lhe Rise and Fall ofCowrie Shells:
cobre, ver Laurence Garenne-Ma-
rot (com Lolc Hurtel), "Le cuivre= The Asian Story"(,rourrzal of World ABOLADEOURO
approche méthodologique de la l isfory, vol. 2z,n. i, pp. i'z5, 20n).
M. Johnson, "The Cowrie Cur-
métallurgie du cuivre dans les val-
lées du Niger et au sud du Sahara" rency of West Africa" (/ozzrrzaZ o#
(em Va/Zées du Nfger, Paras, Réu- Á#rlcanHlsfory, vol. n, n. i, pp. i7' REINODO MALI, SÉCULO
XIV
nion des Musées Nationaux, i993, 49 [primeira partem, e vol. n, n. 3,
PP. 3zo-333).O vale médio do rio PP. 33i-353 [segunda partem, i97o),
Senegal aparece como uma região apresenta uma grande parte do
de intensa atividade metalúrgica de dossiê relacionado ao lugar dos
cauris no oeste da África. Sobre a
cobre naépoca do abandono do
origem da palavra "cauris" nas lín
carregamento de Ma'aden ljâfen;
ver L. Garenne-Marot, "Le com- guasindígenas,ver aindaTh. Mo
merce médiéval du cuivre: la si- nod, "Autour du mot songay kororzí'
tuation dana la Moyenne Vallée du (Le Sol, la parole et !:êcrit: mélanges
Sénégal d'aprês les données ar- erz hommage à Ra7morzd Àfauny,
chéologiques et historiques"(,rozzr- Paras, Société Française d'Histoire
d'nutre-mer, 1981, t. 1, pp. 283-z88).
nal des (!P'icanlsfes, vo1. 65, n. z, pp.
43-56, 1995). Os cauris, introduzi- Josette Rivallain, em "Monnaies Segundoo parecer dos especialistas,é a mais bela obra cartográ-
dosporvoltadoséculo xino Sahel
dIAfrique: visions africaines et vi- fica já produzida na Idade Média e uma das mais importantes
pelos mercadores magrebinos, tor- siona européennes"(Revzze rzumís- para a história da cartografia. É uma obra única, ricamente ilus-
naram-se a base do sistema mone- míztique, vo1. 6, n. l57, pp. tzl'i3o, trada, em velho. Há menção a ela em l38o, no inventário dos
tário na região do Mali do século zoom),fornece uma apresentação manuscritos do rei da França Charles v: trata-se, talvez, de um
xiv. A partir do século xvi, essa
muito boa do conjunto de variedade presente de outro rei, nesse caso, ibérico. Traz uma data: i375. É
concha tornou-se a principal moe- dos sistemasmonetários africanos. chamada pelo nome de "atlas catalão': É, de fato, no sentido mo-
da ou unidade de contagem em to- Serge Robert informa que ele e sua derno, um "atlas': que compreende duas pranchas astronómicas
da a região do golfo da Guiné. So- esposa tentaram, em 1976, encon e astrológicase quatro mapas comportando informações náuti-
bre a exploraçãodos cauris nas trar o sítio de helicóptero, mas não cas e geográficas. Um deles recobre o que chamaríamos Medi-
Maldivas e a história dessas conchas tiveram sucesso.Monod morreu em terrâneo ocidental e regiões continentais, desde as praias do mar
no comércio internacional medie- zooo. Os três homens que o acom- do Norte até as margens do Níger. É um mundo que gravita em
val, ver Jan Hogendorn e Marion panharam na expedição de Ma'éden torno de Maiorca, a principal das ilha Baleares, mas que se pro-
Johnson (orgs.), 7he Shell Moriey o$ ljâfen também já morreram. paga para longe. Um segundo mapa junta-se ao primeiro para
completar o mundo perimediterrâneo.
O olhar dirige-se para a área mais colorida, na parte de
baixo do mapa. Estamos na África. A oeste,um homem branco
usando véu na parte de baixo do rosto, de túnica verde, está
222 Capítulo z7
r
montado em um animal que só pode ser um dromedário em-
bora pintado por um artista que certamente nunca viu um; o
cameleiro é um nâmade berbere. A leste, outro branco, vestido
de índigo, usa turbante; segura uma cimitarra. É o rei de Orga-
na, talvez Ouargla, na Argélia atual. Os olhares dos dois ho-
mens convergem para aquele que está no meio deles. Está sen-
tado em um troa o, de frente, mas o rosto estáde perfil. Sua
pele é negra. Usa barba e bigode aparados. Os pés e os antebra-
ços estão nus; sua ampla vestimenta é cor de ouro. Tem uma
coroa de ouro em sua cabeça,um cetro com flor-de-lis em uma
mão, uma bola de ouro na outra, que erguecomo que para ofe
recê-laao olhar do mundo.
A região sobre a qual reina nosso rei leva o nome de Ginyia.
O cartógrafo cercou o soberano com quatro localidades: Tagaza
Nas páginas anterio- (Taghâza [-> z5]), Tonbuch (Tombuctu),.Gougou (Gao).e Buda
res: Atlas catalão, (Buda, no oásis argelino de Touat [-> 3z]). Dois outros topóni-
i375. O norte está no
alto da imagem.
mos, um pouco à esquerda, designam regiões igualmente suas,
Produção de um
embora em diversas escalas:Sudam (do árabe südán, que deno-
ateliê judeu de mina os negros) e Melly. Uma legenda acompanha a imagem;
Maiorca, nas ilhas
diz (em catalão): "Este senhor negro é chamado Musse Melly,
Baleares, o mapa
centrado no Medi senhor dos negros de Gineua. Este rei é o mais rico e o mais no- Atlas catalão, i375
terrâneo demonstra bre senhor de toda esta parte, pela abundância do ouro que se podemos evitar pensar que a parte africana do atlas catalão ba-
Idetalhe]. Cercado de
a extensão dos co- coleta em sua terra'l seia-seem um mapa que hoje não temos, um documento que ícones que represen
nhecimentos judeus não chegou até nós, mas que devia ser bastante próximo daque- tam, sobretudo, Tom
e árabes relacionados É preciso não contar em todos os detalhes trazidos por es' buctu e Gao, o sobe
le de t339 e conter as informações presentes no de i375. Ele cha-
ao "país dos negros': se mapa. A coroa e o cetro pertencem a um repertório simbóli- uno da "Guiné'
Os reinos africanos mava o soberano de rdi do Mâli, representava-o na postura co-
co da realeza europeia; são transportados para lá para ajudar a (Ginyia ou Gineua)
ocupam a parte de reconhecer um soberano poderoso. Ginyia (ou Gineua) é um mum aosdois outros mapas,mencionava seu nome e as cidades reina em majestade e
baixo do mapa. de seu reino, e talvez já mostrasse a bola de ouro. segura na mao uma
nome de origem obscura, que vai ser Guiné, quando os por.tu- bola de ouro. A legen
Fonte:Bibliothêque Anónimo, frequentemente atribui-se o atlas catalão a dois
Nationale de France, guesesdescobrirem a rota atlântica que leva ao oeste da África da está em catalão.
cartógrafos judeus de Maiorca, o pai e o filho: Cresques, alho de
manuscrito espanhol 3o, A postura do soberano e a forma de seu trono guarnecido de Abraham, e Jafuda ou Yehuda, alho de Cresques. Sabe-se, de fa- Fonte:Bibliothêque
pranchas 3 e 4.
almofadas evocam,irresistivelmente, um mapa mais antigo, o de Nationale de France,
to, que os dois homens produziam mapas nessa data. O argu manuscrito espanhol 3o:
Angelino Dulcert, também produzido em Maiorca, mas algu- prancha 3 Idetalhe}
mento é insuficiente. No entanto, quaisquer que tenham sido os
mas décadasantes,em t339. Este menciona pela primeira vez o
autores do mapa, há boas razões para crer que foi produzido em
rex MelZ7"(em latim), o rei do Mâli, maso representacom um
Maiorca e que emanava de informações coletadas por judeus.
turbante na cabeça,o indicador apontadode modo doutoral,
Maiorca foi, em meadosdo século xiM o principal centro de pro-
chama-o "rei muçulmano" e já afirma que tem minas de ouro
dução cartográfica da Europa ocidental. A razão primeira é que,
em grande abundância. No segundo mapa,.o nosso, muito simi-
desdetazg, data em que as ilhas Balearesforam tomadas dos
lar ao primeiro no que serefere a essasregiõessahelianas,o no-
muçulmanos, a ilha havia se tornado um ponto de intersecção
me do soberano,Müsâ, aparece,embora inoportunamente, Ja
importantedo comérciono Mediterrâneoocidental.As infor-
que o sultão Müsâ morreu em 1337.Por essesimples fato, não
A Bola de Ouro zz7
zz6 Capítulo z8
r'
mações,portanto, não deixavamde afluir a Palmana mesma remete precisamente ao reino de Müsâ? Entretanto, além de não
velocidade que as mercadorias. Entre os comerciantes, eram nu- se saber quase nada dessa primeira mesquita, a tradição talvez não
merosos e influentes os judeus, instalados na ilha a pedido dos tenha nada de autêntica; alimenta-se sem dúvida nas fontes ára
soberanos de Aragão, que não hesitavam em conceder privilé- bes. Tãjvez na narrativa de lbn Battüta, que relata ter visitado em
gios com essafinalidade. Os judeus de Magreb eram particular- Tombuctu o túmulo do arquiteto; era em 1353.Também na narra-
mente visados por essasmedidas de incitação: em 1247,o rei tiva de lbn Khaldün, que em t387 encontra o neto de Abülshâq
Jacquesi, o Conquistador, convidou Salomon ben Ammar, ju- em algum lugar em uma praia do mar Vermelho e fica sabendo
deu de Sijilmâsa ('> 16), assim como todos os seuscorreligioná- por ele que seu antepassado, falecido em 1346, tinha encontrado
rios, a instalar-se em Maiorca e na Catalunha continental. A o rei do Mâli em Meca, em 1324 Em seguida,acompanhou-o até
oferta de asilo religioso não podia deixar de interessaràs comu- seu país onde havia ediâcado "um edifício quadrado construído
nidades judaicas, depois de décadas de perseguições sob o poder em abóbada" que "hábeis artesãosrevestiram [...] de ca] e [...]
almâada. Essaoferta era evidentemente interesseira:o que os decoraram com arabescoscoloridos': Em um país que, relata o
soberanos de Aragão mais queriam era atrair, com os judeus, autor, não conheceraantestradição de arquitetura, o monumento
suas redes comerciais seculares, cujos lucros certamente conta- foi tão surpreendenteque seuautor recebeucomo recompensa
vam captar, em detrimento dos portos comerciais magrebinos dez mil mif/zqáZ*de ouro, uma quantia colossal.Não se poderia
que até entãohaviam prevalecido.O fato de o convite do rei ser dizer seo monumento apresentadono atlas catalão ao lado do
endereçado, especiâcamente, à comunidade de Sijilmâsa indica nome de Tombuctu representa ou não uma mesquita. Porém, po-
sem dúvida bem claramente o objetivo, explicitado ou não, de de-se destacar a coincidência que quer que várias fontes árabes do
desviar o tráâco transaariano. Um século mais tarde, os mapas séculoxiv apontem o crescimentode uma tradição arquitetânica
maiorquinos, nessesentido os primeiros de todo o mundo oci- em ligação com Tombuctu.
dental, representam a cadeia das etapas comerciais indo das Deve-seâcar surpreso com o fato de uma informação pou
grandes cidades do norte africano a Sijilmâsa, depois de Sijilmâ- co precisa sobre um monumento construído no país dos negros
sa, via Taghâza, ao reino do Mâli, onde está sediado um rei que ter chegado ao ateliê de um cartógrafo das ilhas Baleares,ou en-
segura uma bola de ouro na mão, o que ilustra seu sucesso. tão que, para isso, tenha levado tempo, várias décadas?Nem
Se determinadas informações relacionadas ao Mâli do rei uma coisa nem outra. iÕ.notoriedade do rei Müsâ filtra lenta
Müsâ foram conservadas por comunidades judaicas fixadas ao mente e, ao mesmo tempo, inunda o século xiv. A estada de
longo dos itinerários comerciaisde Magreb e do Mediterrâneo Müsâ e de seu séquito no Cairo, no caminho da peregrinação
ocidental, é provável que também tenham sido, por vezes, capta- aos lugares santos do islã, na Arábia, marcou profundamente os
das na conte, isto é,junto a mercadores do norte dricano que efe- espíritos. Fala-se ainda sobre isso meio século depois. Exata
tuavam a travessia do Saara. Parece ser esseo caso da vinheta que mente contemporâneo do atlas catalão, um autor egípcio relata:
apresentaTombuctu no mapa do atlas catalão,que escapadessa
vez à representação estereotipada de uma torre circular, símbolo IEm i3z4] chegou o rei Müsâibn Abü Bakr em território egípcio, com o ob-
aplicado a qualquer localidade islâmica dessaparte da África. A jetivo de fazer a peregrinação à venerável casa de Deus e de visitar o túmulo
imagem mostra um monumento original, um edifício quadran- de seu Profeta IMaomé], especialmentegloriâcado e honrado. Era um ho
gular encimado por fileiras de cúpulas. Há ali uma anomalia que mem jovem, de cor morena, agradável de rosto e de bela postura [. . .]. Apa-
chama a atenção e sugere a ideia de que o edifício representado recia no meio de seussoldados magniâcamente vestido e a cavalo; seu séqui-
foi visto, de tal modo evoca,de fato, a arquitetura tradicional da to é composto de mais de dez mil súditos. [Trazia] oferendas e presentes
cidade. Seria a grande mesquita de bancos de Djinguereber, em notáveis por sua beleza e seu esplendor. Conta-se que a extensão de seu reino
Tombuctu, monumento que uma tradição maliana atribui ao ar- é de três anos de caminhada e que tem sob sua autoridade quatorze subordi-
quiteto e poeta andaluz Abülshâq al-Sâhili, o Granadino, e que nados, tanto reis como governadores.
zz8 Capítulo 28 A Bola de Ouro zz9
r
séquito,tanto por compra e venda como por doação e tomada, de maneira
Sabedoria, piedade, riqueza. Poder-se-ia resumir assim a inca[cu[áve[.[Essas pessoas] dissiparam tanto ouro que fizeram depreciar seu
impressão que deu o soberano do Mâli ao Cairo. Inúmeros são valor no Carro e aviltaram sua cotação.
os testemunhos disso no Egito, ao longo dos z5 anos que se se-
guiram ao acontecimento. Como o de al-Umarí: "Quando de Al-Umarí é mais preciso a esserespeito, doze anos depois
minha primeira viagem ao Cairo e de minha estadanessaci- dos fatos:
dade, ouvi contar a chegadao sultão Müsâ por ocasião de sua
peregrinação. Vi habitantes do Carro que se entusiasmavam ao O ouro tinha uma cotaçãoelevadano Caíra até o ano da chegadaÍdo sultão
mencionar as grandes despesasque viram serem feitas por es'
Müsâ[. O mit;zqáJ [isto é, o dinar] não caía abaixo de z5 dír/zams* e tinha
sas pessoas'l E, como um biógrafo, ele cometatestemunhos. O mesmo, na maioria do tempo, tendência à alta. Porém, a partir desse dia, seu
do mí;zmandárda época,o oficial mamelucoencarregadode valor baixou e sua cotação diminuiu. Essa diminuição prosseguiu até hoje; o
acompanhar as delegações estrangeiras à corte do sultão ..do mif/zqái não ultrapassa mais de 2z dír/zams e situa se até abaixo disso. Isso
Egito, retrata assim o soberano do Mail: "Vivendo com fausto, ocorre [. ..] por causa da grande quantidade de ouro que [os peregrinos do
é um homem de classe,um espírito re]igioso. [...] Quando saí
sultão Müsâ] introduziram no Egito e que aí gastaram.
ao seu encontro, em nome do sultão al-Malik al-Nâsir, rece
beu-me da maneira mais perfeita e tratou-me com a máxima
Em termos modernos, diríamos que assistimos aqui a um
de[icadeza. [. ..] Depois, ofereceu para o tesouro do sultão inú- fenómeno clássicoem um sistema monetário bimetálico. Tendo
meros carregamentosde ouro bruto ]...]': O do alho do emir asduas unidades uma paridade variável, vemos a moeda de ou-
lzáyib,o camareiro:
ro depreciar-se persistente e gravemente (em mais de dez por
cento) em relação à de prata, por causa da súbita abundância do
Ele era nobre e generoso,multiplicando esmolas e boas obras. Deixou seu
metal amarelono mercado.A bola de ouro, uma espéciede pe-
país com cem carregamentos de ouro. Ele despendeu-os, ao longo de sua
pita enorme,erguida pelo rei negro do atlas catalão,poderia
peregrinação, entre as tribos encontradas no caminho de seu país ao Caíra, bem condensar o brilho da lembrança deixada pela passagem de
depois no próprio Cairá e, em seguida, entre o Caíra e o nobre Hijâz [região
Müsâ e seu séquito.
que abriga os lugares santos do islã, no oeste da penínsu]a Arábicas, na ida e
Foi dito, frequentemente, que a bola de ouro mantida na
na volta, tanto que teve necessidadede pedir emprestadono Caíra. Ele soli-
mão do sultãoMüsâ seriaa representaçãode uma pepita. Con-
citou sob sua caução, junto aos comerciantes, um crédito que concedia a es-
tes um lucro consideráve] [. . .].
tudo, ninguém perguntou por quê. Achou-se normal ostentar
uma pepita para expressaro poderio económico de um reino
que possui minas de ouro capazes de exercer tão potente fascínio
Despesas suntuosas, presentes, liberalidade na doação e sobretão vasto perímetro mediterrâneo, tanto islâmico como
empréstimo: Müsâ alia à generosidade um desprendimento que cristão. A pepita mantida na mão e assim apresentadaao mun
arececomo virtude, mesmo que alguns desconfiemde uma
do, como o cetro e a coroa de ouro, que não são senão símbolos
ingenuidade que foi enganada.Lembram-se, sobretudo, do ouro
reaisde empréstimo, não teria um valor um pouco diferente da-
que afluiu ao Cairo, que foi trocado entre os sultões em um ce-
quele de alegoria da riqueza? O historiador lbn Khaldün, que
rimonial dosado, que ostentou na cidade pelas incrustações das
redige o l,íl're des exemp/es, a partir de 1375e no decorrer das três
armas, pelos bordados das roupas, que passou pelas mãos de
décadasseguintes portanto, sua narrativa é também contem-
detentores de funções. É ainda o mi/zmandár que fala:
porânea do atlas ou ligeiramente posterior -, apresenta-nos tal-
vez uma resposta: em i373, morreu Mâri Djâta ii, rei do Mâli.
Essehomem inundou o Caíra com ondasde suagenerosidade:não deixou
Essesoberano não tinha boa reputação: "jE]e] arruinou o reino,
emir, próximo do sultãoou titular de um cargoligado aosultão semenviar-
dissipou as riquezas, pondo o império à beira da derrocada': Re-
Ihe uma quantia de ouro. Os habitantesdo Caíra aproveitaram dele e de seu
A Bola de Ouro z3i
z3o Capítulo z8
r'
lata lbn Khaldün, com baseno testemunho de um homem de da atribuição do atlas. A parte afri- "[he JewsofSiji] masa and the Saha-
cana do atlas catalão é estudada ran Trade"(em M. Abitbol (org.),
confiança que foi juiz em Gao:
com outros mapas dos séculosxiv Communautésjuives des margem sa-
Ele levou tão longe seusdesperdícios e suasdilapidações, que vendeu a pe- e xv. sobretudo a de Angelino Dul harielzrzes du Àfag/zreb, Jerusalém,
pita de ouro do tesouro real, herdadade seu pai. Essapepita pesavavinte cert, por Toro K. Fala,em 1=4»'íque Institut BenZvi, ig8z,pp. z53-z64),
à la naissancede La cartographie considera, por sua vez, que as fon-
qirzfâr [termo árabe que resultou em "quintal" e equivale mais ou menos a
moderno (Paris, Karthala, l98z). O tes à disposição defendem a ausên-
cinquenta quilosl; estavatal qual havia sido encontrada na mina, em estado
bruto. Consideravam-na como o mais precioso dos tesouros, como uma ma texto citado e os nomes de lugares cia de tais comunidades. Esses dois
ravilha sem preço, por causa de sua raridade. [Mârí Djâta], esserei dissipa- mencionados seguem a edição dos autores evocam também os víncu-
dor, ofereceu-a a mercadores do Egito que frequentavam seu país. Vendeu-a textos do atlas como íoi apresenta los entre Sijilmâsa e Maiorca. O
da por J.A.C. Buchon e J.Tastu, em texto de lbn Battüta relacionado a
a elespor um preço vil, pois despendiaas riquezasdo reino [...] paras.uas
Notice d'utl aftas en langue catalatle, Tombuctu está em Paule Charles
orgias e suas extravagâncias.
manuscrit de I'an l37S conservo par .Dominique, \ã)yageurs árabes(Pa
Essapepita, se for preciso acreditar nisso e se for preciso males manuscrita de la bibtiothêque ris, Gallimard, i995, pp. io4z-io43).
ainda dar-lhe esse nome apesar de seu peso, seria a mesma que, royale sons le numero ó8Jó (Paria, Os de lbn Khaldün sobre Abü
segundo vários autores dos séculos precedentes, estava em pos' Imprimerie Royale,í839),por ve- lshâq e a Mâri Djâta n encontram-
se do soberano de Gana (-> 8)? Não se pode afirmar; mas talvez, zes corrigido conforme a fotogra- .se em Joseph Cuoq, RecuefJ des
de fato, quando Gana tornou-se uma província do reino do Ma- fia. A propósito do contexto que sozzrces árabes (Paria, Éditions du
il, esseatributo real teria sido transladado para o tesouro do su- Maiorca proporciona ao desenvol CNRS,
1985,PP.346-349,48O-48i).
serano.A pepita, em todo caso,já pertencia ao tesouro do sultão vimento da cartografa da época, Da mesma obra (pp. 3z7-3z8)pro
do Mâli no tempo do pai do rei gastador,Mâghâ i, que reinou ver Gonzalo de Reparaz Ruiz, vém a citação do autor egípcio que
T'activité maritime et commercia escreve exatamente antes de i376-
imediatamente depois de Müsâ, mas por muito pouco tempo
Não é exagero pensar que já pertencia a Müsâ. le du royaume d'Aragon au xni' i377(Badr al-Dín al-Halabí), assim
siêcle et son influence sur le déve- como os fragmentos de al-Umarí
loppement de 1%cole cartofraphi- (pp. z75-276, z78-z79). Sondagens
que de Majorque"(Bu/Jeffpi/zispa- arqueológicas recentes,ainda não
O atlas catalão está conservado na Grosjean, Mapamu?zdí: 7he Cafa- rzfque,vol. 49, n. 3-4, pp. 4zz-45i, publicadas, efetuadas por Ber-
Biblioteca Nacional da França com ian Aftas ofthe cear ]375(Zurique, i947). O artigo de Michel Abitbol, trand Poissonnierna mesquitade
a cota Ms Esp.3o. Foi objeto de mui- Urs Graf Verlag, 1978);e Alara 'Juifs maghrébins et commerce Djinguereber, em Tombuctu, per-
mundo De! AÊo ]375 de Cresques transsaharien du xme au xv' siêcle" mitiram identificar níveis arqueo-
tas edições, dentre as quais três, que
são fac-símiles, merecem uma men- Abraçam y JaÉudaCresques(Barce- (em Le Sol, la parole et IZcrit: Métan- lógicos correspondentes ao edifício
lona, Ebrisa, 1983).O julgamento ges erz /zommage à Ra7mond deculto doinício do séculoxiv.É
ção particular: uma está na luxuosa
e infinitamente rara coleçãodo emitido como introdução a este ca- À4aun7,Paria, Société Française útil lembrar que a arquitetura em
pítulo é enunciado, por exemplo, d'Histoire d'Outre-mer, lg81, vol. z, terra batida(no caso, em ba?zco) es-
príncipe YoussoufKamal, Ã4onu-
por Tony Campbell no início de pp. 56l-577), traça a história das co- tá expostaa destruições signiâcati-
menta Cartographica Ajricae et
sua resenha da obra de G. Gros- munidades judaicas de Magreb e vas causadas pelas chuvas violen
AegWfl(Leiden, impresso por conta
do autor, igz6-i95i, 5 t.,i6 fase.[aqui jean, citada acima, publicada em suas relações com o comércio do tas, e está, portanto, ao mesmo
t. iv: Époque desporttzlarzfs,sulvíe /mago Àftindi (vol. 33, pp. n5-n6, ouro. O autor sugere a presençade tempo sujeita a um processo de res-
par /ilpoqtie des découverfes, fólios ig8i). Segue-se essa mesma crítica comunidadesjudaicas ao sul do tauração constante e a episódios de
nas reservas que emite a propósito Saara, mas Nehemia Levtzion, em reabilitação mais ou menos com-
i3ot-i3o3]); a outra é de Georges
A Bola de Ouro z33
z3z Capítulo z8
r'
pleta. Em seu breve inventário ar- al-Sahilili, c. izgo-1346"(Paídeu-
ma, vol. 36, pp. 59-66, i99o), apre-
queológico de Tombuctu, "Notes CAPÍTULO ag
d'archéologie sur Tombouctou' senta um primeiro esboço biográ-
(Btltletin de I'itlstitut .français fico do arquiteto. Porém, é bom ler
d;4Jrique moira, t. l4, n. 3, pp. 899- o ponto de vista crítico de Suzan
gi8, l95z), Raymond Mauny escre- B. Aradeon, em "Al-Sahili: The O REIDAPALAVRA
ve muito judiciosamente o seguin- Historian'sMyth of Architectural
te: "Os monumentos de que vamos Technology Transfer from North
falar estãofrequentemente na ter- Africa"(,rournal des aÍrícanisfes,
ceira ou quarta 'edição' do 'origi- vol. 59, n.i-z, pp. 99-i31, ig89), que NA CIDADE DE MALI) CAPITAL DO REINO,
nal: Até que ponto assemelham-se contestaaideia dequeo poetaan- DE JUNCO DE 1352 A FEVEREIRO DE 1353
à construção primitiva, nada sabe- daluz teria sido o importador da
mos'l John O. Hunwick, em "An 'arquitetura" para regiões sahelia
Andalusian in Mali: A Contribu- nas que teriam ignorado seu uso e
suas técnicas.
tion to the Biography ofAbu lshaq
'0 sultão de Mail é o mansa Sulaymân (malzsásigniâca sultão e
Sulaymân é o nome desse personagem). É um soberano avaro
de quem não se pode esperar presentesignificativo:' Com essas
palavras, lbn Battüta evoca o sultão que reina no momento em
que faz suaviagem. Foi advertido, certo dia, de que o sultão aca-
bava de enviar-lhe o dom da hospitalidade, no casoroupas e um
presente. Acompanha, portanto, o portador da mensagem:
Eupensava que as roupas eram vestimentas de honra e o presente, uma quan-
tia em dinheiro. No entanto, descobri três pãesredondos, um pedaço de car-
ne de boi frita em glzarfí ]manteiga de karíté*] e uma cabaça cheia de coalha
da.Quando vi tudo isso, comecei a rir, desconcertadopela estupidez dessas
pessoasque faziam tanto caso de um presente tão desprezível.
Durante toda sua vida, digamos depois dos vinte anos, lbn
Battüta foi o insaciável penetra dos sultões e dos grandes líderes
religiososdo mundo islâmico, a quem pedia, em cada etapa,alo-
jamento e comida. Tendo nascido em i3o4, em Tanger, no estrei-
z34 Capítulo z8

Você também pode gostar