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feitos com essasubstância'l Muito tempo antesdele, lbn Battüta
havia estado em Taghâza. Era março de i35z: "dez dias de sofri-
mento e de tortura; pois a água é salobra, e nenhum lugar tem abastecer-se
ali no tempo em que a mina estavasob o controle Esboço deThéodore
Monod das ruínas de
tantas moscas quanto esteburgo't Coisa curiosa observadapelo de berberesmassufas.O império songaiadministrou-a por um
sal de Taghâza, no
viajante: as casase a mesquita são construídas com blocos de sal, tempo, depois Tombuctu. Os sultões do Marrocos apossaram- Mail
os telhados são feitos com peles de dromedário. Explora-se o -se dela na metade do século xvi, sem outro efeito a não ser Fonte:Th. Monod,
.A4éharées,
Arles, Actes Sud
sal-gema, que se apresenta em pouca profundidade do solo (três provocar um deslocamento da atividade mineira para Taudeni,
lg8g, p. 271]i ed, t937].
a quatro metros), sob a forma de superfícies planas que é preci- de exploração menos fácil, mas um pouco mais próximo de
so cortar. O trabalho é feito pelos escravosdos berberes,que se Tombuctu.Taghâzanão foi abandonada:ainda no século xvi]
alimentam de tâmaras trazidas do Marrocos e de milho miúdo ia-se até ali. Monod recolhe cacos de cerâmica desse período, e
importado do Sahel.Isso mostra a importância do tráfico em algumassondagensarqueológicas realizadas revelaram, sobre-
Taghâzana Idade Média. Um contemporâneo de Monod cons- tudo, as últimas ocupações.
tata a mesma rudeza em Taudeni. As condições de vida nas duas De Taghâza,diz-nos.Hasan al-Wazzân, mais conhecido na
minas vizinhas não deviam ser muito diferentes a alguns séculos Europapelo nome de Lébn, o africano, que passou ali alguns
de distância: "Taudeni é inabitável; sua água salobra mata em dias por volta de i5to, transporta-se essesal para Tombuctu,
alguns anos os operários negros que são importados e mantidos "que tem muita falta dele'l Na cidade do Mâli, escreve lbn Battü-
ali à força. Não deve haver na superfície do p]aneta [. ..] inferno ta, "um carregamento de came]o desse minera] ] . . .] vale de vin-
industrial comparável a este'l te a trinta dinares*, algumas vezesaté quarenta': No entanto, já
Taghâzaestá situada em uma vasta sebkha,uma espéciede na época em que se chamava Tatantal, quando o poder sobre
bacia natural de decantaçãoque esteve,há milhões de anos,à todo o Sahelocidental era exercido da cidade de Gana (-> 7, 8),
beira-mar. A igual distância da estepedo norte e do Sahelao âca-sesabendoque "o rei recolhe um dinar de ouro em cada
sul, venderam-se ali, durante séculos, lajes de sal para envia-las carregamento de sal que entra no país, e dois dinares em caso de
ao país dos negros. Talvez já seja a localidade chamada Tatantal exportação':O que signiâca, portanto, que o sal é importado,
no século xi, onde se ergue, ao que parece, "um castelo cujas evidentemente do deserto, para ser reexportado para as regiões
paredes, as salas, as seteiras e as torrinhas são construídas com de savana. Lê-se também: "Todos os outros reis dão presentes
pedaços de sal': Era tão importante a atividade de extração.de jao soberano de Gânal, pois têm, em seus países, uma necessi-
sal para a economia do comércio transaariano que Taghâza dade indispensável do sal que é exportado das regiões do lslã'l
aguçou a cobiça. Caravanas do Mali e do Marrocos vinham Entre a mina a céu aberto, administrada por nâmades que fazem
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seus escravos trabalhar ali, e as populações sedentárias de agri- pura de cloreto de sódio fóssil, o sal-gema,jaz aqui em partes
cultores. ao sul, estende-se,portanto, uma rota milenar, que só planas regulares intercaladas por finos leitos de argila. As fontes
variou de terminação meridional, Gana, Mail, Tombuctu, ao em árabeconhecem as minas do Saara.Taghâzaé uma delas.
longo dos séculos. A existência dessarota do salilustra a deman- Fala-setambém de Awlll, que devia situar-se na costa do sul da
da que satisfaz:de um produto tão precioso ao sul do Saara Mauritânia, ou ainda de Tawtok ou Toutek, mina subterrânea
anto o ouro ao norte. Isso porque os solos africanos, ricos em que não se sabelocalizar hoje, talvez situada no extremo leste do
minérios, sãoao contrário pobres em saisminerais e transmitem Maxi ou nos confins argelinos; daí importava-se sal para Gao,
essainsuficiência aos vegetaise aos animais, com o risco de ca- onde servia de moeda de troca. E é mais ou menos isso. A essa
rência. Para os dromedários e as vacas, palha-se essa deficiência raridade, acrescentam-seos problemas de uma exploração que
mineral com a prática da "cura salgada':transumância anual que não pode ser familiar nem provir de uma economia doméstica
consiste em levar o rebanho para lugares de pastagem ricos em ou local. O abastecimento dependede uma atividade que só po
minerais, onde o gado é deixado pastando ou lambendo as eflo- de ser "externalizada" e submetida a leis - e a riscos - do grande
rescências salinas. Para o homem, o consumo de sal (cloreto de comércio.Produto de primeira necessidade,o sal tem na África
sódio e oligoelementos) aplaca a "fome de sal" provocada pela subsaarianauma importância que explica a atração que um lu-
subnutrição mineral e aumenta, ao mesmo tempo, a resistência gar tão miserável quanto Taghâza exerceu durante séculos sobre
metabólica ao calor. os poderes ribeirinhos do Saara.
Raymond Mauny destacou a diversidade dos modos de pro-
dução do sal na escala do oeste da África. Os complexos técnicos
que identificou têm áreas de repartição .estreitamente correlatas
com as zonas ecológicas.A vizinhança do litoral atlântico no sul Nicole Vray publicou uma biogra- Vo7ages(Paria, La Découverte,
da Mauritânia e norte do Senegalé uma região de coleta do sal fia de Théodore Monod: À4orzsieur i98z, t. ni, pp. 396-397), assim co-
marinho por evaporaçãosolar em baciasnaturais ou artiâciais. Monod, scient$que, voyageur,pro mo na edição e tradução de Paule
Porém,taxasde hidrografia noturna muito elevadastanto ao festa?zf (Arles, Actes Sud, i994). O Charles-Dominique, Vo7ageurs
norte dessazona, tórrida, como ao sul, ao longo do golfo da Gui- fragmento citado de Th. Monod é árabes (Paria, Gallimard, i995). A
né, de clima equatorial, proíbem sua existência; pratica-se nesta retirado de sua obra À4é;zaréqs(Ar- passagemsobre Tatantal, de al-
última região a evaporação por ebulição da água do mar, e os tes, Actes Sud, i98g ]l. ed., i937], p. .Bakrí, encontra-se em joseph
blocos de sal assim formados são vendidos em toda a zona flo- z66). O trecho de René Caillié foi Cuoq, RecueíZ des sources árabes
restal. A vasta zona de savana corresponde à área de distribuição retirado de Vo7ageà Tomboucfou (Paras, Éditions du CNKS,1985, p.
das diversas técnicas de obtenção dos saisvegetais: com cinzas (Paras,La Découverte, 1996, t. 2, p. 95); da mesma obra provêm os
de fogueiras domésticas, obtidas de plantas halofitas, produz-se z94); a propósito de Taudeni, ver fragmentos referentes a Gana: al-
lexiviação e depois por decantação uma salmoura que é eva- páginas z84 e z85 da mesma obra. -Bakrí(p. loi) e lbn Hawqal(p. 74).
Sobre as condições de exploração Uma síntese sobre os parcos dados
porada em moldes de argila colocados sobre fornos. O mesmo
dessa mina, dispõe-se do artigo de arqueológicos relativos a Taghâza,
dispositivo aplica-se à produção de sal da terra, que é encontra-
do sobretudo entre o rio Níger, o lago Chade e o maciço do Alr: Dominique Meunier, "Le commer- no essencialnão publicados, foi
ali, os blocos de sal são produzidos da terra salgadaque é reco- ce du sel de Taoudeni"(JournaZ des realizada por Raymond Mauny, em
lhida e lavada. A salmoura é da mesma forma submetida a ebu- ({frfcanísfes,vol. 5o, n. z, pp i33- Tableau géographique de t'Ouest
lição, para formar blocos de sal no fundo de bacias de argila i44, l98o), e das indicaçõesbiblio- agricaflzau Mole/z Âge (Dacar, Ins-
Toda a zona do Sahel ocidental, por usa vez, é dependente de um gráficas fornecidas por esseautor. titut Français dIAfrique Nobre, i961,
recurso salino mais cómodo, mas de exploração mais complexa. O relato de lbn Battüta é acessível pp. n6-n7, 328-33a). As páginas
Mais cómodo, de fato, pois o sal, que se apresenta sob a forma na seguinte edição: lbn Battüta, 3zi-334 são dedicadas, de modo
Ruínas de Sal zo5
zo4 Capítulo z5
T
Larbi Mezzine, "Relation d'un vo-
mais geral, ao sal e a suas técnicas
de produção no oesteda África e yage de Tagaza à Sigilmasa en io96 CAPÍTULO Z6
H./i685 J.-C:' (Arábica, vol. 43, n. i,
no Saara (o mapa, precioso, merece
ser observado com atenção). No PP Zil'Z33, 1996). A citação do
mesmo registro, mas sem a docu- contemporâneo de Monod é de
mentação arqueológica, inscreve-se
Émile-Félix Gautier, l,e Sa/lata(Pa- A ALFÂNDEGA DO MÂLI
o artigo de E. Ann McDougall, ras, Payot, l9z3, p i63). Sobre a
;Salts ofthe Western Sahara: Myths, fome de sal, para o homem, e a im-
Mysteries, and Historical Signiâ- portância das curas minerais, para
cance"(ne InfernatfonaZ JournaJ of
o animal, ver, em uma abundante UALATA, MAURITANIA ATUAL,
literatura, de Pierre Gouletquer e POR VOLTA DE i7 DE ABRIL DE i35Z
African /Jfsforícal Sfudies, vol. z3,
Dorothea Kleinmann, "Structure
n. z, pp. z3l-z57,l99o). A passagem
sociale et commerce du sel dana
sobre Taghâza em Léon encontra-
se em Jean-Léon I'Africain, Des- 1%conomie touarêgue"(Recue de
í'Occident mtlsulman et de ta Médi-
cr@tíorzde IXJrlqzle, tradução de
Aléxis Épaulard, notas de Th. Mo terrarzée,
vol. zl, pp. i3l-l39, 1976)e
nod, Henri Lhote e R. Mauny (Pa- "Le dromadaire face à la sous-nu-
uis, A. Maisonneuve, lg8o, t. n, pp trition minérale: un aspect mécon-
455-456).Um notável documento nu de son adaptabilité aux condi-
que foi preservado é o relato de um
tions désertiques"(Scíences
ef
itinerário de caravana entre Taghâ changements ptanétaires/Séche-
za e Sijilmâsa, em i685; trata-se de resse,vol. n, n. 3, pp. i55-i6i, zooo).
Primeiro você vai enfrentar uma máíia do deserto. Pois se eles
não são seusguias nem seus guardas,eles o saqueiam. Recente-
mente, foram vistas cabeçascortadas dessesbandidos berberes
cobrir o chão do palácio de Sijilmâsa (-> 16); havia então inter
ceptadoresde estradaque o detinham impedindo a passagem
pelo Saara,em direção ao país dos negros. A autoridade, no nor-
te da África, pertencia aos almâadas. Atrapalhados com precei-
tos legalistas, não se continham muito em conservar a vida de
seu próximo. Em outras épocas, convertiam-se assaltantes em
protetores,que evidentementetiravam disso uma renda. Para
lbn Battüta, viajante marroquino que teve muito prazer em vi-
sitar o conjunto do mundo islâmico (-) 2g), a travessia do Saara
ocorreu em i352, de meadosde fevereiro e a meados de abril.
Indivíduos da etnia massufa, da confederação sanhaja, adminis-
travam a caravana.Entendamos: o chefe, os batedores,os cuida-
dores de camelos, os guardas são dessa tribo. De toda forma,
vale mais Carregar sua sorte nas mãos deles do que cair nas mãos
deles. Somos obrigados, de qualquer modo, a confiar neles: o
zo6 Capítulo z5
guia da caravana da qual participou lbn Battüta é caolho pelo
o-'- -- '" assageiros,